Encontros Traduções
UFMG - Universidade Federal Reitor Ronaldo Tadeu Pena
de
Minas Gerais
FALE - Faculdade de Letras Diretor Jacyntho José Lins Brandão Núcleo de Pesquisas Transdisciplinares Literaterras: Escrita, Leitura, Traduções Coordenadora Maria Inês de Almeida
Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias da Biblioteca FALE/UFMG
Índios Xacriabá.
I39e Encontros traduções / professores indígenas [texto e ilustrações : Creuza Nunes Lopes Xacriabá... [et al.] ; coordenação : Maria Inês de Almeida]. – Belo Horizonte : FALE/UFMG, 2009.
27 p. : il. color.
ISBN: 978-85-7758-068-2 1. Índios Xacriabá – Minas Gerais. 2. Índios Pataxó – Minas Gerais. Literatura indígena. 4. Tradução intersemiótica. I. Xacriabá, Creuza Nunes Lopes. II. Almeida, Maria Inês. III. Título. CDD : 898
Professores Indígenas
Encontros Traduções Belo Horizonte Faculdade de Letras UFMG 2009
Encontros Traduções Textos e Ilustrações
Creuza Nunes Lopes Xakriabá, Diana Pereira de Araújo Rocha Xakriabá, Geovana Paulo Santiago Xakriabá, Isaque S. Souza Pataxó, Lucidalva Alves Ferreira Pataxó, Rânison Pinheiro de Abreu Xakriabá, Rosângela Pinheiro Oliveira Xakriabá, Sandra de Oliveira Mota Xakriabá, Solange Nunes da Mota Xakriabá, Vanginei Leite Silva Xakriabá.
Coordenação
Maria Inês de Almeida
Editoração
Rafael Brant Carneiro
Arte Final
Amanda Machado
Sumário Apresentação
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História de sofrimento e final feliz
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O mundo encantado
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Histórias dos mais velhos
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História de um jovem guerreiro
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O kakusu e os seus pecados
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A mulher e o filho
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A velha, o menino e o homem
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A mãe que escomungou o filho
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Aynshã kané, Aynshã etiké! (Nem arco nem flecha!)
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Apresentação Este livro é resultado de um trabalho que fizemos nas aulas da Professora Maria Inês de Almeida e do Monitor Rafael Carneiro no curso de Formação Intercultural para os Professores Indígenas. Todos os textos e desenhos que estão aqui foram construídos a partir de uma história que ouvimos e de que depois fizemos a transcrição, utilizando algo semelhante à mesma. Cada um de nós produziu a sua narrativa e todos as produziram com uma nova versão.
O resultado foi este material, que é uma forma de interagir no
processo dos estudos Literários, dentro da perspectiva de cada aluno em formação na Licenciatura Indígena. Esta transcrição proposta para alguns dos alunos Pataxó e Xacriabá foi uma forma de interagir a dinâmica entre a narrativa oral e a transcriação utilizada por cada aluno. Essas narrativas são como sementes que a Professora Inês nos deu para plantar. Nós plantamos, elas nasceram, cresceram e depois desgalharam; deram flor e semente. Tempo depois, as crianças vão colher essas sementes e fazer pulseira, colar e brinco. Acreditamos que este material é muito útil como suporte, tanto com as séries iniciais, como com as outras, no trabalho com as linguagens, as artes, na aprendizagem e discussão com os alunos.
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História do índio e a índia
Agora eu vou contar outra poesia. É pequena, mas vou contar assim mesmo, uma poesia que minha mãe me ensinou. Tinha um índio. Tinha uma índia. Aí o índio falou: — Mãe, eu vou me casar com uma índia muito bonita. Aí ele foi trabalhar para fazer a sua casa. O índio olhou e viu fumacinha. Ele falou: — Depois que eu terminar meu serviço, vou onde está saindo aquela fumacinha. Quando o índio chegou lá onde estava saindo a fumacinha, ele viu uma casa de palha. Nessa casa de palha, quem morava lá era um índio velho, conhecedor dos segredos da mata. Era muito sábio. O velho virou para o índio e disse: — Meu filho, para casar com a índia, você vai ter que carregar esta pedra aqui. Aí o velho mostrou três pedras. Uma era o índio, a outra era a índia, e a outra pedrinha era o filho que eles iriam ter. O índio disse: — Meu velho, meu velho, eu aguento as três pedras. Aí o velho falou: — Meu filho, casar não é casaca. Aí, quando o índio chegou em casa, ele contou tudo para a mãe dele. Ele pegou três pedras e começou a carregá-las. O velho estava escondido vendo o índio carregando as pedras. E o índio falava: — Eu não falei que eu aguentaria com as três pedras? Quando ele estava ali carregando as pedras, apareceram duas índias. Uma puxava ele pra lá, a outra puxava pra cá, dizendo que queriam casar com ele. Enquanto eles estavam naquele puxa-puxa, apareceu a índia que ia casar com ele e ele falou: — É com aquela que eu vou me casar. Depois o índio mostrou as pedras à moça falando para ela casar com ele. Teve que carregar aquelas três pedras. Depois, o índio chegou em casa. O índio e a índia se arrumaram e foram para casinha do velho pra se casar. Quando o velho deu os parabéns, os dois foram embora para sua casa. Depois o velho desapareceu, nunca mais voltou para sua casinha de palha. Lucidalva Alves Ferreira Pataxó
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História de sofrimento e final feliz Era uma vez um garoto que se chamava Tunico. Ele era bem educado e obediente. Um dia ele resolveu sair à procura de serviço. Ele falou : — Mãe, eu estou saindo para procurar serviço, tenho certeza que vou encontrar. Aí ele saiu passando em uma estrada bem deserta e de longe ele avistou uma fumacinha. Caminhou, caminhou até chegar lá. Era uma casinha de palha e lá morava um velhinho. Ele falou para o velhinho que estava procurando emprego. Aí o velho respondeu: — Meu filho, eu tenho emprego aqui, mas você não vai poder trabalhar pra mim não porque você me parece ser um garoto impaciente. Ele respondeu: — Eu tenho paciência sim. O velho falou: — Tudo bem, só que tem um porém: o que você ver aqui não fala nada para ninguém, aí eu arrumo serviço para você. Depois ele foi trabalhar e lá tinha muitos pés de laranja que estavam bem carregados de laranjas verdes, maduras, grandes e pequenas. Naquele momento chegou uma mulher e começou a derrubar todas as laranjas. Rumava pedra, pau... Ele ficou olhando aquilo e não se conformou, foi até a mulher e falou: — Olha dona, não pode fazer isso, derruba somente as maduras. Quando ele terminou de falar, não era ninguém, sumiu tudo. Ele voltou para trás correndo e não trabalhou porque ficou assustado. No dia seguinte, ele retornou ao trabalho. Chegando lá, ele viu a mesma mulher juntando um monte de lenha e jogando nos ombros. Ele não podia falar nada, mas não conseguia ficar quieto. Tornou a falar: — Você não pode ficar pegando esse peso. Quando terminou de falar, não era ninguém. Ele correu assustado novamente e não trabalhou. No último dia que ele foi para o serviço, chegando lá ele avistou uma pedra e dois homens segurando a pedra. E puxa pra lá e o outro puxa pra cá. Ele outra vez falou: — Não pode puxar para os dois lados, puxa para um lado só. Afinal não era ninguém, ele voltou correndo e foi parar na casa da mãe dele. Aí lá ele começou a trabalhar para ele mesmo. Todos os dias ele chegava cansado e deitava no chão. Um dia ele deitou e sonhou com uma moça muito bonita e que também era rica. Ele foi à procura dessa moça. Chegando na casa dela, ele a chamou e a pediu em namoro. Casaram e foram morar juntos. Agora ele estuda, arrumou emprego e está muito feliz. Solange Nunes da mota Xakriabá
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O mundo encantado Muitos e muitos anos atrás, uma mulher tinha um filho que resolveu sair pelo mundo procurando emprego. Disse para a mãe: — Mãe, eu vou trabaiá, vô pricurá siviço por esse mundo afora. E lá se foi. Depois de ter andado por muitos dias, avistou uma fumacinha bem longe, dentro da mata. Resolveu ir ver o que era aquilo. Quando chegou lá, viu um casa de palha, de um velhinho muito estranho, e disse: — Tô aqui caçano siviço. O velho respondeu: — Eu tenho um serviço, porém, você só ganhará se for muito inteligente. O rapaz disse: — Inteligença é cumigo memo. O velho levou o rapaz até o serviço e disse a ele que, se aparecesse alguém, o que ele tinha que fazer era não fazer nada. Assim que o velho saiu, apareceu um pé de laranja. Tinha laranja verde, madura e até flores. De repente chegou uma velha com uma vara e começou a derrubar tudo: laranja verde, madura, e as flores também. O rapaz disse: — Minha véa, cê num pricisa só uma veiz só não, dirrubava as madura e deixava as verde! Em um piscar de olhos, desapareceu a velha com laranja e tudo. No outro dia apareceu um bocado de lenha e a velha também. Ela tentava carregar a lenha toda de uma vez só, mas não aguentava. O rapaz disse: — Minha véa, cê num guenta mais e tá remuntano! Novamente a velha desapareceu com lenha e tudo. No terceiro dia, apareceram duas pedras com dois homens tentando carregálas, um puxando por um lado e o outro para o outro. O rapaz disse: — Meu véi, meu véi, puxa tudo prum lado só, cê num virou minhoca não! De repente desapareceu tudo: os dois homens e as pedras. O velhinho apareceu e disse: — Pois é, cê num ganhou o emprego, vai ganhar noutro canto. Ocê num é inteligente. O rapaz continuou andando até chegar em outra casa, que tinha uma moça muito linda. O rapaz começou a trabalhar para o pai da moça, que era um homem encantado. Porém o rapaz não sabia. Um certo dia, vendo que a moça estava sozinha na casa, o rapaz resolveu dormir com ela. O pai da moça, como era encantado, viu tudo que aconteceu e apareceu com um revólver e levou os dois à igreja para se casarem. Quando a missa acabou, o rapaz desapareceu e nunca mais voltou. Vanginei Leite Silva Xakriabá
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Histórias dos mais velhos Era uma vez, em uma aldeia bem distante, uma mulher e um rapazinho. Um dia ele falou para sua mãe que iria procurar um serviço pelo mundo. E foi... Bem distante ele avistou uma fumacinha, ficou com muita curiosidade e foi andando até chegar na tal casa da fumaça. Chegando na casa, ele encontrou com um velhinho. O rapaz explicou ao velho que estava ali para procurar um serviço. O velhinho falou com ele que havia um serviço, mas precisaria ter paciência e ficar quieto. O rapaz falou que aceitaria, e ficou tudo combinado com o velhinho sobre o serviço. No outro dia, o velhinho disse ao rapaz: — Olhe, tem um porém, tudo o que você ver aqui, você não diga nada para ninguém. Se você falar, não irá ganhar. O rapaz encontrou um pé de laranja, algumas maduras, outras verdes, e flores. Apareceu uma velha para retirar laranjas com uma vara, derrubando tudo. O rapaz disse: — Minha senhora, não derrube tudo, deixe as verdes e leve só as maduras. Nem senhora, nem laranjas. Sumiu tudo... Mais adiante apareceu bastante lenha. A senhora apareceu novamente colocando bastante lenha nas costas. O rapaz falou: — Minha senhora, não está vendo que não aguenta tanta lenha? Nem senhora, nem lenha. Desapareceu tudo... Por fim, apareceram duas pedras e dois homens, cada um puxando para um lado. O rapaz tornou a dizer: — Vocês não estão vendo que estão errados? Puxa tudo para um lado. Nem homem, nem pedras. Sumiu tudo... Esta foi uma história que minha mãe me ensinou. Então, o que significa isto: as laranjas, as lenhas e as pedras? São os pecados que vão cada vez mais aumentando. As laranjas maduras são os mais velhos da nossa aldeia, as verdes são os jovens, as flores são as crianças. As pedras são as pessoas que brigam. Diana Pereira de Araújo Rocha Xakriabá
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História de um jovem guerreiro Era uma vez uma mulher que gostava de contar poesia. Certa noite, ao redor da fogueira, contou uma pequena poesia para os seus netos, que sua mãe havia ensinado. Tinha um rapaz e tinha uma mulher. Aí ele saiu. — Mãe, eu vou trabalhar, procurar um serviço pelo mundo. No outro dia ele foi. Na mata ele viu uma fumacinha subindo. Depois ele entrou. Quando chegou lá, tinha uma casa coberta de palha onde morava um velho. Era do tempo que o nosso senhor andava. A mãe sempre falava assim. O rapaz falou: — Eu estou procurando serviço. Aí o velho índio guerreiro lhe respondeu. — Meu filho, eu tenho um serviço aqui mas, pra você ganhar, você tem que ser forte e guerreiro. Ele falou: — Eu sou forte e guerreiro. — Pois então, amanhã, a gente vai matar o monstro que vive atacando o meu povo. Aí, então, o velho levou o jovem lá e o pôs debaixo de uma caverna. Ele falou: — Se você conseguir matar esse monstro, você ganha. Aí ele falou: — Eu ganho. Ele ficou esperando o monstro aparecer. Apareceu um tatu, ele correu atrás do tatu e o matou. Depois, chegou o monstro atacando tudo, derrubando todas as árvores. Logo o velho falou: — Se você o matar, ganhará de presente a mão de minha filha em casamento. O velho falou outra vez: — Eu não sei se você vai matar não. O jovem falou: — Amanhã. No dia seguinte, ele apareceu lá com uma flecha na mão e uma borduna nas costas. O velho falava: — Você não vai conseguir não. Esse mostro é muito forte. O jovem rapaz pegou a flecha e matou o monstro. O velho ficou tão feliz que deu a sua filha para que ela se casasse com ele. Naquele dia houve uma grande festa na aldeia. Rosângela Pinheiro Oliveira Xakriabá
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O kakusu e os seus pecados Eu vou contar uma história de quando a nossa família se reúne em volta da fogueira para ouvir a minha mãe. Ela começa sempre falando: — Prestem atenção no que vou contar para vocês. Numa aldeia havia uma família que tinha um jovem kakusu que estava com o espírito perturbado. Certo dia ele falou para sua mãe: — Eu vou embora desta aldeia! A mãe, meio triste, disse: — Filho, você já é um jovem kakusu, siga o seu destino. E assim o jovem seguiu o seu caminho. Quando estava anoitecendo, o pequeno jovem avistou uma fumaça bem longe, dentre aquela imensa maturambá. E seguiu em direção àquele vestígio. Quando estava perto, ele notou que tinha uma oca de palha de jussara. O kakusu aproximou-se e gritou: — Tem alguém na oca? Num desses gritos, apareceu um velhinho que parecia ser muito sábio e determinado. O velho perguntou para aquele jovem: — O que você está querendo no meio dessa mata? O kakusu respondeu fielmente: — Eu estou procurando uma nova família. Então o sábio falou para o jovem que se ele avistasse alguma coisa não poderia falar nenhuma palavra. O jovem aceitou. O velho convidou o kakusu para debaixo de um pé de gameleira e explicou o que ia acontecer se ele falasse alguma palavra. — Preste atenção no que eu vou falar. Disse o velho sábio. Se você não falar nada, a sorte voltará a seu favor e você terá a sua família. — Tudo bem. Falou o kakusu. Num passar da brisa, surgiu uma velha e começou a derrubar as laranjas maduras, verdes e as flores. O jovem ficou muito zangado e retrucou a velha com palavras de proteção à natureza: — Minha velha caduca, derruba só as maduras! Quando ele disse isso a velha sumiu. Nem laranja nem família. — Eu não falei que você não ia ganhar? Disse o velho. O jovem murmurou e falou: — Amanhã eu ganho. No outro dia ele foi para debaixo do pé de jurema. Logo após surgiu uma brisa trazendo uma velha com um feixe enorme de lenha. O kakusu não aguentou e falou: — Leva apenas um pouco, pois a senhora vai se machucar. Quando ele acabou de falar a velha sumiu. Nem lenha nem família.
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O jovem kakusu ficou muito triste e disse: — Na última tentativa, eu vou ser feliz com a minha nova família. Ao entardecer o jovem foi descansar cedo para pensar no que podia fazer com aqueles espíritos que estavam perturbando a sua alma. Ao amanhecer o kakusu acordou bem cedo e foi para debaixo do pé de jenipapo. Chegando lá, pegou uma fruta de jenipapo e se pintou para ver o que ia acontecer. Nisso, surgiu uma leve brisa, trazendo duas pedras e dois homens lutando pelas pedras. O kakusu entrou na luta e separou os dois homens. Ele pegou as pedras e deu uma para cada homem. O sábio ficou muito feliz com a atitude daquele jovem kakusu e trouxe uma jacona baicu para o kakusu. E foi assim que os espíritos trouxeram a sua felicidade. O jenipapo lava a alma do jovem kakusu e trás os espíritos komxisa. Isaque S. Souza Pataxó
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A mulher e o filho Era uma vez uma mulher que tinha um filho. Esse filho sempre sonhava com um futuro melhor, de um dia crescer, trabalhar e ajudar a própria família. Certo dia, ele falou para a mãe assim: — Mãe, já sou rapaz bem crescido, agora vou procurar um rumo, vou sair para o mundo afora trabalhar. A mãe não disse nada, mas sentiu pena dele. Ele saiu para o mundo afora. Andou, andou, até chegou em um lugar onde havia uma casinha de palha e nela morava um velho. Ele chegou e perguntou: — Oh, velho, estou procurando serviço, aí tem? E o velho respondeu assim: — Tem um serviço aqui, mas só pra quem é corajoso. Aí o rapaz disse: — Aceito esse serviço, menos matar. O velho disse: — A partir de amanhã você vai ficar debaixo do pé de gameleira, mas uma coisa vou falar: vai aparecer bichos de todo jeito por lá. O rapaz já ficou assustado, mas não desistiu e foi ficar lá. Quando era meia noite, veio uma velha de cabelos brancos e disse assim: — Você ouve conselho? Ele respondeu: — Sim, mas só do bom. — Então você sai daqui o mais rápido possível, porque vão ter muitas assombrações, e gameleiras são árvores que bichos ruins gostam de habitar. Aí o rapaz ficou triste porque iria ficar sem trabalhar. Pensou, pensou... — Ah, vou desistir, já estou sentindo um arrepio na minha pele. Mas vou procurar outro emprego que possa me ajudar. Quero ganhar dinheiro e realizar meu sonho verdadeiro. Geovana Paulo Santiago Xakriabá
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A velha, o menino e o homem Era uma vez uma velha e um menino. Certo dia o menino falou: — Mãe, eu vou sair para o mundo porque preciso trabalhar para ganhar dinheiro. A velha disse: — Não, meu filho, você não pode sair, porque só temos um ao outro. O menino falou: — Seja onde for o serviço, eu vou. Chegando em uma encruzilhada, o menino viu um homem montado em uma mula grande e preta. O homem estava todo de roupa preta. Ele olhou para o menino e perguntou: — O que você está procurando? O menino respondeu: — Estou procurando um serviço. Seja onde for, eu topo ir. O homem respondeu: — Então monta aqui na garupa e fecha os olhos. Só pode abrir quando eu mandar. Assim fez o menino. Quando chegou lá, ele falou assim para o menino. — Pode abrir os olhos. O menino abriu os olhos e viu que estava em um lugar distante. No outro dia o menino levantou cedo, tomou café, e ficou esperando o homem levantar para mostrar o serviço. Passou alguns minutos, o homem apareceu e falou: — Tenho um serviço para você. Se você conseguir fazer todos os três serviços que eu indicar, você ganha, aí você recebe o dinheiro e, se você não conseguir, você volta para sua casa sem ganhar um centavo. Sandra de Oliveira Mota Xakriabá
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A mãe que escomungou o filho Eu vou lhe contar uma história. Esta história aconteceu com um menino que num obedecia a mãe dele. Quando foi um dia, o menino chegou e falou pra mãe dele que ele já estava enjoado de viver assim e queria sair nem que fosse pro inferno pra poder trabalhar e ganhar dinheiro. A mulher olhou assim pra ele e falou: — Minino, cê num repete isso não. Ele resmungou: — Repito agora! — Meu fio, você vai ver. Num escuta, num credita no que eu falo. Por esse motivo vai chorar lágrimas de sangue. Mas tem isso com os índios, quando a mãe escomunga, as madrinhas salvam. Então assim aconteceu com aquele também. Ele saiu viajando pelo mundo. Lá foi, lá foi e foi. Quando era bem de noite estava pendurado querendo dormir no galho de uma mangueira, sonhando. Toc toc, fim fim. Apareceu uma fumaça e no meio da fumaça uma voz: — Minha madinha, minha madinha, é você? A madrinha falou assim: — É eu, Ludovico. Vim dá umas coisas pra você, mas se não tiver coragem não ganha nada não. Deixa eu explicar procê: vai aparecer três acontecimentos procê, mas num pode contá pra ninguém, fica calado senão num vai ganhá nada. Quando foi no dia seguinte, apareceu um monstro com um dego no espeto e ele já estava descansando em cima da planta. O monstro acendeu fogo, assou o dego, tocou gaita e chamou um bocado de monstro pra dançar e comer o dego, e ainda falou: — Parece que tem uma caça por aqui! Ludovico escutou morrendo de medo, nem mexeu. Esse sumiu. quando foi no outro dia, olha que aparece uma velha com um varão na mão. Pá, pá, pá. — Óia a laranja, óia a laranja, vô derrubá! De repente a vara bateu numa casa de marimbondo que afrexou de tanta ferroada. Então ele ficou quetinho, nem mexeu. Quando foi no terceiro dia, estava quase vencendo, apareceu duas pedras com dois homens puxando pra lá e pra cá e ele calado estava, calado ficou. Esse trem puxa de lá, puxa de cá, quando pensa que não, um estrondo estorou tudo e ele desceu pra ver o que era aquilo. Era tudo dinheiro. Juntou e voltou pra maloca e foi viver feliz com sua mãe.
Creuza Nunes Lopes Xakriabá
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Aynshã kané, Aynshã etiké! (Nem arco nem flecha!) Um dia um aimãmãn resolveu sair da aldeia para ir procurar outra aldeia mais afastada e mais sossegada. Despediu-se de sua nichatary e foi-se mata adentro. Andou, andou dia e noite, quando foi de manhã, ele avistou uma pequena gry coberta de palha e, quando ele se aproximou, viu sentado na frente da gry um angratá bem velhinho. Aí o jovem achou aquele lugar bem tranquilo e pediu ao angratá para morar ali com ele. Aí o angratá respondeu: — Você pode ficar, mas tudo que acontecer aqui, de madrugada, você não pode fazer ou dizer nada, senão eu não deixo você ficar. O aimãmãn respondeu: — Tudo bem. Quando foi de madrugada, o aimãmãn acordou e viu uma debá dapsidy, que veio e pediu ao aimãmãn para matar o velho e se casar com ela, e ficar morando na gry. Aí o aimãmãn pensou e lembrou do que o angratá disse, aí não fez e a moça sumiu, foi embora. No outro dia surgiram três debá dapsidy. O jovem não aguentou, pegou o arco e resolveu matar o angratá. Quando ele armou o arco, o angratá acordou e disse sorrindo “aynshã kane, aynshã etiké!”. E desapareceu tudo. Ficaram só a mata e o jovem. Isso é a natureza testando as três qualidades de um guerreiro: ser agradecido, não ser ambicioso (olho grande) e nunca desrespeitar os mais velhos.
Vocabulário: Debá dapsidy: moça bonita Angratá: vó, vô, velho Aimãmãn: rapaz Nichatary: mãe Gry: casa
Rânison Pinheiro de Abreu Xakriabá
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