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Somos todos livros
from Enquanto espero
Somos todos livros Roberto Schima
Quantas linhas a história de uma vida pode ter? Quantos parágrafos? Quantos capítulos? Muitas coisas poderão ser escritas, às vezes apagadas, ou, então, reescritas, buscando-se cinzelar a forma, enfeitar o conteúdo, aprimorar o vernáculo e rebuscar a superfície. Cantoneiras e florão. Nervuras, gravuras, iluminuras. Somos todos livros errantes na imensa biblioteca do Existir. Penso nos milhares e milhares de volumes que se perderam para sempre, muito além de qualquer memória, amnesiadas da História, a exemplo da destruição daquele legendário centro de saber em Alexandria. Volumes primorosos, papiros mais simples, tabuletas de argila, inscrições em obeliscos. Folhas e folhas perdidas na borrasca do esquecimento. Somos todos livros. Com ou sem leitores, com ou sem importância, não deixaremos de sê-los. Contudo, para além das linhas, parágrafos, capítulos e floreios, indago-me um pouquinho mais além.
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Ao menos, creio eu. Sim, penso, num aceno vagaroso de cabeça. Oh, analfabeto a fingir tudo compreender! Segredos de um olhar que não se deixou ler, por trás de pálpebras cerradas cujo mundo procurou reter. Alfarrábios fechados, trancados, chaves perdidas em almas fendidas. Penso sobre aquilo que ficou e fica nas entrelinhas, nas nuances, no que poderia ter sido escrito, mas que permaneceu incólume na ponta calada de uma pena, no palimpsesto do silêncio. Ah, tramas infinitas que de miríade de vidas poderiam ser escritas!
Roberto Schima é de Salto, SP.