GRITOS ENCANTADOS - LIVRETO

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Um impasse marca a produção de canções de protesto. De um lado a vontade de denunciar os crimes cometidos pelas classes dominantes do sistema capitalista e, de outro, a subordinação a este sistema que vende suas produções. No meio desse dilema, estão os músicos e as bandas. O professor Eduardo Paiva se lembra de uma exceção na história das canções de protesto e da indústria da música. “Existe uma entrevista dos Rolling Stones na década de 60 em que Mick Jager fala do rompimento com a gravadora porque eles não tinham liberdade para se manifestar contra a indústria de venda de radares para a Guerra do Vietnã, que tinha uma ligação com a gravadora”. Em contrapartida, o produtor musical Augusto Pereira aponta o grande interesse dos cantores de 60 em atrelar-se ao MPB para conseguir mais ouvintes e vender mais discos. Segundo ele a regra era: “Voz violão, compassos lentos, tranquilos, com rimas repetitivas, com muitos ‘ão’, no formato de um hino, coisa fácil de decorar.” Assim, muitas “canções de protesto” foram apropriadas pela indústria fonográfica com “canções de protesto da MPB”.

Estudiosos como Marcos Napolitano e Fábio Zan acreditam que a realidade social faz as próprias classes desfavorecidas começarem a usar a música com protesto. Muitos artistas da nova geração da música de protesto se envolvem diretamente em ações sociais e alegam que a corrente atual é uma música política de resultados, não de utopias como viveram os jovens de 60. O historiador Luiz Carlos Maciel acredita que a origem pobre desses artistas justifica sua participação social mais objetiva. Com isso, as canções de protestos das periferias serviram para re-significar o termo apresentando os problemas locais e contribuindo para solucionar suas carências através de projetos sociais. Lugares marginalizados definem pro si só a letra dessas canções, mostrando que elas ganharam forma e significados ao longo dos anos e não se fizeram presente somente em períodos emblemáticos da história. A canção de protesto é portanto a voz que em diferentes timbres reclama o esquecimento e os direitos de um povo. Um grito encantado que deve continuar fazendo história, ajudando a transformar a realidade.

Seja revelando a represão na ditadura ou a desigualdade na periferia, as canções de protesto dão voz às reivindicações da sociedade e acompanham suas transformações. O jingle “Vem pra rua” do grupo O Rappa Ficou marcado como trilha musical nas recentes manifestações populares ocorridas no Brasil, que tiveram como monte central o aumento das passagens de ônibus. A música, originalmente produzida para a campanha publicitária de uma marca de automóveis, foi apropriada pelos manifestantes como hino de protesto devido sua letra convidativa e simbólica que coincidia como o contexto da realização de um grande evento esportivo no país.

Chico Science, líder da banda Nação Zumbi, popularizou canções que traziam nas letras a mensagem de insatisfação com os problemas do governo da época. No início desse século, a canção “Até Quando” (2001), de Gabriel O Pensador, também é um exemplo de mistura de ritmos para criticar a realidade. “Ela utiliza elementos de música brasileira, como uma levada de samba no início, que nos faz entender que esses problemas se passam no Brasil”, diz Bruno Mantovani, produtor musical. Contagiados pelo clima das recentes manifestações em julho de 2013 no Brasil, muitos músicos criaram canções específicas para o momento. Entre eles, Leone, com “As coisas não caem do céu”, menciona nas redes sociais, que só a ação modifica o mundo e que as pessoas nas ruas foram capazes de dizer isso de forma impactante e convincente. E Tom Zé, em “Povo Novo”, cuja a letra fala de uma nova geração que sai às ruas para clamar seus direitos, um pouco retraída, mas que sabe o que quer. A trajetória histórica que liga movimentos sociais importantes a canções de protesto serve de base para vários questionamentos e associações. Matheus Nere, estudante de Direito e militante político na Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFMG (AJUP – UFMG), lembra o atual “Movimento Passe Livre” no Brasil: “muitas músicas e pautas se parecem e até resgatam a identidade ideológica que outrora (como nos anos 60) era mais intensa”.

A relação da música com protestos sociais é antiga. O termo “canção de protesto”, por exemplo, ganhou destaque na década de 60 e desde então tem variado em sua forma e contexto produtivo. Durante a Ditadura no Brasil, período marcado por intensa efervescência política, essas canções externavam uma vontade de mudar o mundo e politizar as pessoas, sendo difundidas principalmente por jovens da classe média brasileira. No pós segunda Guerra, no cenário internacional, as canções de protesto também estiveram presentes na revolução cubana, na independência da Argélia, durante a guerra antiimperialista ao Vietnã e nas lutas anticoloniais na África. Em junho de 2013, o Brasil apresentou imagens poéticas (termo usado pelo historiador Marcos Napolitano para se referir às ideias utópicas captadas nas letras de canções de protesto), como na década de 60. “A crença no poder da canção e do ato de cantar para todo mundo ouvir; A

denúncia e o lamento de um presente opressivo além da crença na espeespe rança de um futuro libertador”. Como complementa o produtor musical Alex Gomes, “A música é a forma mais simples de atingir a massa, que movida por um mesmo sentimento, transforma-se num forte elemento capaz não só de influenciar, mas de transformar a sociedade, no caso fortalecer os protestos”. Alguns estudiosos acreditam que não é necessariamente o momento histórico que determina a existência dessas canções, mas também o lugar de onde elas vêm. A pluralidade que o termo “canção de protesto” atingiu está relacionada à apropriação das canções de protesto por vários grupos sociais que lutam por diferentes causas no cotidiano. O doutor em Multimeios Eduardo Paiva, professor no departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da UNICAMP, afirma, “cada grupo social hoje tem a sua canção de protesto como a de 1960 que consiga juntar todas as tribos”. O texto do manifesto do Centro Popular de Cultura (CPC), organização associada à União Nacional dos Estudantes (UNE), dizia, em 1962, que o intelectual deveria aproximar-se das massas com o intuito de levar até elas a consciência política capaz de superar o estado de alienação de produzir a partir de elementos da própria cultura do povo a verdadeira “arte popular revolucionária”. Para o professor Eduardo Paiva, os elementos usados nas canções de protesto retratam o momento político em que a música está inserida e funcionam como meio canalizador de informação. Nas letras, apropriação de vivências próximas a realidade de fortalecer os laços entre música e as pessoas e disseminar determinadas mensagens. Com o Golpa de 64 e o acirramento da repressão política e cultural a partir de 1968 no Brasil, nomes como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso e outros artistas, através de suas músicas, criticavam o abuso de poder e a violência, além de gritarem palavras de ordem que mobilizaram a sociedade a lutar por seus direitos. Em 1985, durante a campanha das “Diretas Já”, a banda punk Plebe Rude perguntava em suas canções o que todos queriam saber: “Afinal, até quando esperar para eleger o presidente?”. E o rock do Ultraje a Rigor, ironizava os militares com a canção intitulada “Inútil”. Na década seguinte, um pernambucano que misturava diferentes ritmos como o maracatu e a música eletrônica criou o gênero chamado “mangue beat”,


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