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Ano II - Nº 26

Associação Nacional dos Advogados da União e dos Advogados das Entidades Federais

Fevereiro de 2003

Dez anos da AGU

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Advocacia da União completa hoje dez anos. É uma realidade que o Constituinte de 1988 criou e persiste em construção. Quando se retoma o sentido da idéia inicial que lhe deu origem a mais plena e eficaz promoção e defesa dos bens e interesses da União e dos princípios reitores da Administração Pública , é tempo de manifestar o reconhecimento a todos que fizeram isso possível e de reafirmar a confiança em que os novos desafios enfrentados pela Advocacia Pública serão superados em prol da cidadania e do bem comum. Aos integrantes da Instituição bem como aos que em outros momentos lhe dedicaram trabalho e apoio , envio a minha saudação, felicitando-os pelo sucesso conquistado e prenunciando novos êxitos na jornada que se renova . Alvaro Augusto Ribeiro Costa Advogado-Geral da União

E mais... AGU

Advogado-Geral da União empossa novo Procurador-Geral da União 4e5

Novo Código Civil

Leia palestra do ministro Moreira Alves, do STF, sobre as principais alterações

ADIN

6 a 12

Veja a íntegra da palestra do ministro Gilmar Mendes, do STF, sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade 12 a 16

Diretores da ANAJUR cumprimentam novo Procurador-Geral da União Diretores da ANAJUR compareceram ao café da manhã oferecido pelos funcionários da AGU ao novo ProcuradorGeral da União, Moacir Antônio Machado da Silva. Na oportunidade, os representantes das entidades de classe presentes (ANAJUR, ANPAF e ANAUNI) deram as boasvindas ao novo Procurador-Geral da União, desejando-lhe pleno êxito no exercício de suas funções. O encontro dos representantes das entidades de classe com o novo Procurador-Geral da União ocorreu na sede da AGU, no dia 13 de fevereiro. PARA ANOTAR Caro associado, anote o novo endereço e números de telefone e fax da sede da ANAJUR em Brasília: Endereço: Setor de Autarquias Sul - Quadra 3 - Lote 2 - Bloco C - sala 705 Edifício Business Point - CEP 70.070-934 PABX: (61) 322-9054 - Fax: (61) 322-6527


Notas

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Nova sede da ANAJUR

Associação Nacional dos Advogados da União e dos Advogados das Entidades Federais está instalada em nova sede desde janeiro. O novo endereço da ANAJUR é Setor de Autarquias Sul - Quadra 3 - Lote 2 - Bloco C sala 705 - Edifício Business Point - CEP 70.070-934. Os números de telefone e fax também mudaram. O PABX é (61) 322-9054. Para enviar um fax, o número é (61) 322-6527. A página da Associação na internet continua com o endereço www.anajur.org.br. O novo endereço, um dos mais bem situados em Brasília, é conhecido como Praça dos Tribunais. A Associação fica a poucos metros da Justiça Federal e de tribunais superiores como o STM, o TSE e o TST. Além disso, está muito próximo ao edifício da Procuradoria-Geral da União. A Diretoria da Associação convida todos os associados a visitarem a nova sede, melhor equipada para atender as demandas dos advogados públicos filiados e oferecendo infra-estrutura mais adequada aos funcionários que tocam o dia-a-dia da entidade. Lembramos ainda que a Associação irá inaugurar em breve o Centro de Estudos da ANAJUR, que funcionará no segundo andar do mesmo edifício onde está localizada a sede. O Centro atenderá a toda a carreira de Advogados da União com a realização de cursos de aperfeiçoamento e especialização nas áreas pertinentes às atividades desempenhadas pelas carreiras jurídicas que integram a Advocacia-Geral da União. Aguardem!

EXPEDIENTE

A juíza Ednamar Silva Ramos, da 1ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, negou o pedido de liminar apresentado pelo Ministério Público Federal que pretendia cancelar a nomeação de todos Assistentes Jurídicos da Advocacia-Geral da União que foram transformados em advogados da União. A Advocacia da União no Distrito Federal argumentou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o artigo 11, parágrafos 1º a 5º, da Lei 10.549/02, que transforma os cargos de Assistente Jurídico da AGU

em cargos de Advogado da União, é constitucional. Em sua decisão, a juíza Ednamar Ramos concordou com os argumentos da AGU e declarou que a jurisprudência do STF deixa claro que a unificação das carreiras de Assistente Jurídico e de Advogado da União visou a racionalização dos trabalhos da AGU. Além disso, destacou que a concessão desse tipo de liminar pode gerar grave lesão à ordem pública e ao interesse social. (Fonte: Site da AGU).

Toma posse nova diretoria da ANAUNI A Presidente da ANAJUR, Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta, prestigiou a solenidade de posse da nova diretoria da ANAUNI Associação Nacional dos Advogados da União. O novo presidente da entidade é o Advogado da União Douglas Locateli, que, em seu discurso, ressaltou o fato de que agora a Associação está comprometida em participar ativamente no projeto de desenvolvimento nacional. A solenidade contou também com a presença do Advogado-Geral da União, Ministro Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, que aproveitou a oportunidade para reforçar à platéia de advogados públicos que o papel da AGU

está diretamente ligado ao exercício da cidadania. É a visão do Estado em novos patamares, é o respeito ao cidadão, a construção de um novo projeto de vida , disse o ministro.

Reestruturação da AGU A reestruturação da AGU deverá ocorrer nos próximos meses. Os membros da instituição poderão enviar sugestões para esse trabalho pelo endereço projetos@agu.gov.br. A seguir, alguns tópicos que podem ser discutidos: - necessidade de reforma da Lei Complementar nº 73/93; - estrutura e funcionamento das Con-

sultorias Jurídicas dos Ministérios, da Consultoria-Geral da União e dos Núcleos de Assessoramento Jurídico; - estrutura e funcionamento das Procuradorias da União, Procuradorias Seccionais, Regionais e da Procuradoria-Geral da União; - lides em que podem ser editadas Súmulas Administrativas; - outros assuntos.

Associação Nacional dos Advogados da União e dos Advogados das Entidades Federais - Setor de Autarquias Sul - Quadra 3 - Lote 2 - Bloco C - sala 705 Edifício Business Point - CEP 70.070-934 - PABX: (61) 322-9054 - Fax: (61) 322-6527 - Home Page: www.anajur.org.br - E-mail: anajur@anajur.org.br

Diretoria Executiva Presidente: Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta - AGU Vice-Presidente: Tito Regis de Alencastro Neto MAARA 1º Secretário: Emídio Lima Gomes - MEC 2º Secretário: Gilberto Silva - MT/Aposentado 1º Tesoureiro: João José Berredo da Silva Filho MPAS/AGU 2º Tesoureiro: Edson Rangel - CEX Conselho Deliberativo Efetivos

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Justiça nega liminar que pretendia anular unificação de cargos na AGU

Jurema Santos Rozsanyi Nunes - CAER Valdemar Carvalho Júnior - CAER Marlice Malheiros de França - MC/AGU Suplentes Luiz Edmar Lima - MEC/Aposentado Tânia Maria Carneiro Santos - AGU Norma Santos Guimarães - MME Conselho Fiscal Efetivos Lídio Carlos da Silva - MJ/Aposentado Eduardo F. de Araújo Filho - MJ

Rodrigo Figueiredo Paiva - DPF/MJ Suplentes Annamaria Mundim G. Borges - MINC/AGU Elza Maria Lemos Pimentel - MPAS/AGU Editora: Viviane Sena - RP 4299/DF Diagramação e Editoração Eletrônica: Fernanda M. Costa - RP 1407/DF (9905-2463/ 321-8200) Fotógrafo: Clausem Bonifacio Impressão: Gráfica Zeni. Fone: (61) 344-7584

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Visita ao Advogado-Geral da União

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m visita de cortesia ocorrida no último dia 8 de janeiro, durante o recesso, o Advogado-Geral da União solicitou à Presidência da ANAJUR, primeira entidade de classe a ser ouvida, o encaminhamento de propostas de interesse dos Advogados da União. No dia seguinte, por meio do OFÍCIO Nº 003/03-ANAJUR, a Presidente da Associação, enfatizando o acerto do Presidente da República na nomeação de S. Exª como mediador das causas públicas e implementador de políticas de reorganização e aperfeiçoamento da AGU, e esclarecendo que nossos pleitos, longe do corporativismo rotineiro em ações do gênero, visam o fortalecimento da Instituição, apresentou, dentre outras, as seguintes propostas: 1. Edição de nova proposição visando substituir a Medida Provi-

sória nº 71, de 03 de outubro de 2002, rejeitada pelo Plenário da Câmara dos Deputados em 11.12.2002 por nela constar matéria referente à Receita Federal; 2. Lotação dos Advogados da União oriundos da extinta carreira de Assistente Jurídico na AGU; 3. Agilização na confecção das carteiras funcionais dos Advogados

da União; 4. Estudo da possibilidade de se destinar um percentual dos honorários de sucumbência nas ações ganhas pela União em que os Advogados da União das áreas contenciosa e consultiva efetivamente atuaram. No mesmo ofício, a Presidente da ANAJUR anexou documentos comprovando que algumas das propostas acima já haviam sido solicitadas à AGU anteriormente e manifestou a expectativa dos membros da carreira de que, na gestão de S. Exª, sejam as mesmas atendidas. O Advogado-Geral da União, na oportunidade, foi muito receptivo à ANAJUR e disse que estaria aguardando a visita de nossa Diretoria tão logo terminasse o recesso. A audiência será marcada para o mais breve possível.

Advocacia-Geral da União Despacho do Advogado-Geral A Administração Federal direta vem de ser reorganizada, conforme a Medida Provisória nº 103, de 1º de janeiro de 2003, nela incluídos novos Ministérios e Secretarias de Estado, além de Gabinetes de Ministros Extraordinários, órgãos cuja estruturação e funcionamento exigirão esforços concentrados de outros setores do Governo, mormente da Advocacia-Geral da União, Instituição responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, a qual deve estar presente no momento em que esse Poder passa por profunda reformulação administrativa, além da introdução de novas políticas públicas a abranger toda a Administração Federal, de fundamental relevância para

a sociedade. De outra parte, o interesse público tem prevalência sobre interesses individuais, principalmente quando estes podem ser atendidos em momento oportuno, respeitando os direitos conquistados, sem prejuízo do interesse da coletividade. Dessa forma, atento ao respeito aos direitos individuais, imbuído do dever funcional e orientado pelo interesse público, vejo indispensável expedir em momento posterior e mais oportuno os atos de remoção, pelos quais se efetivarão as remoções do Advogados da União e dos Procuradores Federais deferidas pelas Portarias nº 815, de 23 de dezembro, nº 819 e 829, de 27 de dezembro, e nº 839, de 31 de de-

zembro, todas de 2002, publicadas, respectivamente, no Diário Oficial de 26 e 30 de dezembro último, e de 1º de janeiro do ano em curso. Enquanto não expedidas as portarias de efetivação das remoções deferidas, o Procurador-Geral da União, o Consultor-Geral da União e o Procurador-Geral Federal providenciarão a definição dos Órgãos nos quais serão lotados os servidores a serem removidos, conforme previsto nas aludidas portarias. À Secretaria-Geral da Advocacia-Geral da União para adoção das providência pertinentes. Brasília, 3 de janeiro de 2003. Álvaro Augusto Ribeiro Costa Advogado-Geral da União

Aniversariantes do mês de fevereiro Mércia Goulart Capparelli ..................................... 3 Regina Maria Coelho Michelon ............................ 3 Samir Safadi ........................................................ 4 Marlene Jordão Velardi ......................................... 4 Luiz Fernando Caldas Villela De Andrade ............. 5 Juracy Silva Moura ............................................. 5 Ednilson José Rogner Coelho .............................. 6 Maria José das Neves Duarte .............................. 7 João Crescêncio De Santana ............................... 8 Magali Soares Leite .............................................. 8 Emanuel Dias Cardoso ........................................ 9 Alfredo Correa de Sá ........................................... 9 Anny de Sá Rocha .............................................. 9 Alvyr Pereira Lima ............................................... 9 Luiz Carlos Barbosa ............................................ 10 Rubens Borba Ramos ......................................... 10 Aglais Marques Tabosa ....................................... 10 Everilda Mandarino Dos Reis .............................. 10 Moacir Carlos de Menezes Da Costa ................. 12

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Maria Teresa Rocha ............................................ 13 Aldo Raulino Carreiro Da Cunha Ferro ................ 13 Jurema Santos Rozsanyi Nunes ......................... 14 Luiz Felippe Guahyba Nepomuceno .................... 15 José Vilalva Ribeiro Filho .................................... 15 Nelson Mendes Barbosa ..................................... 15 Maria Nivalda Xavier dos Santos ........................ 15 Yoshio Watanabe ................................................. 17 José Ronaldo M. De Araújo ................................. 17 Hélio Cunha Graça ............................................. 18 Francisco José Guimarães .................................. 18 José Marcos de Castro ....................................... 18 Annamaria Mundim Guimarães Borges ............... 18 José Ib Henrique Pedroza ................................... 19 Maria José dos Santos Velasco .......................... 19 Maria José Penha Silva Domingues ................... 19 José Alves Marinho Filho .................................... 19 Rodolpho José Baierle ......................................... 20 Suely Almeida ..................................................... 20

Délio Maury ........................................................ 21 Messias Joséfina Curado Mansur ....................... 22 Adélia Moreira D almeida E Souza ...................... 22 Lourdes Maria Balby Silva .................................. 22 Orgeni Jucá Leite Franco ..................................... 22 Iligard Fleck Duarte ............................................. 23 Guilhermina Coutinho Alves ................................ 24 Lúcia Maria Barbosa Martins Gomes .................. 24 Rita de Cássia Freitas De Simone ....................... 24 Ivete Dias dos Santos ......................................... 25 Helena Maria De Carvalho Marques Teixeira ..... 25 Daysy Gonçalves Quintella Ribeiro .................... 25 Hélio de Almeida Domingues ............................... 26 José Alberto Silva de Ávila ................................. 26 Márcia Regina Gonçalves da Silva ..................... 27 Roberto William Rodrigues ................................... 28 Oswaldo José de Campos Melo ......................... 29

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Integração é a palavra de ordem do novo Procurador-Geral da União

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o último dia 17/01, o Advogado-Geral da União, Ministro Alvaro Augusto Ribeiro da Costa, empossou o novo Procurador-Geral da União, Moacir Antônio Machado da Silva. Em seu discurso de posse, o Procurador-Geral disse que a investidura no cargo não é um fim, mas sim o início de uma nova jornada. O Procurador-Geral da União, que, de acordo com a estrutura da AGU, é o substituto hierárquico do Advogado-Geral da União, também ressaltou que, ao assumir o cargo, terá a oportunidade de participar ativamente de um momento histórico na vida política do país, especialmente porque vê no atual governo o compromisso com o resgate dos princípios éticos, a valorização dos valores democráticos inscritos na Constituição Federal e o combate à impunidade, à corrupção e à improbidade administrativa. Na solenidade, o Ministro Alvaro Ribeiro disse que o trabalho de promover maior integração entre as unidades da Advocacia-Geral da União, uma das metas de sua gestão, será desenvolvido pelo Procurador-Geral da União.

Discurso de posse no cargo de Procurador-Geral da União Dirijo a todos a minha saudação e os agradecimentos pela honrosa presença nesta solenidade de posse. Ao ser empossado no cargo de Procurador-Geral da União, retomo o curso preponderante da minha vida profissional, devotada às atividades jurídicas no âmbito do serviço público. Sequer suspeitava da possibilidade de retorno, após sete anos de exercício da Advocacia. Apesar de tudo, esta investidura não escapa à contingência típica dos novos desafios: por um lado, concede a honraria do cargo e, por outro, impõe a responsabilidade de bem cumprir a missão. Vários motivos concorreram para a aceitação deste cargo. Um deles, o desejo de participar mais ativamente de um projeto verdadeiramente singular de nossa historia, em que o novo Governo, que acaba de assumir o comando dos destinos do país, está comprometido, dentre outras metas, com o resgate dos princípios éticos de nossa nacionalidade, com a realização dos valores democráticos inscritos na Constituição e, particularmente, com o combate à impunidade, à corrupção e à impro-

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bidade administrativa. Não obstante a imensidão dos problemas nacionais renasce em todos nós a esperança, esperança de grandes transformações, desta feita fundada em sinais objetivos bem configurados, a justifi-

car todo esforço no sentido de contribuir para um Brasil mais próspero, justo e solidário. Nestes últimos dias, junto ao eminente Ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa, tomei conhecimento dos dados mais significativos da realidade da Advocacia-Geral da União. A Instituição cresceu muito em poucos anos de existência. Muito se fez, mas há muito a ser feito, a começar pela necessidade

de sua reordenação orgânica, para permitir que funcione como um sistema bem integrado de suas várias unidades. O Exmo. Sr. Advogado-Geral da União, desde o primeiro instante, manifestou preocupação com esse quadro e está empenhado na busca de soluções a curto e médio prazo. E, tenho a certeza, é um conforto para todos nós tê-lo à frente da Instituição. Além dos atributos de elevada cultura, de extraordinário saber jurídico e dos dotes naturais de liderança, S. Exa. tem grande capacidade de organização e sempre dá ênfase à ordenação racional de seu campo de atuação. A relevância da AdvocaciaGeral da União é medida pela própria natureza de suas atribuições, mas também pela qualidade e eficiência da atuação de seus integrantes. Tenho a convicção de que os membros da Advocacia-Geral da União, de uma forma geral, e da Procuradoria-Geral da União, em particular, reúnem elevadas qualificações, aprimoradas a cada dia no desempenho de suas relevantes funções. Fevereiro de 2003


Sabemos de algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos membros da Procuradoria-Geral da União, como, por exemplo, a carência de pessoal de apoio técnico e de um sistema de informações necessário ao desempenho profissional, bem assim a falta de interação entre as várias unidades do órgão. Estaremos voltados às tarefas de solução desses e de outros problemas, com o objetivo de aperfeiçoamento dos serviços. Por outro lado, como já enfatizado pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral, não há dúvida de que os Advogados da União, cuja atuação está hoje praticamente limitada ao pólo passivo das demandas judiciais, podem e

devem ajuizar as ações de interesse da União, quando estiverem presentes os pressupostos de seu cabimento, especialmente em defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa. É tempo de concluir. A investidura no cargo não é um fim, mas sim o inicio de uma jornada. Posso dizer apenas que, doravante, estarei voltado inteiramente à causa da Instituição. Agradeço a presença dos magistrados, dos membros do Ministério Público da União, meus companheiros de sempre, dos membros e dos funcionários da Advocacia-Geral da União, dos Advogados e dos demais amigos, daqui e

de outros Estados, que prestigiam este acontecimento. Agradeço à minha mulher, Maria Célia, e às minhas filhas Márcia, Valéria, Regina e Cecília, pela irrestrita solidariedade de todos os momentos. A elas e aos meus genros, irmãos e demais familiares, os agradecimentos pelo estímulo e pela aprovação de minha decisão em aceitar este honroso cargo e, desde já, pela compreensão e apoio que, estou certo, não me faltarão no futuro. Por fim, agradeço a Deus, pedindo que continue a iluminar nossos caminhos. Muito Obrigado.

Quem é quem na AGU Ulysses Cesar Amaro de Melo Formação Centro de Ensino Unificado de Brasília CEUB Bacharelado em Direito - Grau em Mar/86 Bacharelado em Administração Grau em Set/89 Advogado da União Cargo em Exercício Consultor Jurídico do Ministério da Cultura Experiência Profissional Ministério da Cultura - Brasília - DF Secretário-Executivo/Interino do Ministério. Acumulando com as atividades de Subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração, auxilia o Ministro da Cultura na supervisão e coordenação das atividades executadas pelas Secretarias e Entidades Vinculadas ao Ministério. Out/2001 Atual Ministério da Cultura - Brasília - DF Subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração. Supervisão e Coordenação da execução das atividades relacionadas com os sistemas federais de planejamento, orçamento, organização e modernização administrativa, logística, recursos humanos e financeiros, serviços de informação e informática. Jul/ 1999 Atual Ministério da Cultura - Brasília - DF Subsecretário de Assuntos Adminis-

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trativos. Supervisão e Coordenação da execução das atividades relacionadas com os sistemas federais de organização e modernização administrativa, logística, recursos humanos e financeiros, serviços de informação e informática. Jan/1995 Jul/1999 Ministério do Bem-Estar Social Brasília - DF Coordenador-Regional de Programas. Atuação como Secretário de Administração Geral-Adjunto e Substituto do Secretário, coordenando a execução das atividades referentes à administração de material, obras, transportes, patrimônio, recursos humanos, comunicações administrativas, serviços de informação e informática, recursos financeiros, planejamento e orçamento. Ago/1993 - Jan/1995 Ministério do Bem-Estar Social Brasília - DF Assessor do Secretário de Administração Geral. Análise de processos/ documentos, elaboração de Pareceres/Informações/Notas e demais correspondências do Secretário. Nov/1992 - Ago/1993 Ministério dos Transportes e Comunicações - Brasília - DF Assessor do Secretário Nacional de Transportes. Análise de processos/ documentos, elaboração de Pareceres/Informações/Notas e demais correspondências do Secretário. Coor-

denação das Assembléias Gerais das entidades vinculadas ao Ministério. Mar/1990 - Ago/1992 Ministério dos Transportes - Brasília - DF Assessor do Secretário de Controle Interno. Análise de Processos Licitatórios, emissão de Pareceres/Informações relativas à gestão orçamentário-financeira e patrimonial dos órgãos e entidades vinculadas ao Ministério. Ago/1986 - Mar/1990 Outras Experiências Profissionais Programa Avança Brasil - Brasília - DF Gerente do Programa Gestão em Política de Cultura . 1999 - Atual. Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP - Santos - SP Membro do Conselho Fiscal da Companhia. 1990 - 1993. Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU Rio de Janeiro - RJ Membro do Conselho de Administração da Companhia. 1993. Empresa Brasileira de Transportes Urbanos - EBTU - Brasília - DF Presidente do Conselho Fiscal da Liquidação da Empresa. 1990. Cavalcanti, Côrtes, Dias e Melo Advogados Associados S/C - Brasília - DF Sócio-Cotista . 1986 - 1996.

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Alterações no Código Civil Brasileiro Ministro José Carlos Moreira Alves Supremo Tribunal Federal

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ntes de examinar propriamente as alterações no Código Civil, é preciso que se digam algumas palavras a respeito das diretrizes fundamentais com relação à elaboração do projeto que, afinal, depois de longa tramitação pelo Congresso Nacional, veio a ser promulgado no início de 2002. Isso tendo em vista a circunstância de que ao novo Código se têm feito certas críticas que pelo menos devem ser examinadas, para que não se tenha uma idéia errônea da meta dos que o projetaram. Tenho certa autoridade com relação à matéria porque, dos sete professores que se encarregaram da elaboração do projeto que, em 1975, o Governo da República encaminhou ao Congresso Nacional, sou um dos três sobreviventes. Essas diretrizes, fundamentalmente, foram três. Em primeiro lugar, não se deveria inovar por inovar. O Código Civil não é lei de experimentação. Nele, sem dúvida o mais complexo dos códigos que temos, devemos colocar princípios que já tenham uma certa estratificação na doutrina e na jurisprudência. Isso quer dizer que, quando se vai procurar modernizar um código já existente, devemos manter tudo aquilo que ele ainda conserva de útil e apenas modernizá-lo no concernente àquilo que, depois dele, veio pouco a pouco se estratificando, para que integre esse sistema, que é, no fundo, a grande vantagem da codificação no mundo moderno. Examinando a história das codificações, verificamos que elas surgem no mundo moderno a partir do final do século XVIII, com o código prussiano de 1794. Algumas de suas finalidades não são mais as mesmas das codificações modernas, como, por exemplo, o problema, que se punha no final do século XVIII, do confronto entre o chamado Direito Comum Europeu complexo de princípios advindos do Direito Romano, trabalhados e interpretados por autores desde a Idade Média e que se projetou por quase toda a Europa e o Direito Natural, segundo a escola jusracionalista do século XVIII, fazendo com que as primeiras codificações modernas justamente procurassem decantar, dos princípios que vinham do direito romano, tudo aquilo que não se coadunava com os princípios da escola do direito natural. Uma outra, que se observa em países retalhados em condados e ducados, é a unificação nacional, como, por exemplo, ocorreu com relação ao código civil alemão de 1896, que entrou

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em vigor em 1900. Hoje o problema de uma codificação em matéria de Direito Civil não tem mais, em geral, essa finalidade política, mas conserva ainda e é a grande vantagem das codificações, principalmente no que diz respeito a ramos complexos do Direito a de que a codificação é uma sistematização de tudo aquilo que já se encontra estratificado. Por isso mesmo é que, quando foi elaborado o projeto que se transformou no novo Código Civil, verificamos que ele muito preserva do Código de 1916, que ainda continua em vigor. Mas, por outra parte, apresenta uma série de inovações, não só suprindo lacunas, como também disciplinando aspectos que, quando da elaboração do Código de 1916, ainda não estavam suficientemente decantados para integrar um sistema. Isso explica o porquê de uma parte daqueles que criticam o novo Código Civil fazerem a crítica de que se mudou relativamente pouco. Mas esse relativamente pouco também é relativo, porque há bastantes mudanças para que se inserisse, no novo Código Civil, aquilo que se decantou, na doutrina e na jurisprudência, no intervalo entre 1916 e 1975, durante a tramitação na Câmara e no Senado onde foi desenvolvido um ótimo trabalho pelo Senador Josaphat Marinho e, finalmente, na fase final que se desenrolou com relação às modificações apresentadas no Senado, que se verificou na Câmara dos Deputados, até a promulgação do novo Código Civil. Por outro lado, uma outra crítica que se faz é no sentido inverso. Se a primeira diz que se mudou pouco, a segunda diz que se deveria ter modificado bastante com relação a diz-se problemas da modernidade do Direito. Há muita gente que sustenta que se deveriam incluir no novo Código Civil princípios relativos a fertilidade in vitro, engenharia genética, barriga de aluguel , clonagem, homossexualismo e

transexualismo, isso na área biológica. Outros sustentam que deveriam ser disciplinadas relações jurídicas decorrentes da problemática resultante do uso da eletrônica através da Internet, por meio de computação, para que se disciplinassem problemas relativos a esse setor, cujo desenvolvimento é de tal ordem e de velocidade, que, ano a ano, aquilo que era a última palavra em matéria de tecnologia muitas vezes se torna obsoleto. Como já disse, Código Civil não é lei de experimentação, mas uma sistematização daquilo que tem uma certa estratificação, para que não se modifique freqüentemente. Se fossem disciplinados todos esses problemas resultantes do avanço das ciências biológicas e do avanço da tecnologia, muito em breve o Código já estaria obsoleto ou funcionando como verdadeira legislação de experimentação. E por que se diz isso? Porque no mundo inteiro essas matérias não integram o Código Civil; são disciplinadas por legislação extravagante, que apresenta a vantagem de ser facilmente modificada, já que não integra sistemas complexos. E mais ainda: trata-se de uma legislação altamente polêmica, dada a circunstância de que problemas dessa natureza envolvem duas questões realmente seríssimas: a de que não venha a lei a impedir a evolução da ciência; e a de que essa evolução seja disciplinada pela lei, para que não consigamos, por meio dessa evolução que se fizer desenfreada, provocar que aquilo que era a ficção do mal no passado se torne o mal real do presente. Já estamos vendo acontecer aquilo que, nos meus tempos de garoto, eram recortes de histórias em quadrinhos. Parece até que hoje, na realidade, inspiraram os projetistas de naves espaciais no sentido de copiar em aquilo que há muitos anos era uma ficção. Os Frankensteins de ontem podem transformar-se nos Frankensteins de hoje, dada a circunstância de que já se começa a aventar a possibilidade de clonagem de seres humanos sem que se saiba exatamente o que vai decorrer disso, porque ainda não se tem experimentação suficiente no tempo para saber quais as conseqüências. E problemas outros existem com relação a bancos de sêmen, fertilidade artificial por meio da produção de embriões e outros, constantes de um projeto de emendas apresentado ao Código Civil antes de ele entrar em vigor. Com todas as vênias, considero isso um verdadeiro absurdo, porque é preciso, primeiro, que entre em vigor, para que se comece a verificar quais são as falhas, como ocorreu em 1916. Aliás, demonstra uma falta de percepção histórica no processo de elaboraFevereiro de 2003


ção de legislação dessa natureza. Em 1916, o Código Civil foi promulgado e modificava profundamente o Direito Civil brasileiro, que até então era disciplinado ainda pelas velhas ordenações do Reino, de 1603, com uma simplificação feita por Teixeira de Freitas na consolidação das leis do império, que nada mais era do que uma consolidação dessas ordenações no campo do Direito Civil, absolutamente lacunosa. Tanto assim que havia necessidade de preenchimento de lacunas por meio de códigos estrangeiros para que se aferissem quais os princípios que ainda vinham do Direito Romano e que eram preservados pelos códigos modernos. Por isso mesmo, no Brasil se aplicava, naquela época, não apenas o código de Napoleão, como também, até, o código da Prússia, dada a circunstância justamente de que eram os códigos da época mais conhecidos em nosso meio. Em 1916, no fim de um ano de vacatio legis, entrou em vigor o Código Civil, e dois anos depois é que se elaborou uma lei para corrigir os defeitos nele existentes. Tais defeitos são perfeitamente explicáveis, já que esses códigos de grande período de elaboração sofrem emendas várias por parte do Congresso, muitas das quais ferem até a sistemática do projeto original. E não apenas ferem a sistemática, como muitas vezes entram em choque com outros princípios que se encontram nessas codificações. Para se ter uma idéia da dificuldade desse problema e dos resultados nefastos que podem decorrer do açodamento de querer disciplinar questões sérias como as inovações no campo científico, basta atentar para um exemplo de clareza bastante singela. Uma dessas 188 emendas apresentadas ao projeto do novo Código Civil diz respeito ao problema do início da personalidade civil. Seguindo o Código de 1916, o novo Código Civil estabelece que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, preservados, no entanto, os direitos do nascituro. Mas uma das emendas resolveu dar um ar de modernidade ao novo Código, modificando a redação para preservados os direitos dos embriões e dos nascituros . Com o texto proposto, chegaríamos a uma situação absurda. A novela que vulgarizou aqui o problema da clonagem dava a entender ao público em geral que se tratava de um procedimento simplicíssimo, feito em laboratório com grande facilidade. Entretanto, qualquer pessoa com mínimo conhecimento sobre fertilidade sabe que muitas vezes há necessidade da utilização sucessiva de vários dos embriões formados até que Fevereiro de 2003

se chegue à obtenção da fertilidade. Basta lembrar que, no caso da ovelha Dolly que hoje está com artrose, apresentando, portanto, problemas de uma velhice que não corresponde à sua idade biológica , houve 272 tentativas para que ela fosse gerada. E justamente por causa do problema econômico se faz uma verdadeira produção em série desses embriões para se atingir a fertilidade artificial. Se, porventura, houver a fertilidade para o primeiro embrião, sobram os restantes, e, como não existe legislação a respeito de embriões tal legislação abarcaria problemas não apenas de direito civil, mas de direito administrativo e até de direito penal , o que teremos será uma situação absolutamente curiosa. Se, num caso hipotético em que se produzem 11 embriões, ocorrer fertilidade com o primeiro deles, e o nascituro vier a nascer com vida, ele terá como seus irmãos dez embriões e terá direito a receber 1/11 avos de uma suposta herança. Pelos 10/11 avos do restante da herança ele vai esperar não se sabe quanto tempo, porque não se estabeleceu, inclusive, durante quanto tempo aqueles outros dez embriões terão que ficar congelados ou se poderão ser destruídos. O exemplo dado traz uma realidade evidente e até caricata. Portanto, o absurdo é de tal ordem que não há necessidade de ser jurisconsulto para perceber que com essas coisas não se brinca. Com relação ao Direito de Família, também se quis apresentar modernidade, já incluída no Código durante a tramitação na Câmara dos Deputados, na segunda fase. No art. 1597, também por causa do problema da fertilidade artificial, os senhores encontrarão duas jóias: Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...) III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Essa presunção, todos sabem, é presunção de paternidade, já que mater semper certa est, a mãe é sempre certa, já diziam os romanos. Ora, considerar que pode haver constância de casamento com marido falecido é algo absolutamente extraordinário. De outra parte, diz o inciso V: V - havidos por inseminação artificial heteróloga. Nesse caso, um homem, sabendo ser impotente, autoriza por escrito que o sêmen de outro homem seja usado em sua mulher para efeito de fertilizá-la. Apesar disso, ele continua presumidamente pai da criança. Na realidade, o que ocorre é uma

ficção, porque, evidentemente, aquele que declara ou autoriza a utilização de material de outrem para a fertilidade obviamente não se pode presumir pai. Só há presunção mesmo a absoluta, que não admite prova em contrário se for possível que ocorra aquilo que se presume, ainda que não se admita prova em contrário, para destruir a presunção. Ficção, porém, não. Como dizia Jhering, é uma mentira legal . Isso demonstra perfeitamente que, em matérias dessa natureza, não é possível fazermos legislações tópicas, com relação a alguns aspectos; esses problemas têm que ser tratados no seu conjunto, com referência a cada um deles. E mais em legislação de experimentação, que deve ser experimentada e, se, porventura, apresentar falhas, deve ser modificada, o que não se compadece com um sistema complexo. Por isso, se for necessário mudar a legislação freqüentemente, é melhor não haver codificação, e aí ficaremos sem sistematização, inclusive, de ramos complexos. Ainda com relação ao problema das críticas que se fazem, há uma sugestão no sentido de se incluir no Código Civil um livro concernente àquilo que, de início, era chamado atividade negocial e que hoje se chama direito de empresas . As críticas, dirigidas principalmente ao problema das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, são em dois sentidos. Primeiro, estabeleceu-se o prazo de um ano a contar da entrada em vigor do novo Código para que tais sociedades se adaptassem à nova legislação por isso, no livro sexto do novo Código, há uma série de princípios que dizem respeito ao direito intertemporal. Como há muitas sociedades nesse terreno e, conseqüentemente, será difícil que as juntas comerciais dêem conta, principalmente porque se sabe que uma das tendências típicas no nosso país é a de deixar tudo para a última hora, dizse que se deve adiar a vacatio legis porque se necessita de mais tempo. Na realidade, isso não tem nada a ver com vacatio legis. O problema que o Código pôs é que, se, realmente, no final de um ano, se verificar que não deu tempo para todas as adaptações, se prorrogará esse prazo. Mas não precisa prorrogar o Código Civil inteiro por causa das juntas comerciais do Brasil. E mais: se todos deixarem para o final, se prorrogarem, os senhores sabem que virá a lei do menor esforço, e aí virão outras prorrogações, e isso não acabará mais. Então, não faz sentido a questão da vacatio legis. A outra observação é de que a lei relativa a sociedades dessa natureza, de 1919, praticamente não diz nada e, manda, inclusive, no artigo final, que se apliquem os princípios da sociedade anônima, que hoje são altamente complexos. Por isso mesmo é que se fez uma larga elaboração, no livro direito das empresas, de sociedades dessa natureza, justamente

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permitindo que as sociedades médias, ao invés de optarem pela forma de sociedade anônima, pudessem optar pela forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, de disciplina bem menos onerosa e menos complexa. Há certas exigências que dizem respeito ao direito das minorias, como, por exemplo, ter que publicar edital para a assembléia geral quando a sociedade tenha mais de dez sócios, o que acarreta despesas para as pequenas sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Mas aí vem a contrapartida, se se exige que só essa defesa das minorias se faça com relação a sociedades de mais de dez sócios obviamente, sociedade de mais de dez sócios não é mini-sociedade, até porque com sete sócios já se pode adotar a forma da sociedade anônima: há interesse em retirar essa disciplina do Código Civil porque as maiorias não querem ficar, de alguma forma, cerceadas pela fiscalização pela proteção que se dá às minorias, o que hoje não ocorre com relação a sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Julguei-me no dever de fazer essas observações porque as considero tão ou talvez até mais importantes do que as alterações, dado o fato de que, com isso, o que estamos observando é que aqueles que trabalham na área do Direito pelo menos começaram a ler o novo Código, e outros, que escreveram livros, já começaram a elaborar modificações nos mesmos. Vários comentários começam a surgir, e mesmo aqueles que criticavam mais intensamente hoje pretendem que o novo Código logo entre em vigor, porque aquele problema de que o desconhecido é, em geral, temido já está sendo ultrapassado. Recordo-me de algo que li há vários anos, da lavra de um grande comercialista italiano, Arcangeli, que tem uma observação notável com relação a modificações que se fazem no Código Civil, bem menos corriqueiras do que as que se procedem no Código Penal, no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal. Aliás, para a surpresa de todos e parece que sempre para entrar em vigor no dia 1º de fevereiro, quando os tribunais reabrem , quase toda véspera de Natal é promulgada uma lei que modifica vários aspectos do Código de Processo Civil. Dizia Arcangeli que, quando um código civil entra em vigor, ele apresenta muitas falhas. Como já dizia Terêncio, em Roma, errar é próprio do homem. Conseqüentemente, se quisermos um código ótimo, nunca o teremos; se tivermos um código bom já é o bastante suficiente para a nossa satisfação. Então, dizia Arcangeli que geralmente um código novo, principalmente de direito privado, surge com

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falhas, e às vezes com várias. Mas, com o tempo, e pouco a pouco e por isso mesmo ele é criticado , a doutrina e a jurisprudência começam a aparar arestas e a ler aquilo que não está rigorosamente expresso, começam a deixar de ler aquilo que literalmente está expresso, e, no fim de certo tempo, mesmo aqueles que criticavam o novo código começam a achar que ele já ficou razoável. Mas quando se diz vamos mudá-lo , responde-se: Para quê? Ele é ótimo. Isso, que já em 1935 Arcangeli salientava com relação às codificações, continua a ser uma verdade, porque o homem, feliz ou infelizmente, continua exatamente o mesmo; pode mudar o corte de cabelo ou o modo de vestir, mas continua a mesma coisa. Vamos traçar agora, sumariamente, as principais alterações que se verificam com relação ao Código Civil. A sua estrutura, de certa forma, permanece a mesma do Código Civil de 1916, com algumas modificações dignas de nota. O novo Código Civil continua dividido em duas partes: uma geral e uma especial. Essa parte geral mantém a estrutura do Código de 1916, dividida em três livros, ou seja, o livro relativo às pessoas, o livro relativo às coisas não se fala mais em bem para não haver o problema de se considerar que se há ou não sinonímia entre bem e coisa e o livro relativo aos fatos jurídicos, abarcando negócios jurídicos, atos jurídicos lícitos e ilícitos, prescrição, decadência e prova. Em seguida vem a parte especial, que, no Código atual, é constituída de três partes, começando com o livro concernente ao direito de família, em seguida, o livro concernente ao direito das coisas, o livro relativo às obrigações, e, finalmente, vêse o livro concernente às sucessões. Clóvis Bevilacqua adotou essa ordem, que não é muito coerente, porque num sistema devemos partir daquilo que disciplina o restante e partir da parte codificada, que é aplicada nas outras partes que se lhe seguem, e, com isso, então, seguindo o código civil alemão, bem mais coerente e que apresenta, na parte especial, a seguinte visão: começa com o direito das obrigações, que se projeta sobre o direito das coisas, o direito da família e o direito das sucessões; em seguida vem o direito das coisas, cujos princípios se projetam também com relação ao direito de família e ao direito das sucessões; em terceiro lugar vem o direito de família, pela sua vinculação com direito das sucessões; e, finalmente, em quarto lugar, vem o direito das sucessões, que trata das relações que ocorrem, inclusive, depois da morte da pessoa. Já o novo Código Civil segue essa ordem do código civil alemão na parte especial, enxertando, no entanto, dois

livros novos. O primeiro é concernente ao direito de empresas, quando se pretendeu e esse era justamente um dos desejos do Governo quando nomeou a comissão que elaborou o projeto do Código Civil fazer uma unificação parcial do direito privado não só no direito das obrigações. O Código Comercial de 1850, na parte de obrigações puramente, já estava praticamente revogado pelo Código Civil de 1916, mas, com referência a alguns tipos de contratos e ao direito societário, alguns tipos de contratos de natureza comercial se inserem hoje no direito das obrigações do novo Código Civil, ao passo que o direito societário vem disciplinado no direito de empresas. O segundo, inserido na parte especial (sexto livro), é concernente ao direito intertemporal. O Código Civil tem apenas um único dispositivo que trata do direito intertemporal (o art. 1807), dizendo que as leis régias, os alvarás e as ordenações ficavam revogados naquilo que fosse disciplinado pelo Código Civil. Mas não há nenhuma outra norma de direito intertemporal, que se faz necessário principalmente quando há mudança de um código para um sistema de um outro código. Portanto, as modificações que ocorrem com referência a estrutura são estas: em primeiro lugar, na parte especial, muda-se a colocação dos livros; em segundo lugar, se inserem o livro concernente ao direito ao direito das empresas e o concernente ao direito intertemporal. Com referência ao conteúdo, vamos examinar sumariamente o da parte geral e, em seguida, o da parte especial. Na parte geral, o que é digno de ser destacado diz respeito a modificações que se fizeram. A primeira, no livro concernente às pessoas, estabelecendo novos princípios com relação à capacidade de fato, que é a capacidade de praticar atos da vida civil, no que diz respeito aos absolutamente incapazes. Não se fala mais em loucos de todo gênero, nem se fala mais em surdos-mudos. Hoje se adotam nomenclaturas como os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos . Sabe-se que a expressão louco de todo gênero abarcava tudo em matéria de doença mental. Igualmente, não se fala mais em surdo-mudez, até porque, em 1916, ainda havia muitos casos de surdomudez não decorrentes de causas de natureza física, mas da falta de percepção muitas vezes e até da dificuldade de ensino para crianças que eram surdas e que, por causa disso, eram geralmente mudas, já que não aprenderam a falar. Ainda mais, o Código Civil tinha uma séria lacuna: muitas vezes, há Fevereiro de 2003


causas transitórias que impedem que se possa exprimir a vontade, como problemas de paralisia quase geral. Na Faculdade de Direito de São Paulo, tivemos um colega, o professor Oscar Barreto, que ficou prisioneiro do seu corpo em virtude de uma paralisia quase total. Apenas não se paralisaram as pálpebras, e se sabia que ele estava perfeitamente lúcido. Na ocasião, sua esposa combinou com ele um código: toda vez que ele quisesse responder não, baixava uma vez a pálpebra; quando quisesse responder sim, baixava duas vezes. E sempre que ela fazia perguntas dessa natureza, inclusive perguntas em que a resposta seria necessariamente não ou sim, para testar se realmente ele estava compreendendo, a resposta era imediata e correta. Pois bem, para esses casos em que, embora não comuns, pode haver causas transitórias , o Código Civil não tem absolutamente regra alguma. Por isso, o novo Código colocou que também são absolutamente incapazes os que, mesmo por causas transitórias, e durante o perdurar das mesmas, não puderem exprimir a sua vontade. De outra parte, afastou-se um erro do Código Civil de 1916 que era o de considerar que o ausente era absolutamente incapaz. O ausente não é absolutamente incapaz. Ele é capaz no lugar onde ele se faz presente. Ele só é considerado incapaz, para efeito de nomeação de curador, quando, no lugar onde exercia as suas atividades e que não mais conta com a sua presença, havia necessidade, se ele não deixasse representante, de se nomear um curador para cuidar de seus bens. Mas isso não queria dizer que houvesse um fator de incapacidade para ele, porque, no local onde ele se encontrasse, se morto não fora, ele era absolutamente capaz e, conseqüentemente, não sofria de um fator de incapacidade. Acabou-se, portanto, a alusão ao ausente. Com relação aos relativamente incapazes, a modificação mais importante é aquela que reduz a idade de 21 para 18 anos. Confesso que continuo a ser chamado de conservador, porque fui contrário, inclusive, a essa modificação. E o fui por uma razão que me parece óbvia: é que temos uma visão distorcida desse problema. A incapacidade não é um problema de captis diminutio do incapaz, não é um problema de considerar que o indivíduo, aos 18 anos, pode ir para a guerra, aos 16 já pode votar e eleger Presidente da República, aos 18 já pode ir à boate ou ter carteira de motorista. O problema não é saber se, aos 18 anos, ele pode ir para a guerra, até porque com muito menos do que isso ele pode ir, quando há necessidade disso. O problema aqui é de tutela. Mas não se pode negar que há, no Fevereiro de 2003

mundo inteiro, uma tendência de diminuir a idade de 21 para 18 anos. Por isso, prevaleceu a corrente que defendia a diminuição da idade. Mas a redução traz uma série de implicações a outros dispositivos. Por exemplo, por causa dessa diminuição de idade, houve a necessidade de se equiparar puberdade com nubilidade, quando se sabe que, em geral, a mulher se torna núbil antes de o homem tornar-se absolutamente púbere. Por isso mesmo, pelo Código Civil, a plena puberdade era considerada adquirida aos 18 anos, enquanto a plena nubilidade, aos 16. Agora, como se baixou a idade para 18, houve a equiparação, e a idade da nubilidade e da puberdade ficaram na faixa de 16 anos, para que a mulher, aos 16, pudesse casar, mas, ainda sendo relativamente incapaz, necessitasse da autorização dos seus pais ou do tutor, enquanto que o homem não teria sequer essa fase, porque aos 18 já era capaz e, conseqüentemente, seria considerado plenamente púbere e, mais, capaz de fato, independente, portanto, de ter que ter que obter autorização de pais ou de tutor. Por outro lado, neste livro há todo um capítulo de direitos da personalidade. Esses direitos foram incluídos aqui e não se encontram no Código Civil brasileiro não por falha de Clóvis Bevilacqua, mas por uma razão: porque naquela época não estava essa matéria devidamente estratificada. Quem examina a história da evolução dos direitos de personalidade verifica que, no final do século XIX e começo do século XX e o código 1916 é ainda ligado ao século XIX, porque o seu projeto é de 1899 , ainda se discutia se realmente era possível ou não se admitirem os direitos de personalidade. Por uma razão muito simples, diziam os autores contrários ao direito de personalidade: se se considera que há um direito sobre a personalidade, e se a personalidade integra a personalidade civil da pessoa, isso significa que o indivíduo seria, ao mesmo tempo, titular e objeto do direito, o que acarretaria uma impossibilidade jurídica. Posteriormente, à medida que se foi decantando a doutrina dos direitos de personalidade, se chegou à conclusão de que o problema relativo a personalidade civil é concernente à personalidade integral, ao passo que o objeto do direito de personalidade são aspectos da personalidade, e não a personalidade integral, para haver essa identificação. Por isso, hoje não há mais problema algum com relação à questão da admissibilidade ou não do direito de personalidade, que vem disciplinado neste livro do direito das coisas. Por outro lado, nosso Código também apresentava o sério problema da aparente sinonimização entre associação e sociedade. Conseqüentemente, foi necessário que a doutrina e a

jurisprudência viessem a demonstrar que são figuras absolutamente diversas. O que o novo Código faz? Estabelece a diferença entre associação e sociedade. Na parte geral, trata longamente das associações, estabelecendo que elas não podem ter conteúdo patrimonial e, portanto, finalidade patrimonial, e as sociedades passam para o livro do direito das empresas. Ademais, no livro concernente às coisas, as modificações são bem menores, tendo em vista a circunstância de que quase tudo que há em matéria de conceito de coisas, de classificação, não necessita de maior depuração e de maiores inovações, com exceção de uma, que é a adoção do instituto da pertença. A pertença é um instituto que vem do antigo direito germânico e que foge do princípio romano, seguido pelo código de 1916, segundo o qual o acessório necessariamente segue o principal. As pertenças, que na prática já são observadas, são acessões que não seguem o principal. Assim, já na prática, quando se vende um automóvel, não nos sentimos obrigados a transferir a propriedade de tapetes, faróis, etc, pertenças que não seguem necessariamente a sorte do principal. Com relação ao direito de terceiros, as modificações são muito amplas, adotando-se a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico que não seja negócio jurídico. Os negócios jurídicos são apenas aqueles atos que produzem efeitos jurídicos em que a vontade tem que ser negocial, ou seja, uma vontade que, devidamente qualificada, permita que se dê um conteúdo próprio, que nem sempre é legal, àquele negócio jurídico. É o caso dos contratos em que podemos colocar uma série de cláusulas que não estão na lei e, mais, onde podemos até criar modalidades de contratos, como ocorre com os contratos inominados, que não estão tipificados na lei. Isso se fez justamente para fazer uma distinção entre esses negócios que exigem vontade negocial e aqueles atos jurídicos que não exigem vontade negocial porque os efeitos são unicamente alguns que estão previstos na legislação. Assim, por exemplo, a explicação do porquê de uma criança de cinco anos que pesca um peixe tornar-se proprietária do mesmo embora esse ato de pescaria seja um ato jurídico, produza efeitos jurídicos. A pergunta que se faz é se é ou não é um ato jurídico. Para ser válido, deveria ter agente capaz, e nunca, jamais, alguém suspeitou que esses atos não seriam suscetíveis de vir a ser considerados inválidos. Conseqüentemente, qual a explicação que se dá? A explicação que se dá é que esses são atos jurídicos, mas cuja eficácia é apenas a daqueles efeitos previstos na lei, e, conseqüentemente, não há necessidade sequer de vonta-

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de qualificada, bastando apenas a consciência. Há ações humanas que, por serem ações humanas, poderiam ser consideradas atos jurídicos em que não há necessidade sequer de consciência. É o caso, por exemplo, da seguinte situação. Um escultor louco vê no terreno do vizinho uma pedra de mármore, pula o muro, esculpe uma estátua e se torna proprietário dela. Apesar de ser louco portanto, absolutamente incapaz e não ter, para o Direito, vontade alguma, pergunta-se o porquê disso. Justamente porque esses atos assim o são considerados por serem ações humanas, mas são atos que a lei trata como se fossem fatos da natureza, em que o que interessa é o resultado, e não a aptidão de vontade por parte da pessoa. Isso ocorre, aliás, com as chamadas vendas manuais. É por isso que, quando uma menina de cinco anos pede uns trocados de seu pai para comprar um picolé na esquina, compra o picolé e o sai chupando, pergunta-se: Isso é um contrato de compra e venda? Se o for, não haveria necessidade de se ser capaz para celebrar esse contrato? Um absolutamente incapaz não torna esse contrato inválido? Na realidade, aí não há contrato; o que há é um desses atos jurídicos em sentido estrito em que basta a consciência, e a criança tem essa consciência. Por isso é que o novo Código, seguindo o código português de 1967, que é o único que trata dessa matéria, tem um título relativo aos atos jurídicos lícitos que não são negócios jurídicos. O nosso Código, quando trata de ato jurídico em sentido amplo, na realidade está tratando do que a doutrina moderna chama de negócio jurídico e levando muitas vezes a erro, porque, como exige agente capaz, muita gente não entende, achando que eles não são atos jurídicos ou que o Código Civil está errado. Ainda há neste livro e isso é fundamental a distinção que agora se faz entre prescrição e decadência, não só estabelecendo a disciplina de cada um desses institutos, mas estabelecendo que todos os prazos prescricionais que existem no Código Civil estão contidos nos dois artigos da parte geral que estabelecem o prazo geral e os prazos especiais. Todos os outros prazos, quer da parte geral, quer da especial, são prazos de decadência e, portanto, fatais, exceto, por exemplo, com relação a absolutamente incapazes, em que não se poderia contar o prazo enquanto houvesse a incapacidade. Manteve-se, na parte geral, o capítulo concernente a prova, partindo-se do princípio de que a conceituação e a admissão dos meios de prova é matéria de direito privado, e não de processo civil. O processo civil deve tratar dos meios de produção de provas em juízo, mas não com relação à prova em

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si mesma, porque também os atos extrajudiciais têm necessidade de ser provados, e, conseqüentemente, a prova se aplica a isso. Com referência ao livro concernente ao direito das obrigações, vou, evidentemente, a partir daqui, fazer apenas a enumeração das principais alterações, que são várias. Relativamente ao direito das obrigações, há uma série de novos institutos. Em primeiro lugar, há a questão da assunção de dívida, que não tem um capítulo no Código Civil; a estipulação em favor de terceiros; a promessa de fato de terceiros; o contrato de adesão; e a liberdade de contratar nos limites da função social do contrato. Neste particular, o novo Código vai além da Constituição, que só fala em função social da propriedade. Então, contrapõe-se ao individualismo do Código de 1916, admitindo não uma socialização no sentido político, obviamente, mas de dar prevalência ao social sobre o individual, ou seja, é um código que dá muito mais ênfase à função social dos institutos do que Código Civil de 1916, que não dava ênfase nenhuma e, pelo contrário, era absolutamente individualista, pela circunstância de seguir a filosofia dos institutos jurídicos do final do século XIX, começo do século XX. Por outro lado, o novo Código adota os princípios da probidade e da chamada boa-fé objetiva, que são cláusulas gerais que permitem uma certa flexibilidade para o juiz. A boa-fé objetiva é diferente da boa-fé subjetiva, que é a ignorância ou a convicção, conforme a corrente que se adote, de não se estar ferindo o direito alheio. Já a conhecíamos, embora não tivéssemos consciência disso, porque, no Código Comercial de 1850, havia o art. 131, § 1º, que dizia que os contratos comerciais tinham que ser interpretados de acordo com a boa-fé. Obviamente que não podia ser a boa-fé no sentido subjetivo, até porque, se assim o fosse, uma das partes ignorava que estava ferindo o direito alheio ou tinha convicção de que não estava, e a outra, igualmente, ainda que em sentido oposto, também ignoraria ou teria essa convicção. Evidentemente, isso não levava a nada em matéria de interpretação do próprio instrumento contratual. Portanto, já naquele tempo, embora inconscientemente, se adotava um conceito de boa-fé que a doutrina moderna chama de boa-fé objetiva, materializado nos deveres que não estão nem na lei nem nos contratos de lealdade, de probidade, de guarda de sigilo, de manutenção de custódia, deveres estes muito importantes até para a disciplina de fases pré-contratuais ou pós-contratuais. Na fase pré-contratual, se uma das partes souber de segredos comerciais da outra nas tratativas, tem o dever de sigilo, que não consta nem do contrato, porque ele ainda não se realizou, nem decorre da lei, porque a lei não diz nada

a respeito. O mesmo ocorre na fase pós-contratual, quando o contrato se extingue. Conhecendo, por exemplo, segredos comerciais da outra parte, é possível que se estabelecesse até uma concorrência desleal, instalando-se um negócio ao lado do outro. Isso é afastado justamente pela adoção dessa cláusula geral, que é a chamada boafé objetiva. Além disso, o novo Código traz a disciplina do contrato com pessoa declarada, da resolução por excessiva onerosidade, da compra e venda com reserva de domínio, da venda sobre documentos e de alguns contratos comerciais, como o contrato estimatório. Há também uma disciplina muito ampla sobre seguro, inclusive com relação a seguros de crédito. O instituto do enriquecimento sem causa passa a ser disciplinado pelo Código Civil, deixando de ser um princípio geral do direito. Os princípios gerais de títulos e créditos vêm para o direito das obrigações dentro do novo Código Civil. A responsabilidade civil sofre algumas alterações de monta. Hoje se admite que, quando o incapaz cause dano, e o seu representante não disponha de meio, se o patrimônio do incapaz for suficiente, o juiz, eqüitativamente, deve atender a vítima, sem, evidentemente, deixar uma diminuição muito grande de patrimônio do incapaz para a sua subsistência. Por outro lado, se disciplina a responsabilidade objetiva, estabelecendo que ela ou decorre da lei ou daquelas atividades que, necessária e naturalmente, impliquem risco e, conseqüentemente, se adota, então, a teoria do risco, que está vinculada à responsabilidade objetiva. Finalmente, quanto ao problema da indenização, houve uma verdadeira revolução. Em matéria de indenização, no que diz respeito ao direito privado, o que interessa é a composição do dano da vítima, e não o ofensor. Por isso mesmo é que se diz que o ministro, quando é juiz criminal, é muito mais severo. Em direito civil, no tocante a responsabilidade extracontratual, não há toda aquela parafernália de tipos e dolos nem as gradações de culpa que existem no Direito Penal. Aqui não temos isso porque não importa. Tanto faz ser dolo ou culpa levíssima ou culpa leve; o que importa é que, desde o momento em que haja uma culpa, ainda que levíssima, tradicionalmente, como o Direito Civil se preocupa com a composição do dano, não se leve em consideração esse problema, que diz respeito à punição do ofensor. Portanto, se estabelece uma regra em que se chega a levar em consideração o problema da culpa do ofensor, determinando-se, quando a culpa do ofensor é muito leve e, em contrapartida, o dano é muito extenso, que o juiz possa, eqüitativamente, estabelecer Fevereiro de 2003


uma composição que leve em consideração a culpa levíssima por parte do ofensor e a extensão do dano para efeito de não ter de compor integralmente o dano. Com relação ao direito das empresas, se acaba com o grande problema de saber o que é ato de comércio, que praticamente ninguém sabe conceituar. Lembro-me de que, nos meus tempos de faculdade, quando um dos professores catedráticos de Direito Comercial queria reprovar um aluno, a pergunta era esta: O senhor sabe definir navio? Isso era uma tragédia, porque todos sabem que se trata de uma coisa específica, mas quando se vai distinguir é uma tragédia. Até que um dia encontrou alguém mais valente que disse: Sei, sim senhor. Então, ele disse: O que é navio? Navio é tudo aquilo que flutua. Então, ele disse: Pato é navio, então, porque pato flutua. E o outro respondeu: Não, pato não é navio, pato é uma exceção. Pois bem, para saber quais são os atos de comércio, vai-se ao art. 19 do Regulamento 737, onde há uma enumeração dos mesmos. Não há mais essa noção de atos de comércio com o que diz respeito a problemas de empresas. Hoje há a figura do empresário e, conseqüentemente, a figura das sociedades não personificadas, das sociedades personificadas, sejam elas do tipo simples ou de outros tipos, como a sociedade por quotas de responsabilidade limitada. As sociedades anônimas o novo Código deixou para a lei especial, só estabelecendo um conceito. Há também as sociedades cooperativas, as sociedades ligadas, as sociedades dependentes de autorização e a disciplina da figura do estabelecimento comercial. Em seguida, vem o direito das coisas, onde as modificações são as seguintes. Com relação à propriedade, se caracteriza o que é função social, dando uma característica bastante ampla, prevendo inclusive direito ambiental, problemas de poluição e problemas de naturezas várias, como se pode ver no primeiro capítulo, concernente ao direito de propriedade. Em seguida, se admite uma figura que se pode chamar de desapropriação privada, ou seja, aqueles casos em que há a invasão de uma vasta área, e, no final, ela se transforma numa verdadeira mini-cidade. Aí, então, surge o problema da reivindicação, que se admite, mas permitindo que o juiz possa estabelecer uma verdadeira desapropriação privada, estabelecendo que as pessoas que ali se encontram podem indenizar eqüitativamente em face do verdadeiro proprietário, que, conseqüentemente, não pode impor a evacuação da área para despejo dessas pessoas. Por outro lado, há uma disciplina e isso são certos aspectos que parecem absolutamente despiciendos, mas que têm enorme importância práFevereiro de 2003

tica. Os senhores sabem que hoje, no caso de invasão de um edifício em 10cm do terreno vizinho, não há um dispositivo na nossa legislação que discipline o que vai acontecer. Desse modo, se se seguisse radicalmente e isso é obviamente difícil de fazer aquilo que está no Código Civil, tínhamos que ou cortar uma fatia do prédio para que aqueles 10 cm fossem eliminados, ou então permitir que o proprietário exigisse a demolição do prédio, o que obviamente seria uma catástrofe, conforme o número de andares, ou mesmo no caso de uma casa térrea. Agora não, agora existe uma disciplina de indenização por parte daquele que invadiu, que vai variar conforme a boa-fé ou a má-fé. Conseqüentemente, o proprietário está obrigado a receber a indenização, e não pode existir qualquer tipo de demolição. Por outro lado, o uso anormal da propriedade vem disciplinado especificamente nesse livro, como também a chamada propriedade fiduciária, que é aquela utilizada como elemento de garantia para o credor, partindo-se do princípio de que, se não há garantia do credor com garantias efetivas não afastadas pelos privilégios fiscais ou trabalhistas, evidentemente, a figura primordial do direito econômico, que é o crédito, fica abalada, porque não se pode esperar ou exigir altruísmo de credor. Quanto ao direito de superfície, que no Código Civil de 1916 era considerado uma velharia, um fóssil jurídico, na realidade se verificou que era necessário. Tanto assim que, em 1967, um decreto-lei reintroduziu essa modalidade com a concessão para o uso público, que nada mais é do que é o direito de superfície na área de direito público. Fizeram isso até para reintroduzir no Código Civil questões que não existiam no Direito Romano, como, por exemplo, a cadeira cativa. Qual é a natureza do direito sobre uma cadeira cativa? É um direito erga omnes que não é direito real porque não está elencado em nenhuma lei como tal. Mas, se for considerado como um direito oponível apenas ao proprietário do estádio, obviamente perde completamente o seu significado econômico. Então, o que ele é? É um direito absoluto que não é direito real. Porém, que espécie de direito absoluto porque os direitos absolutos são aqueles que estão disciplinados na lei? Com o direito de superfície, se resolve perfeitamente esse problema, além de problemas outros, o que mostra que nem tudo aquilo que consideramos velharia devemos desprezar. Além disso, o direito do promitente comprador passa a ser considerado um direito real e vem a ser disciplinado pelo Código Civil, e se dá um caráter mais moderno ao instituto da anticrese, que ainda pode ter valia no direito moderno. O Direito de Família sofreu modifi-

cações enormes em decorrência da Constituição, que trouxe uma verdadeira revolução. Por isso mesmo é que, com a equiparação dos filhos adotivos aos demais, não podia haver mais a chamada adoção simples, que vincula apenas o adotado ao adotante, mas, necessariamente, a adoção plena, que retira da família consangüínea o adotado e o integra completamente à família adotante, embora, obviamente, persistam os laços com a família consangüínea para efeitos patrimoniais. Há a disciplina da equiparação entre os cônjuges. Não se fala mais em pátrio poder, mas em poder familiar. Há o regime legal do casamento já vinha no projeto, depois é que houve a modificação do nosso Código Civil de 1916 , que é o regime da comunhão parcial de bens. Tipifica-se um novo regime, que é o regime da participação final nos aqüestos: durante o casamento, é o regime da separação, e, no momento em que o casamento se dissolve, há participação nos aqüestos e, portanto, naquilo que é adquirido. Não se trata mais, no Código Civil, do regime dotal, sem que com isso se tenha abolido completamente a possibilidade de se usar dele. Por quê? Porque no pacto antenupcial se pode adotar qualquer regime que se queira, esteja ou não previsto em lei, desde que não seja contrário à ordem pública. De modo que nada impede que se adote o regime dotal, até reproduzindo os princípios do Código de 1916. Mas o que é certo é que é raríssimo o uso de regime dotal no nosso país. Também não se afasta completamente a figura justamente por causa dessa possibilidade. Por outro lado, se deu uma feição moderna em matéria de conceituação e de efeitos no bem de família, tratouse da união estável e do concubinato e também da curatela de pessoas deficientes físicas ou enfermas, aspectos de que o nosso Código de 1916 não trata. Com relação ao direito de sucessões, tivemos uma melhoria substancial no direito de sucessões do cônjuge, que concorre com os descendentes e ascendentes, tornando-se herdeiro necessário. Quanto ao testamento particular, houve uma série de simplificações. Inclusive, bastam duas testemunhas. Por outro lado, se admite o testamento aeronáutico, de que, no tempo de Clóvis Bevilacqua, obviamente, nem se cogitava, uma vez que em 1899 não havia avião. Por outro lado, não se admite mais cláusula de inalienabilidade em matéria sucessória sem que haja a justificação do porquê dessa inalienabilidade quando se trata da parte legítima do herdeiro. Finalmente, o livro complementar é aonde vêm as regras do direito intertemporal e onde se foi possível, de certa forma, permitir que se acabasse com a enfiteuse, que gerava problemas sérios de direito adquirido por isso mesmo é que nunca se conseguiu no Con-

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gresso Nacional uma lei que acabasse com a enfiteuse privada. Com o novo Código Civil, permite-se que se acabe com a mesma, estabelecendo que não se admite mais a constituição de novas enfiteuses ou de subenfiteuses. Com isso, permanecem apenas as enfiteuses antigas e as públicas. Nessas não se mexeu, porque há o interesse do poder público no sentido da sua permanência, que, aliás, é uma fonte razoavelmente boa de aporte financeiro para os estados. Mas, com relação às enfiteuses privadas, houve, num momento inicial, uma súmula do Supremo pouco conhecida e pouquíssimo utilizada que considera que, depois de trinta anos, desde que o enfiteuta pague ao proprietá-

rio um laudêmio no valor correspondente a esse período, se admite que fique extinta a enfiteuse, o que poderá permitir a extinção da enfiteuse privada quando o enfiteuta assim desejar ou puder fazê-lo. Uma observação final. Há muita gente que diz que o maior absurdo que já se verificou no direito brasileiro é ser promulgado o novo Código Civil sem que viesse uma nova lei de introdução ao Código Civil. Mas essa é uma daquelas críticas com as quais, até para rebatermos, nos sentimos mal, porque temos que chamar de absolutamente ignorantes os que as fazem. Isso porque todos sabem que lei de introdução ao Código Civil, de introdução ao Código Civil só tem o nome, porque não há nenhum dis-

positivo que seja de direito privado. O certo é que a nossa é até mais coerente do que a alemã. Em geral, a alemã vem editada na parte final do Código Civil, de modo que fica uma lei de introdução a posteriori. A nossa é geralmente editada antes do Código Civil. Mas é certo que os primeiros dispositivos da lei de introdução só dizem respeito a normas jurídicas, o que é matéria eminentemente de direito público, enquanto a parte final diz respeito a princípios de direito internacional privado, que não é nem internacional nem privado, porque trata de estabelecer, para o juiz interno, quais as regras para ele saber se aplica o direito estrangeiro ou o direito nacional nas relações jurídicas a ele submetidas em território nacional.

Ação direta de incostitucionalidade Ministro Gilmar Ferreira Mendes O repetido tema da ação direta de inconstitucionalidade tem hoje novas feições com as recentes discussões que se encetam no âmbito do STF. Recentemente, todos viram o Supremo reconhecer o que está no art. 28 da Lei nº 9.868, que afirmou o efeito vinculante das decisões proferidas na ADIN, inclusive em sede de cautelar, o que é algo de inovador, embora a jurisprudência aqui tenha se limitado a afirmar a constitucionalidade daquilo que está na referida lei. É sabido que nosso controle de constitucionalidade teve uma evolução extremamente interessante, que talvez tenha sido marcada muito mais pelo pragmatismo, pela intuição, do que propriamente por qualquer processo racional mais apurado. A rigor, tudo começa em 1946, quando se inicia a prática da representação interventiva. Aqui há algumas confusões algumas das quais inclusive contribuíram para a formação desse modelo que subsistem até hoje no nosso sistema constitucional. A primeira a que vou me referir é o papel do Procurador-Geral da República na representação interventiva. Na Constituição de 1946, o Procurador-Geral da República tinha um papel específico, que depois se projetou nas Constituições de 1967 e 1969: era, a um só tempo, o chefe da Advocacia da União e o chefe do Ministério Público. Surge, então, a representação interventiva. Em casos em que o Procurador-Geral teria que encaminhar um pedido contra o estado-membro em geral casos de impugnação de lei ou ato normativo , como resolver? O Procurador-Geral poderia assumir que papel? Qual seria sua posição básica? A rigor, ele também não precisava responder essa questão, porque o texto não

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falava do seu papel institucional. Dizia apenas que cabia ao Procurador-Geral fazer a representação interventiva. Aqui há um dado curioso: a primeira prática da representação interventiva entre nós começa em 1946 ou 1947, com a atuação de Temístocles Cavalcanti, que, com extrema cautela, passa a receber pedidos os mais diversos e encaminhá-los ao STF muitas vezes com manifestação contrária. Inaugura-se, então, uma prática curiosa: como pode o Procurador-Geral, titular da representação interventiva, encaminhá-la ao STF com parecer contrário? Isso aconteceu num caso famoso em Pernambuco, em que se discutia a constitucionalidade de uma norma constitucional estadual. Temístocles Cavalcanti recebeu o pedido do Ministério da Justiça e, dizendo-se perplexo por entender que a norma, apesar de constitucional, deveria ir ao conhecimento do STF, encaminhou o pedido ao STF com parecer contrário. Sustentou S. Exª que, apesar de julgar o pedido improcedente, achava que o

STF teria que dar a palavra final. O Supremo também ficou numa situação complicada, porque, se se trata de uma representação interventiva, o Procurador-Geral que tinha posição contrária deveria, em princípio, sustentar a procedência da tese. No entanto, o Supremo, nesses lances de genialidade que às vezes ocorrem, disse que, independente da manifestação do Procurador-Geral, havia um conflito entre a União, representada pelo Ministério da Justiça, e o Estado de Pernambuco, e resolve o conflito. A partir daí, a representação interventiva entre nós ganhou uma conotação, completamente diferente do que se imaginava: deixou de ser uma ação da União contra o estado-membro e passou a ser uma ação, às vezes, com caráter declaratório, positivo, manejada pelo Procurador-Geral da República, ganhando a conotação de um controle abstrato de normas ou como também era chamado de um controle de constitucionalidade em tese. Isso facilitou enormemente a aceitação, entre nós que praticávamos de forma ortodoxa um modelo de controle difuso de constitucionalidade , de um controle de constitucionalidade com esse perfil. Essa representação interventiva, então, passou a ser utilizada para todas as situações. Nada mais a ver com a intervenção federal. Ao revés, era um controle de constitucionalidade do ato normativo estadual em face desses parâmetros de controle. Em 1965, já sob o regime militar, vem a idéia de uma reforma do Judiciário cujo conteúdo básico era dar ao Procurador-Geral da República o direito de provocar não só em relação ao direito estadual, que já se vinha praticando com a representação interventiva, mas também com relação ao direiFevereiro de 2003


to federal. Na época, chegou-se a notar que o que se estava a fazer no plano federal era apenas a extensão de uma prática que se desenvolvia já no plano estadual. Por isso, tenho dito que o nosso controle de constitucionalidade tem sido um pouco fruto do acaso. De alguma forma é isso que se verifica. Aqui talvez tenha sobrado um pouco de ousadia e faltado estudo. No fundo, não se sabia bem o que era, e isso foi sendo desenvolvido e, um pouco na forma brasileira, deu certo. Saímos de um modelo incidental de controle e entramos por essa via da representação interventiva, que, a meu ver, nada mais era do que um conflito entre a União e o estado em torno da constitucionalidade ou não de uma lei estadual em face dos princípios estabelecidos e que se convolou, na verdade, num controle de normas. A partir daí, inventamos esse interessante modelo de controle de constitucionalidade misto, com o monopólio da ação. É claro que, depois, com a representação de inconstitucionalidade, sob a Emenda nº 16 e sob a Constituição de 1967 e 1969, a representação interventiva perde muito da sua utilidade. Passa a ser charmosa exatamente a representação de inconstitucionalidade. E aqui há uma mudança significativa. Naquele primeiro momento, em 1946, o Procurador-Geral da República atuava e deveria atuar no processo como representante da União. Num outro momento, a partir da Emenda nº 16, passamos a ter uma representação de inconstitucionalidade manejada pelo Procurador-Geral da República enquanto titular do Ministério Público. Essa esquizofrenia subsistiu e nunca foi devidamente iluminada. Salvo melhor juízo, pouca gente percebeu essa sutil e importante distinção: que o Procurador-Geral da República, na representação interventiva, era, de fato, um simples representante judicial da União, diferentemente do que ocorria na representação de inconstitucionalidade em abstrato. Isso gerou conseqüências, inclusive, no modelo de 1988. Os senhores, engajados em discussões e reformas institucionais, na representação interventiva, têm que pensar numa reforma do papel da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias-Gerais dos estados. A rigor, essa distinção tinha que se fazer. Num caso, o Procurador-Geral, chefe da Advocacia da União, maneja a representação interventiva. Num outro, há a representação de inconstitucionalidade, o chamado controle abstrato de normas. Não importa. O fato é que, a partir de 1965, gerou-se no nosso sistema isso que temos chamado de modelo misto de controle de constitucionalidade. Digo misto porque, ao lado do sistema difuso, passa a subsistir essa ação excepcional. Fevereiro de 2003

Surgirão inúmeras discussões, algumas das quais extremamente relevantes. Uma delas, de certa forma, vem a ter influência nos nossos dias. Eu lhes disse que Temístocles Cavalcanti, naquele momento, se recusava a imaginar que pudesse arquivar o pedido de intervenção. Depois, por volta de 1968, numa tese, afirmou que o Procurador-Geral não poderia arquivar e obviamente ele invocava sua própria prática à frente da Procuradoria-Geral da República. Não há uma forma de explicar isso, a não ser que se entenda que, naquele momento, o STF e a própria Procuradoria-Geral haviam entendido que a representação interventiva era um controle abstrato de normas e que o Procurador-Geral da República atuava como representante do Ministério Público. A meu ver, esse posicionamento revela-se incorreto. Mas há um dado curioso: com essa prática que se instaurou e agora isso é irrelevante, já que o Procurador-Geral passou a encaminhar esses pedidos ao Supremo, e o Supremo passou aceitá-los de o Procurador-Geral encaminhar o pedido e depois dar parecer em sentido contrário, esses pedidos se travestem numa ação declaratória de constitucionalidade. Qual será a marca do debate sobre a nova representação de inconstitucionalidade? O primeiro debate característico será o seguinte: pode o ProcuradorGeral da República arquivar um pedido agora, sob a Constituição de 1967 e 1969 quando entender que a lei eventualmente não é inconstitucional? Sabem os senhores que esse debate marcou todos os anos 70 e 80. Não esqueçam a prática de Temístocles Cavalcanti sobre representação interventiva. Entendia ele que não podia, e a rigor ele era o titular da ação em nome da União. Mas pouco importa. Foi esse seu entendimento, e, apesar de serem poucas as ações, e ele as encaminhava. Agora surge um problema: o Procurador-Geral passa a arquivar. A grande crise que se verifica no Brasil, quase que uma crise institucional, em 1970, gira exatamente em torno desta discussão: se o Procurador-Geral poderia arquivar um pedido que recebia de terceiros. O caso é emblemático. Salvo engano, o Decreto-Lei nº 1077, de 1970, estabelecia a censura prévia a livros, jornais e periódicos. O MDB, único partido da oposição naquele momento, leva a questão ao ProcuradorGeral, que determina o seu arquivamento, dizendo que entendia que a norma não era inconstitucional, e ele não estava obrigado a levar a questão ao Supremo. O Supremo, como sabem, chancelou essa posição, entendendo que a posição do ProcuradorGeral estava correta e que não havia sequer cabimento para a reclamação que foi manejada, porque dizia o Su-

premo que a reclamação é cabível se houver usurpação da competência. Se o Procurador-Geral não acionou e ele é o titular da ação , não há sequer que cogitar de competência. Assim, o assunto se encerrou com grande clareza. Esse entendimento do Supremo foi amplamente aceito pela doutrina, mas contém, a meu ver, um problema. A rigor, a partir daquela prática de 1946 e agora, sob a Emenda nº 16, de 1965, e, depois, sob a Constituição de 1967 e de 1969 , o Procurador-Geral também passou a utilizar, ou continuou a utilizar, aquilo que vinha da prática de Temístocles Cavalcanti: o encaminhamento do pedido muitas vezes com parecer contrário. O Regimento Interno do Supremo, num primeiro momento acho que foi em 1969 , chegou até a prever que o Procurador-Geral poderia desde logo a encaminhar o pedido da representação com parecer contrário. Ora, o que era isso? Havia a representação de inconstitucionalidade ortodoxa, na qual o Procurador-Geral sustentava que a lei era inconstitucional, e havia uma representação na qual o Procurador-Geral encaminhava um pedido com parecer contrário ou o que passou a dominar encaminhava um pedido e depois emitia um parecer em sentido contrário. É interessante que, apesar de sermos uma nação de processualistas, onde o processo é muito importante na vida nacional qualquer congresso de direito processual reúne 3.000, 4.000 ou 5.000 pessoas , não há nenhuma descoberta sobre isso. Ou seja, o Procurador-Geral, num caso, impugna, dizendo que a lei é inconstitucional, portanto, é como uma ação direta de inconstitucionalidade; num outro caso, de uma forma escamoteada, encaminha o pedido e depois dá parecer em sentido contrário. Essa esquizofrenia ficou evidente num caso trazido pelo professor Inocêncio Mártires Coelho, que recebeu um pedido do Instituto dos Advogados do Brasil para impugnar uma norma do Regimento Interno do antigo Tribunal Federal de Recursos em matéria relativa a reclamação, por provocação do Instituto dos Advogados do Brasil. Inocêncio Mártires Coelho encaminha esse pedido ao STF, que recebe o pedido e pede as informações. Depois, o Procurador-Geral sustenta que sua representação era improcedente. Todavia, Supremo resolve acolher, por maioria de votos, não a segunda manifestação do Procurador-Geral, mas o seu pedido inicial, que capeava o pedido do Instituto dos Advogados do Brasil. O STF, então, acolhe a representação de inconstitucionalidade. Agora, uma surpresa: o Procurador-Geral maneja na época, era admitido embargos infringentes, e o Supremo admite os embargos. Vejam que as coisas começam a dar voltas. Quando não se sabe bem o que é algo em Direito, dizemos que deve ser

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uma coisa peculiar, que devemos consultar a natureza das coisas, etc. Então, o Supremo sai por aí e começa a dizer que, nesse caso, o ProcuradorGeral jogava um papel peculiar, porque, ao mesmo tempo, era advogado da União e admitiu os embargos. Teria sido muito mais fácil dizer que, nesse caso, o Procurador-Geral da República não havia proposto representação de inconstitucionalidade, mas representação de constitucionalidade. Mas todo o jogo era pouco explícito, especialmente essa forma de mandar o pedido e depois dar parecer em sentido contrário. A questão se tornou ainda mais candente num caso específico agora, na gestão do Ministro Sepúlveda Pertence, com relação a uma demanda do Deputado Roberto Campos e de outros parlamentares perante a ProcuradoriaGeral da República a respeito da reserva de mercado na informática. O Procurador-Geral, que vinha daquela tradição de luta contra o arquivamento, se viu nesta contingência: o que fazer? Simplesmente encaminhar o pedido que veio desses deputados sem nenhuma manifestação? Ou, eventualmente, adiantar uma manifestação? Pertence optou pela segunda fórmula: encaminhou o pedido com parecer contrário desde logo. Portanto, fez uma representação de constitucionalidade, na linha daquilo que Temístocles Cavalcanti já fazia talvez indevidamente na representação interventiva, e que consultava um pouco a jurisprudência do Supremo. Então, o STF, pela manifestação do Ministro Aldir Passarinho, diz que o Procurador-Geral pode até encaminhar o pedido e depois dar parecer em sentido contrário, mas não pode, desde logo, dar parecer em sentido contrário. Assim, essa petição torna-se inepta, matando-se um pouco a virtualidade do instituto da ação declaratória de constitucionalidade, que era largamente praticada. O que importa aqui, pelo menos neste primeiro passo, é sustentar que, a rigor, pelo menos até 1986 ou 1987, o Procurador-Geral, no fundo, exerceu essa competência dúplice, fazendo a representação de inconstitucionalidade ou de inconstitucionalidade. Se estiver correta essa assertiva, também é correto dizer que o Supremo talvez se tenha equivocado naquele caso específico de 1970, ao sustentar que o Procurador-Geral poderia, em qualquer hipótese, arquivar o pedido. Ele poderia arquivar ou deixar de encaminhar um pedido de declaração de inconstitucionalidade. Mas, como também podia fazer o pedido de declaração de constitucionalidade e como ele é titular, inclusive, de um monopólio dessa ação , talvez ficasse difícil dizer que o Procurador-Geral não devesse encaminhar um pedido de declaração de constitucionalidade. Na se-

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guinte linha: o Procurador-Geral pode não estar obrigado e não estará a sustentar que a lei é inconstitucional, especialmente se está convencido da sua constitucionalidade. Mas se todas as torcidas entendem que a lei é inconstitucional e só o Procurador-Geral entende que ela é constitucional , ele deveria levar essa convicção ao STF. Esse aspecto ficou recôndito e nunca foi discutido abertamente. Talvez só a inteligência iluminada de Victor Nunes Leal tenha percebido isso. É o que se depreende de uma manifestação muito clara sua em 1977, naquele famoso congresso da Ordem dos Advogados do Brasil em Curitiba, quando dizia que esse segundo ato do Procurador-Geral, no qual ele encaminha um pedido e depois dá parecer em sentido contrário, nada mais é do que uma ação declaratória de constitucionalidade. Victor, na verdade, se louvava também numa dessas tiradas geniais do famoso professor Haroldo Valadão, que também foi Procurador-Geral da República e que tinha essa abertura, por conta do próprio Direito Internacional. Valadão, que fora Procurador-Geral da República, percebeu que, nesse caso, não se trata de uma ação direta de inconstitucionalidade, mas de uma ação declaratória de constitucionalidade. Infelizmente, todos esses fatos valem apenas como releitura histórica e crítica da decisão, sem nenhuma repercussão no caso concreto, porque, em função dessa disputa e dessa discussão, nasceu um movimento extremamente forte e insuscetível de ser contido com o objetivo de implodir o monopólio da ação do Procurador-Geral da República. É o que se dá em 1988. Isto foi muito claro: deu-se competência para todos os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais, as entidades de classe, os entes estatais todos, as mesas da Câmara e do Senado, o Procurador-Geral da República, o Presidente da República, os Governadores de Estado, e as mesas de Assembléias Legislativas, num modelo que, segundo Canotillo, reúne uma concepção introvertida e uma concepção extrovertida , porque envolve também os entes da sociedade civil. Mas é um dos mais amplos controles de constitucionalidade abstrato de que se tem notícia no mundo hodierno esse que consagramos no Texto de 1988, a partir da regulação do direito de propositura no artigo 103 da Constituição. Aqui, uma mudança substancial que só pouco a pouco foi sendo percebida pela doutrina. A rigor, talvez, não tenha havido um plano racional para se instituir entre nós o novo modelo de controle de constitucionalidade. O projeto era claro: acabar de vez o monopólio da ação do Procurador-Geral da República. Isso se vê de forma muito clara no artigo 125, § 2º, do Texto Cons-

titucional, que fala da competência dos tribunais de justiça para julgar a ação direta de inconstitucionalidade e que diz que o estado-membro pode instituir o controle abstrato de normas, mas não pode outorgar o direito de propositura a um único órgão. Vejam que é muito clara no Texto Constitucional a vontade de restauração daquele modelo monopolista que tanta polêmica rendeu sobre a Constituição de 1967 e 1969. Então, aqui temos uma novidade: com esse modelo de controle abstrato amplo, o Supremo passa a ser provocado fundamentalmente em sede de controle abstrato de normas. Naquilo em que os sistemas são concorrentes o modelo difuso e o modelo abstrato de normas , passa a prevalecer, obviamente, o modelo abstrato. Se alguém puder resolver qualquer questão constitucional relevante em controle abstrato de normas, certamente não vai trilhar os caminhos ínvios do sistema difuso. Assim, a partir de 1988, consagrase entre nós um modelo misto de controle de constitucionalidade portanto, nesse ponto, seguimos a tradição instaurada a partir da Emenda nº 16, de 1965 , mas a ênfase passa a residir não mais no sistema difuso, mas no sistema de perfil concentrado. Esta é a grande nota que marca a essa nossa experiência constitucional: consagra-se um modelo misto de controle de constitucionalidade com ênfase no sistema abstrato. Por isso é que chegamos facilmente a essas 3.000 ações diretas de inconstitucionalidade que estão no STF. O direito de propositura é amplo é claro que o STF pratica naturalmente uma jurisprudência defensiva, temendo especialmente que a ação direta de inconstitucionalidade se convole numa ação popular de inconstitucionalidade. O Ministro Moreira Alves, certa feita, dizia: daqui a pouco vamos ter associações criadas especialmente para propor ação direta de inconstitucionalidade . Desde logo, passou a engendrar todas as fórmulas possíveis para dificultar especialmente o manejo das ações diretas por essas entidades sindicais, essas confederações, até porque é muito difícil precisar o que são elas. E o Supremo, então, introduziu dificuldades enormes, especialmente para as entidades de classe de âmbito nacional. Algumas delas até que resvalam já não para uma discricionariedade, mas para uma certa arbitrariedade judicial. Uma delas é notável. O Supremo entendeu que a entidade de classe de âmbito nacional tem que estar representada pelo menos nove estados da federação. Por que não onze, treze ou catorze? Porque diz o Supremo que nove é aquilo que está na lei eleitoral para os partidos políticos, que também têm que ter âmbito nacional, logo, se aplica isso por analogia. Fevereiro de 2003


Isso não tem nada a ver de análogo. Obviamente, são coisas totalmente diferentes. Mas se compreende a preocupação do Supremo: porque ele não queria e não quer que essa ação se convole numa ação popular de inconstitucionalidade. Criou também aqui a chamada pertinência temática, que é um tipo de interesse jurídico mais amplo, exigindo que a entidade de classe de âmbito nacional ou a confederação sindical apresentem ou demonstrem um certo interesse e que aquela lei impugnada esteja no âmbito do seu objeto de atuação, no âmbito de seu estatuto social. Alguns casos são até interessantes. De vez em quando o Tribunal descobre detalhes para dizer que aquela entidade não preenche os requisitos. E só descobre os detalhes depois de ter julgado e até de ter deferido uma cautelar pedida, o que dificulta enormemente a solução do caso concreto. Foi o que aconteceu com a Associação dos Delegados de Polícia, que, depois de ter reconhecida a sua legitimação em várias causas perante o STF, foi tida como ilegítima. Nesse caso, o feitiço virou contra o feiticeiro : a ADEPOL montou sede no Partido Social Liberal e passou agora a manejar de forma muito ampla as suas ações diretas de inconstitucionalidade: transformou-se em um partido político, tratando, então, de todas essas ações de servidores públicos e de tudo o mais. Portanto, no fundo, a emenda restritiva acabou produzindo uma ampliação da atuação da entidade. Mas o intuito, obviamente, é de impor a restrição, que acaba não se fazendo, porque, se encontrarmos alguém com o propósito inequívoco de levar uma questão ao STF em sede de ADIN, obviamente ele baterá as portas do Procurador-Geral da República, dos partidos políticos, das confederações sindicais, das entidades de classe de âmbito nacional. Em suma, alguém haverá de cometer essa generosidade e levar a questão ao STF. Desse modo, dificilmente uma questão escapa ao exame do STF, a não ser que caia naqueles casos de inadmissibilidade: ato de efeito concreto, direito préconstitucional, e assim por diante. Isso fez com que nascesse entre nós, de fato, um dos controles abstratos mais amplos de que se tem notícia hoje no sistema constitucional. A partir de 1992, em função daquela jurisprudência de que já lhes dei notícia, surge o debate sobre a ação declaratória de constitucionalidade. A ação declaratória de constitucionalidade é fruto exatamente dessa reflexão e dessa percepção de que, naquela antiga representação impropriamente chamada de representação de inconstitucionalidade , já se vislumbrava também uma ação declaratória de constitucionalidade. Fruto de uma reflexão que desenFevereiro de 2003

volvi juntamente com o professor Ives Gandra, escrevemos um artigo sobre o assunto, e isso despertou a atenção do Roberto Campos, que, então, nos pediu uma emenda constitucional. Apresentamos a proposição, e Roberto Campos a submeteu à apreciação do Congresso Nacional. A idéia era fundamentalmente esta: permitir que o controle abstrato entre nós tivesse a feição de uma ação direta de inconstitucionalidade ou de uma ação declaratória de constitucionalidade. Eu até brincava, dizendo que, na verdade, a ADC era uma ADIN com sinal trocado, apenas isso. E esse era o modelo básico. Obviamente que, em 1992,1993, Roberto Campos ainda não havia passado pelo processo de beatificação a que depois foi submetido. Naquela época, as suas idéias não eram exatamente bem recebidas. Pensava-se que a proposta era uma coisa inteligente, mas que deveria ter alguma maldade embutida, razão pela qual ela ficou no Congresso. Em 1993, já no Governo Itamar, surge a reforma fiscal. Aí, alguém descobre esse texto de Roberto Campos e diz que é preciso aproveitar essa idéia, especialmente porque a reforma fiscal iria dar polêmica judicial, e seria preciso levar esse instituto para o sistema. Só que fizeram algumas amputações. Entenderam que aquele instrumento era fundamental para o direito federal. Então, limitaram o objeto e o direito de propositura. Na ação declaratória, a Emenda nº 3 permite apenas que o Presidente da República, a mesa da Câmara, a mesa do Senado e o Procurador-Geral da República façam a ação declaratória de constitucionalidade. Por conta dessa a amputação, fizeram também uma que nos custou rios de tinta: colocaram no texto que a decisão proferida na ação declaratória é uma adaptação do texto que tínhamos escrito teria efeito vinculante e eficácia erga omnes. Desde então, os nossos intérpretes literalistas começaram a sustentar a seguinte tese: se o efeito vinculante é da ação declaratória de constitucionalidade, logo não se aplica a ação direta de inconstitucionalidade. Genial a conclusão, esquecidos todos de que não se encontram por aí pessoas sustentando essa tese , na ação declaratória de constitucionalidade, poder-se-ia ter um julgamento de procedência, no qual se declarava constitucional aquilo que se queria ver declarado constitucional, ou um julgamento de improcedência, no qual se declarava a inconstitucionalidade daquilo que se queria ver declarado constitucional, como já ocorreu. Então, na ação declaratória, quando se tiver um juízo de improcedência, há um efeito vinculante; na ação direta, não? Então, se se entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade, que não tem efeito vinculante, tem que também

se entrar com uma ação declaratória para atribuir esse efeito? É uma situação extremamente complicada. Foi isso que nos levou, quando fizemos o projeto de lei que resultou na Lei nº 9.868, a simplesmente assumir o risco, dizendo: aqui se trata de efeito vinculante na ADIN e na ação declaratória de constitucionalidade cláusula do art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868, que acaba de ser declarada constitucional pelo STF. Mas vejam que estamos a discutir isso desde 1993, e ainda há valorosos defensores dessa idéia, o que é um pouco o óbvio. Dizer que o efeito vinculante é comum aos dois procedimentos parece algo óbvio. Temos bons dez anos nessa disputa, mas só agora o Supremo dirimiu de vez essa controvérsia. É claro que o Supremo teve aqui uma posição muito mais recalcitrante, tendo em vista essa postura defensiva. É claro que há o medo de que todas as torcidas , quando forem reclamar em sede de ADIN, atribuindo efeito vinculante, venham trazer a reclamação para o Supremo. Esse é o prurido técniconumérico que legitima a posição do STF. Mas, do ponto de vista teóricodogmático, não há justificativa para essa postura. Hoje, eu diria que a própria ação declaratória de constitucionalidade deveria ser revista, para assumir, de fato, o perfil de uma ADIN constitucional trocada, permitindo que todos os que podem propor uma ação direta possam também propor uma ação declaratória de constitucionalidade, solvendo de vez esse impasse. Com toda essa ampliação do controle abstrato de normas entre nós, não tivemos uma solução para a crise judicial que assola o STF, especialmente a crise numérica. A cada ano o Supremo dá saltos em termos de número de processos julgados. Por quê? Entendo que a razão fundamental é a seguinte: nós, aqui, desenvolvemos um sistema de constitucionalidade que ainda tem importância no sistema difuso. Muitas questões não podem ser agitadas em sede de controle abstrato de normas: direito municipal, direito pré-constitucional, atos de efeito concreto e, especialmente, casos de interpretação direta da Constituição feita pelos juízes. Aí, surge, então, a seguinte situação: nesses casos, como Supremo resolve a pendenga? Mediante julgamento de recursos extraordinários. Mas, se os senhores olharem que hoje estamos exatamente vivendo numa sociedade de massa, na qual as relações se reproduzem em grande escala, verão que esse modelo do processo difuso e aí, falando para advogados públicos é fácil demonstrar isso é quase que, como nós o praticamos, incompreensível e injustificável. Imaginem que tenhamos como ti-

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vemos 600.000 processos iguais, fundamentalmente com a mesma tese, tratando do FGTS. Poder-se-ia destacar um. Tanto é que o Ministro Moreira Alves levou quatro processos para o plenário e resolveu tudo o que havia em termos de questão constitucional sobre o FGTS. Mas depois, agora, tem que ficar batendo carimbo nos outros 600.000 que lá estão chegando. Porque cada processo é tratado como se fosse um caso diferente, como se fosse uma ação possessória ou um outro caso peculiar. Se os senhores levarem isso para o universo do Sistema Financeiro da Habitação, sem dúvida irão imaginar a mesma coisa. Essas ações de reajuste se multiplicaram exatamente na dimensão das relações lá existentes. Se pensarem no INSS, em que há 20 milhões de aposentados e pensionistas, também haverá o mesmo problema se surgir uma discussão sobre reajuste. Mas, quando se discutir isso no sistema difuso, vai-se discutir como se fosse cada caso, e esses processos só chegam ao STF para definição depois de bons 10, 12,15 ou 16 anos de tramitação por todas as instâncias, quando não faz, como ocorreu no caso do FGTS, essa viagem confusa até o STJ. Porque também tem essa perplexidade: saber se a matéria é constitucional ou legal. Aqui, no caso, era discutir se direito adquirido era constitucional ou legal. Quando o Supremo decidiu o caso do FGTS esses são aspectos tragicômicos do ocorrido , o STJ já tinha decidido 60.000 casos relativos ao FGTS. O sistema difuso entre nós, do jeito que é praticado, a rigor revela um pouco aquilo que os antropólogos dizem dessas sociedades que têm pessoas vivendo em idades diferentes: é a contemporaneidade dos não-coetâneos. Temos a convivência do sistema moderno, dos processos objetivos, com essa prática do sistema difuso, que nada tem a ver é bom que se diga com a prática do direito americano, que, a rigor, usa o caso para solver todas as pendengas. Então, há aqui um problema sério que precisa ser resolvido. O que pode ser feito? Tenho recomendado e há algum tempo que, para esses casos, que não podem ser resolvidos em ADIN ou em ADC, manejemos o incidente de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade. E hoje, fundamentalmente, essa idéia está contida na Lei nº 9.882, que permite que as questões que não podem ser dirimidas nesses processos objetivos já mencionados sejam agitadas pela via da argüição de descumprimento de preceito fundamental, desde que se possa elencar, como parâmetro de controle, um preceito fundamental. Esse é o nosso desafio no momento atual. Haveria muito mais coisa para se falar em torno do assunto. Apenas vou falar de um outro ponFevereiro de 2003

to que hoje desperta bastante interesse e repulsa, que é a fórmula encontrada no artigo 27 da Lei nº 9.868 e no artigo 11 da Lei nº 9.882: a possibilidade de o Supremo, por maioria qualificada, declarar a inconstitucionalidade de uma lei com eficácia para o futuro. Isso tem provocado arrepios no nosso sistema. Recentemente, estive em um congresso em São Paulo em que todos falavam mal desse instituto. A discussão é ampla. Uns dizem que isso não pode ser introduzido por lei, mas apenas por emenda constitucional; outros sustentam que nem por emenda constitucional, ao argumento de que se trata de cláusula pétrea. A rigor, se os senhores hoje compulsarem a prática constitucional no mundo, verão praticamente que todos os países usam a possibilidade de uma declaração de inconstitucionalidade. A Áustria, desde 1920; a Ale-

Se os senhores hoje compulsarem a prática constitucional no mundo, verão praticamente que todos os países usam a possibilidade de uma declaração de inconstitucionalidade manha pratica isso largamente; Portugal tem isso no artigo 282, nº 4; na Itália, isso é largamente praticado; nos Estados Unidos, a par da idéia de que a lei inconstitucional deveria ser considerada nula ab initio, hoje já há casos concretos de declaração de inconstitucionalidade. Vejam, então, a mudança. Mas alguém dirá que isso é inconstitucional porque a Constituição não autoriza. Mas, também, a Constituição não fala nada sobre o princípio da nulidade; é uma construção que se desenvolve e que pode até ser aceita. Entretanto, se considerarmos que tanto a idéia da nulidade quanto a idéia da preservação dos efeitos restritivos da declaração de inconstitucionalidade têm assento no espírito do Estado de Direito, seja na acepção da legitimidade, seja na acepção de segurança jurídica, não há dificuldade para justificar a introdução, entre nós, desse novo modelo de declaração de inconstitucionalidade, que não produzirá efeitos

eventualmente em relação ao passado. Alguns exemplos talvez mostrem a utilidade desse instituto. Em matéria de omissão, especialmente de omissão parcial, não vejo outra saída a não ser essa declaração com eficácia mitigada. Imaginem o debate é extremamente atual, inclusive diante da alternância política que se vislumbra que se discuta no STF, e essa discussão se coloca lá a cada momento, a constitucionalidade de uma lei do salário mínimo. Quem terá condições de dizer que a lei do salário mínimo, qualquer que seja, é compatível com aquilo que está estabelecido no art. 7º, inciso IV, do Texto Constitucional? Mas, também, quem será essa pessoa que poderá dizer que essa lei é inconstitucional e igualmente nula? Há outros casos interessantes. Em 1927, já se falava que a declaração de nulidade não se prestava para resolver, por exemplo, casos de declaração de inconstitucionalidade do direito eleitoral. E dava-se o exemplo: depois de eleito um parlamento ou um governo, verifica-se que a lei eleitoral é inconstitucional e, por conseguinte, nula. Como se processa essa declaração de inconstitucionalidade com efeito de nulidade? E aí vem a pergunta embaraçosa: quem há de fazer uma nova lei eleitoral apta para reger um novo pleito que se impõe, uma vez que esse parlamento foi indevidamente eleito segundo a tese da nulidade da lei inconstitucional? O Supremo foi enfrentando essa questão agora, cum grano salis, na matéria relativa a declaração de inconstitucionalidade eventual de leis municipais que fixaram o número de vereadores, em municípios com 5.000 ou 6.000 habitantes que têm 18 vereadores dentro daquela faixa de 9 a 21. Então, são ações civis públicas manejadas pelo Ministério Público nas quais se afirma que o princípio da proporcionalidade não está sendo observado. Imaginem que o STF acolha a tese da inconstitucionalidade. Ele vai excluir os vereadores que excedam o número de nove com que eficácia? Na próxima legislatura ou em relação a essa mesma legislatura? E como ele vai entrar nessa discussão sobre o próprio quociente eleitoral e tudo o mais que impera nessas eleições proporcionais? Essa questão tem uma dimensão prática enorme, que precisa ser discutida claramente entre nós. Eram essas as questões que, superficialmente, queria trazer-lhes para uma reflexão, enfatizando a importância de que os senhores, na advocacia pública, pensem, discutam e tragam soluções para esse problema extremamente complexo do controle de constitucionalidade entre nós, que está nessa fase de transição e que precisa ter explicitados os seus rumos.

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