Revista Anajur - Junho 2015

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ano VI • ABR/MAI/JUN 2015

Advogados públicos: respeito à AGU reforça o Estado brasileiro Advocacia Pública mobiliza o Parlamento e o Executivo

Valorização da AGU é o foco das ações

Presidente da Câmara assume compromisso de votar a PEC 443


A ANAJUR conclama todos a se mobilizarem em prol da aprovação da PEC 443/2009 na Câmara dos Deputados. A proposta busca corrigir a disparidade remuneratória existente entre os membros das carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU) e as carreiras que compõem o Judiciário e as demais Funções Essenciais à Justiça. O relatório da PEC foi aprovado em Comissão Especial em 10 de dezembro de 2014. Agora, a PEC precisa ser aprovada na Câmara e no Senado em dois turnos. Segundo a proposta, o subsídio do nível mais alto dos membros da AGU equivalerá a 90,25% do subsídio mensal dos ministros do Supremo. O autor da proposta, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB/MG), explica a urgente necessidade de tal correção. “Enquanto o Poder Judiciário e o Ministério Público dos Estados alcançaram a maturidade por meio de leis nacionais que concederam remuneração semelhante em todos os Estados da Federação, o mesmo não foi feito para as procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, e o que se vê é uma grande disparidade no tratamento remuneratório dos procuradores, o que não é conveniente para a Federação Brasileira. A eficiência da Advocacia da União e dos Estados é de responsabilidade desta Casa e não pode haver prejuízo ao interesse público”, afirmou Bonifácio de Andrada (PSDB/MG). Vale lembrar que a aprovação da PEC 443/09 não trará impacto orçamentário imediato. A implementação do aumento se dará em até dois exercícios financeiros, não comprometendo o Ajuste Fiscal. A ANAJUR considera que a valorização da Advocacia Pública é medida fundamental para a prevenção e o combate à corrupção, considerando que são os Advogados Públicos os responsáveis pela defesa da União. São os guardiões do erário e lutam, diariamente, para evitar as perdas do Estado Brasileiro. A valorização das carreiras passa, dentre outras atitudes, por um tratamento remuneratório adequado aos profissionais que a integram. A luta continua!


leia nesta edição

Eduardo Alache/Ascom Casa Civil

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carta ao leitor

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anajur em ação

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pec 443/2009

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artigo

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entrevista: Elena Natch Fortes

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mobilização

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artigo

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saúde

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artigo

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coletânea

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publicações

PEC 443 em foco para votação na Câmara dos Deputados

Valorização da AGU: a luta é aqui e agora

Pelo equilíbrio da balança das funções essenciais à Justiça

Conjuntura política confusa

Disciplina e iniciativa no exercício da Advocacia Consultiva

Advocacia pública respeitada, Estado brasileiro forte

Monteiro Lobato, um desiludido com o Direito

DTM – Uma inusitada causa das terríveis dores de cabeça

A proteção do direito à vida no Brasil e as convenções sobre direitos humanos

O caso do estudante que criticou a República em um exame de Madureza

Sugestões de leitura e de participação em congresso


ana jur Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia Geral da União

Pioneira na defesa da Advocacia Pública Federal Visão

“Consolidar-se como referência na defesa das prerrogativas e interesses de seus associados, firmando-se como pilar da categoria na promoção do conhecimento, valorização e integração da advocacia pública federal junto ao estado e à sociedade brasileira”.

Missão

Diretoria Executiva Presidência Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Secretaria Geral Titular: Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Adjunto: Thaís Helena Ferrinho Pássaro Diretoria Financeira Titular: Geneide Palmeira Machado Adjunto: cargo vago Diretoria Jurídica Titular: Márcia Regina Vicente Barbosa Adjunto: Ruth Jehá Miller Diretoria de Administração e Convênios Titular: Lúcia Helena Pigossi Neves Adjunto: Laura Maria Costa Silva Souza Diretoria de Recreação e Esporte Titular: Sérgio Ernesto Kopp
 Adjunto: Cláudia Maria Vilela Von Sperling Diretoria de Relações Associativas Titular: Luiz Fabrício Thaumaturgo Vergueiro Adjunto: Ulisses Fernandes Silva Diretoria de Eventos Titular: Luciana Villela de Souza Adjunto: Vânia Rons Lamor Pinheiro Diretoria de Comunicação Social Titular: Maura Campos Domiciana Adjunto: Merly Garcia Lopes da Rocha

“Representar e assegurar, com a expertise de seu pioneirismo e excelência de atuação, os interesses dos seus associados e da Advocacia Pública Federal perante os poderes constituídos e em benefício da sociedade brasileira”.

Diretoria de Assuntos Legislativos Titular: Maria Madalena Carneiro Lopes Adjunto: Luciano Brochado Adjuto

Valores

Diretoria de Relações com o Congresso Nacional Titular: Maria Lucila Ribeiro Prudente de Carvalho Adjunto: Maristela de Souza Ferraz Calandra

Ética, respeito, credibilidade, profissionalismo, integridade, transparência, união e democracia. Setor de Autarquias Sul – Quadra 03 – Lote 02 Bloco C Sala 705 – Edifício Business Point – Cep 70070-934 PABX: (61) 3322-9054 – Fax: (61) 3322-6527

Diretoria Cultural Titular: Leslei Lester dos Anjos Magalhães Adjunto: Luiz Edmar Lima Diretoria de Assuntos de Aposentados e Pensionistas Titular: Braz Sampaio
 Adjunto: Tânia Maria Carneiro Santos

Conselho Consultivo Efetivos

revista anajur

Jurema Santos Rozsanyi Nunes Nílson Pinto Correa Maria da Glória Tuxi F. dos Santos Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Maria Anália José Pereira Manoel Teixeira de Carvalho Neto José Silvino da Silva Filho Annamaria Mundim Guimarães Borges Messin Merly Garcia Lopes da Rocha Jacyra Medeiros

Assessoria de Comunicação: Decifra Gestão e Conteúdo

Suplentes

www.anajur.org.br

Regina Maria Fleury Curado Felinto César Sampaio Neto Maria Olgaciné de Moraes Macedo Conselho Fiscal

Jornalistas responsáveis: Flávia Soledade e Cidinha Matos Edição: Glória Maria Varela Reportagens: Flávia Metzker e Matheus Feitoza Revisão: Corina Barra Soares Projeto e edição gráfica: GDG – Cláudia Barcellos Impressão: Gráfica Ipanema Tiragem: 2 mil exemplares

Efetivos Álvaro Alberto de Araújo Sampaio Maria Socorro Braga Gilberto Silva Suplentes Norma Maria Arrais Bandeira Tavares Leite Lídio Carlos da Silva Conceição das Graças Amoras Mira


CARTA AO LEITOR

PEC 443 em foco para votação na Câmara dos Deputados a segunda edição da Revista Anajur do ano de 2015, dedicamos uma abordagem especial aos esforços despendidos pelos advogados públicos para que duas propostas de interesse da classe sejam votadas pelo Legislativo, pleitos esses essenciais ao equilíbrio entre os poderes da República e à garantia da democracia brasileira. Como é largamente sabido, essas propostas, materializadas nas PECs 82/2007 e 443/2009 – que visam, respectivamente, garantir autonomia à Advocacia-Geral da União e fixar novo parâmetro para os valores dos subsídios dos advogados públicos –, aguardam votação em Plenário, já tendo sido aprovadas por comissão especial. Agora, finalmente, já se tem uma previsão da data da votação da proposta de melhoria salarial: segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), a PEC 443/2009 entrará em pauta em agosto próximo. Já no texto Advocacia Pública respeitada – Estado brasileiro forte!, abordamos duas novas situações que, mais uma vez, motivaram a classe a demonstrar, nas esferas social e jurídica, a relevância da missão constitu­ cional que lhe foi atribuída enquanto função essencial à Justiça. Na primeira, dando resposta à ADI 5334, ajuizada pelo Ministério Público Federal, que questiona a inscrição dos advogados públicos na Ordem dos Advo­gados do Brasil (OAB); e na segunda, contestando a comparação feita entre advogados públicos e analistas judiciários, promovida pelo Supremo Tribunal Federal. Por oportuno, considerando a atual “conjuntura política confusa”, Antônio Augusto de Queiroz, assessor político-legislativo e parlamentar da Anajur, realiza breve análise acerca do cenário político brasileiro, decorridos poucos meses do início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, dando especial atenção às relações entre Executivo e Legislativo Federal. Com o intuito de demonstrar os desafios enfrentados pela Advocacia Consultiva, a Revista Anajur entrevistou nossa delegada em Roraima, Elena Natch Fortes, responsável pela Consultoria Jurídica da União naquele estado. No capítulo da Coletânea História do Brasil Contada pela Advocacia Consultiva desta edição, Arnaldo

Godoy, mestre e doutor em Filosofia do Direito e exconsultor-geral da União, escreveu um artigo que retrata um caso singularíssimo de denúncia de pretensa injúria contra a República, cometida por um estudante nos idos de 1907. Godoy também nos prestigia com o notável artigo “Monteiro Lobato, um desiludido com o Direito”, no qual explora a dif ícil relação que o autor, um ícone da nossa literatura e advogado de formação, tinha com o Direito. Por sua vez, o diretor cultural da Anajur, Leslei Lester, em interessante abordagem a respeito do direito constitucional à vida, discorre, com propriedade, sobre a proteção do nascituro e a forma como o Estado brasileiro lida com a questão do aborto. No espaço destinado à saúde, entrevistamos o dentista Marco Antonio dos Santos, que abordou as causas, os sintomas e o tratamento de uma doença bucal pouca conhecida, a DTM, ou disfunção temporomandibular, e seus reflexos sobre a qualidade de vida do paciente. Por derradeiro, na seção de Publicações, indicamos os livros “Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões”, de autoria do procurador da Fazenda Nacional João Carlos Souto, e “Inatividade Remunerada e Pensão dos Militares das Forças Armadas”, do advogado da União Roberto Carlos Kayat, e acrescentamos informações sobre o “XXIX Congresso Brasileiro de Direito Administrativo”, a ser realizado em Goiânia, pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Boa leitura! foto: bernardo rebello

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Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Presidente da Anajur

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anajur em ação

Valorização da AGU: a luta é aqui e agora Trabalhar incansavelmente em busca de um objetivo comum não é tarefa fácil. Ultrapassar os obstáculos, não esmorecer perante as adversidades que se impõem durante a jornada e conservar a cabeça erguida diante dos golpes do destino são esforços diários. Assim é a rotina dos advogados públicos que participam de encontros, reuniões e de outras agendas, cujo propósito maior é sensibilizar colegas e autoridades pela aprovação dos pleitos da classe.

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PEC 443/2009 é um desses pleitos. A proposta estabelece a simetria entre as carreiras que figuram entre as “Funções Essenciais à Justiça” no texto constitucional. Outra matéria de luta é a PEC 82/2007, que garante autonomia financeira e administrativa à Advocacia-Geral da União. E a luta não para por aí. Os membros da AGU buscam também a real estruturação da Advocacia-Geral da União, recorrendo a estudos e à implantação de mecanismos que garantam condições de trabalho dignas aos advogados públicos. Para tanto, além do intenso trabalho realizado na capital federal no início deste ano, principalmente nos corredores do Parlamento, os advogados públicos se movimentam em seus estados, em atos de convencimento dos deputados nas bases eleitorais a que pertencem. Em Brasília, os presidentes das entidades que representam os advogados públicos buscam apoio nas diversas esferas de poder. No dia 7 de abril, a presidente da Anajur, Joana Mello, foi ao encontro de uma das lideranças políticas mais influentes do País: o ex-presidente da República José Sarney. O objetivo do encontro era a busca de um diálogo com parlamentares do PMDB, a fim de garantir a

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aprovação da PEC 82, que dá autonomia financeira à Advocacia-Geral da União, e, principalmente, da PEC 443. Na oportunidade, a presidente da Anajur lembrou a luta pela inclusão da AGU no texto da Constituição de 1988, período em que Sarney era presidente da República. Recordou também o empenho de Saulo Ramos em prol da estruturação da Advocacia Pública. Sarney se mostrou atento às demandas e afirmou conhecê-las e apoiá-las. Ele se comprometeu a dialogar com o Parlamento no intuito de conquistar a adesão dos deputados à causa. Outra importante autoridade procurada pelos advogados públicos foi o vice-presidente da República, Michel Temer. Em encontro realizado no dia 28 de abril, os advogados públicos, depois de explicarem detalhes das PECs 443/2009 e 82/2007, solicitaram a Temer que levasse as propostas ao governo federal e discutisse o texto com a base governista. Temer foi designado pela presidente da República, Dilma Rousseff, responsável pela articulação política do governo federal. Assim, tornou-se figura de importância capital na interlocução entre Executivo e Legislativo. Na reunião, os representantes do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal estavam acompanhados do advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, e da procuradora-geral da Fazenda Nacional, Adriana Queiroz de Carvalho. Temer, depois de ouvir a explanação dos advogados públicos, acolheu as demandas.

Pelos corredores do Parlamento Como as principais demandas da Advocacia Pública dependem do aval dos parlamentares, o Congresso Nacional foi escolhido como centro de mobilização dos advogados públicos. Além da peregrinação diária pelos gabinetes em busca de apoio às PECs 443/2009 e 82/2007, os advogados marcaram reuniões com líderes partidários: do Partido Progressista, Eduardo da Fonte (PP/PE), do Partido Socialista Brasileiro, Fernando


Foto: Ascom/Vice-presidência

Presidente da Anajur participa de encontro com o ex-presidente José Sarney e apresenta argumentos para a aprovação da PEC 443

AGU e Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal discutem propostas legislativas com o vice-presidente Michel Temer

Advogados públicos pedem ao presidente da Câmara a votação da PEC 443. Eduardo Cunha sugere intensificar trabalho com lideranças partidárias

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Coelho Filho (PSB/PE), do Partido Democrático Trabalhista, André Figueiredo (PDT/CE), do Partido Popular Socialista, Rubens Bueno (PPS/PR), e do PMDB, Leonardo Picciani (PMDB/RJ). O propósito era convencê-los a encaminhar ao presidente da Câmara o pedido de inclusão da PEC 443/2009 na pauta de votação. Na mobilização para que a matéria entrasse em votação ainda no primeiro semestre de 2015, os dirigentes das associações que representam os advogados públicos se dirigiram ao gabinete do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), a fim de conseguir seu apoio. Na oportunidade, ele lembrou que, antes de tudo, seria preciso contar com a colaboração dos líderes partidários para que os textos entrassem na pauta. Cunha sugeriu, aliás, que as associações não medissem esforços no ato de convencimento dessas lideranças. O presidente lembrou que a falta de apoio do governo federal às propostas é outro empecilho para a votação dos textos. Estavam presentes à reunião, além de Eduardo Cunha, o deputado João Derly (PCdoB/RS) e o senador Romário (PSB/RJ). O dia 20 de maio ensejou um encontro entre os advogados públicos e os membros da bancada de Minas Gerais na Câmara. O tema era o mesmo: discutir a situação estrutural da AGU. Os membros das carreiras da Advocacia-Geral da União aderiram vivamente ao ato. O deputado federal Rodrigo Pacheco (PMDB/MG) foi o primeiro a falar pela bancada. Pacheco reconheceu a importância da PEC 443 para a classe e para o Estado brasileiro. “A Advocacia Pública tem uma pretensão justa, de equilíbrio com as demais funções essenciais à Justiça. Eu enxergo a razoabilidade, a adequação e a justiça que representa essa PEC”, confirmou o parlamentar. Para Pacheco, o caminho para conseguir a aprovação das propostas é esse mesmo, a mobilização: “O trabalho que os advogados públicos estão fazendo aqui é exemplar. Hoje é a classe mais mobilizada entre as que lutam por seus pleitos aqui na Câmara”. Além de Rodrigo Pacheco, compareceram ao encontro os deputados Gabriel Guimarães (PT/MG), Leonardo Quintão (PMDB/MG), Domingos Sávio (PSDB/MG) e Jô Moraes (PCdoB/MG). O procurador-geral da União, Paulo Kuhn, o procurador-geral federal, Renato Rodrigues, e a procuradora -regional federal da 1ª Região, Adriana Maia Venturini, que compõem o Comitê de Interlocução da AGU, também foram ao Parlamento. Renato Rodrigues explanou sobre a situação da AGU no que concerne às demais funções essenciais à Justiça. 8

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Por fim, em mais um ato concentrado das entidades, no dia 17 de junho, advogados públicos de todo o País compareceram à Câmara dos Deputados para reivindicar apoio à Proposta de Emenda Constitucional 443/2009. O Plenário 14 abrigava, naquele momento, uma reunião da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público para a discussão de acordos de leniência. O advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, participou do encontro. Convidado pela deputada federal Gorete Pereira (PR/ CE) a falar sobre a PEC 443/2009, Luís Inácio Adams afirmou que sempre seria favorável a propostas que valorizassem as carreiras da AGU: “A PEC 443 e a 82 dão uma base de equivalência para as atividades dos advogados perante as outras instituições. São instrumentos de qualificação do trabalho [...] Se as PECs fortalecem a qualidade das defesas, eu sou completamente a favor”. O advogado-geral atentou, porém, para a interpretação do termo “autonomia”, que suscitava questionamentos entre os deputados e o governo. Conquanto entendesse que, com a evolução da sociedade e com a modernização das instituições, os órgãos públicos passassem a usufruir de autonomia, ela tinha limites, os quais deviam ser respeitados.

Em mais um ato concentrado das entidades, no dia 17 de junho, advogados públicos de todo o País compareceram à Câmara dos Deputados para reivindicar apoio à Proposta de Emenda Constitucional 443/2009. Aproveitando o mote, a presidente da Anajur, Joana Mello, argumentou que a autonomia buscada pela AGU tinha o único objetivo de valorizar a instituição, não se cogitando, de forma nenhuma, em extrapolar os seus limites: “Buscamos uma AGU forte e que tenha mecanismos de proteger o Estado e a sociedade com ferramentas adequadas. A Advocacia-Geral da União, como defensora do Estado Brasileiro, será exemplo de boa atuação”. Além da presidente da Anajur, participaram da reunião a diretora-jurídica adjunta, Ruth Jehá Miller,


Luís Inácio Lucena Adams, advogado-geral da União, fala sobre a PEC 443 em audiência na Câmara dos Deputados

a secretária-geral, Nicóla Barbosa, e a secretária-geral adjunta, Thaís Pássaro. Para finalizar o período de intensa mobilização, os dirigentes das entidades reuniram-se com a bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na tarde do dia 29 de junho. No encontro, o deputado José Mentor (PT-SP) defendeu a aprovação da PEC 443, e o deputado Vicente Cândido (PT-SP) ratificou o compromisso, assumido pela bancada, de aparar as arestas com o governo até o início de agosto. Mentor foi o presidente da Comissão Especial que aprovou o relatório da PEC 443 na Câmara dos Deputados. Todos os parlamentares demonstraram conhecer a PEC 443/2009. O líder Sibá Machado (PT-AC), por seu turno, assumiu o compromisso de levar ao governo o interesse da bancada federal do PT no bom andamento das negociações preliminares. Esgotada essa longa agenda, com tantos encontros e reuniões, os advogados públicos conseguiram extrair do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o compromisso de que a proposta seria pautada no início de agosto de 2015. Tal data foi acertada em reunião de líderes partdários, ocorrida no dia 10 de junho. E é com esse compromisso que o segundo semestre se inicia, com a Advocacia Pública mobilizada e pronta para lutar ainda mais pela aprovação da PEC 443.

28 de maio

Mobilização em todo o País Mais de 400 advogados públicos se reuniram na porta do Ministério da Fazenda, em Brasília, no dia 28 de maio, para protestar contra a falta de diálogo da parte do governo federal sobre a situação estrutural da AGU. A reunião foi mais um, entre os vários atos de mobilização no País que marcaram o Dia Nacional de Paralisação. No Ministério da Fazenda, os dirigentes das entidades mais uma vez apresentaram um panorama do movimento. No encontro, a Anajur foi representada pela secretária-geral da associação, Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta. Em seu discurso, Nicóla, lembrando a importância daquele momento para a história da AGU, enfatizou: “O governo precisa entender que nós, advogados públicos, não vamos ceder. É hora de valorizar as carreiras da Advocacia-Geral da União”. De Brasília, os atos de mobilização se espalharam por todo o Brasil. Advogados em Roraima, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Paraná, Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Maranhão, aproveitando-se da motivação do Dia Nacional de Paralisação da Advocacia Pública, realizaram manifestações em seus estados. REVISTA

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Advogados públicos mobilizados pela aprovação da PEC 443 participam de audiência na Câmara dos Deputados

Apoio interno E a busca por apoio não se deu apenas externamente. No dia 24 de abril, a presidente da Anajur, Joana Mello, e a diretora-jurídica adjunta da entidade, Ruth Jehá Miller, reuniram-se com o presidente da Associação dos Servidores da AGU (Asagu), Danton Freitas Azevedo, e o vice-presidente, João Araújo Neto, para discutir as demandas dos membros e servidores da Advocacia-Geral da União. Na oportunidade, os diretores apresentaram as dificuldades enfrentadas pela área administrativa da Casa. De acordo com Danton Azevedo, entre os mais de 8 mil membros das quatro carreiras da Advocacia-Geral da União, há apenas 1.400 servidores efetivos e 2.400 requisitados encarregados da difícil tarefa de executar todas as funções administrativas concernentes ao órgão, em todo o País. Na opinião do presidente da Asagu, a instituição não se ressente só de carência de pessoal: “Falta pessoal, falta um plano de qualificação para esses servidores e falta, ainda, a previsão de um adicional de qualificação para estimular o trabalho desses profissionais”. Os diretores reafirmaram o compromisso da Asagu na luta pela aprovação das PECs 82 e 443. Para eles, o fortalecimento da Casa levará, automaticamente, à valorização dos servidores: “Para realizar as demandas da 10

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AGU em sua plenitude, o orçamento é reduzido. A AGU não conseguirá expandir o trabalho e não conseguirá adequar a sua estrutura às novas demandas do Judiciário se não tiver um orçamento suficiente. A aprovação das propostas trará mais eficiência à Casa.” A diretora-jurídica adjunta da Anajur, Ruth Jehá Miller, fez coro com os colegas, ao afirmar que a estruturação da AGU é fundamental para o pleno desenvolvimento do trabalho: “Eu conheço a situação da AGU nos estados e entendo a dificuldade dos advogados públicos nesses locais. É preciso realmente o fortalecimento das carreiras de apoio para que o advogado público consiga atuar plenamente em suas funções”.

Diálogos e avanços com o Executivo Sensibilizado pelas denúncias das dificuldades técnicas e estruturais enfrentadas pela Advocacia-Geral da União, o governo federal finalmente decidiu abrir um canal de diálogo com a classe. Para isso, escalou o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para negociar com os interessados, em reunião no Palácio do Planalto. O encontro foi agendado pela deputada federal


Jandira Feghali (PCdoB/RJ), importante apoiadora da justa causa da Advocacia Pública. Na reunião, os advogados públicos presentes defenderam a urgente necessidade de medidas que fortaleçam a AGU e seus membros. Assim, introduziram na pauta as PECs 82/2007 e 443/2009, que tramitam no Congresso, além dos honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública, previstos no texto do novo Código de Processo Civil. Após a explanação dos líderes associativos, o ministro Mercadante afirmou que o governo reconhece o importante papel dos advogados públicos e que está atento à delicada situação na qual se encontra a AGU. Solicitou, então, de imediato, que o advogado-geral da União e o representante do Ministério do Planejamento realizassem um levantamento da situação estrutural de todas as unidades da AGU, a fim de que fossem viabilizadas melhorias para garantir a digna atuação dos advogados públicos. O ministro determinou, também, que fosse apresentada, até o final de julho deste ano, uma proposta de regulamentação da percepção dos honorários sucumbenciais pelos advogados públicos, para que o governo pudesse encaminhar o texto ao Parlamento. Afirmou, ainda, que os cargos em aberto na instituição serão preenchidos por um novo concurso público e que se estudará uma proposta de fortalecimento das carreiras de apoio da AGU. Em relação às Propostas de Emenda Constitucional, Mercadante afirmou que se aprofundará no estudo da PEC 443/2009, mas declarou, desde já, que se dá conta da disparidade de remuneração entre agentes responsáveis pelas “Funções Essenciais à Justiça”. As entidades reafirmaram que, nesse momento, o foco de luta é pela aprovação da PEC 443/2009, que garantirá a equiparação dos subsídios entre membros da AGU e membros das demais carreiras que compõem as “Funções Essenciais à Justiça”. Também participaram do encontro o deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP), o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, o procurador-geral da União, Paulo Kuhn, e o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça. Adams reforçou a necessidade do fortalecimento da Advocacia-

Geral da União perante os outros órgãos que possuem funções com a mesma importância constitucional.

Honorários para a Advocacia Pública De forma oportuna, na esteira das determinações do ministro Aloizio Mercadante, no dia 17 de junho, o Comitê de Interlocução da AGU, criado para discutir mecanismos de valorização da Advocacia-Geral da União, e os representantes das entidades associativas sentaram-se à mesa para discutir o texto do projeto de lei que regulamenta a percepção dos honorários pela Advocacia Pública. O direito está positivado no art. 85, § 19 do novo Código de Processo Civil, sancionado em março deste ano. Na reunião, os membros do Comitê apresentaram um projeto que prevê a distribuição igualitária dos honorários entre todos os advogados públicos, independentemente da carreira ou do órgão de lotação. Cumpre lembrar que, segundo o projeto, será estabelecido um escalonamento percentual crescente na distribuição para os novos membros, e decrescente para os que se aposentarem. O texto também estabelecerá as hipóteses em que os membros deixarão de ter direito a receber os valores relativos aos honorários advocatícios pagos, em julgamentos nos quais a União obtenha decisão favorável, como quando se licenciarem para tratar de assuntos particulares ou para exercerem atividades políticas. A proposta prevê, ainda, o pagamento de adicionais por sobrecarga de trabalho jurídico e regras para permitir o exercício da advocacia privada, hoje vedada aos membros da AGU. Os projetos foram encaminhados ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) para serem apreciados pelo ministro Nelson Barbosa; posteriormente, seguirão para o aval da Casa Civil. Até lá, a Anajur e as demais entidades continuarão mobilizadas e empenhadas em consolidar as conquistas e buscar novas vitórias para a Advocacia Pública.

As entidades reafirmaram que o foco de luta é pela aprovação da PEC 443/2009, que garantirá a equiparação dos subsídios entre membros da AGU e membros das demais carreiras que compõem as “Funções Essenciais à Justiça”. REVISTA

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pec 443/2009

Pelo equilíbrio da balança das funções essenciais à Justiça A defesa do Estado e das instituições democráticas brasileiras cabe à AdvocaciaGeral da União. A defesa do erário e a proteção do montante arrecadado, que servirá de benefícios sociais para a população, cabem também ao advogado público. Da mesma forma, a viabilidade e a execução de políticas públicas passam pelo crivo desse profissional, responsável por avaliar a perfeição do ato executivo e adequá-lo ao nosso sistema legal.

A

Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo IV, trata “Das Funções Essenciais à Justiça”, e a Seção II desse capítulo dispõe sobre a “Advocacia Pública”. Assim, o art. 131 positiva: A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo. A um observador mais desatento ou a alguém não familiarizado com as nuances legais, a leitura do artigo pode levar à conclusão de que a AGU serve, exclusivamente, ao Poder Executivo e a seus

Advogados públicos em frente ao Ministério da Fazenda, durante manifestação a favor da aprovação da PEC 443 12

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subordinados. No entanto, no início do texto legal, ao mencionar que a AGU representa a União, estende a sua atuação à defesa, inclusive, dos órgãos do Legislativo e do Judiciário, enquanto poderes pertencentes da pessoa jurídica União. Assim, ao analisar, discutir e aprovar o texto constitucional, o legislador reconheceu o importante papel dos advogados públicos e os posicionou lado a lado aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Portanto, não há hierarquia ou diferenciação entre as funções que compõem o capítulo citado. Da mesma forma, não deveria haver diferenciação de tratamento em relação a seus membros por parte do Estado brasileiro. Ao longo deste quarto de século, desde a aprovação da nossa Constituição, tanto a Defensoria Pública quanto o Ministério Público conseguiram se estruturar e se fortalecer, seja pelo ponto de vista institucional, seja pela questão remuneratória. Do mesmo modo, a Advocacia Pública também obteve vitórias com a Lei Orgânica que estruturou a Advocacia-Geral da União, aprovada em 1993, e o reconhecimento nacional do importante papel da AGU para o Estado brasileiro. Se nós podemos falar em algumas vitórias, não podemos, porém, falar em simetria real. A simples análise da estruturação das entidades nos mostra que há uma diferenciação muito clara entre a autonomia e o poder de atuação entre as instituições que compõem as “Funções Essenciais à Justiça”. E tal desequilíbrio só será balanceado com a aprovação de duas emendas à Constituição: as PECs 82/2007 e 443/2009. A PEC 82/2007 equilibra as armas entre aqueles que litigam a favor e contra a União. É o meio pelo qual a AGU poderá reforçar a sua estrutura e analisar qual a melhor forma de se organizar para defender o Estado e a sociedade, garantindo condições de trabalho dignas aos advogados públicos. Já a PEC 443/2009 é uma forma de reconhecer o importante papel do advogado público e garantir a simetria desse profissional com os demais membros das “Funções Essenciais à Justiça”.

Destino da luta: Congresso Nacional Desde que ela foi apresentada, pelo deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB/MG), em dezembro de 2009, a Anajur e os demais representantes das carreiras da AGU trabalham no Congresso Nacional para impul-

sionar a matéria e convencer os deputados da importância do texto, conforme destacado pelo próprio autor, Bonifácio de Andrada: Enquanto o Poder Judiciário e o Ministério Público dos Estados alcançaram a maturidade por meio de leis nacionais que concederam remuneração semelhante em todos os estados da Federação, o mesmo não foi feito para as procuradorias dos estados e do Distrito Federal, e o que se vê é uma grande disparidade no tratamento remuneratório dos procuradores, o que não é conveniente para a Federação Brasileira. A eficiência da Advocacia da União e dos estados é de responsabilidade desta Casa e não pode haver prejuízo ao interesse público. A proposta chamou a atenção de outras carreiras, que foram incluídas na PEC por meio de emendas. Nos idos de 2010, o presidente da comissão criada para analisar a proposta, José Mentor (PT/SP), justificou a inclusão com as seguintes palavras: Nós estabelecemos aqui como critério que nós estamos tratando das carreiras jurídicas, e os delegados entram nessa discussão por conta de existirem divergências, até no Supremo, se são ou não carreiras jurídicas. Claro que eles praticam atos que têm influência na construção da Justiça e, por conta disso, nós construímos um acordo para que advogados públicos, defensores públicos, procuradores de cidades acima de 500 mil habitantes e delegados de polícia tenham o mesmo tratamento nessa PEC. Desde então, cada carreira, com a sua base, iniciou o trabalho de convencimento dos deputados para a aprovação da matéria. Em 2011, por exemplo, a Comissão Especial preparou uma série de audiências públicas regionais para discutir a proposta, às quais os advogados públicos compareceram. São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, João Pessoa, Curitiba e outras capitais foram palco de discussões da PEC 443. As audiências foram fruto de requerimentos protocolados por parlamentares, entre eles o deputado Marcelo Ortiz (PV/SP), em meados de 2010. E por lidar com um espectro tão diverso de carreiras, a proposta precisou ser discutida, analisada e modificada por longos dois anos, até o fim de 2013, quando, em 5 de novembro de 2013, o parecer do relator, deputado Mauro Benevides (PMDB/CE), foi apreciado e seria votado. No entanto, tal discussão foi adiada mais uma vez,

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Advogados públicos não medem esforços para defender a aprovação da PEC 443

em decorrência de um pedido de vista dos deputados Amauri Teixeira (PT/BA) e João Dado (PDT/SP à época; atual SD/SP). Decorrido mais um ano de discussão, finalmente, ao término do ano de 2014, no dia 10 de dezembro, a Comissão Especial encerrou esse capítulo, aprovando o relatório apresentado pelo deputado Mauro Benevides e encaminhando a PEC 443 para o Plenário da Câmara. Com a conquista dessa vitória, os advogados públicos lutam diariamente nos corredores do Congresso e nos gabinetes dos deputados para ver a proposta finalmente aprovada e sancionada. O trabalho, que é de convencimento, está cada vez mais forte. Atualmente, a PEC 443/2009 é a principal bandeira

de luta das entidades que representam os advogados públicos. A Anajur considera que a valorização da Advocacia Pública é uma medida fundamental para a prevenção e o combate à corrupção, considerando que são os advogados públicos os responsáveis pela defesa da União. São os guardiões do erário e lutam, diariamente, para evitar perdas ao Estado brasileiro. A valorização das carreiras passa, necessariamente, por um tratamento remuneratório adequado aos profissionais que a integram. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, prometeu a votação do texto em primeiro turno para agosto de 2015. A Anajur espera ver a promessa cumprida e, finalmente, os advogados públicos valorizados.

A Anajur considera que a valorização da Advocacia Pública é uma medida fundamental para a prevenção e o combate à corrupção, considerando que são os advogados públicos os responsáveis pela defesa da União. 14

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foto: Arquivo pessoal

artigo

Conjuntura política confusa Antônio Augusto de Queiroz*

O ambiente político está contaminado por dois fatos políticos: 1) a disputa PMDB versus PT; e 2) a guerra de posições entre caciques do PMDB (Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha) em relação ao governo e à sucessão presidencial.

A

disputa PMDB versus PT/governo, além da briga natural por posições no governo, tem duas outras motivações que explicam, em grande medida, a hostilidade manifestada pelo PMDB ao segundo mandato da presidente Dilma. A primeira está relacionada com a desconfiança do partido de que o governo e o PT estão manobrando para esvaziá-lo, com o apoio dado à criação do PROS e do PSD, e, posteriormente, com o espaço que reservou a esses dois partidos no governo: Educação e Cidades. A segunda tem a ver com a disputa pela presidência da Câmara, em que setores do governo fizeram campanha para o candidato do PT, Arlindo Chinaglia, contra Eduardo Cunha, o candidato do PMDB. Como Eduardo Cunha ganhou a disputa em primeiro turno, sem depender do PT nem do PSDB, ele aglutinou em torno de sua liderança não apenas os partidos que fizeram parte do bloco para sua eleição, mas também a oposição, que tinha e tem interesse no desgaste do governo e do PT. Um de seus primeiros gestos de hostilidade ao governo foi declarar que não reconhecia o coordenador político do governo, o então ministro Pepe Vargas, que tinha atuado abertamente pela eleição de Chinaglia. A presidente foi obrigada a trocar a coordenação política, que foi entregue ao vice-presidente, Michel Temer. Em relação ao segundo fato político – a disputa entre caciques do PMDB –, o governo continuou sendo a maior vítima. Cada um dos três peemedebistas, sustentados em suas posições institucionais, montou estratégias para continuar com a perspectiva de poder. Michel Temer, além do posto formal de vice-presidente da República e de presidente do PMDB, assumiu a coordenação política do governo, o que o credencia para uma interlocução privilegiada com todos os partidos da base aliada. O sucesso de sua estratégia depende do seu desempenho como coordenador político. Assim, todo o empenho será feito por ele para parecer leal ao governo e eficiente nessa tarefa. Temer tem o cuidado de separar o que é assunto de governo do que é assunto dos partidos. Com isso, exclui de sua responsabilidade a maioria das proposições de

iniciativa de parlamentar, como foi o caso da terceirização e da PEC da Bengala. Seu projeto é suceder à presidente Dilma. Se, eventualmente, a presidente for impedida, ele assumirá a presidência imediatamente, mas precisa fazê-lo com o governo organizado e sem a pecha de ter conspirado para isso. Se o governo concluir o mandato com controle sobre a agenda congressual, Michel capacita-se para a candidatura à sucessão. Já Renan Calheiros, que utiliza como trincheira a presidência do Senado, tem duplo desafio. O primeiro é ser inocentado na investigação da Operação Lava-Jato. O segundo é alterar a Constituição para garantir a renovação do seu mandato na presidência da Casa, tema com o qual concorda Eduardo Cunha, e manter-se como alternativa para a presidência da República em 2018. A estratégia de Renan é complexa. Ora hostiliza o governo, para forçá-lo a defendê-lo na investigação da Lava-Jato, ora se alinha ao governo, contrapondo-se a Eduardo Cunha.Tem buscado se credenciar como candidato aproximando-se dos empresários (devolução da MP 669 e defesa da política de apoio ao emprego) e dos trabalhadores, ao criticar a MP do ajuste fiscal e a da terceirização e pejotização generalizadas. Eduardo Cunha, por sua vez, também tem a enfrentar o desafio de ser inocentado na Lava-Jato, mas está em melhor posição que Renan. Apresentando-se como independente, tem imposto uma agenda conservadora no campo dos valores morais e também de interesse do setor empresarial, atitude que mais atrapalha do que ajuda o governo. Hoje, é a maior e a mais temida liderança do Congresso. Reúne em torno de si um verdadeiro Centrão, maior até do que o da Constituinte. Os próximos episódios da crise política dependerão do movimento desses três atores políticos. Os interesses políticos estão acima de qualquer coisa. Por isso, se não houver uma mediação entre eles, o governo será o principal prejudicado, porque terá de conviver com permanente tensão, além de correr riscos se for aprovada matéria com lógica oposta à do ajuste fiscal. * Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Apoio Parlamentar (Diap). REVISTA

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entrevista: elena natch fortes

Disciplina e iniciativa no

exercício da Advocacia Consultiva Semanticamente, falar de Advocacia Consultiva é falar de proteção. Ao buscar o apoio jurídico de um profissional antes da tomada de decisões e o aconselhamento na hora de executar determinados atos, o cliente diminui de forma drástica a possibilidade de ser acionado posteriormente pela Justiça. É uma forma de garantir que seus atos possuem presunção legal e de que não deverão gerar prejuízos a outrem.

À

– Sem dúvida nenhuma a Advocacia Consultiva é de suma importância para o Estado, pois consegue evitar a prática de ilegalidades e/ou impropriedades, além de poder detectar indícios de improbidade administrativa. Os resultados positivos para a sociedade são a previsão de possíveis atos de corrupção, inibindo-os, cujas consequências se refletem principalmente em economia para os cofres públicos. Como a Advocacia Consultiva atua na implementação das políticas públicas? – Essa atuação da Advocacia Consultiva é apenas uma entre as inúmeras previstas em lei. Verificada a questão

medida que se desenvolve no Brasil uma cultura de

concernente à área finalística do ministério envolvido,

prevenção de litígios, como o estímulo à mediação e

em se tratando de matéria inédita, após se pronunciar, a

conciliação, assistimos, também, à ascensão da Advocacia

Consultoria Jurídica (CJU) encaminha seu posicionamento

Consultiva no campo privado. Esse é um sinal de desen-

à Conjur responsável pela assessoria daquele ministério,

volvimento social, pois que muitos conflitos são evitados

visando à uniformização nacional da questão. A entidade

logo no seu ato de formação.

poderá manifestar sua concordância com o entendimento

Se, por um lado, aplaudimos a ascensão da Advocacia

firmado, ou suscitar, à Consultoria-Geral da União, a uni-

Consultiva no âmbito privado, por outro, temos de fazer

formização de eventual divergência, garantindo, assim,

justiça aos advogados públicos, que há muito tempo vêm

maior segurança jurídica e coerência aos atos relativos à

realizando esse tipo de trabalho em prol dos gestores

política pública envolvida.

públicos, a fim de garantir que a aplicação das políticas

Recentemente, a CGU/AGU lançou o documento “Car-

públicas fiquem adstritas aos limites legais. Quando con-

ta de Serviços”, importante ferramenta cuja finalidade é

sideramos que as políticas públicas são o meio principal

informar os gestores da União lotados fora de Brasília

de efetivação dos direitos fundamentais previstos na nossa

sobre os serviços prestados pelos órgãos consultivos, que

Constituição, confirmamos a grande importância que a

são indispensáveis ao bom andamento da Administração

Advocacia Pública Consultiva tem para o Estado e para a

Pública Federal Direta em todo o País.

sociedade em geral. Elena Natch Fortes, delegada estadual da Anajur e

O que fazer para estimular o gestor a atuar em

consultora jurídica em Roraima, conta que costumava in-

constante parceria com o consultor jurídico, com

termediar conflitos desde criança. Brincadeiras à parte, o

o intuito de implementar as políticas públicas da

teste vocacional de que participou, quando se preparava

forma mais correta possível?

para o vestibular, confirmou essa tendência. Ela ingressou

– A CGU/AGU é incansável no seu propósito de implemen-

na Advocacia Pública em 1983, por meio de concurso.

tar estratégias e ferramentas administrativas, recorrendo,

Nesta edição da revista Anajur, a dra. Elena fala sobre

para tanto, até mesmo a recursos de tecnologia da infor-

Advocacia Consultiva e conta um pouco da sua história

mação. Ademais, adota minutas, padrão de contratos e

na Advocacia Pública.

editais de licitação para atingir esse objetivo, ressalvando, com justiça, a atual situação de algumas unidades, que se

Qual a importância da Advocacia Consultiva para o Estado e quais os seus reflexos para a sociedade? 16

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ressentem duramente da falta de servidores de nível médio, assim como de advogados.


foto: Arquivo pessoal

grande benefício ou evitou uma perda imensa para o Estado? – Os benefícios e a economia para a União são inúmeros e podem ser constatados diariamente nos resultados de nossa atuação. São divulgados na nossa página da internet: www.agu.gov.br. As faculdades de Direito costumam preparar os alunos para analisarem a norma posta. Em poucos casos, preparam para a formulação/implementação de leis. Quais as principais qualidades que um bom consultor precisa ter? – Disciplina e iniciativa, além da dedicação aos estudos, pois somos “bombardeados” de forma sistemática por normas novas em todas as áreas da Administração Pública, cujos gestores carecem constantemente de nossa assessoria na interpretação dessas normas. Caso haja divergências entre os órgãos, o que faz a AGU para conseguir que eles atuem de maneira coordenada? – Eis aí mais uma ferramenta importantíssima criada pela CGU/AGU com esse propósito, que são as Câmaras de Conciliação, instaladas e coordenadas por membros da CGU, tanto no Distrito Federal quanto nos estados.

A senhora é consultora jurídica da União em Ro-

A CGU/AGU é incansável no seu propósito de implementar estratégias e ferramentas administrativas.

raima. Quais os principais desafios e vitórias que já obteve em sua atuação? – Sem dúvida nenhuma, o maior desafio foi a implantação do extinto Núcleo de Assessoramento Jurídico (NAJ), atual Consultoria Jurídica (CJU), em virtude da urgência de prestação de assessoramento jurídico aos órgãos federais no Estado de Roraima. Enfrentávamos uma situação de difícil solução, por não existir, à época, ou seja, em 2006, nenhum imóvel funcional disponível, nem disponibilidade orçamentária por parte da União para adquirir algum

Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pe-

(por compra ou aluguel); faltavam também móveis e

los advogados públicos em sua atuação consultiva?

computadores para os advogados. Foi somente depois

– Faltam advogados e servidores da área de apoio. Regis-

de inúmeras incursões pelos órgãos públicos federais da

tre-se, porém, a nosso favor, a aprovação da reforma da

capital que a Procuradoria da União (PU/RR) finalmente

Lei de Cargos e Salários dos Quadros de Pessoal da AGU,

tomou posse de imóveis desapropriados do ex-território,

atualmente aguardando conclusão, para posterior envio

com espaço suficiente para ali se instalarem o NAJ-RR

ao Congresso Nacional.

(atualmente CJU-RR) e a Procuradoria Federal (PF-RR). Quanto às vitórias, essas são conquistadas no dia a dia

A atuação consultiva é um trabalho diário e mi-

de trabalho, mediante a constatação do dever cumprido,

nucioso de análise das políticas públicas a serem

quando os órgãos assessorados acusam plena satisfação

implementadas. A senhora se lembra de algum caso

às orientações disponibilizadas e seus efeitos positivos na

emblemático em que a atuação consultiva gerou um

resolução de problemas e controvérsias. REVISTA

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mobilização

Advocacia pública respeitada, Estado brasileiro forte! A Advocacia Pública Federal vive um momento ímpar de mobilização. Desde a época da Assembleia Nacional Constituinte, quando foi criada a Advocacia-Geral da União (AGU), passando pelas manifestações no Congresso Nacional, no início dos anos 90, pela aprovação da Lei Orgânica que daria forma à AGU, não se tinha assistido a um momento tão auspicioso como este, resultado de muita força e união entre os advogados públicos.

À

s vésperas da votação, pela Câmara dos Deputados, da PEC 443/2009 e da consolidação da percepção dos honorários sucumbenciais pela Advocacia Pública, ambas fruto de um intenso trabalho de mobilização dos membros da AGU, os advogados públicos percebem que o trabalho coeso da classe em prol de um bem comum alcançou seus propósitos. No entanto, alguns obstáculos se apresentam, impostos, surpreendentemente, por atores que possuem simetria constitucional com os membros da Advocacia-Geral da União. Afinal de contas, nem tudo são flores quando se busca a igualdade. No segundo trimestre de 2015, por dois momentos, os advogados públicos tiveram de tomar posição contra manifestações de outras carreiras jurídicas que, em declarações ou ações judiciais, deixaram de entender a real dimensão do trabalho da Advocacia Pública e do seu posicionamento no espectro social e jurídico. Com esses gestos, além de desprestigiarem uma carreira que, entre outras coisas, realiza a defesa das instituições representadas por esses opositores, desrespeitaram os preceitos constitucionais que legitimam a Advocacia-Geral da União e os advogados públicos. O primeiro ato foi realizado pelo Supremo Tribunal Federal que, em manifestação ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), comparou os membros da Advocacia-Geral da União, em suas funções

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e atribuições, aos servidores do Judiciário. O documento tinha o objetivo de defender a necessidade de um reajuste salarial aos analistas do Poder Judiciário. Diante de tal manifestação, a Anajur e as outras associações que representam os advogados públicos apresentaram uma nota conjunta em resposta ao texto do STF. Logo no início da nota, os representantes dos advogados públicos lembram que os servidores de apoio ao Judiciário são “merecedores de um reajuste justo” e que a nota não é contrária a eles, mas, sim, contrária à forma como os advogados públicos haviam sido tratados por aqueles que são os guardiões da Constituição. Ao mencionar que a remuneração do agente público comporta distinção em razão do cargo, conforme o art. 39, §1º da CF, devendo-se observar “a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, os requisitos para a investidura e as peculiaridades dos cargos”, as entidades lembraram que: Não se pode comparar, nem de longe, as atribuições dos membros da Advocacia-Geral da União com a de servidores que prestam apoio administrativo e jurídico aos magistrados. A Advocacia Pública, enfatize-se, encontra-se em outro patamar, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública. Ao fim da nota, as entidades solicitaram maior observância dos preceitos constitucionais: Assim, rechaça-se o ocorrido, pois gestos como esses só contribuem para o desprestígio das instituições democráticas, esperando-se que prevaleça o respeito à Advocacia-Geral da União e a seus membros, com resguardo da Justiça, da ordem democrática e da importância da Advocacia Pública para o Estado Brasileiro. A Advocacia-Geral da União também resolveu se manifestar por meio de nota. Em texto direcionado ao


presidente do Supremo Tribunal Federal, o advogadogeral da União, Luís Inácio Adams, declarou: Não há fundamento constitucional para se estabelecer parâmetro comparativo entre as atividades desempenhadas pelos Advogados da União em face das atribuições inerentes aos cargos de analista e técnico do Poder Judiciário. Isso porque as carreiras que integram a Advocacia-Geral da União compõem, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, as Funções Essenciais à Justiça. O nível de responsabilidade decorrente do exercício do cargo de Advogado da União e das demais carreiras desta Instituição é sensivelmente mais elevado do que aquele oriundo do exercício dos cargos dos servidores do Poder Judiciário da União. Com efeito, cabe aos aludidos advogados a representação judicial e extrajudicial da União – no âmbito dos três Poderes da República – em todas as instâncias e Tribunais, tanto pátrios quanto internacionais, além do assessoramento jurídico de todos os órgãos que compõem o Poder Executivo da União. Missão constitucional que, por óbvio, não foi atribuída aos cargos de servidores do Poder Judiciário. A segunda manifestação procedeu do Ministério Público Federal, que, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.334, proposta pelo procurador-

geral da República, Rodrigo Janot, no último dia 16 de junho, questionava a inscrição dos advogados públicos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conforme previsto no art. 3º, caput, e §1º do Estatuto da Ordem (8.906/1994). Para Janot, os advogados públicos “exercem, sim, atividade de advocacia, mas sujeitam-se a regime próprio (estatuto específico), não necessitando de inscrição na OAB, tampouco a ela se submetendo”, conforme consta no texto da ADI. Diante dessa ADI, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil convocou a Anajur e os demais representantes da Advocacia Pública nas três esferas da Federação, para uma audiência pública, realizada no dia 23 de junho de 2015. No encontro, a Ordem rechaçou veementemente qualquer tentativa de enfraquecimento da Advocacia Pública. O vice-presidente da OAB, Claudio Lamachia, ressaltou que a OAB é a Ordem dos Advogados Privados, mas também é a Ordem dos Advogados Públicos, e colocou a OAB à disposição dos membros da AGU e das procuradorias estaduais e municipais, que estivessem interessados na defesa de eventuais tentativas de enfraquecimento da classe. “A OAB está atenta, integrada e disponível a todos vocês, advogados públicos, nesse momento de extrema importância institucional”, ratificou Lamachia. Ophir Cavalcante Júnior, ex-presidente da OAB e atual membro honorário da Ordem, também se fez

Entidades representativas dos Advogados Públicos recebem o apoio do Conselho Federal da OAB REVISTA

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presente ao encontro. Ophir, que é procurador do Estado do Pará, em tom enfático, alertou: “Precisamos nos unir para lutar pela Advocacia brasileira, golpeada de uma forma não republicana neste momento. Não há espaço para nenhuma ideia de desvinculação da Advocacia Pública e a OAB”, destacou. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape), Marcelo Terto e Silva, confirmou o apoio da OAB aos advogados públicos com a seguinte declaração: “Em nenhum momento a Advocacia Pública deixou de contar com apoio da OAB. Estamos em estado de alerta para combater toda e qualquer medida que ofenda nossa dignidade e que comprometa nossa liberdade de atuação.” O presidente da Seccional da OAB-DF, Ibaneis Rocha, destacou o lastro constitucional que reconhece as prerrogativas da Advocacia a todos os advogados, sejam eles públicos, sejam privados. “O advogado público é advogado, na definição do art. 133 da Constituição Federal, essencial à administração da Justiça, devendo agir com independência e tendo suas prerrogativas respeitadas”, concluiu Ibaneis.

A Anajur foi representada na reunião pela secretária-geral adjunta da entidade, Thaís Pássaro, e pela diretora-jurídica, Ruth Jehá Miller. Thaís Pássaro também se manifestou contrária à ADI. Ela lembrou que são os advogados públicos os agentes responsáveis por viabilizar, do ponto de vista jurídico, as políticas públicas, realizando, inclusive, o controle prévio de legalidade. Destacou que as prerrogativas conferidas pelo Estatuto da OAB são salvaguardas imprescindíveis aos advogados públicos, especialmente quando buscam assegurar a concretização de políticas públicas e fazem a defesa dos gestores, contrariando, muitas vezes, o Ministério Público. Em ambos os casos – na manifestação do Supremo Tribunal Federal e na ADI do Ministério Público Federal –, foram subestimadas as funções e atribuições da Advocacia Pública, previstas constitucionalmente. Ambas as ações desmereceram a atuação da Advocacia Pública em sua legítima defesa da sociedade e de todos os órgãos públicos do Estado brasileiro. A Anajur continua vigilante, pronta a reagir a qualquer tentativa de enfraquecimento da Advocacia Pública.

Cláudio Lamachia, vice-presidente da OAB Nacional, rechaça tentativa de enfraquecimento da Advocacia Pública 20

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artigo

Monteiro Lobato, um desiludido com o Direito Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*

Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, São Paulo, em 18 de abril de 1882. Registrado como José Renato Monteiro Lobato, mais tarde mudou o nome para José Bento Monteiro Lobato, ao que consta para valer-se das iniciais JBML, gravadas numa bengala que ele pretendia usar, deixada pelo pai, cujo nome era José Bento.

O

desinteresse de Monteiro Lobato pelo curso de Direito era total. Parece que apreciava apenas um professor, Pedro Lessa, que lecionava Filosofia do Direito. Durante os anos de faculdade, Monteiro Lobato aprofundou amizades com quem tinha também interesse pela literatura. Concluído o curso de Direito, retornou a Taubaté, onde foi festivamente recebido como bacharel. Nomeado promotor, mudou-se para Areias, no interior paulista. A vida forense o deprimia, desanimava, desgostava. Casou-se em 1908. No ano seguinte, herdou a fazenda do avô, o Visconde de Tremembé. Deixou o Ministério Público e tornou-se fazendeiro. Em meados da década de 1910, começou a publicar contos, crônicas e um pouco de crítica. Depois de ter vendido a fazenda, mudou-se para São Paulo, onde fundou uma editora, em 1918. Faliu sete anos depois e, então, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na então capital da República, colaborou na imprensa com certo destaque. Em 1926, seguiu para Nova York, onde viveu até 1931. Foi adido comercial brasileiro. Impressionado com o crescimento econômico dos Estados Unidos, dedicou-se a fazer proselitismo em torno da exploração do petróleo e do ferro. Em virtude de sua intransigente luta em prol da soberania nos direitos de exploração do subsolo, foi preso, em 1941, tendo permanecido no cárcere por três meses. Seguiu para a Argentina em 1946, lá vivendo um ano. Ao retornar ao Brasil, foi festejado como autor de livros infantis. Morreu em 4 de julho de 1948, em virtude de um espasmo vascular. É sobre a trajetória de Monteiro

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Lobato, e seu desencanto para com o Direito, que se trata em seguida. O curso jurídico foi uma imposição do avô, de quem herdaria a fazenda. Lobato imputava a um advogado a categoria de filoxera social. Filoxera é um inseto que ataca as raízes e faz secar as folhas das plantas. A imagem é absolutamente contundente na proporção em que nos revela o juízo de Lobato a propósito da advocacia. Para o escritor, o advogado era um inseto que ataca raízes e faz secar as folhas das plantas. Depois de rápida passagem por Taubaté, terra do avô, foi designado promotor em Areias. À época, virada do século, o Ministério Público não tinha o perfil que tem na contemporaneidade. Lobato não gostava do júri: detestava acusar os pobres réus. Afastava-se do tabelião. Não tinha vínculo ideológico com o juiz. Não lia autores de Direito. Jamais escreveu artigo jurídico. Lobato deixou Areias e a vida de promotor, para a qual não se sentia talhado. Tudo é motivo para Lobato criticar o Direito posto, ou tudo que a ele se relaciona. Ao comparar a Justiça a uma traquitana, espécie de sege que se move vagarosamente, Lobato faz coro com aqueles que criticam a morosidade da Justiça. No mesmo excerto, um pouco mais à frente, continuou Lobato: “A Justiça engoliu aquele papel, gestou-o com outros ingredientes da praxe e, a cabo de prazos, partejou um monstrozinho chamado sentença, [...]”1. Lobato criticava juízes que não despachavam, não sentenciavam, porque, para ele, pior do que decidir mal é demorar para decidir. E escreveu: “[...] e finalmente a fauna dos brasílicos jabotis togados, que dormem anos na pontaria dos despachos e causam à economia pública mal maior que o juiz que se vende, mas é expedito.”2 Lobato percebia o Direito como imposição do mais forte: O pobre que obedece ao rico ou poderoso e mata ou faz-se matar por ele. O rico ou poderoso é o dono do mundo. Inventa leis de honra, ‘defesa da ordem social’, disciplina férrea, etc., lindos formalismos tendentes todos a utilizar-se do ‘pobre’ como instrumento da sua comodidade e da manutenção do status quo: ricos em cima, pobres em baixo.3


Sua sensibilidade transpôs para a literatura a angústia que a vida forense lhe representou. Perceba-se a seguinte descrição: Depois de julgado o fato, quando o Juiz de Direito formula a sentença, profundo silêncio domina a sala inteira. Fora do recinto, além da grade, dez, vinte caras habituais, criaturas gulosas do epílogo que só aparecem para ouvir a sentença [...]. O Juiz ergueu-se, de papel na mão. O silêncio é absoluto. A sala toda se transforma em ouvidos. O Juiz lê: “[...] condeno o réu tal a cinco anos de prisão celular.” [...]4. Carregado de desilusão, pessimismo, ceticismo, Lobato lutou pela superação desse vazio, valendo-se de sua literatura crítica. É o caso do sublime conto Júri na Roça. Lobato foi um crítico mordaz do modelo tributário. Em Ideias de Jeca Tatu, ao descrever a chegada da família real portuguesa ao Brasil, Lobato chama a atenção para o desembarque de um personagem: “O Fisco – um canzarrão tremendo de dentuça arreganhada – é conduzido no açamo por vários meirinhos.”5 E, em outra obra, verificava no Fisco uma herança portuguesa: Portugal só organizou uma coisa no Brasil-Colônia: o Fisco, isto é, o sistema de cordas que amarram para que a tromba percevejante [sic] segue sem embaraços. Quem lê as cartas régias e mais literatura metropolitana enche-se de assombro diante do maquiavélico engenho luso na criação de cordas. Cordas trançadas de dois, de três, de quatro ramais; cordas de cânhamo, de crina, de tucum, de tripa; cordas estrangulatórias de espremer o sangue amarelo e cordas de enforcar.6 A ironia é implacável. O suposto devedor, ao perguntar por que deve, tem como resposta o como pagar. É a imagem da repartição pública, onde o devedor, ao questionar fato gerador, base de cálculo, lançamento, multa, juros de mora, tem como resposta o regular preenchimento de uma guia de recolhimento. Para Lobato, a imposição tributária é perene na vida do cidadão. Lobato era irredutivelmente agressivo para com o Fisco, que qualificava com os mais negativos impropérios. Escreveu: “Que é o Fisco senão um ‘sistema de embaraços’ opostos à livre atividade do homem, que deles só se livra por meio de entrega ao Estado de uma certa quantidade de dinheiro.”7 A guerra que Lobato fazia ao Fisco (e que de certo modo tem resultados, dada a imunidade tributária dos livros, que tanto defendeu) é mais uma faceta de

seu espírito combativo. A circunstância traduz, identificando sistemática oposição à imposição tributária irracional, mais uma perspectiva de desilusão jurídica. Lobato acreditava que a vida do operador jurídico é vazia porque as condições determinantes da Justiça são estruturais, dependentes da Justiça econômica, fundamentada na boa distribuição de renda. Lobato criticava abertamente as concepções formais de Direito e de Justiça. Escreveu: Se o Direito representasse um reverbero da Justiça como a sonham filósofos, o Direito indurar-se-ia[sic] na consciência de cada homem, confundindo-se com a moral e dispensando a sanção. Por que existem hoje, como outrora, como sempre, tantos infratores das leis? Porque tais leis só representam conservação, permanência, status quo de fato, e nunca uma pura emanação da Justiça.8 Um conjunto de fatores explica ou pode explicar o desencanto jurídico em Monteiro Lobato. O excesso de leituras poderia ter afastado o escritor de uma suposta aridez dos textos jurídicos, que ele sempre nominou de maçantes. Seu aguçadíssimo espírito crítico não contemporizava com as iniquidades que ele vira, até mesmo como promotor. Seu ceticismo radical matizou a incredulidade mórbida e perene para com as concepções formais dos campos jurídicos. Sua efetividade prática, seu espírito empreendedor e sua mobilidade fática repeliam o abstrato, o teórico, o conceitual, que desenham o Direito, como criação eminentemente cultural. Seu constante inconformismo o afastou das soluções impostas. Também, e com muita razão, a vocação determinada pelo avô ameaçou um ideal libertário que, numa perspectiva freudiana, valeu-se da vida para acertar contas com o passado. * Livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP). Pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília (UnB). Professor visitante na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, e no Instituto Max Planck de História do Direito Europeu, na Alemanha. NOTAS 1. Monteiro 2. Monteiro 3. Monteiro 4. Monteiro 5. Monteiro 6. Monteiro 7. Monteiro 8. Monteiro

Lobato, Lobato, Lobato, Lobato, Lobato, Lobato, Lobato, Lobato,

Urupês, pág. 189. Na Antevéspera, pág. 140. Na Antevéspera, pág. 228. Mundo da Lua, pág. 70. Ideias de Jeca Tatu, pág. 14. Na Antevéspera, pág. 92. Mundo da Lua, pág. 206. Mundo da Lua, págs. 17 e 18. REVISTA

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saúde

DTM

Uma inusitada causa das terríveis dores de cabeça

Determinar a causa, ou causas, da famigerada dor de cabeça é um desafio para todos, principalmente se for considerada a multiplicidade de fatores que podem gerar esse mal. Existem mais de 150 tipos de dor de cabeça e, assim, é de se esperar que tenham as mais variadas causas, podendo, por exemplo, ser a manifestação de uma simples gripe a de um grave aneurisma cerebral.

D

e acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cefaleia, 95% da população apresenta, em algum momento da sua vida, sintomas de dor de cabeça. Cerca de 70% das mulheres e 50% dos homens apresentam pelo menos um episódio de cefaleia ao mês. São dores que, a depender de sua intensidade, podem até mesmo inviabilizar a execução de atividades corriqueiras, de trabalho ou de estudo. Treze milhões de brasileiros apresentam dor de cabeça pelo menos 15 dias por mês, mal conhecido como cefaleia crônica diária. Algumas causas da dor de cabeça são pouco comuns, como a postura incorreta e o glaucoma. Mas nenhuma é tão surpreendente como a disfunção temporomandibular, também conhecida pela sigla DTM. A raiz desse problema pode estar dentro da boca. E o profissional competente para tratá-la seria ninguém menos do que um dentista! Para falar um pouco sobre a DTM, esta edição da Revista Anajur entrevistou o dentista Marco Antonio dos Santos, que esclareceu as causas, os sintomas e o tratamento da DTM. O que é a disfunção temporomandibular? – Antes de falarmos da doença em si, precisamos localizá-la. Para tanto, é necessário mencionar a ATM, que é a

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articulação temporomandibular. A doença mais comum nessa região é a disfunção temporomandibular (DTM). Ela tem esse nome porque ocorre próximo àquela articulação. No entanto, essa articulação pode ou não ser responsável pelo mal. O paciente costuma reclamar de uma extrema sensibilidade na região muscular, em consequência de um “apertamento” dental, que foi causado pela exposição a estresse. Esse “apertamento” dental que o senhor menciona é a mesma coisa que o chamado ranger os dentes? – Não. O apertamento dental de que falo consiste no ato de morder com força. Na realidade, existem dois tipos de disfunção bucal: o “ranger os dentes”, distúrbio que as pessoas normalmente conhecem como “bruxismo”, e o “apertamento dental”. Essas disfunções manifestam sintomas e sinais diferentes. A causa do “ranger os dentes” ainda é desconhecida, ou melhor, não se sabe ao certo qual é seu fator gerador. Acredita-se que também se origine do estresse, mas isso ainda não ficou efetivamente comprovado. Durante o período noturno, em determinadas fases do sono, o paciente começa a ranger os dentes. Como consequência dessa fricção, os dentes sofrem desgaste. Muitas vezes o paciente não tem sintoma nenhum além desse desgaste dos dentes. Para impedir o avanço do mal, na boca do paciente é aplicada uma pequena placa de acrílico, para proteger os dentes. Já o apertamento dental tem outras características. Por exemplo: o paciente pode desenvolver essa disfunção tanto durante o dia quanto durante a noite. Os sintomas são bem característicos: o paciente tem dificuldade de abrir a boca e sofre constantes dores de cabeça, que podem variar de frequência no decorrer do dia. O mais comum é acontecer no final do dia.


É uma doença multifatorial, em que o estresse, associado a outros fatores, como a falta de dentes ou a posição do indivíduo ao se deitar, pode levar ao desenvolvimento.

Quais são os sintomas desse distúrbio? Os sintomas mais comuns são: dores de cabeça, dores na nuca, dores nas costas, torcicolos e dores na face do lado afetado. É comum que o paciente acometido pela DTM, desconhecendo a origem da dor de cabeça, procure ajuda médica, quando melhor faria se recorresse a um dentista. Aliás, a doença é, muitas vezes, confundida com enxaqueca. Como é feito o diagnóstico? O diagnóstico é feito em exame clínico, e depois de o paciente preencher um questionário específico para detectar o mal.

Esse apertamento é o causador da doença? – Não. O apertamento é só uma consequência. É um hábito, quase inconsciente, que o paciente desenvolve para tentar descarregar uma carga emocional. O que, então, provoca a DTM? – É uma doença multifatorial, em que o estresse, associado a outros fatores, como a falta de dentes ou a posição do indivíduo ao se deitar, pode levar ao desenvolvimento da doença. Ela tanto pode estar ligada a um fator emocional, quanto pode ter origem num fator local, como a má oclusão dos dentes (desvio do encaixe correto dos dentes), que pode induzir o apertamento. Entretanto, observa-se que, embora alguns pacientes tenham oclusão (fechamento da boca) perfeita, eles, ainda assim, desenvolvem aquele hábito. Por isso, acredita-se que o fator principal deva ser mesmo o estresse. Atualmente, estamos percebendo um aumento da incidência dessa doença na população, principalmente porque doenças relacionadas ao estresse se tornaram mais comuns.

Externamente se percebe alguma coisa? Na maioria das vezes não se vê nenhuma alteração na face do paciente. Há alguma forma de prevenir esse mal? A melhor forma de prevenir é a auto-observação: atentar para estalidos na articulação e observar, principalmente se estiver muito estressado, se desenvolveu o hábito de apertar os dentes. E qual o tratamento adequado a esse tipo de distúrbio? Se o paciente diagnosticado com esse distúrbio tem consciência do fator emocional, sugere-se, então, um tratamento cognitivo, juntamente com o tratamento com a placa, só para lembrar o paciente de que ele está desenvolvendo aquele mau hábito. Explicando melhor: quando o paciente começa a fazer o apertamento, como existem setores de pressão de grande intensidade nas raízes, pouco tempo depois o paciente sequer se apercebe de que está apertando os dentes, e faz isso com tanta frequência que acaba prejudicando a REVISTA

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musculatura. A plaquinha é aplicada exatamente para fazer o paciente se lembrar disso, porque, quando ele aperta uma superfície dura, como é a placa, ele acaba automaticamente abrindo a boca e se lembrando de que não pode fazer isso. E, com a ajuda de psicólogos e fisioterapeutas, ele vai conseguir superar esse mau hábito. Mas a ajuda cognitiva só é possível se o apertamento for feito durante o dia. Para aqueles pacientes que fazem o apertamento noturno, só resta o uso da placa, para diminuir o apertamento. Uma forma muito comum de identificar a doença pode ser feita pelos próprios pacientes, verificando se, de manhã, quando acordam, têm alguma dificuldade para abrir a boca ou se já manifestam uma leve dor de cabeça, que pode aumentar no decorrer do dia. Outro tratamento que tem apresentado bons resultados é a acupuntura. Vale lembrar o paciente de que esse tipo de mal é cíclico. O paciente entra numa fase de melhora, de estabilidade, mas a doença pode aparecer novamente, bastando que ele readquira o hábito do apertamento dental sob o efeito de instabilidade emocional. Há alguma dor associada à mandíbula? – Com certeza. Na mandíbula está o músculo principal de abertura e fechamento da boca. Na realidade, o paciente sente mais dor é na mandíbula, no músculo que se chama masseter, aquele que mencionei no início da questão. Esse é o músculo mais afetado, além dos músculos temporais, que são aqueles que fazem a tração da mandíbula na hora do fechamento. São as principais musculaturas prejudicadas nesse tipo de disfunção. A dor é tão intensa que, muitas vezes, desequilibra a vida do paciente. Existem casos extremos

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em que o paciente sequer consegue abrir a boca por causa da dor. Existem outros problemas de articulação nessa região? – A articulação pode apresentar outros problemas, como: anquilose, causada por má-formação ou inflação, e fratura da articulação, provocada por acidente ou prática de esportes violentos, em que a vítima não usava a proteção adequada. E os casos de perda óssea na boca? São reversíveis? – A maioria dos casos de perda óssea ocorre por trauma oclusal, doença periodontal (periodontite) ou processos infecciosos. A maioria das perdas ósseas com retração gengival é irreversível. Alguns tratamentos periodontais modernos, que utilizam o enxerto ósseo e gengival, com tecido conjuntivo, podem apresentar um pequeno ganho de osso e melhora na retração gengival.

Para concluir, quais as doenças bucais mais comuns? – As doenças mais comuns na boca são cárie e doença periodontal. E como se faz a prevenção dessas doenças? A limpeza do tártaro é recomendada com que frequência? – Para a prevenção das doenças bucais mais comuns, como cárie e doença periodontal, é recomendado que o paciente vá ao dentista regularmente, ou seja, de seis em seis meses, para a avaliação e a profilaxia.


ARTIGO

A proteção do direito à vida no Brasil e as convenções * sobre direitos humanos Leslei Lester dos Anjos Magalhães**

O direito mais importante é o direito à vida, fundamento de todos os direitos. E, portanto, o direito à vida das crianças é o direito humano mais valioso pela sua condição de pessoa em desenvolvimento físico, social e espiritual. Nesse contexto, este informe visa expor um panorama sobre a proteção dos direitos à vida das crianças não nascidas (nascituros) no Brasil. Primeiramente, abordaremos o marco inicial desse direito, sob o ponto de vista das convenções internacionais sobre direitos. Em seguida, o quadro legislativo de proteção desse direito no Brasil. Por fim, a proteção conferida por juízes e tribunais do País e as medidas administrativo-políticas que conseguimos anotar, em especial a atuação do Ministério da Saúde.

Marco inicial do direito à vida Preliminarmente, cumpre destacar qual é o marco inicial do direito à vida das crianças, isto é, quando começa a vida humana e como é considerada essa vida do ponto de vista do Direito Internacional e do Direito Nacional. A Convenção sobre os Direitos da Criança assinala que toda criança tem direito à vida (artigo 6)1. Consideram-se crianças as pessoas “tanto antes como após o seu nascimento”, conforme previsto no preâmbulo da Convenção2. Esse dado se corrobora pela extensão do conceito de “criança”, para efeitos da Convenção, que considera como criança “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes” (artigo 1 da Convenção), sem que haja uma delimitação quanto ao início desse processo vital. Ora, como o início do processo vital se dá com a concepção,

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logo, esse é o marco inicial da pessoa e, portanto, da vida de uma criança3. As crianças são dotadas de personalidade jurídica e, portanto, são sujeitos de direitos e deveres, ainda que não tenham a capacidade civil para atuar em nome próprio, mas, sim, representados.4 Nesse sentido, também podemos citar o Pacto de São José da Costa Rica, que define que “todo o ser humano é pessoa5 e que a vida deve ser protegida desde a concepção”. Logo, a pessoa tem seu marco inicial com a concepção; portanto, a partir desse momento tem reconhecido o seu direito à vida6. O processo, que se inicia com a concepção, é um processo contínuo, gradual e coordenado de desenvolvimento de um ser humano e, portanto, de uma pessoa humana. Destacar artificialmente estágios nesse desenvolvimento único, que vai desde a concepção até a formação completa da pessoa humana, é um erro científico, filosófico e jurídico grave7. Dessa forma, o aborto voluntário está vedado pela Convenção e pelo Pacto de São José da Costa Rica, já que seria uma grave violação dos direitos humanos, isto é, a morte de um ser humano inocente no seio de sua mãe8. Há que se ressaltar ainda o dever de cuidado dos pais e o interesse superior dos direitos da criança como princípios fundamentais adotados pela Convenção sobre os Direitos da Criança9. A Corte Interamericana decidiu de forma inesperada, em contradição com a própria jurisprudência, em caso único, que a vida teria como marco inicial, com base no Pacto de São José da Costa Rica, a nidação, e não a concepção10. Essa decisão é, porém, bastante questionável do ponto de vista jurídico, considerando a literalidade do texto da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que não deixa dúvidas sobre o conceito de “concepção”, conceito esse diverso daquele de “implantação no útero” (nidação). Some-se a isso o fato biológico de que, na concepção, já estão presentes todos os elementos característicos de uma pessoa, isto é, a presença do código genético humano, que identifica uma pessoa com características irrepetíveis, cujo processo vital se inicia nesse mesmo momento.11 Ademais, a decisão não tem efeito erga omnes: Dessa forma, criança é todo o ser humano já concebido até os seus 18 anos completos, nos termos da Convenção dos Direitos da Criança e do Pacto de São José da Costa Rica. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos e deve ser defendido e promovido de forma incisiva pelos Estados Partes. 28

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A legislação protetiva do direito à vida das crianças No Brasil, a Constituição Federal de 1988, com base na Declaração dos Direitos da Criança, garante, no seu art. 227, a primazia “absoluta” dos direitos da criança, entre eles o direito à vida. Vejamos o teor do referido artigo: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (grifo nosso) Essa norma, de feliz iniciativa dos constituintes, pode-se dizer, confere status constitucional aos direitos das crianças, pois enfeixa um rol extenso de defesa e proteção das crianças em sede do texto constitucional e, portanto, são direitos fundamentais das crianças brasileiras. Logo em seguida ao texto constitucional, de 5 de outubro de 1988, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, como forma de dar cumprimento à Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada pelo Brasil. O ECA prevê, em seu art. 7º, que deverão ser adotadas políticas que “promovam o nascimento”12. Assim, de forma implícita, garantiu-se o direito à vida das crianças desde a concepção, que é o marco inicial da gestação e da vida humana. De outra sorte, em 21 de novembro de 1990, foi promulgado o próprio texto da Convenção sobre os Direitos da Criança, pelo Decreto nº 99.710, que, no Brasil, tem status normativo de supralegalidade, ou seja, está em nível somente inferior à Constituição, mas superior ao das demais leis, em razão de versar sobre direitos humanos13. Dessa forma, a Convenção derrogou o Código Civil na parte que não reconhece personalidade jurídica ao nascituro, eis que todo ser humano é pessoa para efeitos do Pacto de São José da Costa Rica. No Brasil, o aborto é considerado crime, de forma explítica, desde o Código Penal do Império, de 1830 (art. 199). O Código Penal vigente (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) estabelece o aborto como crime nos casos de: autoaborto e aborto consentido em seu


art. 12414; e aborto realizado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante (arts. 125 e 126, do CP15). Não se pune o aborto praticado por médico nos casos de estupro e risco da vida para a mãe, conforme prevê o art. 128 do CP16. A Corte Constitucional Brasileira (Supremo Tribunal Federal) considerou que o aborto de uma criança anencéfala não é crime, conforme decisão tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 54).17 O Projeto de Lei do Senado – PLS nº 236, de 2012, que trata da Reforma do Código Penal na sua primeira versão ampliava o rol de casos permitidos de aborto, inserindo a possibilidade do aborto por risco à saúde da mãe, para outros casos de doença do feto que inviabilizem a vida extrauterina e para o caso de fertilização artificial não consentida18. Em todos esses casos, o direito fundamental à vida está sendo relativizado em face de interesses de menor grau valorativo, em desfavor da vida de um ser inocente. A ponderação de direitos deve priorizar a manutenção do núcleo essencial do direito fundamental, que, no caso, é a própria vida. Logo, os outros direitos, como o direito à saúde e intimidade da mãe, não podem ser utilizados como fundamento para se autorizar o aborto de uma criança. Outro projeto de lei, de autoria do deputado Jean Willys (PL 882/2015), quer garantir à mulher um hipotético direito de decidir sobre a interrupção da gravidez durante as primeiras 12 semanas da gestação, como se a vida do bebê pertencesse à mulher. Busca revogar ainda os arts. 124, 126 e 128 do atual Código Penal, fazendo, assim, que o aborto deixe de ser crime em qualquer circunstância, exceto quando realizado contra a vontade da gestante. Em outras palavras, autorizando o aborto em qualquer fase da gravidez. O texto deve ser reprovado, pois viola os direitos humanos do nascituro, já consagrados nas convenções de direitos humanos citadas, e a garantia do direito inviolável à vida dos nascituros, presente no art. 5º, caput, e no art. 227 da Constituição Federal. Verifica-se, portanto, que a cultura do aborto está bem disseminada no País, com tentativas legislativas e judiciais de ampliação do rol de violações desse direito, apesar de os protocolos internacionais assinados pelo Brasil, como a própria Convenção sobre os Direitos da Criança e o Pacto de São José da Costa Rica, estabelecerem o contrário.

De outra sorte, não se tem presente, na campanha favorável à despenalização do aborto, que o próprio aborto é um mal f ísico e psíquico que pode causar danos irreparáveis à vida da mulher19. Há, contudo, movimentos da sociedade civil que lutam pela defesa desse direito inviolável, podendo ser citado, pela sua abrangência e atuação, o Movimento Brasil Sem Aborto, que congrega cientistas, políticos e cidadãos, em geral, na defesa da vida desde a concepção.20 Esse movimento encabeça a aprovação do Projeto de Lei nº 478, de 2007, intitulado Estatuto do Nascituro, no qual se prevê a proteção do embrião, mesmo concebido na fecundação in vitro, bem como a possibilidade da adoção da criança concebida por estupro e uma pensão para a mulher necessitada, vítima da violência sexual, que venha a ter o filho21.

A atuação do Poder Judiciário na defesa e na promoção do direito à vida das crianças Infelizmente, a Corte Suprema do Brasil (STF), que deveria ser a guardiã do direito à vida dos seus cidadãos, tem julgado de forma contrária aos interesses dos menores e autorizado casos de exceção aos direitos garantidos nos pactos internacionais de direitos humanos. A já citada ADPF 54 julgou pela possibilidade do aborto de crianças anencefálicas com base em conjecturas sobre a inexistência de vida humana ou de vida humana inviável. A decisão abriu um caminho perigoso contra os direitos da criança deficiente, que contam com uma convenção específica, adotada pelo Brasil, com força de emenda constitucional (art. 5º, §4º da CF/88), que protege o direito à vida da criança com deficiência f ísica. A anencefalia é uma má-formação do cérebro da criança que conduz a uma morte prematura. A morte prematura não é capaz de anular o direito à vida da criança anencéfala, nem mesmo autorizar a sua morte antecipada22. Essa decisão abriu caminho para que outros casos de má-formação congênita possam ser alegados como justificativa para o aborto23. Em outro momento, o STF considerou válida a lei que autoriza a utilização de embriões congelados em pesquisas científicas com células-tronco, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510/DF24. Essa decisão, por REVISTA

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A proteção é precária pela falta de campanhas que promovam a conscientização sobre os males decorrentes do aborto e sobre a importância da vida humana, qualquer que seja seu estágio de vida.

sua vez, relativizou o início da vida humana e os direitos das crianças em fase embrionária, indevidamente congeladas em processos de fertilização in vitro, outra grave violação dos direitos humanos das crianças, permitida no Brasil e em diversos países. A decisão considerou o embrião e o feto como não pessoas humanas (grifo nosso). Ademais, o controle das doações de embriões congelados para experiências é falho, pois não se sabe para o que estão sendo utilizados e se o número divulgado pelo órgão controlador, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é verdadeiro25. Em todas essas decisões, a força dos meios de comunicação na formação da opinião pública atuou de forma insidiosa26. O Poder Judiciário repercutiu de forma indevida os clamores dos meios de comunicação, em descompasso com a vontade da maioria da população, que é contrária ao aborto, conforme pesquisas de opinião.27

A atuação do Ministério da Saúde do Brasil O Ministério da Saúde tem sido omisso na defesa dos direitos do nascituro e até mesmo conivente com a campanha abortista no País. Isso se verifica com a edição de portarias que visam facilitar o aborto e mesmo ampliá-lo sem base legal. Podemos citar a Portaria n° 415, de 21 de maio de 2014, que inclui o procedimento de aborto em toda a rede do SUS, possibilitando a realização de abortos ilegais no Sistema Único de Saúde, que é o sistema público de saúde do Brasil28. A Portaria foi revogada logo em seguida, considerando os riscos criados para a realização de abortos em casos ilegais29. Também foi autorizado o acesso indiscriminado à pílula do dia seguinte, como forma antigestatória30. Verifica-se, contudo, que os dados médicos mais con­fiáveis informam que a “pílula do dia seguinte” tem efeitos abortivos, na medida em que pode impedir a nidação e, portanto, a fixação do zigoto no endométrio.31 Toda essa celeuma se deu pela aprovação da Lei nº 12.845, de 2013, que adotou uma linguagem equivocada ao acentuar, no texto, a expressão “profilaxia da gravidez”. O termo gera grandes discussões, pois a gravidez não é considerada uma doença, e a sua utilização possibilita a realização do aborto no Sistema de Saúde Público do Brasil. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6.022, de 2013, que visa alterar a Lei nº 12.845, de 2013, 30

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em vista de sua indireta repercussão na fragilização do direito à vida das crianças nascituras. Nesse ponto, convém destacar que a Corte Suprema de Justiça da Argentina julgou que o fármaco “Imediat”, anticoncepcional de emergência, “posee efectos abortivos, al impedir el anidamiento del embrión en su lugar propio de implantación, el endometrio.” E, portanto, não poderia ser fabricado, distribuído e comercializado naquele país, por caracterizar o aborto de uma criança, eis que “los pactos internacionales contienen cláusulas específicas que resquardan la vida de la persona humana desde del momento de la concepción.” E “además todo ser humano a partir de la concepción es considerado niño y tiene el derecho intrínseco a la vida” (arts. 6.1 de la Convención sobre Derechos de los Niños)32. No Brasil, o governo federal e os movimentos abortistas utilizam o discurso pró-legalização do aborto tomando por base o elevado índice de mortes provocadas por aborto clandestino. No entanto, o próprio Ministério da Saúde admite que o número de mortes por essa causa é de aproximadamente 250 mulheres por ano, o que representa apenas 1% de mortes de mulheres no País. A legalização do aborto gerará um número elevadíssimo de mortes entre mulheres, como se pode perceber em países que o legalizaram33. Acrescente-se a esse dado o número de abortos não contabilizado pelas estatísticas, frutos da utilização de anticoncepcionais abortivos, tais como: a) pílulas anticoncepcionais, pois causam abortos precoces na maior parte das vezes; b) minipílulas, as chamadas “pílulas do dia seguinte” (como já assinalado); c) os contragestativos (RU-486, misoprostol, prostaglandinas, vacina anti-hCG e vacina anti-TBA); d) abortivos injetáveis ou por inserção, como o Norplant e a Depo-Provera; e e) todos os dispositivos intrauterinos (DIU)34.

Conclusão Como se pode perceber, no Brasil é precária a defesa do direito à vida das crianças não nascidas. Primeiramente, pela falta de adoção, pelo Estado brasileiro, de critério científico e jurídico adequado à proteção dos nascituros, o que vem gerando decisões legislativas, judiciais e político-administrativas em descompasso com o direito à vida das crianças. De outra sorte, também se confunde a população com o discurso de que os seres

humanos em processo de desenvolvimento embrionário não são pessoas e, portanto, estão excluídos da proteção legal de vida. Alega-se ainda que os “direitos reprodutivos” das mulheres estão acima do valor de vida das crianças35. Em segundo lugar, a proteção é precária pela falta de campanhas que promovam a conscientização sobre os males decorrentes do aborto e sobre a importância da vida humana, qualquer que seja seu estágio de vida. Uma política de valorização da vida intrauterina e de conscientização do valor da pessoa humana é um dos deveres do Estado brasileiro, já que está obrigado pela Convenção sobre os Direitos da Criança a proteger, de forma efetiva, o direito à vida da criança, ainda que em relação a ofensas de terceiros, mesmo no caso de ação criminosa da própria genitora. As normas de proteção de direitos humanos fundamentais, em especial a inviolabilidade do direito à vida das crianças, têm natureza de ius cogens no Direito Internacional, e, portanto, devem ser aplicadas por todos os estados, pois são inderrogáveis, imperativas e independentes de normas constitucionais em contrário36. Há, portanto, um dever de proteção assumido pelo Estado brasileiro, decorrente da Convenção e também da própria natureza do direito humano à vida, que é reconhecido pela Constituição brasileira como um direito humano fundamental (art. 5º, caput, e art. 227, já citado) – fato esse reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Opinião Consultiva nº 17, de 2002, que determina o dever de proteção erga omnes dos direitos fundamentais das crianças. * Informe apresentado no curso Diplomatura en Promoción y Protección de los Derechos Humanos, realizado pela Universidade de Zaragoza (Espanha) e pela InterMedia Social Innovation (Itália). Julho de 2014, atualizado para esta publicação. ** Advogado da União, mestre em Direito Constitucional, diretor cultural da Anajur.

notas 1. Art. 6. 1. Os Estados Partes reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida. (grifo nosso) 2. Preâmbulo. Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da Criança, “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais,

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inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”; (grifo nosso) 3. Nesse sentido, podemos citar a declaração da Corte Interamericana de Direitos, na Opinião Consultiva n° 17, de 28 de agosto de 2002: “Que para los efectos de esta opinión consultiva, ‘niño’ o ‘menor de edad’ es toda persona que no haya cumplido 18 años, salvo que hubiese alcanzado antes la mayoría de edad, por mandato de ley, en los términos del párrafo 42”. (grifo nosso) 4. Vide voto concorrente do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, na Opinião Consultiva nº 17, de 2002: “40. Además, aquella corriente de pensamiento deja de apreciar precisamente la gran conquista de la ciencia jurídica contemporánea en el presente dominio de protección, a saber, la consagración del niño como sujeto de derecho. [...] Así, la Corte Interamericana sostiene, en la presente Opinión Consultiva, la preservación de los derechos sustantivos y procesales del niño en todas y cualquiera circunstancias (párr. 113). La concepción kantiana de la persona humana como un fin en sí mismo abarca naturalmente los niños, todos los seres humanos independientemente de las limitaciones de su capacidad juridical (de ejercicio). (grifo nosso) 5. Artigo 1 – Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitaros direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. (grifo nosso) 6. Artigo 4 – Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. (grifo nosso) 7. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. Vol. I. São Paulo : Edições Loyola, 1996, p. 346. “Uma vez que o desenvolvimento biológico é ininterrupto e se realiza sem intrínseca mutação qualitativa, sem que seja necessária uma ulterior intervenção causal, deve-se dizer que a nova entidade constitui um novo indivíduo humano, o qual desde o momento da concepção continua o seu ciclo, ou melhor, a sua curva vital. A autogênese do embrião acontece de tal modo que a fase sucessiva não elimina a precedente, mas a absorve e a desenvolve, segunda uma lei biológica individualizada e controlada.” (grifo nosso) 8. JESÚS, Ligia Mariela de. La Convención Americana sobre Derechos Humanos piedra angular del derecho a la vida del no nacido en Latinoamérica y el Caribe. Revista Internacional de Derechos Humanos. www.revistaidh.org. ISSN 2250-5210, 2011, Año I – Nº 01, p. 130. “Dado que la Corte se ha referido a niños no nacidos como “niños”, “menores” y “bebés”, los derechos del niño son derechos del niño no nacido. Asimismo, la Corte adoptó la definición de niño de la Convención sobre Derechos del Niño (artículo 1) como “todo ser humano menor de dieciocho años de edad”, estableciendo un techo relativo à la edad mas no un límite inferior, permitiendo así a los niños no nacidos ser incluidos en dicha definición.” (grifo nosso)

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9. Art. 3. 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. (grifo nosso) 10. Artavia Murillo et al. v. Costa Rica, Preliminary objections, Merits, Reparations and Costs, Judgment, Inter-Am. Ct. H.R. (ser. C) No. 257 (Nov. 28, 2012). http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/ seriec_257_esp.pdf (hereinafter Artavia). 11. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. Vol. I. São Paulo : Edições Loyola, 1996, p. 342. “As duas respectivas células gaméticas têm em si um patrimônio bem definido, o programa genético, reunido em torno dos 23 pares de cromossomos: cada uma das células gaméticas tem a metade do patrimônio genético em relação às células somáticas do organismo dos pais e com uma informação genética qualitativamente diferente das células somáticas dos organismos paterno e materno. Esses dois gametas diferentes entre si, diferentes das células somáticas dos pais, mas complementares entre si, uma vez unidos ativam um novo projeto-programa pelo qual o recém-concebido fica determinado e individuado”. (grifo nosso) 12. Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. 13. “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o DL 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do Novo CC (Lei 10.406/2002).” (RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5/6/2009, com repercussão geral.) No mesmo sentido: RE 349.703, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3/12/2008, Plenário, DJE de 5/6/2009. Vide: AI 601.832-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17/3-/2009, Segunda Turma, DJE de 3/4/2009; HC 91.361, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23/9/2008, Segunda Turma, DJE de 6/2/2009. (grifo nosso) 14. Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento. Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54). Pena: detenção, de um a três anos. 15. Aborto provocado por terceiro. Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante. Pena: reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54). Pena: reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência Forma qualificada. Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos


anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. (grifo nosso) 16. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 17. ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. (ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013). 18. Este texto foi rejeitado no substitutivo do relator Pedro Taques na subcomissão especial criada no Senado, mantendo os casos já previstos na legislação e acrescentando a hipótese do aborto do anencéfalo. 19. MARSAL, Camen González. Sexualidad y aborto, ?cuestión de salud? cuestión de derechos? Anuario de Derechos Humanos. Nueva Época. Vol. 10. 2009, p. 285-329. “Las investigaciones concluyen que el cerebro de la mujer cambia durante el embarazo, transformándose en un cerebro materno que está permamentemente atento a las necessidades del hijo. En esta situación, la terminación anticipada del embarazo con la pérdida del no nacido y la ruptura de los vínculos entre madre e hijo produce daños en la salud psíquica de la mujer, aparece um sentimento de tristeza y existe riesgo de ansiedad, miedo, culpabilidad, pudiendo incluso llegar a depresión. Estas consecuencias generalmente son más acentuadas cuando el aborto fue provocado y se conocen como síndrome posaborto. [...] A los posibles daños psíquicos se suman los que afectan a su salud física y reproductiva, pues en las técnicas abortivas de aspiración, dilatación y legrado, entre otras, tras eliminar el embrión suele hacerce um raspado de la cavidad uterina para asegurarse de que no queda resto alguno del cuerpo del no nascido en el interior de la madre. Por la propia naturaleza del aborto provocado son síntomas típicos, inmediatamente despúes del aborto, astenia y mareos durante un par de días, náuseas durante una semana, sangrado vaginal durante una o dos semanas, dolor abdominal y moléstias mamarias con producción ocasional de leche. En caso de que se produzcan complicaciones la mujer puede incluso padecer hemorragias permanentes, infecciones, perforación uterina con posible lesión de otros órganos, desgarro vaginal o cervical, adherencias o coágulos en el útero, trastornos de la sangre, reacciones alérgicas, etc. Además a la larga las mujeres a quienes se les ha provocado algún aborto tienen mayor probabilidad de riesgo en su salud reproductiva, con consecuencias como embarazos ectópicos, partos prematuros, abortos espontáneos e infertilidad.”

20. O Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto – é uma organização de natureza suprapartidária e suprarreligiosa que defende a preservação da vida desde sua concepção, atuando de forma estruturada para pautar ações e argumentos a partir de evidências e pesquisas no campo da genética, da embriologia, da bioética e da legislação vigente. “Muitos dizem que defendem a legalização do aborto como uma forma de preservar a vida de mulheres que o praticam, pois estariam correndo risco de vida em clínicas clandestinas. Dizem tratar-se de um problema de saúde pública. Na realidade é mais que isso. Se temos 1,5 milhão de abortos, temos, no mínimo, 1,5 milhão de mortes”, afirma a doutora Lenise Garcia, professora do Departamento de Biologia Celular da UnB e presidente do Movimento. http://www. brasilsemaborto.com.br/ 21. De acordo com o texto, já aprovado como substitutivo na Comissão de Seguridade Social e Família, nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido. Ele terá assegurado o direito à vida, à saúde e a políticas públicas que garantam o seu desenvolvimento. Segundo a proposta, o nascituro concebido a partir de estupro terá direito à assistência pré-natal e a ser encaminhado para adoção, caso a mãe assim deseje. Se a mãe vítima de estupro não tiver condições econômicas para cuidar da criança, o Estado arcará com uma pensão até que o estuprador seja identificado e responsabilizado pelo pagamento ou a criança seja adotada, se for vontade da mãe. http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/444095-ESTATUTO-DO-NASCITURO-E -APROVADO-PELA-COMISSAO-DE-FINANCAS-E-TRIBUTACAO.html 22. SGRECCIA, op. cit. 376. “Sob o ponto de vista ético, a presença de uma malformação ou de uma deficiência não diminui em nada a realidade ontológica do nascituro; pelo contrário, a presença de um estado de diminuição – como de uma doença – num indivíduo humano requer com maior motivo, em nome da sociedade, a proteção e a ajuda.” 23. Vide PLS 23, de 2012, Projeto de Lei sobre a Reforma do Código Penal, art. 127. Faz previsão do aborto dos fetos anencéfalos e demais casos de má-formação que possam comprometer a vida extrauterina. 24. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. [...] III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria REVISTA

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“natalista”, em contraposição às teorias “concepcionista” ou da “personalidade condicional”). E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” e até dos “direitos e garantias individuais” como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança (in vitro apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição. [...] (grifo nosso) (ADI 3510, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2008, DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28/05/2010 EMENT VOL-02403-01 PP-00134 RTJ VOL-00214- PP-00043) 25. ESCOBAR, Herton. O ESTADO DE SÃO PAULO. 15 DE JULHO DE 2014. SÃO PAULO – Mais de 5 mil embriões humanos foram doados para pesquisa com células-tronco embrionárias (CTEs) no Brasil nos últimos sete anos, segundo um relatório divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nenhum especialista ouvido pelo Estado nem a própria Anvisa souberam, porém, dizer com certeza para onde foram todos esses embriões ou o que foi feito deles. http://ciencia.estadao.com.br/noticias/ geral,5-mil-embrioes-ja-foram-doados-para-pesquisa-no-pais -imp-,1528777. (grifo nosso) 26. [...] É preciso compreender que existe um movimento internacional, formado por vários grupos, como, por exemplo, o liberalismo cultural e o marxismo cultural, que desejam legalizar o aborto em escala planetária até aproximadamente 2025. Esse movimento não respeita a soberania das nações e não leva em consideração os valores sociais e culturais dos povos. Em grande medida, trata-se de um movimento antidemocrático que, em nome de uma elite cultural que se autoproclama de vanguarda e revolucionária, deseja impor o aborto sem consultar a opinião da sociedade. É dentro desse quadro que deve ser pensada a programação midiática que defende o aborto. Trata-se de uma programação que pode ser classificada como “ação de difusão”, ou seja, é uma programação que transmite informações soltas e, o pior, muitas dessas informações não são verdadeiras. http://www.zenit.org/pt/ articles/a-midia-e-o-aborto. (grifo nosso) 27. CARLOS ALBERTO DI FRANCO – Aborto é rejeitado – 20/1/2008 – Pesquisa Datafolha divulgada no final do ano passado constatou um expressivo aumento da rejeição ao aborto no Brasil. Para 87% dos entrevistados, fazer um aborto é algo moralmente

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errado. A maioria declara que daria apoio a um filho ou filha no caso de uma gravidez na adolescência, e rejeita a prática do aborto. Ao considerar a hipótese de ter uma filha que ficasse grávida ainda adolescente, 82% a apoiariam para que tivesse o filho em qualquer situação. Dariam seu apoio para que ela levasse a gravidez adiante. http://diariodonordeste.verdesmares.com. br/cadernos/opiniao/aborto-e-rejeitado-1.532437. (grifo nosso) Renata Camargo - Por CONGRESSO EM FOCO - 5/12/2010 18:27. Pesquisa do instituto Vox Populi divulgada neste domingo (5) mostra que a população brasileira é, em sua maioria, conservadora quando se refere a mudanças na legislação a respeito de temas polêmicos como aborto, casamento homossexual e uso de drogas. De acordo com o estudo, encomendado pelo portal IG, 82% dos entrevistados são contra descriminalizar o aborto, enquanto 60% não querem permitir a união civil de gays e 87% são contra a legalização do uso das drogas. O Datafolha registrou que, em outubro, a rejeição ao aborto era de 71%. É o maior índice desde que os levantamentos começaram a ser feitos, em 1993. (grifo nosso) 28. Nota pública do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto – sobre a Portaria n° 415, de 21 de maio de 2014, que inclui o procedimento de aborto em toda a rede do SUS. Diante de mais um importante passo dado pelo governo brasileiro para se facilitar a realização de abortos no Brasil, pagos com dinheiro público, apesar dos compromissos assumidos na campanha eleitoral de 2010 pela presidente Dilma Rousseff de que o Executivo não tomaria iniciativas nesse sentido, vimos manifestar que: – Não reconhecemos a existência, na legislação brasileira, de autorização para a realização de aborto, que segundo o Código Penal é sempre crime. Os ditos “casos previstos em lei” correspondem a situações em que o aborto não é punido. O eufemismo “aborto legal”, que vem sendo repetidamente usado, esconde a cumplicidade do Estado com um crime. A Portaria 415 faz referência à Lei 12.845/2013 como se esta previsse a realização de aborto. Entretanto, o próprio governo reconheceu que há problemas de ambiguidade redacional na referida lei, havendo enviado ao Congresso o PL 6022/2013, que a modifica. As alterações propostas incluem: – Melhor definição de violência sexual, explicitando que “considera-se violência sexual todas as formas de estupro, sem prejuízo de outras condutas previstas em legislação específica”. – Modificação no inciso IV do artigo 3º, no qual se substitui a infeliz expressão “profilaxia da gravidez” por “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”, deixando mais explícito que a lei se refere à chamada “pílula do dia seguinte”, jamais ao aborto propriamente dito, realizado semanas ou meses após o estupro. Aliás, por todo o contexto da lei percebe-se que ela se refere ao atendimento emergencial de uma vítima de estupro imediatamente após o mesmo. Embora menos precisa, e inadequada por referir-se a doenças – o que certamente não se aplica à gravidez –, a palavra profilaxia claramente se refere a medidas preventivas, utilizadas para evitar doenças. Como dissemos em nota anterior, discordamos do uso da chamada “pílula do dia seguinte”, que pode também ter efeito abortivo, mas não entraremos nesse mérito na presente nota. [...] Por coerência, demandamos ao Ministério da Saúde a imediata revogação da Portaria 415, além de uma regulamentação adequada para a Lei 12.845, explicitando o seu objetivo de atendimento emergencial às vítimas de violência, que está pendente desde a sua publicação. Demandamos também ao Congresso Nacional a urgente continuidade de análise do PL 6022/2013, com os apensados, para que a


Lei 12.845, cheia de ambiguidades e aprovada em circunstâncias que impediram o devido debate democrático, seja revogada, ou reformulada, de acordo com a vontade dos representantes do povo. Comissão Executiva Nacional do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto. http://www.brasilsemaborto.com.br/index.php?action=noticia&idn_noticia=341&cache=0.163471267092973 29. Leandro Mazzini. Após repercussão, governo revoga portaria que oficializa aborto pelo SUS. 29/5/2014. 15:13. O governo federal recuou na polêmica e o Ministério da Saúde revogou nesta quinta-feira a Portaria 415, publicada quinta passada, que oficializava o aborto nos procedimentos do SUS nos hospitais do País – conforme adiantou a Coluna no UOL. A revogação saiu na Portaria 437, publicada hoje no D.O. da União (veja abaixo). A assessoria do Ministério da Saúde confirmou a revogação por telefone, nesta tarde, e prepara uma nota oficial. A polêmica em torno do assunto e a insegurança jurídica sobre a questão – conforme registrou a Coluna, ouvindo juristas – fizeram o governo recuar. Antes da Portaria 415, o SUS registrava o procedimento de “curetagem’’ – raspagem da cavidade uterina após aborto, não necessariamente realizado nos hospitais por meios legais –, e na Portaria 415 passou a registrar “interrupção da gestação”’ nos procedimentos do SUS, um eufemismo para o aborto. Embora tenha prevalecido o procedimento para casos de estupro, risco de vida e anencéfalo, o não detalhamento dos procedimentos gerou um embate polêmico em torno da nova expressão na tabela do SUS, e juristas viram brecha para uma ampla abordagem e risco de prática geral do aborto além dos casos especificados, caso se mantivesse a Portaria 415. O governo ainda não decidiu se mantém a curetagem, como antes, nos procedimentos, ou se aperfeiçoa o texto para evitar impasse jurídico. (grifo nosso)

http://colunaesplanada.blogosfera.uol.com.br/2014/05/29/apos-repercussao-governo-revoga-portaria-que-oficializa-aborto-pelo-sus/ 30. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/04/1263943-ministerio-da-saude-facilita-acesso-a-pilula-do-dia-seguinte.shtml. 31. SCRECCIA, op. cit. p. 322-325. 32. Sentencia de Corte Suprema de Justiça de la Nación, de 5 de março de 2002, caso “Portal de Belén” in MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). Direito Fundamental à Vida. São Paulo : Quartier Latin/Centro de Extensão Universitária, 2005, p. 106/111. 33. Estimam-se 53 milhões de abortos no mundo. Esse número equivale à população de Portugal e Espanha juntos. WILSON, Mercedes Arzú. Guía Práctica de Educación y Sexualidad. Madrid : Palabra, 1998, p. 385. Somente na China estima-se que são realizados por ano 13 milhões de abortos. Disponível em http//ww.bbc.co.uk/lg/ notícias/2009/07/090730_china_aborto_dg.shtml.. Acessado em 8 de outubro de 2010. (grifo nosso) 34. SCRECCIA, op. cit. p. 322-325. 35. Vide posicionamento da ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres: “Minha luta pelos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres e minha luta para que nenhuma mulher neste país morra por morte materna só me fortalecem”. http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/poder/24530-nova-ministra-defende-direito-ao-aborto.shtml 36. SCALA, Jorge. La tutela de la vida “desde el momento de la concepción”, pilar del Sistema Americano de Derechos Humanos. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). Direito Fundamental à Vida. São Paulo : Quartier Latin/Centro de Extensão Universitária, 2005, p. 100/101.”

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coletânea

História do Brasil contada pela Advocacia Consultiva

O caso do estudante que criticou a República em um exame de Madureza Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*

Respondendo a um Aviso do ministro da Justiça e Negócios Interiores, o consultor-geral da União opinou, em 1907, sobre suposta injúria cometida por estudante em Exame de Madureza**.

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uestionava-se a legalidade de aplicação de regra do Código de Ensino então vigente, que punira com reprovação um candidato que, respondendo a uma questão proposta no exame, referira-se insolentemente à República e favoravelmente ao Império. Como se lerá no parecer, o candidato, ao dissertar sobre o alcance social da Proclamação da República, havia escrito que, no Império, havia caracteres, e que, na República, não os havia. E que, no Império, a moralidade era representada na figura respeitável do imperador, enquanto, na República, vingava o regimento da imoralidade, do filhotismo, da sem-vergonhice e da ladroeira. O estudante fora reprovado com base no argumento de que faltara com o respeito e a devida atenção à banca examinadora. No entanto – entendeu o parecerista –, deveria se provar objetivamente que os examinadores teriam sido desacatados ou injuriados, pessoalmente, pelo aluno que se reprovou. Reconheceu-se que as frases lançadas na prova eram de fato insólitas. Porém, não atingiam diretamente os professores que aplicaram o exame. Evidenciou-se tratar-se de juízo apaixonado sobre formas de governo. Não havia, na compreensão do parecerista, a pessoalidade do tratamento injurioso, que a punição reclamava. Segue o parecer.

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Gabinete do Consultor-Geral da República. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1907. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores. Respondo a consulta formulada no Aviso desse Ministério n. 1.860, de 12 do mês findo e papéis que o acompanham, sobre saber se foi legal a aplicação, em ato regido pelo Código do Ensino e pelo Regulamento do Ginásio Nacional, do dispositivo penal consignado nas Instruções de 23 de novembro de 1901. O estudante LevenVampré, prestando Exame de Madureza no Ginásio da Capital do Estado de S. Paulo, na prova escrita de português, que versava sobre o tema “A Proclamação da República e seu alcance social”, escreveu o seguinte: “No Império havia caracteres, na República não os temos. O Império era a moralidade representada na figura respeitável do Imperador, a República é o regimento da imoralidade, do filhotismo, da sem-vergonhice, da ladroeira”. Em virtude disto, conforme informou o delegado fiscal respectivo, foi aquele examinando reprovado, fundamentando a mesa examinadora esse ato no dispositivo do art. 64 das instruções aprovadas pelo Decreto n. 4.247, de 23 de novembro de 1901, que é redigido nestes termos: “Os candidatos que forem encontrados com livros, apontamentos ou quaisquer notas particulares serão excluídos do exame e considerados como reprovados. Na mesma disposição incorrerão os que não se portarem com o devido respeito e atenção.”


Ora, as referidas instruções regulam os exames parcelados, e porque as penalidades estabelecidas nessas instruções são restritamente imputáveis aos candidatos a tais exames, seria exorbitante aplicá-las a examinandos de outra natureza, e que tem a sua lei nas disposições do Código do Ensino e Regulamento do Ginásio Nacional, onde nada se dispôs sobre o assunto. Quando, porém, se pudesse aplicar aos examinandos de madureza o preceito do citado art. 64, ainda assim não teria razão de ser a imposição da pena de que se trata, porque seria necessário provar que a mesa ou os examinadores houvessem sofrido desacato ou sido injuriados. Ora, para que se verifique desacato ou injúria a autoridades ou corporações oficiais, é indispensável que o ultraje ou ofensas sejam dirigidos a pessoas que representem a autoridade pública, no exercício de suas funções. E outro não pode ser o sentido das expressões empregadas naquele artigo. Portanto, ainda que se considerem insólitas as frases escritas na prova pelo examinando, desde que tais frases não tenham por fim ofender os professores, não havendo o animus, isto é, a intenção

dolosa, mas apenas um juízo apaixonado sobre formas de governo, que são coisas abstratas, sem personalidade em que recaia a ofensa, segue-se que os examinadores deviam ter julgado as provas pelo seu valor histórico-científico. Penso, pois, que o recurso merece provimento para ordenar que as provas sejam julgadas segundo o seu valor científico. T. A. Araripe Júnior. * Livre docente em Teoria Geral do Estado pela Facul­ dade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Consultor-Geral da União. ** Exame de Madureza era um teste de aferição de conhecimentos curriculares, vigente no Brasil em meados do século 20, destinado a cidadãos maiores de 16 anos (Exame de Madureza Ginasial) ou maiores de 19 anos (Exame de Madureza Colegial), interessados em ter acesso ao correspondente diploma de conclusão ginasial ou colegial.

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PUBLICAÇões e eventos

Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões A segunda edição do livro Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões já está disponível pela Editora Atlas. A obra foi escrita pelo advogado público e secretário de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, João Carlos Souto. O autor é especialista em Direito Constitucional Norte-Americano pela Universidade de Delaware, pela Harvard Law School e pela Thomas Jefferson School of Law. Nessa obra, ele analisa diversos casos importantes para a Justiça americana, como as referentes às prisões na Baía de Guantánamo. É o único livro no mercado editorial brasileiro a tratar do tema. João Carlos Souto foi presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal, entre 2007 e 2011.

XXIX Congresso Brasileiro de Direito Administrativo em Goiânia Do dia 21 ao dia 23 de outubro de 2015 acontecerá o “XXIX Congresso Brasileiro

Inatividade Remunerada e Pensão dos Militares das Forças Armadas

de Direito Administrativo – Administração Pública: desafios para a transparência, probidade e desenvolvimento” no Centro de Convenções de Goiânia, GO. Entre os participantes estarão o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello e o governador de Goiás, Marconi Ferreira Perillo Júnior. Da programação do evento faz parte

O advogado público Roberto Carlos Kayat, da Procuradoria

o “Concurso de Artigos Jurídicos”, aberto

-Regional da União na 2ª Região (PRU2), lançou o livro Inatividade

à participação de alunos de graduação e

Remunerada e Pensão dos Militares das Forças Armadas, manual

pós-graduação, professores e profissionais

que busca suprir a lacuna doutrinária e de sistematização existente

da área de Direito. Na edição deste ano, será

sobre o assunto.

conferido o Prêmio Professor Nelson Lopes

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de Figueiredo ao vencedor.

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Para mais informações sobre inscri-

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ção no evento, participação no concurso

vidência. Kayat é mestre em Direito pela Universidade Federal do

e programação completa, acessar o site

Rio de Janeiro (UFRJ), professor na Universidade Cândido Mendes

www.ibda.com.br ou fazer contato pelos

(Ucam) e pesquisador no Laboratório de Estudos Teóricos e Ana-

telefones (31) 3296-8331, (31) 3296-8334 e

líticos sobre o Comportamento das Instituições (Letavi) na UFRJ.

(31) 8742-9343.

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