A Floresta

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Aleksandr Ostróvski

A Floresta comédia em cinco actos

Tradução

Nina Guerra e Filipe Guerra

Cotovia


Título original: © Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2008 © da tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra © dos desenhos: Cristina Reis ISBN 978-972-795-240-3


ร NDICE

Nota dos tradutores

pรกg. 9

Personagens

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Elenco da estreia

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A FLORESTA

15

7



Nota dos tradutores:

NECHIASLÍVTSEV e CHIASLÍVTSEV, nomes dos dois personagens principais, são dois apelidos com significado: respectivamente «Desgraçado» e «Feliz». Como entram nas falas, a partir do III Acto, e não apenas nas indicações de cena, terão de ser traduzidos para a compreensão do texto por parte do espectador. Propomos GUENNÁDI MALFADADO e ARKÁDI VENTUROSO. Além de nos parecer que soam bem foneticamente, o Malfadado é uma espécie de D. Quixote, e cremos que os espanhóis também lhe chamam «o Malfadado». O Venturoso também soa como personagem de comédia de teatro antigo. Mantemos as formas russas «mujique» (camponês) e «verstá» (cerca de um quilómetro).

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Personagens

RAÍSSA PÁVLOVNA GURMÍJSKAIA, viúva, de cinquenta e poucos anos, muito rica, veste-se modestamente, quase de luto; anda permanentemente com uma caixa de trabalho nas mão AKSÍNIA DANÍLOVNA (AKSIÚCHA), sua parente afastada, rapariga pobre dos seus vinte anos, vestida com asseio mas pobremente, um pouco melhor do que uma criada EVGUÉNI APOLLÓNITCH MILÓNOV, de cerca de quarenta e cinco anos, penteado liso, vestido com esmero, gravata cor-de-rosa, vizinho rico de Gurmíjskaia UAR KIRÍLITCH BODÁEV, cerca de sessenta anos, oficial de cavalaria na reserva, cabelo grisalho, curto, bigode e suíças grandes, de sobrecasaca preta toda abotoada até ao pescoço, com cruzes e medalhas no peito à maneira militar, com um bordão na mão, um pouco surdo, vizinho rico de Gurmíjskaia IVAN PETRÓVITCH VOSMIBRÁTOV, comerciante, com negócios ligados às florestas PIOTR, seu filho ALEKSÉI SERGUÉITCH BULÁNOV, jovem com o curso incompleto do liceu KARP, lacaio de Gurmíjskaia ULITA, despenseira GUENNÁDI MALFADADO, viajante que caminha a pé ARKÁDI VENTUROSO, viajante que caminha a pé 11



Elenco da estreia de A FLORESTA, de Aleksandr Ostróvski, pelo Teatro da Cornucópia, no dia 10 de Janeiro de 2008, no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa Encenação Cenário e figurinos Desenho de luz

Luis Miguel Cintra Cristina Reis Daniel Worm d’Assumpção

Interpretação: Raíssa Pávlovna Gurmíjskaia Aksínia Danílovna (Aksiúcha) Evguéni Apollónitch Milónov Uar Kirílitch Bodáev Ivan Petróvitch Vosmibrátov Piotr Alekséi Serguéitch Bulánov Karp Ulita Guennádi Malfadado Arkádi Venturoso

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Márcia Breia Rita Durão José Gonçalo Pais José Manuel Mendes António Fonseca Duarte Guimarães Dinis Gomes Luís Lima Barreto Teresa Madruga João Pedro Vaz Luis Miguel Cintra



ALEKSANDR OSTRテ天SKI

A FLORESTA



PRIMEIRO ACTO

Raíssa Pávlovna Gurmíjskaia, Aksínia Danílovna (Aksiúcha), Evguéni Apollónitch Milónov, Uar Kirílitch Bodáev, Ivan Petróvitch Vosmibrátov, Piotr, Aleksei Serguéitch Bulánov, Karp, Ulita. Herdade de Gurmíjskaia, a cerca de cinco verstás do centro distrital. Sala grande. Em frente, duas portas: uma de saída, outra para a sala de jantar; à direita do público, uma janela e uma porta que dão para o jardim; à esquerda, duas portas: uma dá para os quartos, a outra para o corredor. Móveis antigos, caros, caniçados, flores, junto à janela uma mesinha de trabalho, à esquerda uma mesa redonda e várias cadeiras.

CENA 1 Karp está à porta do jardim, entra Aksiúcha. AKSIÚCHA A senhora não me chamou? KARP Chamou sim, só que entretanto chegaram os convidados e ela está no jardim. AKSIÚCHA (tirando uma carta do bolso) Ouve lá, Karp Savélitch, tu não poderias…? KARP Sim, menina… AKSIÚCHA … entregá-la? Tu sabes a quem. KARP Mas como, ó menina? Agora já não me parece conveniente. Não sei se é verdade, mas a sua tia quer que a menina case com o jovem senhorito. 17


ALEKSANDR OSTRÓVSKI

AKSIÚCHA Está bem, esquece. (Vira-se para a janela.) KARP Vá lá, eu faço. Se é para a menina, por que não… (Pega na carta.) AKSIÚCHA (olhando pela janela) A Raíssa Pávlovna vendeu a floresta? KARP Vendeu, ao Ivan Petróvitch. Vendemos tudo, mas para quê? AKSIÚCHA Ela não quer deixar nada aos herdeiros; o dinheiro, esse, pode dá-lo a estranhos. KARP É um supor. Está complicado. AKSIÚCHA Dizem que esse dinheiro é para o dote, o meu. KARP Pois ainda bem, graças a Deus! AKSIÚCHA (muito séria) Que Deus não o permita, Karp Savélitch! KARP A menina é que sabe. O que eu quero dizer é que vale mais ser para o dote do que ir parar onde pára o outro todo. AKSIÚCHA O outro todo… mas onde é que vai parar o outro todo? KARP Ora bem, estas coisas não são para a menina compreender, e nem a minha língua se atreve a dizê-las. Vem aí o Aleksei Serguéitch. (Afasta-se da porta.) Aksiúcha olha pela janela. Entra Bulánov.

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CENA 2 Aksiúcha, Bulánov, Karp, depois Ulita. BULÁNOV (para Karp) Então, fizeste-me os cigarros? KARP Não senhor. BULÁNOV Mas porquê? Se eu te mandei!? KARP Mandou, e depois? Sabe se eu tive tempo? BULÁNOV Parece que nesta casa todos têm o rei na barriga. É isso. Vou queixar-me à Raíssa Pávlovna. KARP Não vai, não; o senhor até tem medo de fumar à frente dela. BULÁNOV Medo… Quero isso feito! Não to vou dizer dez vezes! (Vê Aksiúcha, aproxima-se dela e, num gesto desembaraçado, põe-lhe a mão no ombro.) AKSIÚCHA (virando-se rapidamente) O que é isso? Está doido? BULÁNOV (ressentido) Ah!! Perdão! Por que se arma em duquesa, minha linda? AKSIÚCHA (quase a chorar) Por que me ofende? Não lhe fiz mal nenhum. Eu sou aqui algum brinquedo para todos? Também sou um ser humano, como o senhor. BULÁNOV (com indiferença) Não, oiça: a menina agrada-me, a sério. AKSIÚCHA Ah, e o que é que isso me interessa? Que direito tem de me tocar? BULÁNOV Tão zangada, sempre, mas porquê? Olha o grande problema! Que não lhe toque! Não posso tocar no que é meu? Quem mo pode proibir? AKSIÚCHA (severamente) Seu? E se não for, se não for para si? Então, como é? 19


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BULÁNOV Caprichos, caprichos! Estou farto. Estraga tudo. AKSIÚCHA Estrago o quê? BULÁNOV O quê… Então não sabe? Mas olhe que é verdade: Raíssa Pávlovna tem o desejo de nos casar. Ora, um desejo da Raíssa Pávlovna… AKSIÚCHA É para cumprir? BULÁNOV Obviamente. Somos pobres, eu e a menina… Fico à espera que me corram daqui? Não, obrigado. Para onde vou? Outra vez para casa da mãezinha? Toda a vida na miséria? KARP Mais baixo, senhor! Vem aí a Ulita. Entra Ulita e procura qualquer coisa. O que deseja daqui? ULITA Parece que me esqueci… KARP Não se esqueceu de nada, deixe-se disso. Tem o seu departamento, e nós não vamos para lá. Ulita sai. Ora toma, é assim mesmo!... Maldita mulher! BULÁNOV O interesse é claro; não é difícil perceber. AKSIÚCHA Percebo. BULÁNOV Então não precisa de ser tão relutante. Está a armar-se em inacessível à frente de quem? A Raíssa Pávlovna promete muito dinheiro; que mais quer? Devia dar graças a Deus. AKSIÚCHA Há coisas que se compram com dinheiro, há outras que não se compram. BULÁNOV (sorrindo com desprezo) Ora, filosofias! (Sério.) Quanto a dinheiro, a menina não percebe nada, é por 20


A FLORESTA 1.2

isso que fala assim. Nunca passou por necessidades, pois não? Pois agora tem uma vida bonita à sua frente… Por dinheiro há quem venda a alma ao Diabo, e você não o quer nem dado! Aparece Ulita. KARP Por que anda aqui a cirandar para trás e para a frente? Ninguém precisa aqui de si! Isto aqui são salas limpas. ULITA Não se pode entrar ou quê? KARP Você não tem sossego, mulher? Corre por aí como um gato maluco. Venha quando a chamarem. Ulita sai. AKSIÚCHA Ninguém pode amar à força, Aleksei Serguéitch. BULÁNOV Fique descansada, eu consigo sempre o que quero; de mim não se esquiva. Aliás, não encontra cá melhor do que eu. AKSIÚCHA (baixinho) Está muito enganado. Se eu quiser procurar, encontro, ou talvez até já tenha encontrado. (Para Karp:) Se a senhora perguntar por mim, diz que estou no meu quarto. (Sai.)

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