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Sumário APRESENTAÇÃO ----------------------------------------------------------- 03 INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------03 e 04
Olá!
O ESTADO QUE TRIBUTA ---------------------------------------------- 05
Mesmo em tempos onde os sentidos mais plurais das expressões Estado Democrático e Constituição Federal pipocam na boca do povo, o direito ainda é encarado como um conjunto de conhecimentos técnicos oriundos da Lei e que são operados exclusivamente por quem possui um diploma de bacharel. Essa ideia presente no senso comum, segundo os estudos de Sociologia Jurídica, é o desdobramento do modelo de cultura jurídica desenvolvido no Brasil, onde o legalismo, a linguagem hermética e uma cultura jurídica baseada em valores burgueses e patrimonialistas garantiu o privilégio do acesso não só às faculdades de direito, mas ao direito como um todo.
A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS RELIGIOSOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ------------------------------------------- 06 e 07 O CASO DE SALVADOR ----------------------------------------------08 a 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ----------------------------——---------------12 SAIBA MAIS——————————————————————--13
Esta cartilha, que é fruto da articulação de um grupo de estudantes de direito da Universidade Federal da Bahia, pensada originalmente para o cumprimento de uma atividade curricular da disciplina Direito Tributário I, cuja orientação é do professor Helcônio Almeida, se
propõe a construir um instrumento que facilite o acesso e a compreensão da população ao direito constitucional de imunidade tributária garantido a todos os templos religiosos, mas que, no desenvolvimento da burocracia estatal, negligencia os espaços religiosos de matriz africana como parte desse
âmbito de proteção. É nessa perspectiva que enfatizamos a nossa crença na educação jurídica como um elemento imprescindível na garantia da democracia, à plenitude da cidadania e à promoção do enfrentamento às desigualdades estruturais que formam a sociedade brasileira.
É nessa perspectiva que enfatizamos a nossa crença na educação jurídica como um elemento imprescindível na garantia da democracia, à plenitude da cidadania e à promoção do enfrentamento às desigualdades estruturais que formam a sociedade brasileira.
CARTILHA
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Introdução
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Brasil é conhecido mundialmente por ter a diversidade cultural e étnico-racial como marcas indeléveis do seu processo de formação social. A mescla das mais variadas matrizes civilizatórias nesse projeto de identidade nacional é, até hoje, romantizada através do mito da democracia racial, expressão cunhada a partir da obra “Casa Grande e Senzala”, do escritor Gilberto Freyre (1936), onde se constituiu um novo paradigma entre as teorias raciais segundo o qual haveria uma harmonia racial entre o povo brasileiro, sendo que este é originado da reunião pacífica e estereotipada de populações indígenas, negros africanos e europeus. O mito da democracia racial, para além de uma narrativa literária, se apresenta para o cenário institucional das políticas públicas como o desdobramento dos efeitos do racismo, esta realidade histórica e cultural que promove desigualdades sistemáticas de acesso a direitos e oportunidades a uma determinada população em decorrência do seu fenótipo¹ ² e que é um dos eixos estruturantes do Estado brasileiro. Essa ideia de que há uma democracia racial camuflou durante muito tempo um projeto de eugenia³ e branqueamento4 através da miscigenação progressiva da população brasileira, por entender que o progresso econômico e social do Brasil dependia do extermínio efetivo da memória e presença negra no processo cultural brasileiro. É neste contexto de disputa política, científica e social que marcou o início do período republicano do país em que o direito se apresentou como uma ferramenta sistemática de violação a direitos e criminalização das manifestações culturais da população negra. Através de marcos legislativos, como a Lei de Terras de 1850, o Código Criminal de 1890 e uma política urbana higienista5 (não muito diferente da contemporânea), que via o corpo negro como um inimigo a ser combatido e afastado do meio social a qualquer custo, a prática de atividades simbólicas negras foram sendo alvo de uma política criminal que tipificou a prática da capoeira como crime de vadiagem e que perseguia insistentemente as práticas religiosas regras.
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Introdução
A Bahia, apesar de ser um estado onde a presença da cultura negra é um elemento forte dos eixos identitários, durante muito tempo foi palco de lutas e resistências dos povos de terreiro às batidas policiais aos Terreiros de Candomblé nos momentos de celebração de seus cultos. A Delegacia de Jogos e Costumes e a imagem do delegado Pedro Gordilho (até hoje lembrado pela memória oral dos mais velhos ou pelos pontos e cantigas) são elementos que ajudam a demarcar no imaginário social o histórico de desigualdades que atingem as religiosidades de
Após a Constituição Federal de 1988, no bojo de diversas reivindicações, sedimentar na ordem jurídica um verdadeiro microssistema de enfrentamento ao racismo, à intolerância religiosa e de promoção da igualdade racial, a comunidade negra e os povos de terreiro ainda esperam a efetividade desse conjunto de prerrogativas constitucionais que ampliam o âmbito de proteção dos direitos fundamentais, abarcando os interesses da população negra, mas que dependem de políticas públicas que tirem do texto da Lei e levem para a ordem de fruição social esse conjunto de dispositivos, a exemplo da garantia à imunidade tributária já garantida a outras instituições religiosas, respeitando suas especificidades organizacionais e seus elementos simbólicos, existenciais e culturais.
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O ESTADO QUE TRIBUTA
O Estado tem o poder de tributar. O Estado tem o poder de tributar. Para alcançar os seus objetivos comuns da população, o Estado precisa de recursos financeiros. E esses recursos são obtidos através de impostos, taxas e contribuições de melhoria. Logo, o Estado depende destes tributos, sem eles não seria possível interferir na educação, saúde e segurança, além de cumprir com suas obrigações trabalhistas perante os funcionários públicos. O Estado é soberano, tem a legitimidade para governar todos os indivíduos que se encontrem no seu território. Exigir que você, caro leitor, seja o provedor dos recursos do qual ele (o Estado) precisa, é um aspecto da soberania estatal.
A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS RELIGIOSOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - Instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto; suas liturgias;
O Brasil, como todo Estado Democrático de Direito, tem na Constituição Federal o lugar que estabelece o conjunto de regras que dispõem sobre a organização do Estado, a distribuição de funções e competências entre os entes que lhe integram, além de dispositivos que salvaguardam à população direitos e garantias fundamentais. Ao contrário do que afirmam, os direitos fundamentais estão presentes no artigo 5º ao 17, mas não apenas neste trecho, como estão também, nas demais partes do texto constitucional. E são responsáveis por produzir para ordenamento jurídico, preceitos essenciais, tais como: a promoção e o respeito à igualdade, à privacidade, direitos sociais (acesso à saúde, educação, moradia digna, trabalho e renda, etc.), liberdade, dentre outros.
Entre esses direitos, a Constituição Federal de 1988 trouxe como preceito normativo a garantia de imunidade tributária para templos de qualquer culto, estando incluído os terreiros das religiões de matrizes africanas, no que diz respeito a sua renda, patrimônio e serviços que estejam relacionados às atividades essenciais desses templos. Essa garantia deve ser entendida como decorrente do direito fundamental à
liberdade de consciência e crença, previsto no inciso VI do artigo 5º da Constituição que assegura também o livre exercício dos cultos religiosos e a garantia, na forma da lei, da proteção aos locais de culto e suas liturgias. Desse modo, a Constituição adota uma concepção não apenas negativa do direito fundamental à liberdade de consciência e crença, no sentido de que
o Estado estaria apenas proibido de interferir no exercício dessa liberdade, mas uma concepção também positiva, isto é, de que o Estado não só está proibido de criar embaraços ao exercício da liberdade religiosa como também deve fornecer os meios para que essa liberdade possa ser exercida plenamente, zelando pela efetividade do direito. PÁGINA
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Quando falamos das religiões de matrizes africanas, entender isso é muito importante, sobretudo porque a sociedade brasileira, diariamente, é palco de diversas manifestações sutis e disfarçadas de racismo – inclusive de racismo religioso! -, cuja ocorrência é reflexo da a perseguição histórica e estrutural ao povo negro, promovida sobretudo pelo Estado brasileiro. Defender que cabe ao Estado promover medidas de redução da desigualdade e de modificação do quadro de racismo estrutural com o qual convivemos é responsabilizá-lo pela sua atuação histórica na perseguição do nosso povo e obrigá-lo à adoção de mecanismos reparatórios, que não são nenhum presente do Estado, mas uma conquista e um direito nosso.
No caso da imunidade tributária, a Constituição exclui determinadas pessoas, bens, serviços ou situações, deixando-os fora do alcance do poder de tributar. Ou seja, o contribuinte está fora da possibilidade de incidência da norma tributária. Entretanto, caros leitores, imunidade tributária é diferente da isenção, que ocorre quando o ente que tem a competência, o poder de cobrar o tributo, se
abstém de fazê-lo. Frisa-se, a imunidade é uma garantia constitucional, que retira do Estado o poder de cobrar tributos a determinados sujeitos sociais – a exemplo dos templos de qualquer culto, em especial, as religiões de matriz africana. Na isenção, o Estado pode tributar, e exercendo a competência de tributar que lhe é dada pela Constituição, opta por não cobrar o tributo.
DIFERENÇA ENTRE IMUNIDADE E ISENÇÃO IMUNIDADE
ISENÇÃO
Dispensa constitucional de pagamento do Dispensa infraconstitucional de pagamentributo; to de tributo; O tributo não se forma, não existe;
O tributo existe, mas é dispensado ser pa-
Tem por escopo a implementação de obje- Tem por escopo a conjuntura econômica e tivos do Estado. social do país da pessoa natural.
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O caso de Salvador
Com o Decreto 27.014 de 21 de janeiro de 2016, a prefeitura de Salvador anistia os terreiros cadastrados no banco de dados do MunicĂpio do pagamento de Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Mas, e aĂ?!
Acontece que, pelo Decreto n. 25.560 de 19 de novembro de 2014, o órgão do município com competência para “organizar, atualizar e disponibilizar aos entes Públicos, através do seu sistema integrado de informática, o banco de dados contendo o registro dos Povos e Comunidades de Terreiros, existentes na Cidade do Salvador” (Art. 2º, caput) é a Secretaria Municipal de Reparação SEMUR.
DECRETO Nº 27.014, de 21 de janeiro de 2016
Concede remissão do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, na forma que indica. O PREFEITO MUNICIPAL DO SALVADOR, CAPITAL DO ESTADO DA BAHIA, no uso das atribuições, com fundamento no inciso V do art. 52 da Lei Orgânica do Município, e tendo em vista o disposto no art. 3º da Lei nº 8.930, de 01 de dezembro de 2015, DECRETA: Art. 1º Ficam remitidos os créditos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU incidentes sobre imóveis utilizados: I – para a construção dos empreendimentos vinculados aos programas habitacionais de interesse social, destinados à família com renda mensal de até 03 (três) salários mínimos, desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública, relativos ao período de construção; e II – pelos povos e comunidades de Terreiros reconhecidos e registrados no banco de dados do Município de Salvador. Parágrafo único. A remissão prevista neste artigo não
A SEMUR é uma Secretaria criada pela Lei Municipal nº 6.452 de 2003, com a “finalidade de formular, coordenar e articular as políticas e diretrizes à promoção para a reparação” – como prevê o art. 1º, caput - em Salvador, englobando, como seu órgão colegiado, o Conselho Municipal de Comunidades Negras – CMCN (Decreto nº 17.221 de 14 de março de 2007).
ensejará direito à restituição do valor pago. Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. GABINETE DO PREFEITO MUNICIPAL DO SALVADOR, em 21 de janeiro de 2016. ANTONIO CARLOS PEIXOTO DE MAGALHÃES NETO Prefeito JOÃO INÁCIO RIBEIRO ROMA NETO Chefe de Gabinete do Prefeito PAULO GANEM SOUTO Secretário Municipal da Fazenda
Com isso, através de normas infralegais, o Município de Salvador toma para si a competência para tributar sobre Povos e Comunidades de Terreiros, isenta essas comunidades do pagamento do IPTU e entende não incidir sobre elas a Taxa de Coleta, Remoção e Destinação de Resíduos Sólidos Domiciliares – TRSD. Importante lembrar que essa competência foi vedada ao Município pela nossa Constituição (Art. 150, VI, b), quando estabelece a imunidade tributária para os
templos de qualquer culto.
Cabe Refletir: Se o Município não tem competência p ara tributar sob re templos de qualquer cu lto como pode isentar as religiões de m atriz africana d e um imposto que não deveria incidir sobre elas?
Pois é. O discurso alardeado por aí é que se trata de uma medida de reparação empreendida pelo Município, um mecanismo de promoção da igualdade. Essa medida, porém, trata como isenção o que seria a imunidade, ignorando completamente a eficácia imediata do direito fundamental à liberdade de consciência e crença – de que é corolário o dispositivo que prevê a imunidade dos templos religiosos. Isso quer dizer que, sob a desculpa de equiparar os terreiros aos demais templos religiosos, o Município nega-lhes um direito previsto pela própria Constituição
Como realizar o cadastramento para ser contemplado pelo decreto 27.014/16: É necessário realizar um cadastramento no CMCN (Conselho Municipal das Comunidades Negras), que pode ser feito através do link: http://terreiro.salvador.ba.gov.br/cadastro.php que conterá as seguintes instruções: * Tenha em mãos, os CPFs do Líder Maior e de 2 outros representantes da Casa; * O primeiro representante pode ser o mesmo Líder Maior; * Somente é obrigatório o CPF do Líder Maior; * Click em "cadastre-se"; * Responda as perguntas e no final será gerado um número de protocolo provisório; * Imprima o boleto ou anote o número do protocolo;
Apresente-o em um dos postos de cadastramento nas prefeituras-bairro e solicite o protocolo definitivo, não esqueça de levar o CPF do Líder maior e o comprovante de endereço do terreiro (no nome do Líder ou do próprio terreiro - recibos de água, luz ou telefone, ou atestado de endereço emitido por órgãos oficiais, conselhos comunitários, Organizações do "Povo de Santo".
Ou presencialmente: E presencialmente na SEMUR ou no CMCN (Rua Carlos Gomes, 31, no prédio do Clube de Engenharia, Centro), ou na prefeitura-bairro mais próxima do endereço do Terreiro. O representante deve estar munido de CPF e de Comprovante de residência em nome do líder da casa ou do próprio terreiro. O município de Salvador, no que tange a imunidade tributária de templos religiosos de matriz africana, através do Decreto nº 27014/16, fez a remissão de créditos dos impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) dos terreiros. Contudo, cabe salientar que a falta de respeito e cumprimento a esta garantia reflete o racismo institucional que ainda permeia a estrutura burocrática do Poder Público que, ao não respeitar a abrangência da imunidade para esses locais de culto, cria uma situação de discriminação negativa e desproporcionalidade. Ademais, dos 1680 templos religiosos de matriz africana situados na cidade de Salvador, até o momento, apenas cerca de 300 foram beneficiados pela imunização. O processo para a efetivação deste reconhecimento inicia-se com o prévio cadastro na Secretaria Municipal da Reparação de Salvador (SEMUR).
FIQUE LIGADO LIGADO!
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário de respeito e maximização dos direitos fundamentais na disputa de/por direitos no Brasil vem mudando constantemente, sobretudo a partir da Constituição Federal de 1988 que, ao reconhecer a necessidade do Estado brasileiro envidar esforços para reparar o histórico de discriminações e ofensas à dignidade e direitos da população negra, constitui marcos normativos que direcionam para a promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo. É preciso que as religiões de matriz africana encarem o direito como uma importante ferramenta de asseguramento dos seus direitos, buscando seja pela via extrajudicial ou judicial o respeito à sua equiparação jurídica e enquanto sujeito de direito às outras matrizes religiosas. É desta forma, também, que se continuará afirmando a laicidade do Estado como um princípio imprescindível à manutenção da estrutura democrática da sociedade brasileira, onde a pluralidade e diversidade são incentivadas como parte do processo civilizatório, devendo ser encaradas a partir do olhar da alteridade. A imunidade tributária é um direito fundamental das religiões de matriz africana e, como tal, não é passível de supressão, negação ou embaraço de fruição. Caso haja alguma dessas hipóteses, é recomendável procurar o Sistema de Justiça, sobretudo através dos seguintes órgãos:
Defensoria Pública do Estado - Avenida Ulisses Guimarães, nº 3.386, Edf. MultiCab Empresarial CEP - 41.219-400, Sussuarana, Salvador/Bahia.
Ministério Público do Estado da Bahia Endereço: Av. Joana Angélica, nº 1.312, prédio principal, 4º andar. Nazaré. CEP: 40.050-002. Salvador/BA. Telefone: 3103-6617 / 6669 / 6675.
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SAIBA
. . . S I MA ... PRINCÍPIOS do direito tributário
Programa de Graduação em Direito Departamento de Direito Público Direito Tributário I
Douglas Mota Oliveira Eli Laíse dos Santos de Deus Silva Emanuele Celina Maria Barbosa de Souza Lorena Lima de Souza Vitor Luis Marques dos Santos