8 diretrizes

educadora Eu amo de paixão Darcy Ribeiro, e o cara que fez Lei de Diretrizes e Bases – a LDB – e esse homem é um santo. Devia existir Santo Darcy. Porque ele conseguiu contemplar uma lei que contemplasse o Brasil inteiro. A lei fala sobre especificidades físicas e regionais de cada lugar e que o calendário deve ser adaptado as questões climáticas e econômicas, sociais daquela região, e ele diz isso, palavras textuais e isso é fantástico.

E isso é lei. Não tem prefeito nenhum que derrube isso. Esse foi um dos aspectos que fez com que nós nos diferenciássemos como escola e muita gente teve que engolir isso.

Você não pode inventar a roda. E lá diz em letras garrafais que parte das disciplinas e a escola que escolhe. Então você pode colocar agricultura, trânsito, informática. Você pode colocar jardinagem, engenharia elétrica, qualquer coisa.

Por isso eu sou apaixonada por ele, e eu olho para aquele negócio e só acho um defeito que dificulta. Ele fala que o ensino deve ser ministrados no mínimo 800 horas anuais e 200 dias letivos, então nesse momento ele tornou mais difícil o entendimento.

Então para mudar a gente precisou de um advogado para contextualizar essa lei e fazer valer.

Nós recebemos um aluno do Rio Grande do Sul também de zona rural que estudava segunda, quarta e sexta o dia todo e dava 800 horas, mas não 200 dias. O menino era excelente. Nós temos exemplos no Pantanal em que as escolas funcionam seis meses direto e depois não funcionam por causa das cheias. Gente isso é Darcy na vida a gente!

Sem essa lei que ele fez, seria impossível.

Essa tendência do brasileiro de ser preguiçoso colocando todos iguais para não lidar com as diferenças. Passou uma secretária por aqui que queria padronizar o lanche, estabelecer que fosse em gramas e cem gramas para cada aluno. E o que fosse servido aqui, ia ser servido em Alto Paraíso, em São Jorge e assim por diante. Por exemplo, os meninos nossos gostam de beiju de tapioca, mas se em Alto Paraíso os meninos não gostarem, e ai?

Por isso o cara é fantástico, até para o ensino superior ele tem dicas, coisas que possibilitam. Lá também tem a progressão continuada, se você é capaz porque que você vai amargar um ano inteiro por causa de uma disciplina? Ele prevê que se você quer fazer uma série e acha que é que capaz, a lei determina que você pode fazer uma prova e se

conseguir a média necessária tá dentro. E ainda prevê que tem que ser uma coisa elaborada pelos professores daquela escola então nem precisa ser o secretário.

Se o menino é superdotado e aprendeu tudo o que precisava para que ficar naquela série? Solta o menino! Deixa fazer o próximo ano. E é pior deixar a criança na classe porque eles atentam ou pior ao tentar se adequar ao nível dos outros eles regridem, entram em depressão.

O professor tem uma tendência de empurrar para baixo. Às vezes, tem um menino que já terminou e fica cutucando os outros e tem outro que tá lá no segundo parágrafo.

Então o professor que não tem muita experiência não sabe lidar com aquilo, a tendência é rebaixar ele para ver se dá sossego enquanto você lida com o outro.

E essa é a sala de aula normal, cada um em um ponto diferente. E o professor tem que se virar para lidar com isso. Senão ele rebaixa o sabido e outro também, porque já vai estouvado: “Anda logo menino, mas que coisa parece uma lesma. Já falei, repeti e você tá ai pelejando. Pelo amor de Deus.” Por isso eu penso que o professor deveria ser o que mais se atualiza, estuda e reflete sobre a prática dele. Mais que em outras profissões a gente lida com a base do conhecimento e ele muda assim em uma rapidez imensa. * Não acho que vamos ser substituídos pelo computador, a voz de uma máquina não vai substituir o calor de um ser humano. O computador é um facilitador do conhecimento, e a melhor arma do professor. Porque o professor não sabe tudo. Graças a Deus! O computador sabe tudo, mas o professor não. Então ele é a ferramenta para que possamos aliar a realidade com o mundo virtual.

Apesar disso, não acho que os livros nunca vão ser substituídos pela era digital, mesmo todos os livros do mundo sejam digitalizados. O prazer de folhear um livro para mim nunca poderá ser substituído. Eu leio livros digitais, sabe? E é um pouco cansativo, não consigo me imaginar em um mundo sem os livros de papel. * Eu gosto de Paulo Freire. Vejo algumas limitações, mas gosto. Ainda mais em um país pobre como o nosso. Em quantas casas os pais são alfabetizados? O ideal é que as crianças aprendem de acordo com o que vivenciam. Pensando nisso, eu iniciei um trabalho anos atrás que eu não consegui concluir, mas era uma cartilha adaptada, cartilha do cerrado, com bichos, frutas e coisas do cerrado para alunos menores.

O A não seria do ANJO, o A seria da ANTA. O C da CAGAITA, do CAJU. O, O não seria do OVO, mas da ONÇA que é do imaginário nosso. Eu não preciso ficar imaginando o elefante, onde ele vive. Na selva africana? É claro que hoje com a tecnologia todo mundo sabe onde o elefante vive, mas existe um mundo de conhecimentos ali no livro que os meninos não tem acesso. Então tira o foco da selva africana que ele não conhece e trabalho com aquilo que ele convive e ele vai relacionar.

Se eu coloco o O da ONÇA eu valorizo ela como símbolo do cerrado. O V não precisa ser da VACA, se onça come veado, o V pode ser do VEADO. Eu cheguei a fazer uma cartilha, uns rascunhos, tava na parte dos desenhos. Então a cartilha tinha o objetivo de colocar a questão ambiental na alfabetização com o conhecimento do que existe no lugar, com aquilo que a criança lida no dia a dia. Ela vai crescer valorizando esse espaço que é dela, da família dela, de outras gerações Esse era o meu norte na cartilha e tá guardada esperando eu ter tempo para ela e continuar trabalhando.

Meu sonho de menina era escrever um livro, e eu quero escrever livros infantins e didáticos para criança. Porque os livros que eles me dão para trabalhar são pobres em possibilidades para gente do campo, para nós do Sertão é extremamente deficiente. O livro é um desserviço à educação no campo. É uma desvantagem porque ele valoriza muito a área urbana, os exemplos são do mundo urbano, e a ausência do campo é alta.

Então o menino da roça está estudando as coisas da cidade para ir para a cidade.

Porque é a cidade que é boa. O livro não tem nada do campo. Então a pergunta que fica na cabeça deles, eu imagino, é o que eu estou fazendo no campo se a cidade que é boa? Então ele está ali só de passagem contando os dias para ir para lá.

Os livros didáticos e pedagógicos, principalmente de primeira fase e um desserviço e pratica na integra o êxodo rural. É triste. Eles tentam melhorar, e até mandam algumas opções de cartilha para que as escolas escolham, mas os livros são todos iguais. A escrita é muito semelhante, os autores parecem que copiam uns aos outros. E no fim das contas a gente se obriga a escolher pelas cores e pelos desenhos.

Aqui em Alto Paraíso existe uma orientação de que você deve escolher o mesmo livro para o município inteiro porque se faltar livro é mais fácil conseguir um exemplar. Se o menino transferir também é mais fácil, apesar que se o menino for para Formosa é outro livro e ele vai ter que se adaptar.

No ano passado já veio um livro especifico para a área rural, uma coleção nova,

bonitinho o livro, bonzinho. Só que ele é um livro único para várias disciplinas. É bom porque diminui a quantidade de material para carregar. No entanto é condensado demais.

Fizeram assim para caber todas os conteúdos, imagens, letras grandes e atividades, mas isso acabou reduzindo a quantidade de matérias e os temas são muito enxutos. Então se você quiser fazer um trabalho bom tem que pesquisar.

Eu dou aula para o quarto ano e já dei para o primeiro. E uso uns 40 livros como material de pesquisa, fico buscando atividades neles para completar a informação que tem no livro que a gente recebe. Porque é muito pouco. No ritmo que eu vou se eu estivesse só no livro já teria acabado. Então se ele é o material que o menino tem para levar para casa eu não posso usar ele todo. Existe conteúdo programático que é uma sugestão, mas meio obrigação de que o aluno naquela série ele deve dominar tais e tais conhecimentos. Isso é o que se espera, mas ali dentro o professor faz misérias.

São inúmeras as possibilidades de trabalhar aquele material, mas uma boa parte não se importa, faz só o que está ali. Antigamente os pais mandavam o menino para a escola e o professor que se virasse, até porque os pais não sabiam muito, mas hoje não é mais assim, mesmo que os pais não sejam letrados eles veem TV. Eles ouvem, os filhos trazem informação para casa e eles aprendem com os filhos. Os pais sabem sim se os meninos tão aprendendo ou não.

E eu defendo que a família deve sim se aproximar da escola. Olhar mais os livros do menino, os cadernos, ouvir mais o que acontece no recreio e como o professor trata o filho dele. Hoje muitos pais deixam a cargo da escola porque não tem tempo, trabalham o dia todo, mas eu acho que pelo menos no fim de semana tem que parar para dar uma olhada.

Esse é um tempo que não volta. Nunca mais.