A importância da comunicação boca a boca: Uma relação com a publicidade e o contexto atual

Page 1


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

LOUISE STAHL

A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA: UMA RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE E O CONTEXTO ATUAL

São Paulo 2015


LOUISE STAHL

A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA: UMA RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE E O CONTEXTO ATUAL

Trabalho apresentado ao Departamento de Relações Públicas, Publicidade e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, formulado sob a orientação do Prof. Dr. Leandro Leonardo Batista, para a conclusão do curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda.

São Paulo 2015


FOLHA DE APROVAÇÃO

LOUISE STAHL A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA: UMA RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE E O CONTEXTO ATUAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Relações Públicas, Publicidade e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Aprovado por: Leandro Leonardo Batista

São Paulo, _____ de _____________ de 2015


AGRADECIMENTOS Gosto de pensar este Trabalho de Conclusão de Curso como mais um dos ápices de um processo longo de educação e descobrimento. Um processo de muitos anos, muito especial para mim e que pretendo dar continuidade. Por isso os agradecimentos aqui escritos se estendem a todas as figuras importantes de minha educação até agora. Em primeiro lugar gostaria de agradecer aos meus pais, que sempre incentivaram e valorizaram os estudos. Que me ensinaram a ler e escrever, sentaram ao meu lado todas as vezes que eu tinha alguma dúvida e jamais me recusaram um livro. A toda a minha família, que se orgulhou de cada conquista minha e confiou plenamente em minhas capacidades. A todos os professores que tive durante a vida. Vocês me instigaram a curiosidade e, mais do que tudo, me apresentaram o prazer de estudar e aprender. Me mostraram que eu deveria ter orgulho do meu esforço e do meu desejo de saber. Gostaria de agradecer a aqueles que de alguma forma colaboraram para que eu escolhesse o caminho que estou cursando, publicidade, ECA e agora estudar este assunto pelo qual tanto me interesso. Obrigada a todos os colegas, de faculdade e trabalho que só me confirmaram que escolhi o caminho certo, que me apoiaram e fizeram esses anos maravilhosos. Gostaria de agradecer ao meu orientador Leleba, às minhas amigas Clara e Camilla, pela revisão e capa, e a todos que ouviram incontáveis reclamações, ideia, lágrimas, momentos de desespero e alegrias. Enfim, obrigada a todos que fizeram parte dessa minha trajetória até aqui, porque ela não vai parar!


RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar, através de um levantamento teórico a importância da comunicação boca a boca, ou word-of-mouth, no contexto social e mercadológico atual, em relação à publicidade tradicional. Passando por uma definição do quadro teórico e do conceito de boca a boca, foi feito um levantamento das características do consumidor, da mídia, da publicidade e da comunicação interpessoal no século XXI. Se comparou o word-ofmouth com a publicidade, em relação a dispersão, engajamento, persuasão e influência nas decisões de compra, sugerindo como ambos podem trabalhar juntos para atingir os objetivos de uma marca. Palavras Chave: Comunicação boca a boca. Word-of-mouth. Comunicação interpessoal. Publicidade tradicional.

ABSTRACT This work aims to analyze, through a theoretical research the importance of word-of-mouth communication, in the social and marketing context, compared to traditional advertising. Through a definition of the theoretical framework and the concept of word-of-mouth, a reasearch on consumer characteristics, media, advertising and interpersonal communication in the twenty-first century was made. Comparing word-of-mouth with advertising, regarding dispersion, engagement, persuasion and influence on purchasing decisions, and suggesting how both can work together to achieve the goals of a brand. Key Words: Word-of-mouth communication. Interpersonal communication. Traditional Advertising.


ABREVIATURAS

Anvisa

-

Associação Nacional de Vigilância Sanitária

CONAR

-

Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária

SI

-

Social Interactions

WOM

-

Word-of-mouth

WOMM

-

Word-of-mouth Marketing

WOMMA

-

Word-of-mouth Marketing Association


SUMÁRIO

1 POR QUE FALAR DE COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA AGORA? 1.1 OBJETIVOS 1.2 QUADRO TEÓRICO 1.2.1 TWO-STEP FLOW OF COMMUNICATION 1.2.2 DIFFUSION OF INNOVATIONS 1.2.3 SOCIAL CONTAGION 1.3 O QUE É COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA? 1.3.1 O QUE GERA BOCA A BOCA? 1.3.2 QUAIS SÃO OS EFEITOS DE WOM? 1.3.3 COMO SE MEDE BOCA A BOCA? 1.3.4 TIPOS DE WOM

7 8 9 10 11 14 15 17 19 19 20

2 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DE WORD-OF-MOUTH 2.1 A ORIGEM E A TRADIÇÃO ORAL 2.2 MONOPÓLIO DO CONHECIMENTO 2.3 A PRENSA E A DESINFORMAÇÃO 2.4 O PODER DAS MÍDIAS DE MASSA 2.5 O CONTEXTO ATUAL 2.5.1 A PERDA DE CREDIBILIDADE DA MÍDIA DE MASSA 2.5.2 A COMUNICAÇÃO DIGITAL E A TROCA DE INFORMAÇÕES 2.5.3 AS POSSIBILIDADES PARA O CONSUMIDOR, O PROSSUMIDOR E OS DESAFIOS DO MERCADO

23 23 24 25 27 30 30 31

3 PUBLICIDADE E BOCA A BOCA 3.1 PERDA DA CREDIBILIDADE DA PUBLICIDADE TRADICIONAL 3.2 O FORTALECIMENTO DO WOM 3.3 COMO PUBLICIDADE PODE GERAR BOCA A BOCA 3.3.1 PUBLICIDADE COMO GATILHO E TÓPICO DE WOM 3.3.2 VIRAL, INFLUENCIADORES E AS POSSIBILIDADES DA INTERNET 3.3.3 ENGAJAMENTO, SEGMENTAÇÃO E CONTEÚDO 3.3.4 ESFORÇOS CONJUNTOS

38 38 39 41 42

4 BOCA A BOCA E INFLUÊNCIA 4.1 BOCA A BOCA E VENDAS

50 50

5 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA

56

REFERÊNCIAS

61

GLOSSÁRIO

65

34

44 47 49


7

1 POR QUE FALAR DE COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA AGORA? Mais de 60 anos atrás a comunicação boca a boca já era estudada e conceituada. Em 1955, Katz e Lazarsfeld já trabalhavam com o conceito de Word-of-mouth, identificando, em uma pesquisa denominada "Personal Influence", a importância desse tipo de comunicação como passo intermediário essencial do fluxo de informação (KATZ; LAZARSFELD, 1955 apud KELLER; FAY, 2012, p. 5). Assim, agora em 2015 surge então a questão, qual a importância e a relevância de se falar de comunicação boca a boca atualmente? Que novas contribuições pesquisas recentes trouxeram para a discussão desse assunto? Por que se fala tanto de, e o que são, marketing viral e buzz? Como a comunicação boca a boca se transformou com o advento de novas plataformas sociais e mudanças na mentalidade do consumidor? Principalmente, que mudanças, em termos sociais, comunicacionais, tecnológicos e de negócios tornaram tão relevante e pautada a temática neste momento? A primeira vez que a comunicação interpessoal surgiu significantemente em pesquisas, foi quando, em 1940, Lazarsfeld e outros colegas pesquisavam o processo de decisão durante uma campanha eleitoral, no estudo chamado "The People's Choice" (LAZARSFELD; BERELSON; GAUDET, 1948 apud KATZ, 1957, p. 3). Surpreendendo os pesquisadores durante a análise dos dados, a comunicação interpessoal se destacou como fator de influência nas decisões políticas e sugeriu que o fluxo da comunicação de massa era mais indireto do que se pensava. Foi criado o modelo The Two Step Flow of Communication, que fará parte do quadro teórico deste trabalho. A partir daí muitos estudos tem trabalhado a comunicação interpessoal ou boca a 1

boca . Em um primeiro momento os estudos focaram na importância, ou na influência desse tipo de comunicação, além da relação entre influenciadores e influenciados. Mais recentemente, as pesquisa se voltaram para as características da comunicação boca a boca: o que gera e o que não gera conversação; as diferenças entre boca a boca imediato e contínuo, dentre outros atributos. Desde o estudo de Lazarsfeld, porém, muito mudou. Mercados se tornaram mais globais, consumidores mais críticos e conscientes de seus direitos. Nas últimas duas décadas a internet surgiu, se popularizou e modificou radicalmente a relação entre as pessoas. Nos últimos anos, com o crescimento do digital, este tem também mudado as relações das pessoas com a mídia de massa e a publicidade tradicional. 1

Neste trabalho os termos comunicação boca a boca, comunicação interpessoal e word-of-mouth (WOM) serão


8

Um estudo publicado em julho de 2013, chamado "Millenials as Brand Advocates", apresenta a relação da geração Y com empresas, marcas e suas diversas formas de comunicação. Esse grupo, que possuí atualmente entre 15 e 35 anos, sendo parte da população economicamente ativa, crê, cada vez menos, na publicidade, sendo ela nos meios tradicionais ou no digital. Por outro lado, esse estudo aponta que a geração Y está mais disposta a dar feedback sobre suas experiências e confiar em seus amigos e comunidades. 91% dos Ys dizem considerar comprar um produto recomendado por um colega (SEGURA, 2013). Além desse, diversos estudos tem trazido a tona a resistência do consumidor atual, mais experiente e crítico em relação às diversas formas de publicidade e propaganda, e o que aparenta ser uma perda de eficácia a longo prazo das formas mais tradicionais de comunicação (NAIL, 2005 apud TRUSOV; BUCKLIN; PAUWELS, 2009, p. 90). Ao mesmo tempo, estudos também apontam a importância da comunicação interpessoal como transmissora de credibilidade, neste momento de desconfiança com as mídias de massa. Pesquisas continuam apontando, assim como em 1948, que as pessoas colocam um peso significante na opinião de outras pessoas (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 5). Dessa maneira, a comunicação boca a boca começa a se destacar no cenário comunicacional atual. Com medo de não atingir o consumidor apenas pelos meios tradicionais, marcas tem procurado outras maneiras de chegar até eles, principalmente gerando boca a boca sobre si e seus produtos. Para entender a importância da comunicação interpessoal, porém, temos que ir mais fundo e compreender o que mudou no contexto, nas relações e neste tipo de comunicação durante a história, sua relação com a publicidade e com os negócios. 1.1 OBJETIVOS O objetivo geral do presente trabalho é apresentar a importância da comunicação boca a boca em relação à publicidade tradicional atualmente, a partir de perspectivas sociais e mercadológicas. A partir desse primeiro objetivo, também se pretende desenvolver as possibilidades de exploração da comunicação boca a boca e da publicidade. Para isso, primeiramente, essa monografia apresenta seu quadro teórico, sobre o qual será construída. Depois, tem como objetivo apresentar uma definição atual e relevante de comunicação boca a boca. Usando várias fontes como referencial teórico, essa parte do estudo espera trazer, além dos conceitos básicos associados a esse assunto, novas descobertas e conclusões das pesquisas mais recentes.


9

Em um segundo momento, se narra um panorama histórico da comunicação boca a boca, mostrando sua evolução e chegando até o contexto atual. Pretende-se deixar claras as particularidades do word-of-mouth no cenário contemporâneo, com novas tecnologias, consumidores mais conscientes e conectados e suas consequências. A partir dessas duas primeiras seções, com definições e contexto histórico estabelecidos, um próximo capítulo introduz a relação entre publicidade e comunicação boca a boca. Além de construir a relação entre publicidade tradicional e o word-of-mouth, se avança apresentando discussões travadas hoje em dia sobre o papel do boca a boca na estratégia de comunicação. Apresentam-se os conceitos de WOM marketing, marketing viral e buzz e como a publicidade pode trabalhar para gerar repercussão e dispersão orgânica da mensagem. Continuando a construir esse pensamento, numa perspectiva mercadológica da importância de boca a boca, são expostas as correlações entre word-of-mouth e vendas. Através dos resultados de diversas pesquisas pode-se traçar as relações e proporcionalidades entre diversas características de comunicação boca a boca e seus efeitos nos resultados de mercado. Ao fim desse trabalho, dessa maneira, pretende-se ter respondido, sob diversas abordagens, à pergunta central: qual a importância da comunicação boca a boca no atualmente em relação à publicidade tradicional? 1.2 QUADRO TEÓRICO Fazem parte do quadro teórico deste trabalho três modelos distintos, mas complementares, que analisam a importância da comunicação interpessoal e como inovações, comportamentos e mensagens se espalham entre as pessoas de um mesmo sistema ou de uma mesma rede social. Estudados em momentos diferentes, o primeiro, Two-Step Flow of Communication durante as décadas de 40 e 50; o segundo Diffusion of Innovations nos anos de 1960 e 1970; e o terceiro, Social Contagion mais recentemente, a partir da década de 90, os modelos criam uma linha de pensamento. Os três modelos se complementam ao tratarem desse assunto em diferentes níveis. Do individual, passando pela relação entre mídia, líder de opinião e influenciado, até o nível de redes sociais e sistemas sociais. Os três modelos analisam o papel de indivíduos centrais, essenciais para o fluxo de informação e características influenciadoras. Apesar de diversas fontes apresentadas posteriormente no decorrer deste trabalho não explicitarem a utilização de


10

tais modelos, outras deixam claro o uso dos princípios apresentados e fazem referência a esses trabalhos. 1.2.1 Two-Step Flow of Communication Criado por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet a partir do estudo "The People's Choice" (1948), o modelo Two Step Flow of Communication, literalmente traduzido como "dois estágios do fluxo da comunicação", foi o primeiro a diferenciar dois sistemas de comunicação, que trabalham de formas diferentes, o midiático e o interpessoal. Sua proposta é que a influência e a comunicação decorrente da mídia de massa primeiro atinge líderes de opinião que, em um segundo passo, as transmite às pessoas. Nas palavras dos autores: "Ideias, muitas vezes fluem de rádio e impressão para os líderes de opinião e destes para as camadas menos ativas da população" (LAZARSFELD; BERELSON; GAUDET, 1948, p. 151 apud KATZ, 1957, p. 3, tradução nossa)2. Até então, em um contexto no qual as mídias de massa se tornavam cada vez mais relevantes, a audiência era vista como uma massa de indivíduos desconectados, ligados apenas com a mídia, mas não entre si (KATZ, 1957, p.3). A pesquisa realizada em 1940 e publicada oito anos depois, revelou a importância das relações interpessoais no fluxo da comunicação, da informação e da influência. Assim, a audiência passou a ser vista como indivíduos conectados em redes, pelas quais a comunicação de massa era transmitida. A partir disso, os autores também puderam concluir que o contato entre as pessoas era, não só mais frequente, como mais eficiente do que as mídias de massa ao influenciar a decisão de voto (Ibidem, p. 4). A grande descoberta do modelo Two Step Flow of Communication foi a existência do líder de opinião, suas características e sua função na transmissão de informação. Essa figura apresenta três principais características: a personificação de certos valores; a competência; e localização social estratégica (Ibidem, p. 10). Os valores do líder de opinião, ou quem ele é, incluem características pessoais, como saber falar bem, ter contato com a inovação através de diversos canais, inclusive as mídias de massa, e valores associados a um grupo, como jovialidade e inovação. O segundo ponto, referente ao que o líder de opinião sabe, apresenta que ele é influente em certos momentos e sobre assuntos específicos. Raramente um líder de 2

Tradução livre da autora: "ideas often flow from radio and print to opinion leaders and from these to the less active sections of the population" (LAZARSFELD; BERELSON; GAUDET, 1948, p. 151 apud KATZ, 1957, p. 3)


11

opinião exerce esse papel em mais de uma área. Também é importante que a competência e o caráter expert do líder de opinião sobre sua área seja reconhecido pelos seus influenciados. Para haver um influenciador é preciso haver um influenciado (Idem). Por último, quem o líder de opinião conhece é igualmente importante. "The People's Choice" (1948) também descobriu que há influenciadores em todas as camadas da população. Isto é, eles são próximos de seus influenciados, localizados ao centro das redes as quais fazem parte. Mais de 50 anos depois, Malcom Gladwell (2000), tentando popularizar os conhecimentos teóricos de comunicação, nomeou os líderes de opinião com cada uma dessas características. Os três tipos de "Eleitos" por ele explicados são: o Vendedor, persuasivo, que sabe vender uma ideia, eficiente ao convencer o outro; o Expert, especialista em uma área, com vasto e profundo conhecimento sobre ela, sendo referência sobre o assunto para as outras pessoas; e o Comunicador, que conhece muitas pessoas, e mais do que isso, as pessoas certas para quem transmitir uma informação com o objetivo de disseminá-la. As três características dos líderes de opinião se combinam em diferentes figuras, e todos os três tipos são importantes para a comunicação interpessoal. Numa epidemia social, os Experts são os bancos de dados. Eles fornecem a mensagem. Os comunicadores são a cola social: eles a espalham. Entretanto, existe também um conjunto seleto de indivíduos - os Vendedores - capazes de nos convencer quando não acreditamos no que estamos ouvindo. Eles são tão importantes para a epidemia da propaganda boca a boca quanto os membros dos outros dois grupos. (GLADWELL, 2000, p. 71)

O líder de opinião do Two Step Flow of Communication é apresentado como um propagador de mensagens, mas que ao mesmo tempo não deixa de editar, filtrar, introduzir sua própria opinião, não sendo assim um canal neutro (MARTINO, 2009, p. 3). Ele possuí a função de informar, mas também gera apoio e pressão social sobre as decisões de membros de um grupo (KATZ, 1957, p. 12). Estudos posteriores ao "The People's Choice" (1948) acrescentaram ao Two Step Flow of Communication mostrando que a díade influenciador-influenciado é apenas um componente de um grupo social mais extenso e estruturado. Nesse aspecto, The Two Step Flow of Communication dialoga com os outros referenciais deste trabalho. 1.2.2 Diffusion of Innovations Formalizada por Everett Rogers, em 1962, a teoria Diffusion of Innovations, ou "Difusão da Inovação", apresenta como ideias novas são difundidas e adotadas dentro de um


12

grupo social. Rogers define difusão como "o processo pelo qual uma inovação é comunicada através de certos canais ao longo do tempo entre membros de um sistema social. É um tipo especial de comunicação, no qual a mensagem é referente a novas ideias." (ROGERS, 1983, p. 5, tradução nossa)3. Para desenvolver essa teoria o autor apresenta os quatro principais elementos da difusão de inovação: a inovação, os canais de comunicação, o tempo e o sistema social. A inovação é colocada apenas como uma ideia, prática ou objeto percebida como nova para o indivíduo (Ibidem, p. 11). Apesar de os estudos de Rogers se focarem na adoção de novas tecnologias, a teoria pode ser aplicada a muitas outras coisas, inclusive mensagens, produtos e tendências. As inovações, porém, não são vistas como iguais. Suas características, como percebidas pelas pessoas, irão explicar os diferentes ritmos de adoção. Em geral, inovações percebidas como vantajosas, compatíveis com os valores e experiências dos indivíduos, fáceis de serem compreendidas e empregadas, que podem ser testadas e seus resultados observados são adotadas mais rapidamente (Ibidem, p. 15-16). Ao tratar de comunicação, e de canais de comunicação, Everett Rogers apresenta diversos conceitos usados posteriormente no estudo da comunicação boca a boca, e no decorrer desse trabalho. Ele define comunicação como "o processo pelo qual participantes criam e compartilham informação uns com os outros a fim de chegar a um entendimento mútuo." (Ibidem, p. 17, tradução nossa)4. Coloca que a natureza do canal de comunicação irá determinar se a inovação será transmitida e o efeito da transferência. Por exemplo, os canais de mídia de massa são frequentemente os meios mais rápidos e eficazes de informar o público de possíveis adotantes sobre a existência de uma inovação, isto é, para criar conscientização-conhecimento. (...) Por outro lado, os canais interpessoais são mais eficazes em persuadir uma pessoa a adotar uma nova ideia. (Ibidem, p. 17-18, tradução nossa)5

Apresentando o conceito de comunicação peer-to-peer, ou de igual para igual, diversos estudos sobre difusão de inovação apontaram que a maioria das pessoas adota

3

Tradução livre da autora: “Diffusion is the process by which an innovation is communicated through certain channels over time among the members of a social system. It is a special type of communication, in that the messages are concerned with new ideas.” (ROGERS, 1983, p. 5) 4 Tradução livre da autora: “the process by which participants create and share information with one another in order to reach a mutual understanding” (ROGERS, 1983, p. 17) 5 Tradução livre da autora: “For example, mass media channels are often the most rapid and efficient means to inform an audience of potential adopters about the existence of an innovation, that is, to create awarenessknowledge.” (ROGERS, 1983, p. 17-18)


13

inovações não com base em estudos científicos, mas sim a partir de sua percepção da experiência de outros indivíduos. O terceiro elemento, o tempo, é um dos mais importantes e diferenciados da teoria de difusão da inovação. Ele esta envolvido com a difusão em três aspectos: processo de decisãoinovação; a taxa de adoção; e as categorias de adoção (Ibidem, p. 20). O processo de decisãoinovação é um processo no nível do indivíduo e consiste em 5 etapas: conhecimento; persuasão, a formação de uma atitude perante a inovação; decisão; implementação; e confirmação. Em momentos diferentes desse processo, mídias de massa e comunicação interpessoal se tornam mais relevantes. Enquanto os meios de massa são importantes para gerar conhecimento e informar sobre a inovação, a comunicação interpessoal entra no segundo estágio, de persuasão. A taxa de adoção é a velocidade relativa com a qual uma inovação é adotada pelos membros de um sistema social. Publicidade e comunicação boca a boca são ferramentas para acelerar essa velocidade. Por último, as categorias de adoção são classificações dos indivíduos que adotaram a inovação com base em quando isto ocorreu em relação a outros membros do sistema social. Rogers divide as pessoas em cinco categorias: inovadores, primeiros adeptos, maioria inicial, maioria tardia e retardatários. O inovador é um indivíduo muito ligado a uma área e suas novidades, que assume o risco de adotar uma inovação mesmo antes de observar resultados. Já a maioria inicial, quando um grande número passa a adotar a inovação, delibera por um tempo e observa resultados antes de aderir. Gladwell destaca que existe um grande espaço entre os inovadores, que assumem riscos, e a maioria inicial, que só adere a inovações já percebidas como seguras (GLADWELL, 2000, p. 192). Nesse momento que os primeiros adeptos, a categoria intermediária, realizam um processo de tradução, tanto apresentando a inovação em termos menos técnicos, como tornando-a atraente. Principalmente dentre eles, por sua atualização e acessibilidade simultânea, estão os líderes de opinião, com os quais a maioria inicial busca informação e confirmação antes de adotar uma inovação. O sistema social é um grupo de indivíduos, ou unidades de adoção, que possuem um mesmo objetivo, mesmo que concorram entre si. A difusão ocorre dentro de um sistema social e suas características, estruturas e normas também influenciam se e como a inovação será adotada (ROGERS, 1983, p. 24). Todos esses elementos, a inovação, a comunicação, o tempo, o sistema social, os líderes de opinião são fatores de como ocorrerá a difusão de uma inovação, se ela será adotada e quais serão suas consequências. Esses fundamentos do modelo apresentado por Rogers são relevantes para a compreensão da importância da comunicação boca a boca.


14

1.2.3 Social Contagion Social Contagion ou "contágio social" é um modelo que estuda o fluxo de comportamentos, atitudes, mensagens e até mesmo doenças através das redes sociais. Dentre os três modelos apresentados nesse trabalho, este é o mais explorado atualmente, pois só pode ser construído a partir de uma coleta e análise de dados mais sofisticada, só possível mais recentemente. Contágio social, como apresentado por Nicholas Christakis e James Fowler (2009, 2013) complementa também os outros dois modelos e nos dá uma visão mais específica da estrutura das redes sociais, importante para a compreensão da transmissão de mensagens entre pessoas. Como apontado, a partir da percepção da importância da comunicação e da relação interpessoal para a transmissão de influência, os indivíduos passaram a serem vistos como conectados entre si, primeiro em uma díade e depois através de estruturas mais complexas de redes. Através dessas redes sociais, criadas pelas relações entre pessoas, todos os tipos de coisas - comportamentos, posições políticas, órgãos, positivas ou negativas - são transmitidas. Nossas conexões afetam cada aspecto de nossas vidas diárias. Eventos raros, como homicídio e doação de órgãos são apenas a ponta do iceberg. Como nos sentimos, o que sabemos, com quem nos casamos, se ficamos doentes, quanto dinheiro nós fazemos e se nós votamos todos dependem dos laços que nos unem. As redes sociais espalham a felicidade, generosidade e amor. Elas estão sempre lá, exercendo influência tanto sutil, quanto dramática sobre nossas escolhas, ações, pensamentos, sentimentos, mesmo os nossos desejos. E as nossas ligações não terminam com as pessoas que conhecemos. Além de nossos próprios horizontes sociais amigos de amigos de amigos podem iniciar reações em cadeia que, eventualmente, chegam a nós, como ondas de terras distantes que quebram-se em nossas praias. (CHRISTAKIS; FOWLER, 2009, p. 7, tradução nossa)6

Uma rede social, diferentemente de um grupo, é uma coleção de pessoas com uma configuração específica de conexões entre os membros (Ibidem, p. 9). Essas conexões e seus padrões são tão ou mais importantes do que os indivíduos, fazendo com que as características e possibilidades de uma rede social sejam diferentes que a soma de suas partes. Cada rede

6

Tradução livre da autora: “Our connections affect every aspect of our daily lives. Rare events such as murder and organ donation are just the tip of the iceberg. How we feel, what we know, whom we marry, whether we fall ill, how much money we make, and whether we vote all depend on the ties that bind us. Social networks spread happiness, generosity, and love. They are always there, exerting both subtle and dramatic influence over our choices, actions, thoughts, feelings, even our desires. And our connections do not end with the people we know. Beyond our own social horizons, friends of friends of friends can start chain reactions that eventually reach us, like waves from distant lands that wash up on our shores.” (CHRISTAKIS; FOWLER, 2009, p. 7)


15

social também é única, dependendo do número de membros, número de laços e como eles se organizam, em diferentes formatos. Existem alguns princípios, apresentados pelos autores, que definem os dois aspectos principais de uma rede social: a conexão, quem está conectado com quem e através de que tipo de laço; e o contágio, o que flui e como flui através das conexões (Ibidem, p.16). O primeiro princípio é de que as redes sociais são moldadas pelos indivíduos. Cada um define com quantas pessoas quer se conectar, o quanto quer que seus amigos sejam amigos entre si e o quão central em uma rede social quer ser. Uma característica social importante para essas definições é a homofilia, ou a tendência das pessoas a se associarem com pessoas semelhantes a elas (Ibidem, p. 17) ou a se tornarem semelhantes as pessoas com as quais já são associadas. Este é o segundo princípio, já mencionado anteriormente: as redes sociais das quais um indivíduo faz parte o molda, uma mudança na estrutura social acarreta uma mudança no indivíduo. O terceiro princípio é de extrema importância para o estudo de comunicação boca a boca, pois declara que as conexões de uma pessoa a influenciam diretamente (Ibidem, p. 22). Além disso, os mesmos autores em outro estudo apontam que o contágio social, isto é, a influência de algum aspecto de uma pessoa em outra, chega, na maioria dos casos, até três graus de separação (CHRISTAKIS; FOWLER, 2013). Isso significa que uma mudança no comportamento de uma pessoa ou até mesmo em estados mentais e doenças, como felicidade e obesidade, pode influenciar um amigo de um amigo de um amigo deste primeiro indivíduo (Ibidem, p. 560). De maneira geral, o que o modelo de contágio social apresenta de mais interessante para esse trabalho é como a estrutura das redes sociais intervém na influência de uma pessoa para a outra. Além de apresentar que a influência não ocorre apenas diretamente, esse modelo permite analisar como algo específico se espalha por uma rede de maneira mais detalhada do que o modelo de difusão da inovação. Expande a díade do modelo Two-Step Flow of Communication para estruturar e organizar redes. Permite observar ondas de contágio, indivíduos centrais e com diversas conexões e a força da relação interpessoal. 1.3 O QUE É COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA? Não existe na literatura uma só definição ou um consenso sobre os limites da comunicação boca a boca. Para esse trabalho cabe, com fim de desenvolver-se e atingir os seus objetivos, uma conceituação do termo e a exposição de suas características.


16

David Godes e Dina Mayzlin (et. al, 2005, p. 416-417) definem boca a boca como uma forma de social interactions (interações sociais) (SI). Os autores definem as interações sociais como uma ação realizada por um indivíduo que não possui interesses de vendas de um produto ou serviço e que impactam a utilidade esperada por outro indivíduo dos mesmos (Idem). Uma das formas de SI é a observação passiva, quando uma pessoa imita o comportamento de outra, como por exemplo, preferir um restaurante que está cheio a um que está vazio. Outra forma de interação social é a comunicação boca a boca. Comunicação boca a boca pode ser entendida como "a disseminação de informação (ex. opiniões e recomendações) através da comunicação entre indivíduos" (CHEN; WANG; XIE, 2011, p. 5, tradução nossa)7. Em oposição a uma comunicação vertical, realizada por marcas e mídias de massa, é uma comunicação horizontal, feita por pessoas que não tem interesses ou ganhos sobre o que será comunicado e que impacta nas atitudes, decisões e comportamentos de outros indivíduos. É portanto, uma interação social caracterizada pela comunicação ativa entre indivíduos. Tradicionalmente, comunicação boca a boca, até mesmo pelo termo utilizado, é entendida como a troca de informações entre duas pessoas, de forma direta, isto é face a face. Essa definição, surgida com os primeiros estudos de WOM, na década de 50, hoje deve ser expandida para abranger também o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas. Hoje em dia, pode-se, e deve-se, falar de comunicação interpessoal mediada. Ferramentas analógicas e digitais fazem parte do cenário atual de WOM. Com as possibilidades de disseminação da internet, além de deixar de ser exclusivamente direta, a comunicação boca a boca também deixou de ser direcionada a apenas um receptor, podendo atingir uma quantidade muito maior de pessoas. É uma comunicação de todos para todos (DOMINGUES, 2013, p. 68). Os estudos de comunicação boca a boca focam, em sua maioria, na transmissão de informações a respeito de um produto ou serviço. Nesse trabalho pretende-se também abranger a disseminação de informações sobre marcas e empresas, figuras públicas - como no estudo de Lazarsfeld (1948) -, tendências e conteúdos culturais. Em síntese, definimos que comunicação boca a boca é a) uma transmissão de informação b) cujo o emissor é um (ou mais) indivíduos sem interesses ou ganhos aparentes, que c) de forma direta ou mediada d) exerce influência sobre um ou mais indivíduos. Assim, 7

Tradução livre da autora: “In general, WOM refers to the dissemination of information (e.g., opinions and recomendations) via communication among individuals.” (CHEN; WANG; XIE, 2011, p. 5)


17

WOM pode ser trabalhado como fonte, canal e mensagem, dependendo do caráter e do contexto do estudo e aplicação. Para melhor entender a comunicação boca a boca é interessante aprofundar-se em alguns aspectos: precedentes, efeitos, métricas e categorizações. 1.3.1 O que gera boca a boca? Os precedentes de word-of-mouth, ou o que gera essa ação, são divididos na literatura sobre o tema em três diferentes grupos: as motivações, os antecedentes e os drivers ou gatilhos. Muitos estudos trabalham a partir de apenas um desses conceitos, tornando as fronteiras entre eles imprecisas. Neste trabalho procuramos esclarecer as diferenças entre os três termos. Como primeiro precedente estão as motivações ao boca a boca, que tem influência no assunto que será falado. David Godes e Dina Mayzlin dividem as motivações entre intrínsecas, que partem do emissor, e extrínsecas, vindas do contexto ou da própria mensagem (2005, p. 418). As principais motivações identificadas para WOM são: produto; mensagem; o outro; envolvimento pessoal; altruísmo e dissonância cognitiva (DICHTER, 1966 apud WOKNICKI; GODES, 2008, p. 4). Muitos estudos abordam essas motivações individualmente, podendo aprofundar-se no que gera mais ou menos WOM. Robert East, Kathy Hammond, Wendy Lomax e Helen Robinson identificaram no estudo "What is the Effect of a Recommendation?" (2005, p. 150) uma variação considerável no papel do boca a boca na divulgação de diferentes categorias de produtos e serviços. Eles provam como em algumas categorias o boca a boca, além de maior em volume, é também mais relevante, tendo uma influência maior na decisão de outros. Pense em restaurantes e médicos, cuja recomendação tem grande papel, em oposição a outros tipos de produtos como alimentos básicos. Há também uma diferença entre produtos de pesquisa e produtos de experiência. Os primeiros possuem atributos que podem mais facilmente ser comparados e compreendidos pelas pessoas. Já o segundo tipo se relaciona mais com sentimentos e sensações por isso o efeito do WOM nas vendas desses produtos é diferente. Isso será melhor explorado no capítulo 4. O segundo precedente, os antecedentes da comunicação interpessoal, trata, na maioria da literatura de aspectos pessoais do emissor em relação ao objeto da mensagem. Os antecedentes refletem principalmente na valência da mensagem (se é uma opinião positiva ou negativa). Três são os principais antecedentes de WOM: expertise do emissor sobre o assunto,


18

expectativa e satisfação (WOKNICKI e GODES, 2008). Extremamente relacionados, esses três aspectos e suas relações foram estudadas por Andrea Woknicki e David Godes no artigo "Word-of-Mouth as Self-Enhancement" (2008). Partindo da propensão do consumidor de gerar WOM para a autovalorização foram levantadas diversas relações. Primeiramente uma proporcionalidade entre volume de boca a boca e insatisfação: consumidores insatisfeitos tendem a demonstrar essa insatisfação mais do que consumidores satisfeitos. Por esse motivo as reclamações em redes sociais de marcas são mais frequentes que os elogios. Por outro lado, esse mesmo estudo encontrou o inverso, quando acrescentado o fator expertise. Quanto mais expert um consumidor é, ou se considera, sobre determinado assunto, mais boca a boca ele gera sobre suas experiências satisfatórias e menos sobre experiências negativas. Por último, os drivers ou gatilhos de WOM são os precedentes que mais determinam o momento em que a informação será compartilhada. O gatilho pode vir do próprio objeto da comunicação interpessoal, como um vídeo muito interessante. Também pode vir do emissor, como o interesse dele por determinado assunto. Porém, os maiores gatilhos de WOM são acessibilidade ou visibilidade (BERGER e SCHWARTZ, 2011, p. 869). Manipulando visibilidade pública e estímulos influenciou-se o que as pessoas falavam. Os produtos eram mais propensos a serem discutidos quando eles eram visíveis publicamente, e temas eram mais propensos a ser discutido quando estímulos relacionados estavam no ambiente circundante. (Ibidem, p. 877, tradução nossa)8

As dicas, ou como chamadas em inglês cues, estimulam e acionam os gatilhos da comunicação boca a boca. Essas podem ser uma variedade extensa de coisas, como brindes promocionais, associações com símbolos da marca e publicidade. Assuntos que são mais visíveis, como marcas de tênis e celebridades, são muito mais falados do que outros mais privados, como marcas de papel higiênico e esteticistas. Dessa maneira, fatores do objeto da comunicação, do emissor, do contexto e até do receptor geram boca a boca.

8

Tradução livre da autora: “Manipulating publicly visibility and cues influenced what people talked about. Products were more likely to be discussed when they were publicly visible, and topics were more likely to be discussed when related cues were in the surrounding environment.” (BERGER e SCHWARTZ, 2011, p. 877).


19

1.3.2 Quais são os efeitos de WOM? WOM possuí diversos efeitos, que variam dos mais sociais, aos mais mercadológicos. Boca a boca afeta o alcance e a difusão de mensagens, tendências, produtos, entre outros; como consequência disso, afeta percepções sobre marcas e, principalmente, vendas. Os efeitos sobre vendas são os mais estudados, pois são importantes para empresas, que muitas vezes subsidiam pesquisas. Boca a boca também tem efeitos na criação de movimentos sociais. A difusão de ideias políticas e sociais também se dá através da comunicação interpessoal, como foi estudado tanto por Lazarsfeld (1948), quanto no modelo de contágio social. Comunicação interpessoal também é a causa de muitas febres e virais. Na sociedade global em que vivemos qualquer conteúdo que chame atenção pode ser espalhado, por meio do boca a boca a todos os cantos do planeta. Tome como exemplo o clipe do artista sul coreano Psy "Gangnam Style" (2012)9 que bateu recordes de visualizações no YouTube, mesmo sendo cantado em uma língua que a maioria da audiência não conhecia. A esses efeitos, porém, não é dada a devida atenção talvez porque a pesquisa com um foco mercadológico é mais interessante. 1.3.3 Como se mede boca a boca? Existem uma série de desafios associados com as métricas de word-of-mouth. Com a grande maioria da comunicação boca a boca ocorrendo presencialmente, o registro desse tipo de comunicação é extremamente dificultado. Até recentemente, estudos sobre comunicação interpessoal eram feitos através de questionários com perguntas sobre a quantidade de WOM que a pessoa havia recebido ou gerado. Esse método pode gerar uma série de erros, uma vez que o respondente do questionário pode se lembrar apenas de algumas conversações que lhe foram mais relevantes. O digital apresenta novas possibilidades para a métrica de WOM. Através desse meio, as comunicações boca a boca podem ser medidas e até mesmo ter seu conteúdo estudado. Com mais facilidade e precisão, as pesquisas tem abordado as novas formas de WOM no digital e estudado através delas a comunicação interpessoal de forma geral. As principais métricas para se medir word-of-mouth são volume e dispersão. Em uma analogia as métricas usadas para publicidade, assim como frequência, volume é a quantidade 9 Vídeo

disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9bZkp7q19f0 Acesso em: 09/06/15


20

de WOM gerado sobre uma informação; e assim como alcance, dispersão é a quantidade de pessoas atingidas por essa mensagem. Godes e Mayzlin definem dispersão como "a medida em que as conversações sobre o produto estão ocorrendo através de uma ampla gama de comunidades" (2003, p. 2, tradução nossa)10. Para esses autores, dispersão é mais importante do que volume. Assuntos mais dispersos, que tiveram força para cruzar de um grupo para outro, tem mais impacto do que discussões focadas em uma só população. Comparando com o modelo de contágio social, podemos relacionar dispersão com o quão espalhada por uma rede social e através delas uma mensagem está. Uma mensagem mais dispersa atravessa conexões mais fracas e atinge diversas extremidades da rede, enquanto uma mensagem menos dispersa se concentra em alguns agrupamentos de pessoas. Godes e Mayzlin apresentam essa relação: "qualquer pedaço de informação que atravessa um laço fraco, ao contrário de um forte, tem a oportunidade de chegar a mais pessoas." (Ibidem, p. 5, tradução nossa)11 O conteúdo da comunicação boca a boca ainda é pouco estudado, devido a dificuldade de se analisar todas as conversas. Com o digital, a valência da mensagem tem entrado nas pesquisas. Recomendações e avaliações em sites de compras, por exemplo, permitiram agregar a valência das mensagens como fator. Em uma perspectiva mercadológica, as métricas de WOM também apresentam dificuldades. WOM é ao mesmo tempo causa e consequência de vendas (Ibidem, p. 2). Assim, apesar de usar-se volume de vendas como forma de avaliação do impacto de WOM, ainda não há certeza de quão direta é essa relação. Esse assunto será melhor explorado no capítulo 4 do presente trabalho. 1.3.4 Tipos de WOM Os estudos a respeito de word-of-mouth dividem esse tipo de comunicação em categorias para melhor compreender seus precedentes, características e efeitos. As principais divisões, que aqui serão desenvolvidas são: WOM imediato versus WOM contínuo; WOM negativo versus WOM positivo; e WOM off-line versus WOM online.

10

Tradução livre da autora: “[...] the extent to which conversations about the product are taking place across a broad range of communities.” (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 2) 11 Tradução livre da autora: “any piece of information that traverses a weak, as opposed to a strong, tie has the opportunity to reach more people.” (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 5)


21

A primeira divisão refere-se ao período de tempo no qual a comunicação boca a boca ocorre e é a mais explorada na literatura. Jonah Berger e Eric M. Schwartz definem em seu artigo "What do people talk about? Drivers of immediate and ongoing word-of-mouth" (2011, p. 871) WOM imediato como aquele que acontece logo após a pessoa entrar em contato pela primeira vez com o objeto da mensagem (essa exposição ao objeto pode ocorrer tanto por experiência quanto por informação). Em oposição o WOM contínuo é o que ocorre nas semanas e meses seguintes. Essa categorização é interessante e bastante estudada pois permite uma pesquisa contínua, a comparação entre a comunicação interpessoal entre dois períodos, tanto em volume, quanto em assunto. De maneira prática, essa divisão possibilita identificar que tipos de assuntos geram um impacto mais imediato e que outros a longo prazo; que precedentes e gatilhos tem repercussão rápida e instantânea, e quais podem gerar boca a boca contínuo. Essas informações, quando usadas de maneira correta, são extremamente importantes para marcas, que podem querer gerar um boca a boca imediato, no período de um lançamento, por exemplo, ou mais contínuo após as fases iniciais da vida de um produto. A partir da pesquisa que realizaram, Berger e Schwartz chegam as respectivas conclusões sobre WOM imediato e contínuo: produtos interessantes geram mais word-ofmouth imediato, porém produtos mais acessíveis, visíveis ou associados a gatilhos com mais frequência geram mais boca a boca imediato e contínuo (Ibidem, p. 871). Essa informação é importante para desenvolver a relação entre comunicação boca a boca e publicidade. A segunda forma de categorização da comunicação interpessoal refere-se a sua valência. Estudos se focam em compreender o impacto de WOM positivo e negativo, destacando as diferenças entre eles. No caso de boca a boca, diferentemente de outras interações sociais, o impacto entre valências é assimétrico. Mensagens negativas são mais contagiosas do que mensagens positivas (WOKNICKI; GODES, 2008, p. 5). Isso significa que opiniões negativas sobre um assunto terão mais impacto nas atitudes e ações do receptor, do que opiniões positivas. Por último, em uma divisão referente ao meio, a comunicação boca a boca pode ser trabalhada em off-line e online. Evidentemente essas duas categorias são bastante abrangentes e poderiam ser estudadas em suas formas mais particulares, porém devido a dificuldade de se medir WOM, estudos ainda não avançaram tanto. Primeiramente é importante ressaltar que "75% de todas as conversas de consumidores sobre marcas acontecem face a face, e outros 15% acontecem pelo telefone e apenas cerca de 10% online." (KELLER; FAY, 2012, p. 1,


22

tradução nossa)12. Isso significa que apesar de todas as formas de conexão digitais, este meio ainda tem pouca participação na comunicação interpessoal, mas que tende a crescer. Além da diferença de volume, off-line e online WOM diferem também nos seus precedentes, como a decisão de compartilhar uma informação é tomada. No boca a boca online o conteúdo vem em primeiro lugar e depois a decisão de se e com quem compartilhalo. Já no off-line geralmente o receptor, o parceiro de discussão, vem primeiro e depois a pessoa decide o que compartilhar. Essas diferenças no processo de decisão podem ter um impacto em outras características da comunicação boca a boca, principalmente podendo diferenciar o que está sendo comunicado no digital e o que no off-line (BERGER e SCHWARTZ, 2011, p. 878).

12

Tradução livre da autora: “75 percent of all consumer conversations about brands happen face to face, and another 15 percent happen over the phone and only about 10 percent online.” (KELLER; FAY, 2012, p. 1)


23

2 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DE WORD-OF-MOUTH Apesar de ser um tema em voga atualmente, bastante estudado e comentado, o boca a boca teve sua importância em praticamente todos os momentos da história humana. Seres humanos são sociais em sua essência, sendo a comunicação fundamental para a construção de ligações entre os indivíduos e a formação de redes sociais. A história da comunicação boca a boca, como antes definida, anda paralela a história de outros meios de comunicação, da mídia e da informação. Para a compreensão da importância da comunicação word-of-mouth hoje em dia, é preciso compreender quem, ou o que, detinha e controlava a informação e os meios pelos quais ela era transmitida, por toda a história. Seu destaque atual tem relação com o contexto de mídia, de consumo e da publicidade. Assim, traçando uma breve narrativa dos diversos meios de comunicação durante a história e das fontes de informação, apresentamos a relevância da comunicação boca a boca, através de diversos períodos. Ao fim retrataremos uma contextualização contemporânea da mídia, do consumo, do consumidor e das relações entre eles, a fim de apresentar mais uma parte da questão central deste trabalho: o contexto atual no qual comunicação boca a boca e publicidade se encontram. 2.1 A ORIGEM E A TRADIÇÃO ORAL A partir da definição já estabelecida de boca a boca, definimos que ela não é exclusivamente oral e presencial. Assim, não pode-se tratar como sinônimas a comunicação boca a boca e a oral. Além disso, para que o WOM, uma forma de comunicação sem interesses aparentes exista, é preciso haver em oposição uma comunicação com interesses ideológicos ou mercadológicos. Por outro lado, a essência da comunicação boca a boca é oral. Como veremos, por muito tempo o meio pelo qual word-of-mouth era transmitido, foi exclusivamente oral, mesmo conforme outros canais foram surgindo. Por este motivo é importante iniciarmos essa perspectiva histórica a partir da comunicação oral. Muito antes do surgimento de qualquer mídia e até muito antes do surgimento da escrita, a comunicação interpessoal já era estabelecida. Por muito tempo o boca a boca não foi somente a forma de comunicação mais importante como foi a única. Na pré-história, uma comunicação eficiente entre os indivíduos era fundamental para a sobrevivência de um grupo. Mesmo com o advento da escrita, a comunicação oral continuou sendo a principal forma de transmissão da informação. Nas sociedades antigas, como os fenícios e os egípcios,


24

apenas os sacerdotes, governantes e escribas sabiam ler e escrever, assim para a maior parte da população a comunicação se manteve de forma oral. Inclusive no âmbito religioso, no qual o alfabetismo era mais elevado, a oralidade se manteve presente. Na cultura judaica, por exemplo, além da Torá escrita, o primeiro testamento, um outro livro de mesma importância, a Mishná, ou Torá Oral, diz ter sido transmitida de Deus a Moisés, para que de mesmo modo, oralmente, fosse comunicada de mestre a seu discípulo (WACHSMANN, 1998). De forma semelhante, a cultura grega valorizava a comunicação oral. Os estudos sobre retórica, os sofistas e o formato de lecionamento dos grandes pensadores gregos para seus alunos são exemplos da oralidade mesmo em uma cultura econômica, social e politicamente estruturada. A religião e as tradições, através dos mitos e histórias também eram contadas. Asa Briggs e Peter Burke, estudando a mídia através de um viés social, descrevem a oralidade grega: "assim como em outras culturas orais, canções e histórias tinham forma muito mais fluida que fixa, e a criação era coletiva, no sentido de que cantores e contadores de histórias continuamente adotavam e adaptavam temas e frases uns dos outros." (2002, p. 19). A tradição oral das culturas antigas permitia que o conhecimento fosse transmitido com mais fluidez entre os indivíduos. O conhecimento era acessível a todos os cidadãos, uma vez que não era necessário saber ler. Na forma de boatos ou fofocas, a comunicação oral também espalhava notícias a respeito da vida cotidiana das pólis. Neste cenário a informação, verdadeira ou não, poderia surgir de qualquer pessoa e chegar a qualquer outra. Os boatos eram, na antiguidade, a forma mais próxima da comunicação boca a boca como definida hoje em dia, pois a informação era transmitida através da rede de pessoas de uma pólis, não partindo ou pertencendo a nenhuma autoridade. 2.2 MONOPÓLIO DO CONHECIMENTO A população medieval, assim como na antiguidade, mantinha-se iletrada, sendo que apenas clérigos, nobres e alguns profissionais como escribas, professores e cientistas sabiam ler. Dessa maneira, a maior parte da transmissão de informação ainda se dava de maneira oral. O que mudou entre esses períodos foi a origem e a disseminação do conhecimento. Durante a Idade Média (séculos V a XV) com a institucionalização da Igreja Católica, também se deu a institucionalização do conhecimento. A Igreja se tornou a principal forma de controle sobre a plebe, passando a controlar o acesso das pessoas a informação. O acesso a livros e escrituras era restrito, e a dificuldade de leitura nas línguas originais o tornava ainda


25

mais restringido. Através dos sermões dos padres, das artes religiosas, das cerimônias, "tudo o que era necessário saber - a história do mundo desde a criação, os dogmas da religião, os exemplos dos santos, a hierarquia das virtudes, o âmbito das ciências, artes e ofícios" (BRIGGS; BURKE, 2002, p. 20) era ensinado. A comunicação entre a Igreja e seus fiéis era vertical. Padres e pastores eram os únicos a ter acesso a livros e escrituras e escolhiam que assuntos e sobre quais vieses iriam passar para seu público. Bauman (apud BRIGGS; BURKE, 2002, p. 28) descreveu o púlpito da Igreja Católica como um "meio de comunicação de massa". Através do controle do conhecimento, da informação e da transmissão de valores em sermões, a Igreja, moldava o comportamento das classes baixas do mundo medieval e continha qualquer insatisfação com os moldes sociais. Apesar de oral, a comunicação na Idade Média era restrita, vertical, unidirecional e fundamentada em interesses. Assim, a partir do fortalecimento da Igreja, e mesmo antes, durante os impérios, podemos falar em uma comunicação com interesses, neste caso ideológicos. A comunicação boca a boca surge em oposição a isso, sendo isenta de interesses diretos. Porém, durante esses períodos, o discurso imperialista e religioso era forte e praticamente hegemônico. A comunicação entre a população, isto é, entre fiéis e súditos, apenas replicava este mesmo discurso e o reforçava. Em suma, durante a Idade Média, a informação e o conhecimento eram controlados pela Igreja e pelos governos dos diversos reinados. Do mesmo modo, esses dois poderes regiam os meios pelos os quais as mensagens eram transmitidas: os sermões, as artes religiosas, os pronunciamentos. Por fim, ambos, Igreja e Estado, contavam com a ignorância de seus fiéis e súditos para ter controle sobre eles. Regulamentavam a transmissão de conhecimento e faziam crer que possuí-lo era perigoso. 2.3 A PRENSA E A DESINFORMAÇÃO A invenção da prensa de tipos móveis por Gutenberg em 1450 permitiu que os livros, inclusive a Bíblia, fossem produzidos e distribuídos em larga escala. Aos poucos o alfabetismo foi aumentando e a população conseguiu ter acesso aos textos religiosos, que foram traduzidos. Para a Igreja isso era um problema. Como disse Elisabeth Eisenstein houveram duas grandes consequências com a invenção dos impressos


26

Em primeiro lugar, as publicações padronizaram e preservaram o conhecimento, fenômeno que havia sido muito mais fluido na era em que a circulação de informações se dava oralmente ou por manuscritos. Em segundo lugar, as impressões deram margem a uma crítica a autoridade, facilitando a divulgação de visões incompatíveis sobre o mesmo assunto. (EISENSTEIN, 1979 apud BRIGGS; BURKE, 2002, p. 32).

Com o objetivo de retomar o controle, a Igreja iniciou um processo de censura e criou listas de livros banidos. Porém, além de ter acesso ao conteúdo já existente, com a prensa outros produtos culturais passaram a ser criados e publicados, como livros e almanaques, já patrocinados pelas indústrias químicas. O que por um lado parecia ser inicialmente a democratização do conhecimento, se mostrou como um problema de falta de crítica e seleção de informações. Além da equivocação de diversos textos, o leitor renascentista não sabia como selecionar um conteúdo correto e relevante para leitura. "No início da idade média, o problema havia sido a falta de livros, a escassez. No século XVI, foi o oposto" (BRIGGS; BURKE, 2002, p. 29). Outro problema que se apresentou com o aumento da criação de conteúdo escrito, foi o plágio ou roubo de ideias. Com a reprodutibilidade como função básica da prensa, surge o conceito de cópia e em oposição a ele, o de original. Nesse momento nasce também a ideia de propriedade intelectual. Autores passaram a proteger suas obras, assiná-las e procurar aprovação e endosso em fontes já consideradas confiáveis. O conhecimento e a informação passaram novamente a pertencer a algumas fontes que eram ditas corretas e possuíam aprovação. Após a Revolução Francesa, em 1789, e o estabelecimento da República, ocorreu o surgimento do jornal, um meio de comunicação que atingia cada vez mais pessoas e, com ele, a publicidade impressa, que no século XVIII já aparecia em grande quantidade nos periódicos. O jornal apresentou desde seu início, uma série de características que irão definir a indústria cultural e os outros meios de comunicação de massa a partir deste momento. Tinha como principal objetivo o lucro, conseguido através da circulação diária, de baixo custo e preço, com o propósito de atingir o maior número de pessoas. O público do jornal era visto como indiferenciado, massivo. Por fim, as iniciativas e pautas do periódico eram sempre definida pelo empresário que coordenava o jornal, naquela época muitas vezes executando também o papel de editor. Juntos, livros e jornais, começaram a desempenhar o papel antes exercido pelos sermões da Igreja Católica. Educando a população sobre o que e como falar, moldando as atitudes dos indivíduos, as publicações foram ganhando cada vez mais força. "Em outras


27

palavras, as publicações estavam contribuindo para aquilo que os autores dos tratados teriam chamado de refinamento do discurso e também para sua crescente uniformidade" (Ibidem, p. 56). Com o surgimento do jornal, portanto, este se tornou o principal canal de informação. Controlados por seus donos, geralmente burgueses enriquecidos, políticos ou patrocinadores, eram destes que partiam as mensagens e os discursos. 2.4 O PODER DAS MÍDIAS DE MASSA O jornal foi o primeiro de uma série de meios de comunicação de massa que surgiram a seguir. O rádio, a televisão, o cinema foram sendo criados, nos seus respectivos tempos, sem eliminar outro meio anterior, mas sim adicionando ao sistema midiático e criando o que mais tarde foi chamado de convergência de mídia. Os outros meios, como o rádio, possibilitaram uma massificação e um alcance ainda maiores, pois não era necessário saber ler para ser atingido por suas mensagens. Com isso eles também romperam a separação entre público e privado, entrando nas casas e passando a fazer parte do cotidiano das famílias, principalmente das donas de casa, que não dependiam mais da leitura do jornal pelo chefe de família. De outra parte, o aparecimento da TV, e o desenvolvimento do sistema mediático em geral, permitiu o barateamento e a facilidade de acesso aos meios de comunicação, gerando novas condições de recepção, nas quais a função filtro (recolhimento e seleção das mensagens) exercida pelos líderes de opinião perdeu força. Todos os indivíduos da sociedade passam a estar expostos às suas mensagens, de modo que os líderes de opinião não são mais os únicos receptores dos meios. Contudo sua função dentro do grupo não se esgota com isso, o principal fica intacto, os líderes de opinião ainda seriam importantes visto o peso que têm na elaboração do sentido final da mensagem. (MARTINO, 2009, p. 3).

Apesar de não haverem evoluído simultaneamente, os meios de comunicação de massa passaram, no geral, pelo mesmo processo. Percebendo o alcance que esses meios tinham, a autoridade sobre a opinião pública que exerciam, seu objetivo deixou aos poucos de ser informar para influenciar. No fim do século XIX o jornal já se autodenominava "o quarto poder" e mais tarde a televisão iria se colocar como o quinto. A própria origem do jornal está relacionada ao Estado e à política, quando, com o estabelecimento da República, os candidatos necessitaram de um canal massivo para disseminar sua ideologia e convencer eleitores (BRIGGS; BURKE, 2002, p. 84). A relação


28

simbiótica entre os meios de comunicação de massa e o Estado continuou, pois a mídia necessitava do investimento estatal em infra-estruturas de comunicação. Para o jornal era necessário o telégrafo e o trem, que dinamizavam a chegada de notícias e a entrega dos jornais. Com o rádio, foi essencial a construção de antenas de transmissão. Até hoje vemos a dependência dos veículos com o Estado, devido a necessidade de concessões, a atual forma de controle dos governos sobre o que é falado na mídia. Desta forma, os meios de comunicação de massa foram inicialmente controlados apenas pelos governos, ou outros grupos que compartilhavam do mesmo interesse. As mensagens e os pontos de vista transmitidos eram exclusivamente do Estado do qual o veículo fazia parte. Um exemplo claro foi como os meios de comunicação de massa foram usados durante as duas guerras mundiais para reportar o progresso dos exércitos, disseminar propagandas nacionalistas, educar e entreter. Cada lado contava a sua história, através do seu ponto de vista, exercendo influência sobre a opinião pública através da notícia, da propaganda, da educação e do entretenimento. Nesse contexto surge, por exemplo, figuras como a do Capitão América, criado em 1940, como símbolo do heroísmo americano na luta contra os nazistas, enquanto na Alemanha, a indústria cinematográfica voltou-se para a produção de filmes que disseminavam a ideologia hitlerista. Aos poucos, com o aumento do número de jornais, emissoras de rádio e redes de televisão, ocorreu uma diversificação de discursos. O objetivo de influenciar se manteve o mesmo, porém a origem dos interesses transmitidos se alterou. Além dos veículos do Estado, novos surgiram patrocinados por outros grupos políticos, transmitindo informação através de sua ideologia. A publicidade também passou a ter um papel influenciador durante o século XX. Veículos que se sustentavam através da venda de anúncios transmitiam conteúdos que obteriam uma alta audiência e estivessem de acordo com os valores dos anunciantes. De maneira geral, quem possui dinheiro para manter ou patrocinar o veículo dita, até hoje, as mensagens que ele transmite. O acesso a informação, a educação e ao entretenimento era direcionado por esses grupos dominantes e com eles a opinião pública e o comportamento das pessoas: Em um mundo moderno e complexo as noticias eram inevitavelmente seletivas, e os leitores, dependendo do que era oferecido - "histórias condensadas"-, encontravam dificuldades enormes para construir julgamentos sobre as questões públicas. A ideia de Lippmann sobre "esfera pública", como a de Habermas, dificilmente se sustenta ao dar a impressão de que a mídia distorce, os anunciantes manipulam e os governos subsidiam. (BRIGGS; BURKE, 2002, p. 209)


29

A Teoria do Agendamento, ou Agenda Setting é uma teoria criada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, durante a década de 70, para representar a função das mídias de massa de pautar discussões também fora delas. Estudando três eleições presidenciais americanas, esses autores, procuraram estabelecer uma relação entre o que era pautado nas mídias de massa e os assuntos mais falados e vistos como mais relevantes na decisão de voto. Foi descoberto que mesmo com a força e a credibilidade da comunicação interpessoal, os assuntos pautados nas mídias eram os mais comentados e mais relevantes (MCCOMBS; SHAW, 1972). Mesmo o que era transmitido entre líderes de opinião e seus influenciados era determinado pela mídia. As mídias de massa forçam a atenção para determinadas questões. Elas constroem imagens públicas de figuras políticas. Elas estão constantemente apresentando assuntos sugerindo sobre o que os indivíduos na massa devem pensar, saber, ter sentimentos sobre. (LANG; LANG, 1996, p. 468 apud MCCOMBS; SHAW, 1972, p. 177, tradução nossa)13

Apesar de não determinar o teor dos assuntos pautados, é importante ressaltar que as mídias de massa selecionam os temas sobre os quais irão tratar a partir de sua ideologia. Isto fica claro na comunicação a respeito de política, por exemplo, na qual um veículo inclinado a um partido divulga os pontos positivos deste, enquanto trata negativamente a oposição. A influência de ideologias hegemônicas e grupos sociais dominantes na opinião pública era, e continua sendo, ainda mais extrema nos países em desenvolvimento. Com a globalização e a facilidade da transmissão de informações, esses países passaram a receber notícias através das lentes dos países desenvolvidos, que traziam as histórias sob um ponto de vista que os favorecesse. A isso se deu o nome de imperialismo cultural (BRIGGS; BURKE, 2002, p. 249). Durante todo o século XX, as mídias de massa, foram incontestavelmente os maiores influenciadores da opinião pública, dos valores, ideologias e comportamentos. Através deles se dizia as pessoas como se vestir, como se portar, quais eram os padrões da sociedade, em que notícias acreditar. O imperialismo cultural, principalmente dos Estados Unidos, através de seus sitcons e filmes hollywoodianos espalhou pelo mundo o modo de vida ocidental, os padrões de beleza e a moda desse país, além do ponto de vista estadunidense sobre os conflitos e a política mundial. 13

Tradução livre da autora: "The Mass Media force attention to certain issues. They build up public images of political figures. They are constantly presenting objects suggesting what individuals in the mass should think about, know about, have feelings about" (LANG; LANG, 1996, p. 468 apud MCCOMBS; SHAW, 1972, p. 177)


30

Os principais veículos, os mais ricos, se desenvolveram com o apoio, o interesse, dos grupos dominantes da sociedade, enquanto os veículos que apresentavam alguma oposição sempre enfrentaram obstáculos e assim não conseguiam atingir tantas pessoas. Dessa maneira, o discurso da classe dominante sempre foi hegemônico e transmitido as classes subordinadas. A publicidade também se tornou uma ferramenta de influência. Além de refletir na decisão de compra, patrocinar programas e veículos específicos, repercutiu diretamente nos valores da sociedade. A mensagem, ideologia e valores comunicados pela publicidade também influenciavam nas atitudes e comportamentos. Desde colocar a posse de bens como símbolo de status, até apresentar o formato tradicional, considerado correto, de família nas propagandas de margarina. Reforçando estereótipos de comportamento, como associar mulheres a tarefas domésticas, e de beleza, mulheres com corpos esguios. A comunicação e a cultura de massa foram severamente criticadas pela Escola de Frankfurt, que as acusou de massificar o gosto, corromper o público e vender ilusões (SALTIEL, 2008). Apesar da oposição, desta escola e de outros grupos que procuravam quebrar o discurso hegemônico, a informação era transmitida através dos principais veículos de mídias de massa, cuja ideologia, originária de poucos indivíduos e empresas que os mantinham financeiramente, determinava o que e sobre qual viés seria comunicado. 2.5 O CONTEXTO ATUAL A hegemonia das mídias de comunicação de massa permaneceu incontestável até a década de 90, com o controle da informação por esses meios. Com o surgimento e a popularização da internet, diversos movimentos simultâneos passaram a ocorrer. Enquanto nesse meio as possibilidades de transmissão de informações passaram a ser exploradas, a mídia tradicional passou a ser questionada. No âmbito do consumo, o consumidor passou a se empoderar frente às empresas. Com isso ocorreu uma mudança na importância da comunicação boca a boca e da publicidade. 2.5.1 A perda de credibilidade da mídia de massa Durante os anos 90, com a expansão e a descentralização de fontes de informação, a mídia começou a passar por uma crise de credibilidade. Primeiramente, o público parou de crer cegamente em seu discurso de imparcialidade. Compreendeu, em maior ou menor grau, que existem interesses por trás do que é falado, até mesmo em entretenimento. Que existe


31

uma ideologia que define o que será e o que não será comunicado. As classes sociais não dominantes perceberam que não eram representadas pelos maiores veículos, que seus problemas e reivindicações não chegavam a grande mídia. Assim o público começou a perder a confiança nas mídias de massa. Ramonet defende que a mídia passa por uma era suspeita. Tida como o quarto poder durante muitas décadas, a grande mídia se defrontou, durante a década de 90, com uma série de suspeitas por parte do público que não acredita mais tão passiva e pacificamente nos discursos proferidos por ela. 'Ceticismo. Desconfiança. Descrença. Eis os sentimentos dominantes dos cidadãos em relação à mídia'. (RAMONET, 1999, p. 24 apud DOMINGUES, 2013, p. 78)

Em segundo lugar, com o acesso a tantas informações simultaneamente, o público criou filtros próprios para selecionar as mensagens, simplificar o processamento de informação e focar no que é importante (GODES et al., 2005, p. 417). O processo de TwoStep Flow, presente em 1950, se fortaleceu conforme a quantidade de informações aumentava e outros indivíduos se tornaram filtros, apontando um retorno da importância da comunicação interpessoal. 2.5.2 A comunicação digital e a troca de informações Enquanto as formas tradicionais de transmissão de informação começaram a passar por sua crise, do outro lado, como causa e consequência disso, as relações entre consumidores, veículos e empresa iniciou um processo de modificação. A internet possibilitou que as pessoas se comunicassem diretamente de maneira mais rápida e dinâmica. Informações de um lado do globo alcançam o outro em questão de instantes. Um pessoa pode se conectar com qualquer outra. Os internautas enviam e recebem mensagens, enquanto também criam e modificam informações (ILLIA, 2002 apud BOTHA; REYNEKE, 2013, p. 160). As conexões entre pessoas, explicadas no modelo de Contágio Social, se tornaram mais frequentes e geograficamente mais distantes. As redes sociais se ampliaram e o contágio de mensagens, ideologias, modas, e outros, se tornou mais fluido. Este é um dos motivos pelos quais quando se aborda comunicação boca a boca atualmente, muito se fala de internet. Apesar de apenas 10% do word-of-mouth sobre produtos e serviços ocorrer online (KELLER; FAY, 2012, p. 1), o digital se apresenta como força modificadora das relações entre fontes de informação e público no cenário atual. Além da ampliação das redes e aceleração do contágio, a internet permitiu novos formatos de


32

WOM, como a resenha de produtos, o compartilhamento de conteúdos diversos, a publicação de opiniões em diversos canais, entre outros. Também, como veremos, o digital permite que mais pessoas sejam atingidas ao mesmo tempo por um só emissor de boca a boca. Por último, acredita-se que conforme a internet vá se tornando ainda mais parte da vida da população geral, principalmente através das gerações que já nasceram conectadas, maior será o volume de comunicação através dela e assim maior o WOM online. De maneira geral, a internet significou a criação de muito conteúdo, a diversificação de pontos de vista e facilitou o filtro através de outras pessoas. A internet abriu a possibilidade para todas as opiniões serem expressadas e ouvidas, por mais ou menos pessoas. Cada internauta se tornou um líder de opinião, não necessariamente possuindo muitos influenciados, mas comunicando os assuntos em pauta através de seus filtros e ideologias. Por um lado isso significou um maior acesso das pessoas a informação e a ideologias diferentes. Significou que notícias do mundo inteiro podiam ser espalhadas sem passar pelos filtros das grandes agências e sem a necessidade dos meios de comunicação de massa como canais. Veículos pequenos chegam aos seus públicos com maior facilidade e, através deles, em novas audiências. O custo de produção e veiculação no digital é menor, permitindo que novos conteúdos fossem publicados, sem a necessidade de um grande capital ou concessão do Estado. Por outro lado a fonte e a veracidade da informação se tornaram ainda mais questionáveis. Assim como no Renascimento, falta ainda para o público internauta, que aos poucos aprende a usufruir do universo digital, crítica e discernimento para selecionar as fontes e conteúdos confiáveis. Em resposta a isso o público ainda vê menos credibilidade na internet do que nos meios tradicionais de comunicação, que por sua vez são menos críveis que a comunicação boca a boca (BEKHOR, 2015). Neste contexto, a abordagem de outros tipos de informações comunicadas, o jornalismo e o entretenimento, nos servem para apresentar primeiramente um panorama geral das relações entre mídia, comunicação interpessoal e redes, para depois nos aprofundarmos em informações mercadológicas e, no capítulo 3, em publicidade. Devido ao custo mais baixo de produção e veiculação e da aposta de marcas em comunicação nos canais digitais, também devido a custo, a internet se torna a principal fonte de notícias, fazendo com que muitos jornais e revistas impressos precisassem fechar suas portas ou manterem apenas suas versões digitais. Assim, há a necessidade de se fazer essa transição, porém também muitos desafios a serem vencidos. Além do fator da credibilidade, já mencionado, os veículos encontram dificuldades para atingir o leitor no ambiente online. Em


33

meio a tanto conteúdo, seja noticioso, de entretenimento ou publicitário, o jornalismo precisa se adaptar ao novo meio, entendendo como o usuário se comporta neste cenário, para melhor atingi-lo e ser melhor ouvido. O entretenimento também se modificou. A internet possibilitou o acesso a conteúdos de fora das fontes hegemônicas atuais. Também modificou os formatos que atraem e divertem os usuários. Ocorreu o surgimento dos memes, dos vídeos virais, que se espalham pelas mídias sociais como vírus (BOTHA; REYNEKE, 2013, p. 161), e sites que se apoiaram em alguns formatos como o Buzzfeed e o Vice se tornaram gigantes de comunicação digital, estando no topo dos rankings de tráfego.14 Veículos de notícias e entretenimento já estão reagindo agiram a essas mudanças. Enquanto os veículos de entretenimento estão usando os aprendizados que tiveram sobre como conquistar leitores para agora fazerem jornalismo, os veículos de notícias estão aprendendo como se adaptar ao universo digital, e como usar conquistar leitores, em meio a concorrência, utilizando novos formatos e comunicando o que usuário quer ler. No fim, os veículos de comunicação considerados sérios percorrem o caminho inverso ao dos que até pouco tempo atrás podiam ser vistos como puramente virais. Scott Lamb, vice-presidente internacional do BuzzFeed (empresa que atua em sete mercados distintos, incluindo o latino), considera que os veículos tradicionais não devem agora começar a frivolizar seus conteúdos, mas sim a conseguir boas histórias e distribuí-las adequadamente. (VERDÚ, 2015)

A passos lentos, os veículos que antes trabalhavam somente nas mídias de massa estão aprendendo a atingir um grande número de usuários de novas maneiras no digital. Compreendendo que a internet pede conteúdos e formatos específicos para ela. Que o internauta pede conteúdo relevante, que o cative, engaje e o emocione. Um conteúdo que não apenas o interesse em meio a tantos outros, mas que também se conecte com ele e o estimule a compartilhar. Sendo um meio caracterizado pelo dinamismo e pela velocidade, a internet faz com que seus usuários favoreçam formatos que respondam a essas características. Assim, os veículos estão aprendendo a fazer conteúdos de qualidade, com formatos específicos para a internet, com o objetivo de gerar boca a boca e através dele atingir mais pessoas.

14

Segundo o Google Analytics o Buzzfeed possuí 175 milhões de usuários únicos (VERDÚ, 2015).


34

2.5.3 As possibilidades para o consumidor, o prossumidor e os desafios do mercado Do ponto de vista mercadológico, passando a falar de consumidores, assim como na busca por informação jornalísticas e do entretenimento, o digital abriu uma série de possibilidades para os consumidores, principalmente no que se refere a comunicação entre eles, ou o boca a boca. Em primeiro lugar, permitiu que consumidores procurassem com facilidade informações sobre produtos e marcas em outras fontes que não as próprias empresas. Novas mídias e aplicativos surgem, constantemente, na internet, abrindo diversas possibilidades de contato entre os consumidores. Essas trocas se configuram como um fato novo na propaganda, desafiando a ordem estabelecida pela comunicação massiva há décadas. (DOMINGUES, 2013, p. 55).

Os consumidores estão buscando na internet informações imparciais sobre produtos, serviços e marcas. Encontram isso através opinião de outras pessoas no mesmo nível que eles, sem interesses aparentes. O consumidor está se voltando ao boca a boca para se informar. Ao mesmo tempo em que busca, e encontra, a informação sobre produtos, o consumidor passou a enxergar na internet a possibilidade de expressar suas próprias opiniões sobre os produtos que consumiram, os serviços que experimentaram e as marcam com as quais interagiram. Como veremos mais adiante, os consumidores estão descobrindo todas as possibilidades e o poder que a internet dá a eles. Com as mídias digitais e a intensa troca de informações na internet, os consumidores se sentem à vontade para expor seus pontos de vista próprios, destacando para milhares de outros consumidores o que é significativo para eles em relação a essa ou aquela marca. (DOMINGUES, 2013, p. 51).

Uma terceira possibilidade apresentada ao consumidor com a internet é a do feedback. A comunicação que antes era unidirecional entre empresa e consumidor passou a ter diferentes formas e sentidos. Hoje o consumidor pode responder as empresas (MOTTA, 2014, p. 32). Pode comunicar a ela o que gosta e o que não gosta, reclamar, pedir respostas sobre experiências ruins e exigir seus direitos. Como última possibilidade, na internet o consumidor pode fiscalizar as marcas e empresas. Com informações partindo de diversas fontes ele fica sabendo das ações de suas sobre diferentes pontos de vista. Também consegue observar se há coerência e veracidade nos


35

discursos por elas proferidos. Bruna Motta resume em seu trabalho as possibilidades que a internet apresenta ao consumidor: Graças à internet, todo usuário está apto a obter informações sobre aquilo que deseja a partir de poucos cliques. Além do acesso a informação, a internet também facilita a fiscalização, por parte dos usuários, a estes conteúdos visto que ao identificar um erro ou uma informação incompleta este usuário quase sempre poderá enviar um feedback ou até mesmo um comentário salientando estas falhas. Essa possibilidade de resposta – pública ou não; escrita ou não (através de ‘likes’ ou ranqueamento) – empodera os usuários, dando a eles a função de avaliadores e endossadores dos conteúdos disponibilizados. (2014, p. 40)

A apresentação dessas possibilidades, em associação com uma modificação no modelo de consumo, que o tornou mais consciente, alterou o perfil do consumidor. Kotler (2010) define o perfil do "consumidor 3.0", um consumidor que expõe sua opinião, colabora, envia feedback às empresas e, como consequência, ajuda o mercado a entender seu cliente (MOTTA, 2014, p. 30). Esse perfil de consumidor é chamado de prossumidor. De maneira simples, o prossumidor é o cliente que interfere, através do boca a boca e outras SIs nas decisões de compras e atitudes de outros consumidores e nas estratégias mercadológicas de outras empresas (Ibidem, p. 33). Motta identifica diferentes tipos de prossumidores, com diferentes níveis de consciência e envolvimento. Em um extremo está o prossumidor não-consciente, que de maneira involuntária fornece feedback para as empresas. Esse feedback automático é feito através de dados gerados por algoritmos, que hoje regem todos os direcionamentos de mídia no ambiente online. No outro extremo, passando pelo prossumidor parasita, o indeciso, o partícipe e o proativo, está o prossumidor engajado. Esse perfil possuí um alto envolvimento com o produto. Ele voluntariamente expõe sua opinião e está disposto a dedicar o seu tempo para responder às réplicas e defender sua avaliação, seja ela positiva ou negativa (Ibidem, p. 36-37). Podemos crer que um prossumidor mais engajado, que se interessa e desenvolve um assunto, também exerce o papel de líder de opinião sobre uma área, apesar de não haver estudos que comprovem isso. Esse novo perfil de usuário está alterando as práticas de consumo, a relação com os meios de comunicação atuais e com empresas e marcas. Empresas precisam procurar entender esse consumidor e compreender as transformações que eles estão gerando. Precisam estar preparadas para responder a elas. É um novo cenário no qual as empresas precisam se adaptar. Um cenário de possibilidades, mas também de desafios.


36

Neste cenário que a comunicação entre consumidores, devido a descrença com as mídias de massa e o fortalecimento das conexões entre eles, se fortifica, a internet torna possível algo que antes era difícil e custoso para as empresas: a mensuração das conversas, tanto em quantidade, como em conteúdo, que o consumidor gera sobre seus produtos e serviços. Hoje em dia, é possível, com certa facilidade, saber o que os consumidores estão pensando a respeito, o quanto estão engajados e que sentimentos e atitudes tem perante suas marcas. Frente a isso, as empresas tem algumas opções de como se apresentar e agir: primeiramente apenas como observadora, coletando informações através das mensagens transmitidas pelos consumidores e usando como feedback para sua comunicação e seus produtos. Um segundo modo é como moderador, favorecendo e dando espaço para os consumidores se expressarem. Este é o caso de lojas que abrem espaços para os consumidores comentarem sobre seus produtos em seus sites e redes sociais. Uma terceira forma das empresas usarem comunicação boca a boca na internet ao seu favor é como mediadora, gerindo ativamente o word-of-mouth. Uma última forma é como participante, mais agressivamente a empresa se coloca como mais um agente nas conversas a seu respeito (GODES; MAYZLIN, 2005, p. 421). Por outro lado esse contexto exige que as empresas se posicionem. Seja através de mudanças estratégicas ou de comunicação, elas precisam mostrar ao consumidor que o estão ouvindo. Precisam aprender, como ampliar e fortalecer o seu relacionamento com seu público. "Digo o tempo inteiro para todos os clientes daqui: já estão falando de você. Ter uma presença nas redes sociais significa decidir se você quer participar dessa conversa ou não" (VALENTE, 2010 apud DOMINGUES, 2013, p. 48). A comunicação digital permite que as empresas entrem e participem das conversas que os consumidores tem sobre elas e ao seu respeito. Possibilita que a resposta a um indivíduo seja personalizada e direcionada e não mais massiva. As vozes dos consumidores, tanto na informação, no entretenimento e no aspecto mercadológico, se apresentam como um rompimento com o discurso monolítico e hegemônico apresentado pelas mídias de massa até agora. Em oposição a publicidade e outras ações do mix de comunicação de uma marca, o boca a boca é a comunicação sem interesses e mais crível. Os prossumidores articulam a pluralidade de opiniões, e intensificam o fluxo de informações entre eles. Agora, no âmbito do consumo, é preciso procurar entender qual é o nível de influência da comunicação boca a boca entre consumidores, principalmente frente a publicidade tradicional. Desenvolver tanto a relação entre o WOM e a propaganda pelo ponto


Â

37

de vista do consumidor, mas tambĂŠm como as empresas podem trabalhar para melhor atingir e se relacionar com seus pĂşblicos, atingindo seus objetivos.


38

3 PUBLICIDADE E BOCA A BOCA As mudanças na relação com a mídia, sua perda de credibilidade, alteração nos formatos e conteúdos interessantes para o público e no comportamento do consumidor em busca e compartilhamento de informação, alteraram também a relação com a publicidade. A internet possibilitou que os consumidores fossem atingidos por propagandas de outros formatos, outros conteúdos e em diferentes frequências, de maneira muito mais segmentada. O boca a boca se tornou mais relevante. O contexto contemporâneo apresenta diversos desafios para as empresas em estratégias de mercado, mas também em suas estratégias de comunicação. Nesse capítulo pretende-se explorar os desafios apresentados a comunicação e a publicidade, entender como o boca a boca surge neste cenário e com quais possibilidades e ferramentas as empresas e agências podem trabalhar para atingirem seus objetivos. 3.1 A PERDA DA EFETIVIDADE DA PUBLICIDADE TRADICIONAL Com o início da perda de credibilidade das mídias de massa, durante a década de 90, começou também uma perda de credibilidade e efetividade da publicidade nos seus formatos tradicionais. Até então, a propaganda institucional, veiculada através dos meios de comunicação de massa, era o principal discurso sobre marcas e produtos. Porém nas últimas décadas esse cenário tem se alterado. As razões para a perda de credibilidade da publicidade tradicional são diversas. Em primeiro lugar, está diretamente ligada a perda de credibilidade nas mídias de massa e na conscientização do consumo. Em segundo lugar, ocorre uma saturação do consumidor com propaganda, conforme uma pessoa é atualmente bombardeada por conteúdo publicitário praticamente em todos os momentos do seu dia, através de inúmeros canais. No rádio a caminho para o trabalho, em banners em todos os sites e redes sociais, nos comerciais e merchandisings na novela e por aí vai. Para conviver com esta exposição, o consumidor cria filtros para selecionar o que vai reter sua atenção, com frequência passando a ignorar o resto. O segundo ponto é que consumidor está mais "alfabetizado em propaganda", ciente de suas intenções, de seus artifícios, das fórmulas que usam para estimular o consumo dos produtos comunicados. O consumidor sabe que a verdade da publicidade é muitas vezes distorcida, fantasiada e embelezada.


39

A publicidade está perdendo gradualmente o seu poder diante o consumidor pósmoderno (MOTTA, 2014, p. 103) que, mais consciente, passa a buscar outras fontes de informação, livres de vieses e intenções de vendas. Como indiciou o estudo "Millenials as Brand Advocates", a geração Y crê cada vez menos em publicidade e cada vez mais em amigos ou até mesmo anônimos na internet (SEGURA, 2013). A opinião de outras pessoas tem influência direta nas decisões de compra dessa geração. 3.2 O FORTALECIMENTO DO WOM Procurando por mais credibilidade o consumidor está se voltando às diversas formas de comunicação boca a boca, opiniões de pessoas sem interesses de vendas, consumidores como eles, livres para falarem o que realmente pensam de suas experiências, sejam positivas ou negativas. Os consumidores voltam-se para o boca a boca como uma maneira nova e confiável de propaganda. Cerca de 90% dos consumidores entrevistados confiam nas recomendações dos conhecidos. Além disso, 70% dos consumidores acreditam nas opiniões dos clientes postadas na Internet. (KOTLER et al., 2010, p.34-35).

Como vimos, a comunicação interpessoal sempre foi um fator relevante para a transmissão de informações e influência de escolhas, porém até o advento da internet o boca a boca, apenas de forma oral e face-a-face, não representava uma fonte de fácil acesso a informações específicas sobre determinado produto ou serviço. Para encontrar determinada informação o consumidor precisava encontrar alguém que já havia experimentado o produto ou algum líder de opinião sobre determinado assunto. Hoje em dia, a internet permite que a comunicação boca a boca ocorra sem a presença simultânea de emissor e receptor. O emissor de uma opinião a emite esperando que se espalhe e atinja a quem ela seja interessante. Do outro lado o consumidor que busca alguma informação consegue encontrar opiniões que foram deixadas em diversos locais da internet e até mesmo muito tempo antes da pesquisa. Possibilita que pessoas que não se conhecem e estão geograficamente distantes conversem e troquem informações. Uma pesquisa através do Google hoje, resulta em uma lista que varia entre propagandas pagas, informações em sites especializados e opiniões de indivíduos, em blogs, nas próprias páginas e sites das marcas, fanpages independentes. Sites e outras ferramentas,


40

como aplicativos, com o foco em críticas de consumidores se tornaram bastante populares. Este é o caso do Reclame Aqui e do aplicativo Foursquare, que iniciou também como uma rede social de check-in e se especializou como um recomendador de restaurantes, locais de entretenimento e vida noturna, a partir da opinião dos próprios consumidores. Observa-se assim que, enquanto a publicidade tradicional tem perdido a sua credibilidade frente ao consumidor, o boca a boca tem se fortalecido e sua influência se tornado ainda maior. Já não é mais a TV, o rádio ou uma celebridade que o influenciam, mas um blog, os comentários sobre um produto em um fórum, em uma comunidade do Orkut, um vídeo no YouTube, um e-mail de um amigo, a opinião deixada na Web por alguém que já utilizou o produto ou serviço pesquisado. (TELLES, 2009, p. 90 apud DOMINGUES, 2013, p. 57).

Diversas pesquisas tem passado a estudar a contribuição do WOM nas escolhas de compras em comparação com a publicidade e outras formas de comunicação institucional. Um desses estudos, realizado por Robert East, Kathy Hammond, Wendy Lomax e Helen Robinson, analisou que em 16 de 23 categorias de produtos e serviços a recomendação, uma das formas de boca a boca, teve mais impacto do que publicidade. Além desse resultado, em média, 31% dos respondentes desse estudo citaram word-of-mouth como fator principal para uma escolha, enquanto apenas 14% citaram propaganda. Os autores concluem: "Estes números sugerem que os planos de comunicação poderiam ganhar em eficácia se forem concebidos para promover a recomendação" (2005, p. 154, tradução nossa)15. A importância da comunicação boca a boca não pode ser mais ignorada pelas empresas. Ao mesmo tempo que os consumidores exigem serem ouvidos e respondidos nesse novo contexto de comunicação, não mais unidirecional, entre marcas e públicos, as marcas precisam se destacar e criar estratégias para atingí-los de maneira mais eficiente. Com o objetivo de gerar mais vendas e alcançar mais consumidores as marcas necessitam pensar em como gerar conversação sobre os seus produtos e serviços. Boca a boca não é mais um atributo interessante das marcas possuírem, mas necessário (KELLER; FAY, 2012, p. 3). Existem duas maneiras, de modo geral, pelas quais as marcas podem trabalhar o boca a boca: como canal, ou como fonte, não sendo excludentes. No primeiro caso, o consumidor se torna um meio de comunicação, usado para dissipar e distribuir a mensagem pelas redes sociais das quais fazem parte. Em entrevista ao Jornal da Record News, o publicitário 15

Tradução livre da autora: “These figures suggest that communications plans could gain in effectiveness if they are designed to promote recommendation” (EAST, HAMMOND, LOMAX; ROBINSON, 2005, p. 154)


41

Washington Olivetto falou a respeito de sua "obsessão em criar coisas que transforme o consumidor em mídia, que faça o consumidor sair repetindo nas ruas." (2015). A segunda maneira com a qual a comunicação pode trabalhar o boca a boca, é promovendo credibilidade e endosso, entendendo o consumidor como fonte, ou intermediário, da mensagem. WOM remete a credibilidade para o consumidor e devido a isso "Busca-se cada vez mais o endosso das marcas através da publicidade boca a boca, gerada de forma gratuita pelos próprios usuários ou receptores de mensagens." (MOTTA, 2014, p. 44). 3.3 COMO PUBLICIDADE PODE GERAR BOCA A BOCA Para os pesquisadores que estudam a comunicação boca a boca, está claro que descobrir mais a respeito dessa forma de comunicação irá gerar insumos para se criar campanhas mais efetivas na produção de WOM (BERGER; SCHWARTZ, 2011, p. 869). Ed Keller e Brad Fay em seu trabalho "Word-of-Mouth Advocacy: A New Key to Advertising Effectiveness" (2012) desenvolvem como gerar boca a boca é fundamental para as empresas. Dada a importância do WOM para a forma como os consumidores tomam decisões, o modelo de publicidade tradicional precisa mudar. O objetivo para marqueteiros deve ser o de criar anúncios que faíscam conversas; em seguida, a conversa convence o prospeto, o que leva a uma compra. (KELLER; FAY, 2012, p. 2, tradução nossa)16

O que se fala hoje é em como utilizar a publicidade e as novas oportunidades da mídia digital para estimular o boca a boca. Gerar a faísca mencionada por Keller e Fay e estimular o compartilhamento de conteúdos relacionados a suas marcas. Robert East e seus colegas identificaram que "Publicidade pode aumentar WOM em uma série de maneiras: tornando o produto saliente, fornecendo informações sobre o produto que podem ser utilizadas quando dando conselhos, e simulando o processo de dar conselhos" (EAST; HAMMOND; LOMAX; ROBINSON, 2005, p. 146, tradução nossa)17 O conjunto de estratégias e ações institucionais voltadas para a geração de boca a boca é chamado de WOM marketing (WOMM) ou marketing boca a boca. Como já visto, 16

Tradução livre da autora: “Given the importance of WOM to the way consumers make decisions, the traditional advertising model needs to shift. The objective for marketers should be to create advertisements that spark conversation; the conversation then persuades the prospect, which leads to a purchase” (KELLER; FAY, 2012, p. 2) 17 Tradução livre da autora: “Advertising may increase WOM in a number of ways: by making the product salient, by supplying information about the product that can be used when giving advice, and by simulating the advice-giving process” (EAST; HAMMOND; LOMAX; ROBINSON, 2005, p. 146)


42

empresas podem agir de uma série de maneiras no novo contexto de comunicação, mídia e consumo. O marketing boca a boca é uma estratégia que presume que a empresa não permanecerá passiva e sim procurará estimular a conversação. Suzanne Fanning, presidente da Word-of-mouth Marketing Association (WOMMA) em entrevista a revista Forbes destaca as principais características para qualquer estratégia de WOMM: "crível, social, repetível, mensurável e respeitosa." (2014, tradução nossa).18 Uma categorização mais recente divide o WOM orgânico, que ocorre naturalmente, e o WOM inorgânico, estimulado pelas empresas (TRUSOV; BUCKLIN; PAUWELS, 2009, p. 98). Essa categorização se expande também para a mensuração dos esforços de mídia e publicidade no digital, principalmente nas redes sociais. O WOMM procura aumentar o boca a boca orgânico em relação ao um investimento de comunicação. 3.3.1 Publicidade como gatilho e tópico de WOM A internet abriu uma série de possibilidades para o marketing boca a boca. Porém, assim como no jornalismo, perante a comunicação off-line, ela ainda sofre uma série de desvantagens. A perda de credibilidade da publicidade afeta ainda mais a propaganda online, cujo meio sofre ainda mais descrença. Estudos comprovam que a internet ainda é vista como "terra de ninguém" e por isso seus conteúdos ainda menos confiáveis. Dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 mostraram que 23% dos consumidores acreditam em propagandas no meio digital, enquanto a média para televisão, jornal e revista chega a 43% de confiança (BEKHOR, 2015). Uma outra vantagem do off-line foi estudada por Andreas B. Eisingerich, HaeEun Helen Chun, Yeyi Liu, He (Michael) Jia e Simon J. Bell (2015). Eles descobriram que as pessoas estão mais inclinadas a compartilhar mensagens e suas opiniões no off-line, através de um contato mais direto, do que online nas redes sociais. Isso acontece pois o risco social apresentado pelas redes sociais, nas quais a comunicação é de um para muitos, é maior. Como o consumidor utiliza o boca a boca também como forma de autovalorização, ele se preocupa com os riscos a sua imagem que o compartilhamento com um número alto de pessoas oferece (EISINGERICH et al., 2015, p. 121-122).

18

Tradução livre da autora: “Keep in mind that a good WOMM strategy is credible, social, repeatable, measurable and respectful. Dishonesty is NEVER acceptable.” (FANNING, 2014). Resposta dada a pergunta: “Are there any consistent characteristics that successful WOMM campaigns tend to have?” (WHITLER, 2014)


43

Um terceiro ponto de desvantagem do digital é um desafio para os anunciantes atingirem seu público. Enquanto as mídias de massa atingem quantidades enormes de pessoas, mas sem haver segmentação, no digital os algoritmos dificultam a mensagem a impactar o consumidor de maneira orgânica. No Facebook, por exemplo, apenas 1% ou 2% dos fãs de uma página irão visualizar um post se não houver mídia. É preciso investir em mídia e fazer as pessoas curtirem e compartilharem sua mensagem, afim que ela chegue em mais consumidores. No primeiro caso, o post patrocinado, há rejeição, com 67% dos millenials dizendo nunca haver clicado em uma propaganda desse tipo (SEGURA, 2013). O segundo caso leva a aceitação, conforme o consumidor vai buscando cada vez mais outro como ele para ser sua referência. Assim, antes de explorar as oportunidades que o digital traz, é preciso falar de maneira prática como a publicidade tradicional, nas mídias off-line, pode estimular WOM. Como disseram tanto Keller e Fay (2012), quanto East, Hammond, Lomax e Robinson (2005), a publicidade tradicional não deixa de ter importância. É preciso apenas pensar em como usá-la para gerar mais boca a boca, onde quer que este ocorra. Uma das maneiras que isso pode ocorrer é criar propagandas, veiculadas nas mídias tradicionais, que sejam interessantes, surpreendentes ou emocionantes para fazer os consumidores falarem sobre elas. É trabalhar a publicidade como um dos gatilhos de boca a boca. Para isso a propaganda precisa ser digna de ser comentada, nenhum consumidor irá falar de coisas desinteressantes uma vez que, como já visto, o boca a boca também é usado como forma de autopromoção. Keller e Fay citam uma pesquisa própria de 2009, na qual descobriram que 20% do WOM se refere a publicidade paga na mídia (apud KELLER; FAY, 2012, p. 4). Porém, há um cuidado a ser tomado ao trabalhar a publicidade como gatilho e tópico de conversação. Existe o risco da peça publicitária se tornar mais importante do que a própria marca ou produto que está sendo comunicada. Uma outra forma de comunicação tradicional que está sendo usada para gerar wordof-mouth é o buzz marketing. Essa prática já consagrada consiste em dar a voluntários produtos novos para serem experimentados e pedir que eles comentem com outros (EAST; HAMMOND; LOMAX; ROBINSON, 2005, p. 146). Schwartz e Berger (2011) ao estudarem o que gera boca a boca imediato ou contínuo, focaram em que tipos de brindes geram mais WOM, sendo assim mais interessantes para as marcas. Como conclusão chegaram que: Dando o próprio produto fornece mais experiência, e este foi o brinde mais fortemente ligado ao aumento WOM, em média. Além disso, embora extras não fornecem experiência com o produto, eles podem aumentar WOM


44

porque eles agem como uma dica, aumentando a acessibilidade do produto e tornando-o mais susceptível de ser mencionado. (SCHWARTZ; BERGER, 2011, p. 874, tradução nossa)19

De maneira mais geral as formas mais tradicionais de publicidade, nas grandes mídias como TV, jornal, revista e rádio, estimulam o boca a boca ao tornar um produto mais visível, o consumidor mais informado e agir como gatilho para a conversa, não importando se é um produto novo ou em estágio mais avançado de vida. 3.3.2 Viral, influenciadores e as possibilidades da internet As mídias tradicionais de massa, porém, estão limitada a uma série de formatos comercial de 30', spot de 15', página simples e página dupla - e segmentações - horário, região, público do veículo ou do programa. A internet, por sua vez possibilita diferentes formas de segmentação, novos formatos, novos conteúdos e novos objetivos para a comunicação. Alguns desses formatos e conteúdos se destacam por gerar WOM. Apesar de não ser exclusivo do online, o viral se tornou ainda mais importante no digital. Compreendido como uma mensagem ou conteúdo que se espalha através das redes sociais como um vírus, são resultado e causa de boca a boca. Um conteúdo, qualquer que seja, se torna viral quando é comentado, ou compartilhado, por muitas pessoas, atingindo um público grande. Segundo nossos modelos, sua taxa de adesão é rápida e ele contagia pessoas dentro de uma rede social e através delas em alta velocidade. Em sua maioria desapropriados de marcas, os virais são também memes, vídeos fofos e engraçados. Um dos primeiros vídeos virais do YouTube foi "Lazy Sunday" uma esquete do programa Saturday Night Life que, depois de ir ao ar em dezembro de 2005, foi colocado na plataforma e chegou aos 5 milhões de visualizações até fevereiro de 2006, quando a pedidos da NBC Universal foi tirado do ar (POLLACK, 2006). Hoje este já é um número pequeno. O clipe de "Gangnam Style" (2012), quebrou o contador de visualizações do YouTube ao atingir 2.147.483.647, número máximo que o algoritmo comportava (LAFLOUFLA, 2014). Para

objetivos

mercadológicos

virais

também

tem

sido

importantes.

Mensagens virais estão desempenhando um papel cada vez mais importante, influenciando a opinião pública sobre temas como a reputação das empresas,

19

Tradução livre da autora: “Giving away the product itself provides the most experience, and this was the giveaway most strongly linked to increased WOM, on average. Moreover, although extras do not provide product experience, they may boost WOM because they act as a cue, increasing product accessibility and making it more likely to be mentioned.” (SCHWARTZ; BERGER, 2011, p. 874)


45

produtos, marcas, personalidades públicas e partidos políticos para citar apenas alguns. (BOTHA; REYNEKE, 2013, p. 161, tradução nossa)20.

Assim como na publicidade tradicional, para se tornar tópico de conversação e a partir disso um viral, uma mensagem precisar ter conteúdo relevante, como iremos explorar mais adiante. Na publicidade tradicional se trabalha muito com celebridades para endossar uma mensagem comercial. Espera-se que um artista ou famoso agregue ao produto características relacionadas a ele, reforce os argumentos aspiracionais e leve mais consumidores a compra. No digital o endosso da celebridade e o boca a boca se unem em uma só figura: o influenciador. O influenciador pode ser considerado uma celebridade da internet. Produzindo algum conteúdo próprio ele se tornou relevante e adquiriu uma série de fãs. São blogueiros, instagramers, youtubers. Em seus canais focam em tópicos específicos, dentro de uma especialidade. Diferentemente de uma celebridade, claramente paga pelo anunciante, muitas vezes distante do produto e da marca e afastada do consumidor, um influenciador é mais próximo do consumidor, mais "gente como a gente", mais expert em determinado assunto e assim, sua recomendação, mesmo que paga, mais próxima do boca a boca. Influenciadores são usados de diversas maneiras para se falar de um produto ou marca. Algumas vezes são chamados para serem as estrelas da campanha, ocupando o exato espaço onde uma celebridade estaria. Em diversos casos o influenciador é contatado para gerar conteúdo próprio sobre um produto, marca ou campanha. Este último caso acontece quando um influenciador é pago para participar de alguma campanha que já pressuponha engajamento do consumidor, como o uso de hashtags e fotos com determinadas composições e temas. Frequentemente tanto celebridades, quanto influenciadores se engajam dessa maneira em campanhas beneficentes em prol de causas humanitárias. O que ocorre com mais frequência é o uso dos influenciadores para reviews e opiniões sobre produtos, principalmente lançamentos. Blogs de maquiagem recebem lançamentos de cosméticos; sites de filmes, convites para pré-estreias; canais de videogames, demos ou até mesmo o próprio jogo antecipadamente. A eles é pedido que se fale do produto, que experimente e mostre os resultados, suas opiniões. É a versão online do buzz. O influenciador 20

Tradução livre da autora: “Viral messages are playing an increasingly important role in influencing public opinion about topics such as corporate reputations, products, brands, public personalities, and political parties to name but a few" (BOTHA; REYNEKE, 2013, p. 161)


46

é usado como ponte para atingir toda a sua base de fãs e se possível, por boca a boca, ainda mais pessoas. Com grande frequência o influenciador, além de receber o produto, é pago para ao falar dele e comentar apenas positivamente. Um artigo do código ético do CONAR coloca que conteúdos pagos por anunciantes precisam ser sinalizados como tais, a fim de tornar a informação encontrada pelo consumidor mais verdadeira (IKEDA, 2014). Não é sempre que isso acontece na realidade. Muitas vezes um publipost, como é chamado esse tipo de conteúdo, é apresentado como qualquer outro, com o objetivo de torná-lo um boca a boca, aparentemente sem interesse, e gerar mais credibilidade. Essa prática, além de poder gerar uma perda de confiança do consumidor, leva a multas para as marcas. Quando o influenciador não recebe nenhum pagamento, somente o produto, fica a cargo dele falar ou não falar e o que falar. O anunciante corre o risco de ter seu produto criticado negativamente. Para o influenciador, no entanto, é interessante falar do produto mesmo que não seja pago por isso. Para se tornar referência em determinado assunto, é fundamental falar do que há de mais novo. Um blog sobre cinema, por exemplo, deve comentar os lançamentos assim que possível. Por esse mesmo motivo, mesmo influenciadores que não chegam a receber nenhum tipo de benefício, que ainda possuem uma base de fãs baixa, acabam gerando boca a boca. Para as empresas e agências, o desafio com influenciadores é escolher as pessoas certas para falar de um produto ou serviço. A compatibilidade entre influenciador, marca e produto leva a uma comunicação verossímil, crível, mais assertiva e que melhor irá influenciar o consumidor. Uma consumidora que segue um blog de beleza, por exemplo, se interessará em maquiagens, com toda a certeza, porém um anuncio de um videogame novo através desse blog não será tão relevante para ela. Pesquisas já focam na influência exercida por esses blogueiros, instagramers e youtubers nas compras. Uma pesquisa realizada para a Variety com adolescente americanos entre 13 e 17 anos apontou que as celebridades do YouTube são mais atraentes para este público, a frente de celebridades como Jennifer Lawrence. A pesquisa também apontou que os youtubers são mais relacionados com características mais influenciadoras de compras, como engajadores e relacionáveis. Os jovens apreciam a autenticidade e a intimidade que as experiências com as celebridades da web possuem, o que não acontece com estrelas de Hollywood (AULT, 2014). Os influenciadores são os principais líderes de opinião no mundo digital. Se encontram no grupo de primeiros adeptos, segundo o modelo de Rogers (1983), estando


47

atualizados em suas áreas e fazendo a tradução para que seus influenciados melhor compreendam uma mensagem. Também possuem características que os tornam bons comunicadores e credibilidade. São assim, excelentes pontes entre marcas e consumidores. 3.3.3 Engajamento, segmentação e conteúdo A presidente da WOMMA, Suzanne Fanning, além de reforçar a importância de estratégias para gerar WOM, explica o que os marqueteiros tem errado até agora. Ao invés de engajarem o consumidor, o emocionar e torná-lo um brand lover e um brand advocate, um consumidor que defende a marca, gera boca a boca sobre ela e a defende, as empresas estão focadas em conseguirem números. É a quantidade, de fãs na fanpage da marca e de campanhas iniciadas, sobre a qualidade, a força da relação com eles e a relevância do conteúdo (2014). Consumidores mais engajados, mais equipados e mais empoderados são consumidores que irão gerar mais boca a boca. Fanning (2014) aponta esses 3 como os 3 E's do marketing boca a boca: engajar, se tornar presente na vida do consumidor, participar de conversas com eles; equipar, dar motivos para os consumidores falarem sobre sua marca, sendo essencial entender o público e dar a ele o que ele precisa; e empoderar, mostrar ao consumidor que ele é importante e que o compartilhamento das suas opiniões também, dar a eles a possibilidade de gerar conversações. A internet abre a possibilidade das marcas estarem mais próximas dos seus consumidores, criarem relacionamentos com eles, os engajarem em suas causas. Apesar de isso ser também possível nas mídias off-line, o digital oferece duas oportunidades para as marcas: a segmentação de mídia e a variedade de formatos e conteúdos. A segmentação de mídia possível na internet, permite que marcas se comuniquem de forma mais assertiva para o consumidor e iniciem com ele conversas que lhe sejam relevantes. Ao contrário das grandes mídias de massa, que atingem um grande número de pessoas com uma só mensagem, a internet permite levar para cada consumidor uma mensagem mais específica. Os grandes veículos da internet, Google (com YouTube), Facebook, Twitter e outros, permitem uma série de segmentações diferentes. Indo além da segmentação demográfica ou geográfica, possibilitam segmentações por gostos, estilo de vida, comportamento. Através das informações cedidas pela pessoa, ou mesmo as páginas curtidas no Facebook, as pesquisas que ela realiza, os veículos podem encontrar perfis bastante específicos para


48

segmentar. Mães são atingidas com propagandas e links sobre maternidade, jogadores de videogames impactados com conteúdos relacionados a esse universo, dentre outros exemplos possíveis, muitas vezes de forma indesejada. Um conteúdo assertivo e relevante para o consumidor é importante para fazê-lo compartilhar e gerar boca a boca. Bothe e Reyneke (2013), descobriram em seu estudo que no caso de um conteúdo específico, a maior parte das peças publicitárias, a familiaridade com o conteúdo é requisito para gerar uma reação emocional e assim compartilhamento. Pode-se concluir que, no caso de vídeos com conteúdos específicos, os sentimentos dos espectadores sobre um vídeo são dependentes de sua familiaridade com o conteúdo. Quando os espectadores estavam familiarizados com o conteúdo, eles geralmente tiveram uma reação emocional mais forte para o vídeo, mas quando o conteúdo não era familiar para os telespectadores, tiveram pouca ou nenhuma reação emocional ao vídeo. No entanto, os telespectadores necessitam se conectar emocionalmente com os vídeos antes de enviar os vídeos para os seus amigos e familiares. (BOTHE; REYNEKE, 2013, p. 168, tradução nossa)21

Dessa maneira a segmentação de conteúdos e mensagens é importante para, além de estimular a venda no público correto, incentivar o boca a boca. Assim como disseram Bothe e Reyneke, o conteúdo também é importante, pois para o consumidor considerar comentar sobre alguma mensagem é preciso gerar uma reação emocional. Essa reação pode ser diversa, de alegria ao achar algo engraçado, à comoção, se emocionando com alguma história. O importante é

que o conteúdo seja interessante,

surpreendente, interessante, relevante, interaja com o usuário e o estimule a comentar com outros. Mas a parte mais legal disso tudo é a importância do conteúdo. Ele tem que ser compartilhável. Porque sendo compartilhável, ele é a força que vai mover as pessoas a enviá-lo para os seus amigos. Não adianta ser um conteúdo mais do mesmo. Ele tem que ser diferente, tem que envolver e comover as pessoas. Tem que fazer com que as pessoas se mexam. Tem que fazer com que as pessoas queiram ganhar alguns pontos com seus amigos mostrando algo novo com o famoso ‘Viu isso?’ ou ‘Vi esse texto e lembrei de você’. É isso que vai fazer com que ele se espalhe com mais facilidade. É isso que temos que entender sempre. Por mais que seu site esteja otimizado para as redes sociais, quem manda ainda é o conteúdo e você saber o que faz com que a sua comunidade se movimente. (SOLLERO, 2012)

21

Tradução livre da autora: “It can be concluded that in the case of specific video content, the viewers’ feelings about a video are dependent on their familiarity with the content. Where viewers were familiar with the content, they generally had a stronger emotional reaction to the video, but where the content was unfamiliar to the viewers, they had little, if any, emotional reaction to the video.However, viewers needed to connect with the videos emotionally before sending the videos on to their friends and family.” (BOTHE; REYNEKE, 2013, p. 168)


49

Conteúdos e formatos banais até funcionam por um certo tempo, mas com uma mudança em algoritmos ou mesmo no que atrai o consumidor, o que está em constante alteração, tudo construído por uma marca pode ir ao chão. Por outro lado, conteúdo de qualidade, que construa uma relação de confiança entre marca e consumidor, é uma estratégia que irá durar a longo prazo. É preciso achar um equilíbrio entre o que as marcas querem falar e o consumidor quer ouvir, se afastando da publicidade tradicional que apenas comunica, para uma que engaja e gera conversa. Foque no conteúdo e não pense em curto prazo. Confiança precisa de tempo. E é essa confiança, que a sua comunidade que cresceu organicamente tem por você, que vai fazer com que a sua marca seja divulgada por essas pessoas e que o boca a boca funcione. (SOLLERO, 2014).

3.3.4 Esforços conjuntos Aos poucos a publicidade vai explorando as novas possibilidade da internet, os novos formatos possíveis e conteúdos que a eles podem ser atrelados. Aperfeiçoando também a segmentação e melhor utilizando as verbas de mídia, os anunciantes engajam o consumidor e estimulam o boca a boca. Compreende-se que agora é importante incentivar o word-of-mouth através de um conteúdo interessante, tanto no online quanto no off-line, e aproveitar as oportunidades de segmentação que a internet oferece. É trocar a quantidade de mensagens, pela qualidade e assertividade delas. Keller e Fay retomam um aspecto apresentado por Rogers na década de 60 e completam ainda com um ponto de extrema importância na discussão da relação entre boca a boca e publicidade: "Publicidade e WOM estão intrinsecamente ligados: WOM provou ser altamente confiável e vinculado às vendas; a publicidade foi comprovada a ajudar iniciar a conversa." (KELLER; FAY, 2012, p. 6, tradução nossa)22 Além dessa ligação, existe outra relação entre publicidade e boca a boca que deve ser salientada. Enquanto a publicidade tradicional pode gerar WOM, WOM dissemina a publicidade tradicional fazendo com que, em ambos os casos, a mensagem seja dissipada. Não se trata de boca a boca contra publicidade, mas sim uma união de esforços para engajar o consumidor, gerar word-of-mouth, disseminar a mensagem e atingir os objetivos de comunicação e marketing de uma empresa, fazendo seu produto ou serviço vender. 22Tradução

livre da autora: “Advertising and WOM are inextricably linked: WOM has proven to be highly credible and linked to sales; advertising has been proven to help spark conversation.” (KELLER; FAY, 2012, p. 6)


50

4 BOCA A BOCA E INFLUÊNCIA Até 1940, quando Lazarsfeld, Berelson e Gaudet obtiveram resultados surpreendentes sobre a importância da comunicação interpessoal no processo de decisão dos eleitores, pouco se considerava sobre a influência de uma pessoa sobre outra. Principalmente em relação às mídias de massa, "The People's Choice" explorou pela primeira vez as razões pelas quais a comunicação e a relação interpessoal tiveram mais influência na mudança de opiniões: "é muitas vezes não intencional; é flexível; é confiável" (KATZ, 1957, p. 9, tradução nossa).23 As relações interpessoais, e com elas a comunicação boca a boca, funcionam como canais de informação, fontes de pressão social e apoio social, possuindo diferentes formas de influência (Ibidem, p. 12). O estudo sobre as eleições, por exemplo, indicou que a influência da comunicação interpessoal alterou mais as decisões do que as mídias de massa fizeram, principalmente através de líderes de opinião, mais interessados em política, que traduziam as informações e as transmitiam para seus grupos, incluindo também seus próprios pontos de vista. Dessa maneira a comunicação boca a boca exerce influência em uma série de decisões das pessoas, servindo como fonte de informação, de pressão e apoio social. Entre essas decisões se encontra a escolha de compra. 4.1 BOCA A BOCA E VENDAS O word-of-mouth influencia a decisão de compra, gerando interesse, fornecendo informações e opiniões sobre produtos e serviços. "O sucesso de um produto é relacionado ao WOM que ele gera" (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 3, tradução nossa)24. Boca a boca age gerando awareness, ou o conhecimento da existência do produto e do serviço, lembrança e também preferência. Até recentemente, a relação entre boca a boca e vendas era de conhecimento empírico. Aos poucos pesquisas passaram a abordar o comportamento do consumidor encadeado pela opinião de outra pessoa, não chegando, no entanto, a trazer números e proporcionalidades mais específicas. Assim, comprovou-se que boca a boca estimula vendas.

Tradução livre da autora: “It is often non purposive; it is flexible; it is trustworthy” (KATZ, 1957, p. 9) Tradução livre da autora: “The success of a product is related to the WOM that it generates” (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 3)

23 24


51

Existe amplo suporte teórico para a ideia de que WOM pode impactar as vendas de uma empresa. Banerjee (1992, 1993) apresenta dois modelos que sugerem que as pessoas podem colocar peso significativo sobre a opinião dos outros. Na verdade, os agentes racionais podem ignorar a sua própria informação privada em favor de informações tiradas a partir da observação das ações dos outros. (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 3)25

Uma pesquisa realizada pela consultoria Nielsen em mais de 50 países afirmou que 70% dos consumidores confiam na opinião de outras pessoas na hora de escolher um produto ou serviço (MOTTA, 2014, p. 35). Isso afeta as decisões de escolha de produto ou serviço, da efetivação da compra, escolha da marca. Na geração Y, que logo mais será grande parte da população economicamente ativa, o fator word-of-mouth é ainda maior nas decisões de consumo. Segundo o estudo "Millenials as Brand Advocates" (2013), 91% dos membros dessa geração consideram comprar um produto recomendado por colegas (SEGURA, 2013). Hoje em dia, o boca a boca digital, nos reviews de produtos, ratings, comentários, facilitando o acesso do consumidor a esse tipo de informação se torna ainda mais importante para a decisão. A internet se tornou parada obrigatória de pesquisa quando o consumidor considera uma compra de maior investimento. Empresários, gerentes de marketing e profissionais de comunicação não podem mais ignorar o reflexo que o WOM tem no comportamento de compra do consumidor. Percebemos que apesar de não conhecermos necessariamente os consumidores que estão disponibilizando suas impressões nos dois casos descritos, a influência pelo que é dito em sites e aplicativos, criados justamente para ajudar neste processo de escolha, já é suficientemente importante e motivo para atenção por parte dos empresários, especialmente porque é um fenômeno ainda recente, incentivado cada vez mais pelo desenvolvimento de novos ambientes de prossumerização. (MOTTA, 2014, p. 93-94)

Em 2010 um produto teve altos números de venda, apenas com geração de boca a boca. A pulseira Power Balance, que prometia melhorar o equilíbrio, a força e a flexibilidade através da associação de hologramas, se tornou uma tendência em pouco tempo. A estratégia de comunicação da marca foi pagar esportistas e atores famosos para usarem suas pulseiras. Entre os brasileiros estava Rubens Barrichello. Logo, através apenas do boca a boca, a pulseira, que custava entre R$100,00 e R$130,00 se tornou popular. Proprietários exibiam 25

Tradução livre da autora: “There exists ample theoretical support for the idea that WOM may impact a firm’s sales. Banerjee (1992, 1993) presents two models that suggest that people may place significant weight on the opinions of others. In fact, rational agents may ignore their own private information in favour of information drawn from observation of others’ actions.” (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 3)


52

suas pulseiras, emprestavam aos amigos para testarem e muitos fizeram vídeos demonstrando os benefícios do produto. As vendas foram altíssimas em todo o mundo, mesmo sem a comprovação científica das afirmações da empresa. Até o final de 2010 a fabricante havia vendido 200 mil unidades no Brasil (GENESTRETI, 2011). Neste período, porém, as promessas da pulseira foram desmentidas através pesquisas científicas e por todo o mundo a empresa sofreu punições das agências reguladoras. A notícia se espalhou e na mesma velocidade que se tornou moda, a pulseira desapareceu dos pulsos. Existe porém uma grande dificuldade em se medir a relação direta entre boca a boca e vendas. Esta relação é dinâmica, sendo que WOM é ao mesmo tempo percursor e resultado de vendas (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 7). Diversos estudos voltados as consequências mercadológicas do boca a boca focaram em entender as relações entre algumas características da comunicação interpessoal com os resultados de vendas. David Godes e Dina Mayzlin, em 2003, estudaram word-of-mouth através de fóruns e grupos online que falavam sobre programas de TV, comparando com os resultados simultâneos de audiência. Quantificando quanto se falava de cada um desses programas e em quantos grupos diferentes, eles conseguiram estabelecer os resultados separadamente para volume e dispersão do boca a boca. Descobriram que o volume de WOM não possui uma forte relação com vendas futuras, mas se mostrou um indicativo de vendas passadas (Ibidem, p. 23-24). Por outro lado, a dispersão entre grupos provou-se mais relevante para gerar compras. Parece claro, a dispersão representa que mais pessoas, de diferentes grupos, estão informadas sobre algo, enquanto o volume pode representar que apenas algumas pessoas, de um grupo, estão falando muito sobre um assunto. East, Hammond, Lomax e Robinson (2005) estudaram um tipo específico de boca a boca, já bastante ligado a vendas: a recomendação. Além de 31% dos respondentes apontarem a recomendação como principal motivo para a decisão (EAST, et al., 2005, p. 145), outros fatores de WOM foram pesquisados. Os autores compararam recomendações solicitadas pelos consumidores com as não solicitadas, fornecidas voluntariamente por outras pessoas. Apesar de ocorrerem na mesma frequência entre categorias, o impacto entre esses tipos de recomendação foi diferente (Ibidem, p. 147). As conclusões foram que recomendações solicitadas tiveram mais efeito nas decisões de compra do que as recebidas passivamente. O impacto das recomendações buscadas foi 1,5 vezes maior do que o outro tipo (Ibidem, p. 153). Os autores não chegam a gerar hipóteses, mas é possível que esse resultado se dê pois consumidores que buscam recomendações já estão em um momento mais avançado do processo de consideração de compra, além do assunto lhe ser mais relevante.


53

Bae e Lee identificaram uma diferença significativa no papel do boca a boca, mais especificamente as resenhas em sites, na decisão de produtos de pesquisa e produtos de experiência (2011, p. 255). A diferença entre esses dois tipos de produto é medida pela quantidade de informação que pode ser encontrada pelo consumidor antes da compra e o esforço que ele fará para isso. Assim, produtos de pesquisa são aqueles cuja informação pode ser facilmente encontrada, como um equipamento eletrônico, enquanto produtos de experiência são compreendidos através da experimentação, pois a busca por informação exige maior esforço, como um hotel ou um restaurante (KLEIN, 1998 apud BAE; LEE, 2011, p. 256). Um produto de pesquisa possui características que são facilmente descritas e comparadas, mais objetivas. Por outro lado, um produto de experiência trata de percepções, sentimentos, sensações, não sendo descrito com facilidade. Consequentemente, principalmente no ambiente digital, o consumidor tem mais incertezas a respeito de produtos de experiência, estando mais receoso para efetuar a compra por um e-commerce, comportamento já se tornando frequente para produtos de pesquisa (BAE; LEE, 2011, p. 256). Aí entra o papel do boca a boca, o estudo de Bae e Lee mostra que resenhas de produtos de experiência têm efeito maior do que resenhas de produtos de pesquisa principalmente quando são feitas em sites construídos por empresas (Ibidem, p.262). Xia e Bechwati, apresentam outro estudo que complementa o de Bae e Lee. Buscando entender o efeito da personalização, uma operação cognitiva pela qual o consumidor pensa sobre ou sente como o que foi descrito pela resenha realmente aconteceu (LARSEN; DIENER; CROPANZANA, 1987 apud XIA; BECHWATI, 2008, p. 4), nas decisões de compra, concluíram que: Para os bens de pesquisa, comentários experienciais criam um maior nível de personalização do que comentários factuais, enquanto para bens de experiência, comentários factuais geram um maior nível de personalização. Assim, o tipo de avaliação que complementa um tipo particular de produto parece proporcionar uma maior ressonância para os leitores. Produtos de pesquisa geralmente podem ser descritos por um conjunto de atributos padrão, então comentários factuais provavelmente não oferecem informações adicionais em comparação com o que os consumidores podem obter a partir de descrições de produtos do fabricante ou varejista. No entanto, comentários experienciais podem transmitir atributos concretos do produto de uma maneira pessoal, permitindo que os leitores a ganhem um sentido de ressonância com a situação descrita (ex. personalizar). Produtos de experiência faltam atributos padrão e variação no desempenho do produto não é incomum; portanto, comentários experienciais que incidem sobre a própria experiência do avaliador podem ser difíceis de generalizar, ao passo que o uso de fatos que apoiam uma opinião pode ajudar os leitores a


54

construir as suas próprias situações de consumo. (XIA; BECHWATI, 2008, p. 9, tradução nossa)26

Os resultados desses estudos são importantes para estratégias de marketing e WOMM. Sabendo que dispersão é mais interessante que volume pode-se pensar como atingir mais grupos diversos e mais líderes de opinião, trabalhando com alcance ao invés de frequência. Enquanto compreender que tipo de resenhas influencia mais o consumidor para qual tipo de produto permite que empresas selecionem quais comentários de consumidores preferem exibir em seus sites. East, Hammond, Lomax e Robinson (2005) também identificaram impactos diferentes nas decisões de compras em relação a boca a boca positivo e negativo. Apesar de boca a boca negativo ser menos frequente do que o positivo, seu impacto foi semelhante ou maior, dependendo da categoria (EAST, et. al., 2005, p. 145; CHEN; WANG; XIE, 2011, p. 7). Um caso interessante de boca a boca negativo que causou queda de vendas e prejuízo financeiro, foi o de Ades em 2013. Um erro no processo de higienização alterou o conteúdo da embalagem de suco de maçã para um produto de limpeza altamente tóxico. A Unilever anunciou o recall do lote de suco contaminado e logo após a Anvisa suspendeu a fabricação, distribuição, comercialização e consumo de todos os produtos da marca. O problema foi logo resolvido, porém a repercussão, o boca a boca negativo gerado pela situação, levou a uma queda de vendas do produto. Em 2014 a Unilever anunciou que esse erro custou a empresa 60 milhões de euros (BARBOSA, 2014). Outros estudos também apontam informações importantes sobre boca a boca e vendas. Mayzlin descobriu que os consumidores também prestam atenção e consideram opiniões de anônimos ou desconhecidos, o que ocorre com frequência na internet (MAYZLIN, 2001 apud GODES; MAYZLIN, 2003, p. 4). Um aprendizado importante do estudo de David Godes e Dina Mayzlin, é a relação entre o mundo online e off-line. Sua conclusão foi que pessoas fazem decisões no mundo offline com base em informações online (GODES; MAYZLIN, 2003, p. 24). Isso significa que 26

Tradução livre da autora: “For search goods, experiential reviews create a higher level of personalization than do factual reviews, whereas for experiential goods, factual reviews initiate a higher level of personalization. Thus, the type of review that complements a particular type of product appears to provide greater resonance for readers. Search goods usually can be described by a set of standard attributes, so factual reviews likely do not offer additional information compared with what consumers can obtain from the manufacturer's or retailer's product descriptions. However, experiential reviews may convey concrete product attributes in a personal way, enabling readers to gain a sense of resonance with the situation described (i.e., personalize). Experiential goods lack standard attributes, and variation in product performance is not unusual; therefore, experiential reviews that focus on the reviewer's own experience may be difficult to generalize, whereas the use of facts that back up an opinion may help readers construct their own consumption situations.” (XIA; BECHWATI, 2008, p. 9)


55

estratégias de marketing podem ser pensadas com ações no digital mesmo que o serviço seja somente no off-line, ou não haja ainda um e-commerce para o produto. É importante comentarmos, depois de falar da relação entre publicidade tradicional e boca a boca e como o primeiro pode ajudar a gerar o segundo, como juntos os dois podem gerar vendas. Assim como WOM tem impacto nas vendas sozinho, o mesmo ocorre com a publicidade tradicional. Associados porém podem ter um impacto ainda maior. Publicidade gerar boca a boca, que, como já visto, resulta em vendas. O oposto também ocorre: boca a boca dispersa a publicidade, que impacta nas vendas. Um caso brasileiro recente que mostrou a força do boca a boca para dispersar uma peça publicitária, gerando retorno em vendas, foi "Pôneis Malditos" (2011)27 da Nissan. Em agosto de 2011, a montadora passou na televisão um comercial considerado bastante polêmico pela associação de uma expressão pejorativa "malditos" a elementos infantis: pôneis animados. Recebendo mais de 30 reclamações no CONAR, a propaganda foi tirada do ar após 3 dias, mas se manteve publicada no YouTube. A versão estendida no digital ainda trazia um "pônei maldito" estimulando o compartilhamento do vídeo. O vídeo se tornou um viral e assunto de muitas conversas na época. Hoje a propaganda no YouTube já contabiliza mais de 15 milhões de visualizações. Todo esse boca a boca e a dispersão da propaganda geraram resultados nas vendas. Em agosto de 2011 a Nissan vendeu 81% a mais que o mesmo período de 2010. Para o Frontier, a picape divulgada, foi de 110% o aumento nas vendas e outros modelos ultrapassaram 120% (APÓS, 2011). Muito ainda pode ser estudado sobre a relação entre boca a boca e vendas, mas fica claro que esse tipo de comunicação é um fator importante para estimular a compra. A informação e a lembrança transmitidas pelo word-of-mouth espalham o conhecimento sobre o produto, geram interesse e consideração. A credibilidade da comunicação entre consumidores, livres de interesses, impacta na decisão de compra.

27

Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=X3yGSJE53kU Acesso em: 09/06/15


56

5 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO BOCA A BOCA Este trabalho teve como objetivo apresentar a importância da comunicação boca a boca, no contexto atual, em relação à publicidade tradicional. A partir de perspectivas sociológicas, de comunicação e mercadológicas procuramos apresentar as relações entre essas duas formas de comunicação: a propaganda e o word-of-mouth; e quais as possibilidades entre elas a serem exploradas. A compreensão do contexto nos permitiu compreender também por que o boca a boca tanto é falado atualmente, além dos diversos motivos pelos quais se destaca. Primeiramente definimos boca a boca como: a) uma transmissão de informação b) cujo o emissor é um (ou mais) indivíduos sem interesses ou ganhos aparentes, que c) de forma direta ou mediada d) exerce influência sobre um ou mais indivíduos. Entendendo que WOM pode ser tanto trabalhado como canal, quanto como fonte ou mensagem procuramos apresentar porque tanto se fala de comunicação interpessoal hoje em dia. Os próprios modelos teóricos apresentados no primeiro capítulo, a partir dos seus pontos de vistas e objetos de estudo, falam das funções e vantagens da comunicação interpessoal, principalmente em relação a outros canais, como as mídias de massa. The TwoStep Flow of Communication (1948), apresenta o processo pelo qual as mensagens das mídias de comunicação de massa chegam as pessoas. Primeiramente atingindo líderes de opinião, para depois serem transmitidos, via comunicação interpessoal, à grande parte da população. Este modelo, além de ter sido o primeiro a se propor estudar a comunicação interpessoal, ressalta que esta além de mais frequente, é mais eficiente que a comunicação entre mídias e público. O modelo de Rogers (1962) desenvolve a eficiência da comunicação boca a boca e a função dos meios de massivo, apresentando que durante o processo de adoção da inovação, eles se destacam em momentos diferentes. As mídias de massa são necessárias para informar um indivíduo durante a etapa de conhecimento, enquanto a comunicação boca a boca, e outras SIs, são eficazes na persuasão, um segundo momento deste processo. Por último, o modelo de contágio social, que se distingue por estudar as redes sociais e como diversos elementos contagiam através delas, comprova que as conexões de uma pessoa a influencia diretamente (CHRISTAKIS; FOWLER, 2009, p. 22). A comunicação boca a boca possui características próprias que já começam a responder a questão central deste trabalho: ela é frequente, persuasiva e influenciadora.


57

Neste momento, retomando como este trabalho foi iniciado, nos vale resgatar uma das perguntas colocadas: Quais mudanças, em termos sociais, comunicacionais, tecnológicos e de negócios tornaram tão relevante e pautada a comunicação boca a boca neste momento? Durante quase todo século XX, a hegemonia das mídias de massa, seus discursos e ideologias, controlados por alguns poucos grupos dominantes, era incontestada. Isso ocorria no jornalismo, no entretenimento, na educação e também na publicidade. A partir da década de 90, as pessoas começaram a perceber que a mídia não é imparcial, existem interesses por trás do que é comunicado. Ao mesmo tempo, devido ao grande número de mensagens que atingem as pessoas, elas passaram a procurar outros indivíduos, como filtro e fonte de informações com menos interesses. Esses dois movimentos associados geraram uma crise dos meios massivos e um fortalecimento do WOM. Simultaneamente, o surgimento e popularização da internet geraram uma série de novas possibilidades. As redes sociais se expandiram, conectando mais pessoas, através de mais laços, encurtando distâncias geográficas e se aproximando de unir toda a população em um único sistema. Novos formatos de word-of-mouth, como o review e o compartilhamento, assim como novas ferramentas, como o blog e o aplicativo Foursquare, dinamizam o fluxo da comunicação boca a boca. No digital o WOM se torna uma comunicação de um indivíduo para muitos, com uma velocidade de contágio muito maior. A presidente da Word-of-mouth Marketing Association, Suzanne Fanning, levanta esses como os principais pontos que tornam o WOM foco agora: [A comunicação boca a boca] existe, bem, desde quando os homens das cavernas perambulavam a terra. É provável que um homem da caverna contou a outro sobre uma área de caça popular (... e assim por diante) e finalmente tornou aquele local na área de caça mais popular de sua ‘comunidade caverna’. [WOM] funcionou naquela época, e vai funcionar agora. No entanto, a tecnologia tem aumentado conectividade social, tornando mais fácil do que nunca para os consumidores fazerem o seu marketing para você. Um post que leva apenas alguns minutos para um fã escrever será visto por centenas de amigos que confia nele, e pode viajar rapidamente para milhares mais. Mensagens muito bem planejadas foram compartilhadas por milhões no espaço de dias. [...] Sem desrespeito aos nossos amigos da caverna, mas não era possível alcançar esse tipo de resultados sem a tecnologia. Você também deve considerar o fato de que aqueles que lerem o post podem potencialmente ter milhões de conversas off-line com amigos, familiares,


58

conhecidos ou mesmo os consumidores que olham perplexos nos corredores da loja. (FANNING, 2014, tradução nossa)28

Ainda, a internet possibilita a criação de novos formatos e novos conteúdos, uma segmentação mais específica e direta e, com isso, novos objetivos para a comunicação, como geração de engajamento. Para as empresas o digital oferece novas alternativas para métricas de WOM, além da possibilidade das marcas entrarem nas conversas com os consumidores, respondendo de maneira personalizada e não massiva. O perfil do consumidor também se alterou nos últimos anos. Mais consciente dos seus hábitos de consumo, ele se torna ainda mais empoderado com perspectivas apresentadas pela internet. Neste ambiente o consumidor pode encontrar uma informação a respeito de um produto, serviço, pessoa, etc., através de fontes imparciais; expressar a sua opinião e experiências para outros consumidores; dar feedback para as marcas; e fiscalizá-las. Em suma, a comunicação boca a boca se torna tão relevante no momento atual, pois vivemos um rompimento gradual do discurso monolítico e hegemônico das mídias de massa. Este contexto altera o relacionamento do consumidor com a publicidade e com o boca a boca, além da relação entre eles. Assim se chega na terceira, e última, parte da pergunta central deste trabalho. A perda da credibilidade das mídias de massa, somada a um consumidor mais consciente de seu consumo, empoderado pelos canais digitais, que filtra e seleciona as informações e peças publicitárias que o atinge e mais alfabetizado em propaganda levou a uma perda da credibilidade da publicidade tradicional. Em decorrência disso, associado as possibilidades que o digital trouxe, o word-of-mouth vem se fortalecendo. As pessoas buscam outros consumidores como fonte de informações, na procura de imparcialidade, e com isso a influência de iguais, até mesmo anônimos ou desconhecidos, se torna mais forte do que a de celebridades. Aos poucos o boca a boca vai se tornando um fator de decisão maior do que a publicidade nas escolhas de compra. 28Tradução

livre da autora: “It has been around, well, since cavemen roamed the earth. It’s likely that one caveman told another about a popular hunting area (… and so on and so on) and ultimately that turned the site into the most popular hunting area in their cave community. It worked then, and it will work now. However, technology has increased social connectivity making it easier than ever for consumers to do your marketing for you. A post that takes just a few minutes for a fan to write will be seen by hundreds of friends who trust them, and it can rapidly travel out to thousands more. Very well planned messages have been shared by millions within the span of days. (...) No disrespect to our cave friends, but it was not possible to achieve those kind of results without technology. You should also consider the fact that those who read the post could potentially have millions of offline conversations with friends, families, acquaintances or even consumers looking perplexed in store aisles.” (FANNING, 2014). Resposta dada a pergunta: “If WOMM has been around for a long time, why should it be a focus now?” (WHITLER, 2014)


59

Boca a boca apresenta uma série de vantagens sobre a publicidade. É mais crível, influente, persuasiva e resultados apresentam que gera mais vendas. Assim é importante que a comunicação mude de foco, pensando em como gerar conversações sobre seus produtos. Pensando assim, existem uma série de maneiras que a publicidade pode trabalhar. Na comunicação off-line, através dos grandes meios de comunicação de massa e outras ativações, a propaganda pode tornar o produto mais visível e saliente, características que mais geram WOM. Além disso, a publicidade tradicional, ainda exerce uma função de extrema importância no processo de compra pelo qual o consumidor passa: gera awareness e deixa o consumidor mais informado, o que também age como gatilho de conversas. De maneira mais direta o off-line também pode estimular boca a boca, com práticas como buzz marketing. O ambiente digital abre novas possibilidade para a publicidade ser explorada e mais boca a boca ser gerado. A figura da celebridade se aproxima do boca a boca entre consumidores através do influenciador, próximo ao público, sem interesses aparentes e líderes de opinião sobre um assunto. Novos formatos possibilitam maior interatividade e engajamento, enquanto a segmentação permite que o consumidor seja atingido por mensagens relevantes para ele e as empresas falem diretamente com o seu público. No digital o poder de viralização de uma mensagem é multiplicado inúmeras vezes. Em ambos os ambientes, off-line e online, e em todos os momentos, a publicidade deve trabalhar com conteúdos de qualidade e relevância, buscando se relacionar e criar engajamento, lembrando que não se trata de quantidade, mas sim de qualidade. Como já apontado, a comunicação boca a boca apresenta uma vantagem em relação à publicidade na persuasão de vendas, sendo eficiente para gerar conversão. Com a internet esse potencial é aumentado, pois o consumidor encontra com facilidade informações sobre produtos a partir do ponto de vista de outros como ele. Enquanto é interessante para as empresas estimularem boca a boca, reviews e resenhas, este movimento pode ter efeito contrário quando se trata de uma opinião negativa. No fim, o que pode ser concluído sobre a importância da comunicação boca a boca em relação à publicidade tradicional, é que não importa em qual meio elas ocorram, off-line ou online, ambas precisam trabalhar em conjunto. Separadamente tanto WOM, quanto propaganda informam o consumidor sobre uma marca e produto, criam alguma forma de relacionamento com ele e geram vendas. Associadas porém, comunicação boca a boca e publicidade, amplificam o potencial de alcance da mensagem e de influência, levando a melhores resultados de vendas e de engajamento do consumidor.


60

Em uma relação simbiótica, boca a boca dissipa mensagens publicitárias, fazendo inclusive que muitas viralizem, enquanto publicidade age como gatilho e gera boca a boca. Ultrapassando o objetivo deste trabalho, acredita-se existir um potencial futuro ainda maior para o boca a boca. Novas gerações, que já nasceram conectadas, se tornarão economicamente ativas. Com elas a internet será vista como mais crível e aos internautas saberão melhor como encontrar e selecionar informações. Ao mesmo tempo, o consumidor estará cada vez mais consciente dos seus hábitos de compras e alfabetizado em propaganda. Todas as vantagens aqui apresentadas do boca a boca para com a publicidade tradicional irão se fortalecer a cada ano e a cada ferramenta apresentada. Os consumidores se tornarão cada vez mais habituados a procurar informações publicadas por outras pessoas na internet, sabendo também onde encontrá-las. As marcas criativas, que fizerem coisas relevantes, serão as faladas por aí. Empresas e agências de publicidade não podem mais ignorar a força do boca a boca e continuar trabalhando publicidade como sempre fizeram. Precisam entender que o WOM é seu aliado para atingir mais pessoas, de uma forma mais crível e que gera maior interesse. Para isso precisam criar e entregar ao consumidor algo que seja do interesse dele, que chame atenção, responda a suas dúvidas e desejos e que o faça compartilhar. É fazer coisas relevantes e inovadoras com qualidade para se destacar. A pesquisa sobre comunicação boca a boca, isoladamente e em sua relação com a publicidade, ainda se encontra em estágio primário. Muito pode ser explorado. A partir deste trabalho pode-se levantar algumas propostas. Um possível estudo poderia procurar elementos comuns entre as campanhas e mensagens publicitárias que se tornaram virais ou que geraram mais boca a boca, procurando compreender que atributos, hoje em dia, levam uma mensagem a ser mais dissipada através da comunicação interpessoal. Uma outra análise, seguindo o modelo que Christakis (2013) utiliza para estudar o contágio de doenças, da disseminação de mensagens sobre marcas e produtos pelas redes sociais poderia apresentar uma nova perspectiva sobre como esse fluxo se dá, quais são suas principais características. Estudar a dinâmica da transmissão de boca a boca sobre produtos, marcas e mensagens publicitárias é um passo importante para compreender sua importância e como trabalhá-la nos anos que virão.


61

REFERÊNCIAS APÓS "Pôneis Malditos", vendas da Nissan crescem 81% (2011). Veja.com. São Paulo. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/apos-poneis-malditos-vendas-danissan-crescem-81/> Acesso em: 20/05/2015. AULT, S. Survey: YouTube Stars More Popular Than Mainstream Celebs Among U.S. Teens. Variety. Los Angeles, n. 1, 05/08/2014. Disponível em: <https://variety.com/2014/digital/news/survey-youtube-stars-more-popular-than-mainstreamcelebs-among-u-s-teens-1201275245/> Acesso em: 20/05/2015. BAE, S.; LEE, T. Product type and consumers’ perception of online consumer reviews. Electron Markets. Suíça, nº 21, 2011, p. 255-266. BARBOSA, D. Unilever perdeu € 60 milhões com recall do Ades. Exame.com. São Paulo, jan/2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/unilever-perdeu-60milhoes-com-recall-do-ades> Acesso em: 20/05/2015. BEKHOR, M. Conteúdos elaborados valorizam mídia online. Meio e Mensagem. São Paulo, abr/2015. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2015/04/07/Como-superar-gapde-credibilidade-da-midia-online.html> Acesso em: 14/04/2015. BERGER, J.; SCHWARTZ, E. What do people talk about?: Drivers of immediate and ongoing word-of-mouth. Journal of Marketing Research Article Postprint. Chicago: American Marketing Association. v. 48, p. 869-880, out/2011. BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma História Social da Mídia: De Gutenberg à Internet. Tradução de Maria Carmelita Pádua Dias. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. 377 p. CHEN, Y.; WANG, Q.; XIE, J. Online Social Interactions: A Natural Experiment on Wordof-mouth Versus Observational Learning. Journal of Marketing Research Article Postprint. Chicago: American Marketing Association. v. 48, n. 2, p. 238-254, abr/2011. CHRISTAKIS, N.; FOWLER, J. The Thick of It. In: __________. Connected: The surprising power of our social networks and how they shape our lifes. 1. ed. Nova Iorque: Little, Brown and Company, 2009. Cap. 1, p. 3-32. _______________. Social contagion theory: examining dynamic social networks and human behavior. Statistics in Medicine. Malden, EUA, v. 32, n. 4, p. 556 - 577, fev/2013. DOMINGUES, I. Terrorismo de Marca: Publicidade, Discurso e Consumerismo Político na Internet. 1. ed. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2013. 176 p. EAST, R.; HAMMOND, K.; LOMAX, W.; ROBINSON, H. What is the Effect of a Recommendation? The Marketing Review. Escócia, v. 5, p. 145-157, 2005.


62

EISINGERICH, A. et al. Why recommend a brand face-to-face but not on Facebook?: How word-of-mouth on online social sites differs from traditional word-of-mouth. Journal of Consumer Psychology. [S. l.], v. 25, n. 1, p. 120-128, 2015. FANNING, S. Why Word-of-mouth Marketing Is The Most Important Social Media: entrevista. Forbes. Jersey City, [17 de julho de 2014]. Entrevista concedida a Kimberly A. Whitler. Disponível em: <http://www.forbes.com/sites/kimberlywhitler/2014/07/17/whyword-of-mouth-marketing-is-the-most-important-social-media/2/> Acesso em: 20/05/2015. GLADWELL, M. O Ponto da Virada. 1. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2009. 288 p. GODES, D.; MAYZLIN, D. Using Online Conversations to Study Word-of-Mouth Communication. Marketing Science. Catonsville, v. 23, n. 4, p. 545–560, nov/2003. ________________; et al. The Firm's Management of Social Interactions. Marketing Letters. Holanda, v. 16, n. 3-4, p. 415-428, 2005. HEATH, C.; HEATH, D. Made to Stick: Why Some Ideas Survive and Others Die. 1. ed. Nova Iorque: Random House, 2007. 291 p. IKEDA, A. Sem Alerta, post pago no Instagram pode render multa e abalar credibilidade. Uol. Disponível em: <http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/02/14/sem-alertapost-pago-no-instagram-pode-render-multa-e-abalar-credibilidade.htm> Acesso em 08/06/2015. KATZ, E. The Two Step Flow of Communication: An Up-to-Date Report on an Hypotesis. Political Opinion Quarterly. Filadélfia: Annemberg School for Communication, University of Pennsylvania, p. 1-13. 1957. KELLER, E.; FAY B. Word-of-Mouth Advocacy: A New Key to Advertising Effectiviness. Journal of Advertising Research. Nova Iorque: Advertising Research Foundation, v.52, n.4, p. 1-7, dez/2012. KOTLER, P.; KARTAJAYA, H.; SETIAWAN, I. Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 240 p. LAFLOUFA, J. Gangnam Style "quebra" o YouTube com elevado número de acessos. BrainStorm9. Disponível em: <http://www.b9.com.br/53398/tech/gangnam-style-quebra-oyoutube-com-elevado-numero-de-acessos/> Acesso em: 20/05/2015. MARTINO, L. C. Dois Estágios da Comunicação Versus Efeitos Limitados: uma releitura. XVIII Encontro da Compós, PUC. Belo Horizonte, p. 1-12, jun/2009. Disponível em: <http://compos.com.puc-rio.br/media/gt7_luiz_claudio_martino.pdf> Acesso em: 20/05/2015. MCCOMBS, M. E.; SHAW, D. L. The Agenda-Seting function of mass media. The public opinion quartely, vol. 36, n. 2, p. 176-187, 1972. MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php>. Acesso em: 09/06/2015.

em:


MICHAELIS: Moderno Inglês & Português. <http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/indice/portuguesingles/A.html?typePag=termos>. Acesso em: 09/06/2015.

63

Disponível

em:

MOTTA, B. Prossumidores: o novo papel dos consumidores na era da informação e sua influência na decisão de compra. 2014. 117 f. Dissertação (mestrado). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2014. Nissan - Pôneis Malditos. Produção: Nissan Brasil. Vídeo propaganda, 1’10”, jul/2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=X3yGSJE53kU> Acesso em: 08/06/2015 OLIVETTO, W. Washington Olivetto explica o impacto da economia brasileira sobre a publicidade. Entrevista a Heródoto Barbeiro. São Paulo: Record News, 18’40”. 08/05/2015. Disponível em: http://noticias.r7.com/record-news/jornal-da-record-news/videos/washingtonolivetto-explica-o-impacto-da-economia-brasileira-sobre-a-publicidade-09052015 Acesso em: 09/05/2015 TRUSOV, M.; BUCKLIN, R. E.; PAUWELS, K. Effects of Word-of-Mouth Versus Traditional Marketing: Findings from an Internet Social Networking Site. Journal of Marketing, Chicago: American Marketing Association, v.73, p. 90-102, set/2009. ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. 3. ed. Nova York: Free Press, 1983. SALATIEL, J. R. Escola de Frankfurt: Crítica à sociedade de comunicação de massa. UOL Educação, São Paulo, mai/2008. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/escola-de-frankfurt-critica-a-sociedade-decomunicacao-de-massa.htm> Acesso em 09/06/2015. SEGURA, M. Geração Y não acredita em publicidade. Meio e Mensagem, São Paulo, ago/2013. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/ponto_de_vista/2013/08/29/GeracaoY-nao-acredita-em-publicidade.html> Acesso em: 05/03/2015. SOLLERO, D. Dark Social e a Importância do Conteúdo Compartilhável. BrainStorm9, 2012. Disponível em: <http://www.brainstorm9.com.br/32318/opiniao/dark-social-e-aimportancia-do-conteudo-compartilhavel/> Acesso em: 25/04/2014. ___________. Corrida por Cliques: O risco de se criar conteúdo com engajamento artificial. BrainStorm9, 2014. Disponível em: http://www.b9.com.br/45611/social-media/um-postsobre-conteudo-e-sobre-outro-post/ Acesso em: 20/05/2015. PSY. Gangnam Style M/V. Video clipe, 4’13”, jul/2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9bZkp7q19f0> Acesso em 08/06/2015 POLLACK, P. NBC orders removal of video from download site. Ars Technica. Cambridge, Fev/2006. Disponível em: <http://arstechnica.com/uncategorized/2006/02/17/6213-2/> Acesso em: 20/05/2015.


64

VERDÚ, D. Esse artigo nunca será viral. El País Brasil. Madri, fev/2015. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/06/internacional/1423226797_792858.html> Acesso em: 05/03/2015. WACHSMANN, L. O que é a Torá Oral?. Revista Morashá. São Paulo, 23. ed. Dez/1998. Disponível em: <http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=443&p=1> Acesso em: 20/05/2015 . WOJNICKI, A. C.; GODES, D. Word-of-Mouth as Self-Enhancement. Research Paper Series. Massachussets, EUA: Harvard Business School Marketing Unit, p. 1-48, abr/2008. XIA, L.; BECHWATI, N. N. Word of Mouse: The role of cognitive personalization in online consumer reviews. Journal of Interactive Advertising, v. 9, n. 1. p. 3-13, 2008.


65

GLOSSÁRIO

Awareness: A qualidade do que está ciente, atento, advertido, informado. Consciência, conhecimento. Buzz: Burburinho, rumor, diversas pessoas falando sobre um assunto. Cue: Dica, deixa, sugestão, palpite. Driver: Condutor, motivador, impulsionador, direcionador. Peer-to-peer: De pessoa para pessoa, de colega para colega, pressupõe duas pessoas em níveis semelhantes Social Interactions: Interações sociais Word-of-mouth: Boca a boca


66


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.