O filme como documento histórico: Thelma & Louise, personagens que resistiram à sociedade patriarcal e a heteronormatividade Ana Paula Jardim Martins e Luana Balieiro Cosme
Introdução O enunciado por ser tanto a narrativa escrita quanto a imagética e, por conseguinte, ambas são práticas discursivas. Segundo Tânia Swain, o texto imagético é forjador de sentidos, fixador de identidades, lócus de conflito, de adesão, de (in) coerências, assim pode-se dizer que a imagem é texto e o texto, a materialização do discurso. O texto escrito, as imagens estáticas e em movimento, assim como a cenografia, sonoplastia, que compõem o filme produz sentidos sobre a temática abordagem e acaba por se posicionar em relação aos discursos que o são contemporâneos, criam novos sentidos que são adquiridos em situações particulares, façam brilhar, em filigrana, traços de enunciados anteriores, podendo circular no social com valor de verdade ou também podem buscar em outros enunciados a resistência aos discursos opressores [1]. O presente trabalho tem a preocupação de analisar o filme Thelma & Louise (1991-Ridley Scott), buscando as resistências contra a sociedade patriarcal norte-americana da década de 1970, apontando a forma como as personagens femininas foram construídas ao longo do filme e como trazem a problemática das desigualdades de gênero para ordem do dia.
Material e métodos A. História e Cinema: novas fontes e interseções de métodos Quando se pensam as transformações que a história passa que a direciona para temáticas e grupos sociais antes marginalizados é imprescindível que se faça o mesmo com as fontes. O cinema se torna novo objeto da historiografia e é, portanto, incorporado ao fazer histórico. Assim, este aparato, enquanto veículo de representação das práticas sociais de determinadas épocas, tem voltado seu olhar para as questões referentes ao gênero, sobretudo, no que concerne às representações das mulheres e a construção da feminilidade, embora algumas teóricas feministas compreendam o filme como estrutura dominada pelo olhar masculino [2]. Segundo Ann Kaplan, é interessante pensarmos não uma história das mulheres, mas sim, como foi omitida durante longos anos a experiência feminina em várias sociedades e como agora é possível e fundamental rever modelos dominantes, os quais refletem o posicionamento das mulheres dentro de um modelo patriarcal inconsciente [3]. O cinema, enquanto tecnologia de gênero torna-se capaz de recriar realidades de modo a descortinar modelos vigentes. Com isto, é que se pretende, com a análise do filme como documento, a desconstrução do modelo patriarcal e machista da década de 1970 nos Estados Unidos, de forma a destacar singelos artifícios, que as personagens principais desempenham para escapar do aprisionamento e de uma heterossexualidade compulsória. B. Discurso e Representações sociais na análise filmística Nessa pesquisa, entendemos o documento, ou seja, o filme Thelma & Louise, como discursos que criam representação do passado. Segundo Roger Chartier, a representação é uma forma de designar o modo pelo qual, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade é construída, pensada, dada a ler por diferentes grupos sociais ou indivíduos [4]. As representações sociais, na acepção de Denise Jodelet, são sistemas de interpretação que regem a nossa relação com o mundo e com os outros, orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais [5], tornando-as inteligíveis. Conforme Margareth Rago, o principal instrumento de trabalho do historiador são as fontes, ou antes, os discursos. A autora elucidou que é a partir dos discursos inscritos no passado que procuramos descobrir o que se passou, reunindo os fragmentos dispersos que restaram, dando-lhes certa forma e buscando seus possíveis sentidos [6]. C. Thelma & Louise A fonte escolhida para essa pesquisa é o filme Thelma & Louise de 1991 [7], considerado um road-movie ou em tradução livre: filme de estrada. Esse gênero de cinema é caracterizado pelo desenrolar da história durante uma