permanência e travessia
a rua enquanto eixo de conexão e transformação da paisagem
permanência e travessia a rua enquanto eixo de conexão e transformação da paisagem
luana rodrigues da silva sob a orientação de newton célio becker de moura
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) S1p
SILVA, Luana Rodrigues da. Permanência e Travessia: : a rua enquanto eixo de conexão e transformação da paisagem / Luana Rodrigues da Silva. – 2020. 180 f. : il. color. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia, Curso de Arquitetura e Urbanismo, Fortaleza, 2020. Orientação: Prof. Dr. Newton Célio Becker de Moura. 1. infraestrutura verde. 2. espaços livres. 3. assentamentos precários. 4. paisagem. 5. espaços públicos. I. Título. CDD 720
universidade federal do ceará curso de arquitetura e urbanismo trabalho de conclusão de curso
permanência e travessia a rua enquanto eixo de conexão e transformação da paisagem
banca examinadora prof. dr. Newton Célio Becker de Moura orientador, daud ufc prof. dr. Clévio Dheivas Nobre Rabelo prof convidado, daud ufc prof. msc. Mariana Quezado Costa Lima convidada
Luana Rodrigues da Silva Fortaleza, novembro de 2020
agradecimentos Atravessar o percurso desta conclusão certamente não foi fácil. E como em todo processo, não poderia haver linearidade que simulasse um simples avançar de etapas, porque a regência das coisas sempre se dá quase que por meio de uma organicidade divina. Atravessar esta fase final em meio a uma pandemia, em isolamento, distante das trocas feitas com o olhar, com a fala direta, com a proximidade, de nenhuma maneira foi simples. Mas se houve algo que pôde tornar este atravessar possível, por vezes até mais doce, sem dúvida foram os outros atravessamentos que tive pelo caminho. Acredito que não se consiga fazer nada inteiramente só, e eu não estaria aqui (onde e da forma que estou) sem qualquer um destes. Agradeço aos meus pais. Sem eles eu nem acordaria. Eles têm sido o meu sustento, minha casa e alguns dos porquês. Me ensinaram, ainda que sem palavras, que a generosidade não se relaciona ao ter, mas a se colocar à disposição do outro. À minha mãe, a maior incentivadora e entusiasta da minha educação. Por sempre acordar antes de mim para que eu não perdesse a hora. Ao meu pai, pela incansável disposição em querer ajudar, pela consciência de classe que sempre lhe permitiu tão grande lucidez em meio a este mundo caótico. Agradeço ao Newton, meu orientador, pelo acolhimento desde o princípio e por toda a direção. Por ter sempre se colocado à disposição prontamente. Pelo tato, pela sensibilidade em conduzir, por todo o incentivo. Por me apresentar novas perspectivas para a construção de cidades mais humanas e integradoras. Aos meus companheiros de jornada, por alumiar os meus dias, especialmente quando tudo parecia querer ruir: à Lina, por tudo. Pela amizade, pela generosidade, pelos cuidados, pelos presentes mais criativos e inesperados. Pelas conversas digitadas, pelos conselhos, por sempre saber como falar, como me centrar. Por saber ouvir. À Morganna, pela companhia nas primeiras orientações, pelo suporte nos momentos de angústia e confusão, pelas trocas e compartilhamentos sobre os anseios de ver uma nova ordem construída. Pelas palavras de serenidade, pela calma de sempre. Por encher os meus dias com a paz que ela traz consigo. Ao Vitor, que desde o TC1 se fez presente com a sua preocupação e cuidado, por
toda a atenção que dedicou à ouvir os conflitos e por sempre buscar trazer a nitidez e o desenrolar sobre os caminhos embaralhados. Às amigas, preciosidades que o curso me trouxe, pelo afeto genuíno e constante motivação. À Anne, pelo acolhimento, pela adoção. Pela parceria em tantos projetos. Pelo lado crítico, que sempre me tirou do lugar comum e sempre me ajudou a ir para além do que eu conseguiria expressar. À Lívia, pela força, pelo incentivo, pela visão generosa e pela disponibilidade em ajudar. Por ser essa luz de farol, cheia de gentileza e afago. À Aline, pelo suporte nos momentos de insegurança, pela destreza na solução de problemas, pelos inúmeros aprendizados que me trouxe em tantos trabalhos. À Érika, pelos questionamentos que lançou sobre o papel do planejamento, quando, ainda no TC1, eu procurava entender as outras formas de fazer cidade. Pela visão sensível às outras narrativas, pela beleza (e provocação) que ela traz nas palavras. À Priscilla, pelo exemplo de coragem e do fazer questionador, por todo o incentivo e por prontamente se colocar à disposição em oferecer qualquer ajuda. Pela instigadora sede de conhecimento. Aos que me acolheram na equipe de construção do PIRF, pelo espaço que me trouxe a oportunidade de conhecer novos ângulos de um território tão multifacetado e possibilitar novos caminhos para este trabalho. Às mulheres inspiradoras que compuseram a equipe de Arquitetura e Urbanismo da Zeis Bom Jardim: Mariana, Marcela, Manuela, Aline, Érika, Luísa e Carol. Foi um semestre intenso, mas repleto de memórias que ainda hoje fazem muito bem. No mais, agradeço a todas as oportunidades propiciadas pelos caminhos que a Universidade trouxe. Foi uma jornada extensa, intensa e transformadora. Que venham novos começos.
11 apresentação inquietações justificativas objetivos metodologia
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estrutura do trabalho
espaço, funções 1. espaço, paisagem, território 2. espaços livres e a esfera pública
SUMÁRIO
3. cidade e natureza
86 espaço, intenções 6. eixos de transformação 7. repertório, composição
46 espaço, tempo 4. a cidade, o tempo 5. o tempo e o lugar
8. considerações finais
apresentação
“Estar na margem é fazer parte de um todo, mas fora de um corpo principal. (..) E por viver como vivíamos - nas extremidades - desenvolvemos um modo particular de enxergar as coisas. Olhávamos tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora.” (Bell Hooks, 1984)
inquietações
Este é um trabalho que toma o seu início num lugar. E não que esta escolha esteja muito distante do que se espera, afinal, trabalhamos sob a óptica da espacialidade, mas ao mesmo tempo também não se trata de uma decisão qualquer. Sou sujeito dentro do meu objeto. E talvez fosse um equívoco propor um distanciamento, investigando a partir de uma instância dissociada dele (e por isso mesmo, irreal). Não me aparto, não me dissocio. Falo do meu lugar. Oportunamente, me deparei com o entendimento da sua construção. Antes, o conhecia só de observar, atravessando a cidade em longos percursos durante toda uma existência, e percebendo suas marcantes diferenciações sem ainda saber expressá-las. O Grande Bom Jardim, território no qual está centrada a análise deste trabalho, localiza-se no extremo sudoeste da cidade, numa região onde o espaço-vivido dos sujeitos se compõe de múltiplos microcosmos, e todos eles singulares, mas que se encontram sob uma lógica temporal comum: o tempo das distâncias, físicas e simbólicas, das mudanças que demoram a chegar, dos processos espontâneos que acontecem acelerados. Das urgências que não são priorizadas na cidade. Estudar a cidade trouxe a compreensão de algumas de suas lógicas estruturantes, e o processo em que se assimila os caminhos e escolhas que moldaram - e continuam a moldar - a realidade não é simples, tampouco fácil. Os mecanismos parecem implacáveis. Exatamente por isso não se espera que a transformação venha do mesmo lugar de onde partiu essa estruturação, da mesma narrativa que lançou as bases para a cidade ser o que é hoje. A transformação acontece na disputa, na ruptura com a lógica hegemônica e dominante, na construção de outras centralidades, e também de outra(s) lógica(s). Este trabalho nasceu, portanto, de uma investigação, e ganhou corpo com os encontros, com as trocas e os atravessamentos que se deram desde o seu início, em 2019.1. A temática se consolidou em torno do entendimento das transformações que podem ser veiculadas na paisagem, ao reconhecê-la enquanto suporte da vida e (por isso) também enquanto infraestrutura. É um estudo sobre aquilo que pode vir a ser.
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apresentação
justificativas O Grande Bom Jardim é território de uma profusão de questões; dentre elas, uma das que mais se sobressaltam é a do saneamento. O território é amplamente desassistido pelos serviços mais básicos e marcadamente atravessado pela degradação de seu meio ambiente natural, questão aprofundada com as precariedades e ausências às quais a população é submetida. As taxas de acesso aos serviços de esgotamento sanitário estão entre as piores da cidade, segundo o censo IBGE de 2010. Soma-se a isso questões de drenagem urbana, com os alagamentos frequentes e as ligações clandestinas nas galerias pluviais, além da gestão de resíduos sólidos, que encontra seu ponto crítico no despejo indiscriminado de entulho, objetos usados e demais depósitos nos leitos e entorno dos recursos hídricos. Aqui, o enfoque se dará no manejo das águas pluviais, avaliando questões referentes à quantidade e à qualidade da água. Entende-se que a condição de fragilidade ambiental é agravada com a intensificação das impermeabilizações do solo, especialmente nas áreas amortecedoras e de recepção dos escoamentos, e que essas circunstâncias revertem-se em grandes transtornos para os moradores, sobretudo nas quadras chuvosas. Em muitos casos há ainda o despejo de efluentes domésticos na rua, que se acumulam a céu aberto, ocasionando e propagando doenças, além de contribuir com a deterioração de seu espaço urbano. Reconhecendo, portanto, que esta problemática encontra-se veiculada nos espaços livres públicos do território, parte-se de um entendimento destes enquanto pontos estratégicos para as possibilidades de reestruturação da paisagem urbana. Para que uma reestruturação ocorra, é preciso olhar para os espaços (livres e ocupados) da cidade de uma outra forma, entendendo-os como parte de um todo sistêmico, num conjunto indissociável da natureza e seus processos. Desta compreensão toma-se como estratégia a utilização de infraestruturas verdes, pela sua capacidade de se aliar aos processos naturais e prover serviços que promovam a melhoria dos espaços de vida urbana, além do seu princípio de adaptabilidade, que permite que sejam aplicadas nas mais diferentes escalas e conformações, olhando para onde as oportunidades existem (MOURA, 2013).
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Para a escolha do recorte, também um longo caminho precisou ser percorrido. De início, a aproximação se deu no nível de uma microbacia do território, ao buscar compreender a realidade dos seus componentes viários e realizar uma caracterização de seus elementos. Intencionava-se, através desta caracterização, compartimentar a microbacia em unidades de paisagem, que reunissem configurações urbanas e ambientais comuns. A partir do reconhecimento dessas unidades seriam apresentadas soluções para os diferentes micro recortes encontrados, todas se dando nos leitos viários. Planejar ao nível da microbacia é o que melhor se aproxima de uma gestão integrada do território, visando interconectar seus espaços para promover uma verdadeira qualificação urbana e ambiental, ao considerar os recursos e as especificidades do sítio. Em essência, esse entendimento permanece. O que ganhou novos contornos foi o recorte de investigação para a intervenção, que passou da escala de uma microbacia para a escala de uma zona especial do território: a ZEIS Bom Jardim, uma das 10 ZEIS prioritárias da cidade, e que recentemente passou pelo processo de elaboração do plano para a sua regulamentação. A escolha se deu por diversos motivos, mas primeira e essencialmente, se deu pelo olhar de aproximação. Em 2019.2, compondo a equipe técnica de Arquitetura e Urbanismo do PIRF (Plano Integrado de Regularização Fundiária) da UFC, foi possível ter uma outra vivência do local, olhando de perto os eixos de travessia que ali se fazem cotidianos em seus caminhos. Através desta aproximação primeira, as urgências ganharam cores concretas, vozes de pessoas reais, dados obtidos de relatos de quem vive o lugar. O trabalho agora considerará o planejamento territorial realizado, partindo de um entendimento do PIRF enquanto instrumento construído para lançar as bases de uma reestruturação integrada do território. Aqui serão consideradas suas resoluções, tendo como princípio a sua implementação. Esta, aliás, considera uma lógica temporal que compreende execuções a curto, médio e longo prazo, dado o caráter das urgências e a viabilização das etapas propostas.
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apresentação
Dessa vez, o micro recorte para o estudo de intervenção serão as ruas que se encontram no perímetro da ZEIS, considerando todas as diretrizes previstas para os eixos viários quanto à implementação de infraestruturas, pavimentação, bem com os parâmetros normativos propostos para cada subzona em que se encontram. As ruas podem ser, em muitos casos, os únicos espaços livres disponíveis dentro de assentamentos precários intensamente adensados, e por isso mesmo, podem ser também enxergadas como eixos para o início de uma transformação. A infraestrutura verde entra como aliada, buscando constituir e conformar territórios que sejam mais adaptáveis e resilientes frente às múltiplas problemáticas contemporâneas.
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objetivos
O trabalho objetiva vislumbrar a transformação de uma realidade local, ao longo do tempo, a partir da escala da rua. Entende-se a rua como um espaço livre estratégico para abrigar e implementar os elementos de infraestrutura verde, que se combinam e atuam como soluções para problemas de drenagem urbana, contribuindo para a construção desta transformação. Aliando-se ao PIRF, planejamento integrado tido aqui como importante instrumento para a orientação da regulamentação e requalificação territorial da ZEIS Bom Jardim, o trabalho visa a construção de um repertório técnico com composições materiais para as vias do território, pensando, ao fim, os cenários que representem as etapas destas implementações/transformações. Portanto, tem-se enquanto objetivos específicos: - Fundamentar o conceito de espaços livres como elementos estruturadores do território; - Compreender como a paisagem funciona enquanto infraestrutura; - Realizar uma contextualização da área compreendida como Grande Bom Jardim, sistematizando dados e informações; - Sistematizar as diretrizes do planejamento para a ZEIS Bom Jardim, a fim de relacionar suas orientações à construção de um repertório material e técnico para composições viárias; - Realizar um estudo de caso em uma via representativa do território, aplicando as estratégias de IEV e atestando dados de performance de absorção, drenagem e mitigação da poluição, para, por fim, ilustrar os cenários possíveis no caminhamento das transformações.
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apresentação
metodologia
A estrutura do trabalho se constitui em três etapas. Na primeira, nomeada Espaço, Funções, apresentam-se os campos temáticos, além de alguns conceitos fundamentais. A partir da análise de textos, artigos, teses, livros, etc, foi possível desenvolver a linha de abordagem e estabelecer as bases para o projeto, que se pautam nos seguintes temas: espaços livres públicos e a paisagem como infraestrutura. É nesta fundamentação teórica que se encontra, também, parte da problematização. Na segunda etapa, Espaço, Tempo, é feita uma contextualização de acordo com os dados históricos levantados acerca da cidade de Fortaleza e do território escolhido, o Grande Bom Jardim. Assim, partindo da escala macro, é possível haver a compreensão da ocupação e caracterização de seu espaço. Posteriormente, são elencados alguns dados através de gráficos e mapas, de modo que seja possível perceber alguns índices gerais (como população, renda, serviços urbanos) e as tendências do território. Em Espaço e Intenções, terceira e última etapa, são pensadas as possibilidades de melhoramento e adaptação do espaço para a transformação do território. Através de uma investigação das vias como os espaços livres estratégicos para a implementação das melhores práticas de manejo, o trabalho se propõe a pensar a construção de um lugar outro através do tempo, observando as diretrizes do planejamento territorial proposto pelo Plano Integrado de Regularização Fundiária da ZEIS Bom Jardim.
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estrutura
ESPAÇO, FUNÇÕES
espaço, território, paisagem espaços livres e a esfera pública
problematização
cidade, natureza
contextualização e levantamento de dados:
ESPAÇO,
a cidade (Fortaleza)
TEMPO
o território (GBJ)
diagnóstico
caracterização da paisagem
sistematização de diretrizes e propostas
ESPAÇO, INTENÇÕES
construção de um repertório urbano paisagístico
possibilidades
estudo de caso: aplicação
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espaço, funções
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espaço, paisagem, território
Neste capítulo, estudam-se algumas considerações sobre três conceitos primordiais para o trabalho: espaço, território e paisagem. Espaço para se entender o papel da espacialidade (isto é, dos espaços urbanos) e sua organização na sociedade, partindo da compreensão de que a forma como a cidade se distribui em termos estruturais, de localidades e serviços é ao mesmo tempo fruto e motor de dinâmicas sociais complexas. Paisagem, termo chave, por ter em vista que é ao olhar para a paisagem de um território em análise que se busca narrar a sua história, enxergar suas questões, suas necessidades e suas possibilidades. Possibilidades outras, que intencionem modificações no espaço que está posto e que se dariam/articulariam na escala da paisagem. Território, por buscar o que caracteriza um espaço enquanto um, o que se deve ao fato da escolha do lugar estudado, que recebe o nome de Grande Bom Jardim pelo seu reconhecimento enquanto uma unidade territorial. Interessa encontrar no que se pode pautar essa unidade, a fim de saber em que termos tem-se a definição de uma territorialidade. Além disso, entende-se que se trata de uma subjetivação, ou seja, é um campo relacional onde há um sujeito que ocupa um espaço e assim o define como território seu. E a arquitetura se faz a partir dessa relação, em que o homem adapta o meio à sua existência, demarcando nela a sua localização (SHULTZ, 2006).
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espaço, funções
[sobre espaço]
Não vamos nos deter sobre todos os postulados e teorias acerca do espaço e sua caracterização, a princípio. Coloca-se aqui uma breve, porém precisa, consideração de Santos1 (1985) no que tange à sua natureza. É natural concentrar-se em acepções de materialidade quando se fala em espaço; vislumbramos o meio físico, seus objetos e disposições. Mas, de certo, a qualidade material não o descreve plenamente: “Consideramos o espaço como uma instância da sociedade, ao mesmo título que a instância econômica e a instância cultural-ideológica. Isso significa que, como instância, ele contém e é contido pelas demais instâncias, assim como cada uma delas o contém e é por ele contida. (...) Isso quer dizer que a essência do espaço é social” (SANTOS, 1985, p. 01)
Ora, se o espaço contém e é contido por todas as instâncias da sociedade, pode-se apreender que assim como as dinâmicas que se dão nos âmbitos sociais terão as suas repercussões no espaço, refletindo-se em construções ou modelos materiais, a estruturação do espaço vai também repercutir nas dinâmicas sociais. É uma relação de mútua interferência, e não se deve descartar os efeitos que a espacialidade exercerá sobre a sociedade. É a partir desse entendimento do espaço como um híbrido entre materialidade e sociedade (QUEIROGA, 2011) que investigamos as hierarquias que se definem na conformação do território, considerando a distribuição dos indivíduos segundo suas classes sociais (SANTOS, 1987). Quando se afirma que o espaço urbano é socialmente produzido, infere-se que para isto é necessário despender-se trabalho para a produção de algo socialmente útil (VILLAÇA, 1998, p. 72). Se
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SANTOS, Milton. Espaço e Método, 1985, p.05.
espaço, paisagem, território
falamos de trabalho, falamos de valor e este valor do espaço não se atrela somente ao que foi produzido em si, mas também à sua localização - cujo valor é produzido pelas aglomerações (ibid). Nesse jogo de valorização é presumível que haja uma apropriação da terra urbana como mercadoria. Quando se agrega valor à espaços determinados, o que se garante ou deixa de se garantir aos seus respectivos habitantes é algo que importa atestar, já que o direcionamentos estarão condicionados pela lógica de mais-valia. Na produção social do meio urbano as localizações cumprirão um importante papel na medida em que os níveis de vida serão afetados segundo o acesso a determinados bens e serviços pela população (SANTOS, 1987). São questões que precisam ser levantadas e avaliadas. Se na gestão territorial ocorre a diferenciação do acesso aos bens distribuídos, então ocorrerá a diferenciação de acesso à direitos. Se não serão todos os beneficiados com o desenvolvimento do meio, não terão todos os mesmos direitos. É para isso que se deve atentar: como a gestão do espaço pode transformar a sociedade?
[sobre o território e a paisagem] Para sobreviver em um meio natural, o homem precisará adaptar-se às suas condições e disponibilidade de recursos e precisará, ao mesmo tempo, adaptar o meio às suas próprias necessidades. Este é um princípio fundamental para o entendimento da morfologia e do funcionamento das aglomerações humanas, uma vez que, partindo agora de necessidades socialmente construídas, o homem modificará o meio de acordo com as suas demandas de consumo, produção, locomoção, circulação ou trocas, e gestão da sua organização enquanto sociedade (CASTELLS apud SERRA, 2006). O resultado dessa transformação da natureza, artifícios criados e dispostos pelo homem, é o que se busca compreender aqui como território.
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espaço, funções
Este conceito de território pressupõe a ideia de um espaço que é habitado, e, portanto, adaptado às necessidades humanas e às suas intenções de transformação (TARDIN, 2008). Ora, quaisquer que sejam as transformações intencionadas, estas só serão efetuadas a partir de uma movimentação, de uma determinada ação. Logo, o território se constitui como o lugar da ação, ao qual está atrelado um sentido de pertencimento (ibid). Este sentido de pertencimento, pode-se dizer, acaba redundando numa ideia também de posse: o sujeito modificador pertence àquele lugar e, de certa forma, o demarca, o detém. Se, pois, examinamos o campo das ações humanas, poderemos expandir as considerações, então, para a perspectiva da subjetividade, ao considerar que tais ações não derivam de meros reflexos mecânicos ou instintivos. Elas sucedem uma percepção e uma apreensão do meio, “Isto é, o território é considerado como espaço construído pelo homem, sobre uma primeira natureza, e a paisagem se aborda como a introdução da interpretação humana sobre este espaço físico. O resultado desta união, a paisagem artificializada, abarcaria a construção física do espaço e o uso em si mesmos, a percepção visual e a leitura do lugar, em sentido figurado, com significação própria para cada lugar e para a comunidade.” (TARDIN, 2008, p. 44. Grifo da autora.)
A paisagem, enquanto materialidade, pode ser descrita como a configuração da disposição dos objetos geográficos num território, numa continuidade visível (SANTOS, 1985). Aqui, todavia, o adjunto artificializada traz além de uma especialização para o termo um entendimento de paisagem enquanto unidade relacional. “Uma paisagem é uma realidade relacional em todos os sentidos, e por isso mesmo, sempre relativa. Depende da escala da observação, depende do enfoque privilegiado, depende das relações reconhecidas não só entre os objetos, mas entre as escalas em que são investigados.” (SANDEVILLE, 2004, p. 02 e 03)
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espaço, paisagem, território
Retomando os apontamentos de Tardin, nos quais ela conclui que a interpretação da paisagem agirá como um determinante das práticas que se darão sobre ela, e que a paisagem estaria “em um processo de evolução contínua, que comportaria na sua realidade espacial a testemunha de um passado e as indicações para a transformação futura” (2008, p.44), é possível relacionar que: 1. a sua interpretação irá contribuir para a compreensão das bases lógicas de construção dos espaços; 2. a interpretação intencionada, “dotada de intenção projetual, permite dinamizar estas bases lógicas existentes, resultando em uma concepção do território como objeto transformável onde convergem o espaço, a função e a intenção”. É na interpretação da paisagem, portanto, que se estabelecem as bases subjetivas para suas futuras intervenções. Nisso se constitui, por fim, a paisagem artificializada, que “reúne diversos componentes em sua estrutura física: os assentamentos, as infraestruturas e os espaços livres.” (ibid.). Interessa-nos aqui, então, reconhecer os sujeitos modificadores das paisagens urbanas, bem como as lógicas que estruturam suas ações, na medida em que estas ações (ou não-ações) acabam resultando em uma diversidade de formas de ocupação e apropriação do espaço na cidade. Isso envolve os âmbitos público e privado, e este último, ainda que não pretenda, terá suas repercussões nos espaços de uso coletivo. Nos interessa, principalmente, saber como isso afetará cotidianamente a vida das pessoas. Quais são as ressonâncias do processo de diferenciação dos espaços urbanos?
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02
espaços livres e a esfera pública
Entendendo que dentre as inúmeras questões do território estudado está a qualidade de seus espaços públicos e a sua urbanização incompleta, faz-se necessário partir de um entendimento que reconheça a dimensão e importância do sistema de espaços livres na sua (re)conformação territorial. Para isto, este capítulo seguirá por uma conceituação básica de espaços livres, como eles se organizam e se constituem em sistemas, e ainda como se faz a leitura de seus elementos. Enquanto uma totalidade, os sistemas de espaços livres compõem-se como estruturadores locais, sejam eles de elementos naturais ou construídos. É, portanto, imprescindível compreender seu papel na promoção e manutenção da qualidade da vida urbana. O tópico sobre a esfera pública busca compreender o subsistema de espaços livres públicos enquanto suporte da vida social numa cidade, e como eles são apropriados pelos seus habitantes enquanto espaços desse viver público, em comunidade.
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espaço, funções
[os espaços livres] Consideremos o ambiente urbano. Pode-se defini-lo, primordialmente e em termos físicos, como uma composição das áreas edificadas e o seu negativo - as áreas livres de ocupação. Avançando um pouco sobre essa definição primitiva e refletindo sobre o papel das áreas livres, entende-se que estas estão diretamente ligadas ao funcionamento da sociedade na trama urbana: eixos viários que representam importantes canais de deslocamento e trocas, zonas mais amplas de convergência e convivência como largos e praças, espaços de cultivo e/ou contemplação como jardins públicos ou privados, dentre outras tantas variedades de configurações. De acordo com Magnoli (1982), os espaços livres dizem respeito, portanto, às superfícies descobertas, livres de edificações, pertencentes ou não a um ambiente urbano, cobertas ou não por vegetação, pavimentadas ou não, sejam elas públicas ou privadas (apud QUEIROGA, 2011). Os recursos naturais do território são, por sua vez, espaços livres em essência, se apresentando como “o lugar da natureza”, congregando funções biológicas para a estabilidade dos ecossistemas em seu seio material. Em verdade, é essa diversidade de modelos e funções que acaba caracterizando os espaços livres, que se constituem como “o componente mais flexível da estrutura do território, seja funcional ou espacialmente” (TARDIN, 2008, p.44). Tal flexibilidade faz com que estes elementos sejam absolutamente estratégicos na ocasião da reordenação de um território (ibid). É por representar essa possibilidade de reestruturação territorial que se torna fundamental a análise desses espaços: “A importância das análises sobre estas superfícies se fundamenta no fato de que, por um lado, geralmente são áreas cujo valor estrutural não é reconhecido pelo planejamento (...) e, por outro lado, constituem espaços que são ameaçados pela ocupação urbana” (TARDIN, 2008, p.45).
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espaços livres e a esfera pública
[espaços livres em sistema] Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos correlacionados, interligados e organizados, que interagem entre si e com o seu exterior. Segundo Morin (2008) “o conceito de sistema exprime ao mesmo tempo unidade, multiplicidade, totalidade, diversidade, organização e complexidade” (apud QUEIROGA, 2011). É com base no reconhecimento da caracterização e do funcionamento de um sistema, que se busca compreender as inter-relações dos espaços livres, partindo do entendimento que eles se conformam em um todo integrado. Tardin (2008, p.46) coloca o sistema espacial sob a perspectiva de um conjunto de elementos em escalas distintas, que estabelecem relações de naturezas distintas, entre si e com o seu entorno, “sob influências mútuas e em relativa autonomia”. Ou seja, seus elementos estão verdadeiramente intrincados, afetando-se e sendo afetados, interior e exteriormente. Ressalta-se que a relação escalar dos elementos no sistema implicará em afetações de níveis distintos, de maneira que as ressonâncias terão sua variação de amplitude em função dessa escala - quanto maior a escala, maior a ressonância. São essas inter-relações que constituem os espaços livres enquanto um todo sistêmico propriamente dito, já que, estando em conjunto, significam muito mais do que meros elementos justapostos (SANTOS, 2002). Se nos detivermos sobre a composição física do sistema espacial, teremos de considerar a diversidade de seus elementos, encarando que, nessa realidade, grupos de elementos podem se conformar em subsistemas, contidos pelo sistema maior. Pode-se dizer que tais elementos se comportam como peças de um mosaico de paisagem, variando em aspectos de continuidade e descontinuidade, definindo-se em espaços cuja leitura se pauta nas suas configurações enquanto fragmentos, corredores, matrizes e fronteiras (FORMAN, 1995 apud TARDIN, 2008).
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espaço, funções
Baseados nas suas estruturas e dinâmicas, esses elementos podem ser definidos, segundo TARDIN (2008, p.46), da seguinte forma: uma matriz “representa os ecossistemas que ocupam áreas extensas, englobam fragmentos e corredores, é muito conectada e controla as dinâmicas da paisagem regional”. Caracterizada por sua conectividade, a matriz exerce grande influência sobre os demais elementos do sistema. Os fragmentos, são “peças do mosaico que possuem características homogêneas e que podem adquirir distintos formatos”, e estão, em geral, isolados dentro de uma matriz, ainda que estejam inseridos nela. Os corredores são “elementos lineares que diferem de seu entorno e atravessam um lugar” e são como conectores, facilitando a ligação entre os demais elementos do sistema. Podem se constituir enquanto corredores de vegetação ou de fluxos, acompanhados pelas faixas lineares de vegetação. Já as fronteiras tratam-se das margens que se estabelecem no encontro de um elemento e outro.
Na imagem ao lado, o eixo do Rio Maranguapinho pode ser lido como um corredor na paisagem da cidade. A malha urbana seria a matriz na qual este corredor está inserido, e as praças e áreas verdes dispersas no tecido urbano, são tidas como fragmentos.
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espaços livres e a esfera pública
RIO MARANGUAPINHO
Figura 1.1: Matriz e elementos da paisagem urbana
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espaço, funções
[uma totalidade] Um organismo vivo, dinâmico, plural. Assim se constitui o território, como um ente sujeito a contínuas variações e transformações, dadas através dos mais diversos agentes (sejam eles naturais ou sociais) e cujas modificações se encontram espacializadas em torno de um eixo temporal. Esta consideração é fundamental na ocasião de seu planejamento, pois caso as decisões se pautem numa falaciosa ideia de estanqueidade, os prejuízos acarretados podem vir a ser inúmeros. Partindo desse princípio, reitera-se o papel estratégico que os espaços livres podem assumir como base para a reestruturação e renovação do território. São estratégicos justamente por ainda não estarem ocupados, configurando-se como uma espécie de margem de tolerância da expansão, provendo serviços para um equilíbrio sistêmico. Trata-se de uma mudança de perspectiva, considerando que, historicamente, os espaços livres naturais no território sofreram uma espécie de desintegração de modo a se adequar a ocupação (TARDIN, 2008, p.53), gerando uma notável fragmentação no tecido urbano. Ocorre que, a despeito da postura adotada, os elementos espaciais se integram, afetando-se mutuamente nas suas interconexões, e implicando também no funcionamento da cidade. Relacionar os espaços livres, integrando-os ativamente à malha de funcionamento urbano para se opor à esta segmentação desequilibrante, é entendê-los enquanto uma dimensão ativa no projeto territorial, equilibrando as necessidades coletivas e os recursos do território. Dessa forma, é possível pensar-se em uma outra lógica para a urbanização, para além daquela ditada pelas onerosas obras de infraestrutura e pressões imobiliárias (ibid).
[espaços livres públicos] Mesmo que pareça elementar, precisaremos nos deter rapidamente sobre o conceito que define o que é público. Encontraremos que o público é “relativo ou pertencente a um povo ou ao povo, que serve para o uso de todos, comum (...)”. Isto é, refere-se ao que está a disposição da coletividade. Importa dedicar atenção ao caráter que o vincula ao popular: não se pode qualificar como essencialmente público algo ao qual se impõe restrições em termos de acesso ou uso.
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espaços livres e a esfera pública
Os espaços livres públicos podem ser compreendidos como um “subsistema dentro do sistema de espaços livres (...) voltado à esfera de vida pública, notadamente os bens de uso comum do povo” (QUEIROGA, 2011). São os espaços em que ocorre a manifestação da vida pública: a rua, a praça, o parque público, por exemplo. É, em geral, nos espaços livres públicos onde pode ser percebida a concretização de uma das características humanas mais essenciais: a sociabilidade. O organizar-se e o conviver socialmente, estabelecendo trocas de diferentes naturezas. “O espaço público, portanto, deve ser visto como um conjunto indissociável das formas assumidas pelas práticas sociais” (ALEX, 2008, p.20). A esfera pública, manifestada na escala dos espaços urbanos, expressa em suas dinâmicas as contradições materiais presentes na vida urbana, ao evidenciar aspectos de “presença e ausência, riqueza e pobreza, força e fragilidade, violência e solidariedade” (QUEIROGA, 2014, p.131), e aí reside um importante ponto a ser considerado: como a materialidade dos espaços livres públicos pode representar um verdadeiro meio para a sua apropriação? Ou ainda, como a apropriação dos espaços públicos pode, efetivamente, transformar os espaços de participação? A riqueza da vida pública está naquilo que as pessoas fazem dela, especialmente quando, ao transformar seus espaços naqueles desejados por elas, criam-se os novos locais de participação para a realização das construções coletivas. E é nesta construção que podem ser lançadas as bases para as mudanças. Aqui, propõe-se olhar para os espaços livres públicos enquanto esse suporte material para as mudanças, pela sua significação na qualidade da vida urbana. Neles podem ser enxergadas as brechas para o princípio das pequenas transformações: “O espaço é um híbrido em movimento, mesmo quando sua materialidade apresenta maior permanência no tempo. Entre os espaços urbanos, são os espaços livres os que mais facilmente podem acolher mudanças.” (QUEIROGA, 2014, p.131)
Eles representam os espaços das disputas, diretas ou simbólicas, sendo também os que apresentam as maiores possibilidades para a manifestação da “diversidade, da pluralidade e do imprevisto, características de uma esfera pública mais rica” (ibid).
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03
cidade e natureza
“[a cidade é] a tentativa mais bem-sucedida do homem de refazer o mundo em que vive mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção clara da natureza da sua tarefa, ao fazer a cidade o homem refaz a si mesmo.” — ROBERT PARK. American Journal of Sociology, 1916, PP.577-612
De maneira breve, busca-se esboçar um entendimento da relação predatória homem-natureza dentro do sistema capitalista de produção, para situar a pesquisa no mundo concreto, onde esta é a conduta normatizada e em constante reprodução de acordo com a regência sistêmica. Se faz necessário entender que o modo de produção e reprodução de estruturas racionalizadas e apartadas do meio e processos naturais não só é mais dispendioso, como também destrutivo a médio e longo prazo. A infraestrutura verde, aqui, apresenta-se como uma lógica outra para os sistemas estruturais, podendo ser aplicada como estratégia nos espaços urbanos para prover, além de uma qualificação da paisagem, serviços ecológicos para o manejo e controle pluvial.
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espaço, funções
Já foi colocado que o homem, para sobreviver e conseguir desenvolver suas atividades, age sobre o meio natural, modificando-o. Seguindo esta linha, podemos partir para a compreensão da urbanização como uma resultante das necessidades da sociedade industrial (LEFEBVRE, 2001; HARVEY, 2013), onde as cidades congregam, em seus territórios, o suporte das aglomerações humanas, a rede de infraestruturas necessárias para o funcionamento do sistema e, essencialmente, os excedentes de sua superprodução. Ora, tal natureza de produção possui, em geral, um padrão predatório onde a exploração dos recursos naturais se dá à exaustão, de maneira insustentável e ainda sem considerar os seus rebatimentos sobre o todo. O que vigora é um sistema desequilibrante, gerador de grandes impactos - que em nenhum momento está apartado da produção social do meio urbano, vale dizer - que acaba estabelecendo relações de crise (como mudanças no clima e no ambiente, nos ciclos naturais, etc). A visão de cidade como que em oposição à natureza é dos principais propulsores desse desequilíbrio, uma vez que, a partir dessa postura de “negação” os projetos urbanos são realizados segmentadamente, pouco ou de nenhuma forma se apropriando das potencialidades e vantagens dos processos naturais. Prevalece uma noção de triunfo humano sobre o “meio bruto” (FREITAS, 2004). Acontece que é verdadeiramente impossível dissociar a cidade da natureza - e aqui não se fala das regiões intocadas ou dos fragmentos verdes que possam compor os interiores urbanos. Desde a sua própria constituição material, sua área edificada, seus serviços de abastecimento, equipamentos, até o que se entende pelo suporte da sua construção, tudo deriva de pré-configurações e recursos naturais. É a partir desse entendimento que se devem estabelecer os critérios e os princípios no campo do planejamento da paisagem urbana, pensando nas ações humanas sobre o território de maneira que elas estejam “compatibilizadas com a capacidade dos ecossistemas absorverem os impactos advindos das atividades previstas e de se manter a integridade maior possível dos processos e ciclos vitais que ocorrem em seu interior”. (PELLEGRINO, 2000)
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cidade e natureza
[alguns efeitos da urbanização] A tendência para a expansão acelerada das áreas urbanas e o crescimento de sua população no último século (verificado principalmente nos países em desenvolvimento) vem gerando e concentrando efeitos negativos sobre o ambiente natural. Ocorre um incremento das superfícies impermeáveis através da construção de novas edificações para os assentamentos, da ampliação do sistema de eixos viários para a mobilidade, além da costumeira canalização dos recursos hídricos e aterramento de suas planícies fluviais (MORETTI, 2000; BENTO, 2011). A implantação generalizada desse modelo de ocupação do solo tem efeitos, sobretudo, no ciclo hidrológico. Se nos atentarmos para o fato de que, uma vez estando o solo impermeável, não haverá qualquer porosidade que permita a infiltração das águas pluviais, isso implicará num aumento do volume a ser escoado. O escoamento, por sua vez, também se tornará mais veloz, carregando toda a sorte de resíduos e poluentes que atingem um meio urbanizado. As águas serão então conduzidas para as galerias de drenagem e, posteriormente, pode ser que acabem sendo lançadas em corpos hídricos - muitas vezes sem que recebam qualquer tipo de tratamento. Não é preciso muito esforço para entender quais desdobramentos isso terá. Num primeiro momento, pode-se apontar a consequente poluição dos recursos hídricos, já que estarão recebendo cargas significativas de poluentes graças ao carreamento dos resíduos nos escoamentos. Em seguida, constataremos que haverá um aumento na vazão de pico, por se tratar de uma unidade que varia basicamente em função do volume e do tempo. Esse incremento na vazão certamente irá exercer pressão sobre a bacia de drenagem, contribuindo, em alguns casos, no aumento da erosão e consequente desmatamento da mata ciliar (MOURA, 2013). Havendo uma sobrecarga para os eixos hídricos que drenam os escoamentos, poderá haver também extravasamentos, transbordando sobre suas planícies fluviais. Isso se rebaterá, por exemplo, nos territórios e assentamentos locados próximos a estas áreas, que se tornarão mais suscetíveis aos riscos de inundação e enchentes.
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espaço, funções
Importa saber: quem é vulnerável na cidade? Há uma relação latente entre vulnerabilidade ambiental e vulnerabilidade social. Os mais suscetíveis aos desastres naturais são, em grande parte, exatamente aqueles que ocupam as áreas mais frágeis, pré-dispostas a riscos, e que se encontram ali justamente por não conseguirem acessar os espaços formais da cidade - dominados pelas intenções mercadológicas. As fragilidades, então, se sobrepõem, os efeitos se potencializam e as amplitudes do espectro de risco se expandem. [infraestruturas no território] “Base material para o funcionamento de uma sociedade” é uma das definições que encontramos para o termo infraestrutura. De fato, ao nos depararmos com as tipologias infraestruturais no meio urbano veremos o papel de suporte que elas prestam às mais variadas demandas, que vão desde a mobilidade urbana até o abastecimento de grandes regiões. O que se observa nos sistemas implantados, contudo, é a sua tendência à monofuncionalidade, uma vez que cada tipologia dedica-se a atender apenas a questões específicas. Observa-se, também, que tais infraestruturas encontram-se meramente sobrepostas no território, com pouca ou nenhuma integração (MOURA, 2013). “Cada um com seus respectivos projetos pensados a partir de suas necessidades e requerimentos específicos, tendo as outras redes de infraestrutura apenas como rivais na disputa pelo espaço urbano, e a estrutura urbana e natural pré-existentes vistas apenas como meros obstáculos a serem transpostos e vencidos.” (AHERN et al, 2012, p. 01 e 02)
Esta desconexão resultará numa menor eficiência quanto ao funcionamento geral da cidade (ibid.). A sua manutenção também se dará de forma independente, exigindo, assim, maiores gastos com materiais, energias e, portanto, gerando mais desperdício. Soma-se a isto o fato de que estes modelos materiais repetem padrões típicos da
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cidade e natureza
industrialização (produção seriada, artificializada, etc), impactando paisagens, impermeabilizando indistintamente o solo e agravando fragilidades. “Apesar de sua eficiência no atendimento imediato dos problemas detectados, elas acabaram contribuindo para o aumento na frequência de enchentes, a piora do clima urbano, a perda da biodiversidade, a degradação das nossas paisagens e dos espaços de uso da população.” (MOURA et al, 2015, p.26)
É comum referir-se a este conjunto de tipologias como infraestrutura cinza, uma vez que suas soluções são antropizadas, usualmente apartadas da natureza e seus processos. A rigidez dos sistemas impede uma maior adaptabilidade de seus elementos, comprometendo o funcionamento da cidade na medida em que se deterioram.
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espaço, funções
[paisagem como infraestrutura] Falou-se do modelo de urbanização para o qual se inclina a produção das cidades, apontando a lógica que estrutura seus padrões e as repercussões geradas no meio e nos ciclos naturais. Também foi mencionada a importância de dirigir as intervenções humanas com base num entendimento de que não se aparta a urbanidade da natureza, visto que seus elementos se interconectam e interdependem (PELLEGRINO, 2000), e, principalmente, porque tal postura pode contribuir para potencializar vulnerabilidades. O que se busca agora é demonstrar, frente a incessante expansão urbana, possibilidades projetuais que respondam às demandas da cidade sem precisar exercer tantos impactos, podendo, até mesmo, vir a complementar os sistemas tradicionais. “Entender e projetar a paisagem como uma infraestrutura, de forma a assegurar que as funções dos espaços abertos urbanos possam ser otimizadas e que a arquitetura desses espaços possa ser novamente recolocada como uma atividade projetual decisiva para alcançar uma nova qualidade e resiliência urbana” (Paulo Pellegrino no texto Novas Funções Da Paisagem, p.03)
[infraestrutura verde] Em contraponto ao suporte rígido e esterilizado das infraestruturas cinza, colocam-se as alternativas que visam apropriar-se dos próprios espaços abertos disponíveis e do repertório do meio biológico para o seu funcionamento: a infraestrutura verde é dada como possibilidade de reconciliação entre as necessidades da urbe e a natureza, propondo um suporte mais adaptativo e sustentável às atividades humanas. O conceito de infraestrutura verde reside num entendimento de que na instituição dos espaços livres, a conservação de seus serviços e processos ecológicos deve transcender a usual colocação de mera
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amenidade no território, ao assumir os benefícios que eles provêm e a sua contribuição para o equilíbrio e manutenção dos ecossistemas. Além disso, os processos biológicos são tomados como tecnologia nos sistemas infraestruturais, contribuindo para um desempenho urbano mais em conformidade com o meio natural, de baixo impacto. Assim, o entendimento de infraestrutura passa a agregar princípios para além dos administrativos e funcionais já estabelecidos (MOURA, 2013). Nas palavras de BENEDICT & MACMAHON (2006, p. 03), a infraestrutura verde é “(...) uma rede interconectada de espaços verdes (incluindo áreas naturais e assim caracterizadas, áreas de conservação públicas e privadas, áreas trabalhadas com valores de conservação e outros espaços abertos protegidos) que são planejados e manejados por seus valores de recursos naturais e pelos benefícios associados com as populações humanas. É um processo que promove a aproximação sistemática e estratégica para a conservação da terra da escala nacional à escala local, encorajando o uso do solo e o seu planejamento em benefício da natureza e das pessoas” (apud MOURA, 2013).
A infraestrutura verde, então, se conforma numa rede que abrange uma variedade de espaços, escalas e configurações, nos âmbitos público e privado, podendo ser compreendida em um sistema de elementos integrados e interdependentes que cooperam para o seu funcionamento. Essa configuração em sistema tem uma leitura análoga à aplicada na Ecologia da Paisagem (MOURA, 2013) e seus elementos constituintes podem ser reunidos em: pólos, que são como âncoras para as redes de infraestrutura, provendo espaço para fauna e flora nativos, assim como origem e destino para espécies selvagens, pessoas e processos. Podem se dar em diversas formas e tamanhos, como reservas ambientais, parques nacionais, florestas estaduais, etc; conexões, que interconectam e amarram o sistema. São essenciais para manter os processos ecológicos, assim como a saúde e a biodiversidade;
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espaço, funções
BIORRETENÇÃO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO | FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO | Paisagem e Ambiente
TE CNOLOGIA A MBIENTAL URBANA PARA MANEJO DAS ÁGUAS DE CHUV A
Figura 2.3. Elementos que compõem uma Infraestrutura Verde. Para cada estrutura, foram identificados os possíveis constituintes de uma rede. Autor: Newton Becker.
Figura 1.2: Elementos de Infraestrutura Verde. Autor: Newton Becker. bacia de vizinhança, quanto dos grandes rios que cortam o tecido urbano e, por ocorrer de forma tão abrangente na paisagem e na infraestrutura urbanas, os recursos hídricos devem ser pensados de forma igualmente abrangente e holística, como um sistema interagindo diretamente com todos os processos, serviços e agentes que nele atuam e dele dependem.
fragmentos, que são menores que os pólos e podem não estar necessariamente ligados a áreas de preservação, mas contribuem para a difusão de valores ecológicos e sociais. INFRAESTRUTURA VERDE (IEV): CONCEITO E ESTRATÉGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE URBANA
2 .1
2.1.1
[tipologias] O conceito de Infraestrutura Verde
A acepção de infraestrutura na língua portuguesa corresponde ao sistema dese serviços públicos de uma cidade, comocaracterística rede de A multifuncionalidade estabelece como uma
subsvez que integra-se à paisagem uma diversidade de funções, reconhecidas e aproveitadas da natureza, como o controle ambiental e a regulação climática, provimento, drenagem e tratamento da água, além de servir de suporte para atividades como locomoção, recreação, convívio, lazer, etc (CORMIER & PELLEGRINO, 2008). A paisagem, então compreendida como infraestrutura, supera um exclusivo valor cênico e passa a cumprir papel estratégico no desenvolvimento territorial.
esgotos, abastecimento de água, energia tancial elétrica, coleta pluviais, rede gás canalizado (Dicionário paradeaságuas tipologias detelefônica, infraestrutura verde, uma
Essa flexibilidade quanto à escala da aplicação, à forma e à materialização de suas tipologias é o que constitui a infraestrutura verde como um método possível e acessível. E é lógico que assim seja, uma
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cidade e natureza
vez se estrutura em torno daquilo que pode prover a natureza – essencialmente, seus elementos e processos biológicos. Pode parecer redundante, mas trata-se de uma ênfase; principalmente se considerarmos que não seria a estratégia mais eficiente lidar com os problemas que já existem utilizando a mesma lógica e os métodos usuais. A possibilidade de acessibilizar serviços urbanos, promovendo a integração das demandas da comunidade com a própria paisagem, qualificando seus espaços e assim melhorando as condições gerais de vida (humana e natural) é uma das grandes vantagens que justificam a sua escolha. As infraestruturas verdes têm ainda a vantagem de serem adaptáveis aos espaços urbanos, podendo ser aplicadas nas mais diversas escalas. Alguns conceitos acerca das tipologias de IEV serão aprofundados e abordados no capítulo 7. A seguir, serão apresentadas algumas das tipologias que podem ser empregadas mesmo em pequenos projetos: Adaptação no meio fio para entrada do escoamento
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Na imagem ao lado, a demonstração de um jardim de chuva, que pode ser alocado na rua ou no lote para receber os escoamentos pluviais.
Figura 1.3: Exemplo de jardim de chuva em zona urbana. Fonte: Low Impact Development: Opportunities por the planet region.
Infiltração da água no solo
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espaço, funções
Figura 1.5: Canteiro pluvial ao longo de trecho de via, recebendo
parte dos escoamentos do entorno. Fonte: Low Impact Development: Opportunities por the planet region.
Os pavimentos mais porosos permitem a retenção da água no local ao garantir a sua infiltração, reduzindo o fluxo escoado.
Figura 1.4: Infiltração da água em um pavimento poroso. Fonte: Low Impact Development: Opportunities por the planet region.
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Figura 1.6: Exemplo de biovaleta. Fonte: Low Impact Development: Opportunities por the planet region.
cidade e natureza
[paisagens multifuncionais, territórios resilientes]
Os canteiros pluviais são como jardins de chuva, só que compactados ao longo de trechos viários nos espaços urbanos.
A criação, implementação e possibilidades de expansão dos sistemas tradicionais reside numa lógica que busca perpetuar e proteger o seu modelo. Eles são criados e desenvolvidos dentro de uma racionalidade auto-protetora, que visa a sua perpetuação e acaba por consolidar a sua rigidez e desintegração. Sabe-se que, ao mesmo tempo, se pode identificar curtos-circuitos no sistema: são as “ações contrárias”, que conseguem demonstrar além de suas limitações as oportunidades para se trabalhar com novas alternativas de projeto. Tais “curtos” servem para evidenciar as lacunas desses sistemas hegemônicos, que respondem às demandas com soluções que acabam por instituir um efeito de cadeia: o que é gerado num lugar é passado para outro, e assim por diante. Este modus operandi é generalizado e não considera as implicações no meio. Entender a paisagem como um suporte adaptativo e provedor de recursos e serviços para os espaços livres urbanos, de modo que estes espaços venham a se integrar enquanto rede, é uma forma de superar a lógica da monofuncionalidade das infraestruturas e multiplicar os benefícios das soluções em infraestrutura verde no território urbano,
As biovaletas também são similares aos jardins de chuva, mas compreendem depressões vegetadas ao longo de um eixo linear (como leitos de vias, estacionamentos), que podem contribuir para mitigar a poluição difusa através da filtragem natural.
“aumentando, como um todo, a resiliência das cidades, preparando-as melhor para o enfrentamento de eventos futuros, previstos ou imprevistos. Essas ações se caracterizam pelo objetivo de estabelecer pontes entre a urbanização, o aproveitamento dos serviços ambientais e a recuperação das águas urbanas” (MOURA et al, 2015, p.27)
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espaço, tempo
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a cidade, o tempo
Este trabalho teve o seu ponto de partida num território, a saber, o Grande Bom Jardim, localizado em Fortaleza, capital do Ceará. O contexto no qual ele está inserido na cidade, desde o histórico da sua ocupação à sua caracterização urbana e socioespacial na atualidade, interessam para uma investigação. Como não se aparta o contexto local do quadro municipal, ou mesmo nacional, parte-se de uma breve introdução às circunstâncias da urbanização brasileira, passando por uma contextualização geral de Fortaleza, abordando seu princípio de formação e estreitando a análise até o nível da porção na qual se encontra o recorte escolhido. Compreende-se o tempo enquanto continuidade, um eixo em torno do qual se espacializam e acumulam as mudanças na paisagem (SANTOS apud TARDIN, 2008), mas aqui, também, como o tempo que decorre das distâncias físicas e, especialmente, das sociais. O seu caminhar é relativo quando em função dos diferentes sujeitos e suas interferências no espaço, e sabemos que, num território onde se reclama a invisibilidade e o esquecimento, o tempo pode ser a unidade que melhor traduz as ações em termos de vontade.
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Mapa 2.1: Localização do território e Centralidades Dados: IBGE [2010], Google Earth Elaboração: Autora
espaço, tempo
Fortaleza, a metrópole
A urbanização do território e da sociedade brasileira tornou-se generalizada a partir do terceiro quartel do século XX (SANTOS, 2008, p.06). Sabe-se que nesse processo o crescimento acelerado das cidades ocorreu concomitantemente ao fenômeno de metropolização e o país, outrora essencialmente agrário, passou a locar atividades e relações de distintos níveis de complexidade nas suas novas formas de ocupação. Conforme relacionado anteriormente, a urbanização das cidades esteve intimamente ligada ao seu desenvolvimento industrial e econômico. No contexto brasileiro, a intensidade do processo e sua subsequente territorialização - que se dedicou à rapidez e à facilidade do escoamento produtivo - propiciaram o surgimento de núcleos urbanos integrados em uma única metrópole (REIS, 1996 apud DIÓGENES, 2012, p.65). Isso configura a metropolização como a característica mais marcante da urbanização do século XX (ibid), consolidando a concentração urbana como seu modelo e estabelecendo uma diferenciação no território, que passou a sofrer transformações em sua estrutura física, assim como também nos níveis econômico, social e ambiental. Foi nesse cenário que se deu a formação da região metropolitana de Fortaleza (instituída na década de 70) que, uma vez escolhida para sediar a base industrial do Ceará, transformou-se num verdadeiro pólo a atrair migrantes do restante do estado (ALMEIDA, 2012, p.60). Assim, a região se fortaleceu como uma grande unidade concentradora, sem que, contudo, o seu desenvolvimento econômico significasse também o seu desenvolvimento social ou garantisse a sua qualidade urbanística. Na verdade, este incremento populacional contribuiu “para a expansão urbana desordenada e para a proliferação de problemas ambientais, ligados ao forte déficit habitacional e à ocupação de áreas suscetíveis a perigos ambientais, à falta de saneamento e à crescente demanda de recursos naturais” (ALMEIDA, 2012, p.62).
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a cidade, o tempo
E aqui é preciso atentar-se, sobretudo, ao perfil social da grande maioria dos migrantes: baixa qualificação profissional e vulnerabilidade socioeconômica, além da pouca adaptabilidade a vida urbana, o que acabava por levá-los a viver em formas precárias de habitação (ibid). Na ocasião de sua criação, a região metropolitana contava com cinco municípios - Fortaleza e as cidades limítrofes: Caucaia, Maracanaú, Pacatuba e Aquiraz. Hoje ela é composta por 19 municípios e concentra cerca de 43% da população total do estado, segundo dados do IBGE 2010. Fortaleza, por sua vez, reúne aproximadamente 68% da população metropolitana, tendo experimentado um crescimento expressivo no decorrer das últimas quatro décadas. A capital acumula as atividades econômicas e os serviços urbanos, cumprindo um papel centralizador ao atrair a maior parte dos investimentos e da população migrante. Essa relação estabelece uma condição de macrocefalia urbana, consolidando sua dominação sobre os demais municípios da região (DIÓGENES, 2012).
1973
1986
1999
2009
2020 18 17
19
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12
1. Fortaleza 2. Caucaia 3. Maracanaú 4. Maranguape 5. Pacatuba 6. Itaitinga 7. Eusébio 8. Aquiraz 9. Guaíba 10. Horizonte
11. Pacajus 12. Chorozinho 13. Pindoretama 14. Cascavel 15. São Gonçalo do Amarante 16. Paracuru 17. Paraipaba 18.Trairi 19. São Luis do Curu
Diagrama 2.1: Evolução da Região Metropolitana de Fortaleza Dados:DIÓGENES [2012], FREITAS [2014], IBGE [2010] Elaboração:Autora
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espaço, tempo
duas cidades numa só
Ao espacializar os indicadores socioeconômicos de Fortaleza, faz-se notável a profunda desigualdade territorial existente. Os mapas ao lado relacionam dados populacionais, em termos de números e densidade, à dados que informam classe social (renda média), raça e IDH. Este último diz respeito à um índice que reconhece três dimensões básicas para o desenvolvimento humano: educação, renda e saúde (PNUD, 2020), numa perspectiva que busca olhar para além das possibilidades geradas pela renda, ao considerar também o acesso às oportunidades de determinada população (ibid). É expressivo o contraste que se estabelece a partir desta relação, já que é possível perceber que a localização de grande parte do contingente populacional da cidade é praticamente a mesma localização das menores taxas de desenvolvimento socioeconômico. Por sua vez, a espacialização dos marcadores raciais explicita a forma como a raça é vivida1, ao demonstrar que é exatamente a população não-branca2 a que menos se beneficia do desenvolvimento econômico da cidade, estando este concentrado - não por acaso - em uma única porção.
1 Angela Davis filósofa e professora do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia, abora a questão de classe a partir de uma perspectiva interseccional, relacionando as categorias de classe, raça e gênero. No texto Mulheres negras na construção de uma nova utopia, ela diz que “é preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida”. Aqui, compreende-se, portanto, a territorialização destes marcadores como fundamental para a compreensão das estruturas que agem sobre o espaço, dimensão de nossa intervenção. 2 Foram considerados os dados relativos à auto declaração de pessoas negras (pretas e pardas), amarelas e indígenas. No mapa 2.4 estes indicadores foram colocados juntos, pois a diferença socioeconômica que se verifica entre eles é quase nula.
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Mapas 2.2, 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6: Indicadores socioeconômicos de Fortaleza Dados: IBGE [2010], CAGECE [2015] Elaboração: Autora
espaço, tempo
Gráfico 2.1: Taxa de homicídios em Fortaleza por idade
Gráfico 2.2: Taxa de homicídios em Fortaleza por Bairros
Gráfico 2.3: Taxa de homicídios em Fortaleza por sexo
Gráfico 2.4: Taxa de homicídios de adolescentes por Bairros
Gráfico 2.5: Taxa de homicídios de adolescentes por sexo
Dados: Relatório Cada Vida Importa [2019] 56
Elaboração: Lívia Costa
Os mapas ao lado relacionam os índices de violência urbana de Fortaleza à sua localização no espaço da cidade. De acordo com os dados apresentados anteriormente, nota-se que a concentração destes índices se dá, sobretudo, nos bairros periféricos mais pobres e de menor IDH. Os gráficos, por sua vez, informam quais corpos são os mais afetados pela violência: os corpos jovens, masculinos, periféricos e racializados.
Mapas 2.7, 2.8 e 2.9: Secretarias Regionais e Porcentagem de Homicídios na Cidade
Dados: Relatório Cada Vida Importa (2019) Elaboração: Lívia Costa
espaço, tempo
Quanto ao acesso à serviços urbanos, tais como esgotamento sanitário, drenagem e abastecimento de água, alguns pontos são interessantes de serem ressaltados. O atendimento da população quanto ao abastecimento de água atinge, no geral, um bom nível, já que a rede se estende por praticamente toda a extensão territorial de Fortaleza; é válido dizer que esta proporção, no entanto, não é sinônimo do pleno alcance à todos os habitantes, sobretudo os residentes das áreas informais da cidade. Em relação à drenagem, o Inventário Ambiental de Fortaleza (2003) destaca que o atual sistema tem “nas três maiores bacias, Vertente Marítima, Cocó e Maranguapinho/Ceará, (...) grande parte dos cursos d’água poluída, degradada e alterada por diversas canalizações” (p.32). No mapa 2.11, é possível visualizar a cobertura fragmentada e dispersa das redes gerais de microdrenagem, que por sua vez também apresentam “variados problemas como a deficiência de dimensionamento, o assoreamento, as ligações clandestinas de esgoto e a manutenção precária” (ibid). À respeito da cobertura territorial pela rede geral de esgotamento sanitário, vê-se que a porção norte da cidade é a melhor atendida pelo serviço, apesar de não exatamente de maneira uniforme. Na porção sul, amplamente desassistida, a rede está presente somente em setores pontuais, em áreas correspondentes a conjuntos habitacionais (ibid).
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a cidade, o tempo
Mapas 2.10, 2.11 e 2.12: Serviços Urbanos em Fortaleza Dados: CAGECE [2015], SEFIN [2015] Elaboração: Autora
Mapa 2.13: Bacias de Macrodrenagem Dados: INDE [2017] Elaboração: Autora
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a cidade, o tempo
Os mapas de hipsometria (2.14) e declividade (2.15) informam a caracterização topográfica do município, onde se é possível visualizar um território atravessado por vales de planícies inundáveis que entornam eixos hídricos, e que é majoritariamente plano, exceto pelas zonas de encosta, naturalmente constituídas de declividades consideráveis. Estas, juntamente com os corpos hídricos e zonas de várzea, são reconhecidas como áreas frágeis, pelo entendimento de que possuem uma maior sensibilidade à impactos ambientais adversos e baixa capacidade de recuperação (GOMES e PEREIRA, 2011). Historicamente, são áreas que receberam pouca ou nenhuma atenção de entes públicos para a sua integração à cidade, o que no geral significou a fragmentação do tecido urbano pela desconsideração desses eixos enquanto conectores, ou enquanto corredores ecológicos. O que se observa é uma intensa ocupação das áreas frágeis em Fortaleza, como uma consequência, sobretudo, de sua produção socioespacial. Uma vez que estas representavam as terras disponíveis frente a um mercado imobiliário implacável, passaram a ser ocupadas pela população mais vulnerável socialmente. O mapa 2.16 espacializa os assentamentos precários mapeados pelo PLHIS-FOR (2015) a partir da perspectiva das áreas de risco. Nota-se uma concentração destes assentamentos a oeste, na bacia do Rio Maranguapinho, e especialmente ao longo do seu leito. Esta configuração o caracteriza como um eixo de degradação da paisagem da cidade (PEQUENO, 2003), e, como visto nos mapas anteriores, constitui uma região que reúne os menores índices de desenvolvimento urbano. O que se pode inferir é que Fortaleza apresenta uma evidente sobreposição de vulnerabilidades, onde a precariedade e a fragilidade ambiental estão quase sempre associadas. Enquanto na porção nordeste estão reunidos os maiores índices de renda, escolaridade e de oferta de serviços urbanos, a porção oeste apresenta-se marcada pelos mais baixos índices de desenvolvimento humano, onde a maior parte da população habita em zonas parcial ou inteiramente descobertas pela rede de infraestrutura urbana, com escasso acesso a serviços, além da notável densificação das áreas de risco.
Mapas 2.14, 2.15 e 2.16: Caracterização Ambiental e Áreas de Risco Dados: PLHIS [2015] Elaboração: Autora
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espaço, tempo
[a formação do espaço urbano] Este padrão de ocupação não se deu de maneira arbitrária, se considerarmos o princípio de formação do espaço urbano da capital cearense (ALMEIDA, 2012, p.89). Fortaleza, que até o início do século XIX cumpria apenas com funções burocráticas e militares, passou a exercer um papel centralizador de acordo com a política de integração do Primeiro Reinado - que agora delegava às capitais o controle territorial. No âmbito econômico, ganhou importância com o declínio do monopólio açucareiro português e o crescimento das exportações de algodão, tornado-se ponto estratégico para o escoamento dessa produção com a instalação de portos e de um sistema ferroviário (ALMEIDA, 2012, p. 57 e ARAGÃO, 2010, p. 51). Um outro marco significativo para o entendimento da sua conformação urbana foi a promulgação da Lei de Terras3 em 1850, que representava a validação e consolidação do latifúndio, ao passo que impossibilitava para a população mais pobre o acesso à terra, já que esta só poderia ser adquirida por meio de compra e venda. Destituída de terras e assolada pelas constantes secas, esta população passa a migrar para a cidade, assentando-se às bordas do núcleo urbano central, e de maneira dispersa no tecido urbano (ARAGÃO, 2010, p. 51). Datam desse período as primeiras proposições urbanísticas para o “disciplinamento do seu crescimento” (ALMEIDA, 2012, p. 55), acompanhadas de uma crescente preocupação com o “embelezamento da cidade” (ibid). Assim foram realizadas intervenções higienistas que culminaram nas primeiras ações de políticas públicas segregatórias, concentrando as obras infraestruturais e sanitárias no núcleo burguês, removendo e proibindo a existência de casebres, cortiços e casas de taipa no perímetro do que se constituía cidade (ARAGÃO, 2010, p. 55).
3 “A medida transformou as áreas devolutas em mercadoria comercializável pelo Estado. A obtenção de lotes agrícolas passava a se dar exclusivamente por meio de compra e venda, não mais por cessão gratuita em nome do sesmeiro ou do posseiro, como ocorria desde o tempo colonial” (MENDES, 2009). Não à toa a promulgação desta lei se deu em 1850, visto que foi precedida pouco tempo antes pela Lei Eusébio de Queirós, que impedia a entrada de africanos escravizados no país. Isso sinalizava a iminência da abolição, ameaçando os latifundiários de ficar sem mão de obra. “Uma vez tornadas ilegais a invasão e a ocupação da zona rural, tanto os ex-escravos quanto os imigrantes pobres europeus ficariam impedidos de ter suas próprias terras, ainda que pequenas, e naturalmente se transformariam em trabalhadores abundantes e baratos para os latifúndios” (WESTIN, 2020).
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a cidade, o tempo
Desde a sua gênese é possível perceber, portanto, que as diretrizes públicas urbanas seguiam orientações políticas de cunho elitista e segregatório, onde se priorizava a preservação de um núcleo urbano “aformoseado” para o desenvolvimento e a ordenação do território em detrimento de uma integração da população mais pobre à cidade que então se delineava, e para a qual migravam em busca de melhores condições de vida e de assistência do poder público. Foi sob esta ótica higienista, por exemplo, que alguns dos equipamentos “que causavam desconforto e depreciação do espaço urbano” - como a Santa Casa de Misericórdia, o cemitério João Batista e as estações ferroviárias - foram aos poucos sendo inseridos e/ou realocados mais a oeste do núcleo central. Isto contribuiu para que houvesse um deslocamento das camadas abastadas em direção ao setor leste da cidade, enquanto o setor oeste era vinculado às atividades “mal quistas” e expandia-se gradualmente com a ocupação das camadas populares (ALMEIDA, 2012, p.89). [a expansão e o processo de diferenciação] As primeiras décadas do século XX marcam o início do período republicano no Brasil, com a ocupação cada vez mais crescente das cidades. A capital cearense fortalecia o seu poderio econômico e recebia incentivos para a sua industrialização4, assim como para a modernização de sua infraestrutura de circulação (ARAGÃO, 2010, p. 62). É deste período que datam os primeiros indícios de valorização da faixa de praia e dos terrenos nas proximidades, onde ia se estabelecendo a burguesia local. A classe trabalhadora, por sua vez, assentava-se nos terrenos mais baratos a oeste, localizados no entorno da linha férrea e das indústrias recém instaladas, uma zona que se constituía
4 Na década de 30, a política de Getúlio Vargas no Estado Novo preocupava-se em iniciar o processo de industrialização do país, o que vinha acompanhado “da proposta de modernização da infraestrutura logística de circulação de mercadorias” (ibid).
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espaço, tempo
fora da previsão de expansão do traçado de Adolfo Herbster5 (ibid). Ao longo da década de 1950 a cidade experimentou um considerável crescimento populacional, motivado por crises no setor de agricultura, profundas desigualdades na estrutura fundiária e duas grandes secas (ALMEIDA, 2012, p. 90). As secas periódicas, aliás, explicam grande parte dos fluxos migratórios, que traziam à cidade aqueles que buscavam uma maneira de sobreviver. “Uma parcela relevante desse contingente populacional contribuiu para a formação da maioria dos bairros da porção oeste de Fortaleza, sobretudo os mais periféricos, como Quintino Cunha, Henrique Jorge, Granja Portugal, Bom Jardim, Parque São José, Antonio Bezerra, todos pertencentes à área drenada pelo rio Maranguapinho.” (ibid, p.92)
O loteamento e a expansão das áreas periféricas, sobretudo nas décadas de 50 e 60, significou também o princípio de criação das longas distâncias, dos difíceis acessos, já que o crescimento demográfico e o incremento das áreas urbanas não eram acompanhados do provimento de serviços básicos e de um sistema viário e de transportes adequado (BENTO, 2011, p. 41 e 42). Em 1966, com a inauguração do Distrito Industrial de Maracanaú, o setor industrial se estabeleceu como um dos principais expoentes econômicos no Ceará, e assim, ajudou a consolidar o eixo de expansão na direção sudoeste na cidade. Outro fator substancial para impulsionar a ocupação da porção sudoeste foi a política de construção de conjuntos habitacionais no decorrer das décadas de 1960, 1970 e 1980. Esta política foi a que deu suporte para a consolidação da construção civil como importante
5 Contratado para a elaboração da primeira planta detalhada da cidade em 1859, o engenheiro Adolfo Herbster também foi responsável pelo planejamento da expansão do traçado da cidade, esboçando a continuação das ruas e avenidas em uma malha xadrez na Planta de Fortaleza e Subúrbios, em 1875.
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a cidade, o tempo
eixo econômico no estado, além de promover a absorção de uma força de trabalho com menor qualificação e menores custos salariais (ARAGÃO, 2010, p.84). A produção de conjuntos habitacionais pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) “reforçou o desenvolvimento no eixo oeste da cidade, se aproximando das plantas industriais ali instaladas durante as décadas anteriores” (ibid). A inserção de grandes conjuntos, como por exemplo o Conjunto Ceará (1976), é um forte exemplo, já que trouxe consigo a implantação de alguns serviços - como linhas de transporte, postos de saúde, escolas - que antes não haviam no local de sua implantação, e que acabavam por atrair novos habitantes para os seus arredores. “A política de construção de conjuntos habitacionais dispersos e isolados da malha urbana já consolidada de Fortaleza funcionou como indutora da ocupação desordenada e irregular dos vazios urbanos e das áreas de preservação permanentes - margens de rios, lagoas e dunas, pela abertura de loteamentos e o surgimento de favelas e ocupações irregulares. Ao longo dos conjuntos habitacionais e demais bairros, foram surgindo as favelas e áreas de risco de inundação.” (ALMEIDA, 2012, p. 93)
Esta lógica de produção espacial foi assimilada, inclusive, na implementação dos conjuntos direcionados a famílias de baixa renda do programa Minha Casa, Minha Vida, alocados em zonas periféricas ao núcleo consolidado da cidade. É um padrão de produção habitacional que contribui para perpetuar a segregação no espaço urbano, mantendo distâncias, criando diferenciações na oferta de serviços e estimulando a formação de núcleos informais nos arredores, pela expectativa do acesso às melhorias no entorno. A partir desta caracterização da produção do espaço da cidade, é possível concluir que os componentes básicos da sua expansão e da RMF “são os conjuntos habitacionais, os loteamentos periféricos, a autoconstrução (favelas em áreas de risco), sendo essa parte majoritária da população excluída da cidade dita ‘formal’ em virtude dos altos preços da terra urbana e das habitações” (COSTA, 2005 apud ALMEIDA, 2012, p.95)
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05
o tempo e o lugar
O capítulo a seguir estará voltado à caracterização do Grande Bom Jardim, partindo de uma narrativa temporal, até se chegar numa aproximação do território na atualidade, através da análise de dados, índices e das problemáticas levantadas. Este capítulo se liga ao anterior na medida em que o encadeamento de ações, legislações e as subsequentes migrações que culminaram no espraiamento da cidade originam as ocupações da porção sudoeste. Esta é a porção com as maiores densidades, e também precariedades, ambas concentradas ao longo dos recursos hídricos da bacia do Rio Maranguapinho. A questão hídrica, por sua vez, é um importante ponto do trabalho, especialmente por se debruçar sobre uma zona de preocupante degradação ambiental e áreas de risco de enchentes. Então além da dimensão histórica, há também a relação ambiental, que se debate e se coloca como importante recorte de análise. Há ainda a narrativa das lutas de sua população, que não se resigna às condições impostas e cria espaços de participação ativa para exigir mudanças. Busca-se, portanto, compreender o território enquanto uma totalidade, suscitando suas questões e enxergando as urgências e potencialidades para futuras intervenções.
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espaço, tempo
a narrativa temporal
Até as suas primeiras ocupações, que remontam à segunda metade do século XX, a região onde hoje se insere todo o território do Grande Bom Jardim era uma zona predominantemente rural, constituída por fazendas que foram sendo loteadas por meio de empreendimentos imobiliários (MAPURUNGA, 2015). As áreas disponíveis ao redor da zona urbana em ascensão eram o sítio ideal para suprir a demanda por moradia dos migrantes, sertanejos pobres que partiam para a capital fugindo das secas. Conforme já mencionado, o setor centro-leste valorizava-se com as obras de melhoramento urbano e se consolidava enquanto recanto das elites e da recente classe média, enquanto o setor oeste ainda resguardava grandes extensões de terrenos livres, tornando-se “palco para a expansão das camadas populares de Fortaleza” (ALMEIDA, 2012, p.91). À época de seus primeiros loteamentos, a paisagem do território “remetia à uma mata densa e exuberante”, e a expressão Bom Jardim foi adotada pelo proprietário das terras, João Gentil, em referência “às suas grandes áreas verdes e à diversidade de árvores frutíferas que predominava” (ALVES e FREITAS, 2008 apud ALMEIDA, 2012, p.97). Foi, inclusive, a imobiliária da família Frota Gentil a responsável por boa parte da compra e venda de terrenos na região, num período compreendido entre o final da década de 1950 e início da década de 1960, de modo a absorver parte do contingente populacional migrante. Os loteamentos, no entanto, eram feitos apenas com a larga abertura de vias, sem que houvesse, contudo, planejamento ou estruturação urbana. A legislação vigente na época indicava a função da implementação de infraestruturas - como iluminação pública, rede de saneamento básico e estrutura viária, por exemplo - ao poder público municipal, mas não houve preocupação por parte deste para prover tais serviços. Os novos residentes da área se ocupavam em empregos no recém instalado Distrito de Maracanaú, ou em indústrias da zona norte da cidade. Desde o início, portanto, se fazia necessário percorrer longas distâncias, capazes de se tornar ainda maiores, tendo em vista a disponibilidade de transportes (ou a falta dela).
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o tempo e o lugar
Entre as décadas de 1970 e 1980, conforme mencionado no capítulo anterior, a política de implantação de grandes conjuntos habitacionais pelo BNH impulsionou o adensamento da região, acarretando em novas ocupações no entorno, atraídas pelas estruturas que eram lançadas para o atendimento a estes conjuntos (escolas, postos de saúde, rede de transportes, etc). Instalados ao longo das linhas do setor de trens suburbanos da rede ferroviária nacional e nas imediações do Distrito Industrial de Maracanaú (ALMEIDA, 2014, p.97), representaram importantes motores para a expansão das áreas urbanas na bacia do Rio Maranguapinho. Aliás, o intenso processo de conurbação entre Fortaleza e Maracanaú ocasiona problemas socioambientais de ordem comum, além de impasses na gestão territorial, devido à indefinição dos limites territoriais de cada município (ALMEIDA, 2012, p.93). No caso do Grande Bom Jardim, isso afeta os bairros limítrofes aos municípios de Caucaia e Maracanaú, a saber, Granja-Lisboa, Siqueira e Canindezinho, respectivamente. As vastas áreas livres do território do GBJ foram paulatinamente ocupadas pela população carente de moradias, especialmente a partir da década de 1990 (MAPURUNGA, 2015, p.37). Estas movimentações deram origem a dezenas de assentamentos precários no seu espaço interior, devido à disponibilidade e acessibilidade da terra, além da proximidade com o Distrito Industrial, já consolidado enquanto pólo econômico. O que isto evidencia é um típico padrão de produção do espaço intra urbano de Fortaleza, já que diante da ausência de políticas públicas e do interesse político em realizar ações para suprir a demanda por moradia da população de baixa renda, a ocupação das áreas livres (ou “áreas verdes”) não urbanizadas acaba se tornando uma resposta desta população à desassistência e ao distanciamento financeiro do mercado formal de terras (FREITAS, 2004, p.10). É do período correspondente ao final da década de 1980 e início dos anos 1990 que datam as primeiras atuações dos movimentos sociais organizados, que contavam com o apoio das Comunidades Eclesiais De Base, impulsionados pela negação de direitos e exclusão socioespacial (ALMEIDA, 2014, p.97). Estes movimentos exigiam a “produção de moradias, implantação de equipamentos e de serviços básicos como energia elétrica, água e escolas” (ibid) no território, de modo que a qualificação do espaço acompanhasse o incremento populacional.
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espaço, tempo
Este incremento foi observado especialmente nas últimas décadas, e é apontado como resultado das políticas de produção do espaço urbano com a construção dos conjuntos habitacionais populares nas regiões periféricas da cidade. A transformação do território esteve, em geral, ligada diretamente ao processo de industrialização e metropolização da capital, marcadamente produto do processo de diferenciação espacial ao qual está submetida a lógica de expansão do perímetro urbano. “Em pouco mais de 40 anos, o lugar passou do espaço de mini latifúndios, localizado em zona periurbana, com poder centrado em duas ou três famílias, ao espaço urbano, com múltiplas forças de domínio e de apropriação atuantes, socioespacialmente excluído da cidade e estigmatizado pela sociedade.” (ALMEIDA, 2014, p.97)
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o tempo e o lugar
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CAUCAIA
MARACANAÚ
Limite dos Bairros de Fortaleza Contorno ZEIS Bom Jardim
Mapa 2.17: Situação e entorno do Grande Bom Jardim Dados: Google Earth, SEFIN [2015] Elaboração: Autora
o tempo e o lugar
o grande bom jardim
Composto pelos bairros Granja-Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Siqueira e Canindezinho, o Grande Bom Jardim (GBJ) está localizado na porção periférica sudoeste da cidade, sendo limítrofe à Caucaia e à Maracanaú, municípios da Região Metropolitana de Fortaleza. Com uma área total de aproximadamente 19,57 km², o território reúne cerca de 211 mil habitantes, de acordo com os dados do censo IBGE de 2010. Além de estarem entre os mais populosos da capital, seus bairros também compõem o quadro dos 10 mais pobres de Fortaleza1. Um estudo realizado pelo Ipece2 em 2012 constatou que os bairros mais ricos estão concentrados em uma única regional - a SER II -, reunindo apenas 7% da população, enquanto que os 44 bairros de menor renda reúnem 49% do total de residentes do município. O território está inserido na bacia do Rio Maranguapinho, cuja nascente localiza-se nas serras do município de Maranguape. O Maranguapinho atravessa boa parte da porção oeste de Fortaleza, constituindo-se um verdadeiro eixo dentro da cidade, e desaguando na sua foz à noroeste, no Rio Ceará. No mapa ao lado é possível visualizar que o GBJ é amplamente permeado por corpos hídricos, o que também aponta para a sua fragilidade ambiental. O entorno destes recursos e as áreas alagáveis encontram-se intensamente adensados, demandando redobrada atenção quanto às sobreposições das vulnerabilidades socioambientais existentes na região. GRANJA LISBOA CANINDEZINHO GRANJA PORTUGAL BOM JARDIM SIQUEIRA
Diagrama 2.2: Gráfico de dados populacionais por bairro - GBJ Dados: IBGE [2010]
Elaboração: Autora
1 Este quadro reúne os seguintes bairros: Conjunto Palmeiras, Parque Presidente Vargas, Canindezinho, Siqueira, Genibau, Granja Portugal, Pirambú, Granja Lisboa, Autran Nunes e Bom Jardim. Seis deles estão concentrados na SER V, a regional de menor renda média pessoal. 2 O Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) mostrou com este mesmo estudo que a renda do bairro mais rico, o Meireles, é 15 vezes maior que a do mais pobre, o Conjunto Palmeiras. Fonte: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/diferenca-de-renda-entre-bairros-ricos-e-pobres-de-fortaleza-e-de-15-vezes.html
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espaço, tempo
O Grande Bom Jardim se constitui enquanto território através de um discurso comum, de reivindicação de espaços e direitos. Segundo Almeida (2014, p.20) essa territorialidade vem a ser um produto das agências dos sujeitos por meio da linguagem; sujeitos estes que política e socialmente disputam “um poder de domínio sobre o espaço urbano” (ibid, p.22). Ainda segundo o autor, esta foi uma expressão que se disseminou pelo uso político em projetos estruturantes realizados pelo CDVHS (Centro de Defesa à Vida Herbert de Souza), “sendo incorporado ao dicionário político da cidade pela força prática do seu uso, impulsionado pela comunicação cotidiana entre as diversas esferas públicas e camadas sociais, como estratégia para conferir peso político regionalizado às organizações sociais e aos seus pleitos e reivindicações” (ibid, p.142)
A construção desta identidade territorial se firma a partir do reconhecimento de que o acesso a direitos básicos e a bens coletivos é negligenciado para estas comunidades, o que acaba por impulsionar os movimentos reivindicatórios para a “resistência social às precárias condições de vida a que as populações periféricas e marginalizadas foram submetidas” (ibid, p.58). O GBJ apresenta os piores índices de acesso à rede de infraestrutura urbana, concentração de problemas socioambientais e níveis de renda e escolaridade abaixo da média da cidade. Além disso, a violência urbana contribui para a estigmatização do território, o que potencializa a condição de vulnerabilidade da população (FREITAS, 2017, p.4). POPULAÇÃO EM 2000
POPULAÇÃO EM 2010
Granja-Lisboa
49.852
52.042
Canindezinho
29.688
41.202
Granja Portugal
37.369
39.651
Bom Jardim
34.507
37.758
Siqueira GBJ FORTALEZA
23.728
40.348
175.144
211.001
2.141.402
2.452.185
Tabela 2.1: Crescimento
Populacional
crescimento pop. GBJ crescimento pop. FOR
Gráfico 2.1: Incremento
Populacional
Dados: IBGE [2010] 74
Elaboração: Autora
o tempo e o lugar
Ocorre que ao passo que as questões de urbanização incompleta, desregulada e desarticulada degradam ainda mais as condições de vida dos moradores, registra-se no território um incremento populacional acima da média dos bairros melhor servidos. Entre os censos de 2000 e 2010, foi documentado um incremento de 20% na população local, índice superior à taxa de crescimento médio da cidade, registrada, para este período, em 14.5% (Tabela 2.1). Esse crescimento vertiginoso da população teve origem, para Almeida (2014), no processo de ocupação do espaço tanto por meio de ações espontâneas do mercado quanto por iniciativas do Estado - o que comumente também atrai a especulação, pelos investimentos feitos na região (p.100). O autor cita a implementação da dimensão habitacional do Projeto do Rio Maranguapinho1, que propunha o reassentamento de 10 mil famílias no bairro Canindezinho. Já para o bairro Siqueira, Almeida aponta o desmembramento de glebas do Sítio da Viúva para novos loteamentos como elemento propulsor do seu incremento populacional, assim como também os projetos habitacionais do PROMURB. Segundo Freitas (2017), o processo geral de urbanização e ocupação do território do GBJ se deu por meio de loteamentos irregulares e ocupações clandestinas nas áreas frágeis, o que reflete diretamente sobre as condições locais de regularidade urbanística. Estão situados no Grande Bom Jardim cerca de 71 assentamentos precários, de acordo com o levantamento realizado pelo Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS-FOR, 2015), ocupando uma área correspondente à 35% de seu território e “quase o triplo da porcentagem que representa a distribuição dos assentamentos precários em Fortaleza” (Plano popular da Zeis Bom Jardim, 2019, p.9). A partir da sua caracterização geral, é possível compreender que o Grande Bom Jardim é atravessado por problemáticas de múltiplas ordens, que refletem, sobretudo, na sua constituição enquanto tecido social. Agravam-se as condições de precariedade da sua população à medida em que se perpetua o desinteresse da atuação pública na área, que não prioriza os investimentos fora do eixo centro-leste da cidade.
1 “O Projeto de Melhorias Urbana e Ambiental do Rio Maranguapinho (PROMURB) foi concebido pelo Governo do Estado do Ceará, no início da década de 2000, como uma resposta às inúmeras enchentes ocorridas no período devido à crescente ocupação das várzeas do rio e à impermeabilização de sua bacia de contribuição. No final da década, o projeto efetivou-se com o financiamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”. (FREITAS, 2017, p.6)
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Diagrama 2.3: Tipologias
Mapa 2.18: Tipologias de Assentamentos Precários Dados: PLHIS-FOR [2015] Elaboração: Autora. Referência: SILVA, 2017
o tempo e o lugar
A fragilidade ambiental marcante no território é intensificada com a ocupação e impermeabilização das áreas frágeis, recursos naturais para absorção e amortecimento do escoamento pluvial e equilíbrio do meio ecológico. Esta condição acaba por incrementar a situação de vulnerabilidade da sua população, que passa a ficar suscetível a episódios de alagamentos e enchentes. Ao lado, encontram-se mapeados os assentamentos precários presentes na região de acordo com as suas respectivas tipologias, segundo os dados do PLHIS-FOR (2015). Foram contabilizados 71 assentamentos, estando localizados 10 na Granja-Portugal, 13 no Bom Jardim, 17 na Granja-Lisboa, 21 no Siqueira e 10 no Canindezinho.
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Sem Risco
Ainda segundo o mapeamento do PLHIS, a maioria destes assentamentos não se encontra em área de risco, devendo-se avaliar, contudo, que a ausência de saneamento contribui para o incremento da degradação e poluição do meio, o que pode intensificar a fragilidade do local. Os assentamentos que apresentam riscos de inundação encontram-se, sobretudo, ao longo do Rio Maranguapinho, no bairro Canindezinho, e no entorno de seus afluentes. Através do mapa de hipsometria é possível perceber que estes ocupam exatamente as porções mais baixas do território, representadas pelas cores frias. Os riscos de inundação configuram, portanto, os de maior probabilidade, sendo acompanhados pelos de alagamento.
Risco de Inundação
Risco de Alagamento
Risco de Inundação e Alagamento
o tempo e o lugar
Mapa 2.19: Hipsometria e Sistemas Ambientais Dados: PLHIS-FOR [2015] Elaboração: Autora. Referência: SILVA, 2017
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Zona de Requalificação Urbana (ZRU II)
Zona de Requalificação Ambiental (ZRA)
ZEIS I: Ocupação
Zona de Proteção Ambiental (ZPA)
ZEIS II: Conjuntos
Zona Especial Ambiental do Siqueira (ZEA)
ZEIS III: Vazios
[zoneamento] A maior porção territorial do Grande Bom Jardim encontra-se inserida numa Zona de Requalificação Urbana II (ZRU II), segundo o zoneamento do PDPFOR (2009). Esta zona encontra-se caracterizada na lei pela “insuficiência ou precariedade da infraestrutura e dos serviços urbanos, principalmente de saneamento ambiental, carência de equipamentos e espaços públicos e incidência de núcleos habitacionais de interesse social precários, destinando-se à requalificação urbanística e ambiental e à adequação das condições de habitabilidade, acessibilidade e mobilidade.” (FORTALEZA, 2009)
Por esta caracterização, a ZRU II é reconhecida como de ordem prioritária para a promoção de requalificação urbanística e ambiental e o recebimento de investimentos públicos. Ainda que inscritas em corpo de lei, o que se observou ao longo dos completos 10 anos de Plano Diretor, é que estas diretrizes não foram cumpridas ou de fato priorizadas pelo poder público. Destaca-se ainda a extensão das zonas ambientais, além do zoneamento especial proposto para o território: dois pequenos núcleos demarcados como ZEIS de vazio, em completa dissonância em termos de número e extensão territorial com as áreas demarcadas para as ZEIS dos tipos I e II.
Mapa 2.20 Macrozoneamento Dados: PDP-FOR (2009) Elaboração: Autora. Referência: SILVA, 2017
espaço, tempo
ZEIS: uma breve caracterização
Localizada, em termos geográficos, numa região central do território do GBJ, a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Bom Jardim engloba porções de dois de seus cinco bairros: Bom Jardim e Siqueira. Delimitada pelas ruas Bom Jesus e Nova Conquista (à norte), Coronel Virgílio Nogueira (à oeste) e José Maurício (ao sul), e pela avenida General Osório de Paiva (à leste), a ZEIS Bom Jardim é a segunda maior ZEIS de ocupação de Fortaleza em extensão territorial, compreendendo cerca de 205 hectares. Segundo dados do IBGE (2010), o seu território abrange uma população de cerca de 30.000 habitantes, estimando-se que aproximadamente 24.272 mil pessoas estejam situadas em assentamentos precários, distribuídas em torno de 5.707 famílias e residindo em 5.145 imóveis. Esses dados correspondem aos que se encontram relacionados no Plano Popular da ZEIS Bom Jardim (2019), de acordo com o levantamento feito pelo PLHIS-FOR, entre 2010 e 2011. No Plano Popular consta, ainda, que de acordo com relatos de líderes comunitários a delimitação de seus contornos é fruto “da luta de movimentos sociais organizados de algumas comunidades pobres dos bairros Siqueira e Bom Jardim” (p.57), tendo as reivindicações se iniciado na comunidade Nova Canudos e expandindo-se para as comunidades próximas com o apoio da Rede DLIS. O zoneamento especial foi instituído em 2009, na ocasião da realização do Plano Diretor Participativo de Fortaleza, mas desde então foram poucas as efetivas intervenções realizadas no seu perímetro, a despeito do seu caráter prioritário. Com relação ao número de assentamentos precários incorporados ao seu território, contabilizam-se 15, estando 13 inscritos completamente na sua poligonal e 2 apenas parcialmente. Os assentamentos ocupam uma área que corresponde à 44% da área total da ZEIS, o que significa que, conforme as informações relacionadas acima, pelo menos 75% de sua população compõe núcleos informais, dados que podem ainda estar subnotificados, devido aos lapsos de informação presentes em setores precários (COSTA LIMA, 2017, p.133). Quanto às tipologias dos assentamentos, são 3 do tipo Mutirão e 12 do tipo Favela, onde 5 estão localizadas em áreas parcial ou totalmente de risco.
82
o tempo e o lugar
R. Bom Jesus R. Cel Virgilio Nogueira
R. Nova conquista
Av. General Osório de Paiva
R. José Maurício
Mapa 2.21: Localização ZEIS Bom Jardim Dados: PDP-FOR (2009)
Elaboração: Autora
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espaço, tempo
13 12 11 9 14 8
10
15 7
6
5 3
4 2
1
1. Rua General Rabelo 2. Rua Cesarina Batista 3. Rua Alexandra 4. Rua Indiara 5. Nova Canudos 6. Marrocos 7. Ocupação da Paz 8. Favela do Pantanal/Nova Friburgo 9. Comunidade Parque Santo Amaro 10. Mutirão Estrada da Urucutuba 11. Comunidade Canal Leste 12. Veneza/Daniel Castro 13. Irmã Dulce I 14. Travessa Itú 15. Rei do Gado
Mapa 2.22: Localização e identificação dos Assentamentos Precários Dados: PLHIS-FOR [2013] 84
Elaboração: Autora
o tempo e o lugar
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espaço, intenções
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eixos de transformação
Neste eixo, denominado Espaço, Intenções, será apresentado o início do processo para a construção de um repertório de soluções em infraestrutura verde, a partir de composições que ilustrem possibilidades aplicáveis às vias de um território em transformação. Para efeito, o trabalho utilizará como fundamento as orientações, diretrizes e normativas propostas pelo Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF) da ZEIS Bom Jardim, elaborado recentemente. Aqui, as proposições se apoiam no entendimento de que a paisagem é o suporte das transformações que se operam num lugar ao longo do tempo, e que é onde se espacializam e se é possível visualizar as modificações de um espaço. O espaço das vias foi o recorte escolhido para o estudo e desenvolvimento da criação desse repertório, sendo entendido como um quadro ativo que veicula, conecta e atravessa as múltiplas fases de transformação de um território. As intenções seriam, portanto, as de vislumbrar o surgimento de um lugar outro, que se transforma ao passo que disputa uma nova narrativa para si. Considerando o princípio de implementação ao longo do tempo intrínseco ao PIRF, o trabalho busca demonstrar como a aplicação dessas soluções em IEV podem ser estratégicas ao permitirem as adaptações necessárias a medida em que forem sendo instaladas as infraestruturas de saneamento no território, servindo tanto às necessidades urgentes do presente quanto às instalações do porvir. Este lugar viria a ser, então, o lugar da concretização das utopias ansiadas, por meio de uma nova lógica disputada - uma disputa para o existir e o bem viver.
89
espaço, intenções
o lugar de encontro
As ruas são elementos indissociáveis da imagem de um espaço urbano, se considerarmos sua constituição física e simbólica. Primeiro espaço público afora as fronteiras do edifício, representam muito mais que simples limites estabelecidos, podendo significar também o locus para as mais variadas atividades do cotidiano social. Sendo, então, um elemento basilar na composição espacial de uma cidade, as ruas vão configurar-se como a principal tipologia de espaços livres públicos (QUEIROGA, 2011), revelando através dos usos que lhes foram atribuídos as relações presentes entre as pessoas e os lugares. “A experiência do espaço urbano fundamenta a intuição de que rua é mais que via, trilho ou caminho (...). Podemos medir-lhes o fluxo, avaliar a carga de tráfego que suportam, hierarquizá-las, testá-las quanto à vocação circulatória, etc. Mas, as ruas que não são mais do que vias de passagem estão animadas por um só tipo de vida e mortas para todo o resto” (SANTOS e VOGEL, 1985, p.24)
Estas relações vistas a partir do espaço da rua se dão de forma amplamente plural, mas também dependente de seus respectivos contextos. Além disso, é fato que quase sempre às ruas é determinado o marcador que pode identificar e caracterizar um lugar, e isso porque se consegue sintetizar nelas a ideia da coletividade de uma micro localidade. Antes que os marcadores evoquem estigmas, se faz necessário compreender que usos uma rua pode receber, como se dá essa apropriação de seu espaço pelos seus habitantes e os tipos de práticas que podem se dar em seu seio. É no movimento desse olhar que recai sobre a rua como um espaço que ultrapassa o da via de passagem que se torna possível reconhecer os seus outros significados, simbolicamente atribuídos. Uma rua pode ser o lugar do encontro, das brincadeiras, dos passantes, de se estar nos fins de tarde, de olhar através da sala. Ela pode carregar todos os usos que não cabem dentro do lote, sendo, em muitas periferias, uma verdadeira extensão da casa.
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Para além das conexões e dos usos que as ruas possam ter ou representar para os habitantes de seu entorno e localidade, os fluxos que veiculam são também forte expressão da sua imprescindibilidade na qualidade urbana, quer sejam eles de pessoas, de veículos, ou da água. São estes fluxos que precisarão ser considerados na ocasião de uma reestruturação territorial, principalmente em locais cuja configuração morfológica disponha somente de seus leitos viários enquanto espaços livres.
[interconexões] Tomando por base que o espaço das ruas é, portanto, estratégico na ocasião de uma requalificação urbana, a abordagem se deterá aqui sobre as infraestruturas territoriais que se espacializam em seus leitos. O trabalho vem caminhando num entendimento de que: 1. as infraestruturas tradicionais de saneamento, além de onerosas, repetem um padrão industrializado, com lógicas próprias e desarticuladas do ambiente natural, levando sempre para outro sítio os escoamentos e resíduos locais; 2. a cidade é produzida de maneira a acirrar as desigualdades, uma vez que suas prioridades de investimentos se concentram em poucas regiões. A consequência desse modelo é o desequilíbrio, e, sobretudo, a sobreposição das vulnerabilidades socioambientais. No caso do território estudado, as urgências são de múltiplas ordens, mas a luta pela universalização do saneamento básico compõe uma das pautas prioritárias. Na Lei Federal nº 11.445/07, que dispunha das diretrizes nacionais e estabelecia a construção do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), o conceito de saneamento está definido como “um conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
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espaço, intenções
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas” (BRASIL, 2007)
Tais serviços são reconhecidamente essenciais “para a sobrevivência humana e a qualidade ambiental, o que coloca em evidência seu caráter público” (FERRARA et al., 2019, p.112). No entanto, o que se observa é a pouca (ou nenhuma) efetividade das políticas públicas em apresentar medidas que busquem resolver a questão, sobrando o descaso e a ausência de vontade política. A profunda desigualdade social brasileira manifesta-se no território com nitidez através do contraste de acesso aos serviços básicos, fato que é especialmente percebido em assentamentos precários. Em Fortaleza, por exemplo, cerca de 61% do território é atendido pela rede geral de esgotamento sanitário (PMSB, 2014), já no Grande Bom Jardim, esse número cai para menos de 20%. No perímetro da ZEIS, nosso recorte de aproximação, a rede geral encontra-se implantada apenas em regiões pontuais.
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eixos de transformação
[proposições] Como a inserção dessas infraestruturas perpassa o espaço disposto nos leitos viários, deve-se atentar às particularidades do tecido urbano local para averiguar as possibilidades e viabilização da sua implantação. Neste trabalho, o enfoque se dará sobre a drenagem das águas pluviais, entendendo as condições de risco às quais a população é constantemente exposta em consequência da intensa e generalizada impermeabilização do solo. Faz-se necessário pensar soluções que se adaptem aos diferentes contextos urbanos, reconhecendo que nem sempre as soluções convencionais e centralizadas se adequarão ao padrão dos assentamentos, podendo gerar, até mesmo, um maior número de remoções (FERRARA et al., 2019, p.116). As orientações para o território da ZEIS Bom Jardim seguirão o diagnóstico e as diretrizes propostas no Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF UFC 2019), que serão apresentadas logo mais. Aqui, portanto, propõe-se olhar para as ruas como um espaço que veicula mudanças num local, sejam estas mudanças pré-determinadas e já como a ideia de uma configuração final, ou processuais, a partir de uma transformação gradual segundo as melhorias possibilitadas pelas modificações implementadas.
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Mapa 3.2: Hipsométrico ZEIS Elaboração: Autora
Dados: PIRF UFC 2019
eixos de transformação
situação atual
Ao lado, o mapa de hipsometria (recurso que aplica uma gradação de cores para ilustrar a variação de altitudes num relevo) demonstra que a maior porção do território da ZEIS Bom Jardim situa-se entre as cotas mais baixas da microbacia, num recorte ambiental que se configura como uma planície de alagamento. A região, conforme citado anteriormente, é marcada pela presença de inúmeros recursos hídricos, ao redor dos quais se encontram parte dos assentamentos precários. A fragilidade ambiental característica do território aprofunda a problemática da drenagem urbana, se considerarmos a criação constante de novas áreas impermeabilizadas em decorrência do intenso processo de ocupação do solo. Este vem sendo impulsionado por um incremento populacional considerável, conforme exposto anteriormente, com a intensificação da ocupação das áreas frágeis. Sem áreas permeáveis para que ocorra a infiltração da água, haverá um volume maior a ser escoado para os eixos hídricos, excedendo sua capacidade de drenagem e ocasionando episódios de enchentes, além dos alagamentos, que já conformam uma queixa frequente.
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espaço, intenções
No mapa 3.2, que apresenta as linhas de escoamento pluvial, observa-se que apenas em pequenas porções do território o traçado viário compartilha do mesmo sentido que o direcionamento das águas. Este padrão de ocupação do solo, que em geral expressa um princípio de ortogonalidade, é observado na cidade desde as suas primeiras plantas de planejamento, e acompanhou a maior parte de suas expansões. É um padrão que acaba por desconsiderar as particularidades e recursos naturais do sítio, o que acarreta a mera implantação de infraestruturas desintegradas, quase sempre resultando numa ineficiência do seu funcionamento geral (MOURA, 2013). Em algumas quadras é possível visualizar que a direção dos escoamentos atravessa a extensão de seus leitos viários, o que pode ocasionar pontos de maior acúmulo de água em uma única extremidade da via. As linhas que representam as vias com drenagem foram espacializadas no mapa 3.3, seguindo uma categorização que aponta o recolhimento por meio de galerias e canais. Como já abordado no capítulo 4, a malha da estrutura de drenagem se apresenta no tecido urbano, em geral, de maneira fragmentada, o que é perceptível também no recorte de aproximação. Além da fragmentação, nota-se que a cobertura da rede geral não abrange todo o território, praticamente inexistindo nas áreas em que se encontram os assentamentos precários. Uma problemática identificada e apontada no Plano, foi a do lançamento e ligação de efluentes domésticos à rede de drenagem, quando não à céu aberto ou em sumidouros. Como consequência, tem-se o aumento do volume de contribuição da rede, além da poluição direta a ser lançada nos recursos hídricos. Outro ponto de atenção é o assoreamento dos leitos d’água presentes na ZEIS, devido ao constante despejo de resíduos. Essa condição acaba comprometendo a eficiência do escoamento e da drenagem, podendo levar à transbordamentos e à degradação das áreas circundantes.
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eixos de transformação
Mapa 3.3: Escoamento Pluvial Elaboração: Autora
Dados: PIRF UFC 2019
Mapa 3.4: Drenagem Urbana Elaboração: Autora
Dados:CAGECE [2015], PIRF UFC [2019]
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espaço, intenções
Mapa 3.5: Esgotamento Sanitário Elaboração: Autora
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Dados:CAGECE [2015], PIRF UFC [2019]
Mapa 3.6: Abastecimento de Água Elaboração: Autora
Dados:CAGECE [2015], PIRF UFC [2019]
eixos de transformação
Quanto ao esgotamento sanitário, o mapa 3.4 expressa a quase total ausência da rede geral no território, localizada pontualmente no Mutirão Tia Joana, numa área correspondente a 3% do território da ZEIS, e em poucas quadras a noroeste. Dos domicílios que não possuem ligação com a rede, as soluções encontradas podem ser as fossas para o descarte dos efluentes. Quando não, há o despejo em valas a céu aberto ou mesmo diretamente nos recursos hídricos. Já com relação ao abastecimento de água, vê-se que uma boa parte dos eixos viários possui ligação com a rede, que se faz ausente nas regiões menos consolidadas do território, correspondentes às comunidades do Marrocos e Ocupação da Paz (PIRF - UFC, 2019).
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espaço, intenções
A pavimentação das vias na extensão territorial não apresenta caráter homogêneo, sendo até mesmo inexistente em algumas de suas porções (Mapa 3.7). Essa diferenciação entre a materialidade das vias pode ser atribuída, em parte, ao entendimento da funcionalidade dos eixos viários como seu aspecto principal: apenas as vias reconhecidas como relevantes para a circulação geral e mobilidade possuem algum tratamento para além da pedra rústica - não muito adequada para a caminhabilidade e acessibilidade das ruas. Como solução convencional, o asfalto é adotado para priorizar a velocidade e otimização dos fluxos de veículos, mas este padrão já foi apontado como problemático para o efeito dos escoamentos (devido ao alto grau de impermeabilização das áreas de contribuição), além de contribuírem para o efeito ilha de calor urbana. A pedra rústica é mais presente especialmente em regiões correspondentes à assentamentos precários, no interior da ZEIS. As zonas que não apresentam qualquer pavimentação no mapa são correspondem às comunidade Marrocos e Ocupação da Paz, acompanhadas de algumas vias intra-lotes. Quanto à arborização, constata-se que, sobretudo, a sua ausência é também interna aos assentamentos, ainda que não somente. Um aspecto a ser considerado é que, em geral, a largura das caixas viárias nas zonas com uma ocupação adensada pode ser insuficiente para comportar médios e grandes portes de arborização, devido ao seu perfil estreito. No entanto, o que pode ser avaliado são as possibilidades paisagísticas com árvores e vegetação de menor porte, especialmente nas vias onde o tráfego dos pedestres venha a ser o principal. Trata-se de investigar micro oportunidades para promover melhorias urbanísticas e ambientais, considerando o papel regulador biológico da vegetação, para além dos já conhecidos benefícios na qualidade dos espaços urbanos.
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eixos de transformação
Mapa 3.7: Tipo de Pavimentação Elaboração: Autora
Dados: PIRF UFC 2019
Mapa 3.8: Arborização Urbana Elaboração: Autora
Dados: SEFIN [2013]
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espaço, intenções
diretrizes para o lugar
O trabalho levará como base para a construção do seu repertório de soluções e materialidade as diretrizes e propostas feitas pelo Plano Urbanístico da ZEIS Bom Jardim, que compôs uma das etapas da elaboração de seu PIRF, em 2019. Além disso, irá fazer uma breve consideração sobre os parâmetros urbanísticos pactuados e propostos para o território na sua Normatização Especial, entendendo que eles possibilitam também uma maior compreensão das singularidades de cada porção da ZEIS, contribuindo para a sua caracterização. Parte-se, portanto, de um reconhecimento do PIRF enquanto ferramenta de materialização das reivindicações da ZEIS, resultante do histórico de lutas da comunidade - que atuou em conjunto com as equipes técnicas nas etapas de construção do plano. Um fator de grande relevância para a escolha deste primeiro recorte de aproximação (a ZEIS) foi a disponibilidade de dados atualizados, minimamente condizentes com a realidade, já que é comum aos territórios não reconhecidos como parte da cidade formal um verdadeiro lapso de informações, seja na base cartográfica, seja quanto ao reconhecimento das minúcias de sua diversidade. Outro motivador foi a possibilidade de se trabalhar os cenários de uma paisagem que se transforma segundo um princípio de adaptabilidade, acompanhando as etapas de implementação do plano. A seguir serão apresentadas as resoluções da Normatização Especial, com a apresentação do subzoneamento proposto e a síntese dos parâmetros especiais. Logo após, serão expostas as diretrizes infraestruturais para as vias do território, abrangendo as questões de esgotamento sanitário, drenagem, pavimentação, além da nova proposta para a hierarquização viária.
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eixos de transformação
[ subzoneamento ] Na etapa de normatização, a determinação dos parâmetros especiais se deu a partir da compreensão da realidade local, considerando que o território tanto por sua extensão, quanto por sua diversidade morfológica, não poderia ser regulado pela instituição de valores unificados. A partir disso, foi proposto um subzoneamento para a ZEIS, identificando subzonas com características similares e onde também tivessem sido votados parâmetros semelhantes nas oficinas setoriais de pactuação (PIRF-PRODUTO 3, 2019, p.66). As subzonas propostas possuem a seguinte caracterização: A subzona 1 (SZ-1) é composta “por núcleos habitacionais de interesse social precários do tipo mutirão ou favela, com concentração de lotes com área e testada menor que o restante da ZEIS”. Na subzona 2 (SZ-2), predomina um padrão de ocupação consolidado e intenso, a partir de lotes com configurações menores e também mais ocupados. Compreendendo duas porções territoriais, a SZ-2 apresenta ainda uma precária rede de infraestruturas e serviços urbanos, havendo também a incidência de núcleos habitacionais de interesse social precários. Na subzona 3 (SZ-3), a presença de recursos naturais que se apresentam em intenso processo de degradação é marcante. A subzona caracteriza-se, também, pela total inexistência de infraestruturas urbanas ou a sua deterioração, além de um adensamento do tecido que afeta a existência de espaços livres públicos. O padrão dos assentamentos expõe as precariedades, constituindo duas áreas do território, correspondentes à comunidade Nova Canudos e à Ocupação da Paz.
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espaço, intenções
A subzona 4 (SZ-4) vai se caracterizar pela “inexistência ou precariedade da infraestrutura e dos serviços urbanos, principalmente de saneamento ambiental, carência de equipamentos e a incidência de núcleos habitacionais de interesse social precários”. No entanto, observou-se um padrão de ocupação com lotes de maiores dimensões, além da disponibilidade de espaços livres, sejam de ordem pública ou de ordem privada. Ela ocorre em duas porções do território, localizadas ao centro e à oeste: Marrocos e Santo Amaro II. A subzona 5 (SZ-5), apesar de espacializar-se em duas áreas distintas do território da ZEIS, compreende um padrão morfológico comum, caracterizado por lotes de maiores dimensões e em sua maioria originados por loteamentos formais. Apresenta uma boa oferta de serviços urbanos, abrindo possibilidades para a complementação das infraestruturas e ligação à rede geral pelo bom dimensionamento do espaço disponível. A subzona ambiental (SZ-A) é composta pelas áreas não edificáveis, não permitindo o loteamento ou o parcelamento do seu solo. São as áreas que entornam os recursos hídricos, que além de apresentarem grandes riscos de alagamento e erodibilidade do solo, devem manter-se permeáveis para garantir a infiltração das águas pluviais. Ao lado, no mapa 3.9, encontram-se espacializadas as subzonas no território. A Tabela 3.1 apresenta a síntese dos parâmetros especiais propostos para cada uma, de acordo com o disposto na Normativa.
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eixos de transformação
Mapa 3.9: Subzoneamento proposto para a ZEIS BJ Dados: PIRF UFC 2019
Elaboração: Autora
PARÂMETROS
SZ 1
SZ 2
SZ 3
SZ 4
SZ 5
Lote Mínimo
45m²
50m²
55m²
60m²
70m²
Testada Mínima
3m
4m
4m
4m
4m
Área Livre Mínima (Intra-lote)
5m²
6m²
10m²
10m²
10m²
Número Máximo de Pavimentos
2
3
2
2
3
SZ A
área não edificável
Tabela 3.4: Parâmetros urbanísticos da Normatização Especial para a ZEIS BJ Elaboração: Autora
Dados: PIRF UFC 2019
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espaço, intenções
[ infraestruturas básicas] Para o esgotamento sanitário, as diretrizes propostas seguiram uma lógica em conformidade com o espaço disponível nas vias, em termos de largura total (medida muro a muro). As propostas encontram-se espacializadas no mapa ao lado. A seguir, os parâmetros estabelecidos, conforme o conteúdo do texto1 do Plano Urbanístico (ps.18 a 38): a. Em ruas com largura acima de 3 metros: rede coletora de esgoto de manilha de concreto; b. Em ruas com largura entre 2 e 3 metros: rede coletora de esgoto de PVC (utilizando o maior diâmetro comercial e maior declividade); c. Em ruas com largura menor que 2 metros: analisar a possibilidade de solução condominial.
Quanto às diretrizes para a drenagem, estas também levaram em consideração a largura dos eixos viários e podem ser visualizadas no mapa 3.11: a. Nas ruas com caixa carroçável acima de 3 metros (i.e. com largura total média de 6 metros ou mais), utilizar inclinação do greide direcionando a água para as bordas da pista, boca-de-lobo ou caixa coletora para fazer a coleta das águas pluviais para a rede de drenagem de manilhas de concreto; b. Nas ruas com largura total entre 3 e 6 metros, não haveria diferença de nível entre faixa carroçável e passeio, devendo-se utilizar, assim, a inclinação do greide direcionando a água para o meio da pista, com bueiro/boca-de-leão central, para fazer a coleta das águas pluviais para a rede de drenagem de manilhas de concreto; c. Nas ruas com largura total entre 2 e 3 metros, a rede de drenagem proposta é de PVC perfurado, devido à restrição de espaço. d. As ruas com largura abaixo de 2 m, apresentam impossibilidade de implantação de uma rede de drenagem, devendo ser previstas alternativas caso-a-caso. Há soluções para as questões de enchentes, inundações fluviais, alagamentos e enxurradas.
1
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O texto das diretrizes adotadas segue em seu formato integral, como no Plano.
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Mapa 3.10: Diretrizes para o Esgotamento Sanitário Elaboração: Autora
Dados: PIRF UFC 2019
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Mapa 3.11: Diretrizes para a Drenagem Elaboração: Autora
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Dados: PIRF UFC 2019
eixos de transformação
Para a pavimentação, foram propostas alternativas à pavimentação asfáltica, também considerando o espaço disposto nas vias: a. Para vias com largura total maior que 3 metros: deve ser utilizado piso intertravado ; b. Para vias com largura total menor que 3 metros: a pavimentação deve ser permeável para que a água pluvial percole pelo solo, portanto deve ser utilizado piso drenante.
Uma observação é que nas vias que tenham separação entre passeio e leito carroçável, o piso deverá ser assentado somente na caixa carroçável. A classificação viária proposta considerou os fluxos e as funções já observados no território. Trata-se de uma classificação especial, e portanto as larguras não necessariamente seguirão o padrão de valores definido pela legislação. No mapa 3.12 é possível visualizar a espacialização da hierarquia viária. A seguir, encontram-se dispostas as categorias instituídas e sua respectiva caracterização: I - via local pedonal, onde é possível apenas o uso por pedestres e veículos não motorizados, atendendo a um fluxo mais restrito de transeuntes; II - via local compartilhada, que atende também a um fluxo mais restrito de transeuntes, em que se possibilita uso compartilhado em um mesmo nível entre pedestres, ciclistas e, também, veículos, entretanto favorecendo os modais não motorizados por meio de padronização e tratamento especial da via a fim de desestimular o tráfego de veículos; III - via local especial, destina-se ao tráfego local e de menor fluxo, se tratando de via em que a faixa carroçável encontra-se segregada das faixas de utilização por pedestres; IV - via coletora especial, que tem a função de coletar e distribuir os fluxos provenientes das vias locais em direção às vias arteriais, além de servir como rota para transporte público e de fluxo significativo; e V - via arterial especial , que segue o disposto pela LPUOS, contudo mantém a medida da caixa viária compatível com as características da ZEIS.
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espaço, intenções
Mapa 3.12: Proposta de Hierarquização Viária Elaboração: Autora
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Dados: PIRF UFC 2019
eixos de transformação
Hierarquia Viária
Dimensão de Caixa Viária
Diferenciação entre passeio e leito carroçável
Tipo de Pavimentação
Tipo de Drenagem
Solução de Esgotamento
Síntese Propostas
Arterial Especial
Específicas: Rua Urucutuba e Avenida Cel. Virgílio Nogueira
sim: vai possuir as dimensões compatíveis com a caracterização da ZEIS
piso intertravado
via bueiro lateral
esgotamento com manilha
tipo 1
sim: coleta e distribui os fluxos das vias locais para as vias arteriais
piso intertravado
via bueiro lateral
esgotamento com manilha
tipo 1
sim: tráfego local e de menor fluxo, faixas segregadas
piso intertravado
via bueiro lateral
esgotamento com manilha
tipo 1
piso intertravado
via bueiro central
esgotamento com manilha
tipo 2
via pvc
tipo 3
piso drenante
via pavimentação, já que não comportaria as tubulações p/ a rede de drenagem tradicional
via soluções individuais
tipo 4
Coletora Especial
Local Especial
Compartilhada
Pedonal
mínimo 8,50m - fazem com outra via um binário mínimo 9,10m - sentido duplo
mínima 6,10m (A) - sentido único mínimo 9,10m (B) - sentido duplo
mínima 3m (A) - permite apenas veículos de pequeno porte em sentido único a partir de 4,5m (B) - permite veículos de maior porte em sentido único
menor que 3m
não: uso compartilhado num mesmo nível, porém desestimulando o tráfego de veículos
não: fluxo restrito transeuntes
Tabela 3.5: Sistematização e síntese das propostas para os eixos viários
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07
repertório, composição
Após a compreensão do recorte viário presente na ZEIS - sua situação atual e as orientações que recebeu com o planejamento territorial -, buscaremos agora realizar uma caracterização pormenorizada, através da sistematização das tipologias e estratégias aplicáveis a cada tipo de via, bem como da materialidade a lhes ser atribuída. As informações reunidas aqui pretendem servir de suporte técnico para o caso de uma implementação autônoma das reformas urbanísticas, criando um repertório urbano-paisagístico acessível que possibilite a sua concretização. Serão montados módulos de composição de acordo com as possibilidades apresentadas por cada tipologia de via, estabelecendo, ao fim, os comparativos de performance, custo e benefício de cada um à sua respectiva aplicação e contexto. O capítulo segue de uma conceituação das tipologias de infraestrutura verde, apresentando também técnicas e materiais, para em seguida orientar estratégias, adaptações e oportunidades para a sua aplicação na realidade, com base nas diretrizes estabelecidas para as vias do território.
espaço, intenções
estrutura do capítulo
Sendo o espaço das vias elementar na constituição urbana e estratégico na ocasião de sua reestruturação, propõe-se, como síntese do trabalho, a construção de um repertório material que possa traduzir para o concreto as modificações possíveis de serem feitas numa rua, desde a mudança ou mesmo aplicação de um calçamento para a melhoria da caminhabilidade até à implementação de melhores práticas de manejo1 para a retenção e o tratamento das águas pluviais. Este capítulo segue, portanto, a ordem de compreensão do que pode ser feito para efetivamente promover essas melhorias. O primeiro tópico explana os conceitos das tipologias de infraestrutura verde aplicáveis numa rua, com base em MOURA (2013), CORMIER & PELLEGRINO (2008) e UACDC (2010), apresentando algumas composições materiais e esquemas gráficos que auxiliem na visualização e entendimento do leitor. Como o objetivo da aplicação destas tipologias, além da melhoria da qualidade dos espaços urbanos, é oferecer estratégias para o manejo do escoamento pluvial, o tópico seguinte se detém em demonstrar a capacidade de retenção e reservação de água propiciada pelas mesmas. São apresentados os cálculos de biorretenção2, que consideram parâmetros de porosidade dos materiais agregados e a capacidade do reservatório de água proveniente das tipologias com jardins. No tópico de materialidade, o objetivo é reunir referências de materiais que possam abranger todos os elementos dos espaços viários
1 As melhores práticas de manejo (MPM) tratam de uma abordagem alternativa e ecologicamente centrada que visa solucionar questões relativas à quantidade e qualidade da água dos escoamentos pluviais (MOURA, 2013, p.49). 2 Essa capacidade diz respeito à composição material e à própria configuração das tipologias: é uma quantificação do volume de água dos escoamentos que ficará retido em cada uma delas.
114
repertório, composição
presentes no território. A pavimentação apresentada baseia-se nas diretrizes do planejamento territorial, que indica a utilização dos pisos intertravados e drenantes. Na seção de infraestrutura cinza, aponta-se os componentes que constituem o modelo infraestrutural, como grelhas, guias e alternativas para meio fio. Arborização, forração e vegetação arbustiva são as seções que elencam algumas das espécies locais possíveis de serem empregadas nas faixas de serviço e jardins compactados das vias. Reunidos em mobiliário estão os itens que compõem uma via para além das infraestruturas, tais como postes de iluminação pública, bancos, lixeiras, etc. Após a apresentação destes dois tópicos, busca-se realizar um estudo de composição viária, reunindo a materialidade e as estratégias possíveis de serem empregadas em pequenos módulos representativos de vias, considerando a hierarquização viária proposta para a ZEIS Bom Jardim. A hierarquização consegue sistematizar e sintetizar informações relativas ao dimensionamento da caixa viária das tipologias em questão, assim como as diretrizes propostas pelo planejamento territorial para drenagem, pavimentação e esgotamento. Nestes módulos, estuda-se também a capacidade de retenção de cada estratégia de manejo aplicada, com base nos cálculos demonstrados no tópico cálculos de biorretenção. Por fim, realiza-se um estudo de caso a partir de uma rua representativa para a ZEIS, de modo que se consiga demonstrar as modificações que podem ocorrer na escala da via e que podem seguir uma ordem gradual de implementação, tendo em vista os cenários de uma paisagem em transformação.
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espaço, intenções
tipologias aplicáveis
pavimentação permeável
No plano, está indicada a utilização de dois tipos de pavimentação permeável: o piso intertravado e o piso drenante.
Trata-se da utilização de pavimentação não-asfáltica para a redução da velocidade do escoamento, permitindo, também, uma maior absorção das águas graças à permeabilidade de suas superfícies. Este tipo de pavimentação apresenta ainda uma menor absorção de calor, promovendo um melhoramento do microclima local. No plano, estão indicados o piso intertravado e o piso drenante para a constituição das vias, de acordo com a sua caracterização. O piso intertravado apresenta grande facilidade de instalação - podendo ser assentado diretamente sobre o solo compactado e uma camada de base em material granular - assim como de manutenção, já que um bloco pode vir a ser retirado e recolocado sem que se prejudique a pavimentação como um todo. Já o piso drenante é composto por camadas de brita de diferentes graduações, areia média e grossa, além da peça de bloco poroso. Com esta configuração, é capaz de otimizar a infiltração da água no solo, reduzindo, assim, o volume a ser escoado. Enquanto o piso intertravado pode ser implementado mesmo em vias de fluxo intenso e que comportem veículos de grande porte, de acordo com o seu dimensionamento, o piso drenante é recomendado apenas para as vias pedonais, que contem apenas com o tráfego de pessoas e veículos não motorizados ou para as calçadas nas vias em que o passeio encontra-se segregado do leito carroçável.
piso drenante
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piso intertravado
repertório, composição
piso drenante
piso intertravado
areia
camada de assentamento base em material granuloso solo compactado
manta geotêxtil brita graduada simples macadame hidráulico pó de pedra
Esquema 3.2: Composições de pavimentos permeáveis
4 a 6cm 4cm 15cm
4 a 8cm 4cm 10cm
15cm 6cm
Esquema 3.3: Dimensionamento das composições
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espaço, intenções
jardim de chuva
Os jardins de chuva recebem esse nome por propiciarem a captação e acúmulo de águas pluviais, mas podem ser pensados para receber outros tipos de lançamentos, como efluentes domésticos, por exemplo.
São depressões topográficas - que podem ser existentes ou resultantes de adequações no terreno que recebem as águas dos escoamentos pluviais das superfícies adjacentes (vias, telhados, etc). O solo, numa combinação de vegetação e compostos orgânicos, tem a sua porosidade aumentada e consegue atuar como uma esponja, sugando a água. A vegetação também contribui para a mitigação da poluição difusa, através da remoção de poluentes, e para a melhoria do microclima, através da evapotranspiração. Ainda que em pequenas dimensões, os jardins de chuva já conseguem apresentar bons resultados em relação ao melhoramento da qualidade da água, principalmente se considerarmos que o volume gerado no período inicial de chuva é o que vai carregar o maior índice de poluentes.
biovaleta
As biovaletas , por serem tipologias lineares, podem acompanhar boa parte da extensão das vias, intercalando a drenagem com os bueiros laterias, por exemplo.
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As biovaletas são similares aos jardins de chuva, mas compreendem depressões vegetadas ao longo de um eixo linear (como leitos de vias, estacionamentos), e que podem contribuir para mitigar a poluição difusa através da filtragem natural. No entanto, ainda irão direcionar as águas dos escoamentos para jardins de chuva ou sistemas de retenção. A principal função das biovaletas é, portanto, é o tratamento e condução dos escoamentos, enquanto a dos jardins de chuva é garantir a infiltração.
repertório, composição
O esquema ao lado busca demonstrar os benefícios ecológicos propiciados pela vegetação.
EVAPOTRANSPIRAÇÃO
RETENÇÃO + SEDIMENTAÇÃO
INFILTRAÇÃO
Esquema 3.4: Matriz orgânica e ações biológicas
substrato de plantio mín. 40cm areia grossa 5cm
manta geotêxtil brita simples
10cm
macadame hidráulico ou brita gradudada 3 h = variável
Esquema 3.5: Composição Jardins de Chuva/Biovaletas
119
espaço, intenções
canteiro pluvial
Os canteiros pluviais podem se inserir entre o leito carroçável e o passeio, por exemplo.
120
Os canteiros pluviais podem ser entendidos como jardins de chuva que foram compactados em espaços urbanos. Podem contar com um extravasor para além da capacidade de infiltração, e, nos casos em que não haja a infiltração, contam com pelo menos a evaporação, evapotranspiração e transbordamento.
repertório, composição
calha pluvial A calha pluvial é o elemento que recebe o escoamento dos telhados, constituindo parte comum à estrutura de muitas residências. O que se propõe como estratégia de manejo é que haja um direcionamento do fluxo recolhido por estas calhas para pequenos jardins compactados rente ou próximo às fachadas, estejam eles inseridos no lote ou fora dele. Essa captação das águas pluviais escoadas pelos telhados contribui para reter parte do volume de água a ser lançado nas vias, contribuindo, portanto, na desaceleração da vazão do seu escoamento.
121
espaço, intenções
cálculos de biorretenção
A composição material das tipologias adotadas servirá como parâmetro para determinar a respectiva capacidade de retenção (m³) por metro quadrado (m²) de cada uma. Com o piso drenante, as variáveis consideradas serão as das camadas de brita graduada simples e macadame hidráulico (ou brita 3), uma vez que o material que constitui a camada de piso permite a completa infiltração da água para estas camadas. Já nos jardins, biovaletas e canteiros pluviais, que possuem o mesmo dimensionamento para as camadas de brita e macadame, o volume de água retido será quantificado com base num somatório que considera a capacidade de retenção destas camadas de agregados e do volume retido na lâmina d’água. Estes cálculos serão expressos a seguir, de acordo com os dados encontrados em MOURA (2013). Primeiramente, é preciso se considerar o parâmetro relativo à porosidade, ou seja, à capacidade de um material de reunir fluidos.
n=1-
γd Gs • γw
O cálculo de porosidade (n) dos materiais agregados é feito com base na fórmula ao lado, considerando os parâmetros listados na tabela 3.x. Já a porosidade média (nm) considera o dimensionamento das camadas de materiais empregadas nas tipologias, relacionando a altura da camada (h) à porosidade (n).
parâmetros de cálculo para porosidade
brita graduada simples
brita 3
γd
massa específica para porosidade (g/cm³)
2,169
1,491
Gs
densidade real dos grãos (g/cm³)
2,643
2,704
γw
densidade real da água a 25º (g/cm³)
1,00
1,00
porosidade (n)
0,18
0,45
Tabela 3.6: Cálculo de porosidade (n) dos materiais empregados
nm =
122
(h1 * n1) + (h2 * n2) + ... + (hn * nm) h1 + h2 + ... +hn
Ao lado, a equação para o cálculo de porosidade média (nm). Os valores considerados são os de dimensionamento da camada e porosidade de seu material constituinte, numa relação de média ponderada.
repertório, composição
A
Para efeito de cálculo, o volume da lâmina d’água retida nos jardins considera a geometria trapezoidal resultante do emprego dos taludes, que servem como espécie de alerta visual para os passantes, ao resguardar a profundidade do elemento de retenção. No esquema ao lado, é possível visualizar esta relação.
B
Os valores utilizados no exemplo a seguir foram aplicados para fins didáticos, de modo que se consiga precisar a capacidade de retenção Esquema 3.5: Lâmina d’água no por m² da lâmina d’água nas tipologias de jardins: jardim de chuva B
A:
área=
h
(B + b) * h
Para: B=4m;
2
100%
4m
Numa lâmina de seção retangular, por exemplo, poderia se considerar uma retenção de 100% na área reservada.
0,30m
0,30m a= 1,2m²
h=0,30m
a= 0,75m²
b
4m
b=1m;
a=0,75m²
62,5%
Com uma seção trapezoidal, considera-se que a lâmina de água irá representar 62,5% do volume considerado para um reservatório de 0,30m de altura. Essa é uma média aritmética adotada para facilitar os cálculos.
capacidade de retenção m³/m²: 0,30m
1,0
0m
62,5% de (1* 1* 0,30) 62,5% * 0,30 = 0,187m³/m²
0m
1,0
Com relação à capacidade de retenção da camada de agregados, o cálculo é feito conforme o descrito na fórmula de porosidade média e a relação de volume das camadas: capacidade de reservação m³/m²:
B:
nm =
0,15 * 0,18 + 0,60 * 0,45 0,15 + 0,60
nm = 0,40
0,75m
1,0
0m
nm * h = 0,3m³/m²
0m
1,0
123
espaço, intenções
Nas tipologias com jardins, portanto, o índice que exprime a capacidade total de retenção por metro quadrado é o valor resultante do somatório de A e B, ou seja: 0,187 + 0,30 = 0,487m³/m² Quanto à pavimentação permeável, o índice para a capacidade de reservação será relacionado somente às pavimentações que empregarem o piso drenante, já que a capacidade de infiltração do piso intertravado é mínima (sua contribuição maior é a desaceleração do fluxo de escoamento). Portanto, para as vias e passeios com piso drenante, o cálculo segue a seguinte lógica: capacidade de reservação m³/m²: nm =
0,15 * 0,18 + 0,15 * 0,45
nm = 0,315
0,30m
nm * h = 0,0945m³/m²
0,15 + 0,15 1,0
0m
h bgs
0m
1,0
h b3
nm
volume de retenção/m²
jardins
0,15
0,60
0,396
0,487
piso drenante
0,15
0,15
0,315
0,0945
Tabela 3.7: Relação de porosidade média e volume de retenção das tipologias adotadas
124
repertório, composição
Nas áreas urbanas, os sistemas de microdrenagem (compostos pelos pavimentos das ruas, guias e sarjetas, bocas de lobo, rede de galerias de águas pluviais) são dimensionados para o escoamento de vazões com o período de retorno de 2 e 10 anos (FCTH, 1999). O período ou tempo de retorno é um conceito que expressa uma estimativa de intervalo de tempo para eventos de uma mesma amplitude pluviométrica, definindo, com isso, a probabilidade deste evento ser alcançado: quanto maior o tempo de retorno, menor a probabilidade do evento ser igualado/superado. Significa dizer, por exemplo, que se um evento de chuva é alcançado ou excedido segundo uma determinada média de tempo, esta média será designada como o seu tempo de retorno (T). É importante compreender, no entanto, que o tempo de retorno não diz respeito à regularidade de ocorrência de um evento, como se essa média estipulada ditasse a frequência do evento em questão. Se falarmos de um chuva com T = 100 anos, num período de 100 anos qualquer ela poderá ocorrer várias vezes ou até não ocorrer (MOURA, 2013, p.156). “Em relação às chuvas, T maiores referem-se a precipitações mais intensas” (ibid). Ao se aferir a capacidade de reservação de um elemento de biorretenção, o período de retorno é utilizado para efeito comparativo, entendendo que cada período diz respeito à uma quantidade específica de volume d’água escoado. Numa chuva de 100 anos, o volume escoado é da ordem de 89,43mm/hora. Já numa chuva de 25 anos, o volume escoado é de 55mm/hora, e assim por diante. Trata-se justamente de compreender, em termos quantitativos, como as tipologias de infraestrutura verde e biorretenção conseguem se aliar ao sistema de drenagem já posto, detendo e retendo parte do escoamento de uma determinada área de contribuição.
1mm
O volume de chuvas é medido em função de uma área unitária: dizer que uma chuva teve uma precipitação da ordem de 30mm, por exemplo, é o mesmo que falar que o volume precipitado foi de 30mm (ou 30 litros) por m².
1mm = 0,001m 1,0
0m
0m
1,0
0,001 * 1 * 1 = 0,001m³ = 1 litro 1mm = 1 litro/m²
125
materialidade materialidade
espaço, intenções
pavimentação
Bloco Retilíneo
Bloco 16 Faces
Bloco Sextravado
Blocos Quadrados Podotáteis
20x10x4 cm
20x10x6 cm
tráfego leve
tráfego médio
22x11x6 cm
22x11x8 cm
tráfego médio
tráfego pesado
19x19x6 cm
20x20x8 cm
tráfego médio
tráfego pesado
25x25x4 cm piso de alerta
128
25x25x4 cm piso direcional
21x7x6 cm tráfego médio
materialidade
Bloco Ossinho
21x7x6 cm
Piso grama
tráfego médio
Bloco Raquete
60x40x10 cm tráfego leve
20x10x6 cm tráfego médio
Piso Drenante
20x10x6 cm
20x10x8cm
40x20x6cm
* Indicados apenas para tráfego leve.
40x40x6 cm
40x40x8cm
129
espaço, intenções
infraestrutura cinza
FONTE DOS ESQUEMAS: Low Impact Development: a design manual for urban areas.
ALTERNATIVAS PARA AS GUIAS DE CONTENÇÃO
130
Guias pré-moldadas perfuradas: permitem a captação de parte do escoamento.
Inserção de guia adaptada à um espaço no meio fio: podem ser instaladas em meio às guias existentes ou em novas construções.
Guias recortadas: permitem um maior controle do fluxo, possibilitando a passagem da água para os jardins nas adjacências.
Guia/meio-fio reto: maxima a distribuição do fluxo para as áreas permeáveis. Pode ser uma alternativa empregada nas vias em que não há diferenciação de nível entre passeio e o leito carroçável, como as compartilhadas, por exemplo.
materialidade
GRELHAS DE BUEIRO
A x L x C (cm) Dimensões: 19x32x60 30x35x60 30x42x60 28x35x60
131
espaço, intenções
espécie
Cordia oncocalyx
Araticum-do-brejo
Annona glabra
Jucá/ Pau Ferro
Libidibia ferrea
Sabonete
Sapindus saponaria
nome
espécie
PEQUENO PORTE
Catingueira
espécie
Ipê Amarelo
Handroanthus serratifolius
MÉDIO PORTE
espécie
Tabebuia roseoalba
nome
MAIOR QUE 8M
nome
Ipê Branco
Pau Branco
GRANDE PORTE 132
nome
DE 4 A 8M
ATÉ 4M
arborização
Caraúba
Ipê Roxo
Handroanthus impetiginosus
Pajeú
Ipê Verde
Cybistax antisyphilitica
Mulungu
nome
espécie
nome
Carnaúba
Copernicia prunifera
Macaúba
Acrocomia intumescens
Angelim
Barriguda
Ceiba glaziovii
Oiticica
Cassia Rosa
Poincianella gardneriana
Tabebuia aurea
Triplaris gardneriana
Erythrina velutina
espécie
Cassias grandis
Andira surinamensis
Licania rigida
materialidade
espécie
Pereiro
Aspidosperma pyrifolium
Côco-babão
Syagrus cearensis
Pitiá
Aspidosperma ulei
nome
espécie
nome
Milhomens
espécie
Leptolobium dasycarpum
Ubaia
Eugenia luschnathiana
nome
espécie
Trapiá
Crateva tapia
Caroba
Jacaranda brasiliana
Ingazeira/ Ingá
Murici
Byrsonima sericea
Pitomba
nome
espécie
nome
espécie
Piroá
Basiloxylon brasiliensis
Pau-pombo
Tapirira guianensis
Xixá
Sterculia striata
Inga affinis
Talisia esculenta
Marizeira
Geoffroea spinosa
Cedro
Cedrela odorata
Oiti
Licania tomentosa
Gameleira
Ficus elliotiana
Dados: MOVIMENTO PRÓ-ÁRVORE, RELAÇÃO DE ÁRVORES NATIVAS PARA ARBORIZAÇÃO DE FORTALEZA
nome
133
espaço, intenções
forração e vegetação arbustiva
nome espécie
nome espécie
Moreia
Dianela
Espada-de-são-jorge
Dietes bicolor
Cymbopogon citratus
Dianella ensifolia
Sansevieria trifasciata laurentii
meia sombra
sol pleno
meia sombra
sol pleno
Cróton Codiaeum variegatum sol pleno
134
Capim santo
Cróton Meloso Polyscias paniculata meia sombra
Trapoeraba-roxa
Periquito Gigante
Zebrina purpusii
Alternanthera brasiliana
meia sombra
sol pleno
materialidade
Alamanda amarela
Chanana
Picão-branco
Allamanda cathartica
Turnera ulmifolia
Galinsoga parviflora
sol pleno
sol pleno
meia sombra
Dracena vermelha Cordyline terminalis meia sombra
Dracena-malaia
Taioba
Alocasia
Pleomele reflexa
Xanthosoma sagittifolium
Alocasia
sol pleno
sombra
sol pleno
135
espaço, intenções
mobiliário
2,50m pedonal
3 a 4m
6 a 8m arterial
A x L x C (cm) Dimensões: 100x50x60
136
materialidade
137
composições viárias
espaço, intenções
vias pedonais
As vias pedonais concentram-se, sobretudo, na subzona 2, que é caracterizada por uma ocupação consolidada e intensa, de lotes menores e com maiores taxas de ocupação (PIRF UFC, 2019). Também há incidência desse tipo de via nas subzonas 3, 4 e 5, porém de maneira pulverizada. Geralmente são vias intra-quadras e sem-saída, destinando-se apenas ao acesso às habitações e possuindo dimensões de caixa viária de até 3m de largura.
Há casos de vias que foram classificadas como pedonais, por serem vias sem saída, mas que possuem dimensões maiores que as descritas ao lado. Nestes casos, mantém-se as diretrizes de saneamento.
No plano, foram definidos dois tipos de via pedonal, de acordo com essas características e as diretrizes de saneamento (ver capítulo 06): a. nas vias com largura de até 2m, serão avaliadas soluções condominiais para o esgotamento sanitário. Quanto à drenagem, fica impossibilitada a instalação de tubulação para a rede geral, recorrendo aos pisos drenantes como solução para o escoamento e a caminhabilidade; b. nas vias com largura entre 2m e 3m, será utilizada rede coletora de esgoto em PVC (d=150mm), e para a drenagem será utilizado PVC perfurado, além da colocação dos pisos drenantes. Quanto ao mobiliário, o plano cita que este deverá adequar-se às dimensões da via, observando as diretrizes de desenho universal. O nível da via deverá estar alinhado com os dos passeios das vias locais do entorno.
140
composições viárias
PISO DRENANTE
LIXEIRA, 50x50x100cm
A capacidade de retenção de uma via Pedonal do tipo A é de 0,0945m³/m², pois a sua composição é feita inteiramente com piso drenante.
Esquema 3.6: Via Pedonal de 1,5m
PISO DRENANTE
POSTE H=2,5M LIXEIRA, 50x50x100cm
Já na via Pedonal do tipo B, a composição pode combinar piso drenante e jardins. Considerando o dimensionamento feito no tópico de cálculos de biorretenção, uma combinação com as duas tipologias consegue reter, por m², um volume de 0,5815m³.
RETIRADA DE MÓDULOS DE PISO PARA VEGETAÇÃO
JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
PVC PERFURADO
Esquema 3.7: Via Pedonal de 2,5m
141
espaço, intenções
Nas vias pedonais do tipo A, a diretriz de pavimentação reflete a estratégia de drenagem possível para as dimensões da caixa viária. O piso drenante, como já apresentado no tópico tipologias aplicáveis, possui uma composição que permite a infiltração e retenção do volume de água escoado da área de contribuição. ‘
composição Pavimentação: Piso Drenante. cap de retenção: 0,095m³/m².
Arborização: não se aplica, devido às dimensões da via.
Forramento e Vegetação Arbustiva: so-
mente em trechos em que haja algum alargamento, do contrário, não é adequado. O vão livre de passagem deve atentar-se para o módulo do desenho universal, de 1,50m.
Iluminação Pública: a largura disponível não é
suficiente para comportar postes de iluminação de altura mínima, mas podem ser instaladas soluções de iluminação nas fachadas das casas, de acordo com a autorização de seus moradores.
Mobiliário Urbano: lixeiras
0m
1,5
142
composições viárias
Já nas vias pedonais do tipo B, que compreendem uma caixa viária com valores entre 2 e 3 metros, as possibilidades para aplicação de outras estratégias de drenagem ampliam-se com a designação de uma faixa de serviço, atentando sempre para a preservação do valor mínimo do leito caminhável de 1,50m. Podem ser construídos pequenos jardins rente às fachadas para o recolhimento de parte das águas escoadas pelos telhados, com a utilização de calhas pluviais que façam o seu direcionamento para os jardins.
composição Pavimentação: Piso Drenante. cap de retenção: 0,095m³/m².
Arborização: não se aplica, devido às dimensões da via.
Forramento e Vegetação Arbustiva: em-
pregadas nos jardins que forem instalados, sempre dimensionados de modo a preservar um vão de passagem na via de pelo menos 1,50m.
Iluminação Pública: podem ser admitidos poste com alturas entre 2,50m e 3m.
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de
colocação de bancos na zona das faixas de serviço.
0m
1,8 0m
0,7
0m
2,5
143
espaço, intenções
vias compartilhadas
As vias compartilhadas, por definição, não possuirão divisão entre passeio e leito carroçável, não se fazendo necessária, portanto, a utilização de meio fio. Como permitirá o tráfego de veículos de pequeno e até médio porte, está definida a utilização de piso intertravado para a sua pavimentação. Esta categorização viária ocorre, em sua maioria, nas comunidades Pantanal, Canudos e Marrocos, subzonas 2, 3 e 4, respectivamente. Com espaço livre mínimo disponível de 3 metros, podem chegar a valores próximos a 6 metros, em alguns trechos. Com respeito às larguras, o plano definiu que: a. vias com largura entre 3m e 4,5m comportarão apenas o tráfego de veículos de pequeno porte; b. a partir de 4,5m, poderão comportar também tráfego de veículos de médio porte, estando possibilitado o acesso de veículos de serviço, por exemplo. Quanto à drenagem, a captação do escoamento para a rede geral se dará através de bueiros centrais, havendo também a possibilidade da aplicação de estratégias como pequenos jardins de chuva e até trechos com pisos mais permeáveis, resguardando a faixa carroçável, a fim de reduzir o volume escoado.
144
composições viárias
LIXEIRA, 50x50x100cm POSTE H=3,0M PISO INTERTRAVADO PARA TRÁFEGO DE BAIXA INTENSIDADE
GRELHA PARA BUEIRO CENTRAL JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
Esquema 3.8: Via Compartilhada 3m
LIXEIRA, 50x50x100cm POSTE H=3,0M
PISO INTERTRAVADO PARA TRÁFEGO DE MÉDIO INTENSIDADE GRELHA PARA BUEIRO CENTRAL JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
Esquema 3.9: Via Compartilhada 6m
145
espaço, intenções
As vias compartilhadas do tipo A possuem uma caixa viária que possibilita a passagem de veículos de pequeno porte, e abrem margem para a existência de uma faixa de serviço de 0,50m de largura. Nesta faixa ficarão alocados os elementos de mobiliário urbano, havendo a possibilidade também de alocar pequenos jardins, para receber o escoamento dos telhados e de canos que despejem água cinza na rua, se for o caso.
composição Pavimentação: Piso Intertravado para tráfego de baixa intensidade.
Arborização: espécies de pequeno porte, espaçamento de 6 a 7m entre cada uma.
Forramento e Vegetação Arbustiva: no jar-
dins que recebem o escoamento das calhas e da via.
Iluminação Pública: poste de iluminação, h= 3m
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de colocação de banco nas faixas de serviço.
Infraestrutura cinza: grelha para bueiro central, guias de contenção circundando os jardins, manilha de concreto para recolhimento do escoamento pluvial das grelhas centrais.
0m
0,5 0m
2,5
0m
3,0
146
composições viárias
Nas vias compartilhadas do tipo B, a dimensão disponível para a caixa viária permite também a passagem de veículos de médio porte, além da colocação de faixas de serviço dos dois lados da via.
composição Pavimentação: Piso Intertravado para tráfego de média intensidade.
Arborização: espécies de pequeno porte, espaçamento de 6 a 7m entre cada uma.
Forramento e Vegetação Arbustiva: no jar-
dins que recebem o escoamento das calhas e da via.
Iluminação Pública: poste de iluminação, h= 3m
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de
colocação de banco nas faixas de serviço, bicicletário.
Infraestrutura cinza: grelha para bueiro cen-
0m
tral, guias de contenção circundando os jardins, manilha de concreto para recolhimento do escoamento pluvial central.
2,3 0m
2,3
m ,70
0m
0,7
0m
4,6
0m
6,0
0
147
espaço, intenções
vias locais
Na hierarquização viária, é a partir das vias locais especiais que é estabelecida a diferenciação de nível entre o passeio o leito carroçável. Como é possível observar no diagrama ao lado, as vias locais permeiam praticamente todas as subzonas, cumprindo o papel de transicionar os fluxos entre os locais restritos e os de maior circulação de pessoas (PIRF UFC, 2019). O tamanho mínimo para este tipo de via é de 6,10, para que hajam passeios em conformidade com os parâmetros de desenho universal, além de faixa de serviço em um dos lados da via. De acordo com o seu dimensionamento, podem ocorrer duas tipologias de vias locais: a. nas vias com dimensão mínimas de 6,10m, a configuração seguirá a ordem passeio - faixa de serviço na face ensolarada (pois é onde deverá ser colocada a arborização) - leito carroçável passeio. Nesta configuração, apenas um sentido de tráfego é permitido na via. Nos trechos em que houverem alargamentos, há a possibilidade de designação de áreas para estacionamento. b. as vias que apresentarem dimensionamento mínimo de 9,10m, terão configuração parecida com a descrita no item anterior, com o diferencial de admitirem dois sentidos na faixa carroçável.
148
composições viárias
POSTE H = 6,00M
PISO INTERTRAVADO, 20x10x8cm
CALÇADA DRENANTE PISO 30x30x6cm
BUEIRO LATERAL JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
Esquema 3.10: Via Local 6,1m
Nas vias locais em que houver a combinação de piso drenante e jardins nos passeios, a capacidade de retenção por m² é de 0,5815m³.
JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
Esquema 3.11: Via Local 9,1m
149
espaço, intenções
Como nas vias locais há a distinção de nível entre passeio e leito carroçável, é necessária a colocação de rampas de acessibilidade nas esquinas para a travessia dos pedestres. Estas rampas deverão possuir uma largura livre mínima de 1,20m e um espaço posterior de pelo menos 0,90m de largura. Com o escoamento se dando para as laterais, há a colocação das sarjetas e dos jardins de chuva na área designada para a faixa de serviço, de modo que estes também recebam parte do escoamento. O piso drenante também poderá ser aplicado nos passeios.
composição Pavimentação: Piso Intertravado para tráfego de alta intensidade no leito carroçável. Para os passeios, piso drenante ou intertravado para tráfego de baixa intensidade.
Arborização: espécies de médio porte, espaçamento de 8 a 10m entre cada uma.
Forramento e Vegetação Arbustiva: no jar-
dins que recebem o escoamento das calhas e da via.
Iluminação Pública: poste de iluminação, h= 6m
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de colocação de bancos nas faixas de serviço.
o
sei
pas
Infraestrutura cinza: grelha para bueiro late-
ral, canaleta de recolhimento nas sarjetas, guias de contenção como meio-fio e circundando os jardins, manilha de concreto para recolhimento do escoamento pluvial, balizadores nas calçadas.
leit
0m
o sei
0m
0,7
pas
0m
3,0 0m
1,2
150
l
áve
roç
ar oc
0m
8,5
1,2
composições viárias
As vias locais do tipo B comportam tráfego nos dois sentidos, possuindo a faixa de serviço em um dos lados. As indicações para esta faixa são as mesmas que para o tipo A, podendo alocar-se mobiliário, iluminação, jardins e arborização. A faixa de serviço deverá, por isso, ser implementada da face mais ensolarada da via (MORETTI, 1997).
composição Pavimentação: Piso Intertravado para tráfego de alta intensidade no leito carroçável. Para os passeios, piso drenante ou intertravado para tráfego de baixa intensidade.
Arborização: espécies de médio porte, espaçamento de 8 a 10m entre cada uma.
Forramento e Vegetação Arbustiva: no jar-
dins que recebem o escoamento das calhas e da via.
Iluminação Pública: poste de iluminação, h= 6m
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de pas
Infraestrutura cinza: grelha para bueiro late-
ral, canaleta de recolhimento nas sarjetas, guias de contenção como meio-fio e circundando os jardins, manilha de concreto para recolhimento do escoamento pluvial, balizadores nas calçadas.
o
sei
colocação de bancos nas faixas de serviço.
o
leit o
sei
pas
0m
vel
oçá
r car
0m
1,2
0,7 0m
6,0
0m
9,1 0m
1,2
151
espaço, intenções
vias coletoras
As vias coletoras especiais estão designadas à coletar e distribuir o tráfego oriundo das vias locais para as vias arteriais, e vice-versa. No território, elas também são as vias que servirão como rota para o transporte público coletivo, tendo sido definidas com o objetivo de prover este tipo de serviço à áreas desassistidas (PIRF, UFC, 2019). Como se tratam de eixos viários já de relevância dentro do território, o seu respectivo dimensionamento considera duas configurações possíveis: a. vias que formam com outras um binário possuirão, por definição, sentido único. Com o dimensionamento mínimo de 8,50m, elas também poderão ser compostas por ciclofaixas. b. já para as vias com sentido duplo, o dimensionamento mínimo é de 9,10m, e neste caso, exclui-se a ciclofaixa. As vias coletoras atravessam todo o território da ZEIS, estando sob as mesmas diretrizes de pavimentação com piso intertravado, recolhimento das águas pluviais para a rede geral por meio de bueiro lateral e ligação à rede geral de esgotamento sanitário através de manilha de concreto.
152
composições viárias
POSTE H=8,0M LIXEIRA, 50x50x100cm
PISO INTERTRAVADO PARA TRÁFEGO DE ALTA INTENSIDADE
Em vias coletoras, algumas calçadas podem receber a pavimentação em piso drenante. A capacidade de retenção deste tipo de piso, por m² é de 0,0945m³.
CALÇADA EM PISO DRENANTE
JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
Esquema 3.12: Via Coletora 8,5m
POSTE H=8,0M
LIXEIRA, 50x50x100cm
PISO INTERTRAVADO PARA TRÁFEGO DE ALTA INTENSIDADE GRELHA PARA BUEIRO LATERAL JARDINS DE CHUVA cap de retenção:
0,487m³/m²
Esquema 3.13: Via Coletora 9,10m
153
espaço, intenções
composição Pavimentação: Piso Intertravado para tráfego de alta intensidade no leito carroçável. Para os passeios, piso drenante ou intertravado para tráfego de baixa intensidade.
Arborização: espécies de médio porte, espaçamento de 8 a 10m entre cada uma.
Forramento e Vegetação Arbustiva: no jar-
dins que recebem o escoamento das calhas e da via.
Iluminação Pública: poste de iluminação, h= 6m
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de
ixa
0m
0m
0,7
lofa
o
cic
sei
pas
0m
3,9 0m
1,5 0m
1,2
154
leit
l
áve
roç
ar oc
Infraestrutura cinza: grelha para bueiro late-
ral, canaleta de recolhimento nas sarjetas, guias de contenção como meio-fio e circundando os jardins, manilha de concreto para recolhimento do escoamento pluvial, balizadores nas calçadas.
o
sei
pas
colocação de bancos nas faixas de serviço, bicicletário.
0m
8,5
1,2
composições viárias
composição Pavimentação: Piso Intertravado para tráfego de alta intensidade no leito carroçável. Para os passeios, piso drenante ou intertravado para tráfego de baixa intensidade.
Arborização: espécies de médio porte, espaçamento de 8 a 10m entre cada uma.
Forramento e Vegetação Arbustiva: no jar-
dins que recebem o escoamento das calhas e da via.
Iluminação Pública: poste de iluminação, h= 6 a 8m.
Mobiliário Urbano: lixeiras, possibilidade de pas
Infraestrutura cinza: grelha para bueiro late-
ral, canaleta de recolhimento nas sarjetas, guias de contenção como meio-fio e circundando os jardins, manilha de concreto para recolhimento do escoamento pluvial, balizadores nas calçadas.
o
sei
colocação de bancos nas faixas de serviço.
o
leit o
sei
pas
0m
vel
oçá
r car
0m
1,2
0,7 0m
6,0
0m
9,1 0m
1,2
155
espaço, intenções
vias arteriais
No território da ZEIS Bom Jardim, duas vias foram designadas como arteriais especiais pela classificação na LPUOS (2017): a Urucutuba e a Av. Coronel Virgílio Nogueira. O PIRF, por sua vez, manteve a classificação, sugerindo, porém, que não haja alteração em suas caixas viárias, preservando seu aspecto especial. Como estas vias possuem canteiro central em boa parte de sua extensão, uma das possibilidades para aplicação de estratégias de IEV seria a adaptação da configuração destes canteiros, de modo que eles passem a receber também o escoamento. Atualmente, as guias que os contêm se apresentam como uma espécie de meio fio, havendo um desnível em relação ao leito carroçável. A adaptação deste canteiro pode ocorrer com a retirada de módulos de guia ou a troca de guias existentes por módulos que apresentem a possibilidade de passagem da água, como os listados no item “alternativas para as guias de contenção” (ver tópico de infraestruturas cinza em materialidade). Nas laterais das vias também podem ser alocadas as tipologias de jardins, para que estes recebam parte do escoamento que se encaminham para os bueiros laterais, contribuindo no controle de fluxo da água. Pequenos módulos de jardins podem ser empregados, inclusive, em pontos de despejo de águas cinzas, para que recebam estes efluentes e diminuam a poluição dos leitos viários.
156
composições viárias
157
estudo de caso
espaço, intenções
estudo de caso
O trabalho, até aqui, dedicou-se à sistematização das informações necessárias para a caracterização geral das vias que conformam o território da ZEIS Bom Jardim, elencando e dispondo as diretrizes propostas no planejamento em módulos que se orientam a partir da sua hierarquização viária. Após este processo e a construção do repertório de materialidade e soluções em infraestrutura verde para espaços viários urbanos, busca-se agora demonstrar a aplicação deste, de modo que seja possível visualizar a implementação da materialidade proposta, assim como das estratégias de IEV. A via escolhida para o estudo de caso foi a Rua Benjamin da Silva, localizada na comunidade Nova Canudos, na porção sul do território. A escolha se deu em função de alguns fatores; o primeiro deles foi a experiência com o local. A Rua Benjamin da Silva compõe um eixo quase que central à comunidade, e foi uma das vias percorridas na atividade técnica denominada “Rua a rua”, promovida pela equipe de Ciências Sociais do PIRF, a fim de mapear componentes e aspectos das vias que se encontram no perímetro da ZEIS. Nesta ocasião foi possível ver de perto algumas das questões daquela localidade, intensamente adensada e fortemente marcada pela questão do saneamento ambiental. Além disso, devido ao seu adensamento, a comunidade dispõe de poucas áreas livres no seu interior, tanto no âmbito público quanto na escala do lote. As vias são, em geral, estreitas e recortadas, devido à espontaneidade da ocupação. No plano, todas as vias da comunidade Nova Canudos estão classificadas como compartilhadas, exceto as que se fazem sem saída no interior de algumas quadras. Estas, como já visto na descrição de composições viárias, são designadas vias pedonais. Partindo desta caracterização, de um perfil viário com algumas limitações de larguras e poucas áreas permeáveis no seu entorno, foi possível compreender que são exatamente estes os locais onde a infraestrutura verde pode entrar como aliada, essencialmente pelo seu princípio de adaptabilidade. Podendo ser empregadas nas mais diversas escalas, as tipologias de IEV podem ser fazer oportunas nas brechas abertas pelo próprio recorte da via, ainda mais ao considerar como fundamento as diretrizes do plano: nas vias compartilhadas,
160
estudo de caso
a prioridade é o tráfego de pedestres, de modo que a estruturação do espaço da rua se dê de acordo com dimensões que possibilitem a passagem de veículos, desestimulando, contudo, os tráfegos intensos. Com isso, há mais um elemento motivador para o tratamento de seus espaços: a possibilidade de qualificação da travessia dos pedestres e dos pontos que se fazem de permanência, onde a rua compreende também o espaço de extensão da casa.
ZONEAMENTO: Subzona 3
Perceber brechas pode ser a melhor maneira de iniciar a utilização de outras formas de prover serviços urbanos, por permitir visualizar sua acessibilidade e viabilidade de concretização. E estas podem ser vistas como oportunidades para promover melhorias mais efetivas e significativas no tecido urbano. O estudo de caso se dará nesta rua específica, com uma caracterização muito própria, mas que também reúne questões muito comuns ao território da ZEIS e de outros tantos dentro do Grande Bom Jardim: despejo de efluentes nos leitos viários, pouca permeabilidade, espaços públicos em deterioração. Compreendendo estas problemáticas, também é possível que se dê início a outras investigações que se utilizem também das estratégias aplicadas, dando margem para contribuições que possibilitem seu aperfeiçoamento, num contínuo movimento de transformação.
CLAS. VIÁRIA: Compartilhada
TIPO: 02 - Piso intertravado, bueiro central, esgoto com manilha
SOLUÇÕES:
Esquema 3.14: Identificação da via e estratégias aplicáveis
161
espaço, intenções
R.
M
AR
IA
JÚ
LI
A
RO
CH
A
R. BENJAMIM DA SILVA, NOVA CANUDOS
Mapa 3.13: Delimitação do recorte estudado Elaboração: Autora
Dados: Google Earth
Figuras 3.1, 3.2 e 3.3: Trechos da Rua Benjamim da Silva. Fonte: Google Street View.
162
estudo de caso
A
Ausência de pavimentação adequada
Lançamento de efluentes no leito viário
Alagamentos como queixa recorrente Figuras 3.4, 3.5 e 3.6: Apontamento de problemáticas
163
Jardim para receber água cinza
Vias em PIso Drenante Jardim de Chuva
Jardim para receber água cinza
Trecho de via como espaço de permanência
Biova
Identificação do trecho 01
proposições As tipologias empregadas visam solucionar alguns dos problemas de lançamentos de efluentes no espaço das vias, além de aumentar sua permeabilidade e propiciar espaços de retenção e tratamento dos escoamentos pluviais, através da alocação de jardins de chuva e trechos com piso drenante.
aleta
estudo de caso
Jardim para receber água cinza
Biovaleta
Calha Pluvial
Via em Piso Intertravado
MASTERPLAN - TRECHOS DA RUA BENJAMIN DA SILVA SEM ESCALA
165
espaço, intenções
trecho 01
Na via, a alocação da maioria dos jardins é também visando os locais onde há o despejo de águas cinzas.
Esquema 3.15: Apresentação do trecho 01
Eixo tr sada q do tam de est
6,52%
13,25%
10,60% 76,15%
Gráfico de retenção para o volume de chuva com o tempo de retorno de 25 anos.
166
46,83%
Gráfico de etenção para o volume de chuva com tempo de retorno de 100 anos.
46,65%
O trecho delimitado considera como área de contribuição a extensão da via e de parte dos telhados (tendo em vista que parte das águas tem o seu caimento para a via). Com isso, estima-se uma área total de 2.149m²
Para quantificar o volume de água escoado pela área de contribuição desse trecho, há de se considerar a vazão de chuvas em três períodos de retorno: 1. as chuvas de 30mm, um volume que já é considerado problemático em áreas urbanas; 2. período de retorno de 25 anos, com as chuvas de 55mm, 3. período de retorno de 100 anos, com chuvas de 89,43mm
ransversal à via analique pode ser pensambém como espaço tar.
1
30 * 2.149 = 64.470 l ou 64,47m³
2
55 * 2.149 = 118.194 l ou 118,19m³
3
89,43 * 2.149 = 192.184 l ou 192,18m³
Nesta área de contribuição, há dois trechos de vias sem saída, classificadas no plano como vias pedonais. Com isso, elas devem receber para a pavimentação o tratamento em piso drenante que, conforme já exposto, possui uma capacidade de retenção de 0,0945m³/m². O somatório da área dos trechos em questão é equivalente a 132,60m², significando uma capacidade de reservação da ordem de 12,53m³. Quanto às tipologias de jardins, foi realizado um estudo preliminar que considera a alocação de algumas destas em pontos onde há o despejo de águas cinzas e onde a largura da via e a fachada das residências permite (tendo em vista questões como o acesso ao interior destas casas e a caminhabilidade da via). Nos eixos transversais à rua analisada, observou-se a possibilidade de implementar trechos mais extensos de jardins, e estas vias poderiam servir também como espaços de permanência. Neste estudo, a área de jardins contabilizou aproximadamente 90m².
Jardins Piso drenante Escoado para a rede geral
espaço, intenções
Vias em Piso Drenante
Via em Piso Intertravado
Jardins para receber água cinza
Arborização de pequeno porte e vegetação arbustiva
aplicação do repertório
168
estudo de caso
Arborização de pequeno porte e vegetação arbustiva
Arborização de pequeno porte e vegetação arbustiva
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espaço, intenções
170
estudo de caso
VISTAS - TRECHOS DA RUA BENJAMIN DA SILVA
171
08
considerações finais
Enxergar o espaço em que se inscrevem as vivências de um território é uma forma de também enxergar as existências que ali tomam lugar. Não quaisquer existências, mas realidades inteiras atravessadas pela maneira com que os lugares se constituem. Olhar para a cidade só se faz um movimento completo quando se atenta para todas as suas partes integrantes, estejam elas a leste ou a oeste, compondo núcleos lidos como formais ou não. Olhar para a cidade por completo é considerar todas as existências, toda a vida que prevalece e permanece, apesar das contradições materiais. Este trabalho se propôs a investigar as bases de construção de um território a fim de desvelar as agências que o modelaram, até que se chegasse a compreender que a maneira como as coisas estão estabelecidas não é fruto de história recente, e sim de uma continuidade temporal ainda não superada. A espacialização dos sujeitos que habitam os grandes centros urbanos brasileiros também narra uma história. Não há como pensar em cidades melhores, verdadeiramente sustentáveis e integradoras sem considerar que há voz, que há vida (para além da sobrevida) em todos os seus sujeitos habitantes. Que todos são sujeitos e podem narrar suas próprias histórias, e construir outras narrativas que invertam as bases lógicas que estruturam a construção dos espaços, fundando suas próprias utopias urbanas.
173
espaço, intenções
Olhar para o território do Grande Bom Jardim fez também despertar um outro olhar: o que considera a perspectiva da paisagem, onde se espacializam e acumulam as narrativas do tempo. Ler a paisagem de um local é encontrar os vestígios das ações que ali se deram, das decisões que resultaram num traçado, numa composição morfológica, ou nas ocupações que ali ganham forma e lugar. Ver o que se deixou marcado na paisagem é a primeira leitura que se pode fazer de um local. Seus elementos e eixos também contam histórias. E é na paisagem que se pode vislumbrar a construção de um lugar novo: “Ler a paisagem é também antecipar o possível, imaginar, escolher e moldar o futuro [...]” (SPIRN, 2005). A construção de um lugar novo se faz na disputa, porque não é esperado que a regência da ordem hegemônica possibilite uma verdadeira transformação. Se faz preciso olhar as brechas e começar os trincos na redoma que envolve esse modelo de produção e reprodução da vida urbana. A tendência de um sistema que desconsidera a vida, seja ela de que natureza for, é somente a (auto) destruição. Considerar a vida é compreender que tudo se compõe numa totalidade, como num sistema, em que todos os elementos se interconectam e se afetam mutuamente. Compreender-se enquanto parte de uma totalidade, é se reconhecer indissociável da natureza, de forma a questionar a dicotomia que se faz entre ela e a cidade. Cidade é natureza, e os processos que se dão em seu sítio repercutem na qualidade do meio ambiente natural. Pensar em serviços urbanos que possam se apropriar deste entendimento e trabalhar em conjunto para promover espaços multifuncionais dentro da cidade, garantindo uma maior qualidade de vida para seus habitantes, é uma urgência frente às inúmeras problemáticas da contemporaneidade: adensamento expressivo dos núcleos urbanos, impermeabilização maciça do solo, mudanças climáticas, além da constante e instituída degradação ambiental. Projetar espaços multifuncionais, que considerem e assimilem os processos naturais, é uma maneira de estudar novas ordens. O conceito da infraestrutura verde reside nisso, no entendimento de que os espaços livres podem se interconectar numa rede de serviços de conservação ecológica e promoção da qualidade do meio urbano e ambiental.
174
considerações finais
[sobre os cenários ansiados] Pensar na rua enquanto eixo de conexão e transformação da paisagem de um lugar é um exercício de reconhecer as brechas que podem ser abertas (ou aproveitadas) para a reestruturação dos espaços urbanos. Aqui, o estudo de caso de um trecho possibilitou aferir que através das tipologias empregadas, seguindo os princípios de biorretenção, a capacidade de absorção e retenção dos elementos dispostos pode abranger pelo menos 50% do volume escoado na primeira hora de chuva da área de contribuição, considerando um período de retorno de 100 anos. A água deste escoamento inicial é a que mais gera problemas para a drenagem urbana, pois é a que carrega o material com a maior carga poluidora dos escoamentos. A vegetação nos jardins cumpre ainda o papel mitigador da poluição, com a filtragem e sedimentação dos carreamentos, além de funcionarem como elementos de qualificação paisagística do local. Esta experimentação consegue demonstrar que a performance dos elementos de biorretenção já justifica o seu emprego e aplicação como estratégia para o manejo das águas pluviais. Para além dos benefícios quantitativos, há de se considerar as melhorias para os espaços do cotidiano dos moradores, que podem passar da degradação para a renovação, de espaços de despejos à espaços de cuidado. Os cenários ansiados são o de uma paisagem que se modifica e se adapta às mudanças no transcurso do tempo, conformando territórios verdadeiramente resilientes, fortalecendo a vida social das comunidades, além de promover serviços que garantam e contribuam na qualidade de vida aos seus habitantes. Nos cenários ansiados, a rua pode ser um princípio, que logo pode se conectar aos outros fragmentos do tecido urbano, e também às grandes áreas livres ou aos corredores hídricos, de forma que em rede, todos estes elementos também sejam pontos de transformação no território, seja este o de uma localidade ou de uma cidade inteira. Permanecer é um ato de disputa. Que a disputa se realize através dos novos olhares: para as pessoas e seus lugares, para os territórios, para a cidade e a natureza. Que no meio dessa travessia possam ser construídas as verdadeiras bases para uma transformação.
175
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