1
revista tipos
Créditos edição original: 2004 publicado originalmente nos Estados Unidos pela Princeton Architectural Press Coordenação Editorial Lucas Carci Conselho Editorial (design) Lucas Carci, Leonardo de Souza e Adriano farias Revisão Fabio Carlos
2
Fotografias Dana Maia Reimpressão 2009 Editora Blá Rua Miguel Lemos - copacabana 770 - 2 andar Tel.: 21 8888-5555 www.bla.com.br
revista tipos
Editorial
Editorial Há muito se foi o tempo em que o Design era um raro ofício. De lá para cá a sociedade afluente e global intensificou e acelerou seus processos de comunicação. Claro que o Design não perdeu seu apelo, nem o designer seu charme, mas é inegável que ele, atendendo a tantas demandas, multiplicou sua presença por todos os campos. Apesar de tudo, essa multidão de profissionais não significa companhia, nem impede que cada um venha a se sentir pessoal e profissionalmente isolado. Esse é o problema: para uma vida de trabalho plena, precisa o designer se relacionar com a coletividade dos que, como ele, no mesmo campo . O jovem designer (ou a jovem designer), com sua estação de trabalho preparada para lhe prover eficiência, precisão, versatilidade e rapidez parece ser profissional mais completo do que aqueles que lhe foram anteriores. Mas essa comodidade muitas vezes o isola, e lhe custa viver numa certa solidão digital. O resultado é, apesar de tantas vantagens, poder subsistir um sentimento de que há menos satisfação, na vida e na carreira.
revista tipos
3
4
revista tipos
Sumário
inspirações
6
Sobre
8
Capa
12
Para que é que precisamos da Helvetica?
Tipografia corporal
entrevista Entrevista com Cláudio Rocha
16
revista tipos
5
inspiraçþes
6
revista tipos
inspiraçþes
7
revista tipos
Sobre
Para que é que precisamos da Helvetica? Paulo Heitlinger
Para que é que precisamos da Helvetica? O 50º. aniversário da Helvetica – uma família de fontes criada em 1957 pelo suíço Max Miedinger – foi o pretexto para rodar um documentário que ilustra a expansão desse conhecido typeface. Reacende-se uma polémica que já vem de alguns anos atrás e que merece a pena retomar. Vejamos porquê.
8
Quando o editor suíço Lars
Em resposta a Lars Müller, te-
Hommage to Helvetica (que
suíço a Helvetica pode servir
Müller publicou o seu livrinho entretanto está à venda a bom preço nas lojas da FNAC),
argumentava que «este type-
face sabe fazer tudo, e é neste aspecto que é genial ... Tive
vontade de publicar este livro para reagir contra a inflação
das fontes. Temos hoje cerca
de 30.000 fontes, mas que não servem para grande coisa. Em vez de inventar novas fontes,
valia mais renovar a tipografia
com as fontes existentes. É este o caminho para o qual aponta o sucesso da Helvetica».
nho a argumentar que para um para muitas aplicações, mas
para mim não serve para grande coisa, pois falta-lhe qualquer
personalidade tipográfica. Ça
manque du charme, diriam os franceses.Temos milhares de
fontes disponíveis para as mais variadas aplicações, de modo
que a questão pertinente será:
Para que é que nós precisamos ainda dessa letra de horripilante estética, criada à cinquenta
anos para atender às necessi-
dades de clientes à procura de uma letra “despersonalizada”, “neutral”, apta a garantir-lhes
um fácil acesso a um mercado global?
revista tipos
Sobre
O trend da globalização persiste A resposta, embora não goste dela, é simples. Em pleno século XXI, a Helvetica continua em
uso, por força do persistente revivalismo que nos aflige há anos. O conceituado designer e crítico
canadiano Nick Shinn, denunciando os maléficos
efeitos da authority of mass fashion, escreveu: «A Helvetica regressou em grande. Na rua, vemo-la em campanhas publicitárias de empresas tão
diferentes como a IBM e The Gap. Nas vendas
online, está sempre no topo das listas das fontes mais vendidas...»
A fonte que o typeface designer e ensaísta Nick
Shinn apelida com toda a pertinência face of uni-
formity tem vindo a ocupar posições para as quais nuncafoi concebida, mas os designers contemporâneos, com medo de afirmar as suas raizes cul-
turais e os contextos regionais, preferem a «fonte
sem personalidade». Nunca uma fonte tão estéril, de tão fraca legibilidade e pobre
revista tipos
9
Sobre
Historial da Helvetica A Helvetica é a fonte mais
associada à tipografia suíça do pós-guerra e à «Escola Inter-
culturas – com as características da Suíça, portanto...
nacional», por causa da sua
O importante era que essa letra
Surgiu nos anos 50, na conjun-
tivesse qualquer associação na-
crónica falta de personalidade.
tura de recuperação económica depois da Segunda Guerra
Mundial. Inúmeras empresas
alemãs e suíças, ávidas de se lançarem de novo nos merca-
dos internacionais, precisavam
de uma letra clara, neutral, moderna, internacional, com boas
relações com todos os países e
fosse «moderna» e que não
O tipo eleito pelas empresas
multinacionais foi a Helvetica, a fonte da globalização dos anos 60 e 70 (e, como já veremos, também do século xxi).
cional, ou qualquer filiação cul-
Nos anos 20 e 30, tinham sido
na Alemanha do pós-guerra
exigiam uma tipografia univer-
tural específica. Especialmente procurava-se uma fonte neutra, que não lembrasse o vergo-
nhoso passado nazi do país, que, agora «democratizado»
de fachada, o queria ultrapassar o mais depressa possível.
os adeptos da Bauhaus os que sal, apta para todas as aplicações, todos os fins, todos os
idiomas e todas culturas. Nessa época, as reinvidicações dos
vanguardistas causaram pouca ressonância; muito mais tarde,
10
depois da guerra, a indústria e o
realizada em Lausanne. Esta
dicional, manual – a fotocompo-
tado a mensagem, e exigiam:
foi introduzida no mercado para-
do ano de 1955.
comércio tinham finalmente cap«Venha uma letra universal!»
fonte, então chamada Helvetia,
lelamente à famosa Univers, de
sição tinha começado por volta
Adrian Frutiger.
A Helvetica não teve por auxiliar
ser uma versão modernizada da
Pouco depois, a fundição alemã
ral como aquele que Adrian
da H. Berthold AG). Começou
direitos da Helvetia, adicionou-
A Helvetica foi desenhada para Akzidenz Grotesk (propriedade por ser comercializada como Neue Haas Grotesk, por se
tratar de uma reformulação da Haas Grotesk (propriedade da
fundição Haas, a empresa que encarregou Max Miedinger de modernizar a fonte).
A primeira versão foi apresenta-
da em 1957, na feira graphic 57,
revista tipos
D. Stempel AG comprou os
lhe vários pesos e graus de
condensado e rebaptizou-a com o nome de Helvetica, relançan-
do-a em 1961. Nessa época, já 50% do capital da D. Stempel AG se encontrava em posse
da Linotype AG, representan-
do dentro do grupo Linotype o sector de «tipos metálicos de
fundição» para composição tra-
de parto um conceito estrutu-
Frutiger inteligentemente deu à sua Univers, quando inventou
uma sistemática numérica para calibrar os pesos e graus de
condensação/expansão. Esta
falta de sistemática reflectiu-se na pobre estética das variantes e tornou necessário um
redesign, lançado como Neue Helvetica em 1980.
Sobre
Um flagelo chamado Arial A Helvetica tem sido violentamente pirateada –
outra expressão da sua ubiquidade e popularidade. Quem não queria investir no produto original, comprava um dos múltiplos clones, muito mais
baratos: cópias ainda piores que o original, cha-
madas «Swiss», «Geneve», «Zürich», etc. De mal a pior, a degradação continuou quando a ainda
jovem Microsoft decidiu pouparse a aquisição da Helvetica e encomendou, em 1982, a fonte Arial
à Monotype. A Arial, um dos Windows core fonts,
integrados no pacote do sistema operativo, é outra fonte de inigualável banalidade e consegue ser
mais feia que o original. Entretanto, até a Micro-
soft já notou isso; na nova versão do Windows, a Helvetica e a Times já não fonts...
11
Sucesso mundial Apesar destes entraves, a Helvetica foi a fonte de
maior sucesso nos anos 60 e 70 – pelo menos, foi
a fonte mais usada. Substituiu rapidamente a anti-
ga Akzidenz Grotesk de 1897, que, no jocoso dizer de Erik Spiekermann, já mostrava «muitas rugas». A sua falta de personalidade nacional ou regional – é com todo o direito que é chamada «a fonte
sem carácter» – foi por vezes compensada pelo emprego de cor, por exemplo, em posters publi-
citários. De resto, a imaginação criativa dos que
optaram pela Helvetica ficava reduzida a explorar
as formas acentuadamente geométricas, a compor em ângulos diagonais e/ou a tirar partido da vasta
gama de pesos e cortes da letra que passou a ser a fonte universal e global da segunda metade do século XX.
revista tipos
Capa
Tipografia corporal Porkas Lampas
12
Calligraphy on Girls revista tipos
Capa
Tipografia corporal, por Pokras Lampas A especialidade do russo Pokras Lampas são
13
caligrafias e graffiti. Não satisfeito em escrever em papéis como o resto dos mortais, ele decidiu criar uma série chamada “Calligraphy on Girls”
(Caligrafia em garotas). Ele faz tipografias no corpo de mulheres e o resultado é incrível. Veja as fotos.
revista tipos
Capa
14
revista tipos
Capa
15
revista tipos
Entrevista
Entrevista com Cláudio Rocha Tânia Galluzzi
typedesigners 16
Cláudio Rocha
revista tipos
Entrevista
Resguardar a tipografia é preservar o conhecimento Nascido em 1957, aos 10 anos
e profissional contratado (foi
posição manual e impressão
letras. Na escola era ele o res-
Design), virou designer gráfico
se como um laboratório no qual
Claudio Rocha desenhava
ponsável pela diagramação do
jornal do grupo de teatro e aos 17 já diagramava as revistas e materiais impressos do Idort.
Ele estava na lida muito antes
de surgir a denominação designergráfico, à qual deu corpo e importância com seu conheci-
mento técnico e criatividade. Artista gráfico completo e grande conhecedor de tipos, Claudio
Rocha atuou como catalisador
para a primeira geração de brasileiros em meados da década de 90 com iniciativas como
a revista Última Forma Typo-
graphy, em 1997. Publicação
independente, reunia pes-soas
que tinham alguma relação com
a criação e o desenho de letras, como Rubens Matuck, Guto
Lacaz, Arnaldo Antunes, Tide
Hellmeister e Eduardo Bacigalupo, figurando como um dos
primeiros meios de divulgação
da tipografia brasileira na comunidade internacional do design.
Mergulhado na escassa literatura sobre o tema, Claudio, entre idas e vindas como freelancer
diretor de criação na Seragini especializado no segmento
editorial. Ou melhor: tradutor
vi-sual, nas suas próprias palavras, uma vez que sua função é entender uma necessidade
mercadológica e materializá-la em uma peça gráfica.
Da semente atirada pela Última Forma nasceu, em 2000, a
revista Tupigrafia, trazendo um
olhar instigante e sensível sobre as manifestações contemporâ-
neas sobre a tipografia no Brasil e no mundo, idealizada em
parceria com Tony De Marco.
No período que morou na Itália, entre 2007 e 2009, Claudio lançou a revista Tipoitalia, além de colaborar com museus, promover workshopse dar palestras. Antes disso, em 2004, criou,
ao lado de Claudio Ferlauto e
Marcos Mello, a Oficina Tipográfica São Paulo com o ideal de
recuperar a linguagem peculiar do sistema de impressão tipográfica e inserir esse meio de
comunicação como um recurso de estilo dentro do universo di-
gital. Agregando ateliê de com-
tipográfica, a oficina posicionouse experimentava a linguagem
dos tipos de metal e de madeira e onde aconteciam workshops abertos aos interessados em conhecer essa técnica. Em
2005, a Oficina transformou-se em uma organização não go-
vernamental, sendo transferida posteriormente para a Escola
Senai Theobaldo De Nigris, com a qual mantém um convênio
com a missão de preservar a cultura gráfica no País.
Hoje Claudio Rocha, autor de
livros como Projeto Tipográfico
– Análise e Produção de Fontes Digitais e Tipografia Compara-
da: 108 Fontes Clássicas Analisadas e Comentadas, divide-se entre a rotina da Oficina Tipográfica, as aulas que ministra
como professor de Tipografia e projetos pessoais.
Nesta entrevista, ele fala sobre a validade da tipografia como processo de impressão na
atualidade e a possibilidade
de combiná-la com as novas tecnologias.
revista tipos
17
Entrevista
O que “ determina é a linguagem que se pretende para o projeto, é a proposta do trabalho 18
revista tipos
Qual o papel da tipografia? Claudio Rocha – A tipografia é uma tecnologia superada há duas gerações. Foi substituída pelo processo offset e agora pela impressão digital. Só que os parâmetros da tipografia, seus princípios, foram preservados. Resguardar a tipografia é preservar o conhecimento. Nosso objetivo é cultural, didático. Quem cria ou produz peças em tipografia tem a oportunidade de desenvolver o raciocínio visual, deve trabalhar com os aspectos físicos do grafismo e não grafismo, lidar com os espaços vazios, expe-riências que a computação gráfica não possibilita. Na tipografia, o designer e o gráfico se complementam e o conhecimento da técnica amplia a bagagem profissional de quem se dedica a ela. Por suas características, a tipografia permite efeitos únicos que o gráfico pode explorar. Algumas editoras, como a Cosac Naify,
Você citou uma editora que utiliza a tipografia em seus produtos. Como está a procura pela tipografia como um recurso visual? CR – Nesse aspecto, o processo tipográfico é bastante valorizado. Existem oficinas tipográficas com uma nova proposta surgindo em São Paulo, em Goiânia, em Belo Horizonte e outras cidades. A tipografia virou um nicho de mercado e vem sendo utilizada, tanto no Brasil quanto em países como a Itália, na produção de livros, cartazes, convites, em peças com pequenas tiragens, em projetos culturais. Há mercado, porém limitado.
Entrevista
É possível unir a impressão tipográfica e a digital? CR – Um recurso é tirar uma prova de prelo de uma composição com tipos de metal ou de madeira e também de um clichê tipográfico e transformá-los em arquivo digital através do seu escaneamento. Fizemos isso recentemente aqui na Oficina Tipográfica para a programação visual de uma exposição, compondo palavras com tipos de madeira, digitalizando as provas desse material e gerando arquivos digitais para impressão em offset. O inverso também é possível. Elaborar um projeto no computador, produzir um fotolito e a partir deste fazer um clichê para impressão em tipografia. O que determina é a linguagem que se pretende para o projeto, a proposta do trabalho.
Ainda há gráficas produzindo impressos em tipografia no Brasil? CR – O uso é marginal. A tipografia teve uma sobrevida com a impressão de taloná-rios, hot stamping e para numeração de impressos. No interior e nas periferias ainda se faz envelopes e cartões de visita em tipografia, mas muitas impressoras estão sendo transformadas e utilizadas para corte e vinco. O uso comercial é bem restrito, mesmo porque muitos profissionais que possuíam o conhecimento dessa técnica já se aposentaram.
Quais são os planos da Oficina Tipográfica para este ano? CR – Estamos dando continuidade à catalogação do acervo da Oficina e da Escola Senai. No ano passado recebemos doações importantes, como a do Sesc Pompeia, que repassou para a Oficina uma grande quantidade de tipos históricos. Estamos reorganizando todo esse material. Na área didática vamos manter os mesmos cursos que já estávamos oferecendo: Composição Manual, no qual o Marcos Mello apresenta o sistema e a linguagem da composição com tipos móveis e da impressão tipográfica como recurso formal no design gráfico; Gravura Tipográfica, sob minha direção, onde exercitamos as possibilidades da linguagem tipográfica na produção de cartazes; e Técnicas de Encadernação para Designers, também conduzido pelo Marcos.
revista tipos
19
20
revista tipos