{
Antífona 2ª Edição
Avelar Rodrigues
}
OUTROS TÍTULOS: *Das Coisas de Sentir (Verso e prosa) – Editora São Vicente – Belo Horizonte – 1977 – 74 p. *Poesia Arte Livre – Obra conjunta – Shogun Editora e Arte, Ltda. – Rio de Janeiro – 1981 *A Nova Poesia Brasileira – Obra conjunta – Shogun Editora e Arte, Ltda. – Rio de Janeiro 1983 *Esmeraldas – Uma Contribuição à História de Minas (história) 1ª Edição: Imprensa Oficial do Estado de Gerais – Belo Horizonte – 1985 – 391 p. 2ª Edição: Editora Lithera Maciel – Belo Horizonte – 2000 – 416 p. *Diagnose da Anarquia e Outros (História – Ensaios – Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Vol. XXIV) – Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais – Belo Horizonte – 1999 – 113 p. Inéditos: Quando Todos Dormem (Memórias em verso e prosa) Língua & Literatura (Ensaios)
Antífona 2ª Edição
Avelar Rodrigues
2015
Para Ely de Avelar, minha m達e e Maria Petrina (Nenega), minha sogra, In Memoriam
Acredito em que Deus tenha um dia estendido as mãos sobre essas duas mulheres. E elas ficam ungidas com as bênçãos do amor e da bondade em sua extensão maior.
AntĂfona
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Antífona
Grego antiphona – Liturgia – Versículo, geralmente tirado das Sagra das Escrituras, que se diz ou se canta antes de um salmo ou cântico religioso e depois se canta inteiro ou se repete alternadamente em coro; - Dic. - s.f. -
}
oração, reza.
Ă?ndice 12
15 17 18 20 23 25 26 28 32 34
37 38 40 42 46 50 52 54 70 72 75
PETRUS ÉS Foi aquele o tempo imorredouro em que os olhos, alma e coração viram vindo, Bem-vindo, o que veio em maior Nome. Veio ele a nós e nós ao seu encontro. Juntei mulher e filhos, de alegria nos vestimos, feita encantamento.
12
(01-07-80) Ele a nós e nós ao seu encontro, ao testemunho da boa vontade e à fraternidade, ao chamamento de toda autoridade ao bem a ao bom serviço Nós fomos ao seu encontro e à palavra de paz fundada na justiça, da unidade erigida em comunhão, à promoção do homem e seus direitos. Juntei mulher e filhos, de alegria nos vestimos, ao encontro da esperança que ainda acena aos pequenos, aos sofridos, aos migrantes e aos marginalizados do respeito. Ao seu encontro, fomos, unidos os irmãos dispersos, revividos no amor e em torno da palavra de justiça que a ninguém mais deixe à margem dos caminhos da Vida.
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}
Quando da visita do Papa Joao Paulo II a Belo Horizonte. Ao passar, estavamos numa parte elevada da Av. Antonio Carlos. Foi bom.
13
14
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Caso ouvido de Tulio, que foi a rodoviaria esperar alguem que nao apareceu.
PEQUENA TRAGÉDIA EM UM ATo CURTO A hora tresandada, a busca em aflição, a busca aqui, ali, em volta e mais além...
Ninguém! 15
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Ideologia e politica. Inconformismo com ditadura militar.
}
(17-05-80) ATo de contrição A clamar, aí o tempo do chacal, por algum abrir de asas em face do holocausto. É preciso nos a(r)marmos todos e acostumar-nos com a idéia do sacrifício. Porque o sacrifício anda junto com os vôos da libertação. Contudo, não me mexo. E vou ficando nessa de postergar o (as)salto do tigre. Porque ainda sangra a memória dos homens e negro segue o pecado com as crianças de Hiroshima.
17
(14-01-73) ATo de Esperança Aquela luz irradiada alumiando o universo todo. Bem-aventurados os que vivem e crêem, porque sabem. Abram-se as grades e dê-se ao pássaro interior a amplidão.
18
(TranscendĂŞncias)
19
RECREIO E quando o meus verso faço, eu canto e me redimo e me desfaço. Se vem a tristeza, passo, me consolo, me animo, me refaço. Por isso, o meu verso eu faço e desse verso meu enlaço o traço justo do laço que prende o risco no abraço, cálido como o mormaço do aconchego dos seus braços. Por isso, este verso eu faço e nele retomo meu espaço onde eu respiro, onde eu renasço mesmo do próprio cansaço. Por isto, este verso eu faço e encaro o mundo devasso com graça, desembaraço. Em ternura de palhaço me redimo, me desfaço e me refaço com estes versos que faço.
20
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Brincadeira. Puro jogo de palavras. Divertimento.
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(22-01-81)
{ 22
Juninho, aos 7 anos e meio, com roupa nova para ir a aniversario.
}
CIRANDA Ah, criança! Por que tanto se amolece este meu coração sisudo por esse pingo sapeca, tão miúdo? Que respeito é este, meu, por esses seus olhos safados e a franjinha molecóide em cima dessa cara suja? E esta ternura minha, de onde vem, que encanto é este por essa figurinha que nem bem conheço? Por que tão fácil assim me ganha e me vence e me domina essa tralha pequenina? Ah, que fraqueza, a minha!...
23
{
24
Parte do poema “Lamento�, dividido em 2. Transcendencias.
}
Quase natal de 1979
(DEs) Caminhos Ouvir você, talvez falar-lhe desta história, contada com vagar sair, ir por aí, passar...
Aonde foi zanzar minha boa vontade, o meu riso, onde anda, cadê o meu lugar, prá que eu aqui não fique – assim, buscando um caminho que nem sei?
25
Antífona E eis que chego e é como se não. Ah, minha velhice! Ah, minha mesmice! Ah, hora nova que não comporta o meu vagar! Quanto quisera em mim as asas soltas e a imensidão de espaços por onde exercitasse em vôos largos o meu desprendimento!
26
(02-10-79)
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}
Uniao de poemas escritos com espaco de 2 anos, um do outro, com a mesma atmosfera. Publicado na coletanea “A Nova Poesia Brasileira” - Rio - 1983 - Shogun Arte Contemporanea. Transcendencias
E em nós nos renascesse sempre novo Aquele impulso eterno que aproxima e anima e se mistura num grande canto de fé em toda criatura. Ah, pudesse eu achar sentido ao ter nascido e lavar de incenso a nossa alma, calarmos mutuamente, em nossa calma, esse alarido!
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“E saiu outro cavalo vermelho; e ao que estava montado sobre ele foi dado o poder de tirar a paz da Terra, a fim de que os homens se matassem uns aos outros, e foi-lhe dada uma grande espada.” (Apoc, 6-4)
REVElações Como no Apocalipse, Perto eu vi, não só a Guerra, a Fome ou a Morte cavalgando a dor sobre a nossa alma. Naquela noite eu vi também, vociferantes, hienas, lobos e raposas montando a heresia e vomitando falsidade. Naquela noite, eu vi - línguas de fogo e seus punhais – como os ofídios nos vinham ferindo pelas costas.
29
Ah, como nos dói surpreender, nos entes confiados, artífices habilidosos na construção de enredos falsos e na sua disseminação como verdades provadas. Acordar na nossa própria ingenuidade, envolvidos na farsa da intriga, respirando a hipocrisia insuspeitada. Ah, como dói o fingimento a povoar a convivência Que se supunha sã, a afetação por trás do riso, a traição na atitude parecida franca.
30
Dói a covardia dos difamadores, despidos da nobreza contida na revelação de si e no respeito do irmão. Em todo caso, consola-nos sentir molhados os nossos cabelos pelo orvalho do céu e limpos os nossos pés da lama onde chafurdam os viciosos.
(18-01-85)
{
Aida e eu sofremos injusticas graves por ocasiao de encontro de familia em casa de Luci. Depois em casa de Rosinha. Tivemos revelacoes que preferiamos nao ter.
} 31
Aída Eu hoje vi aquele retrato seu e me envolvi de incontida ternura por você, no sentir na transparência desse semblante calmo e mansuetude que lhe marca os traços, a bondade impregnada nos seus olhos mansos, uma como santidade escondida não sei onde do seu rosto, toda a sua vida de zelo e bem-querer
32
Revi todos os sofrimentos graves da sua vida, sem muito choro, todas as suas agruras, sem grandes queixas, e todo um oceano de entendimento e compreensão de mulher forte, dadivosa e crente, decidida ao bem.
Imaginar o que passou você, o que tem dentro de você, o que é você, me faz baixar os olhos e cabeça em gesto humilde de respeito, louvor e reverência.
33
Andança Para Benícia Lancei um dia estes meus olhos a regiões imponderáveis, acabei, irmã, por te reconhecer na cantiga que tens e que agora ouço. E no saber assim de ti, contigo morro todo dia buscando a luz, o azul, a calmaria. Vem, irmã, dá-me a mim a tua mão nesta agonia e andemos juntos os passos de angustura, ferindo os nossos pés por esta estrada dura. Quem sabe achemos o caminho novo que nos mostre as travessia? Vem, irmã, põe o teu suor no meu e o teu medo em minha dor, guarda em meu peito o teu resto de esperança. Vem, irmã, comigo, Pisemos juntos o desencontro desses passos doidos nesta andança, sangremos juntos a porta da aflição. Quem sabe se atrás dela achemos, juntos, e juntos abramos a arca impossível que da eternidade traz, guardada, a paz de todos nós?
34
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(11-04-80)
Lendo discurso de formatura feito pela colega Lia, oradora da mesma turma de Direito na PUC-MG.
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Quase natal de 1973
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}
Primeira estrofe - Era um poema maior, dividido em 2; a outra e o poema “(Des) Caminhos”.
Lamento Pensar nisso que fiz, faço e farei, pensar se bem o fiz, se mal (que sei?) se bem eu disse e se direi tanta coisa que calar não quis...
37
(03-04-79) ato De Fé Há um pássaro escuro voando sobre a cabeça do meu povo Quanta marca no meu corpo! Quanto sepultado tempo! Não vou, porém, me sucumbir na dor, na tristeza, no desgosto e desencanto. O sonho é necessário, é de tudo olhar em frente, apesar de tudo.
38
Habita-me na essĂŞncia a fĂŠ eternizada seguirĂĄ sempre comigo com o sangue que verti.
{
Ideologia e politica. Ditadura militar.
} 39
Cantata Pombos, cores, altares, flores, preparativos ao longo da avenida. Surpresa-maravilha na perplexidade de um dia de-repente lindo.
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40
Chegara o dia da visita do Papa. A prefeitura preparava a Av. Afonso Pena. Era bom ouvir - da mesa de trabalho as musicas classicas e hinos religiosos tocados la fora pelos auto-falantes espalhados pelas ruas. Mas havia o telefone...
}
Desfeitos, fora, a desordem da cidade, buzinas e descargas, falação e barulhada, transmudado tudo em altos sons de sinos jubilosos, hinos, carrilhþes pelas esquinas agora sonorizadas, cantatas e corais, o templo templo, e ar impuro, o cimento armado In Excelsis Gloria e tons celestiais, sinos, Aleluia, o tempo templo, lindos altos sons de sinos jubilosos, hinos, sinos, carrilhþes, cantatas e corais e tons
(27-06-80)
41
entreato I Por que vivermos noites tristes e cinzentas, outras de esmaecido colorido? Por que acabarmos sempre nos lamentos sugeridos aos ouvidos? Por que, Se nos compreendemos neste nosso silencio reprimido? E que mistĂŠrios, esses, os nossos? TĂŁo longos, nebulosos, desconcertantes e contudo concebidos no fascĂnio?
42
(31-03-79)
Por que a gastura do nosso afastamento e a alegria do reencontro? Por que aquela ansiedade pela hora de voltar, por que a calma nas mãos entrelaçadas?
43
Por que este medo ao clamor do chamamento disfarçado, mas entrevisto no olhar e na expressão que passam e voam sopesando buscas mal e mal amanhecidas? Por que vivermos destruindo ilusões como se não fossem as ilusões a raiz de tanta luz? Um dia haverão de os clarões clarins rebentarem em particularíssima aurora. Para nos sufocarmos um ao outro no cântico de desabafo solto de toda intimidade.
44
Ah, custosa contingĂŞncia de estar longe estando perto! Ah furtivo oferecimento, velado impulso de escutarmos juntos o canto de ternura dos casais! Ah, turbado enlevo, noites de inverno...
{
Confidencias da colega Rebeca, gostando do Teixeira, que se esquivava.
} 45
entreato II Quem é você que sem aviso assim, nem nada, vem pousando em minha pele e alma com ares de eternidade? Quem é você, que me preenche espaços indisponíveis e me desponta assim com brilho de Estrela Dalva, corpo e sentimento?
46
(01-12-78) Você: cheiro e gosto que não esqueço mais, montes e vales transados na boca de ventos ondulantes, calor e maciez de canto e encanto, longos gestos demorados neste azul refletido no silêncio e cores de arco-íris.
{
}
Quando da visita do Papa Joao Paulo II a Belo Horizonte. Ao passar, estavamos numa parte elevada da Av. Antonio Carlos. Foi bom.
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48
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(11-12-79)
entreato III Ver, tristíssima, a folha que cai, desfeito o calor da fonte e seco o veio da seiva. Ver a flor que murcha e tristes pétalas sem viço a se soltarem, mortas, e se espalharem enfeitando ainda o chão de tons esmaecidos. Ver a luz desfalecida em fria sombra como o sol de um fim de dia, lusco-fusco no prenúncio da noite. A noite.
50
Ver dos olhos apagados afogado o brilho quente transmudado sufocado em cortinas de neblinas, cerração. Ver sem tempo, desmanchados, dias lindos, turbado o peito forte na mais brava convulsão do pranto e ver o desfazimento de esperanças últimas no aguardo de um amanhã desconhecido.
{
}
Nelzi, muito triste, com sua vocacao para casamento, desiludida com No e lamentando ma sorte.
51
entreato IV Tenho dentro exato neste agora um vão que me sucumbe, de uma dimensão desnecessária - de tão grande. Mais nada eu quero. Absolutamente nada. Nem pensar nisto, não quero. Porque me oprime. Não quero. Simplesmente. Porque nada tem a menor importância e tudo agora me irrita demais. Quê me pode alguma coisa interessar se tudo tanto se mistura na crueza desta hora terminal?
{ Julio, quando perdeu a namorada. } 52
(04-05-80)
53
54
VARIAçÕES Sobre Temas de Afonso Celso Gomes
(21-11-77) Vamos apostar corrida com o vento? O que eu quero é uma coisa assim. Quero, por exemplo, escrever um poema de exaltação às asas coloridas da borboleta e beijar a face da primeira criança que passe. Eu quero sorrir a algum olhar brilhante e ir ao encontro da rosa primeira a desabrochar. Quero cantar na roda a cantiga antiga e ouvir a ciranda que entoam longe. Quero contar historinhas só pra ver os seus olhinhos imaginativos fitando longe o sentido das palavras. E brincar com a fantasia.
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Eu quero correr sem parar em linha reta e em zig-zag e estacar de repente no meio da jornada, para pensar o que fazer. E não fazer nada. Quero voltar do mesmo jeito, voando em asas de nada, chegar-lhe de mansinho pelas costas, tampar-lhe os olhos e perguntar: - Quem é? Se eu chorar? Não tem importância. Sabe, eu quero chorar, chorar só para entender melhor a felicidade que vem depois. Está um dia bonito hoje. Nas ruas de sol do meu pensamento bobo vai passando uma banda de música levando atrás uma alegria impossível.
56
Quero sair por aí dando bom dia pra todo mundo: -Bom dia! Bom dia! -Ôi, tudo bom? Se eu achar uma jia a caminho sou capaz de beijá-la. Quem sabe não desencanto nela uma princesa que me ame e reinemos por muitos e muitos anos no Palácio Encantado do Bosque? Ordenarei ao meu arauto: -Ide! E propalai, alto e oficialmente que fiquei liberto, sou liberto e que isto é bom, que sou feliz. Hoje está um dia lindo!
57
(21-11-77) O que eu digo será o que eu penso? ou sinto? Não sei. Às vezes sou muito feliz, outras, sofro demais. Finjo, esqueço. Vou deixando. E a vida vai fazendo de mim o que bem entende. Não sou capaz de construir. Obra do acaso, é o que eu sou. Ah, que vontade de esquecer a confusão de coisas que vocês me pedem para fazer! Que vontade de ser eu mesmo um momento apenas!
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Às vezes tenho de escolher entre ir ou ficar o que eu faço é adiar a decisão. É que tudo fica velho depressa, as idéias, dúvidas, certezas novidades. e as novidades As desgraças do mundo são nada mais que rotina. Para que procurar as exceções da vida, se a exceção não há? Por que vocês me amarram as mãos? idéias? E querem-me amarrar as idéias Por que estou sangrando desse jeito? Por que tão longe vai o meu olhar?
(20-11-77) 59
(07-04-79)
60
Não imponho as minhas preferências nem os meus pontos de fé. Maior a minha ignorância que o meu saber. Mas busco ser suficiente. Bem que eu quisera germinasse paz em meu redor. Mas a dureza de tudo me vai escurecendo de sombras inferiores e acabo colhendo sementes que não plantei. Desertor me vejo, com a sua indiferença e o seu ódio me endurece o peito. A maledicência me achata a alegria e a leviandade me incita irritação. Porque me ferem sem motivo, porque me agridem e me incomodam pela injustiça.
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O que me vale é ter por amiga a noite. E amanhã eu vou compreender que você é assim mesmo – e as coisas todas. Vou poder até errar, sabendo não haver limite entre o erro e o acerto. Algum ato escandaloso e outro, nem tanto, algum pode-me abalar. Vou lamentá-lo todos, como pisos falsos. Serão, quando muito, desacertos os meus erros, desses, que carrego, tantos. E que nem por isso anteciparam o fim do mundo...
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Eu vou fazer ação do que eu penso e quero. Se der certo, bem. Mas se não der, amém. Ah, maravilhosos contra-sensos, contrapontos contracantos contradições do mundo inteiro e de toda gente, eternamente certa no erro e desapercebida do erro do acerto! Vou levantar as minhas asas e fechar os olhos. O caminho bom pode ser mau e nem se sabe o limite do horizonte. Todo rumo é norte. E nenhum.
63
(20-11-77)
Quem roubou o meu olhar sereno e o meu sorriso alegre? Onde está a minha razão, que não a encontro? Que vontade é esta de tanto querer saber de mim? Não entendo esta saudade, esta falta que me faz uma pessoa, lugar ou coisa que nem conheço.
64
Que vontade é esta de tanto querer ir passeando por dentro de mim mesmo? mesmo Eu vou achar resposta para estes momentos de tristeza inexplicável que mora em alguma parte de mim? Vou descobrir, enquanto é cedo. Qualquer dia desses, eu descubro. Apesar do medo que me morde. Que medo é este? Um dia poderá chegar em que eu não possa mais fazer perguntas. Quero estar bem atento. Tomara que eu não me arrependa dos momentos não vividos e das coisas que deixei de fazer.
65
Muito que os meus olhos vêem é pouco demais. A vida há de ter uma razão de ser, razão maior. Mas eu só queria descobri-la, sem ter que pensar nisso. E queria só saber as coisas boas, não queria sorrir forçado e dizer que tudo vai bem, quando isso me soa assim tão falso. Sim, eu vou fechar estes meus olhos e contar até três. Quando tiver terminado, vou saber que alguma coisa mudou e vou querer saber por quê. Prá quê? Chega uma hora em que tudo acaba. E o que é que eu vou fazer com tantas lembranças, lembranças e não mais?
66
Vou parar de escrever porque isso não adianta nada. Os meus olhos estão molhados, mas não me importo. Existem muitos olhos secos e nem por isso eles são mais felizes. No dia em que eu deixar de ser, retirem os meus olhos e passeiem com eles por aí. Mostrem-lhes só coisas belas, porque, do que é feio, eles já viram tudo. Não os façam chorar mais, porque eles se afogaram nas próprias águas. Nem deixem que eles fiquem olhando o céu por muito tempo: eles quase se cegaram procurando uma luz que nunca brilhou. Ao fim, deitem-nos numa almofada macia e façam um silêncio absoluto. Apaguem a luz. E toquem Bach, para que eles durmam.
(20-11-77) 67
Hoje eu acordei e vi a idiotice minha, todo enquadrado em antiqüíssimas convenções. Como é cega, passiva, absurda e burra esta minha tolerância ao inadmissível! Agora é tarde. E não tenho esperanças de que as coisas sejam diferentes no futuro. Porque o futuro já passou por mim. Cantem para mim uma canção de paz, para os meus problemas e para o meu cansaço. Leiam para mim um poema da Henriqueta. Quem sabe se essas mágicas inconcebíveis não me façam dormir de novo, num milagre de purificação?
68
(23-11-77)
69
Confeitor Na busca de mim, fechei os olhos a me escutar e o que ouvi foram as vozes do mundo.
Ouvi cantar um galo, longe,
chiarem os grilos e cigarras.
Ali mais perto,
ouvi a vaca mansa
e havia um assobio não sei onde,
distraído, preguiçoso.
Ouvi dizer, um pássaro, -Bem-te-vi! E aí, sorri canários e pardais.
70
(18-04-89)
Em me escutar na intimidade,
ouvi o mundo: ouvi o farfalhar do vento
no folhal dos roseirais
e um latido alegre.
Ouvi na roda as vozes das crianças e em todos os sons do mundo, que ouvi no dia manso em que fechei meus olhos, a Ti, Senhor, ouvi e em Ti, contrito, eu me vesti de luz.
{
}
Em reuniao de convivencia de funcionarios de UBEE, tivemos, como dinamica, fechar os olhos e “ouvir o mundo” em volta. Local : Sitio Recanto Marista - REMAR
71
Paissagem originária gosto de que A um
Quando todos dormem garimpar o fundo de uns grotões trago nalgum lugar de mim. minha terra, minha gente, menino banhado de auroras em asas de esmeraldas.
Pelos quintais da minha vida cantavam galos bem de-manhãzinha e o chão molhado das primeiras chuvas exalava o cheiro forte da terra dadivosa, milho novo. No embranquecer dos meus cabelos, Campo Alegre, e Paraopeba, Cancelinha, a mansidão do gado livre pelos verdes pastos quietos ruminando a grama e o seu sossego refletem-me na alma paz antiga e oração.
72
{Adaptação do trecho de “Quando Todos Dormem”}
Quando todos dormem gosto do fundo destas grotas e às vezes sinto que uma garoazinha fina, persistente, molha-me aqui no peito, cava distâncias na minha alma, balança-me as saudades da igreja arruinada e ruas da meninice na brisa das recordações de mim e dos ventos reencontrados. Bem me lembro, o casario, a cantoria dos sinos lá na praça, o Ribeirão, o marulho macio da água por baixo da pinguela, o azul das montanhas longe, o balanço das folhas no coqueiro e o canto espaventado do joão-de-barro, a calma das várzeas, sem medida, ninavam a minha alma na doçura das bem-aventuranças desta minha terra. Santa Quitéria bem-aventurada. Bem aventurada Esmeraldas.
73
(03-04-82)
{ 74
Ideologia e politica. Ditadura militar.
}
Nimbus Bem me lembro, conheci eu antes verdade e liberdade. Voz eu tive – e eu falei, idéias eu tive – e disse, vontade. Eu quis – e fiz! Depois, depois, não mais. Porque depois eu quis, não fiz, idéias tive e me escondi com elas, muito maior razão – e voz. Mas de silêncio me vesti, verti. O que me fica é a certeza, uma certeza funda e brava: - Vocês não perdem por esperar!
75
Copyright 2002 Avelar Rodrigues
2002/2015
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