LUCAS DE GODOY CHICARELLI
COLETIVO CANCROCÍTRICO: O FANZINE COMO MÍDIA RADICAL E DE DEFESA DA IDENTIDADE PUNK EM LONDRINA
Londrina 2012
LUCAS DE GODOY CHICARELLI
COLETIVO CANCROCÍTRICO: O FANZINE COMO MÍDIA RADICAL E DE DEFESA DA IDENTIDADE PUNK EM LONDRINA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo, da Universidade Estadual de Londrina. Prof. Me. Emerson dos Santos Dias
Londrina 2012
LUCAS DE GODOY CHICARELLI
COLETIVO CANCROCÍTRICO: O FANZINE COMO MÍDIA RADICAL E DE DEFESA DA IDENTIDADE PUNK EM LONDRINA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo, da Universidade Estadual de Londrina.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________ Prof. Me. Emerson dos Santos Dias Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dr. Alberto Carlos Augusto Klein Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dr. Rozinaldo Antonio Miani Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de _____.
AGRADECIMENTOS
Agradeço minha família que é para mim um alicerce, uma âncora e um vento que sempre soprou a meu favor. Em especial ao meu pai por ter sido um grande coração e um exemplo de ser humano, minha mãe por ser a pessoa solidária e compreensiva que me apoia em todas as minhas decisões. E aos meus irmãos que sempre estarão ao meu lado. Agradeço de forma especial ao meu orientador Emerson dos Santos Dias pela confiança que depositou em mim e na realização deste trabalho desde o primeiro momento. Por todas as dicas na questão metodológica, pela paciência, pelas atenciosas revisões e pela forma humana com a qual soube lidar com este momento difícil e prazeiroso de minha vida. À Alberto Carlos Augusto Klein e Rozinaldo Antonio Miani por terem o interesse e aceitarem contribuir com a banca avaliadora desta pesquisa mesmo com todas as outras obrigrações pessoais e acadêmicas que devem ter. Ao Silvio Demétrio por suas muitas dicas e contribuições durante a pré-banca e aos demais professores que ao longo desses anos contribuiram para minha formação e que certamente influenciaram nos rumos deste trabalho. Agradeço, também, Luis Eduardo Cientista que admiro por sua organização e pelos muitos anos de dedicação a cena alternativa do rock, punk e fanzines em Londrina. E também por ter acreditado no potencial desse estudo, ter fornecido prontamente uma cópia das edições dos fanzines analisados e ter topado contribuir ainda com uma entrevista. A Isabel Bilhão que é para mim um exemplo a seguir dentro da academia. Por sempre acreditar e incentivar meu interesse na pesquisa e na história, mas também por sua capacidade como pesquisadora e professora ao traduzir seus estudos de forma descomplicada. E agradeço, por fim, aos amigos e pessoas que por algum momento se fizeram presentes iluminando minha vida com momentos de sabedoria e alegria.
Figura 1 – Liberdade
Fonte: CC Nº16 – Ano 4 – Inverno – 1991
“Não julgue pela aparência: A podridão do mundo está em colocar a aparência acima de tudo, só com o descompromisso de agradar ou não. Temos mais liberdade de escolher um caminho próprio, regado a alegria e contento. Viva no seu mundo, não no mundo dos outros”(CC, nº 4, 1989)
“A conduta é um espelho na qual cada um mostra sua própria imagem”(CC, nº 12, 1989)
“Somos os artistas da obra efêmera. Não usamos mármore nem bronze. [..] Tomamos a poeira da rua e com ela modelamos uma flor” - Afonso Schmidt
CHICARELLI, Lucas de Godoy. Coletivo Cancrocítrico: O fanzine como mídia radical e de defesa da identidade punk em Londrina. 2012. 98f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012. RESUMO O objetivo desta pesquisa é estudar o fanzine Coletivo Cancrocítrico, criado no início do movimento Punk em Londrina e publicado entre 1988 e 1993. Constamos que essa publicação possuiu as características de uma mídia radical descritas por Downing (2004). Além disso, foram usados como base os estudos de E.P. Thompson (1987) e Bilhão (2008) para compreender de que forma o fanzine procurou colaborar com a construção de uma identidade punk em Londrina. As 20 edições do Cancrocítrico estão carregadas de elementos simbólicos de contracultura e contestação à hegemonia e propõem, na prática, uma nova forma de se comunicar relacionada ao que ficou conhecido entre os punks como “Faça você mesmo”. Palavras-chave: Fanzine. Punk. Mídia. Radical. Identidade.
CHICARELLI, Lucas de Godoy. Coletivo Cancrocítrico: The fanzine as radical media and of defense of punk identity in Londrina. 2012. 98p. Monograph (Social Comunication - License of Journalism) - Universidade Estadual de Londrina, 2012. ABSTRACT The objective of this research is to study the Collective Cancrocítrico fanzine, created at the beginning of the punk movement in Londrina and published between 1988 and 1993. It was found that this publication possessed the characteristics of a radical media described by Downing (2004). Moreover, the studies of EP Thompson (1987) and Bilhão (2008) were used as the basis of studies to understand how the fanzine tried to collaborate with the construction of a punk identity in Londrina. The 20 editions of Cancrocítrico are laden with symbolic elements of counterculture and opposition to hegemony and propose, in practice, a new way to communicate related to what became known among punks as "Do It Yourself". Key words: Fanzine. Punk. Media. Radical. Identity.
8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Liberdade.................................................................................................05 Figura 2 – Formatos: duas dobras, três dobras e uma dobra...................................47 Figura 3 – Quadro de “livre interpretação.................................................................51 Figura 4 – Artigo da Folha de Londrina sobre o dia do índio....................................52 Figura 5 – Tiras do jornal alternativo Lixo Moral.......................................................53 Figura 6 – Antimilitarismo, antidrogas e pelo voto nulo............................................56 Figura 7 – Nem opressores nem oprimidos..............................................................57 Figura 8 – A Tevê nos dá ânsia...............................................................................57 Figura 9 – Primeiro Fanzi-encontro de Londrina.......................................................61 Figura 10 – Punks ou englobados pelo sistema.......................................................64 Figura 11 – Patrões e trabalhadores.........................................................................65 Figura 12 – Memória comum herdada e partilhada.................................................67 Figura 13 – Punks e trabalhadores como vítimas do capitalismo e do Estado........68 Figura 14 – Capa do fanzine Gralha Negra..............................................................71
9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CC - Coletivo Cancrocítrico CDPH – Centro de Documentação e Pesquisa Histórica CGT - Comando Geral dos Trabalhadores DCE – Diretório Central dos Estudantes CTNP - Companhia de Terras do Norte do Paraná EMI - Electric and Musical Industries Ltd MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PCB - Partido Comunista Brasileiro PT - Partido dos Trabalhadores PTB - Partido Trabalhista Brasileiro SEPECH – Seminário de Pesquisa Em Ciências Humanas UEL – Universidade Estadual de Londrina ULES – União Londrinense dos Estudantes Secundaristas ZINE - Fanzine
10 SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................05 2 METODOLOGIA......................................................................................................15 2.1 IMPRENSA OPERÁRIA E IDENTIDADE DE CLASSE...........................................................18 2.2 MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA.....................................................................................21 3 DA COMUNICAÇÃO CONTRA HEGEMÔNICA AO PUNK LONDRINENSE........26 3.1 UM SÉCULO DE CULTURA CONTRA HEGEMÔNICA........................................................26 3.2 AS ORIGENS DO PUNK.............................................................................................31 3.3 O PUNK NO BRASIL E OS FANZINES PUNKS...............................................................36 3.4 O PUNK EM LONDRINA.............................................................................................39 4 O FANZINE COLETIVO CANCROCÍTRICO.......................................................... 47 4.1 O FANZINE COMO MÍDIA RADICAL.............................................................................50 4.2 O FANZINE E A QUESTÃO DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE.......................................60 CONCLUSÃO.............................................................................................................72 REFERÊNCIAS...........................................................................................................76 APÊNDICES...............................................................................................................80 APÊNDICE A - QUADRO DAS EDIÇÕES ANALISADAS............................................................81 APÊNDICE B - CITAÇÕES E OUTRAS REFERÊNCIAS USADAS NO FANZINE…..........................82 APÊNDICE C - OUTROS FANZINES CITADOS NO COLETIVO CANCROCÍTRICO…......................85 APÊNDICE D - BANDAS CITADAS NO FANZINE…................................................................86 APÊNDICE E - ROTEIRO DE ANÁLISE….............................................................................87 APÊNDICE F – ROTEIRO DA ENTREVISTA COM LUIS EDUARDO F. DA SILVA.........................88 APÊNDICE G – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM LUIS EDUARDO F. DA SILVA.................90 APÊNDICE H – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM F. A. CORRÊA, F. SEFRIN E LEFDS.....96
11 1 INTRODUÇÃO O objetivo inicial deste trabalho é estudar o fanzine punk Coletivo Cancrocítrico publicado em Londrina entre os anos de 1988 e 1993. Buscamos compreender como se da a construção da identidade punk por meio do fanzine e se o fanzine possui as principais características da mídia radical alternativa descritas por Downing (2004). Tentamos demonstrar, dessa forma, que o CC possui muitas características da mídia radical alternativa e que se caracterizou pela a defesa de uma identidade punk londrinense que tentou, principalmente no início, afastar o estereótipo do jovem violento e arruaceiro. Como
estudante
de
Comunicação
Social,
o
autor
teve
a
oportunidade de participar – durante três anos – do projeto de pesquisa “História, Imagens e Mensagens do Primeiro de Maio: disputas e transformações nas representações da data ao longo do período republicano brasileiro”. Nessa ocasião, aprofundamos a análise da imprensa operária por meio do jornal anarquista “A Plebe”, publicado em São Paulo a partir de 1917. Demos por concluído esse estudo após a apresentação de uma comunicação no Seminário de Pesquisa em Ciências Humanas (SEPECH), organizado pela Universidade Estadual de Londrina em 2010 1, e o encerramento desse projeto orientado pela Prof.ª Dr.ª em História, Isabel Bilhão, no início de 2011. Foi quando começamos a pensar no tema deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) previsto para o final de 2012 já com o intuito de continuar estudando o movimento anarquista ou principalmente a comunicação alternativa, popular e comunitária. Por meio de alguns amigos ligados ao movimento punk sempre ouvimos muitas histórias nostálgicas sobre as formas de comunicação e organização usadas pelos punks antes da difusão da internet. A escolha do fanzine Coletivo Cancrocítrico (CC) como objeto de análise neste trabalho se deve ao fato de ele ser o impresso punk com a maior durabilidade em Londrina, atingindo 20 edições2 em seis anos de existência até ser encerrada a sua publicação em 1993, 1 A comunicação apresentada está disponível nos anais do evento e intitula-se: Maio do Amor, do ódio e da vingança: O dia do trabalhador na primeira década de publicação do jornal anarquista “A Plebe”. 2 As 20 numerações do CC e 5 do zine Gralha Negra compõe um arquivo com quase 200 edições de fanzines disponíveis para consulta no CDPH da UEL, sendo 56 edições de fanzines londrinenses e 86 paranaenses.
12 embora as atividades do coletivo Cancrocítrico tenham permanecido até 1995. Vale observar que em paralelo ao término da publicação desse fanzine, no ano de 1993, foi criado o fanzine do coletivo anarquista Gralha Negra. Além disso, em suas páginas pode ser constatada a defesa da identidade punk mais ligada a uma tendência anarquista3 (AVANCINI; ITO, 1994, p. 47). Deste ponto de partida, para construir o primeiro capítulo deste trabalho buscaram-se referenciais teóricos que fornecessem subsídio consistente para a análise das fontes por meio de pesquisa bibliográfica. Optamos por uma metodologia de pesquisa interdisciplinar descrita por Lopes (2000/2001) que, em nosso caso específico, buscou auxílio na história e nas ciências sociais para amadurecer a sua compreensão do objeto de pesquisa. Além disso, levou-se em consideração as observações Downing (2004) sobre hegemonia e mídia radical alternativa. O objetivo foi criar um roteiro de análise que permitisse compreender se o Coletivo Cancrocítrico tem características similares à mídia radical alternativa. Nos inspiramos ainda nos estudos de Thompson (1987) e Bilhão (2008) sobre a formação da identidade operária. Ambos os autores pesquisaram como a classe operária trabalha em seu cotidiano – usando muitas vezes a comunicação comunitária e a imprensa operária – para se consolidar enquanto classe e se diferenciar das classes inimigas, sejam elas dominantes ou subalternas. Buscamos entender, portanto, a construção da identidade entre os punks por meio do fanzine com referenciais teóricos que já foram usados para entender a construção da identidade operária por meio dos jornais sindicais. Nessa perspectiva, a identidade de classe ou de punk não são entendidos como conceitos abstratos, existem apenas inseridas no cotidiano e sua definição deve buscar amparo nos contextos sociais do período histórico abordado. Por este motivo, no capítulo seguinte, optamos por buscar uma fundamentação teórica que nos permitisse entender de maneira mais ampla os termos e conceitos abordados neste trabalho. Considerando que, para Kucinski (2001), a imprensa alternativa é herdeira da imprensa operária e os fanzines surgem de forma paralela à imprensa alternativa, construímos uma fundamentação que nos
3 “No Cancrocítrico, são discutidos os mais diversos problemas sociais, sempre propondo o anarquismo como solução” (AVANCINI; ITO, 1994, p. 47).
13 fornecesse, ainda que de forma resumida, um subsídio teórico sobre esse universo midiático contra-hegemônico brasileiro. Em seguida, procurou-se entender o que é e como surgiu o Punk por meio de autores como Bivar (2007), O´Hara (2005) e McCain e McNeil (2004). Nesse ponto, observamos que a cultura juvenil antecede o punk e, conforme destaca Savage (2009), foi sendo desenvolvida por um longo período de tempo até se tornar mais visível após a segunda guerra mundial. Apesar de já existir a atitude sonora nos Estados Unidos, o punk se consolida na Inglaterra após 1976, chegou ao Brasil por volta de 1978 e em Londrina os primeiros registros datam de 1984. Foi intensa a existência da imprensa alternativa em Londrina e o punk surge em um contexto de expansão urbana e dos meios de comunicação de massa. Tomamos como base os escritos de Avancini e Ito (1994) e Neto (2004) para compreender melhor o universo punk londrinense. Fontes audiovisuais também foram consultadas. O vídeo documentário Botinada (2006) aborda a origem do punk no Brasil, com enfoque no estado de São Paulo. O Do It Yourself (2011) narra as duas décadas de história da banda londrinense Hard Money (surgida em 1991) e o rádio documentário Grito Primal (2012)4, produção da qual participamos, trata das origens do punk e do punk em Londrina. Com este amparo documental e teórico. Por fim, no quarto capítulo, será apresentada uma série de imagens e citações do fanzine Coletivo Cancrocítrico que tentarão identificar imagens e mensagens . As primeiras edições do fanzine, por exemplo, receberam o subtítulo de “O Anti-laranjas”. É possível detectar uma posição declarada e uma tensão em relação ao que é ser punk. Assim, se existem “laranjas” 5 que devem ser “conscientizadas”, é possível que exista também uma concepção idealizada do que deve ser o punk. “O movimento punk não é um grupo fechado com apenas determinados mestres no assunto, é um grupo revolucionário a procura de mais guerrilheiros” (CC, nº1, 1988). Para preencher as lacunas que restaram após a revisão bibliográfica ou pela análise das páginas do fanzine optamos também por fazer uma entrevista 4 Disponível em http://www.gritoprimalpunklondrina.blogspot.com 5 Laranjas seriam pessoas não conscientes. Para uma definição mais clara do termo ver o subcapítulo 4.2.
14 com um dos principais produtores desse fanzine Luis Eduardo F. Da Silva 6, mais conhecido como Cientista. Tentamos, assim, responder a essas questões e confrontar os dados obtidos na análise com a opinião de quem vivenciou a história. Em virtude de algumas dúvidas que permaneceram após a banca analisadora deste trabalho foi realizada mais uma entrevista os alguns membros do Coletivo Cancrocítrico Fábio Andrei Corrêa (“Fabinho”), com o Fábio Sefrin (“Cachorrão”) e Luis Eduardo (“Cientista”)7.
6 Transcrição da entrevista disponível no Apêndice G. 7 Transcrição da entrevista disponível no Apêndice H.
15 2. METODOLOGIA As opções metodológicas deste trabalho envolvem pesquisa bibliográfica e análise documental. “Pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2007, p. 64). Já a pesquisa documental tem como base, claro, o documento que, conforme definição do pesquisador André Cellard ( 2008, p. 296-297), é: Tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento ou fonte. (...) pode tratar-se de texto escritos, mas também de documentos de natureza iconográfica e cinematográfica, ou de qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos do cotidiano, elementos folclóricos, etc.
É importante aqui ressaltar a diferença entre pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, já que a primeira abrange livros, artigos, enciclopédias, enfim, pesquisas onde metodologia e análise científica foram consolidadas, conforme aponta Gil (2007). Já a pesquisa documental se caracteriza segundo Oliveira M. (2007, p.69): “pela busca de informações em documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de divulgação”. A pesquisa bibliográfica procurou encontrar referenciais teóricos que permitissem a aproximação e a compreensão do que é fanzine, o que é punk e o que é mídia radical alternativa. Paralelamente, tentou-se entender como esses movimentos surgem e quais os principais contextos que influenciam de maneira direta ou indireta na produção e leitura do objeto de análise. Já o trabalho de pesquisa documental foi feito com base nas 20 edições do fanzine Coletivo Cancrocítrico, publicado entre os anos de 1988 e 1993 na cidade de Londrina. As 20 edições foram fornecidas pelo sociólogo e principal produtor do fanzine Luis Eduardo F. da. Silva. Esta análise consistiu no fichamento das fontes e na tentativa de identificar características da mídia radical e imagens e mensagens utilizadas com o intuito de construir a identidade punk. Optamos por analisar apenas um título de zine entre os muitos produzidos na época no movimento punk de Londrina primeiro devido a sua
16 importância. O Coletivo Cancrocítrico é citado como o fanzine punk Londrinense de mais longa duração8. Além disso, suas páginas marcam um período no punk londrinense que evidenciou o início de uma maior politização e organização do movimento com o objetivo de conscientizar e buscar transformações sociais mais amplas. Em segundo lugar, achamos interessante esse recorte, pois possibilitou uma análise documental mais aprofundada e detalhada, uma vez que a escolha por múltiplos fanzines poderia trazer problemas na definição de quais edições analisar e por quais motivos. Além disso, após a análise e o fichamento das fontes, será feita uma entrevista com o principal organizador do fanzine Luis Eduardo F. Da Silva, “Cientista”, para preencher dúvidas não respondidas pela bibliografia ou pela análise das páginas do fanzine. Assim buscou-se um maior subsídio para a compreensão da forma de organização da publicação, seu impacto e importância. Identificar, por exemplo, quantas pessoas contribuíam de fato com a produção do fanzine, qual era a tiragem de cada edição, os custos, se a distribuição era feita via correio e de que forma, entre outros aspectos considerados relevantes após a revisão bibliográfica e análise documental. Essa pesquisa usará o método de investigação de Thompson (1981) onde os conceitos devem ser historicizados e testados sempre distante dos modelos prévios que aprisionariam as evidências do real. O historiador inglês usa uma afirmação do existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) para lembrar que é possível racionalizar a narrativa historiográfica, mesmo que de maneira desordenada. “[História] não é uma ordem. É desordem: uma desordem racional” (SARTRE apud THOMPSON, 1981, p. 48). Neste embate entre a desordem e o racional estão envolvidas experiência e cultura: Com experiência e cultura estamos num ponto de junção de outro tipo. As pessoas não experimentam suas experiências apenas como ideias ou como instinto proletário. Elas também experimentam suas experiências com sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral (THOMPSON, 1981, p. 189). 8 “Com cerca de 20 números, foi a publicação de maior durabilidade em Londrina” (NETO, 2004, p. 82 apud AVANCINI; ITO, 1994, p.47).
17 Em resumo, o pesquisador deve se aproximar do tema e interpretar as fontes com maior cuidado, observando as nuances. Um procedimento que envolve técnicas interdisciplinares, principalmente a Comunicação Social, História e as Ciências Sociais. Essa pesquisa, portanto, se insere naquilo que Lopes (2000/2001) denomina de movimento de convergência de saberes especializados sobre a comunicação. Dessa forma, “estudar a (cultura) comunicação requer converter-se num especialista de intersecções” (LOPES, 2000/2001, p. 51). A diversidade teórico-metodológica é resultado de uma relação dinâmica entre o estado de conhecimento de uma ciência e o seu estado social. Na prática a produção de conhecimento em uma ciência vincula-se ao desenvolvimento de uma tradição intelectual comum, um paradigma, uma forma de organização dessa visão de mundo compartilhada por uma comunidade científica. “Quer dizer, remete a uma teoria do conhecimento ou a uma epistemologia, pois propõe-se a responder sobre as possibilidades do conhecimento, seus limites, validade, prova, etc” (LOPES, 2003, p. 37). O que ocorre é que a divisão interna das ciências sociais em múltiplas disciplinas foi feita principalmente por decisões institucionais que quase sempre mantiveram fraco o debate propriamente epistemológico. No pós-guerra, a partir do desenvolvimento de centros de pesquisa, sobretudo nos Estados Unidos, criaram-se diversas distinções nas ciências sociais entre elas estavam a economia, a ciência política, a sociologia e a antropologia. Depois disso, um segundo movimento passou a delimitar os estudos por áreas geográficas. Esses novos estudos eram, por definição, “multidisciplinares”. Assim, pesquisadores de diversas inclinações passaram a dialogar com outras áreas colocando em cheque as rígidas divisões institucionais do conhecimento associado as ciências sociais (LOPES, 2000/2001, p.50-51). Uma tentativa de lidar com essa situação foi a criação de novos campos interdisciplinares como os estudos da comunicação ou administração. Na prática, a formação desse tipo de ensino leva ao estudo das várias disciplinas relacionadas ao objeto. Esse foi mais um dos motivos que justifica a opção deste trabalho por dialogar constantemente com autores das ciências sociais e da história.
18 Isso não significa a dissolução da pesquisa em comunicação, pelo contrário, é a afirmação de seu caráter interdisciplinar: Um pesquisador, ao justificar que precisa aprender do outro o que não pode conseguir no seu próprio nível de análise com suas metodologias específicas e que o “outro” conhecimento é pertinente e significante para a resolução dos problemas intelectuais sobre os quais está trabalhando, tende a reafirmar e não a embaralhar os dois conhecimentos (LOPES, 2000/2001, p. 53).
De acordo com Trigueiro (2001) essa é uma opção metodológica presente na teoria das mediações que não é nova e já foi aplicada, por exemplo, por Maria Immacolata V. De Lopes9 ao adotar como objeto a telenovela. Para ele, a tentativa de compreender as trocas entre comunicação e cultura, estabelecidas nas novas relações entre mídia e a sociedade contemporânea, propiciaram a adoção do método de pesquisa das mediações como referência para os estudos de recepção e os estudos sobre identidades locais no mundo globalizado. No caso dessa pesquisa sobre o Coletivo Cancrocítrico em especial, embora ela não tenha se baseado no estudo citado das mediações e telenovelas, buscou entender de que forma foi construída a identidade entre os punks londrinenses por meio do fanzine e confirmar se o fanzine punk pode ser considerado uma mídia radical alternativa.
Para construir o roteiro de análise 10
portanto nos debruçamos nos próximos dois subcapítulos sobre as reflexões de Downing (2004) com relação a mídia radical alternativa e também de Thompson (1987) e Bilhão (2008) sobre a construção de identidade. 2.1 IMPRENSA OPEÁRIA E IDENTIDADE DE CLASSE De um lado, a historiografia constata que as publicações de classe – aquilo que Downing (2004) denomina como “imprensa trabalhista”11 – demonstram a
9 LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Uma metodologia para a pesquisa das mediações In. Coletânea: mídias e recepção/2000. Porto Alegre: UNISINOS/COMPÓS, 2000. 10 Disponível no Apêndice E. 11 Tendo em vista que “trabalhismo” no Brasil pode associar-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ligado ao ex-presidente Getúlio Vargas. Optamos por usar o termo “imprensa operária” para nos referenciarmos aos jornais sindicais.
19 presença da construção de uma identidade 12 contrária ao status quo, uma identificação operária que ganha força a partir da ação de homens e mulheres que buscavam se diferenciar, ampliar e articular ações transformadoras a partir de jornais, boletins, cartazes, panfletos, ou seja, por meio das mídias radicais alternativas. Do outro, de forma semelhante à classe operária, o punk não préexiste. Ele se faz no cotidiano, por meio de shows musicais, vestimentas diferenciadas e a publicação de fanzines. Eis aqui mais uma conexão com Thompson (1987). Para o historiador, uma classe não existe pré-determinada, ela está presente apenas no seu próprio fazer-se. A classe social, portanto, só ocorre quando determinado grupo de pessoas, como “resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõe) aos seus” (THOMPSON, 1987, v. 1, p. 10). A classe, portanto, é um fenômeno histórico que unifica uma série de acontecimentos dispares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima de experiência quanto na consciência. Se por um lado, há uma experiência de classe determinada, em grande parte, pelas relações de produção em que os homens nascem e crescem. Por outro, há essa construção de uma consciência de classe que é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais, sistemas de valores, ideais e formas de se organizar (THOMPSON, 1987, v. 1, p. 910). A classe é, portanto, definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, essa é sua única definição. Além disso, ele destaca a importância de considerar nos jornais ou boletins que essa construção da identidade muitas vezes busca um ideal, o ideal do que é ser classe ou, no nosso caso, o ideal do que é ser punk. Na prática cotidiana, entretanto, os indivíduos podem compreender sua realidade de diferentes formas. “O partido, a seita ou o teórico desvenda a consciência de classe, não como ela é, mas como deveria ser” (THOMPSON, 1987, v.1, p. 10). 12 Bilhão (2008) estuda a forma como os trabalhadores porto-alegrenses defendiam e passavam a se reconhecer enquanto classe social entre os anos de 1898 e 1920.
20 Bilhão (2008) resumiu as considerações de Thompson (1987) em três pontos principais. Primeiro, que o fazer-se classe ocorre por inúmeros fatores como as tradições, costumes, formação religiosa, textos difundidos no meio e etc. Segundo, que a consciência de classe não pode ser analisada separada do processo histórico. E por fim, que a classe operária é formada por meio de diversos campos de batalha, pelo distanciamento das classes dominantes e a diferenciação com relação as classes subalternas (vagabundos ou ladrões por exemplo). Mais três pontos de análise são levantados por Bilhão (2008). Os dois primeiros foram sugeridos pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1998) 13. Para ele a validade do discurso identitário se realiza quando existem condições objetivas para o reconhecimento de características unificadoras como, por exemplo, que os operários frequentem os mesmos locais de lazer, que usem símbolos identificadores nos momentos de apresentação pública, etc. Além de reconhecimento de pertencer a um grupo, outra característica na construção da identidade, para Bourdieu, é a distinção em relação a outros grupos. O terceiro ponto de análise sugerido a partir dos estudos do sociólogo Michael Pollack (2001) 14, é a noção de que os operários reivindicam uma memória comum herdada. Deste modo, alguns eventos dos quais nem sempre as pessoas participaram acabam por ganhar força no imaginário de um grupo, tornando-se eventos comuns, socializados e gerando identificação com determinado passado. Essa fundamentação tem sua importância ressaltada, pois, a abordagem das fontes históricas deve levar em conta uma série de contextos no plural que envolveu a produção desses documentos. Sejam eles materiais, culturais, convenções artísticas, etc (BURKE, 2004, p. 237). Foi possível encontrar autores que concordam com essa opção metodológica. Para Nécio Turra Neto (2004) ao mesmo tempo em que o movimento punk cria um contexto cultural particular ao diferenciar-se como uma cultura específica dentro da sociedade ele está contido nesta série de outros contextos que não podem ser desprezados. É importante discutir, por esse motivo, não apenas os conflitos externos, mas também dentro dos próprios movimentos sociais e de classe. Existem 13 BORDIEU, Pierre. A dominação masculina revisitada. In: LINS, Daniel (org.). A Dominação masculina revisitada. Campinas: Papirus, 1998. 14 POLLACK, Michael. A clase operária no Brasil, 1889-1930, documentos. São Paulo: Alfa Omega, v1. 1979
21 indivíduos com diversas concepções sobre o que é ser punk ou sobre as mais diversas questões. Essas disputas se inserem no cotidiano. A maneira de se vestir, as bandas preferidas, as pichações, as ações diretas e os fanzines podem expressar certas disputas e tensionamentos. Esses contextos são dinâmicos e estão em constante construção. Por este motivo, esta abordagem permite que o pesquisador se aproxime do tema e interprete as fontes com maior cuidado e observe as nuances. Trata-se, nas palavras de Walter Benjamin (1994), de escovar a história a contrapelo ou, como propõe Sylvia Moretzsohn (2007), de pensar contra os fatos. Da mesma forma como o jornalista precisa pensar “contra” os fatos no dia a dia na redação, o pesquisador deve ouvir e observar criticamente suas fontes. Ou seja, não desconsiderá-las na sua objetividade, mas sim apreendê-las em uma complexidade socioeconômica e cultural para evitar a naturalização que nos faz aceitá-las ou subestimá-las de modo acrítico. Outro autor que concorda com essa perspectiva é Downing (2004). Ele ressalta que não existe nenhuma alquimia instantânea, nenhum procedimento socioquímico inconteste capaz de distinguir em um relance a mídia radical, da mídia aparentemente radical ou mesmo da mídia não radical. "Tudo depende do seu conteúdo e contexto. O que abstratamente pareceria uma ocorrência inofensiva e de baixo impacto, poderia, em determinado contexto desferir um golpe de marreta em alguma ortodoxia" (DOWNING, 2004, p.28). 2.2 MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA Neste caso, portanto, pretendemos analisar também se o fanzine pode ser considerado uma mídia radical alternativa. Para isso, neste capítulo pretendemos resumir os conceitos de Downing (2004) que irão nortear nossa análise. "Com o termo mídia radical, refiro-me à mídia em geral de pequena escala e sob muitas formas diferentes – que expressa uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas" (DOWNING, 2004, p. 21). Para elaborar o próximo capítulo e definir mais claramente mídia radical vamos, primeiro, adotar esse conceito de contra-hegemonia que Downing
22 (2004) derivou de Gramsci. Para o italiano era necessário destronar o domínio cultural e a liderança (hegemonia) da classe capitalista por meio de uma alternativa coerente e convincente sobre como organizar a sociedade para democratizar radicalmente as nações. Isso porque, segundo ele, no decorrer dos séculos a classe capitalista consolidou sua liderança por meio de escolas, universidades, igrejas, meios de comunicação e
ideologias corporativas. Com a exceção dos projetos
fascistas, essa hegemonia surge após longos períodos e não como resultado de um plano linear. Já a hegemonia socialista incluiria a maioria do público e se desenvolveria cada vez mais com a conquista de suas prioridades. Essa nova hegemonia seria orquestrada pelo partido comunista. Embora Gramsci não tenha usado o termo desta forma, os conceitos de contra-hegemonia passaram a ser posteriormente empregados com frequência para classificar tentativas de suplantar a hegemonia com uma visão radical alternativa (DOWNING, 2004, p.46-48). Mas Downing (2004, p. 50) lembra também sobre a dinamicidade desse conceito: Gramsci, contudo, sempre se esforçou para dizer que: a) a hegemonia nunca é um cadáver congelado, sendo constantemente negociada pelas classes superiores e subordinadas, b) a hegemonia cultural é instável e sujeita a várias crises intermitentes, ainda que, ao mesmo tempo, c)possa desfrutar de longos períodos de uma normalidade raramente questionada.
A mídia radical alternativa teria, com base nesse conceito, duas possíveis funções. A primeira seria de quebrar o silêncio, refutar as mentiras e fornecer verdades numa estrutura em que o Estado é visto meramente como controlador e censor de informações. A segunda seria a de desenvolver uma perspectiva de trabalho contra-hegemônica e incentivar a confiança do público na sua capacidade de gestar transformações sociais. Isso poderia ocorrer em cenários políticos em que a hegemonia capitalista se expresse, por exemplo, pela autocensura dos profissionais da mídia convencional (DOWNING, 2004, p.49-50). A concepção de Gramsci recebeu diversas críticas, entre elas a do antropólogo James C. Scott para o qual o público, embora não esteja consciente da hegemonia capitalista, possui uma insatisfação latente. Dessa forma, segundo Downing (2004) a mídia radical alternativa também pode ser vista de duas formas:
23 como necessária para construir a contra-hegemonia ou como parte do desejo de expressar descontentamento. Se o conteúdo da mídia radical alternativa sugere que a estrutura econômica ou política necessita urgentemente de certas mudanças, embora seja bem claro que, no presente, tais mudanças são imagináveis, então o papel dessa mídia é manter viva a visão de como as coisas poderiam ser, até um momento na história em que sejam de fato exequíveis (DOWNING, 2004, p.41).
Em resumo, a mídia radical é relativamente independente da pauta dos poderes constituídos e as vezes se opõe a um ou mais elementos dessa pauta. O espectro desse tipo de mídia inclui várias formas de expressão que vão desde o teatro de rua até a música ou a dança (DOWNING, 2004, p.49). O formato da mídia radical gera uma espécie de audiência ativa e reduz a linha divisória entre produtores e consumidores da informação midiática. Por este motivo Downing (2004) sugere que seria viável substituir o termo audiência por movimentos sociais. Se audiência, em um primeiro momento, sugere algo estático como apenas receber os produtos da mídia, o termo movimentos sociais sugere algo ativo, que acontece nas ruas. Na prática, entretanto, audiência e movimentos sociais não existem separados e pode haver uma relação muito intensa entre os movimentos e as audiências, inclusive a audiência da mídia radical. Downing (2004) cita três classificações para definir os movimentos sociais. A primeira refere-se a rebelião das massas agindo de forma insensata. A segunda diz respeito a um modelo em que os despossuídos de poder econômico ou político se organizam para exercer influência sobre o processo político por meio de uma série de táticas alternativas como greves, ocupações e passeatas por exemplo. A terceira classificação seria a dos novos movimentos sociais, como o movimento ecológico, feminista ou pacifista. Tais movimentos teriam uma agenda mais ampla como por exemplo buscar conscientizar a população. Essa ultima classificação entretanto tendeu a obscurecer os demais movimentos sociais que não se enquadravam nesse restrito quadro conceitual. De qualquer forma, para Downing (2004) os movimentos sociais que operam fora da estrutura partidária dinamizam o processo político. E embora existam altos e baixos em sua capacidade de
24 mobilização a comunicação e a mídia tanto dentro quando fora dos movimentos desempenham um papel importante na trajetória desses movimentos. Os movimentos políticos são um componente vital da política em muitas nações contemporâneas, sobretudo naquelas em que os processos políticos formais foram colonizados pelas pretensas demandas da televisão instituída, por um lado, e pelos custos exorbitantes das campanhas políticas, por outro. Em tal situação os partidos políticos convencionais são cada vez menos sensíveis às necessidades mais profundas do público. O dinamismo no processo político com frequência deriva dos movimentos políticos que operam fora da estruturas partidárias, embora muitas vezes mantendo certa relação com um ou mais partidos políticos (DOWNING, 2004, p.58).
Dowing (2004) vê a mídia-radical, por fim, como uma forma central de resistência a múltiplas formas de opressão que se encaixa no modelo anarquista socialista uma vez que a tendência da reflexão marxista a se concentrar exclusivamente na economia política é muito mais rara dentro das correntes anarquistas. A resistência em outras palavras, é resistência a múltiplas formas de opressão, mas requer, por sua vez, diálogo nos diversos setores – por sexo, por raça, por etnia e nacionalidade, por idade, por categorias de profissionais – para que efetivamente possa tomar forma (DOWNING, 2004, p.53).
Ao analisar a obra de Martín-Barbero 15 e exemplos contemporâneos nos Estados Unidos, Downing (2004) também conclui que existem imbricações, interpenetrações entre a cultura popular, a cultura de massa e a cultura de oposição. Da mesma forma que a cultura popular é muito destacada na indústria cultural, que busca audiência, a cultura de oposição também pode ser utilizada para criar produtos de massa em ocasiões oportunas (DOWNING, 2007, p.35-36). Essa mídia [a radical] é parte da cultura popular e da malha social como um todo e não se encontra isolada, de modo ordeiro, em um território político reservado e radical. Endemicamente falando, portanto, é um fenômeno misto, muitas vezes livres e radical em certos aspectos, mas não em outros (DOWNING, 2004, p. 39). 15 J. Martín-Barbero, Communication, Culture, and Hegemony: From the media to Mediations (Newbury Park: Sage, 1993), pp. 120-147.
25 Desse ponto de partida, na prática, a metodologia adotada nesta pesquisa consistirá no fichamento e análise de imagens e mensagens presentes no fanzine de acordo com a análise documental, explicitada nos capítulos seguintes de fundamentação teórica, revisão bibliográfica e na entrevista. O objetivo será identificar elementos que caracterizem e explicitem a forma e as concepções inseridas na defesa da identidade punk adotada pelos seus produtores, assim como as tensões, disputas e as mudanças que por ventura venham a se apresentar ao longo dos anos com relação ao que deve ser punk. Também buscaremos identificar alguns elementos que caracterizem o fanzine como uma mídia radical.
26 3 DA COMUNICAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA AO PUNK LONDRINENSE 3.1 UM SÉCULO DE CULTURA CONTRA HEGEMÔNICA Kucinski (2001) vê a imprensa alternativa como sucessora da imprensa anarquista da primeira república. Mas notamos que os fanzines surgem no Brasil em paralelo aos jornais alternativos. Desse modo optamos neste capítulo por conceituar o que é fanzine e também resgatar um pouco do contexto da mídia radical alternativa brasileira, dos movimentos sociais e o mundo do trabalho. Os fanzines surgiram nos Estados Unidos na década de 1930 com as publicações amadoras de ficção científica. O termo, entretanto, surgiu apenas em 1941 quando o norte americano Russ Chauvenet uniu as palavras Fanatic e Magazine. A partir desse neologismo, uma vez que a outra proposta “FanMag” não teve a mesma aceitação, difundiu-se a palavra “FanZine” para definir essas publicações
caracterizadas,
em
essência,
como
veículos
informativos,
independentes, artesanais, amadores e de pequena tiragem (MAGALHÃES, 2003, p. 27). No princípio foi utilizado por leitores de ficção científica para divulgar seus trabalhos autorais fora do circuito profissional e comercial. Com o passar do tempo porém é adotado com as mais diversas finalidades e se espalha por vários países16. Foi usado, por exemplo, como veículo para expressar os ideais libertários do maio de 1968, a poesia marginal, a imprensa nanica brasileira e, a partir de 1976, a máxima punk “faça você mesmo” (MUNIZ, 2010, p. 15). Em sua prática o fanzine teve o potencial de fomentar redes de interlocutores e tornar-se um elo social ao vincular afetos e estéticas particulares. Isso ocorre porque são “tradicionalmente produzidos e difundidos às margens dos circuitos profissionais e comerciais de escrita e leitura” (MUNIZ, 2010, p. 16). Por não se preocuparem em atingir grande tiragem e obter lucro, os fanzines são publicações livres de censura e regra. Seus autores normalmente se encarregarem de todas as etapas da produção desde a concepção até a distribuição do produto final. A edição de um fanzine costuma ser, por esse motivo, muito 16 Henrique Magalhães detalha a difusão dos fanzines em países como a França, Portugal, Bélgica, Holanda, Brasil, entre outros (MAGALHÃES, 1993, p. 19 – 39).
prazerosa
e
trabalhosa,
demandando
uma
grande
paixão
e
27 dedicação
(MAGALHÃES, 2003, 28). No Brasil, o primeiro fanzine surgiu em 1965 e se dedicou aos quadrinhos mas foi só ao final dos anos 70 que esse tipo de publicação artesanal se popularizou. Por um lado, começam a se disseminar as fotocopiadoras, que produziam cópias rápidas, de boa qualidade e a baixo custo (MAGALHÃES, 1993, p. 43). Por outro, esse foi um período de grande agitação política. Para se ter ideia em 1979 dois terços da população latino-americana, cerca de 400 milhões, viviam em estados dotados de regimes militares ou sob dominação castrense (BORGES, 2007, p. 15). No caso brasileiro em especial, desde que João Goulart assumiu o governo em 1961, pode-se constatar a radicalização das esquerdas organizadas em vários grupos como o PCB, as ligas camponesas, o movimento sindical então representado pela CGT, a União Nacional dos Estudantes, entre outros. Discutia-se de qual forma poderia ser implementada a reforma agrária no país. O ministro da fazenda, Walter Moreira Salles, havia herdado uma grande crise financeira e se esforçava para ganhar credibilidade com os banqueiros internacionais ao planejar uma política econômico-financeira ortodoxa com um rígido combate a inflação (FERREIRA, 2011, p. 350 – 357). E a partir do golpe civil-militar, no dia 1º de abril de 1964, a tensão política se acentua. A ditadura passa cercear o direito a livre expressão, a censurar os meios de comunicação de massa e reprimir os movimentos populares em um esquema que muitas vezes levou à tortura e à morte de militantes políticos, trabalhadores, intelectuais e jornalistas (FICO, 2007, p. 167 – 170). Sob esse contexto, as esquerdas desejosas em protagonizar transformações e a busca, de jornalistas e intelectuais, por espaços alternativos à grande imprensa e à universalidade fizeram a imprensa alternativa crescer. E dessa forma: “apesar de sua natureza jornalística [..] acabou se tornando o principal espaço de reorganização política e ideológica das esquerdas nas condições específicas do autoritarismo”(KUCINSKI, 2001, p. 7). Kucinski (2001) relata o surgimento de cerca de 150 periódicos alternativos e contestadores entre os anos de 1964 e 1980 durante o período da
28 ditadura civil-militar no Brasil. Chinem (2004) vai ainda mais longe e sugere que neste período existiram aproximadamente de 300 publicações, entre as quais podemos citar o Pasquim, o Versus e o Coojornal por exemplo. Também chamada
de
imprensa
nanica
devido
ao
formato
predominante das publicações, o tabloide, se caracterizou por sua oposição às políticas dominantes e pelo desejo das gerações dos anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam. Ao contrário da grande imprensa cobravam com veemência a restauração da democracia, o respeito aos direitos humanos e criticavam o modelo econômico. Ao criar um espaço contra-hegemônico a imprensa alternativa dos anos 1970 pode ser vista, no seu conjunto, como sucessora da imprensa panfletária dos pasquins e da imprensa anarquista. Para se ter ideia, se em 1830 eram cinquenta títulos, meio século depois, (1880 a 1920), os jornais anarquistas e operários já superavam quatrocentos títulos (KUCINSKI, 2001, p.10). Durante a primeira república não havia uma legislação social específica para essas publicações e os jornais operários, quando incomodavam, recebiam um tratamento policial. Nesse período também são aprovadas as primeiras leis que tratam da questão social, como a Lei Adolfo Gordo de 1907: “Responsável pela expulsão de muitos trabalhadores que, por diversas vezes sem passarem por um processo judicial, eram embarcados para seus países de origem” (AZEVEDO, 2005, p.25). Mesmo assim, durante esse período foi registrado um grande número greves. Boris Fausto detectou, no Rio de Janeiro e São Paulo, cerca de 200 greves apenas entre 1917 e 1920 e que envolveram cerca de 300 mil trabalhadores (GALEB; FONSECA apud HARDMAN, 1996, p. 22-23). A partir de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, entretanto, fica praticamente impossível a existência de sindicatos não atrelados ao estado. Para obter os benefícios sociais como a garantia da jornada de oito horas, por exemplo, o trabalhador deveria estar vinculado ao sindicato oficial, sendo reconhecido apenas um único sindicato por categoria profissional. “De instrumentos de luta, os sindicatos dos anos 1940 passam à condição de agentes promotores da
29 harmonia social e instituições prestadoras de serviços assistenciais” (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p.256). Alguns jornais operários ainda sobreviveram por algum tempo como o jornal paulista A Plebe que sofreu interrupções, empastelamentos, processos policiais e viveu até 1949 (RODRIGUES,1997, p. 28). Mas na prática esse contexto se traduziu no fim de muitas publicações e no crescimento do PCB e do PTB. Dessa forma: “se o afro-descendente havia sido “substituído” pelo imigrante na virada do século XIX para o século XX, de 1945 em diante a figura do sujeito sem voz nem vez era reintroduzida em cena no papel do trabalhador brasileiro” (NEGRO; SILVA, 2011, p. 49). Já em 1950 aumentava a insatisfação dos trabalhadores e o movimento operário se fortalecia e se reorganizava. Com a formação dos comitês de fábrica, o ano de 1953 é marcado por greves significativas como a greve dos 300 mil em São Paulo ou a greve dos marítimos que envolveu 100 mil trabalhadores nos portos do Rio de Janeiro, Santos e Belém. Em 1957 a greve dos 400 mil deixa claro a força do trabalhador. O período que se segue é de complexa disputa nos aparelhos sindicais e de uma aproximação entre o PCB e o PTB que passam a se vincular ao Comando Geral dos Trabalhadores. O CGT foi em grande medida responsável pelo dinamismo sindical entre 1961 e 1964. Em 1962 os trabalhadores conquistam após longa pressão iniciada em 1959 o abono de natal e em 1963, mesmo sob forte repressão policial, eclode a greve dos 700 mil que reuniu 79 sindicatos e 4 federações. Exigia-se uma nova relação entre capital e trabalho (NEGRO; SILVA, 2011, p. 62-86). Mas é importante lembrar que esse contexto de transformações e disputas dos anos 60 e 70 no Brasil também foi berço de outras formas de expressão cultural que demonstraram insatisfação com regime civil-militar vigente. Podemos citar o poema processo, a arte postal, o movimento literário que ficou conhecido como a geração mimeógrafo, as revistas de histórias em quadrinhos e humor, o cinema novo e o udigrudi, as intervenções teatrais e artísticas de rua, entre outras (MAGALHÃES, 2003, p. 16). Pode-se pensar a importância dessas formas de expressão alternativas em contraste com o crescente desenvolvimento dos meios de
30 comunicação de massa e a consolidação de um mercado cultural no Brasil a partir da década de 1930. O Estado tem papel central nesse desenvolvimento e a produção cultural assume um papel relevante na atividade econômica do país: Forma-se pela primeira vez um público massivo em função do porte nacional alcançado pelo mercado da TV17, da revista, do rádio e do jornal. A expansão quantitativa e qualitativa do setor publicitário nos últimos anos é bem representativa da dinâmica interna da indústria cultural brasileira e de sua crescente autonomização (LOPES, 2003, p. 29).
Em paralelo a isso, o fanzine foi outra forma de resistir ao fechado mercado editorial na década de 1960. Chamados a princípio de boletins, essas publicações noticiavam o que ocorria no mundo dos quadrinhos e facilitavam o intercâmbio entre colecionadores de revistas. Com o tempo, se tornaram cada vez mais voltados para públicos específicos e diversificaram seu formato e temática. Sendo impulsionados no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980 com a afirmação do movimento Punk. Para se ter ideia da popularidade dos fanzines o formato e a temática chegaram a ser incorporadas dentro de publicações da grande imprensa. Em alguns casos os próprios fanzines integravam revistas conforme comentaremos no capítulo 4 de análise. Em outros, como no caso do jornal carioca O Globo, desde 1986 o suplemento Rio Fanzine se voltou para o público jovem e para a chamada cultura alternativa (ALBUQUERQUE; LEÃO, 2004, p. 15) 18. Como comentaremos posteriormente no capítulo de análise, os próprios fanzineiros, entretanto, tentaram se organizar para resistir a esta apropriação da cultura alternativa pela grande imprensa. Mas para isso vamos nos deter, antes, sobre as raízes do movimento punk e sua chegada a Londrina.
17 O Estado implanta tecnologias que aperfeiçoam a integração nacional, sistema de satélite, Telebrás, Embratel e o sistema básico de micro-ondas que possibilitou a integração por meio da TV em Preto em Branco e a TV em cores em 1972 (LOPES, 2003, p. 26-27) 18 A fonte aqui descrita refere-se a uma coletânea do suplemento publicada em forma de livro. Fato curioso que mostra a influência do zine sobre dois formatos impressos: o jornal e o livro editado.
31 3.2 AS ORIGENS DO PUNK A raiz do punk é discutida. Para Antonio Bivar (2007) ele teria surgido na Inglaterra em 1976 com a banda Sex Pistols. Já para Craig O´Hara (2005) o estilo musical teria sido criado em Nova York no final dos anos 60 e início dos anos 70, enquanto os ingleses consolidaram o visual e a atitude política. Oliveira (2006) compartilha a visão de O´Hara e acredita que o Punk não tem paternidade e é fruto de sucessivas transformações no universo do Rock. Nos Estados Unidos, antes do surgimento da Sex Pistols, já havia bandas com uma postura musical simples e agressiva que posteriormente seria chamada de punk. O rock, embora tenha sempre sido uma forma de expressão rebelde, falava vagamente sobre as desigualdades sociais na década de 1950. Foi a partir dessa década que uma nova forma de sociabilidade juvenil se consolida e a separação entre o mundo jovem e o mundo adulto se torna mais visível. “Os grupos juvenis passam a se formar não mais no espaço da escola ou da universidade, como antes, mas sobretudo nos espaços do lazer e da diversão, articulando tempo livre, rebeldia e indústria cultural”(NETO, 2004, p. 49). Vale lembrar que o termo Teenager foi criado nos Estados Unidos em 1944 para classificar pessoas que possuíam entre 14 e 18 anos. Foi, desde o início, foi um terminologia de marketing usada por publicitários e fabricantes que espelhava o potencial de consumo dos adolescentes. Mesmo assim, Savage (2009) acredita que a cultura jovem do pós-guerra foi sendo gestada por um longo período e descreve uma pré-história da cultura juvenil que começa em 1875 e vai até 1945. De qualquer forma, foi a partir de 1944 era mais visível o fato de que os jovens se tornaram um grupo etário específico com rituais, direitos e exigências próprios (SAVAGE, 2009, p. 11). Para Roszak (1972) essa é uma sociedade que se torna cada vez mais tecnocrática e os jovens, suspensos entre a infância e a fase adulta, se veem na condição de única oposição política capaz de romper a apatia de seus pais burgueses e do mundo adulto como um todo. A tecnocracia seria o ápice do desenvolvimento organizacional da sociedade industrial. Neste regime todas as
32 atividades humanas, seja no âmbito político, econômico ou cultural, transcendem a competência do cidadão comum e exigem a atenção dos especialistas. Estes jovens se encontram nas ruas, nos locais de diversão e passam a formar grupos de acordo com a semelhança de ideias, pelas roupas usadas e pelo tipo de música preferida. Na Inglaterra destacam-se os teddy boys, os mods e os rockers, caracterizados pelo ”niilismo, revolta, agressividade e desprezo pelos padrões sociais aceitos” (COSTA apud NETO, 2004, p. 53). Já os anos 60, são marcados por grandes perturbações políticas e movimentos sociais radicais como os “Panteras Negras” nos Estados Unidos e, na França, pela revolta estudantil de maio de 1968. No Brasil os jovens protestam contra a ditadura. Era o boom do movimento hippie e as drogas e passam a circular com mais facilidade. A descoberta do anticoncepcional é recebida como uma forma de libertação sexual para as mulheres.
A banda MC5 e os Panteras Brancas
demandavam uma revolução armada em Michigan e viam o rock como a música do povo. A banda Velvet Underground, mesmo assim, opta por uma sonoridade mais simples e adota o visual de roupas pretas que contrastavam com o colorido hippie. E os Stooges produziram uma sonoridade mais agressiva com a performance frenética de Iggy Pop nos vocais. Essas mudanças de postura aproximaram o rock da contracultura que viria a ser o punk após a década de 70. Em Londres as tribos urbanas vão se diversificando, além dos grupos citados, os jovens começam a misturar o mundo musical do
rockabilly, com o ska, a cerveja, o futebol e a violência. Os mais
agressivos raspavam a cabeça como uma forma de expressar desprezo pelo movimento hippie. Esses grupos receberam a denominação de hooligans, suporters ou skinheads19 (SALAS, 2006, p. 30-36). Nos Estados Unidos outra dissensão dentro do movimento hippie estava começando a acontecer por volta de 1967 quando foi organizado o verão do Amor. Ao menos é o que relata o escritor, cantor e ativista social norte americano Ed
19 De acordo com Salas (2006) no princípio o Skinhead era apolítico e não tinha ligação com o neonazismo, influência que surge por volta de 1979 a partir do Partido Nacional Socialista inglês. Hoje a cena skinhead é caracterizada por uma diversidade de concepções sobre o movimento que vão desde os ligados ao nazismo até os anarco-skins.
33 Sanders20 no livro Mate-me por favor (2004), que discorre por meio da história oral o surgimento e o declínio do movimento punk. O problema com os hippies foi que se desenvolveu uma hostilidade dentro da contracultura entre aqueles que tinham o equivalente a um fundo de crédito – uma espécie de poupança familiar – e aqueles que tinham que se virar sozinhos. É verdade, por exemplo, que os negros já estavam um pouco ressentidos com os hippies lá pelo Verão do Amor, em 1967, porque pela ótica deles, aqueles garotos estavam desenhado figuras espirais nos seus blocos, queimando incenso e tomando ácido, mas poderiam cair fora a hora que quisessem. Eles podiam voltar para casa. Podiam ligar para mamãe e dizer: “Me tira daqui”. Ao passo que alguém criado num conjunto habitacional da Rua Columbia e que estava se arrastando em volta de Tompkins Square Park não podia escapar. Aqueles garotos não têm pra onde ir. Não podem voltar para Caipirolândia, não podem voltar para Connecticut. Não podem voltar pro internato em Baltimore. Estão encurralados. Assim, ali surgiu um outro tipo de hippie lúmpen, que vinha de uma verdadeira infância de maus-tratos – com pais que odiavam, pais que o haviam rejeitado. A garota talvez viesse de uma família religiosa que a chamava de vagabunda ou dizia: “Você fez um aborto, vá embora daqui”, ou “Encontrei pílulas anticoncepcionais na sua bolsa, saia daqui, vá embora.” E esses garotos se transformaram num tipo hostil de gente de rua. Tipo punks (MCCAIN; MCNEIL, 2004, p.37-38).
Nesse contexto, o rock teria se tornado nos anos seguintes uma mercadoria sendo diluída e cooptada pela indústria musical. A produção sonora se tornou cara e o rock progressivo inseriu nesse universo sonoro uma música muito técnica e elaborada, restrita aos especialistas. Ao menos é o que acredita o escritor e ativista punk norte americano Mark Andersen. “Uma música comum promovida e embalada pelos gigantes corporativos, ou um hedonismo ritual, superficial” (ANDERSEN apud O´HARA, 2005, p. 30). Isso talvez nos ajude a entender a completa rejeição que os punks viriam a ter em relação ao capitalismo e ao autoritarismo. Bem como sua relação conturbada com a grande mídia, as grandes gravadoras e sua defesa irrestrita do “faça você mesmo”. Ou como diria muitos anos mais tarde o jargão do Centro de
20 Poeta, membro da legendária banda de folk-smut Fugs, dos anos 60. Criador da Peace Eye Bookstore e editor do fanzine literário: Fuck You: A magazine of the arts. Autor de The Family, obra sentimental sobre a família Charles Manson (MCCAIN; MCNEIL, 2004, p.303).
34 Mídia Independente recuperando o espírito punk: “Odeia a Mídia? Seja a Mídia!” (CMI BRASIL, 2008). De acordo com Bivar (2007), a palavra “punk” já teria sido usada por Shakespeare em sua comédia Medida por Medida escrita no século XVII. Voltou a aparecer no filme Juventude Transviada estrelado por James Dean em 1955 e foi inserida pela primeira vez em uma letra de rock na canção Wizz Kid, do grupo Mott and the Hoople em 1973. Nesse mesmo ano a imprensa usa esse termo algumas vezes. Até essa época, entretanto, a palavra punk remetia a pessoas marginalizadas, viciados ou vagabundos. A partir daí, uma referência importante para que esse termo, antes depreciado, passasse a ser reivindicado como um movimento sócio-cultural foi a corrente artística conhecida como minimal. Ela incentivava o artista a trabalhar com o mínimo. Na música, essa geração ganhou o nome de Blank Generation ( geração oca ). Quando Malcolm McLaren volta de sua viagem aos Estados Unidos com essas referências, ele muda o nome de sua loja de roupas na Inglaterra para SEX e se especializa em vender vestimentas inspiradas na arte sadomasoquista. Em seguida, se torna empresário da banda Sex Pistols que faz o primeiro show em 1975 e aos poucos começa a conquistar adeptos. Logo em seguida surgem outras bandas como o The Clash e a movimentação punk se espalha por toda a Londres. Em 1976 uma geração jovem insatisfeita invoca o espírito de mudança e seu visual agressivo composto por maquiagens carregadas, alfinetes e correntes passa a causar um impacto muito forte na cidade. Dessa forma, para O´Hara (2005, p. 36) o punk tem características semelhantes aos antigos movimentos artísticos de vanguarda: Os primeiros punks - talvez de forma inconsciente – usaram muitas das mesmas táticas revolucionárias empregadas por membros dos antigos movimentos artísticos de vanguarda: estilos incomuns, obscurecimento dos limites entre arte e dia a dia, justaposição de objetos e comportamentos aparentemente discrepantes, provocação intencional da plateia, uso de atores inexperientes e drástica reorganização – ou desorganização – de estilos de performance e procedimentos tradicionais.
O Punk, portanto, não era apenas visual e despertava um interesse crescente entre os jovens. Rapidamente as grandes gravadoras e jornais especializados passam a se interessar e difundir essa retomada do básico: baixo,
35 bateria, guitarra e vocal. Os Pistols assinam com a gravadora EMI e se apresentam em um dos programas de televisão mais populares da Inglaterra. A apresentação foi a dose de adrenalina que faltava para impulsionar definitivamente o punk: “São rudes, francos, agressivos. Mas são boa gente. E com raríssimas exceções eles nunca ofendem pessoas estranhas” (PALLMER apud BIVAR, 2007, p.69) 21. Mesmo assim, para Bivar (2007) em 1976 o punk era uma revolução mais visual do que política. Já em 1977 na Inglaterra não se fala de outra coisa. Polêmicas nos jornais são frequentes, surgem novas bandas e clubes voltados exclusivamente a música punk. Nova York também ferve e em São Paulo as informações sobre o punk ainda são raras. Embora o punk na Inglaterra em seu início seja composto basicamente por jovens da classe operária, identificados com essa agressividade musical que vinha de Nova York e dispostos a rejeitar o capitalismo, o fascismo e o autoritarismo ainda não tinha desenvolvido teorias sociais ou políticas muito aprofundadas. Aos poucos, entretanto, o anarquismo passa a ocupar um espaço cada vez maior entre os jovens punks. Crítico ao capitalismo e agindo como “nãoconformistas antiautoritários”22 os punks, antes bem vistos, passam aos poucos a ser sinônimo de má reputação e vandalismo na imprensa musical. Além disso, entre 1977 e 1981, trava-se uma guerra de estilos. A retomada do ska com The Specials por exemplo, a onda neo-romântica, o radical new waver de bandas como a The Cure, o futurismo com Depeche Mode, a retomada do rockabilly com a Stray Cats e o neo psicodelismo com os Yabirds são algumas correntes culturais que passam a ganhar espaço entre os jovens: Todos nessa guerra de estilos, em 1981, estão unidos [..] no propósito de usar o sistema para derrubar o marasmo que é a indústria musical norte americana contemporânea, que as gravadoras multinacionais impõe as paradas de sucesso do mundo inteiro (BIVAR, 2007, p. 80-81).
21 Myle Palmer: comentarista do jornal norte americano The Times. 22 Para O´Hara (2005) o punk rejeita o conformismo pois as ideias do conformista seriam incutidas pelos outros. Ele não questiona as relações de trabalho, de gênero e a desigualdade por exemplo. A obediência injustificada a qualquer forma de autoridade também é rejeitada, pois é vista pelos punks como uma forma que permitiu, ao longo da história, que atos nocivos fossem adotados em massa como o nazismo.
36 Seguindo a onda, em 1982, a imprensa passa a abrir cada vez mais espaço aos “novos” estilos. Mas mesmo assim o movimento punk não evaporou e de certa forma ele continua até hoje tomando novos rumos. A beira da guerra das Malvinas, em 1981 o punk já é um movimento internacional. Bandas mais politizadas como Exploited, Dead Kennedys e Discharge se levantam contra a guerra. Vale lembrar que outras já tinham tomado um rumo mais critico perante a sociedade capitalista. Entre elas estavam a banda inglesa fundada em 1978 por anarquistas pacifistas denominada de Crass. O movimento punk tomou outro rumo, mais conscientizado e verdadeiramente ligado a uma faixa da juventude que continuou e continua rebelando-se contra a hipocrisia, a complacência, o conformismo, o tédio e contra um mundo baseado em pompa e privilégio, no qual o jovem tem pouca chance de manifestar-se e o jovem das classes mais baixas tem menos chances ainda. Milhares de garotos que acreditam e precisam do punk como ele deve ser, um movimento em nível de rua baseado na verdadeira energia do rock. Estes garotos formam novas bandas ou encontraram outras nas quais puderam confiar23(BIVAR, 2007, p.84 – 85).
O grupo UK Subs faz shows beneficentes em prol de causas humanitárias. O número de bandas cresce e o Brasil não fica atrás. Dessa forma, no próximo capítulo vamos apresentar um resumo sobre o surgimento do punk e dos fanzines punks brasileiros tentando resgatar o seu contexto social e político . 3.3 O PUNK NO BRASIL E OS FANZINES PUNKS No Brasil, as primeiras bandas teriam surgido em 1978 (AI-5, Condutores de Cadáveres e Restos de nada). O crescimento foi rápido e em 1982 quando a imprensa se deu conta da existência do Punk no Brasil já havia mais de 20 bandas e diversas gangues urbanas. Esses garotos sabem que o futuro não é nada promissor, tanto para eles como para seus semelhantes, tão pobres e oprimidos quanto eles. Então, unidos na força da adolescência, resolveram botar a boca no trombone exigindo justiça para todos (BIVAR, 2007, p. 95 – 96)
23 Editorial da primeira edição da revista punk “Punk´s not dead” lançada em 1981 por Gary Bushell, um dos primeiros escritores entre os punks.
37 Já em 1982 foi grande a agitação na cena punk paulistana. Os primeiros discos do movimento são lançados. Publicado em abril, “Grito suburbano” contou com as bandas Olho Seco, Inocentes e Cólera. E o disco “Lixomania” foi lançado em Setembro. Shows e exposições de fotografias sobre os punks foram organizados. Nessa época surgiram também os primeiros fanzines punks em São Paulo. Entre estes zines estava o Factor Zero, da capital paulista, e o Exterminação, de São Bernardo. O Punk começa a ocupar ganhar espaço em programas de rádio e na imprensa em veículos como o Estado de S. Paulo, Veja e Isto É, Folha de São Paulo, Manchete, TV Bandeirantes, TV Globo (BIVAR, 2007, p.201). Ao analisar fanzines, Oliveira V. (2007) sugere que a difusão do punk na imprensa de grande circulação foi muito criticada por essas publicações alternativas. “Na medida em que a “grande imprensa e os meios de massa” descompromissados com o movimento vão apresentando o punk para o grande público, tinha-se a impressão de que seria mais uma moda pobre, suja e passageira” (OLIVEIRA, V., 2007, p. 75). Ele cita ainda alguns casos desse tipo de abordagem na grande imprensa. A matéria com o título “A Geração Abandonada” no jornal O Estado de São Paulo em 1982, por exemplo, teria se referido aos punks como “Avessos a política, sujos, segregacionista”. O Fantástico, da Rede Globo, também teria ridicularizado o movimento em 1983, por meio de uma generalização 24. O Festival “O começo do fim do mundo” foi realizado no SESC Pompeia nos dias 27 e 28 de novembro reunindo 20 bandas e um grande público, sendo considerado até hoje um dos mais importantes festivais já realizados (MOREIRA, 2006). Além disso, é lançada por Antonio Bivar a primeira edição do livro O que é Punk, a troca de fanzines e a correspondência com punks de outros países aumenta e amplia as informações sobre o punk no Brasil. Embora muitos acreditem que o punk tenha morrido alguns anos após sua explosão inicial, para Bivar (2007) os punks estão levando seu movimento muito mais a sério em 1982. Eles estão protestando contra o sistema, contra a guerra e as injustiças sociais. 24 São também citados nesse estudo a Folha de São Paulo, a música “Punk da periferia” de Gilberto Gil e seu clipe vinculado e produzido pelo Fantástico da Rede Globo e até um exemplo no cinema, o filme “Punks, filhos de uma noite”, repleto de cenas de sexo (OLIVEIRA, V., 2007, p. 75-79).
38 Apesar das brigas, polêmicas e confusões o punk se espalhou por todo o mundo e se diversificou. Para Bivar, isso ocorre porque “o movimento é tão agarrado aos seus princípios básicos que não tem como se perder” (Bivar, 2007, p. 118). Essa visão também é compartilhada por O´Hara (2005) que contraria alguns dos estereótipos mais comuns do punk. Para ele dentro do movimento a violência deixou de ser um tema central. E, embora tenha sido útil no início do punk e ainda seja considerada divertida por muitos, chocar as pessoas pela aparência hoje é menos importante do que chocar com as ideias. Por ter se consolidado como uma forma de expressão rebelde, marginal e radical, o fanzine foi o meio de comunicação que se encontrou em sintonia com o Punk. Era o início de uma das características mais difundidas dentro do movimento, o “faça você mesmo”. A edição número um do primeiro fanzine punk “Sniffing Glue” lançado pelo bancário e fã desse novo estilo musical rebelde Marky Perry em 1976 na Inglaterra deixava isso claro: “Não se satisfaçam com o que nós escrevemos. Saiam e comecem seus próprios fanzines, ou mandem suas críticas para a imprensa do sistema, vamos pegá-los pelos nervos e inundar o mercado com a escrita Punk!” (BIVAR, 2007, p. 55-56). Magalhães (2003, p. 35-44) classifica os fanzines de acordo com o enfoque adotado por seu editor. Os fanzines de ficção científica abordam esse universo e discorrem sobre livros, filmes e efeitos especiais por exemplo. Os zines de música são organizada por fãs determinado segmento musical e por esse motivo os fanzines punks são inclusos nessa categoria. No gênero “diversos” são inclusos os fanzines de poesia ou de política. Além disso, ele também reserva uma classificação específica para os fanzines de histórias em quadrinhos. Apesar de serem classificados no gênero musical os fanzines punks abordam uma variedade de assuntos e acabam dando uma visão geral, uma síntese dos vários elementos que compõe o punk. Ou seja, não falam apenas da música, mas também da filosofia, das questões sociais e políticas, da estética e da atitude: É importante lembrar que, por menor que sejam os fanzines, todos eles sempre têm o mesmo objetivo: comunicar as ideias que definem a cultura e a filosofia punks. Assim, os fanzines podem ser usados para mostrar
39 ideias específicas sobre anarquia, temas relacionados a sexo, filosofias ambientais e políticas do punk nos negócios (O´HARA, 2005, p. 71).
Como citado anteriormente, em São Paulo, os primeiros fanzines punks surgiram na década de 80. Esse foi um período que combinava crise econômica e abertura política, em 1982 é feita a primeira eleição livre após a ditadura civil-militar e em 1984 o movimento “Diretas Já” mobilizou milhares de pessoas (OLIVEIRA, 2006, p. 14). Se na primeira república apenas 2,5% da população tinha direito a voto e em 1945 esse percentual ainda é de 16% e foi, portanto, nesse período que o Brasil conheceu uma democracia de massa quando cerca de 51% da população pode se expressar nas urnas. Além disso, o MST retoma sua luta pela terra em 1985. O PT vence na prefeitura de São Paulo em 1988 e reaquece o discurso anticomunista daqueles que não querem ver um partido de esquerda nascido nas lutas sindicais chegar a presidência. As eleições de 1989 levam Collor à presidência e demonstram a força dos meios de comunicação de massa. Em 1992 vem o processo de impeachment, fruto de uma crise econômica. E no ano seguinte, sob a presidência de Itamar Franco, é concebido o Plano Real como um processo lento de estabilização econômica (PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 289). 3.4 O PUNK EM LONDRINA O processo de construção e planejamento urbano de Londrina está intimamente ligado à Companhia de Terras do Norte do Paraná (CTNP) que fez um planejamento inicial, loteou e vendeu terrenos na cidade. As intensas propagandas rotulavam o norte do Paraná como um lugar propício para ascender socialmente obtiveram sucesso e a cidade que a princípio foi pensada para receber 20 mil habitantes cresceu rapidamente e passou a atrair uma população de diferentes locais e nacionalidades (SANTOS, 2010, p. 22-23). Durante os anos 1930 e 40, Londrina se consolida como uma importante cidade da região norte paranaense, e nas décadas seguintes de 50, 60 e 70, sofre uma verdadeira explosão demográfica e urbana, tendo como causas
40 principais o êxodo rural, causado pela erradicação do café, surgimento de novos cultivos, mecanização agrícola, etc (LUIZ apud SANTOS, 2010, p. 24). Na década de 1960 a população urbana já era maior que a população rural e nos anos seguintes surgem novos conjuntos habitacionais e até mesmo ocupações irregulares como é o caso do Jardim Cristal e Fundo de Vale do Fransciscato. Esses assentamentos irregulares ainda iriam se proliferar mais na década de 1990 (SANTOS, 2010, p.24-26). Outra mudança importante neste período foi o surgimento e as transformações dos meios de comunicação de massa. A passagem do jornal para a era de ouro do rádio, e por fim, a chegada da televisão. Sendo o primeiro jornal londrinense, o Eldorado, fundado em 1934, a primeira emissora, ZYD-4 Rádio Londrina, fundada em 1943 e o primeiro canal de televisão do interior do Paraná, a TV Coroados, fundada em 1963, as vésperas da ditadura civil-militar: Até 1976 a Coroados retransmitiu a programação da TV Tupi. Em 1973 foi vendida para o empresário Paulo Pimentel, que a vendeu em 1976 para o empresário Oscar Martinez. Desde então transmite a programação da Rede Globo – tendo apenas uma curta interrupção – de março a novembro de 1979, quando a empresa foi negociada com a Rede Paranaense (BONI; PIVETA, 2008, p. 5).
É nesse contexto de expansão urbana acelerada e difusão dos meios de comunicação de massa que, em plena ditadura civil-militar, Londrina passa a receber ativistas que fugiam de perseguição política. Ao menos é o que considera a militante, artista e jornalista Joana Lopes que dirigiu o jornal alternativo feminista Brasil Mulher, criado em 1975 e que chegou a ter uma tiragem aproximada de 10 mil exemplares atingindo todo o território nacional. Ela considera que, além da abertura da escola de filosofia, a repressão na cidade não era tão intensa (LOPES, 2001B, apud DEBÉRTOLIS, 2002, p. 41). No levantamento feito por Bernardo Kucinski (2001, p. 77), Brasil Mulher aparece entre as 10 publicações alternativas de circulação nacional entre fim de 1975 e início de 1976. Ainda de acordo com Kucinski (2001) formou-se na cidade uma típica linhagem regional na imprensa alternativa londrinense a partir de 1971. Ele relata o surgimento de vários jornais alternativos. São citados os estudantis Terra Roxa (1972), o Poeira (1974). O Atalho (1975) e o Água Corrente porta-voz dos
professores
associados
do
Paraná.
Viver
lançado
em
1975.
O
41 Paraná
Repórter(1980) que durou 5 anos e foi fundado por Bernardo Pelegrini. O jornal da cooperativa dos jornalistas de Londrina, e o Fala Paraná (1981), braço do jornal Movimento em Londrina. E foi no ano de 1985 que os skatistas deram início a publicação de fanzines por meio do “CUSP – Zine” em Londrina. Essa publicação trazia informações sobre bandas e sobre o skate. Outros fanzines surgiram, os fãs de heavy metal, por exemplo, criaram a publicação de humor “Fuck Ofi”. Era um período rico para as publicações alternativas. Em 1986, também em fotocópia e com uma estética próxima a dos fanzines, começou a ser publicada a revista alternativa “Hã verde” voltada para as inovações gráficas e literárias que contava com a participação, entre outros, dos escritores Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes (AVANCINI; ITO, 1994, p. 34-35). O punk, por sua vez, criou raízes na cidade por volta de 1984. Se por um lado a imprensa noticiava sobre o movimento, por outro, começam a chegar discos das bandas de São Paulo por meio de algumas lojas de música como é o caso da Footloose Discos (NETO, 2004, p. 76-77). Nessa época o principal ponto de encontro era a boca maldita no Calçadão, próxima ao Cine Teatro Ouro Verde. Luis Eduardo F. Da Silva (Cientista) afirma que no princípio havia no máximo 15 pessoas que eram punks na ciadade e Márcio Giovane Fernandes relata que muitos Londrinenses se chocaram ao ver os primeiros cortes de cabelo moicano e que inclusive sofreu agressões verbais e físicas como o episódio em que tentaram cortar seu cabelo moicano a força (SOUZA; CHICARELLI, 2012). Neto (2004) que talvez tenha analisado um período posterior já na década de 1990 registrou a existência de sessenta ou setenta punks em Londrina. Apesar do número de pessoas envolvidas neste princípio eles não tinham um espaço próprio e caminhavam em bando pela cidade indo de um bar a outro e já organizavam seus próprios shows. A partir daí começou a surgir um circulo de bares mais alternativos, ou undergrounds25, em Londrina e já era possível constatar algumas das tendências 25 Para uma discussão mais aprofundada sobre o termo underground e seu embate com a cultura de massas ver: SILVA, Luis Eduardo F. da. A Marginalidade da Cultura Underground, 1995. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) Universidade Estadual de Londrina, Londrina-Pr.
42 da “guerra de estilos”. Esses bares e locais congregavam um público diversificado: skatistas, metaleiros e headbangers, punks. No caso específico dos punks, eles escolhiam seus bares para marcar território perante com grupos rivais, como forma de provocação, ou principalmente pela receptividade do proprietário e dos funcionários do local. Entre esses bares o primeiro parece ter sido o Adega que reunia todo o tipo de público. Seguido de outros como o Rock Point, o La Araucana, o Bar Brasil, a sede do DCE da UEL do centro, ULES, a casa do estudante e o antigo restaurante universitário. Já na década de 1990 surgem ainda o Mausoléu que virou referência entre os punks pois organizou os primeiros shows e permitiu a não só a permanência mas também a execução da música punk no local. Além disso surgiram ainda o Potiguá em 1992, o Tattoo Bar, o Nômade e o Chapadão, esses dois últimos já em 1997 (NETO, 2004, p.78). Nesse período já havia se processado no Punk de Londrina uma outra mudança que não apenas de lugar na cidade, mas de posição política: a adoção do anarquismo como filosofia e modo de vida, acompanhando o que acontecia com o movimento de São Paulo e em outros cantos do mundo (NETO, 2004, p. 81).
A partir de 1988, portanto, com a intensificação da produção de fanzines e o surgimentos de novas bandas como a Desordem e Regresso torna-se mais visível uma concepção sobre o punk em Londrina mais próxima ao anarquismo. Essas bandas se preocuparam também em criar composições próprias. Entre elas, as que se ligavam mais ao movimento punk estavam a Merda, Desordem e regresso e Hardmoney. Esta última lançou em 2011 um DVD comemorativo de 20 anos de história intitulado Do it yourself. O vídeo está repleto de cenas e depoimentos sobre o punk e o rock em Londrina. De acordo com alguns fanzines do movimento anarcopunk, este tem origem na revolta da juventude proletária ante a falta de perspectivas que o sistema capitalista lhe impõe. É resultado direto da politização do movimento punk, aliado a uma revitalização do anarquismo no Brasil. Surgido no final da década de 1980, o movimento anarcopunk tem sua base em dois eixos principais: o cultural é uma constante no movimento, e sua principal proposta é manter-se à margem do que os/as punks chamam
43 de “cultura burguesa” e cultura de massa. A marginalidade do movimento punk é uma opção consciente ante a cultura oficial, considerada podre e decadente. Estes são os termos em que são formulados o discurso punk, sobretudo no seu principal meio de informação e difusão de ideias: o fanzine (NETO, 2004, p. 81).
O punk migrava dos bares para as salas de reunião e os espaços mais coletivos como a sede do DCE da UEL, a sede da União Londrinense dos Estudantes Secundaristas (ULES) e o Restaurante Universitário (NETO, 2004, p.78). Nesse contexto de transformação ou de materialização de uma concepção na forma de conceber o Punk surgem, em 1988, os primeiros fanzines punks londrinenses. O zine Utopia, editado por Denoir Cibié e Rogério Ivano, teria sido o primeiro fanzine punk de Londrina e começou a ser publicado já em janeiro de 1988 (AVANCINI; ITO, 1994, p. 45). Neste mesmo ano foi criado o fanzine Coletivo Cancrocítrico cujo objetivo inicial era divulgar a “ideologia punk” e construir outra imagem do movimento. Com 20 edições lançadas ao longo de seis anos essa foi a publicação neste formato com maior durabilidade em Londrina. Embora o Coletivo Cancrocítrico tenha se reunido até 1995, o fanzine deixou de ser publicado em 1993. Neste ano foi criado ainda o coletivo anarquista Gralha Negra, cujo veículo de comunicação também foi um zine. O Gralha Negra se reuniu periodicamente durante um ano e meio e realizou uma série de protestos e panfletagens. Percebe-se que há uma tentativa de imprimir certa credibilidade ao punk e afastar pessoas que se aproximavam apenas por moda e que não estariam “conscientes” ou realmente interessados em lutar contra o sistema de alguma forma. Esses tensionamentos revelam uma disputa na concepção do que é punk. Muitas vezes os outros, aqueles que não se ligavam a essa tendência mais anarquista ou que estariam denegrindo o punk eram chamados “falsos punks” ou “inconscientes”. 26 Essas disputas podem aparecer no cotidiano e também nos fanzines (OLIVEIRA, 2007, V., p. 82-84). O movimento punk, no decorrer de sua existência, está sempre buscando se rearticular, procurando fugir dos estigmas da violência e do modismo 26 Como iremos explicar posteriormente no capítulo 4 esses “falsos punks” seram definidos como “laranjas” nas 11 primeiras edições do fanzine Coletivo Cancrocítrico e seriam compreendidas como pessoas não conscientes de uma realidade mais ampla.
44 desarticulado, havendo uma preocupação crescente com certa conscientização e politização do movimento, abrindo “espaço para a emergência de novos referenciais de contestação mais participativos e menos segregacionistas (OLIVEIRA, V., 2007, p. 82).
Ao final de 1988 os fanzines punks pareciam já estar consolidados em Londrina e surgem outras publicações. Entre elas estavam o Proletários, Nação extinta, Punkadaria e Paradoxo. Sendo que este último foi um dos poucos que se consolidou com uma tiragem praticamente mensal. Mesmo assim ele demorou a ser aceito pois era editado por pessoas novas que ainda não estavam inseridas entre os punks mais antigos (AVANCINI; ITO, 1994, p. 48-49). Para se ter ideia da força dessas publicações no ano 1988 foi realizada a primeira exposição de Fanzines em Londrina, Expozine, na biblioteca municipal que expôs cerca de 300 publicações do mundo todo e com temáticas diversificadas. Em 1989 foi realizado o primeiro encontro de fanzineiros em Londrina. Devido a proximidade das eleições, o Fanzi-encontro acabou se tornando um polo de articulação do qual foi lançada uma campanha pelo voto nulo. Em 1990, uma segunda exposição foi realizada no Centro de Educação e Artes da Universidade Estadual de Londrina reunindo o acervo de diversos punks 27. E entre os dias 10 e 12 de outubro de 1992 foi realizado o segundo Fanzi-encontro de Londrina. Esse último promoveu uma exibição de zines na Bat Banca e um show com as bandas Repulsive, DZK e Hard Money (AVANCINI; ITO, 1994, p. 49-50). Além dessas publicações os punks também realizaram panfletagens em 1988 pelo voto nulo e shows com pautas políticas. No Protesto Sonoro, por exemplo, reuniu bandas de Curitiba, São Paulo e Londrina. “Na pauta dos protestos estavam o fim do serviço militar obrigatório, o repúdio a incompetência do governo, à violência e às drogas” (AVANCINI; ITO, 1994, p. 51). Em 1989 e 1990 o punk londrinense diminuiu sua atividade, muitos fanzines deixaram de ser publicados, sendo o Coletivo Cancrocítrico o único que se manteve em atividade após este período. Os motivos dessa queda são discutíveis. Neto (2004) aponta por meio de uma entrevista com um punk denominado de Beto que quando a política passou a ocupar o tema central do movimento punk muitas pessoas se afastaram. É difícil acreditar, entretanto, que este tenha sido o único 27 Conforme citado em outra nota de rodapé, muitos fanzines foram doados posteriormente e hoje formam um acervo disponível para consulta no CDPH da UEL.
45 fator de refluxo no movimento. Vale pensar, por exemplo, se seis anos depois (19841990) todos os primeiros punks ainda estavam atuando com a mesma intensidade. De acordo com Luis Eduardo F. Da Silva neste período algumas pessoas que produziam fanzines se afastaram do punk por questões pessoais e por isso alguns zines deixaram de ser publicados. Tendo o CC permanecido por uma questão de “teimosia” e pelo fato de não ser produzido por uma única pessoa, sendo concebido de forma mais coletiva sob a qual comentaremos de modo mais detalhado no capítulo 4. Para ele a guerra de estilos, citada por Bivar (2007) que foi mais intensa nos anos 1980, não fazia eco ainda em Londrina neste período pois aqueles que não se afastaram por questões pessoais permaneceram todos como punks (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro). De qualquer forma, em 1992 surgem novas publicações como o Ecstazine, Face Oculta e Mutanzine, sendo que estes novos não eram punks, mas também abordavam em suas páginas bandas, quadrinhos e protestos (AVANCINI; ITO, 1994, p. 51). O Punk em Londrina, assim como no mundo, se diversificou dando espaço a outros movimentos, como o straight edge28 e o hardcore29. Neto (2004) lembra, entretanto, que essas transformações não são contínuas e, por isso, não podem ser entendidas como uma evolução linear. As tendências que surgiram em cada período foram permanecendo, mesclando-se umas com as outras e, hoje, acontecem ao mesmo tempo nos mesmos lugares. Há entre elas conflitos de ideais e uma separação visível, podendo ser facilmente identificadas nas festas (NETO, 2004, p. 76).
No próximo capítulo iremos analisar de forma mais detalhada o zine Coletivo Cancrocítrico. Essa análise consistirá no fichamento e pesquisa de imagens 28 “seus adeptos que abdicam totalmente, ou devem abdicar, de substâncias indutoras de alteração de estados mentais como o álcool, o cigarro, as drogas sintéticas - prática comum entre os Punks dos anos 1980, e em alguns casos, bebidas cafeinadas e medicamentos alopáticos que alterem o nível neurológico; a maioria adere ao vegetarianismo ou veganismo como opção alimentar”(BAÍA, 2011, p. 1) 29 Roberto C. de Oliveira, R. sugere que o hardcore pode ser entendido como uma “radicalização do punk”. Um ““ritmo bem mais acelerado e distorcido, cantado com o vocal gritado, como modo de expressar a radicalização de sua postura anticomercial e o seu repúdio à industrial cultural, ao movimento da new wave e a toda a sociedade de consumo”(BASTOS apud OLIVEIRA, 2011, p.135)
46 e mensagens presentes nas 20 edições do fanzine. O objetivo será identificar características da mídia radical e elementos que explicitem a forma, as concepções inseridas na defesa da identidade punk adotada pelos seus produtores, assim como as tensões, disputas e as mudanças que por ventura venham a se apresentar ao longo dos anos com relação ao que deve ser punk.
47 4 O FANZINE COLETIVO CANCROCÍTRICO É importante fornecer de início uma visão geral do que foi o fanzine Coletivo Cancrocítrico para em seguida nos determos nos dois eixos centrais de análise: O fanzine como mídia radical alternativa e a defesa da identidade punk em suas páginas. A primeira edição do CC foi publicada em julho de 1988. Da primeira até o décimo primeiro número utilizou-se o subtítulo “O Anti-laranjas”. Na edição 12 aparece como “vontade de ser livre”, “um coletivo de ideias e ideias” no número 13 e “imprensa pirata” no número 14. Tendo sido suprimido nas edições seguintes. Quanto ao formato, todas as 20 edições foram lançadas em uma folha de papel A4 assumindo 3 formatos ao todo. Os 2 primeiros números eram organizados dobrando a folha duas vezes de modo vertical. Entre o número 3 e 13 passou a se dobrar a folha três vezes de modo vertical. E por fim optou-se por dobrar a folha verticalmente ao meio, totalizando 4 páginas. A publicação ao longo dos anos sofreu diversas mudanças estéticas. Nas primeiras edições os textos manuscritos eram comuns e não havia um espaço delimitado para cada texto, ficando muitas vezes a critério do leitor. Já nas últimas constata-se uma tentativa de padronização gráfica, os textos manuscritos foram abolidos e surgem seções mais constantes como expediente, apoio e até editorial nas edições 16, 17 e 18. Figura 2 – Formatos: duas dobras, três dobras e uma dobra
Fonte: CC Nº1, CC Nº4 e CC Nº16
48 Quanto a tiragem a partir do ano de 1989 começaram a ser produzidas mil cópias de cada edição. Entre essas cópias também estavam as que eram enviadas para outras cidades por correio. A quantidade de cópias enviada dependia da dimensão do destino e também da confiança depositada no correspondente: Tinha vezes que enviava 50, 100 exemplares. Por exemplo, igual São Paulo, que era grande agente mandava um monte. Cidades menores agente mandava pouco. E quando sabiamos que o cara era amigo, que confiavamos mesmo mandavamos vários para o cara divulgar. Como nós não visavamos lucro.. Agente mandava muitos [..] Pagavamos o correio [..] cópia. Nosso objetivo era divulgar (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
O custeio das cópias, portanto, embora fossem organizados eventos como shows para arrecadar recursos era feito basicamente recursos dos próprios fanzineiros que “rachavam” as despesas (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro). Além do envio por correio as cópias que ficavam na cidade era distribuídas de acordo com Fábio Andrei Corrêa “corpo a corpo”: Já em Londrina, o trabalho de divulgação era corpo a corpo. Eu mesmo levava o Coletivo para o colégio onde estudava e passava p/ o pessoal da minha geração. E lembro muito bem dos elogios que o Coletivo recebia em relação ao conteúdo e a qualidade dos textos (FAC – Entrevista feita no dia 4 de dezembro).
E dessa forma foram, ao todo, produzidas 20 edições sendo a última lançada no inverno de 1993 após 6 anos do surgimento do fanzine 30. Comparando as primeiras e as últimas edições, é possível notar uma modernização das técnicas utilizadas na produção do fanzine, uma ampliação do número de colaboradores, os textos parecem se tornar mais aprofundados e a literatura e a poesia passam a ocupar um espaço maior. Carolina Avancini e Cynthia Ito (1994) caracterizam o fanzine Coletivo Cancrocítrico como uma publicação cujo objetivo era “propagar a filosofia 30 Para um maior detalhamento ver mapeamento das edições feita no Apêndice A.
49 anarquista”. Por este motivo também tentamos identificar se na construção da identidade punk há essa vinculação entre punk e anarquismo ou se o fanzine se define como anarquista. Para Luis Eduardo F. Da Silva, entretanto, apesar de no início o fanzine ter uma estética mais ligada ao punk e ao anarquismo com o passar dos anos foi se incluindo um ponto de vista mais amplo (LEFDS - Entrevista feita no dia 4 de dezembro). Fábio Sefrin (Cachorrão) concorda e explica que, mesmo havendo a simpatia de alguns membros com o anarquismo, a ideia nunca foi se limitar isso: Acho que a idéia nunca foi o anarquismo em si mesmo, os integrantes do grupo eram anarquistas ou "anarco-simpatizantes" (no caso, eu), mas a idéia principal do CancroCitrico, desde o nome - explico isto já - sempre foi a propagação de idéias para a criação de debates (FS – Entrevista feita no dia 04 de dezembro)
Embora o fanzine, portanto, não tenha se limitado a questão do punk, tendo essa visão geral vamos nos subcapítulos seguintes seguir o roteiro de análise e tentar identificar imagens e mensagens que o caracterízem como uma mídia radical alternativa e também explicitem a construção da identidade punk em suas páginas. Luis Eduardo F. Da Silva lembra ainda que o Coletivo Cancrocítrico não terminou em 1993 com o término da publicação. O grupo teria continuado a realizar atividades até 1995 pelo ou menos e só não foram lançadas novas edições do fanzine por “falta de recursos”: Primeiramente o Coletivo Cancrocítrico não virou Gralha Negra. Como as produções dependiam de grana que a gente conseguia realizando eventos, com uma sobra de um show produzimos 2 ou 3 edições (algumas delas prontas aguardando recursos). Como as coisas eram feitas pelo correio, mandavamos ao longo de 1993, conforme sobra dinheiro para mandar para os vários contatos. Mesmo assim o Coletivo (que era mais que um fanzine) continuou organizando eventos, protestos, reuniões, etc até 1995 tenho certeza - e só não lançamos outra edição neste tempo por falta de recursos mesmo. Enquanto isto atuamos também no Gralha Negra, como membro do CC e particimos na realização de eventos, protestos, reuniões e na publicação do Grupo (LEFDS - Entrevista feita
no dia 4 de dezembro).
50 E Fábio Andrei Corrêa explica que o objetivo do coletivo foi tentar construir “um mundo melhor”. Além disso, teria sido uma ação ação “paralela” a realizada pelo coletivo anarquista Gralha Negra: Nosso grupo buscava transformar e construir uma realidade melhor, um mundo melhor, onde a liberdade e a igualdade se tornassem os elementos determinantes e mais valiosos dentro da sociedade.Sem dúvida nossa experiência no Coletivo serviu para a ação dentro do Gralha Negra, pois os dois projetos foram marcados por reuniões, protestos, intensos debates e organização de eventos. Mas repito, foram trabalhos e ações paralelas que nunca se confundiram.Vale destacar uma outra diferença: enquanto o Coletivo era formado por cinco integrantes fixos (na época que eu atuava), o Gralha Negra possuía um número relativamente maior de pessoas e, claro, uma rotatividade maior também desses integrantes. (FAC – Entrevista feita no dia 4 de dezembro).
Tendo essa visão geral do que foi o Coletivo Cancrocítrico nos deteremos nos próximos subcapítulos aos eixos centrais de análise desta pesquisa: O fanzine como mídia radical e a construção da identidade punk em suas páginas. 4.1 O FANZINE COMO MÍDIA RADICAL ALTERNATIVA Conforme detalhado na metodologia, esse capítulo tem por base as observações de Downing (2004) sobre a mídia radical alternativa. Nossa análise terá como foco a função, a audiência, o conceito de movimento social, o modelo anarquista socialista, e as imbricações e interpenetrações entre a mídia radical e a comunicação de massa. Quanto a função essa mídia pode se caracterizar como um meio de quebrar o silêncio e fornecer a verdade ou como uma forma de desenvolver uma perspectiva de trabalho contra-hegemônica que assinale a possibilidade de transformação social.
51 Figura 3 – Quadro de “livre interpretação”
Fonte: CC Nº5 – Ano 1 – Outubro Novembro – 1988
Notamos que o fanzine Coletivo Cancrocítrico trouxe na maior parte de suas edições uma notícia ou um artigo que procurava apresentar fatos novos sobre os temas: política, contra a corrupção do governo, contra o consumismo, contra o latifúndio e em defesa da questão dos sem terra e da questão indígena, contra o militarismo e o serviço militar obrigatório, na economia falavam sobre as crises financeiras e sobre a dependência do Brasil em relação aos Estados Unidos, a educação, falando por exemplo que o vestibular é uma farsa, a ecologia ou contra a energia nuclear devido aos seus custos ambientais.
52 Figura 4 – Artigo Folha de Londrina sobre o dia do índio
Fonte: CC Nº4 – Ano 1 – Outubro – 1988
A fonte dessas notícias era diversificada. Algumas eram retiradas da imprensa operária como é o caso do jornal Vida Bancária (número 1 e 3). Outros de jornais de maior circulação como Tribuna do Paraná (número 2), Correio de notícias (nº7) e Folha de Londrina que também foi citada(números 4, 5, 9 e 13). Outras publicações são mencionadas como a Revista Psicologia, Revista Brasileira de Tecnologia jan/fev. 93, Cadernos da Mulher, vol 1 – março de 80 (nº 9) e o jornal Pretexto do centro de Comunicação da UEL na edição número 6 com uma matéria que discute a legalização da maconha 31. Publicações alternativas são usadas com frequencia. Entre elas está o Jornal Lixo Moral que embora tenha o título de “jornal” foi considerado como um fanzine: “ele podia usar isso como um rótulo, mas.. na verdade era uma publicação alternativa, artesanal. O que na nossa opinião caracteriza um fanzine” (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
31 Lista completa de referências no Apêndice B.
53 Figura 5 – Tiras do Jornal Lixo Moral
Fonte: CC Nº14 – Ano 3 – Janeiro/Fevereiro – 1990
Nesse sentido, observamos que o Coletivo Cancrocítrico buscou com frequência apresentar notícias provenientes da mídia alternativa, da imprensa operária e também de jornais de maior circulação com o intuito de fornecer uma verdade ou disseminar essas informações que consideravam relevantes. Embora frequentes estes artigos artigos não ocupam a totalidade do fanzine. Ou seja, a publicação não se caracteriza apenas como informativa. Essas publicações eram obtidas de várias formas, pesquisando em revistas ou outros fanzines, indo a biblioteca ou até mesmo pelo contato direto com o sindicato como ocorreu nos anos em que Luis Eduardo F. Da Silva trabalhou no banco e pode aprofundar sua relação com o periódico Vida Bancária. E tem até um caso em que usamos uma matéria que pregava o controle de natalidade, mas usamos um material do governo. Porque para nós era interessante o controle de natalidade, mas o pessoal de uma entidade nos falou que aquela visão do controle de natalidade era a visão mais radical que subsidiou a ideologia do controle de um filho na china e vários controles mais extremos [..] E agente foi ampliando nossa visão assim. Colocava alguma coisa que dava alguma repercussão ai se retratava [..] porque nunca achamos ter a verdade absoluta. Estavamos aprendendo, era parte de um processo (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
Além destes artigos colhidos em diversas fontes outros textos eram produzidos pelos próprios fanzineiros e também tinham a função de contar uma
54 outra versão com relação a uma questão específica. É o caso do militarismo e o serviço militar obrigatório que foram criticados diretamente nas edições 3, 7, 13 e 16 por exemplo. Mas no caso do Coletivo Cancrocítrico em especial podemos observar também um traço forte da outra possível função da mídia radical alterantiva. A de criar uma perspectiva de trabalho contra-hegemônica: Porque o Cancrocítrico ele não era só um fanzine. Agente se baseou no Coletivo Libertário de São Paulo. E o objetivo mesmo era ter como base uma publicação, que era nossa voz, mas fizemos um monte de atos, incluindo shows, eventos, debates, encontros. Um trabalho coletivo mesmo. Tanto assim que ele nunca chegou a ser feito totalmente sozinho, de uma forma ou de outra sempre teve participações. E o objetivo era fazer mesmo reunir o máximo de pessoas possível. Primeiro teve o Marcos, depois o Jean entrou da Desordem e Regresso. E aí o Marcos saiu ficou só eu e o Jean um bom tempo. Depois ele saiu e aí foi entrando o Marcelo Melão, entrou o Ricardo(o Punk), o Fabio (Cachorrão), o Fabinho (Fábio Andrei), e o Marcelo (Padreco) (LEFDS Entrevista feita no dia 7 de novembro).
Assim, ao ler as 20 edições do fanzine de uma só vez como exercício de análise pode-se ter a impressão de se estar diante de um material essencialmente desconexo e desorganizado. Muitos são os autores e as fontes que contribuem para a composição do zine. Em alguns casos há até uma discordância sobre o mesmo tema. Como é o caso do diálogo estabelecido entre as edições 10 e 15. Na edição número 10 um artigo aponta que existem “falsos nacionalistas” e que o verdadeiro nacionalista não é aquele que acredita no governo, mas sim quem se importa com o seu país e atua para melhorá-lo. Na edição 15, entretanto, outro artigo discorda dessa posição dizendo que o nacionalista é aquele que acredita que o seu país é melhor em relação aos outros e faria tudo para obter vantagens mesmo sendo necessário prejudicar outros países. Outro exemplo mais claro ainda pode ser encontrado na edição número 6. Enquanto um artigo do assinado como “Jornal do C. De Comunicação da U.E.L. - Pretexto” discute a legalização da maconha. Logo ao lado outro artigo não assinado afirma que: “Em relação as drogas somos contra,
55 porque ela é uma fuga da realidade e da realidade não há fuga ela é apenas aparente” (CC, nº6, 1989). Como citamos no capítulo 3, esse zine também se caracterizou por criar uma rede de interlocutores como sugere Muniz (2010). Por meio de cartas os fanzineiros trocavam informações com outros
produtores do Brasil e um texto
escrito originalmente em um fanzine específico poderia ser republicado em outro e vice-versa. Nas páginas do Coletivo Cancrocítrico são citados vários autores e fanzines de diferentes cidades do Brasil. Entre elas estão Zine In Liberdade Nacional e zine Motim, os Cadernos anarquistas de Curitiba. Distribuidora H.C.R.X. de Fortaleza, Camisetas revolta consciente de Joinvile. Zine Barata e zine Absurdo de Santos. Grupo de Ação Feminista de Pelotas. Zine Problema de Mossoró. Subúrbio Zero zine (sem cidade). Movimento Punk B.H.. A voz do ódio e Devastazine de Natal, Buraco Podre de Cubatão. Informativo Consequencia
de Jabotão,
Pernambuco. Liga Brasileira de Esperanto de Brasília. Além de outros fanzines Londrinenses como Utopia, Proletários, Necrotério, Punkadaria 32. Dessa forma, o Coletivo Cancrocítrico, ligado aos punks que são caracterizados como antiautoritários não conformistas, não explicitava em suas páginas uma linha de pensamento única. E, parafraseando Khoury (2007), a produção de textos neste fanzine também foi heterogênea, feita por muitos, podendo haver inclusive discordâncias sobre a mesma questão. Uma característica que, apesar de serem publicações diferentes de contextos históricos diversos, lembra os jornais anarquistas dirigidos por Edgard Leuenroth, em especial o A Plebe33. Como um fanzine criado pelos Punks sua rede de contatos se estabelece principalmente com pessoas e indivíduos que se identificam com o punk ou as questões anarquistas, sempre muito próximas. Dessa forma, se levarmos em consideração as classificações dos movimentos sociais propostas por Downing (2004), as aspirações explicitas no Coletivo Cancrocítrico apresentam características que lembram os novos movimentos sociais como o movimento ecológico ou pacifista, por exemplo, que buscavam conscientizar para questões mais amplas: 32 Para mais informações ver Apêndice C - Outros fanzines citados no Coletivo Cancrocítrico. 33 Sobre o jornal anarquista “A Plebe” Khoury (2007) afirmou que se caracterizava como uma “compilação heterogenia difícil, feita por muitos" e sobre as publicações de Edgar Leuenroth (nascido em Mogi Mirim - SP) que “seus jornais funcionam como uma verdadeira rede tecida de contatos forjados na prática militante, de ideias elaboradas no dia-a-dia”.
56 De que ideias que estou falando? Todos sabem, são ideias que vem em fanzines no geral: “o que é a anarquia, como ela é para cada um, antidrogas, anti-governo, anti-racismo, anti-militar, anti-nuclear, anti-políticos, pela salvação da ecologia e muito mais.. (CC, nº8, 1989).
Além de falar contra o serviço militar, nas páginas do CC notamos diversas campanhas, provocações e tentativas de conscientização. Entre elas destacam-se os apelos contra o consumo de drogas nas primeiras edições. As mensagens pelo voto nulo. Entre outras que aparecem mais diluídas como a crítica ao consumismo, entre outras. Figura 6 – Antimilitarismo, antidrogas e pelo voto nulo
Fonte: CC Nº3 – Ano 1 – Setembro – 1988
Downing (2004) sugere também que a mídia radical alternativa se encaixa em um modelo anarquista socialista que busca fornecer resistência a múltiplas formas de opressão. Foi possível constatar que o CC se encaixa nesse modelo. Além das questões já citadas também foi abordado o racismo (número 9) e a questão feminina (números 13, 15).
57 Figura 7 – Nem opressores nem oprimidos
Fonte: CC Nº3 – Ano 1 – Setembro – 1988
Além disso, a mídia radical alternativa não existe de modo isolado, ela negocia constantemente com a grande imprensa e a imprensa alternativa. Como já comentamos o fanzine cita artigos tanto da imprensa alternativa quanto de jornais de grande circulação na cidade como é o caso do Jornal de Londrina. No caso da televisão entretanto a crítica parece ser mais ácida e direta. Ao menos é o que é possível constatar em algumas edições. Figura 8 – A Tevê nos dá ânsia
Fonte: CC Nº14 – Ano 3 – Janeiro/Fevereiro – 1990
58 No número 9 há um artigo sem título diz que além da pobreza, a Globo também envergonha o país. No número 14 um artigo, escrito por André Trivial, do Jornal Lixo moral, afirma que não se deve confiar na imprensa Brasileira. A edição número 16 critica a televisão e fala sobre os problemas imprensa oficial e sugere a imprensa alternativa como solução. No número 17 é ressaltada a importância da imprensa alternativa. E no número 19 a crítica se dá pelo viés econômico, devido a falência de muitas editoras, a imprensa alternativa é descrita como saída para quem quer continuar publicando mesmo com a crise financeira 34. A relação com o jornalismo impresso da cidade parece ter sido boa, uma exceção é descrita na edição número 18 em um artigo intitulado “O fanzine é revolucionário”. No texto é feito uma crítica ao jornalista Nelson Sato que teria dito que o editorial da edição 17 do CC foi maniqueísta ao criticar a grande imprensa. A resposta é a afirmação do fanzine como meio “revolucionário”: A necessidade do fanzine surge do questionamento sobre porque a publicação oficial lhe é, de certa forma, imposta. Os assuntos vinculados nestas publicações oficiais e a forma que são feitos, tendo o objetivo de chegar ua uma “possível verdade” ou simplesmente distorce os fatos para chamar a atenção dos leitores, tudo com o objetivo final de atingir determinados grupos de compradores em potencial desta publicação, o objetivo final dessas publicações é o lucro, as matérias e seus leitores são para eles apenas uma via de acesso ao lucro. Já o fanzine não compactua com essa hipocrisia. Ele surge como necessidade de se expressar. É, devido a isto, uma anti-imprensa oficial, que surge como alternativa de publicação. É revolucionário, pois é uma fulga das “imposições massificadoras” da imprensa oficial, ou melhor, da cultura e da educação “normal”/atual. A criação do fanzine se dá a partir de “suas” percepções, sua visão do mundo, contendo somente o que é importante para quem publica. E a baixa qualidade de alguns fanzines, alguns chegam a ganhar em qualidade – apesar da falta de recursos – da imprensa oficial, é compensada com muita sinceridade e muito sentimento. Trocar o fanzine por um espaço na imprensa oficial, é complicado, pois este ex-fanzineiro poderá até certo ponto manter, dependendo de seus objetivos e sua personalidade, um pouco de suas características anteriores, mas com o tempo elas “tendem” a dissipar-se, devido à rotina e à influência, e a fazer parte da filosofia da imprensa oficial. Esta troca de fanzine por um espaço da imprensa oficial só pode ser efetivada no caso de fanzine/fanzineiros com assuntos bem mais amenos, com o menor questinamento ou com este bem oculto, como os estilos de Poesia, Música e História em Quadrinhos, pois em casos de fanzines basicamente 34 O artigo sobre a falência das editoras foi escrito por Eno Teodoro Wanke, natural de Ponta Grossa, engenheiro escritor e poeta.
59 criticos como é o caso do C.C., esta troca significaria moderações desde o início, com total descaracterização do trabalho anterior (CC, nº 17, 1993, grifo nosso).
Embora nem todas as imbricações e interpenetrações possam ser aferidas com facilidade, uma vez que podem compreender a própria linguagem utilizada, neste caso acima essa relação fica implícita. No caso, tanto o jornalista profissional cita o veículo radical alternativo quanto é citado posteriormente. A relação acaba gerando uma argumentação sobre ambos os formatos midiáticos. Outro caso interessante da relação fanzine e imprensa de grande circulação se deu na edição número 11 datada como agosto, setembro de 1989 e dedicada a relatar o primeiro Fanzi-encontro de Londrina. Ao abrir o fanzine nos deparamos com a frase escrita em caixa alta circulando toda a parte interna da publicação: “Fora os falsos fanzines! Tirem o Mau do Animal”. Iniciava-se uma campanha pela desvinculação entre os fanzines e as revistas de grande circulação: Fortalecer a campanha FORA FALSOS FANZINES com um panfleto unificado e explicativo p;/ conscientizar os fanzineiros q não sabem sobre o assunto de revistas capitalistas q estão colocando “ZINES” dentro delas para lucrar (CC, nº11, 1989).
Além de pedir essa desvinculação e criticar o capitalismo que visa apenas o lucro, era ressaltado o orgulho de produzir uma forma de comunicação antagônica e livre de regras: Agente troca zine pelo correio de graça 1 pelo outro, tirando sarro do capitalismo, q só quer o lucro. Somos alternativos, independentes, livres. Em xérox ou offset. Livres de anunciantes, distribuidoras, contratos e lucros. Podemos ser pobres. Podemos ser amadores, pois amoador é quem faz por amor!! Nos orgulhamos disto. Somos muitos, uma verdadeira LEGIÃO (CC, nº11, 1989).
Sobre os “falsos fanzines” eles explicam nessa mesma edição que algumas revistas comerciais que tentariam confundir o público tentando se passar por fanzines ou incluindo um zine entre suas páginas para tentar aumentar a vendagem e sugerem que o fanzineiro não aceite esse vinculo:
60 “Querem te fazer de garoto propaganda do sistema capitalista, pra você trabalhar de graça para eles, divulgando de graça, no peito e na amizade. Tem revista que quer confundir, fazer pensar q ela é zine, coloca zine dentro e divulga a gente, e a gente recebe mil cartas de leitores que ñ tem nada a ver, gasta selo respondendo, e deixa de responder pra quem vale a pena” (CC, nº11, 1989)
4.2 O FANZINE E A QUESTÃO DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE A partir das observações sobre construção de identidade de classe buscamos criar um roteiro de análise que permitisse identificar de que forma os punks construíam sua identidade por meio dos fanzines. Para que exista essa identificação serão analisados três eixos centrais: as condições objetivas, o sentimento de pertença e a reivindicação de uma memória comum herdada. Com relação as condições objetivas o grupo precisa frequentar os mesmos locais e usar símbolos identificadores. Como detalhado no sub-capítulo 3.2, ao analisar o estudo sobre territorialidade de Neto (2004), os punks frequentavam em Londrina os mesmos espaços. Tendo destaque alguns bares e locais de reunião. Além disso, a forma de se vestir é um elemento da cultura punk. O vídeo documentário “Hard Money: Do It Yourself” da banda punk londrinense Hard Money relata que neste período o visual, embora sem sentido sem uma atitude revolucionária, é visto pelos punks como uma “carteirinha de identidade”: Abelha: - Visual é o seguinte, agente usa o visual assim tudo rasgado, cada um usa de um jeito. É tipo uma anti-moda. Que ninguém aqui acho que gosta de andar na moda. Sei lá, tentar um estilo próprio. Nosso e tal. Diferente. Para, também, agride. Cientista: - É um lance, antes de tudo, individual. Cada um se veste do jeito que quer. Do it Yorself. Faça você mesmo. Éder: - É o visual de um punk é uma identidade. Uma carteirinha. Cientista: - Uma carterinha de identidade. Apesar que tem uns que só curtem o visual e nada de ideologia nada de atitude. Acho que tem que ter tudo, tem que ter visual, ideologia e atitude. Éder: - O pricipal é atitude e ideologia né. Cientista: - É o principal é a atitude e ideologia, não se identifica um punk só pelo visual (SILVA, 2011).
Na imagem 9 do primeiro Fanzi-encontro de Londrina, datada de 1989, é possível identificar um visual punk diversificado. Em essência era composto por moicanos, camisetas com o símbolo do anarquismo, calça jeans, calças
61 rasgadas, coturnos, patches. Portanto os punks usavam elementos identificadores em suas roupas e acessórios. Figura 9 – Primeiro Fanzi-encontro de Londrina
Fonte: CC Nº11 – Ano 2 – Agosto/Setembro – 1989
Dessa forma, havia condições objetivas para a construção de uma identidade punk londrinense. Mas além dessas condições também é necessário que seja construído o sentimento de pertencer a um grupo particular e se diferenciar dos demais. Sejam esses outros grupos subalternos ou dominantes. Como nota-se nas legendas da figura 12 35 há consolidada no fanzine um sentimento de pertença em relação ao grupo punk. A palavra punk aparece várias vezes. Os punks portanto se reconheciam enquando membros de um grupo específico dentro da sociedade e que deveriam lutar para conquistar direitos sociais. Na maioria das vezes, entretanto, é destacado o fato de que os “conscientes” precisam se unir, ou seja, não é uma publicaçaõ voltada apenas para punks. Esse tipo de abordagem foi mais frequente nas primeiras edições do fanzine. Na edição número 1 estão destacadas as frases “só unidos conseguiremos algo” e “vamos reconquistar o que é nosso”. Na número 2 afirmam: “Não somos poucos, no Brasil existem mais de 5 mil punks e carecas cosncientes”. Nessa mesma edição ainda aparece a frase: “Não desista, lute pelos seus direitos”. No texto de abertura da edição número 3 explicam que o fanzine é uma espécie de compromisso e que é preciso superar as dificuldades: “não podemos deixar o sistema nos vencer”. Na 35 Página 67
62 edição 4 eles dizem que a revolta deve ser feita por “conscientes” e sugere a união dos “conscientes” sejam eles anarquistas, skins ou punks. Esse incentivo a ação é frequente, no número 14 lembram que todos devem atuar pela comunidade e no número 20 afirmam que é preciso ser “mais humano” para superar essa “situação horrível”. Notou-se que o Coletivo Cancrocítrico já surgiu com uma proposta de conscientizar sobre o que era o punk e afastar a imagem ruim do punk como bagunceiro ou arruaceiro. Sobre o nome do fanzine Luis Eduardo F. Da Siva explica: Cancrocítrico é uma doença que dá na laranja. Era comum aqui no Paraná e nas regiões que produziam laranja. Então ‘laranjas” eram as pessoas alienadas, que se deixavam levar pela situação, pela rotina, pelo senso comum; para nós estas pessoas eram como laranjas. E agente queria ser essa doença, esse cancro, que destruísse as laranjas, ou seja, conscientizar eles. Não matar, mas conscientizar (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
E foi em suas primeiras edições, principalmente que tentou construir e passar informações sobre o que era e o que não era o punk. Tentando explicar e também se diferenciar dos “laranjas”, “burgueses”, “políticos” e “fascistas”. Os “laranjas” são entendidos como “falsos punks”, “inconscientes” ou novas pessoas que se aproximaram do punk mas ainda não conhecem suas reais intenções e seu caráter transformador. No primeiro ano de publicação do zine entre julho de 1988 e julho de 1989, ano com maior frequencia de tiragens, essa questão parecia ser muito importante pois o fanzine em suas 10 primeiras edições recebe o subtítulo de “O anti-laranjas”. Na décima primeira edição esse subtítulo muda para “vontade de ser livre” e a cada edição é alterado, chegando até a ser suprimido a partir da edição número 15. Luis Eduardo F. Da Silva afirma que essa mudança se deu apenas “para variar” e que “não teve um motivo especial” (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro). Mas Luis Eduardo F. Da Silva confirmou que nesse início havia uma concepção idealizada sobre o que era o punk: Agente tinha uma paixão.. nós eramos punks e na nossa essência aquilo lá era uma verdade absoluta. Então na nossa ingênuidade não imaginavamos que tinha punk mesmo bêbado, junk, tinha punk drogado,
63 tinha punk bandido. Tinha vários tipos de punk.. Mas, na nossa paixão e, o que éramos, tínhamos essa proposta mesmo. Eramos contra mesmo a bebida, também contra o uso de drogas. Nos preocupávamos muito inclusive com a bebida, não gostavamos que o nome do punk se sujasse (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
Em sua primeira edição toda essa discussão é inserida logo no primeiro texto mas mesmo assim é ressaltada a tolerância com diferentes estilos musicais e de aparência. Ao explicar que nem todos são iguais, destaca-se o fato de que o importante seria ter uma “atitude a tomar” perante a “alienação”. Neste caso o punk é visto como um “movimento”, um “grupo revolucionário”: Este coletivo foi criado com a intenção de informar e mostrar certas coisas aos punks e também insentivar os “laranjas” que estão interessados e não recebem o apoio que merecem Do meu ponto de vista, o movimento punk não é um clube fechado com apenas mestres no assunto, é sim um grupo revolucionário a procura de mais guerrilheiros. Um punhado de pessoas, com boas intenções não mudarão o mundo de hoje para amanhã. E também contra as discriminações, ninguém é julgado só pelo tipo de som que ouve ou pelo visual que curte, ele não pode é ser manipulado, ser um simples consumidor ou mais um na moda deles. Chega de treta, já morreu muita gente boa de todos os lados (e os fascistas continuam a nos humilhar, matar gente inocente, os políticos cagam mais na nossa cara e nós engolimos quietos, os burgueses nem se fala). Nem todo mundo é igual, mesmo no Movimento Punk tem suas ramificações (estilos) porém todos temos de concentrar as forças para atacar pessoas certas, chega de alienação vamos acordar e descobrir o que está certo e o que está errado e discutir com amigos para ver qual atitude tomar (CC, Nº1, 1988, grifo nosso).
Nesta mesma edição outro artigo diferencia os punks de outros indivíduos subalternos que teriam se infiltrado mas que seriam na verdade arruaceiros que precisam ser combatidos e diferenciados dos verdadeiros punks: Muitos dizem que o Movimento Punk já era, mixou, não é bem assim, o Movimento só foi infiltrado por desocupados que só querem assustar e dar porrada nas pessoas erradas, viver perigosamente e andar chapado. Fazem o que os idiotas esperam que façam para caírem de pau em caras com boas intenções e ideias.
64 Aprenda a distinguir um punx36 de um arruaceiro (CC, Nº1, 1988, grifo nosso).
Dessa forma, além de se diferenciar dos “laranjas” também se coloca com frequência o repúdio aqueles que apenas querem se drogar. Distanciamse os “conscientes” e os “inconscientes”, “arruaceiros”. Na terceira edição do fanzine, por exemplo, esse tipo de diferenciação aparece em 4 dos 14 textos. Figura 10 – Punks ou englobados pelo sistema
Fonte: CC Nº3 – Ano 1 – Setembro – 1988
Nas edições seguintes o punk também é discutido e esse tipo de diferenciação aparece com frequência. No número 4, um artigo que se coloca contra o consumismo ressalta: “Punk não é só som e visual. É consciência e trabalho, porque não aceitamos o mundo injusto e utópico e tentamos mudá-lo”. Se coloca contra a violência e pela conscientização: “Da vontade de acabar com todos esses alienados, matar um por um. E se fizéssemos isso seremos diferentes deles? Talvez demoraremos para mostrar a todos que a vida deveria ser generosa”(CC, Nº4, 1988). No número 5 o artigo intitulado “O que é ser laranja” tenta identificar o que seriam esses “inconscientes”: Nasce cresce no meio de laranjas, sem olhar para os lados, pensando que é o melhor do mundo. Sendo o seu maior objetivo ser bem visto po todos, sempre na moda; Por quê? Um quer mostrar ao outro que é mais bonito, que é o burguês. Na maioria usam drogas para fugir de alguma coisa, para criar coragem de fazer algo, ou, para mostrar para o amigo que é muito 36 No fanzine CC a palavra Punk aparece escrita em mais de uma ocasião com a grafia “punx”
65 doido. Sobre televisão acham da massa. Seu pensamento sobre política; Qualquer um que for eleito está bom, eu não tenho nada a ver com isso. Falam sobre a bomba atômica como se fosse atingir só aos outros, os americanos, eles aqui não (quero mais que se exploda). Dizem não a consciência, porque acham que estão bem, eles estão bem o resto que se foda, para que mudar? Vai que piora! O seu único pensamento para o futuro, é Grana, fama, sexo, drogas, ou pelo ou menos uns goró. Os conscientes tem tudo cara de bundão (CC, nº5, 1988).
Nas próximas edições do fanzine essas questões permanecem. Na número 9, por exemplo, é possível encontrar mais uma definição do que seria o “movimento punk”. Embora o artigo tenha sido escrito por um correspondente da cidade de Cubatão, sua presença no fanzine e os demais artigos encontrados permitem confirmar que os punks londrinenses autores do Coletivo Cancrocítrico compartilhavam esta visão: O movimento punk surgiu em Cubatão não por modismo e sim para conscientizar as pessoas sobre as injustiças, violência, drogas, falsa liberdade, racismo, religião, perigo da energia nuclear. Lutamos por uma sociedade mais justa (igualdade com liberdade) o nosso movimento é anticomodismo (CC, nº9, 1989).
Outra identificação presente que os punks sustentam é com a classe trabalhadora. Em vários artigos são usados os termos antagônicos “explorados” e “exploradores”, “patrões” e “trabalhadores”. Desse modo, ao menos no discurso e em alguns casos até na prática tentam unificar suas lutas com o movimento operário. “Que para nós fazia parte da luta né, os sindicatos, os proletários né. Tanto que agente fez várias parcerias. Eles ajudaram agente bastante, em várias coisas” (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro). Vale lembrar que, neste período, conforme citado no capítulo 3.1, o país se encontra em fase de abertura política, após a ditadura civil e militar, e agitação política.
66 Figura 11 – Patrões e trabalhadores
Fonte: CC Nº3 – Ano 1 – Setembro – 1988
Em uma rápida análise, podemos constatar na imagem acima que os trabalhadores aparecem como escravos, presos por grilhões ao trabalho. Na parte de cima, o patrão aparece maior, imponente, usando terno e gravata. Os símbolos de cifrão em sua cabeça podem dar a entender que ele pensa apenas em lucro. Em suas mãos o chicote pode simbolizar seu poder de imposição em relação aos trabalhadores, também pode ser símbolo de injustiça social. Sob os seus braços aparece ainda o relógio de ponto a determinar a rotina de exploração, ou a jornada de trabalho, a que estão submetidos os trabalhadores. Como notamos, os punks buscam explicitar com frequência no fanzine suas concepções sobre o movimento punk e também se diferenciar de outros grupos “inimigos”. Além disso, outro elemento importante na construção da identidade é o fato de reivindicarem uma história comum herdada e partilhada no cotidiano, como se fizessem realmente parte de um mesmo grupo.
67 Figura 12 – Memória comum herdada e partilhada
Fonte: CC Nº1 – Ano 1 – Julho – 1988
A fotografia ilustra os punks londrinenses no ano de 1988 e contém as legendas: “Só unidos conseguiremos algo” e “Punx unidos jamais vencido”. Isso indica que nas páginas do fanzine estes jovens punks realmente procuravam se identificar a uma “história de luta” comum e que, por isso, deveriam permanecer “unidos” contra as injustiças e os outros grupos “inimigos” citados anteriormente. Além disso, nesta mesma edição aparece escrito de forma destacada em negrito e caixa alta: “vamos reconquistar o que é nosso” o que indica que essa união deveria ser uma “luta” para a conquista comum de direitos socialmente perdidos ou usurpados pela classe dominante ou o capitalismo. Essa ideia da necessidade de se unir é reforçada em outras edições: “Não somos poucos. Em todo Brasil, existe mais de cinco mil punks e carecas conscientes, lutando por um ideal melhor. [..] se unidos seremos mais fortes” (CC, nº2, 1988). Mas essa história comum partilhada também aparece de forma menos direta. Conforme lembra Pereira (2002) ao citar os estudos da socióloga
68 Helena W. Abramo37 os próprios punks fazem questão de mostrar que são provenientes do subúrbio (PEREIRA, 2002, p. 29). No CC essa tendência é confirmada. Na edição número 12, por exemplo, se auto-retratam como “filhos da miséria” e ressaltam o fato de que deveriam mudar este “destino cruel” que teriam os “filhos, dos filhos, dos filhos da miséria”(CC, nº12, 1989). Figura 13 – Punks e trabalhadores como vítimas do capitalismo e do Estado
Fonte: CC Nº20 – Ano 6 – Inverno – 1993
Além disso, existem também os artigos que buscam resgatar uma história partilhada como é o caso do artigo “Como surgem os primeiros sindicatos” onde a origem do movimento sindical é relacionada aos operários ingleses em 1830 (CC, nº12, 1989). Outro exemplo pode ser encontrado no artigo “500 anos. América latina. A especulação continua. 500 anos de todo tipo de barbárie” onde relatam o massacre ameríndio durante a colonização, dizem que a história oficial é a história apenas dos vencedores e que como fica comprovado historicamente não existe liberdade sob o capitalismo (CC, nº17, 1992). O fanzine Coletivo Cancrocítrico lança sua última edição, número 20, no ano de 1993 e neste mesmo ano inicia-se a publicação do fanzine Gralha Negra vinculado a um coletivo anarquista de mesmo nome. Nota-se que ao longo dos anos não se extinguiu a defesa direta da identidade punk porém nas últimas edições do CC os artigos que falavam diretamente sobre o que é ser punk se tornam menos 37 ABRAMO, Helena Wendel. Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Página aberta; ANPOCS, 1994. 172p.
69 frequentes e ganham mais espaço as histórias em quadrinho, as intervenções literárias e poéticas. Luis Eduardo F. Da Silva explica que isso se deu pois com o tempo eles se deram conta de que, embora o CC fosse uma publicação feita por punks, ela deveria atingir um público maior. Além disso, embora eles não tenham mudado, passou a existir uma tolerância maior com relação ao que é ser punk: Com o tempo vimos que o punk é algo muito amplo. Não é possível botar uma regra para se ser punk. Cada um vai ser punk do seu jeito mesmo. E o Cancrocítrico deixou de ser só esta voz.. paramos de escrever exclusivamente para o Underground. Tivemos que ir além, sair para fora do underground e encontrar outros tipos de pessoas. Parecia que agente não podia só ficar batendo nessa tecla de Punk, porque o universo era tão grande e agente não ia alcançar essas outras pessoas. Então podiamos continuar curtindo as nossas coisas, mas nossa publicação queria queriamos fosse além do Punk. E pessoas que não tem nada haver com Punk conhecessem-na. Tínhamos aquela postura sim, era underground sim, mas podia ser lido por qualquer um. [..] Agente queria fazer as coisas o mais aberto possível. Essa foi a proposta do Cancrocítrico desde o princípio, só que antes agente não conseguia sair disto, até perceber com o tempo e começamos a fazer (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
Mas se antes era buscado uma credibilidade tentando conscientizar os jovens sobre o que deveria ser o punk. Nessas últimas edições, notamos uma possível mudança de estratégia. Essa busca de credibilidade pode ter sido almejada pela própria reformulação da linguagem do fanzine. A tentativa de deixá-lo mais acessível, não para obter lucro, mas sim para divulgar sua mensagem ao máximo de pessoas possíveis. Talvez por isso, e pela própria aprendizagem que os punks tiveram produzindo fanzines, inseriu-se um maior espaço literário e a formatação gráfica se tornou mais padronizada. Sim, agente começou a se arriscar. [..] eu tinha, tinha algumas coisas feitas, inclusive letra de música, poesia, conto. Mas você não tinha aquela coragem de mostrar e pensava: “não, não está bom”. E com o fanzine agente começou a se arriscar e se gostar gostou... se não gostou eu aprendo. [..] a nossa autoestima aumentou.[..] E isso é importante. E ler mais. Com certeza. O nosso nível de leitura também começou a aumentar porque.. [..] na minha formação o que mais me estimulou a conhecer melhor a língua portuguesa mesmo foi trocar cartas, foi produzir fanzines, foi escrever textos, escrever poemas. Para escrever cartas precisamos
70 lapidar bastante a nossa escrita, como nós não iriamos estar presentes para esclarecer tínhamos que ser bem claros no nosso texto. Não deixar nada ambíguo porque isso poderia [..] causar até mesmo um constrangimento. [..] e não queria que tivesse erros de português. Aí consultava, por exemplo, um dicionário. O nosso vocabulário foi aumentando e agente foi lendo outras coisas para procurar matérias. [..] Eu aprendi muito mais da língua materna, da cultura mesmo fazendo fanzine do que na escola. Foi uma grande escola fazer fanzine e ser alternativo, melhor coisa (LEFDS - Entrevista feita no dia 7 de novembro).
Já com relação ao anarquismo, esse tema sempre foi presente. O primeiro dia do Fanzi-encontro de Londrina, inclusive, teria se tornado uma “reunião anarquista” com definição de uma “campanha pelo voto nulo”(CC, nº11, 1989). A edição número 8 cita o ativista e teórico anarquista Mikhail Bakunin e fala da necessidade humana em buscar realização na solidariedade, ou seja, em outros homens (CC, nº8, 1989). No número 13 é citado um longo artigo do livro “Solução anarquista para a questão social” escrito pelo anarquista italiano Errico Malatesta, que chegou a residir na argentina, no qual ele aponta a má organização social como a origem dos males sociais que assola a humanidade (CC, nº13, 1990). Há artigos que discutem o que seria o anarquismo e outros que apenas o exaltam como uma utopia necessária. Apesar disso, o Coletivo Cancrocítrico não se coloca como um fanzine anarquista, nem define o punk como anarquista. Essa é uma questão que parece estar sendo discutida nesse meio durante esse período. Na edição número 11, por exemplo, um artigo assinado por “Cientista” afirma que o anarquismo é algo muito “íntimo” e que deve se manifestar individualmente “do interior para o exterior”. O artigo é encerrado com a afirmação: “direciono tudo isso aos outros, digo principalmente a mim, pois ainda não me considero um anarquista”(CC, nº11, 1989). Dessa forma a impressão é que nesse período já há um interesse em se aprofundar e se dedicar mais as questões libertárias. E que se considerar anarquista seria uma grande responsabilidade demandando dedicação 38. Já na edição número 1 do zine Gralha Negra o artigo intitulado “Punk. O outro lado da moeda” destaca o punk como sendo “o início de uma 38 Na entrevista de Luis Eduardo (Cientista) ao rádio documentário Grito primal ele afirma: “Um cara para andar com camiseta de banda de A de Anarquia aqui em Londrina e agente visse, ia conversar com o cara e falava: Meu, você sabe o que é isso?”. Agente não impunha, mas agente tinha tanta paixão por aquilo lá que não queria que fosse distorcido” (SOUZA; CHICARELLI, 2012)
71 “caminhada para sua auto-identificação”. Dessa forma, toleram-se particularidades e diferenciações na forma de se identificar como punk porém com o “amadurecimento ideológico” a tendência seria assumir, cada qual com sua particularidade, “uma postura de luta unitária” (GRALHA NEGRA, nº1, 1993). Tendência que parece se seguir nos anos seguintes com uma tentativa de manter um movimento punk mais ligado ao anarquismo e as salas de reunião, conforme comentamos ao final do subcapítulo 3.2. Figura 14 – Capa do fanzine Gralha Negra
Fonte: Gralha Negra Nº1 – Ano 1 – Junho – 1993
72 CONCLUSÃO Por meio deste estudo constatamos que o fanzine “Coletivo Cancrocítrico” ao longo dos seis anos em que foi publicado modernizou suas técnicas e, nas últimas edições, passou a usar de forma mais frequente as imagens, com maior padronização gráfica e a adoção de sessões específicas como “expediente” ou “cartas”. Abriu ainda mais espaço para a literatura, ilustrações e para a poesia. O objetivo principal dessa mudança era atingir um público maior. Além disso, o fanzine manteve uma relação constante com a mídia alternativa, os jornais operários e até com os veículos de grande circulação da mídia convencional. A crítica maior é feita com relação à televisão, tida essencialmente como um meio de alienar as pessoas. Já o fanzine é visto como um modelo comunicacional revolucionário e antagônico em relação aos jornais de grande circulação. Na prática constatamos que no fanzine CC estão inseridas as principais características sugeridas por Downing (2004) sobre mídia radical alternativa. Quanto a função ele tentou fornecer a verdade mas também procurou consolidar uma perspectiva de trabalho contra-hegemônica por meio de uma rede de contatos e pela organização coletiva. Embora o CC tenha publicado com frequência notícias, tentado destacar outra visão dos fatos e os principais problemas que estavam ocorrendo no momento, ele não foi um veículo exclusivamente informativo. Em suas páginas constavam muitos artigos de opinião e também, como citamos, abriu espaço para as ilustrações e a literatura. Além disso, como podemos notar uma multiplicidade de autores demonstra que havia uma estética particular que uniam os fanzineiros em prol de uma difusão da comunicação alternativa. E segundo a entrevista de Luis Eduardo F. Da Silva o próprio CC era concebido de forma coletiva e seu formato foi baseado no coletivo libertário de São Paulo. Sendo o zine o veículo de comunicação do coletivo que também organizou atos, shows, discussões e eventos. O fanzine se inseriu no modelo socialista anarquista discutindo e combatendo múltiplas formas de opressão. Em suas páginas apresenta uma forte
73 característica dos movos movimentos sociais citada por Downing (2004) que é a busca por uma atuação mais ampla que vê a conscientização como fator fundamental para a transformação social39. Nas páginas do CC constam diversas campanhas entre as quais podemos destacar: o antimilitarismo e contra o serviço militar obrigatório, pelo voto nulo, contra o consumismo, contra o racismo e em defesa da ecologia. Discute ainda as questões do feminismo e anarquismo. Embora seja citado como um fanzine criado para propagar a filosofia anarquista40 o fanzine não se apresentou em nenhum momento como um fanzine anarquista nem definiu o punk como anarquista. Mesmo assim, as referências ao anarquismo são frequentes. Os anarquistas Bakunin e Malatesta chegam a ser citados mas não consta no fanzine uma concepção sobre o anarquismo muito elaborada. Notamos apenas que é um assunto tratado com certa seriedade ou talvez até admiração. Há uma discussão constante o que é o anarquismo e como poderia atuar o anarquista no seu cotidiano para transformar a sociedade. Em relação à identidade punk, foi possível constatar que havia condições materiais necessárias para a construção desta identidade no ambiente londrinense e o fanzine colaborou para isto. Estes jovens frequentavam os mesmo locais e utilizavam elementos identificadores por onde passavam. A partir disso, constatamos que o zine CC foi um meio pelo qual os punks tentaram construir uma “identidade punk” londrinense. Afirmando com frequência que o punk não significa bagunça e se colocando, por exemplo, contrário ao uso de drogas, ações que exigiram muitas vezes maior conscientização e atitude. Ao construir essa imagem, do punk "consciente", procuraram se diferenciar dos "laranjas", “políticos” e “burgueses”. O movimentou buscou se aproximar dos "explorados", “miseráveis” e "trabalhadores". As referências nos levam a crer que todos esses “explorados” deveriam se unir para que a mudança fosse possível. Eis aqui uma das observações de Thompson (1987, v.1, p. 10) sobre a conexão entre transformação social e construção de um grupo (classe social) com 39 Acreditamos entretanto que seria necessário um estudo mais aprofundado sobre movimentos sociais antes de classificar o punk ou o fanzine punk como um movimento social. 40 (AVANCINI; ITO, 1994, p. 47)
74 identidade, pois estes “sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõe) aos seus” a partir de experiências comuns partilhadas. Durante a pesquisa, observamos que as referências ao punk são feitas como um movimento que possui uma história de luta e que deve atuar para recuperar ou conquistar os direitos sociais perdidos e criar um mundo mais humano, sem injustiças sociais. Nas últimas edições do fanzine, entretanto, notamos que os textos e artigos que discutiam exclusivamente o que é ser punk se tornam menos frequentes, o subtítulo “o anti-laranjas” deixa de ser aplicado desde a décima primeira edição. E, ao menos de acordo com Luis Eduardo F. Da Silva, se tornou mais visível que existiam punks com concepções diferentes sobre o que é ser punk e que não queriam impor regras para ser punk. Com o passar das edições foi-se aprimorando as técnicas de produção e adotou-se uma maior padronização gráfica. As ilustrações, histórias em quadrinhos e poesias se tornam mais frequentes pois o fanzine passou a tentar extrapolar a coletividade punk e se aproximar também de outras pessoas que não eram punks. Por fim, o fanzine encerra sua trajetória ao deixar de ser produzido para dar lugar à publicação do zine do coletivo anarquista "Gralha Negra" que parece buscar uma atuação mais organizada e periódica, priorizando reuniões, manifestações e atividades mais politizadas. Um estudo sobre o “Gralha Negra” merece ser produzido em pesquisas futuras. Seria interessante compreender como se forjou a identidade punk e qual relação se estabeleceu entre punk e anarquismo em Londrina nos anos seguintes tendo em vista que os anos 90 foram um período de diversificação do punk, surgimento de tendências como o straight edge e hardcore. De qualquer forma, acreditamos que as questões levantadas no início dos estudos aqui reunidos foram respondidas ou pelo menos referendadas em observações sobre as transformações do Punk em Londrina. Uma cultura que resiste aos anos, às pressões e aos preconceitos dentro e fora da academia.
75 Esperamos que haja convergência entre este trabalho e outros já produzidos em anos anteriores para reforçar a importância destas produções impressas alternativas que, mesmo distante das técnicas e dos métodos desenvolvidos em um curso de Comunicação Social, ainda sim demonstram características pertinentes, populares, comunitárias, solidárias e contestadoras.
76 REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Carlos; LEÃO, Tom. Rio Fanzine. Rio de Janeiro: Record, 2004 AVANCINI, Carolina; ITO, Cynthia. Fanzines punks: uma análise do panorama em Londrina. Londrina, 1994. 61 p. Monografia de Conclusão do Curso de Comunicação Social - Jornalismo - da Universidade Estadual de Londrina. (Mimeog.) AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Malandros desconsolados: o diário da primeira greve geral no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005. BAÍA, Deylane Corrêa Pantoja. "Maniçoba sem aquilo!: Um estudo de novas práticas alimentares entre os jovens straight edges de belém do Pará". In: XI CONGRESSO LUSO AFRO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. 2011. Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1308355801_ARQUIV O_deylanebaia.pdf> . Acesso em: 04 ago. 2012. BARBERO, J. Martín. Communication, Culture, and Hegemony: From the media to Mediations (Newbury Park: Sage, 1993), pp. 120-147. BENJAMIN, Walter – “Sobre o Conceito de História”, in: Magia e Técnica, Arte e Política - Obras Escolhidas, São Paulo: Brasiliense, 1994, Vol. I, p. 229-230 BILHÃO, Isabel. Identidade e trabalho: Uma história do Operariado PortoAlegrense(1898-. 1920). Londrina: EDUEL, 2008. BONI, Fernanda Aiex; PIVETA, Patrícia Rosana. TV Coroados de Londrina: resgate histórico e visual da primeira emissora de televisão do interior do Brasil. In: 6º ENCONTRO NACIONAL DA REDE ALFREDO DE CARVALHO. 2008. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://paginas.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/6o-encontro-2008-1> . Acesso em: 04 ago. 2012. BORDIEU, Pierre. A dominação masculina revisitada. In: LINS, Daniel (org.). A Dominação masculina revisitada. Campinas: Papirus, 1998. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares. In Ferreira, Jorge e Delgado, Lucilia D. A. N. (orgs.). O Tempo da Ditadura: Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX. 2ª Ed. - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007. - (O Brasil Republicano; v. 4 ). p. 13-42 BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004 BIVAR, Antônio. O que é punk? . São Paulo: Brasiliense, 2007.
77 CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008. CHINEM, Rivaldo. Jornalismo de Guerrilha: a imprensa alternativa brasileira da ditadura à internet. São Paulo: Disal, 2004. CMI BRASIL. Odeia a Mídia? Seja a mídia. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/01/409346.shtml>. Acesso em: 07 out. 2012. DEBÉRTOLIS, Karen Silva. Brasil Mulher: Joana Lopes e a imprensa alternativa feminista. 2002. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. DOWNING, John D. H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. 2ª edição. São Paulo: editora Senac, 2004. FERREIRA, Jorge. O Governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In Ferreira, Jorge e Delgado, Lucilia D. A. N. (orgs.). O Tempo da experiência democrática: Da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. 4ª Ed. - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2011. - (O Brasil Republicano; v. 3). p. 343-404 FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: Os pilares básicos da repressão. In Ferreira, Jorge e Delgado, Lucilia D. A. N. (orgs.). O Tempo da Ditadura: Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX. 4ª Ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007. - (O Brasil Republicano; v. 4). p. 167-205 GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2007. KHOURY, Yara Aun. “Edgard Leuenroth: Uma Vida e Um Arquivo Libertários".In: Revista Brasileira de História, ANPUH/Editora Unijuí, vol. 17, no. 33, 1997, pp. 112149 KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: Nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: EDUSP, 2001. LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. O campo da comunicação: reflexões sobre seu estatuto interdisciplinar. In. Revista Usp. São Paulo: Edusp, n.48, 2000/2001, p. 46-57. ________________________________. Pesquisa em Comunicação. 7ªed. São Paulo: Edições Loyola, 2003. ________________________________. Uma metodologia para a pesquisa das mediações In. Coletânea: mídias e recepção/2000. Porto Alegre: UNISINOS/COMPÓS, 2000. MAGALHÃES, Henrique. O que é fanzine. São Paulo: Brasiliense, 1993.
78 ____________________. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de fantasia, 2003. MCCAIN, G.; MCNEIL L. Mate-me Por Favor: Uma história sem censura do punk. Porto Alegre: L&PM, 2 vol. 2004. MOREIRA, Gastão. Botinada: A origem do punk no Brasil. Documentário. São Paulo: ST2 Music, 2006. DVD. 110 min. MORETZSOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos: Jornalismo e cotidiano: Do senso comum ao senso crítico. Rio de Janeiro: Revan, 2007. MUNIZ, Cellina Rodrigues. Na desordem da palavra: Fanzines e a escrita de si. In: MUNIZ, Cellina Rodrigues (org). Fanzines: autoria, subjetividade e invenção de si. 2010. Fortaleza: Edições UFC, 2010. NEGRO, Antonio Luigi; SILVA, Fernando Teixeira. Trabalhadores, sindicatos e política (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilha de Almeida Neves. O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ai golpe civilmilitar de 1964. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. (O Brasil Republicano; v. 3) NETO, Nécio Turra. Enterrado vivo: identidade punk e território em Londrina. - São Paulo: Editora UNESP, 2004. O´HARA, Craig. A filosofia do punk: muito mais do que barulho. São Paulo: Radical Livros, 2005. OLIVEIRA, Antonio Carlos. Os fanzines contam uma história sobre punks. Rio de Janeiro: Achiamé, 2006. OLIVEIRA, Maria M. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis, Vozes, 2007. OLIVEIRA, Roberto Camargos de . Do punk ao hardcore: elementos para uma história da música popular no Brasil. In: Temporalidades: revista de História. FAFICH, UFMG. v. 3, p. 127-140, 2011. OLIVEIRA, Valdir da Silva. O anarquismo no movimento punk: Cidade de São Paulo, 1980- 1990. Dissertação de Mestrado em História – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007. PEREIRA, Maria Solange. Os grupos punks no Brasil: Linguagem social e expressão de identidade juvenil. 2002.59 f. Trabalho de conclusão de curso (gradução) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina. 2002. POLLACK, Michael. A clase operária no Brasil, 1889-1930, documentos. São Paulo: Alfa Omega, v1. 1979
79 PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. RODRIGUES, Edgar. Pequena História da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Editora Insular, 1997. ROSZAK, Theodore. A Contracultura. Reflexões sobre a sociedade tecnocrática e a oposição juvenil. 2 ed. Pretópolis: Vozes, 1972. SALAS, ANTONIO. Diário de um skinhead: Um infiltrado no movimento neonazista. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006. SANTOS, Josiane Rodrigues dos. Programa Habitar Brasil II na zona norte de Londrina: O Remanejamento da população do fundo de vale da microbacia do Córrego Sem Dúvida. 2010. 90 folhas. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Centro de Ciências Exatas – Departamento de Geografia – Universidade Estadual de Londrina, 2010. SAVAGE, Jon. A Criação da Juventude: como o conceito do teenage revolucionou o século XX. Rio de Janeiro: ROCCO, 2009. SILVA, Luis Eduardo F. Hard Money: Do It Yourself. Documentário. Lab Rec, 2011. DVD, 110 min. SOUZA, Fagner Bruno; CHICARELLI, Lucas de Godoy. Grito Primal: Punk Londrina. Rádio Documentário. 58 min. 2012. CD.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e terra, 3 vol. 1987. _________________________. A miséria da Teoria, o planetário dos erros. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1981. TRIGUEIRO, Osvaldo. O Estudo científico da comunicação: Avanços teóricos metodológicos ensejados pela escola latino-americana. PCLA, Paraíba - Volume 2 Número 2: janeiro / fevereiro / março 2001. Disponível em: <http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista6/artigo%206-3.htm>. Acesso em: 18 set. 2012.
80
APÊNDICES
81 APÊNDICE A Quadro das edições analisadas Fanzine CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* CC* Gralha Negra
Número Ano Ano Mês 1 1 1988 07 2 1 1988 08 3 1 1988 09 4 1 1988 10 5 1 1988 10 11 6 2 1989 01 02 7 2 1989 04 8 2 1989 05 9 2 1989 06 10 2 1989 07 11 2 1989 08 09 12 2 1989 10 11 13 3 1990 01 02 14 3 1990 04 05 15 4 1991 Verão 91 16 4 1991 Inverno 91 17 5 1992 Inverno 92 18 6 1993 Inverno 93 19 6 1993 Inverno 93 20 6 1993 Inverno 93 1
* Coletivo Cancrocítrico
1
1993
Junho
Desc. Mês Junho Agosto Setembro Outubro Outubro Novembro Janeiro Fevereiro Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Janeiro Fevereiro Abril Maio Verão 91 Inverno 91 Inverno 92 Inverno 93 Inverno 93 Inverno 93
Formato A4 Horizontal – 2 dobras A4 Horizontal – 2 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 3 dobras A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra A4 Horizontal – 1 dobra
82 APÊNDICE B Citações e outras referências usadas no fanzine Fanzine
Nº Ano Ano
Cacrocítrico 9
Cacrocítrico 10
Cacrocítrico 11
Cacrocítrico 12
Cacrocítrico***13
Cacrocítrico 14
Desc. Mês
Referências ou outras citações Informativo Libertário Buraco Podre (Cubatão – SP) Jornal Cadernos da Mulher, Vol. 1, Março de 80 Coletânia Kaatinga Caos (João Pessoa – PB) Lagepodre 2 1989 Junho Dino – Mov. Punk BH (Belo Horizonte – MG) Folha de Londrina – 06/03/1988 Jornal “da nossa gente” José Edinilson, Espunk Daniel HDR P.A. - RS LIDAS (Liga de Defesa do Meio ambiente e da Saúde), 2 1989 Julho (São Paulo – SP). Cientista/Jean do Coletivo Cancrocítrico Paula Prata – Zine Absurdo (Santos - SP) Dino – Zine Realidade da Humanidade (Belo Horizonte – MG) Agradecimentos: Barracão das artes e ofícios 2 1989 Agosto Setembro Agradecimentos: Departamento de Cultura de Londrina Agradecimentos: M & C Cópias Agradecimentos: Nelson Sato – Folha de Londrina Dil Márcio (Ilustração) Henrique – Zine Problema (Mossoró – RN) Paulo Sá Condepaz** Henfil 2 1989 Outubro Novembro Agradecimentos: Barracão das artes e ofícios Agradecimentos: Departamento de Cultura de Londrina Agradecimentos: M & C Cópias Agradecimentos: Heróis Anônimos Rei 89/90 (Ilustração) Cientista Paula Prata – (Santos – SP) Jaime Vieira (PR) Anita Costa Prado (SP) Mok iti Ok ada – Folha Rural – Folha de Londrina Horda nº3 3 1990 Janeiro Fevereiro Dina Lida Kinoshita e Inah Maria Rolin – Condepaz** Errico Malatesta (livro Solução Anarquista para a questão Social) Apoio: Departamento de Cultura de Londrina Apoio: Barracão de Artes e Ofícios Apoio: Stúdio Heróis Anônimos REI Produções Apoio: M & C Cópias André - Jornal Lixo Moral (Caçapava – SP) Informativo Consequência (Jabotão - PE) Apoio: Departamento de Cultura de Londrina Apoio: Barracão de Artes e Ofícios Apoio: M & C Cópias Apoio: Stúdio Heróis Anônimos Expediente: Responsáveis: Jean e Cientista 3 1990 Abril Maio Expediente: Montagem: Cientista e Heber Expediente: Textos sem assinatura: Cientista Expediente: Composição: TEC – 225113 Colaboradore: André, João e Heber Magrão – Claudecir Elias Calheiros Roberto Prado
83 Fanzine
Nº Ano Ano Desc. Mês
Cacrocítrico 15
4
1991 Verão 91
Cacrocítrico 16
4
1991 Inverno 91
Cacrocítrico 17
5
1992 Inverno 92
Cacrocítrico 18
6
1993 Inverno 93
Referências ou outras citações Expediente: Responsáveis: Jean e Cientista Expediente: Montagem: Cientista e Heber Expediente: Composição: Sinésio Expediente: Textos sem assinatura: Cientista Expediente: Colaboradores: João, André Trivial, Abelha, Pacheco, Carlão, Jorge, Júlio César, Zizo, Emerson Apoio: M & C Cópias Rogério (zine Utopia) Nenê Altro (SP) Marcelo R.G.Salles (SP) Edy (FDR) – (GO) Sônia Morel Liga Brasileira de Esperanto (Brasília – DF) Anne (RFA) Anita C. Prado – SP Cartilha de planejamento da Fundação Victor Civita em convênio com a BEMFAM e o UNFPA André - Jornal Lixo Moral (SP) Expediente: Responsável: Cientista Expediente: Montagem: Jair Godoy e Cientista Expediente: Composição: Sinésio Expediente: Impressão: Gráfica Off Cópias Expediente: Colaboradores: Zizo, Bernardo, Emerson, Matheus Expediente: Apoio Cultural: M & C Cópias Expediente: Ilustrações: Henry, Jaepelt, Julio Cesar Evangelista Expediente: Ilustrações: Daniel, Dáblio, Daniel Azulay e outros Maurício de Leon Ézio Flávio Bazzo – Editora Lilith (Brasília – DF) Poesias: Henry Jaepelt (SC), Valter Barbosa do Amaral (SP), Poesias: Edvan Dias (GO), Cientista, Poesias: Matheus Hermany (PR) e Bernardo Pusch (PR) André Trivial - Jornal Lixo Moral Carta: Léa Malta (PE) Cooperativa Tinta Negra – Augusto e Nenê Altro Expediente: Responsáveis: Cientista, Ricardo, marcelo e Co-produtores Expediente: Montagem: Heber e Cientista Expediente: Composição: Digigraf Expediente: Revisão: Carolina de Faria Avansini e Cyntia Ito Machado Expediente: Ilustração: Beto Expediente: História em quadrinho: Flávio Calanzas Expediente: Apoio especial: Banda Hardmoney* Expediente: Coprodutores: Maurício Leon (Pelotas – RS), Anne (Cambuquira – MG), Nenê Altro (São Paulo – SP), Léa Malta (Recife – PE), Paulo César Wii (São josé – SC), e Cesar Nicolodi (Garibaldi – RS). Poesias: Marcelo da Silva, Cláudio Feldman, Karen Silva Debértolis Expediente: Responsáveis: Cientista, Marcelo Pacheco Expediente: Responsáveis: Ricardo Punk , Cachorrão e Fabinho Expediente: Montagem: Jair Godoy Expediente: Composição: Digilaser – Londrina Expediente: Revisão: Cyntia e Carolina Rubens Caruso – Boletim IOB Antonio Carlos de Oliveira – Biblioteca e arquivo do CCS-SP Nenê Altro (SP)
84 Fanzine
Nº Ano Ano Desc. Mês
Cacrocítrico 19
Cacrocítrico 20
Gralha Negra 1
Referências ou outras citações Expediente: Responsáveis: Fabinho, Ricardo Punk, Cientista Expediente: Responsáveis: Marcelo Padreco e Cachorrão Expediente: Revisão: Cyntia e Carolina Expediente: Impressão: Gráfica Off Cópias 6 1993 Inverno 93 Expediente: Composição: Digilaser – Londrina Expediente: Apoio especial: Banda Hardmoney* Marcelo da Silva Eno Teodoro Wanke Expediente: Responsáveis:Ricardo Punk, Cachorrão Expediente: Responsáveis:Marcelo Padreco, Fabinho e Cientista Expediente: Revisão: Carolina e Cyntia Expediente: Montagem: Jair Godoy Expediente: Composição: Digilaser – Londrina Expediente: Apoio especial: Banda Hardmoney* Expediente: Impressão: Gráfica Off Cópias 6 1993 Inverno 93 Cláudio Márcio - MG Denize Del´Osbel - RS Maria (CAF) - SP Nenê Altro (SP) Aforismas: Paulo Cesar Will – SC, Carlos A. Nolli de Faria - PR Poesias: Cientista, Lourival Farias Sodré – SP, Gilvany B. Gomes – DF J. Eddson Santy – CE PORATIM – Em defesa da causa indígena (Brasília - DF) 1 1993
Cientista, Júnior/89 * Londrina ** Conselho paulista em defesa da paz *** Esta edição tem todas as matérias assinadas
85 APÊNDICE C Outros fanzines citados no Coletivo Cancrocítrico
Fanzine
Nº Ano Ano
Desc. Mês
Cacrocítrico
1
1 1988
Julho
Cacrocítrico
2
1 1988
Agosto
Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico
3 4 5 6 7
1 1 1 2 2
Cacrocítrico
8
2 1989
Maio
Cacrocítrico Cacrocítrico
9 10
2 1989 2 1989
Junho Julho
1988 1988 1988 1989 1989
Cacrocítrico
11
2 1989
Cacrocítrico Cacrocítrico*** Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico Cacrocítrico
12 13 14 15 16 17 18 19 20
2 3 3 4 4 5 6 6 6
Gralha Negra
1
1 1993
1989 1990 1990 1991 1991 1992 1993 1993 1993
Zines Proletários* Utopia* In Liberdade Nacional (Curitiba) Necrotério* Motim (Curitiba) Entulho Social* Devastazine (Natal – RN) Punkadaria* A voz do ódio (Natal – RN) Buraco podre (Cubatão – SP) Cadernos Anarquistas (Curitiba) Revolta Consciente Revolta Consciente
Setembro Outubro Outubro Novembro Janeiro Fevereiro Abril
Barata (Santos - SP) Problema (Mossoró - RN) Subúrbio Zero Espunk
Absurdo (Santos - SP) Realidade da Humanidade (Belo Horizonte – MG) Agosto Setembro MAU (São Paulo – SP) Paradoxo* Utopia* Paradoxo* Outubro Novembro Devastazine (Natal – RN) Janeiro Fevereiro Abril Maio Utopia* Verão 91 Inverno 91 Inverno 92 Inverno 93 Inverno 93 Inverno 93
* Londrina
86 APÊNDICE D Bandas citadas no Fanzine Fanzine Cacrocítrico Cacrocítrico
Nº Ano Ano 1 1 1988 2 1 1988
Desc. Mês Julho Agosto
Cacrocítrico
3
1 1988
Setembro
Cacrocítrico
4
1 1988
Outubro
Cacrocítrico
5
1 1988
Outubro Novembro
Cacrocítrico
6
2 1989
Janeiro Fevereiro
Cacrocítrico
7
2 1989
Abril
Cacrocítrico
8
2 1989
Maio
Cacrocítrico
9
2 1989
Junho
Cacrocítrico
10
2 1989
Julho
Cacrocítrico
18
6 1993
Gralha Negra
1
1 1993
Bandas Desordem e Regresso* Desordem e Regresso* Devastação (Natal - RN) Karne Krua Teratus 2000 (Curitiba) Retorno Espiral Regime Karcerário* Desordem e Regresso* Anti-Krise Lepra* Entulho Social Ritual Mecanic Convulsão* Síndrome de Abstinência (Santo André - SP) Câmbio Negro (Recife - PE) SS 20 HC Nadezna Desgraça (SP) Predator (DR) Carniphicina Teratus 2000 (Curitiba) Amotinados (Curitiba) Desunidos (João Pessoa - PB) Delinquentes (Belém – PA) Voto de pobreza (Barcarena – PA) Morte Social (Belo Horizonte – MG) Ataque Epilético (Belo Horizonte - MG) Desordem Armada A.I.B. Desunidos Discarga Violenta Face Crônica Via Sacra Delinquentes (Belém – PA)
Inverno 93
* Londrina Não foram citadas bandas nas edições 11 a 17, 19 e 20
Repulsive (São Paulo) DZK (São Paulo) Hard Money* Galaxi Trio*
87 APÊNDICE E Roteiro de análise 1. O fanzine como mídia radical alternativa? 1.1. Quanto a função: 1.1.1 Quebrar o silêncio e fornecer a verdade 1.1.2. Desenvolver uma perspectiva de trabalho contra-hegemônica 1.2. Quanto a audiências e movimentos sociais 1.2.1. Audiência ativa 1.3. O punk como movimentos social? 1.3.1. rebelião das massas de forma insensata 1.3.2. influenciar o poder dominante por ações diretas 1.3.3. novos movimentos sociais: objetivos mais amplos, conscientizar 1.4. Quanto ao modelo 1.4.1 Modelo anarquista socialista: resistência a múltiplas formas de opressão 1.5. Imbricações e interpenetrações com relação a comunicação de massa
2. A defesa da identidade punk 2.1. Condições objetivas 2.1.1. Frequentas os mesmos lugares 2.1.2. Usem símbolos identificadores 2.2 Sentimento de pertença 2.2.1. Pertencer a um grupo específico 2.2.2. Se diferenciar de outros grupos (conflitos externos) 2.3 Reinvidicam uma memória comum herdada
88 APÊNDICE F Roteiro da entrevista com Luis Eduardo F. Da Silva Perguntas 1. De acordo com Neto (2004) o movimento punk em Londrina teria diminuido sua atividade nos anos de 1989 e 1990 e nesse período vários fanzines deixaram de ser publicados, sendo o Coletivo Cancrocítrico um dos únicos que permaneceu sendo publicado. O zine Utopia, por exemplo, deixou de ser publicado. Você tem essa percepção se pessoas se afastaram do punk nesse período? Se foi por questões políticas ou pessoais? 2. Você sabe dizer qual seria a tiragem de cada edição do fanzine? 3. Dessa tiragem você tem uma noção de quantas eram enviadas por correio para outras cidades? 4. Como era feito o custeio dessas cópias? Era dividido o custo entre vocês? havia alguma outra forma de arrecadação? 5. Você pode explicar o nome do fanzine? Porque Coletivo Cancrocítrico? 6. Até a edição número 12 era usado um subtítulo "o antilaranjas", após essa edição foi usado "vontade de ser livre", "imprensa pirata" e depois deixou de se usar subtítulo no fanzine. Existiu algum motivo especial para essa mudança? 7. Vocês usavam várias referências, por exeplo, na primeira edição tem uma matéria do Vida Bancária, depois tem também da Folha de Londrina, do Jornal Lixo Moral. Como era o contato com esse tipo de mídia? Por exemplo, o Vida Bancária que era um jornal sindical. Como vocês tinha acesso a essas publicações? 8. O Jornal Lixo Mural era um jornal mesmo? Era um jornal alternativo ou um zine? 9. Como era a troca por correio? Vocês começaram a trocar por correio depois que começaram a produzir o Coletivo Cancrocítrico? Demorou para conseguir os contatos? Como foi isso? 10. Ao comparar as primeiras edições e as últimas é possível reparar uma maior padronização gráfica, a abertura, por exmeplo, de uma sessões fixas como "expediente", "poesias", "cartas". Como se deu essa mudança e por qual motivo? 11. E começou a ficar mais frequente o uso de poesias, de literatura. Por qual motivo? Vocês começaram a aprender a ler e escrever esse tipo de coisa pelo fanzine? 12. No documentário da Hard Money há uma cena, logo no início, em que há uma
89 entrevista com os punks feitos por estudantes da UEL. Você lembra quem eram as pessoas que deram opinião naquela cena? Foi primeiro o Abelha? Depois você. E tinha uma terceira pessoa. É isso? Você lembra quem foi esse terceiro punk? 13. Pela nossa análise, principalmente nas primeiras edições, 1988 e 1989, havia uma insistência muito grande de explicar o que era o punk, dizer que o punk não era violento, que vocês eram contra as drogas, que não era só moda e que era preciso ter uma atitude também. Como você vê isso? Nesse período que foi publicado o Coletivo Cancrocítrico houve muito embate com relação a isso? Ao que era ou não ser punk? 14. Mas depois esse tipo de artigo sobre o que era ser punk se tornou menos frequente e abriu-se mais espaço para a literatura, história em quadrinho e poesia. Por qual motivo?
90 APÊNDICE G Transcrição da entrevista com Luis Eduardo F. Da Silva Data da entrevista: 07/11/2012 Perguntas Respostas ( Luis Eduardo F. Da Silva – "Cientista" ) Segundo aquele livro do Neto que eu comentei. Nos anos de 89 e 90 o punk diminuiu a atividade em Londrina, vários fanzines deixaram de ser publicados e o Cancrocítrico foi um dos poucos que permaneceu após esse período. Você sabe o motivo disso? Foi por problemas políticos ou pessoais? Uns caras pararam mesmo. Cada um segue seu rumo na vida. Discordo dessa coisa de que o trabalho e o estudo tenham atrapalhado. Porque se você esta determinado a fazer algo tem de ser teimoso. Teimosia e participação de uma equipe foi o que fez diferença para nós, porque não fiz sozinho o Cancrocítrico, tinham várias pessoas para dar a cara dele. Então mas por exemplo, quem fazia o Utopia eles continuaram depois? Não. Não continuaram. Porque o Cancrocítrico ele não era só um fanzine. Agente se baseou no Coletivo Libertário de São Paulo. E o objetivo mesmo era ter como base uma publicação, que era nossa voz, mas fizemos um monte de atos, incluindo shows, eventos, debates, encontros. Um trabalho coletivo mesmo. Tanto assim que ele nunca chegou a ser feito totalmente sozinho, de uma forma ou de outra sempre teve participações. E o objetivo era fazer mesmo reunir o máximo de pessoas possível. Primeiro teve o Marcos, depois o Jean entrou da Desordem e Regresso. E aí o Marcos saiu ficou só eu e o Jean um bom tempo. Depois ele saiu e aí foi entrando o Marcelo Melão, entrou o Ricardo(o Punk), o Fabio (Cachorrão), o Fabinho (Fábio Andrei), e o Marcelo (Padreco). O Antônio Bivar no livro o que é Punk comenta de uma guerra de estilos que houve por volta de 1980 com o ressurgimento do rockabilly, o newwave. Você acha que nesses anos de 1989 e 1990 isso já era sentido em Londrina? Eu acho que não porque quem continuou mesmo, continuou sendo punk. Algumas pessoas se afastaram mas por questões pessoais.
91 E esse pessoal entrou depois de 90? Porque até 90 vocês não assinavam a edições. É, por volta de 89 90. Eu e o Jean ficamos um bom tempo, aí entrou o Marcelo Melão e foi entrando gente. Cachorraõ, Marcelo Padreco, Punk e o Fabinho entraram a partir de 90. Mas várias pessoas participavam de outras formas. Doando material, ajudando nos corres, agente ficava na coordenação mas sempre tinham várias contribuições também. E mais ou menos qual era a tiragem de cada edição? No final eram mil cópias. Em quais edições? Da metade para lá já passou a ser mil cópias. Isso foi apartir de que ano? 91? Acho que já em1989 começou a ser mil cópias. E agente mandava para fora. Não mandava de uma, mandava de 50. Sabe? Então um pegava e distribuina na terra dele, outro pegava e distribuia para a cidade dele. Agente fazia isso como parcerias. E como era o custeio dessas cópias? Vocês dividiam entre vocês? Basicamente nós rachavamos entre agente. Mas também organizavamos eventos como shows. Eram as formas que tínhamos para pagar. Mas na maioria das vezes nós tiravamos dinheiro do bolso mesmo. E porque o nome Cancrocítrico? Assim. O cancrocítrico mesmo. Cancrocítrico é uma doença que dá na laranja. Era comum aqui no Paraná e nas regiões que produziam laranja. Então ‘laranjas” eram as pessoas alienadas, que se deixavam levar pela situação, pela rotina, pelo senso comum; para nós estas pessoas eram como laranjas. E agente queria ser essa doença, esse cancro, que destruísse as laranjas, ou seja, conscientizar eles. Não matar, mas conscientizar. E até chegar a edição número 12 vocês usavam um subtítulo que era "O Anti laranjas", aí mudou para "vontade de ser livre", aí "um coletivo de ideias", depois "imprensa pirata" e não usaram subtítulo depois. Teve algum motivo para não usar mais "O Antilaranjas"? Foi para variar um pouco. Não teve um motivo especial. Vocês usavam várias referências, por exeplo, na primeira edição tem uma matéria do Vida Bancária, depois tem também da Folha de Londrina, do Jornal Lixo Moral. Como era o contato com esse tipo de mídia? Por exemplo, o Vida
92 Bancária que era um jornal sindical. Como vocês tinha acesso a essas publicações? É, não era como agora que você põe um título no google e você tem um monte de informação. Agente acabava buscando, indo na biblioteca, em revistas, fanzines. O pessoal as vezes mandava matérias também. E como eu também trabalhei uns anos no banco tinha esse contato com o sindicato dos bancários. Que para nós fazia parte da luta, os sindicatos, os proletários. Tanto que fizemos várias parcerias. Eles ajudaram agente bastante, em várias coisas. E tem até um caso em que usamos uma matéria que pregava o controle de natalidade, mas usamos um material do governo. Porque para nós era interessante o controle de natalidade, mas o pessoal de uma entidade nos falou que aquela visão do controle de natalidade era a visão mais radical que subsidiou a ideologia do controle de um filho na china e vários controles mais extremos. Eu acho que o controle de natalidade é uma coisa importantíssima, mas ele acontece ... Hoje, eu sou sociólogo, tenho um chão percorrido na vida, vejo que esse controle de natalidade se dá com as pessoas mais esclarecidas, com nível de escolaridade maior, com uma qualidade de vida melhor. Esse controle é automático. As pessoas não querem mais ter muitos filhos. E agente foi ampliando nossa visão assim. Colocava alguma coisa que dava alguma repercussão ai se retratava. Nunca tivemos.. Era melhor assim mesmo, agente se retratava porque nunca achamos ter a verdade absoluta. Estavamos aprendendo, era parte de um processo. E esse lixo moral que vocês usavam com frequencia com tirinhas assim. Era um jornal alternativo? É, era um fanzine. Porque eles colocavam Jornal Lixo Moral mas era um fanzine mesmo então? É, era um fanzine alternativo como o nosso. Era um fanzine então? É, o nome do fanzine era esse "Jornal Lixo Moral". Mas era um fanzine. Porque ele podia usar isso como um rótulo, mas.. na verdade era uma publicação alternativa, artesanal. O que na nossa opinião caracteriza um fanzine. Era o André Trivial, ele fazia umas tirinhas bem legais. Tinha umas sacadas muito boas. E como era essa troca por correio? Começou quando vocês começaram a fazer os fanzines demorou um tempo como foi?
93 Bom, antes de agente começar a fazer começamos a mandar cartas e a conhecer os fanzines e assim colher as matérias. Mas não tínhamos noção nenhuma. Agente aprendeu fazendo mesmo. Acho que aprendemos tudo, até a linguagem, a diagramação, o conceito. Não tínhamos o menor acesso a computador. Aliás, tanto que nesta época não tinha computador. Depois quando foi surgindo era tudo pago e caro. Não era qualquer pessoa que tinha um. Ao comparar as primeiras edições e as últimas é possível reparar uma maior padronização gráfica. E a abertura de umas sessões de "expediente" e "cartas", umas sessões que vinham fixas nas edições né. É que assim você começa, você não tem noção nenhuma de crédito. Assim começamos dar os créditos, não que você queira se sobressair, se destacar, não queriamos fama, não queriamos isso. Então no começo agente não assinava, mas depois tinha aquele componente mesmo: “Quem que foi o idiota que escreveu isso daqui?” Então agente começou a assinar, começou a mostrar que tinha um comprometimento. E a parte gráfica foi melhorando por ensaio e erro. Agente foi fazendo apesar de não ter experiência, mas tivemos muita ajuda nisso aí não foi mérito nosso só, muita gente ajudou. Porque agente teve aquele “insight” que não bastava ter idéias legais agente tinha que tornar aquilo lá mais interessante. Facilitar a leitura, tirar a poluição visual e deixar espaço para o leitor, deixar as coisas mais clara, assim não gerar ambigüidade. Para facilitar também... Colocar imagens, tentar colocar desenhos, ilustrações. é.. e assim era. Não era como querermos vender um produto, era bem diferente. Agente queria era tornar a coisa o mais agradável possível, Informar pela imagem, pelo conjunto... de outras formas, e não só com o texto. Fazer uma interação com isso. E começou a ficar mais frequente o uso de poesias, de literatura. Vocês começaram a aprender a ler e escrever pelo fanzine esse tipo de coisa? Sim, agente começou a se arriscar. Eu nunca tinha feito uma poesia. Aliás, eu tinha, tinha algumas coisas feitas, inclusive letra de música, poesia, conto. Mas você não tinha aquela coragem de mostrar e pensava: “não, não está bom”. E com o fanzine agente começou a se arriscar e se gostar gostou... se não gostou eu aprendo. Se não estiver bom, se não estiver lindo, se não estiver bonito. É agente.. a nossa autoestima aumentou. Começamos a dar a cara a tapa. E isso é importante. E ler mais. Com certeza. O nosso nível de leitura também começou a aumentar porque.. (estava pensando nisto ...) na minha formação o que mais me estimulou a conhecer melhor a língua portuguesa mesmo foi trocar cartas, foi produzir fanzines, foi escrever textos, escrever poemas. Para escrever cartas precisamos lapidar bastante a nossa escrita, como nós não iriamos estar presentes para esclarecer tínhamos que ser bem claros no nosso texto. Não deixar nada ambíguo porque isso poderia custar... causar até mesmo um constrangimento. Tinha que usar bem as palavras.. e deixar as coisas bem claras e não queria que tivesse erros de português. Aí consultava, por exemplo, um dicionário. O nosso vocabulário foi
94 aumentando e agente foi lendo outras coisas para procurar matérias. Foi uma fonte assim muito boa.. Eu aprendi muito mais da língua materna, da cultura mesmo fazendo fanzine do que na escola. Foi uma grande escola fazer fanzine e ser alternativo, melhor coisa... Tem um trecho do documentário do hard money que é uma entrevista, acho que era no DCE. Que primeiro fala o Abelha, depois você fala e tem uma terceira pessoa, você lembra quem era essa terceira pessoa? Eu tenho aquele vídeo completo se você quiser. Não era no DCE, era no ensaio do Desordem e Regresso. Nem existia DCE aquela época, era 1987 88, uma época que agente não tinha nem lenço, nem documento. Pela nossa análise, principalmente nas primeiras edições, 1988 e 1989, havia uma insistência muito grande de explicar o que era o punk, dizer que o punk não era violento, que não usava drogas, que não era só moda e que tinha que ter uma atitude também. Como você vê isso? Nesse período que foi publicado houve muita discussão? muito embate com relação a isso? Ao que era ou não ser punk? Então assim... Agente tinha uma paixão ... nós eramos punks e na nossa essência aquilo lá era uma verdade absoluta. Então na nossa ingênuidade não imaginavamos que tinha punk mesmo bêbado, junk, tinha punk drogado, tinha punk bandido. Tinha vários tipos de punk.. Mas, na nossa paixão e, o que éramos, tínhamos essa proposta mesmo. Eramos contra mesmo a bebida, também contra o uso de drogas. Nos preocupávamos muito inclusive com a bebida, não gostavamos que o nome do punk se sujasse. Com o tempo vimos que o punk é algo muito amplo. Não é possível botar uma regra para se ser punk. Cada um vai ser punk do seu jeito mesmo. E o Cancrocítrico deixou de ser só esta voz.. paramos de escrever exclusivamente para o Underground. Tivemos que ir além, sair para fora do underground e encontrar outros tipos de pessoas. Parecia que agente não podia só ficar batendo nessa tecla de Punk, porque o universo era tão grande e agente não ia alcançar essas outras pessoas. Então podiamos continuar curtindo as nossas coisas, mas nossa publicação queria queriamos fosse além do Punk. E pessoas que não tem nada haver com Punk conhecessem-na. Tínhamos aquela postura sim, era underground sim, mas podia ser lido por qualquer um. É legal assim, que nós trocavamos carta com escritores consagrados como o Eno Theodore Wanke que é um dos caras importantes na literatura independente que agora já faleceu, e meu, ele foi muito importante. Tanto que agente fez uma homenagem especial no Cancrocítrico para divulgar seu trabalho. E ele era muito querido, um tiozinho que era engenheiro da Petrobrás, mas o negócio dele era ser escritor, ele adorava ser escritor. E ele lançou várias publicações, ele perdia um tempão com uns caipiras de Londrina. Mandava livros, eu lembro disso até hoje, que quando eu tive problemas, problemas pessoais, ele mandava cartas me confortando. E até algumas pessoas que eram fora do meio Punk que eram nossos amigos:
95 poetas, escritores, pessoas que não tinham haver. Então agente começou a colocar coisas diferentes. Não era só para punk. É lógico que tínhamos a nossa postura de não colocar coisas que agente não concordava, mas a nossa prioridade não era de fazer fanzine para Punk e para o underground.. Agente queria fazer as coisas o mais aberto possível. Essa foi a proposta do Cancrocítrico desde o princípio, só que antes agente não conseguia sair disto, até perceber com o tempo e começamos a fazer. E dessas mil cópias que vocês tiravam, você tem uma noção de quantas eram enviadas para fora? Para outras cidades? Pô, agente tinha vários amigos que divulgavam. É.. teve casos que pessoas que me falaram: “Nossa recebí o cancrocítrico por fulano”, recebiam e passavam para a turma de sua região. Eram várias pessoas, vários amigos que agente trocava carta. Tinha vezes que enviava 50, 100 exemplares. Por exemplo, igual São Paulo, que era grande agente mandava um monte. Cidades menores agente mandava pouco. E quando sabiamos que o cara era amigo, que confiavamos mesmo mandavamos vários para o cara divulgar. Como nós não visavamos lucro ... Agente mandava muitos mesmo. Pagavamos o correio. Pagavamos cópia. Nosso objetivo era divulgar.
96 APÊNDICE H Transcrição da entrevista com F. A. Corrêa e F. Sefrin e LEFDS Data da entrevista: 04/12/2012 Perguntas Respostas: LEFDS : Luis Eduardo F. Da Silva – "Cientista" FAC: Fábio Andrei Corrêa – "Fabinho” FS: Fábio Sefrin – "Cachorrão" 1. Você pode nos explicar melhor como era feita a distribuição dessas 1000 cópias? das mil qual quantidade por exemplo era enviada por correio? e as que ficavam em Londrina circulavam em shows como era isso? FAC: Lembro que havia colaboradores e também alguns leitores que, ao fazerem contato por carta, enviavam selo dentro do envelope para receberem edições do Coletivo; portanto, o correio era o principal meio de divulgação do fanzine.Já em Londrina, o trabalho de divulgação era corpo a corpo. Eu mesmo levava o Coletivo para o colégio onde estudava e passava p/ o pessoal da minha geração. E lembro muito bem dos elogios que o Coletivo recebia em relação ao conteúdo e a qualidade dos textos. LEFDS: Divulgavamos principalmente via correio, tínhamos colaboradores em várias partes do país (uns poucos no exterior) que recebiam uma quantidade razoável e repassavam em suas cenas, mas também divulgávamos mão em mão. Tínhamos contato com várias pessoas de diversas tendências e concepções e como o Coletivo Cancrocítrico nunca foi fechado a um grupo específico ele sempre foi bem recebido. 2. A última edição do Cancrocítrco é datada como inverno de 1993 e a primeira do Gralha Negra como junho de 1993. Você lembra como se deu essa passagem de Cancrocítrico para o Gralha Negra? Eram as mesmas pessoas que faziam os 2 fanzines? E porque deixou de se publicar o Cancrocítrico? FAC: O Coletivo e o Gralha Negra foram trabalhos e ações paralelas que nunca se confundiram. Lembro que o Gralha Negra foi formado por gerações diferentes de punks, anarquistas e os simpatizantes dessas ideias. Tentamos formar um grupo maior e mais heterogêneo com o Gralha Negra. Nosso grupo buscava transformar e construir uma realidade melhor, um mundo melhor, onde a liberdade e a igualdade se tornassem os elementos determinantes e mais valiosos dentro da sociedade.Sem dúvida nossa experiência no Coletivo serviu para a ação dentro do Gralha Negra, pois os dois projetos foram marcados por reuniões, protestos, intensos debates e organização de eventos. Mas repito, foram trabalhos e ações paralelas que nunca se
97 confundiram.Vale destacar uma outra diferença: enquanto o Coletivo era formado por cinco integrantes fixos (na época que eu atuava), o Gralha Negra possuía um número relativamente maior de pessoas e, claro, uma rotatividade maior também desses integrantes. LEFDS: Primeiramente o Coletivo Cancrocítrico não virou Gralha Negra. Como as produções dependiam de grana que a gente conseguia realizando eventos, com uma sobra de um show produzimos 2 ou 3 edições (algumas delas prontas aguardando recursos). Como as coisas eram feitas pelo correio, mandavamos ao longo de 1993, conforme sobra dinheiro para mandar para os vários contatos. Mesmo assim o Coletivo (que era mais que um fanzine) continuou organizando eventos, protestos, reuniões, etc - até 1995 tenho certeza - e só não lançamos outra edição neste tempo por falta de recursos mesmo. Enquanto isto atuamos também no Gralha Negra, como membro do CC e particimos na realização de eventos, protestos, reuniões e na publicação do Grupo. 3. A Carolina Avancini e a Cintia Ito no TCC delas comentam que o Cancrocítrico foi um fanzine que surgiu para "propagar a ideologia anarquista". Entretanto em suas páginas o fanzine não se define como anarquista, nem coloca o punk como anarquista. Você sabe nos explicar melhor qual seria a relação com o anarquismo no "Coletivo Cancrocítrico"? FAC: Não nos limitávamos a escrever sobre o anarquismo. É claro que as ideias anarquistas orientavam o nosso pensamento, mas nunca limitavam a nossa produção dentro do Coletivo. Buscávamos, acima de tudo, despertar nas pessoas uma (re)tomada de consciência, um desejo de buscar a informação e a partir daí construir o conhecimento individual e coletivo. Eu lembro muito bem que nessa época eu sonhava e desejava mudar o mundo. Hoje, após todos esses anos, me conforta o fato de eu ter mudado; fiz história, tornei-me professor e acredito na mudança pelo caminho da educação, acredito na leitura e nos livros como elementos essenciais na construção do conhecimento. Acredito acima de tudo que o conhecimento adquirido dentro deste processo liberta. Quem desconhece ignora. Portanto, o conhecimento nos liberta da ignorância. E, sem dúvida alguma, o Coletivo contribuiu neste meu processo de conscientização. FS: Acho que a idéia nunca foi o anarquismo em si mesmo, os integrantes do grupo eram anarquistas ou "anarco-simpatizantes" (no caso, eu), mas a idéia principal do CancroCitrico, desde o nome - explico isto já - sempre foi a propagação de idéias para a criação de debates. FS: Me lembro que quando perguntei a origem do nome o Cientista me falou, didaticamente (rsrsrs) que: 1. "laranja" era a gíria para uma pessoa ignorante; 2. cancro cítrico era uma doença que dava em laranjas; 3. o CancroCítrico tinha como idéia "exterminar os laranjas", não fisicamente claro, mas sim tentando despertar na cabeça de um "laranja" uma vontade de buscar o conhecimento através das várias maneiras possíveis à época: troca de cartas, ouvindo música, lendo poesias, textos críticos, tendo acesso a informações cujo acesso pré-internet não era tão fácil quanto é hoje, entre inúmeros outros. Cada um que lia e/ou participava tinha uma
98 visão própria. Para mim, pessoalmente, a lição que ficou desta experiência foi o DIY e, principalmente, sempre procurar não aceitar as informações sem fazer uma autocrítica. Nem sempre é fácil em um mundo midiático e colorido como hoje, onde é muito fácil dar um "curtir" em uma rede social e descobrir mais tarde que você foi ignorante, preconceituoso, racista ou sexista, mas é a auto-vigilância constante que nos ajuda nisto, e para mim, vindo de uma família religiosa, preconceituosa e politicamente conservadora, isto foi de essencial importância! LEFDS: Desde o principio do Coletivo Cancrocítrico queriamos atingir pessoas além de grupos restritos. É claro que tínhamos no começo uma linguagem e uma apresentação estética mais ligada ao punk e ao anarquismo, pois era esta que conheciamos, mas com o tempo fomos criando algo mais elaborado e acessível a mais pessoas. Isto nos fez a pensar a partir de um ponto de vista mais amplo, respeitar as diferença e conhecer principalmente a riquesa do cenário artistico nacional (de forma mais significativa o underground, ou alternativo, independente).