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SINDICATO DOS AGENTES DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIA E DEMAIS SERVIDORES PÚBLICOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO PAULISTA impossivelsemagente.org sindcop.org.br
Diretoria Executiva Presidente: Gilson Pimentel Barreto Tesoureiro: João Carlos de Castro Secretário: Carlos Neves Diretoria Administrativa Diretor de Assuntos Jurídicos: Eduardo Blasques Martins Diretor de Assuntos Sociais: Geraldo Antonio Inhesta Diretor de Comunicação e Imprensa: Rogério Leonardo Offerni Diretor de Departamento de Esporte, Cultura e Lazer: Carlos Augusto Martins Francisco Diretora de Assuntos de Saúde dos Servidores: Maria Alice Acosta Suplentes 2º Tesoureiro: João Offerni Primo Conselho Fiscal – Efetivo Carlos Roberto Romacho, Rúbio Agnaldo Monteiro, José Alexandre Moreira Conselho Fiscal – Suplentes Valter Morgado, Helton Rogério Pini, Carlos Eduardo Piotto
Publicação do Departamento de Comunicação do SINDCOP Texto e diagramação: Lucas Mendes - MTB 0084319/SP Edição: Inês Ferreira - MTB 0086780/SP Revisão: Maria Alice Acosta Layout: Juliana Celano Impressão: Gráfica Agudos Tiragem: 10 mil exemplares
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AGENTE www.impossivelsemagente.org
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ESPECIAL PRIVATIZAÇÃO
Alimentando
O CAOS Gilson Pimentel Barreto, presidente do SINDCOP
O
agente penitenciário é um guerreiro. Sobrevivemos às situações mais desafiadoras e bárbaras e passamos metade de um dia “presos” para que a sociedade possa ficar segura. O sistema penitenciário não é um ambiente de trabalho como qualquer outro. É preciso responsabilidade, coragem, além de vocação. A profissão tem que estar na veia! Como se não bastassem às dificuldades inerentes ao trabalho nas cadeias, o governo ainda não faz a sua parte e praticamente deixa milhares de servidores prisionais abandonados. Sem a contratação de mais funcionários e a justa reposição de salário, sem investimento em infraestrutura e segurança, sem medidas de enfrentamento à superpopulação carcerária e sem prestar a devida assistência médica e psicológica ao agente, o governo contribui para engrossar o “caos” do sistema penitenciário. É com base nessa situação que acompanhamos no início de 2019 o anúncio do governador João Doria (PSDB) de privatizar o sistema prisional de São Paulo, utilizando o regime de Parceria Público-Privada (PPP). O SINDCOP (Sindicato dos Agentes Penitenciários e demais Servidores do Sistema Penitenciário Paulista) até respeita as manifestações de João Doria, mas ele tem
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intenções em uma área que não conhece. Na visão do sindicato da categoria e da minha experiência pessoal, com 27 anos de carreira, o governador está falando besteiras. Ele não conhece o sistema penitenciário e faz comparações sem embasamento. O sistema penitenciário paulista, o maior do Brasil e talvez da América Latina, não vai suportar uma má experiência. Os argumentos do governo giram em torno da ideia de uma nova “gestão” para o Estado. É o discurso do “Estado Mínimo”, de diminuir ao máximo a presença do poder público, abrindo espaço para empresas privadas tomarem conta e lucrarem em cima de serviços que são, na origem, públicos. Até os exemplos citados pelo governo são duvidosos – como o caso do complexo de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, construído e administrado via PPP ou das prisões nos Estados Unidos. Nesta publicação você poderá se aprofundar um pouco mais no tema da privatização de presídios. Oferecemos fatos que contrapõem a visão dominante de que as privatizações são boas e necessárias. Deixar o sistema penitenciário nas mãos de empresas privadas é alimentar o caos – e a responsabilidade disso será do governo de São Paulo.
Não podemos deixar isso acontecer!
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ESPECIAL PRIVATIZAÇÃO
Privatização:
ILEGAL, INOPORTUNA ´ E INVIAVEL
José Marques, advogado, responsável pelo Departamento Jurídico do SINDCOP
A
privatização do sistema prisional é ilegal, inoportuna, inviável e fere o princípio de responsabilidade de gestão financeira inerente ao administrador público. Privatizar o sistema prisional fere a Lei de Contratação de Parceria Pública ou Privada na Administração Pública e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como será visto a seguir, também afronta a LEP (Lei de Execução Penal), além de normas de caráter internacional. O sistema prisional, na ótica da legislação nacional e internacional, deve estar sob a responsabilidade do poder público, com agentes públicos, por ser “função de Estado”. A lei permite, no sistema prisional, a terceirização de atividades-meio, como limpeza, manutenção, telefonia e portaria. No entanto, a lei impede a privatização de atividades-fim. Para os profissionais do sistema prisional se exige qualificação, treinamento específico, atualização profissional constante e estabilidade na função, o que evita rotatividade de mão-de -obra, que é constante no setor privado. O servidor do sistema prisional, pelo exercício de seu trabalho e proximidade com o apenado e visitas, passa a obter informações
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privilegiadas sobre o crime e as organizações criminosas. De caráter sigiloso, essas informações não podem ser levadas a conhecimento de pessoas extramuros das prisões sob pena de colocar em risco a segurança pública e a sociedade. O servidor público, por dever funcional, sabe dessa responsabilidade. O mesmo não pode ser exigido de um trabalhador de empresa privada, que hoje trabalha no sistema prisional e amanhã poderá estar em outra atividade totalmente diversa. O custo do preso privado é extraordinariamente maior que o custo do preso público, uma vez que as empresas que têm interesse em administrar presídios visam o lucro e tem o preso como mercadoria. De se lembrar, ainda, que o sistema prisional nacional tem por objetivo a ressocialização do preso e, sendo considerado como mercadoria, por certo o investimento que receberá por parte de seu cuidador (empresa privada) será mínimo. Pagar mais por um preso privado fere o princípio da responsabilidade de gestão financeira, pois cabe ao administrador público, bem gerir as finanças do Estado. Assim, é incabível se pensar em privatizar o sistema prisional.
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motivos para dizer não à
PRIVATIZAÇÃO Governador João Doria prometeu passar à iniciativa privada todo o sistema penitenciário paulista – o maior do Brasil; exemplos não faltam para desacreditar dessa ideia
N
o final de janeiro de 2019, no primeiro mês do governo de João Doria, governador do Estado de São Paulo, foi anunciado um plano de privatização do sistema penitenciário paulista, cumprindo uma promessa de campanha. Segundo o governo, o modelo que poderá ser adotado é o de Parceria Público-Privada (PPP) em que, gradativamente, todos os atuais 171 presídios do Estado passarão para a iniciativa privada. De início, das 12 unidades que estão em construção, quatro delas ainda não têm previsão para contratação de funcionários e já serão gerenciadas como PPP. Além dessas unidades, a previsão é que sejam construídos mais três complexos prisionais, também sob o regime de gestão privada. Em entrevista coletiva feita após o anúncio do projeto de privatização, o vice-governador e secretário de Governo, Rodrigo Garcia, desmentiu Doria, dizendo que a mudança de gestão será apenas para a expansão do sistema. Já o secretário da Administração Penitenciária (SAP), Nivaldo César Restivo, em entrevista à Rádio Bandeirantes, disse que é preciso estudar o número de unidades que serão concedidas à iniciativa privada. Segundo ele, seria possível até um “modelo híbrido” com o Estado oferecendo unidades já construídas para operacionalização do setor privado que, em contrapartida, criaria um “complexo com mais algumas vagas”. Sobre a situação dos agentes penitenciários, representantes do governo afirmam que nada
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vai acontecer para prejudicar os funcionários. São Paulo tem a maior população carcerária do Brasil, com mais de 230 mil presos. Segundo o Portal da Transparência do Governo do Estado, são cerca de 25 mil Agentes de Segurança Penitenciária (ASPs) e quase 6,5 mil Agentes de Escolta e Vigilância Penitenciária (AEVPs). Em relatório sobre prisões privadas, elaborado em 2014 pela Pastoral Carcerária, feito a partir de visitas de pesquisadores à unidades prisionais com regime de cogestão, uma das conclusões foi que, no caso de ocorrer alguma falta, para a unanimidade dos diretores de penitenciárias é mais fácil substituir os agentes das prisões privatizadas do que os agentes públicos. Estes só podem ser demitidos por meio de procedimento formal disciplinar, “o que pode durar anos”, afirma o estudo. O estudo também apontou que a formação dos agentes contratados pelas empresas para trabalhar com presos é mínima, se comparada com a dos agentes públicos, e que a vulnerabilidade desses agentes privados “ficou patente durante as visitas, em que se verificou que eles podem facilmente ser demitidos, seus salários são até quatro vezes mais baixos que os dos agentes públicos e há alta rotatividade de agentes”. No Brasil, empresas dividem a gestão de penitenciárias com o poder público em pelo menos 22 presídios: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.
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MOTIVOS DE SOBRA PARA NÃO PRIVATIZAR
RESOLUÇÃO DA ONU É CONTRA
Elaborado em 2015, o documento “Regras de Mandela” recomenda aos governos que os funcionários do sistema penal devem trabalhar em período integral como agentes profissionais e servidores públicos. Segundo o documento, também é necessário que os agentes tenham a “estabilidade no emprego”. Além disso, “o salário deve ser suficiente para atrair e reter homens e mulheres compatíveis com o cargo” e “os benefícios e condições de emprego devem ser condizentes com a natureza exigente do trabalho”. As regras incorporaram novas referências dos direitos humanos em suas recomendações. Elas substituíram as Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, primeiro documento no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas)
a ter diretrizes sobre encarceramento. Esse conjunto inaugural de regras foi adotado pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955. Na publicação das regras de Mandela no Brasil, assinando texto de apresentação, o então presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que o governo brasileiro havia participado “ativamente” das negociações e da aprovação das novas regras, mas que até o momento a normativa não estava “repercutida em políticas públicas no país, sinalizando o quanto carece de fomento em nosso país a valorização das normas de direito internacional dos direitos humanos”.
BRASIL ASSINOU AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DA ONU, SE COMPROMETENDO A CUMPRIR DISPOSITIVOS
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LEI DE EXECUÇÃO
PENAL NÃO AUTORIZA
A Lei de Execução Penal (LEP 7.210/84) dispõe explicitamente que são indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia. As tarefas de classificação de condenados, aplicação de sanções disciplinares e controle de rebeliões também devem ser feitas por servidores públicos. Conforme a lei, o Estado não pode se
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ausentar das funções de transporte de presos para órgãos do Poder Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais. “O que pode existir de privatização dentro do sistema prisional são os serviços de limpeza e de administração”, salienta o responsável pelo Departamento Jurídico do SINDCOP, advogado José Marques. “Mas a atividade-fim, que é a custódia do preso, deve ser prestada por servidor público concursado”, pontua.
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3 DE RIBEIRÃO DAS NEVES IRREGULARIDADES NO COMPLEXO
Considerado pelo governador João Doria como modelo a ser seguido em São Paulo, a PPP (Parceria Público-Privada) no complexo prisional de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, não recebe presos de facção criminosa ou que cometeram crimes contra os costumes, como os estupradores. O perfil selecionado da população carcerária influencia os indicadores da unidade, como número de ocorrências, fugas, rebeliões. A unidade é a primeira no Brasil construída e administrada pelo setor privado, por meio de PPP. Funciona desde janeiro de 2013 e tem como responsável pela implantação e administração o consórcio de empresas chamado GPA (Gestores Prisionais Associados), que tem a concessão do presídio por 27 anos. De acordo com reportagem da Agência Pública, um preso custa ao Estado “aproximadamente R$ 1,3 mil por mês, podendo variar até R$ 1,7 mil, numa penitenciária pública. Na PPP de
Ribeirão das Neves, o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2,7 mil reais por preso por mês”. Em 2015, uma auditoria da Controladoria-Geral (CGE) de Minas Gerais apontou um superfaturamento de R$ 42,5 milhões em contrato do governo com as empresas que construíram e administram o complexo de Ribeirão das Neves. Conforme publicou o jornal Folha de São Paulo, o relatório da CGE aponta sobrepreço, inclusão indevida de itens, custos duplicados e outras irregularidades no contrato. Segundo o parecer, o aditivo inclui repasse de dinheiro público para obrigações que a empresa deveria cumprir com recursos próprios. Na época da assinatura do contrato, o diretor da GPA era Telmo Giolito Porto, da empresa Tejofran, réu no processo do cartel de trens e metrô de São Paulo.
Foto: Peu Robles/Agência Pública
Pátio da penitenciária de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. Presídio foi o primeiro do Brasil a ser construído e operado por empresa privada, sob regime de PPP
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Ação do MPT contra
PPP EM MINAS GERAIS
Uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Minas Gerais considerou que é ilícito terceirizar funções do sistema prisional. O caso envolve o Complexo de Ribeirão das Neves. Na ação, proposta em 2011, o procurador do Trabalho Geraldo Emediato de Souza classifica a privatização de prisões como inaceitável, tanto do ponto de vista ético como moral: “Numa sociedade democrática, a privação da liberdade é a maior demonstração de poder do Estado sobre seus cidadãos. Licitar prisões é o mesmo que oferecer o controle da vida de homens e mulheres para quem der o menor preço, como se o Estado tivesse o direito de dispor dessas vidas como bem lhe aprouvesse”. “Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá dar azo a abusos sem precedentes”, frisa o procurador. Em 2014 a Justiça do Trabalho julgou nulas as contratações feitas pela empresa GPA (Gestores Prisionais Associados), no Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves.
Apesar do entendimento em primeira instância, em 2017 o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região reconheceu como lícita a privatização do presídio de Ribeirão das Neves. Para o relator da ação, a execução penal dos sentenciados é realizada pelo Diretor de Segurança da unidade prisional – um servidor público e não empregado da empresa concessionária
5 REESTATIZAM PRESÍDIOS ESTADOS UNIDOS
Os presídios privados dos Estados Unidos também servem de inspiração para João Doria. País com cerca de 2,3 milhões de presos – a maior população carcerária do mundo – os Estados Unidos fazem o caminho inverso daquele tomado por São Paulo, e estão reestatizando os presídios federais. O Departamento de Justiça americano anunciou em 2016 que pretende deixar de usar prisões privadas para abrigar presos sob custódia federal. “As prisões privadas tiveram papel importante durante um período difícil, mas o tempo mostrou que têm desempenho inferior
se comparadas às nossas instalações (administradas pelo governo)”, disse a subsecretária de Justiça, Sally Yates, em memorando. “Não oferecem o mesmo nível de serviços correcionais, programas e recursos, não apresentam redução significativa de custos e não mantêm o mesmo nível de segurança e proteção.” Um relatório da divisão de fiscalização do Departamento de Justiça concluiu que é preciso melhorar a fiscalização e revelou que as prisões privadas registram mais casos de agressões, contrabando e motins, além de oferecerem menos serviços de reabilitação, como programas educacionais e de treinamento profissional. FONTE: BBC
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SECRETÁRIO DE DÓRIA, HENRIQUE MEIRELLES
QUER FAZER “CAIXA” COM PRIVATIZAÇÃO
Foto: Wikimedia Commons
O secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, afirmou que a privatização dos presídios é um “projeto prioritário” do governo e que as privatizações serão usadas para “gerar mais recursos ao Estado”. Meirelles fez as declarações em entrevista ao jornal Estadão. De acordo com o secretário, o governo está fazendo uma avaliação de ações de privatização que poderão gerar mais dinheiro ao Estado. Ele citou o projeto de privatização dos presídios. “É algo que de fato oferece possibilidades e temos aí um número bastante expressivo de presídios que poderão ser colocados para privatização e que poderá não só oferecer uma melhor qualidade de serviços, mas também certamente vai gerar arrecadação suplementar”, salientou. O secretário ainda disse que no sistema penitenciário, a privatização não seria
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“de grande controle. Será uma concessão de serviço, via PPP, ou concessão, ou cessão”. Perguntado se a privatização dos presídios daria dinheiro, Meirelles respondeu: “certamente pode gerar recursos, mas pode também evitar despesas e aumentar investimentos, consequentemente a segurança da população”. “A nossa conclusão é que vai, sim, haver uma dependência da alienação de ativos para equilibrar (as contas)”, resumiu o secretário. Segundo ele, o Orçamento do Estado aprovado pela Assembleia Legislativa (Alesp) prevê R$ 10 bilhões de receita com venda de ativos. “Isso significa que estamos decidindo quanto desses R$ 10 bilhões vamos considerar como receita suficientemente sólida, isto é, que podemos contar com ela, e quanto disso vai depender de uma série de ações de venda de ativos”, explicou.
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Em declarações feitas após assumir a SAP, Restivo já chegou a dizer que as privatizações de presídios eram uma “missão” dada a ele pelo governador João Doria.
Foto: Reprodução / Charles Sholl/Raw Image/Estadão Conteúdo
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SECRETÁRIO RESTIVO DIZ QUE JÁ EXISTEM RECURSOS PARA GARANTIR PPPs, OAB-SP DIz QUE ISSO É INCONSTITUCIONAL
O secretário da Administração Penitenciária, Nivaldo Restivo, afirmou que já existem recursos para o Estado oferecer garantias às empresas interessadas nas PPPs dos presídios. Em entrevista à rádio Bandeirantes, ele falou sobre as possibilidades da criação do Fundo Garantidor das PPPs (FGP). “O investidor privado quer saber de onde o Estado vai aportar recursos para garantir o investimento dele. [O contrato] é longo, 30 anos, chegando até 35. O nosso secretário Meirelles está com a missão de prover essa demanda e num futuro muito próximo ele vai divulgar quais são as possibilidades, mas existem, eu garanto que existem”, confirmou. O FGP é uma forma do Poder Público oferecer garantias às empresas, no caso das Parcerias Público-Privadas. Esse fundo tem a função exclusiva de viabilizar as PPPs, e está previsto em lei que a sua finalidade é de “prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas
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pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias”. Isso é inconstitucional segundo o parecer encomendado pela Seção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), elaborado por Kiyoshi Harada, especialista em Direito Tributário e Financeiro pela USP (Universidade de São Paulo). O parecer conclui que a participação do Poder Público no FGP contraria em bloco os dispositivos constitucionais pertinentes à Administração Pública e à matéria financeira. “Qual a fonte dessa extraordinária e espantosa despesa?”, questiona Harada. “Mais tributos? Mais dívida pública? Mais privatização? De duas uma: ou aumenta a receita pública, ou reduz outras despesas. Redução de despesas não se ajusta à nossa tradição. Por isso, uma coisa é certa: o contribuinte irá arcar com essa nova despesa qualquer que seja o meio escolhido para custeá-la, porque o Estado não produz e nem é sua função produzir riquezas”, completa.
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8 MAIOR O LUCRo QUANTO MAIS PRESOS
“Do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é um excrescência, totalmente inconstitucional, já que o poder punitivo do Estado não é delegável”, disse Bruno Shimizu, ex-coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa. Uma das cláusulas do contrato da PPP de Ribeirão das Neves, por exemplo, estabelece como uma das “obrigações do poder público” a garantia “de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Ou seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lógica é a seguinte: se o país mudar muito em três décadas, parar de encarcerar e tiver cada dia me-
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nos presos, pessoas terão de ser presas para cumprir a cota estabelecida. De acordo com levantamento feito pelo Ministério Público (MP) de Tocantins, no ano de 2012, o Estado de Tocantins repassava à Umanizzare, empresa de gestão de presídios, o valor de R$ 2,7 mil por preso. A empresa administrava a Casa de Prisão Provisória de Palmas e a Unidade Penal Barra da Grota em Araguaína. Em dezembro de 2016, o valor subiu para R$ 4,1 mil, quase o dobro do valor médio praticado nos presídios brasileiros, que é R$ 2,4 mil por preso. Nas unidades prisionais federais de segurança máxima o valor mensal é de R$ 3,8 mil. Segundo o Ministério Público, além de valores exorbitantes pagos pelo Estado e da falta de licitação para prestação do serviço, a Umanizzare era acusada de assumir a atribuição de vigilância armada, atividade privativa do Estado e não autorizada à Fonte: Agência Pública empresa.
SUPERFATURAMENTO E CORRUPÇÃO SÃO AS
MARCAS DOS PRESÍDIOS PRIVADOS
A privatização é o “pior dos mundos” porque traz a ilusão de que é rápido e fácil construir novas unidades prisionais e colocá-las em funcionamento. É o que diz Julita Lemgruber, socióloga e diretora-geral do sistema penitenciário do Rio de Janeiro entre 1991 e 1994. “O problema é que isso tem um custo para a sociedade. Estes contratos de PPP são de 29, 30 anos, e o Estado se compromete em manter aquelas prisões com ocupação total por décadas”, afirma. “O Brasil costuma ver seus proble-
mas em curto prazo. Nós temos que olhar a longo prazo, e a privatização é um péssimo negócio econômico. Além do que, a gente sabe que nos EUA, por exemplo, essa relação de ilegalidade e de corrupção entre as empresas e os políticos é marca da privatização. Há inúmeras pesquisas que mostram que essas organizações acabam lutando por um endurecimento das leis porque elas querem manter suas prisões com 100% de ocupação. E algumas dessas prisões privadas, justamente com o objetivo de obter maior lucro, cortam custos, pagam piores salários e cortam serviços”, ressalta. Fonte: Brasil de Fato
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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10EM PRESÍDIOS PRIVADOS MASSACRES TAMBÉM OCORREM
Mais de 24 anos depois do massacre do Carandiru, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) , em Manaus, foi palco da segunda maior matança do sistema carcerário brasileiro. No primeiro dia de 2017, uma briga de facções resultou em 56 mortos, esquartejados e decapitados. A unidade funcionava com um modelo de cogestão, sendo a empresa Umanizzare responsável por alguns dos serviços no local. A Umanizzare administra outros cinco presídios, todos no Amazonas. Os contratos de concessão administrativa são de 27 anos com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), podendo ser prorrogado até 35 anos.
O Ministério Público (MP) pediu ao governo do Amazonas o encerramento do contrato com o consórcio do qual a Umanizzare faz parte, alegando indícios de irregularidades como superfaturamento, mau uso do dinheiro público, conflito de interesses empresariais e má gestão. A empresa recebe R$ 4,7 mil mensais por preso do Compaj, enquanto a média nacional, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é de R$ 2,4 mil. O MP suspeita que esse dinheiro não foi empregado em infraestrutura e apoio aos detentos. A empresa era responsável por mais dois presídios no Tocantins, mas a Justiça anulou os respectivos contratos e a Umanizzare deixou o comando das unidades em novembro de 2017. Fonte: G1
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EM PRESÍDIO PRIVADO, O AMBIENTE
DE TRABALHO É ABUSIVO
Em dezembro de 2018 a empresa Umanizzare demitiu doze de seus agentes do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) alegando “insubordinação”. Os funcionários se recusaram a entrar nas celas sem escolta de segurança, após um episódio de fuga de cela ocorrido no dia anterior. Segundo a empresa, os servidores receberam justa causa “por questões de ordem administrativa e por não cumprirem as obrigações de rotina diária”. Em entrevista ao portal G1, um dos funcionários demitidos disse que ficou com medo na hora de entrar na cela. “A gente precisa trabalhar, mas tem que ser com segurança. Não é o que está acontecendo. Nós nem sabíamos o que tinham nos pacotes, não dizem nada”, relatou o funcionário, ao relembrar a morte do colega de trabalho Alexandro Rodrigues Galvão, atacado e morto a facadas por detentos da unidade semanas antes. Ele citou ainda que os agentes de socialização atuam em atividades extras, que não competem à sua função, como algemar e escoltar presos, fazer abertura e fechamento de celas, agir diretamente durante revistas na unidade prisional. Ao G1, a empresa informou que os agentes sociais
não realizam atividades como abrir ou fechar celas, escoltar presos ou algemá-los. Em janeiro de 2019, funcionários da Reviver - outra empresa de gestão prisional – denunciaram as “péssimas condições de trabalho” a que são submetidos no Presídio do Agreste, no município de Girau do Ponciano, em Alagoas. Em entrevista ao portal alagoano “Cada Minuto”, eles afirmaram “ser alvo frequente de assédio moral para que as situações que acontecem dentro da unidade prisional não venham a público”. Os funcionários alegam que estão há dois anos sem reajuste salarial, e colocam a vida em risco cumprindo atribuições que deveriam ser de agentes penitenciários, como a escolta externa de presos. A refeição para os trabalhadores é diferente da dos reeducandos, muitas vezes a qualidade é pior. “Para os presos, a nutricionista pode mandar a comida de volta se não estiver boa, mas para a gente às vezes a comida vem estragada e somos obrigados a comer mesmo assim. E ninguém pode reclamar porque é ameaçado de demissão por justa causa”, disse um dos funcionários ao portal. Fonte: G1 e Cada Minuto
“Para os presos, a nutricionista pode mandar a comida de volta se não estiver boa, mas para a gente às vezes a comida vem estragada e somos obrigados a comer mesmo assim. E ninguém pode reclamar que é ameaçado de demissão por justa causa”
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SINDICATO DOS AGENTES DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIA E DEMAIS SERVIDORES PÚBLICOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO PAULISTA
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SEDE Bauru Rua Manoel Bento da Cruz, 13-45 CEP: 17015-172 (14) 3226-3255 (14) 99748-7006
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BAURU - SĂƒO PAULO 2019
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