A Formação da Personalidade - Pe. Leonel Franca

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A FORMAÇÃO DA PERSONAL�DADE


"OBRAS COMPLETAS" DO Pe. LEONEL FRANCA S. J.

TOMO I

.......

Noções da História da Filosofú,t

n - A Igreja, a Refor ma e a Civilização III- Polêmicas IV

-

Divórcio

V - Alocuções e Artigos VI - Catolicismo

e

Protestant�mo

VII- O Protestantismo no Brasil. Lutero e o St·. Frederico Hansen

VIII- A Psicologia da Fé IX

-

A Crise do Mundo Moderno

X- O Método Pedagógico dos Jesuítas

XI

-

O Livro eLos Salmos

:xn- Liberdade e Determinismo XIII - O Problema de Deus XIV- Imitação de Cristo

XV- A Formação da Personalidade


OBRAS

COMPLETAS

D-O�

P.e LEONEL FRANCA·S.J

.

.

�.

· XV

-"""'

FORMAÇAO

A

DA

PERSONALIDADE

.

.

1954

. RIO

DE

J�IRO

·


Copyright de

ARTES ORAFIC.AS INDúSTRIAS REUNIDAS �. A.

'

.

(AGIR)

. . ' "' .

IMPRIMI POTEST P. Josephus da Frota Gentil, S. J. !

Ex commissione

Emmi. Card. Arcbiepiscopi

Flumine Januario, 15 augusti 1954.

Livraria AGIR &"dllôr-o Rio de Janeiro --- Rua México, 98-B

---

Caixa Postal 3291

São Pauio - Rua Bráulio Gomes, 125, Io�a 2 - Caixa Postal 6040 Belo Horizonte - Avenida Afonso Pena, 919 -:- Caixa _

ENDERÊÇO TELEGRÁFICO "AGIRSA"

Postal 733


FO·RMAÇÃO O que é formação. · Formação e cultura - sinal de grandeza

e

indigência do homem..

Formação abrange: I - Aquisição ·de técnicas. Que é uma técnica.

. Necess . idade e. importância de sua aquisição. Juventude, idade favorável.

li - Formação da. personàlidade: a)

o)

Problema pessoal da valorização da própria vida, . • . Problema de �ficiência do apostolado .e ducativo, que de­ pende do valor humano:

c)

1.0

prova de sinceridade·.

2.0

vida que só transmite a vida.

Problema do rendimento cristão da atividade social que deve visar o homem. Oportunidade da juventude. Rio; abril

: 1938.


No limiar do ario letivo, num Instituto d� Fonnação,. nenhum assunto se oferece mais espontâneo, mais a propó­ sito e mais útil que a análise mesma da idéia de for:mação. de seu conteúdo, da sua importância e necessidade . Quem diz

formação

diz esfôrço para adquirir ou comu­

nicar uma forma .

E forma tem, aqui, não o seu significado· óbvio e corrente de feitio, figura, aparência externa das coi­ sas, forma; mas o sentido mais profundo e filosófico de per­ feição, atuação de uma potencialidade anterior.

Formar-se·

é, no sentido amplo, adquirir nov.as qualidades, acordar per­ feições que dormiam nas possibilidades da nossa natureza. Nesta acepção formação é quase sinôrn1no de cultura, e a análise de uma destas noções esclarece a outra.

A palavra.

cultura, aplicada ao homem, é metafórica e deriva da ana­ logia com os campos, aos quais se aplicam primeiro e ainda se aplica em sentido próprio.

Cultivai - Agricultura. Tornai

uma terra no seu estado nativo; cardos e espinhos, ervilhaca e tiririca; plantas úteis e ervas venenosas - tudo em desordem e confusão - é uma terra brava - selvagem. arado,

arroteai-a,

enriquecei-lhe

a fecundidade natural e tações:

é

uma

terra

com

adubos

Passai-lhe o

apropriados

tereis jardins, pomares e plan­

cultivada.

para a nossa vida superior.

Transportai

a

analogia

Também aqui, no .domínio

do

espírito - uma grande possibilidade da natureza, a psicologia humana com tôda a riqueza de .suas virtualicÍades latentes; a inteligência, o sentimento, a �tividade.

Também aqui dei­

xai tôdas estas virtualidades em seu estado bruto, nativo, tereis o homem selvagem - o bárbaro, o inculto.

Aplicai­

-lhes o esfôrço, o trabalho que fecunda a natureza e desen­ volveis as suas fôrças originais, tereis o homem culto ou cul-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE tivado.

-

9

A nação que pelas suas instituições oferece aos seus

membros tôdas as oportunidades e facilidades ·de se desen­ volver, diz-se uma nação culta ou civilizada; do contrário, bárbara ou primitiva. A cultura, como vêdes, oriunda, antes de tudo, a gran­ deza do homem mas também a sua miséria. A sua grandeza, antes de tudo, por que indica-lhe a perfectibilidade natural, a possibilidade do progresso, da conquista de níveis mais altos

na realização de ideais que sempre se elevani. Por isto tôdas as criaçõ e s culturais- a ciência e a arte, a linguagem, o di­ reito, a moral e a religião- são apanágios da nossa espécie. Constitui um título de incontestável superioridade da nossa

natureza. Na série animal, todo o problema da existência re­ sume-se numa adaptação do organismo ao meio. . No ho­ .

mem, a chama mortal do espíritó.

Os homini subliime dedit.

Mas a cultura o homem não a pode tirar de si mesmo; na sua natureza, isolada; não encontra todos os elementos

indispensáveis ao seu desenvolvimênto .

.o material, os estí­

mulos dêste trabalho fecundo, vou pedi-los ao ambiente físico e social.

E ei-lo em dependência da terra e d� sociedade.

Cada homem é assim tributário do tempo e do lugar em que vive.

Os que melhor realizam o ideal humano - o gênio na

linha da intelectualidade, o santo na da perfeição moral, são · os que mais se elevam acima das contingências particula­ ristas e desenvolvem· em si o que há de universalmente e eter­ namente humano. culos.

Por isto a sua influência domina os sé­

Numa página de HOMERO, de .ARISTÓTELES OU de S .

sentimos palpitar algo de eterno, humano, que é nosso e no fundo de nós ainda hoje desperta consonâncias

AGOSTINHo,

profundas.

Ainda assim, porém, nem os heróis conseguem

de todo desembaraçar-se das limitações particlllarizadoras do

É esta uma indigência da .. Não somos porém' espíritos; pelo corpo, en­ tramos no espaço e no tempo, pertencemos a Ullli país, a um.a raça, e daí sofremps inúmeJ,"as restrições nos nossos desen­ volvimentos possíveis. Não nos detenhamos, porém, neste

seu tempo e do seu ambiente: nossa natureza.


tO

questão, índice apenas de uma natureza menos rf ita; d

um espírito im:erso na llllatéria e que, na escala'

dos sêr s espirituais, ocupa apenas o primeiro degrau. Fixemo-nm> de preferência na perfeição do espírito, na cultura como índice de grandeza espiritual, na possibilidade de desenvolver as nossas riquezas pela

Formação,

formação.

pois, é cultura e cultura é desenvolvimento e

A formação implica antes

atuação das nossas virtualidades.

de tudo e imediatamente a aquisição de técnicos.

E que é uma técnica?

De modo geral, a aplicação de

conhecimentos ou descobertas científicas à melhor sistema­ tização e organização da vida.

São instrumentos que am:.

pliam e facilitam a nossa ação. A inteligência ilumina, a téc­ nica aplica esta luz à atividade.

A ciência descobre as

relações de causa e efeito, a técnica tránsforma-as em rela­ ções de meio a fim. O químico. . . o farmacêutico, o químico­ -industrial... o astrônomo... o na vegante... o biólogo... o cirurgião, o

enfermeiro

hertzianas, BRANLY)

.

(assepsia)... o físico...

o telegrafista.

(ondas

Por tôda parte prende

o trabalho da inteligência- conhecimento da natureza, das suas energias, descoberta de suas leis, das rel�ções de ante­ cedente e conseqüente, segue-se a ação iluminada que visa um objetivo determdriado e adapta os meios ao seu consegui­ menta.

A técnica nasce do diálogo entre a mão e o cérebro.

(LE .RoY.) E êste diálogo não emudecerá nunca e assegurará ao homem um domínio cada· vez mais perfeito sôbre a natureza. É o triunfo do Espírito sôbre a Matéria. O animal )

não inventa técnicos, porqu� lhe falta a inteligência; o que lhe é indispensável para a vida já lhe é ·dado pela natureza, nas associações do instinto. Daí vêdes a ·importância e a necessidade de aquisição das técnicas. São elas que asseguram o nosso

valor profissional

e condicionam em . grande. parte a eficiência da . nossa ati­ vidade.

Quem se recusa a êste esfôrço formador, diminui a

sua capacidade de ação, o rendim;ento do seu trabalho, a uti­ lização real .de sua vida.

Amanhã, na família, na escola,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

na

direção de almas, nas múltiplas• respons�bilidades

-

11

que

impõe a vida social, cometerá �números erros, comprometerá

o êxito de suas iniciativas, terá o imenso desgôsto de ver atrofiar-se, nas formas mais rfiquíticas e sem seiva, tôdas as sementes que a Providência lhe confiara- para que frutif.i­ cas�em 30 %, 60 %, 100.%.

A enferm�ira. .. a professôra..

.

a mãe de família ...

Não nos deixemos iludir pelo sofisma fácil que julga poder substituir-se a competência profissional pela boa von­

tade. M as então não _bastam 1il dedicação e a generosidade para

assegurar o triunfo de uma obra?

Não. Quem é generoso,.

tudo o que tem, mas quem tem pouco não poderá dar senão pouco. A ciência é que assegura, em boa parte, o sucesso de

nossos trabalhos. E as técnicas adquirem-se principalmente na juventude, que é, por natureza, a quadra da formação. Tôdas as nossas fa­ culdades- inteligência, imaginação, memória- apresentam

ii

então uma capacidade aquisitiva que v

os a no s.

diminuindo com

Há, �m tôda natureza nova, uma plasticidade de

adaptação e uma exuberância de recursos, que facilitam a assimilação.

Mais tarde, encerra-se o ciclo das aquisições e cada qual deverá viver dos juros do capital acumul�do. Quem esbanjou_ a sua mocidade em divertimentos e frivolidades verá

a

s ua vida escoar-se na esterilidade, vazia, improdutiva e

triste;

que�· soube aproveitar com seriedade,. constancia e

afinco, os anos abençoados da vida que sobe, opulenta de

seiva, colherá, nas riquezas de. frutos consoladores, tôdas as prpmessas de uma

I

--,-

.formação,

·tante.

primavera rica de esperança em flores.

Aquisição de técnicas - primeira tarefa da nossa não, porém, única,

nem mesmo a mais. impor­

Há ainda outro aspecto da formação, mais profundo, f

mais difícil, e mais indispensável - o da nossa p�rsonalidade. A aquisição das técnicas garante-nos o valoF profis­ sional; a formação da pessoa assegura em nós o mano.

.

As

técnicas aumentám,

por

assim

valor hu­

dizer, - a

nossa .

propriedade, as. nossas riquezas, a nossa esfera de· ação;- a


12

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

formação interior desenvolve o que há de mais profundo em nós mesmos, o nosso eu na orientação

para

dades que constituem a sua razão de ser. redor de nós, os limites do que podemos

Umas traçam, ao·

fazer:

na escala dos valores humanos, aquilo que

as altas finali­ a outra, gradua

somos.

Numa época dominada pela fascinação da máquina, numa. civilização que tanto deve do seu esplendor material e ex­ terno à organização das técnicas, nunca será demasiado in­ sistir sôbre a originalidade insubstituível e sôbre o primad() de grandeza do valor humano.

l.O)

A formação do que há de mais profundo em nóc;

mesmos é antes de tudo um problema estritamente pessoal� melhor, é o máximb problema, o problema• dos problemas,. o problema da valorização da nossa vida. Cada qual recebe com a existência urna razão de ser própria, uma vocação rigorosamente sua; realizá-la é reali­ zar a si mesmo; é responder ao plano divino; falhar a êste ideal é fracassar dolorosamente naquilo que. constitui a nossa razão de ser.

Nós não nascemos nem viemos a êste mundo

para multiplicar os frutos de uma atividade pur�mente exte­ rior, mas para fazer do nosso eu uma obra-pr� de perfei­ ção.

O que fazemos externamente não tem! valor humano

senão ou como meio de cultivar e desenvolver o aperfeiçoa­ mento de nossa alma ou comp manifestação espontânea, irradiação benfazeja da luz e do calor de uma vida íntima elevada.

Separar êstes dois aspectos da existência, cul­ ·

tivar um e descuidar o outro, difundir-se em: divertimentos e ocupações externas e esquecer a nossa elevação íntima

é· cometer um êrro essencial, que comprometerá, irremedi�­ velmente, com as finalidades mesmas da vida, o segrêdo da nossa paz e felicidade. Não são a multiplicidade e a agitação

febril que nos saciam a alma. Quando, nas horas. silenciosas, descemos às profundidades de nós mesmos para darmos um balanço ao que nos vai ficando dos dias, que irrevogàvelmen­ te passam uns após outros, o que nos anima, consola e pacifica e vermos. q,ue, insensivelmente, com os anos vai também subin-


A FORM'AÇAÇ) DA

PERSONALIDADE

-

13

do a nossa· alma, cada dia mais amiga da verdade e da justiça, menos egoí ta e mais dedicada, menos escravizada à vicissi­ tude do que nos cerca e mais igual a si mesma, mais gene­ rosa na caridade dos nossos irmãos e mais iluminada no co­ nhecimento e mais ardente no amor de Deus. :;entirmos assim a nossa vida que sobe;

Que paz

sentirtruls que a

<>bra-prima de nossa existência se vai realizando e que um dia poderemos apreciá-la terminada, num hino de gratidão

à contemplação dos olhos de Deus!

2.0)

Probletn;a pessoal, valorização da vida e paz inte­

rior, mas também problema tolado.

de eficiência�

problema de apos­

Todos nós, de uma ou outra forma, somos e sere-·

mos educadores.

Tomo aqui a palavra

"educação"

no sen­

tido mAis amplo, em tôda a fôrça de sua etimologia, de in­ fluência que eleva as almas.

Quem não educa não deve

exercer ao redor de si esta irradiação conquistadora, esta influência que eleva?

Não educa só a professóra.

.•.

a mãe: ..

- educa a diretora de obra... ; educamos - todo� na convivência social.

·

Ora, a influência educadora do homem mede-se pelo seu valor humano.

O homem vale não pelo que diz ou pelo que -

faz, mas pelo que é.

Necessário o valor profissional, necessário o valor hu­

mano, nos planos diferentes; corno necessário o corpo, neces­ sária a alma para completar o homem. . As. técnicas são .

os instrumentos;

quem os maneja, ·quem lhes dá o valor

para atingir o fim elevado que se almeja é o homem.

Antes

de tudo, porque a vida bela é a prova irrecusável da since ridade das palavras belas. As nossas exortações não pas­

..

sarão de sonoridades vazias se não as garantirmos com o exemplo das· nossas realizações vivas.

Os que nos cercam

ouvem o que dizemos e vêem o que somos; se houver desa­

ct>rdo a ndssa influência será nula ou pouco menos -que

isto. Quando os discursos se orientam num sentido e a vida no outro, os discursos parecerão hipócritas, .e o homem detesta a hipocrisia.

·


14

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Mais. A educação é um processo vital, é a comunicação de uma vida. E só a vida comunica -e transmite a vida. ::mste princípio é geral em tôda a biologia: o semelhante gera. o semelhante. No mundo da vida superior, da vida do pen­ samento e do coração, das idéias elevadas e dos sentimentos nobres, deixa êle porventura de ser verdadeiro? Não; muito pelo contrário aqui Infl.is do que em qualquer outro domínio os vivos procedem dos vivos. O educador, em cuja alm.a se estancaram as fontes da verdade e do amor, esterilizou-se como educador. O que êle diz não vai além da superfície, é uma lição que desliza; é que êle só crê, espera. e ama o que das profundezas da sua consciência lhe inspira e orienta os atos, que exerce influência profunda. Pobre criança a que cresceu numa atmosfera de mediocridades! Feliz do homem que na vida encontrou a luz e o estírllulo de um grande e nobre exemplar de homem: "Tôda alma que se eleva, eleva O mundo." (E. LESEUR.) 3.0) É ainda esta fomnação em nós do valor humano que dará à nossa atividade social a plenitude do seu rendimento� Nós, católicos, temos da ação social um conceito muito ele­ vado. Em tôdas as nossas obras de assistên�ia social, das mais modestas às de mais larga envergadura, o que visamos em última análise é o homem, é levar aos nossos seme­ lhantes a possibilidade de se realizarem integralmente; de atingirem, também êles, esta paz e felicidade profundas que não se encontra fora da nossa vocação essencial. Ora, esta finalidade só a poderá compreender perfeitamente e reali­ zá-la com eficácia quem antes de tudo trabalhou em si mesmo por desenvolver o que há de mais nobre e profundo nas ·riquezas de sua alma. Importante, como vêdes, acima de qualquer encareci­ mento, a formação em nós dos valores humanos; oportuna, para êste fim mais do que qualquer outra a quadra da ju­ ventude. Se para a aquisição das técnicas é favorável a plas­ ticidade dos anos novos, para a moldagem das almas é de necessidade imprescindível. Nós não vivemos em vão; cada


A FORMAÇAO

DA

PERSONALIDADE

-

15

d ia que se passa, cada ato que praticamos deixa em nós o sulco de sua passagem; é uma direção que se firma e uma disponibilidade que se perde. Com o perpassar dos anos ·o desenho se vai acentuando nas suas linhas definitivas e não é possível refazê-lo. Não somos de cêra. . . somos de mármore. Tornai uma

iôlha de papel; com ela nova podereis construir um belo modêlo; dobrai-a, porém, n� e noutro sentido sem que as dobras obedeçam a um· plano; pior, amarrotai-a desordena­

damente; tudo

trará

o que quiserdes fazer mais tarde desta fôlha

indelével a fealdade e a anarq�ia dêstes vestígi�s inde­

léveis .. Na vida espiritual, passa-se o mesmo; não se destroem as impressões desastrosas _de uma juventude mal vivida. Mesmo uma conversão profunda, que poderá imprimir a · uma vida um rumo de todo em todo diferente, terá que res­ gatar, numa luta mais viva cQ.tn as sobrevivências indese­

jáveis do passado, as êrro de princípio. E

conseqüências dolorosas de um grande a conversão não. é o jdeal; é um re­

médio. O ideal de llimt vida humana é crescer para o alto retilíneo e elegante como uma palmeira. Fàcilitar esta formação moral é a finalidade. destas nossas pequeninas e modestas palestras. Não temos programas rí­

gidos: o

nosso programa obedecerá à flexibilidade orgânica

das coisas vivas.

O que elas pedirem de nós, isto faremos.

E faremos em col�boração estreita.

Dificuldades que vos

ocorreram, questões ·que desejais estudar melhor;

propon­

de-me com tôda a sinceridade; por escrito ou de viva voz ... Rio,

1-IV-38. - .


ESCOLA úNICA Parece-nos de bom conselho excluir do programa de re·

É ambí­

construção nacional a expressão "Escola única".

gua e presta-se a numerosas e disparatadas interpretações, algumas das quais, se viessem a ser realizadas, representa­ riam um regresso nas nossas institu�ções de ensino.

1.0-

Para muitos autores e em vários lugares a Escola

única é uma reiVindicação socialista e comunista. A um co­ mício de camaradas reunido em julho de

1922 dizia BLUM: só será

"Creio que o dogma republicano da Escola única

realizado pelo socialismo." E o Inspetor-Geral da Instrução Pública: "A Escola única é a idéia socialista que. cai num meio que ainda o não é." De fato, muitas das exigências que se cobrem com êste nome supõem que o EStado é o único Pai da família e único Patrão, e único proprietário. É a or­ ganização comunista da sociedade.

O exemplo da Rússia

que é até agora um dos raríssimPs países que adotaram ofi­ cialmente a· escola única aí está a confirmá-lo .

2.0

- Para outros autores a Escola única é sinônim�

de monopólio do Estado; é a morte da iniciativa particular

tão benfazeja em matéria de ensino; é

um golpe profundo

contra a liberdade profissional que constitui um dos eixos constitucionais na organização dos países livres. recentemente

o pequenino

Estado de Oregon,

da

Quando

C<>nfe­

deração Norte-Americana, quis monopolizar o ensino, estabe­ lecendo a F4>cola única do 1$tado, a Iéi foi denunciada como anticonstitucional ao Supremo Tribunal que na sua sessão de

1

de junho de

1925

assim fundamentou a sua sentença:


A FORMJ\ÇAO DA PERSONALIDADE

-

17

"O Estado não tem de m odo algum o poder geral de esta­

belecer um; tipo uniforme de educação par� a j uventude, obrigando-a a receber instrução somente nas escolas públi­ cas." É uma sentença a meditar e um exemplo a seguir.

3.o

-

Numa acepção mais aceitável a Escola única im­

plicaria uma organização de instrução pública em que as carreiras liberais não fôssem unicamente acessíveis a uma classe social com exclusão de outras. �ste regime j á de muito nós o adotamos na nossa dempcracia .

Das nossas escolas

primárias podem os alunos sem dificuldades passar para os ginásios

e

daí para as Universidades .

Introduzir portanto

uma expressão elástica, equívoca,

i mprecisa, que poderá dar margem a controvérsias infin­

dáveis ou a realizações pedagógicas arriscadas e funestas,

-

num programa de reconstrução nacional que deve congregar as energias sadias e tradicionais de todo- o povo brasileiro,

não me parece nem j usto nem prudente: . Não há problema: tão essencial à vitalidade de um povo como a educação das gerações que, sucedendo-se no tempo,

lhe asseguram a existência, o vigor e o progresso . Na orga­ nização da escola j ogam-se os destinos do futuro .

Debatendo-se numa das crises mais angustiosas que re­

gistra a história, a hum.anidade de hoj e, numa esperança ge­

nerosa de desanuviar os horizontes de amanhã, volta-se an-· siosa para a formação de novas gerações .

Onde declina o valor especificamente humano dos cida­ dãos, a abundância de bens materiais não assegura a felici­ dade das nações; eis a verdade que no· grau de crise· de ci­ vilização que atravessamos trabalha talvez inconscienteinen­

te tôda a fermentação pedagógica dos nossos dias . Mas num problema tão complexo e deli'cado como o que de mais perto

enténde com o homem, a sua formação e os seus destinos,

não é de maranhar se entrelacem com as intenções mais generosas os preconceitos de velhos sistemas e os arroj os de ideologias temerárias e aventureiras.

A escola, ponto estra­

Ugico em que o presente domina o futuro, será natural-


18

-

A

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

mente o alvo das ambições conquistadoras de quantos par­

tidos, políticos ou filosóficos nascidos ontem aspiram asse­ gurar a duração de sua influência .

Neste momento em que o Brasil, num grande esfôrço

reconstrutor, procura lançar os alicerces de um porvir mais seguro, faltaríamos aos nossos deveres de cidadãos, e de bra­ sileiros, se numa exposição serena e desapaixonada de prin­

cípios que j ulgamos essenciais a qualquer renovação ped a

­

gógica eficaz, não trouxéramos a sinceridade de nossa coope­ ração no bem comum.


EDUCAÇÃO Exórdto - Do ·.menso

campo da ação católica, a educação ocupa mais importantes.

: l - desen olver )

o organismo,

)

a inteligência,

)

a vontade.

volver harmônica e jeràrquicamente. rro de RouSsEAU - "bündade natural": a) contrário à fé, ·

õ)

à observação psicológ�ca: a)

registrada na histór �a da humanidade,

b)

registrada na nossa própria experiência.

A natureza é decaída. A educação tem por

fim restaurar a harmonia pri­

mitiva, restabelecer o equilíbrio perdido. Dois corolários:

1.0

-

Educar não é instruir. Diferenças.

2.0

-

Não há educar sem religião.

Peroração - Educação das almas adultas.

As pro fessôras e normalistas no "Sa cré-Creur", 17-V-28.

Aos Congr�ssistas,

2-IX-28.


O campo da ação é �nso como o das e igências sociais do bem.

Onde chora uma dor, onde se es �onde envergo­

nhada uma miséria, onde precisa de luzes u na inteligência e de confôrto um coração, onde há uma alma humana a de­ fender ou a co11:quistar, aí deve a caridade cri tã multip· car ·

a eficácia e a delicadeza dos seus recursos. É um teatro de atividade grande como o mundo, perene com que se sucedem.

as gerações

É assim a ação do pol, benfei or incansável

de quantos vivemos cá na terra. �le é quem

os ilumina e

com a sua luz matiza o cenário da natureza e

tôda a poli­

cromia_, dos seus cambiantes; êle é quem nos

uece, e tios

seus reservatórios inesgotáveis de energia ali

enta o n\o­

vimento e a vida; êle quem purifica e saneia

s ares e 'i.S

águas dos seus germes mortíferos, impedindo que as enfe.r­ midades normais se avolumem em epidemias desoladora:;, impedindo que as epidemias passageiras se perpetuem en1 hecatombes irremediáveis. Iluminar, fortificar, sanear, hoje e amanhã e sempre, eis a função do sol no mundo dos corpos, eis o dever da ação católica no mundo das almas. Mas se é universal para tôda a Igreja o ca� de sua irradiação benfazeja, para cada al.Iha em particular é neces­ sàrlamente limitada e restrita a esfera de influência que lhe assinala a Providência. Falei-vos já da necessidade e importância da ação cató­ lica nas suas grandes generalidades. É tempo de descer em particular ao caintPo que se entreabere às aspirações de vossas esperanças. Na distribuição providencial, poucas almas foram tão bem quinhoadas como vós. Outros terão que reformar almas


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

21

Ja deformadas pela vida; vós podereis dar-lhes a primeira formação, orientado1-a profunda de tôda a existência. Outros encontrarão, no exel'cício do seu zêlo, a grande barreira psi­ cológi ca de hábitos adquiridos; vós podereis plasmar êstes

hábitos que constitu em1 para sempre o caráter do homem. O bem que se faz z�s jovens, diz LACORDAIRE, é "dos que mais comovem o coração de Deus; porque Deus é a juven­ tude eterna e se com.J.?raz naqueles que, na caducidade fugaz

das nossas idades, trazem por um instante esta sen1.elhança com a sua pr ópria essência. ". Entremos,

pois,

no

campo imenso e

comecemos por

formar hoje uma idéia exa.ta da educação. Educar é prepara1: o homem para a vida, é fazer de uma criança, dêste serzinho frágil, inconsistente, plástico, um

homem completo, coru�ciente de suas responsabilidades e de seus deveres, conhecedor: de suas obrigações no tempo e dos seus destinos na eternidade e deeidido a usar os recursos de sua liberdade para a realização perfeita de sua missão na

terra. A natureza obed

.

à lei da continuidade, não dá saltos improvisos: na ura non jacit saltus. Antes dos es­ e

plendores do meio-di , as penumbras do crepúsculo e as côres suaves da auror ; antes dos ardores do verão, as fres­ curas da primavera; a tes da utilidade definitiva dos frutos, os encantos da flor. Também na vida do homem há uma idade de flores, há uma primavera e uma aurora. É a quadra da formação; tudo nela é desabrochar, tudo são esperanças, ' .a vida está tôda tendida para o futuro num· esfôrço de rea­ lização como para uma promessa, para a atuação de um ideal Preparar a criança p�a a realização dêste ideal, cola­

borar com Deus, completando-lhe por assim dizer a obra criadora, levando o homem à perfeição integral de sua na­ tur�a, eis a função nobilíssima do educador. 1Edp.car, portanto, é antes de tudo desenvolver . Tudo na

criança

são potencialidades que importa atuar.


22

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Fisicamente é um organismo tenro; importa assistir-lhe no crescimento, fortalecê-lo para o trabalho pesado da idade viril, aumentar-lhe a resistência contra os assaltos poss íveis da enfermidade, beneficiar, em matérj,a de higiene, a sua individual com o patrimônio adquirido da

inexperiência

ciência e da experiência dos que o precederam - desenvolver

o organismo: a educação física. Acima, porém, do corpo que o apJ�oxima dos animais o homem é também e principalmente int:eUgência e vontade, e sôbre estas nobilíssimas faculdades é que se deve com par­ ticular esmêro exercer a ação educadora.

A inteligência feita para a verdade, como os olhos para a luz, é, no princípio da evolução humana, como tabula rasa in qua nil est scriptum, no dizer de ARiSTÓTELES, é uma fôlha. em branco. Não é, porém, uma fôlha morta, é um prin­ cípio vivo de atividade.

Vêde o desejo de saber palpitar

nestas pupilas inocentes que se abrem curiosas ante o es­ petáculo da natureza, a despertar-lhe o interêsse com os en­ cantos de uma grande novidade; vêde como diante de cada nova manifestação do desconhecido conhecido, aflui espontânea aos seus

e tudo então é des­

ábios a série intermi­ nável e por vêzes indiscreta dos porq ês e dos cornos. Res­ ponder acertada e prudente e progr sivamente às interro­ gações da inteligência que inquire, f9rtalec3-la, discipliná-la no exercício dos seus atos mais noQres, elevá-la bem alto para lhe rasgar os amplos horizontes do mundo e os hori­ zontes infinit-os do céu, - numa palavra, desenvolvê-la

eis a educação intelectual. Paralelamente à inteligência feita para a verdade, des­ pertam a vontade e o coração com o frêmito de suas aspira­ ções para um ideal de beleza e de virtude. Também ela quer desenvolver os germes latentes de suas virtualidades.

Fir­

má-la na orientação constante para o bem, robustecê-la na , luta contra os obstáculos, infundir-lhe coragem para a Iru­ ciativa, energia na ação, perseverança contra as veleidades


A

FORMAÇÃO

DA PERSONALIDADE

-

23

dos caprichos, equanimidade interior contra as vicissitudes externas de tudo o que nos cerca - é o campo imenso da

educação rrwral. Educar, pois, é desenvolver, mas nem todo o desenvol­ vimento é educação. S ó educa q�em desenvolve aperfei­ çoando e só aperfeiçoa quem restabelece e conserva em equi­ lí brio estável a jerarquia essencial dos valores humanos. Encontramos aqui, pela frente, um dos erros modernos mais funestos à pedagogia; é o êrro da bondade ingênita, natural do homem. Vós lhe conheceis o autor, um desequi­ librado genial e malfazejo que muit o• foi influenciado pela atmosfera social que respirou - o s�culo XVIII e mais -

funestamente ainda influiu na sociedade que se lhe seguiu - o século XIX; um homem que escreveu um tratado cé­ lebre da educação, êle, filho que desamparou o próprio pai, · êle, pai que atirou os próprios filhos numa casa de expostos, sem nunca lhes haver murmurado ao ouvido o nome de sua mãe; vós já lhe pronunciastes o nome: J'. J. RoussEAU. Se­ gundo as suas teorias expostas no Émile, o homem nasce naturalmente bom,; na criança encontram-se, sem mescla de tendências más, os germes de tôdas as virtudes; instintiva­ mente a sua alma procura o bem, como a planta o sol. Deixai que se desenvolvam espontâneamente êstes ger­ mes feli zes, deixai que cresçam, como as plantas selvagens, sem o benefício da poda, em tôda a fôrça expansiva e indo­ mada de sua exuberância nativa, e tereis o homem natu­ ralmente e por si mesmo fo:rte, bom e virtuoso. A teoria de RoussEAU é a antítese do dogma cristão. Todo o cristianismo - redenção, isto é, regeneração e rea­ bilitação do homem por Cristo - descansa sôbre a verdade hi stórica de uma decadência original da nossa raça 1 e do pecado do primeiro homem a introduzir a desarmonia no

1

Deus não criara o homem tal qual nasce hoje sob os nossos

olhos, isto é, sÜjeito ao êrro, ao vício, à miséria e à morte.


24

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

plano divino.

Criatura, isto é , por essência dependente, o

homem devia, pela submissão livre de sua vontade, gravitar em tôrno de Deus, como os planêtas ao redor do sol. O pe­ cado foi a revolta contra esta ordem essencial e, portanto, necessária e imutável. A esta desordem introduzida pela culpa nas relações com Deus, corresponde como a pena outra· desordem introduzida no interior do homem. Rompeu-se o eqJ.Iilíbrio harmônico da sua integridade primitiva; revolta­ ram-se contra a razão as paixões, e entre o homem s uperior e o hqmem inferior, entre a parte angélica e espiritual do nosso ser e a parte animal e material inaugurou-se :esta luta épica, mãe de tantas lágrimas, que enche a história da ·hu­ manidade, também ocasião dolorosa da ignomínia de tô das as nossas misérias e teatro da grandeza dos nossos heroís­ mos . A grandeza moral do homem,

antes

fruto espontâneo

da nossa natureza, passou a ser a conquiista gloriosa e pe­ nosa de u:ma vida de esforços e de lutas. Eis a verdadeira história da humanidade, consignada na primeira página aós nossos livros sagrados. Antes, porém, de ser uma heresia, a teoria de RousSEAU é um grande êrro de observação psicológica. Se contradiz a fé , não se opõe menos flagrantemente à experiência. Exp e­ riência dolorosa que .ecoa como um grito lancinante de an­ gústia, pelos séculos a fora . S. PAULO, falando em nome de tôda a natureza humana que êle em si personificava, rompia nesta confissão pungente: Sinto neste corpo de morte uma lei que contradiz a lei do meu espírito, pela qual não faço o bem que quero e faço o mal que não quero. S. PAULO é a

voz do homem resgatado pelo Cristo, iluminado já pelos es­ plendores da fé, que atesta mais vibrantemente estas defi­ ciências da natureza decaída. Mas, com a simples luz da razão não a via menos um pagão, contemporâneo seu, um. dos grandes e corrompidos poetas do século de AUGUSTO. Quem

não

conhece os versos tão profundamente humanos

de OvÍDio: Video meliora proboque, deteriora sequor.

O

me-


A FORM!AÇAO DA PERSONALIDADE

lhor,

bem o vejo,

-

25

mas o pior eu sigo, que PETRARCA tão ener­

gicamente f êz seus e italianos:

Veggio'l meglio ed al peggior m!appiglio. El as citações poderiam enfileirar-se �:qJ.. séries intermi­ á n veis colhidas com igual facilidade na pena austera de algum cenobita medieval, ou nos versos levianos de algum literato moderno.

Se ao testemunho, raras vêzes conver-

gente, do asceta .e do artista quiséramos acrescentar a voz fria da ciência, lembraríamos o nome de LE PLAY

.

Foi êle,

como sabeis, quem, nos meados do século passado, por pri­ meiro aplicou sistemàticamente o método ·positivo de obser­ vação ao estudo dos fenômenos sociais. Depois de examinar

de perto a condição da vida real de quase todos os povos da Europa, entre outras. muitas conclusõ es �portantes a que chegou, uma foi de todo em todo contrária às asserções gratuitas de RoussEAU: "Esta opinião, escreve êle lacônica mas energicamente, eu a tenho por errônea."

Em nome da Psicologia fale MoRsELLI: "Tôda a nossa vida mental é um contraste entre a inibição e a impulsão e tu d o o que é verdadeiramente nobre e grande é de origem inibitiva." (Limiti della coscienza, na Riv. di Filosofia, set.­

out. de 1 9 13 . ) Em nome d a Pedagogia fale FoERSTER: "A verdadeira per­ sonalidade do homem está no mais profundo de sua vida espiritual; n ós não a desenvolvemos senão na medida em.

que ajudamos a alma a assenhorear-se dos sentidos e das paixões. Mas só à viva fôrça é que se conquista êste domínio

da alma, esta espiritualização do homem todo.

Só afir­

mamos a nossa personalidade resistindo à expansão pura e simples do nosso indivíduo. Quanto mais êste se abandona a si próprio tanto mais se atrofià a nossa personalidade.

Só pela disciplina e vitória de si mesmo é que se alcança . Os homens de

a liberdade e a verdadeira independência.

.


26

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

hoj e assemelham-se ao estatuário que �tirasse o martelo di­ zendo que o bloco é mais belo que a estátua e esculpir é con­ trariar a natureza em sua glória." fr.

(Schule u. Charakter, tr . L'ecole et le caractere, pp. 1 18-120.)

Mas não há mister recorrer à autoridade alheia . Esta ' experiência univ ersal que vem repercutindo de século em século na consciência da humanidade, nós a sentimos res·

soar, forte e poderosa, no interior das nossas almas . Quem é que, mesmo no meio do caminho de sua vida, não sente p�r vêzes as rebeldias desta natureza indômita a conservar, , ainda após anos de esforços e de lutas, a sua triste c apa­ cidade de pecar? Um dia, a um possesso que lhe foi apresen­ tado, perguntou Cristo: qual é o teu nome? "Legião" não seria talvez a melhor definição do posso interior quando lhe sondamos com sinceridade as profundezas recônditas? Quan­ tos "eus" desarmonizados não subsistem na unidade do nosso eu!

Há o "eu" maquiavélico, friamente .egoísta,

capaz de

sacrificar tudo ao seu bem-estar pessoal, desej oso sempre de ser o centro, em derredor do qual gravite tudo o que o cerca: pessoas e coisas . Há o "eu" violento e irascível, inj usto e im­

paciente de qualquer contrariedade, pronto à agressão e à vingança, a ferver muitas vêzes de cólera sob as aparências compassadas e o sorriso artificial impôsto pelas regras da cortesia . Há o "eu" comodista, indolente, amigo do sono e do dolce /ar niente, que sabe multiplicar pretextos para . adiar as tarefas duras, que borboleteia sempre à superfície dos deveres penosos, que descarrega sôbre o mbros alheios tudo o que lhe parece pesado, ou se esgueira furtivamente

quando um trabalho desagradável procura voluntários ge­

nerosos e dedicados. E quantos outros "eus" não poderíamos ainda encontrar se se iluminassem todos os cantos da nossa Jerusal�m com o clarão sincero de lanternas bem acesas! Perdoemos, porém, p or agora ao nosso amor-próprio a con­

tinuação humilhante dêste exame psicológico e conservemos,

o que nos importa, - a averiguação incontestável de um


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

27

grupo de tend ências más que se op õem instintivamente ao desenvolvimento e perfeição da nossa vida moral . Ora, êstes est i gmas de uma decad ência não 9s adqui­ rimos na idade madura, trazemo-los desde o berço e j á na infância se lhe observam as primeiras manifestações . Quan­ tas v êzes náo surpreende mo s as mãozinhas inda inofensivas da criança crisparem-se nervosas num gesto mal esboçado de egoísmo impotente ! Quantas vê zes nos olhinhos cândídos, suavem ente iluminados pelos reflexos da inocência, não re­ lampejam chispâs que profetizam cóleras futuras ! Desta triste verdade sôbre a natureza humana, não me­ nos evidentemente afirmada pela fé do que atestada pela experiê ncia, derivam para a educação conseqüências de um a gravidade extrema . Não se obtém a unidade e a paz interior da nossa perfeição humana deixando que se desenvolvam desordenadamente todos os instintos e tendências que dor­ mem no fundo da nature za . Há uma j erarquia essencial nas nossas faculdades que importa respeitar, mas respeitar li­ vremente . A harmonia, o equilíbrio sadio que condiciona a nossa felicidade não é um fruto espontâneo, é uma con­ quista laboriosa . Desde o alvorecer da consci ência, a criança já se deve habituar a . vencer a si mesma, a assegurar o d o­ mínio da vontade .sôbre as paixões, da razão sôbre os ins­

tinto3, da reflexão sôbre a impetuosidade dos primeiros im­

pulsos; numa palavra, deve aprender . a governa1·-se, subor� . dinando o que é inferior ao que é superior, introduzindo a ordem na anarquia das suas tend ências, j erarquizando, sob .

.

o cetro firme de uma vontade iluminada pela razão, a multiplicidade dispersiva e -inerente a todos os seus princípios internos de atividade. Não queremos ainda entrar no estudo pr_ático dos meios eficazes de realizar êste ideal pedagógico, indispensável para a formação do homem . F.:stamos ainda na aná lise geral do conceito de educação. Se quisermos lançar um olhar retros­ pectivo ao cami:p.ho já per corrido , poderíamos cifrar os re-


28

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

sultados adquiridos nesta definição . Educação é a formação integral do homem, pelo desenvolvimento gradualmente pro­ gressivo, harmônico e j erárquico de tôdas as virtualidades ele· sua natureza . Daí derivam dois corolários de suma importância, a

que

não poderei deixar de acenar, ainda que com a brevidade que me permite o tempo . O primeiro é a diferença essencial

entre

instruç ão

e

eduaação . Comumente se distinguem êstes dois têrmos atri­ buindo o de instrução à cultura da inteligência e o de edu­ cação à cultura moral . Não é perfeitamente exato : há tam­ bém

uma

instrução

n1oral

e · uma

educação

intelectual.

Peçamos luzes à etimologia . Instruir é primitivamente edi­ ficar, , construir e em significação mais estrita é prover, m.o­ biliar, subministrar ; educar é primitivamente tirar para fora o que se acha dentro, derivadamente atuar o que se achava

em estado de potência, transformar em realidade, em há­

bitos, a� disposições que se encontram latentes e em germe r

na natureza .

Como vêdes, a instrução

subministra conhecimentos à

inteligência ; a educação eleva tôda a alma ; a instrução di·­ rige-se a uma das nossas faculdades à qual propõe o seu obj eto, a educação

desenvolve-as tôdas harmônicamente . A

educação apresenta-se-nos com um aspecto de totalidade, de perfeição, de acabamento, enquanto a instrução cultiva uma só das funções humanas, e ainda assim não integralmente .

Sim; ao lado da instrução há também uma educação inte­ É instruí do quem possui muitos conhecimentos,

lectual .

quem sabe o que dizem os livros sôbre um deterrruinado as­ sunto ; mas é

educado intelectua lmente quem tem a sua in­

teligên�ia desenvolvida, quem sabe fazer análises, sínteses,

raciocínios seguros, críticas exatas, numa palavra quem é capaz de pensar pessoalmente .

Um erudito pode ter lido

muitas filosofias e não ser um filósofo ; po de ser versado em muitas literaturas e· não saber dar a duas idéias a elegância I


A

ática

de

FORMAÇAO

DA PERSONALIDADE

-

29

uma bela expressão literária . A educação tem, pois,

um caráter

de interioridade, de desenvolvimento vital que

falta à instrução, mais

receptividade passiva de conheci­

mentos comunicados de fora . nico

Já por vós mesmas chegastes a perceber o vício orgâ­ de tôda pedagogia que se ocupa exclusivamente ou

mesmo principalmente de instruir e pouco ou nada de edu­ car . É a subversão mesma do ideal pedagógic o .

cação

car,

Só a edu­

forma homens, enquanto a instrução faz doutos; edu­

portanto, é fim ; instruir é meio . ESta pedagogia radi­

calmente falseada é por desventura em boa parte a peda­ gogia moderna .

1

Felizmj'ente a crise. parece que vaí pas­

sando .

Já se foi o tempo da frase reboante de V. Huao : "Abrir uma escola é fechar uma prisão . " Hoj e j á ninguém

crê na reforma da humanidade pela simples cultura da in­

teligência . A pedagogia de base exclusivamente intelectua­ lista abriu falência . Multiplicam-se as escolas e . �

.

com elas

também os cárceres . Inflaram-se as inteligências com um enciclopedismo fácil e superficial - e os caracteres entra­

xam a baixar . A própria instrução foram as vontades fracas

e

desorientadas pedir instrumentos dos seus crimes mais re­

finados . Depois da psi cologia, vem a experiência dar razão

a RABELAIS : "Ciência sem consciência é a ruína das almas" ;

e

a GoETHE m.ais profundamente :

"É pernicioso tudo

0 que

liberaliza os nossos espíritos sem assegurar o domínio do nosso caráter." Esta conclusão que fech� o primeiro corolário abre na-

"Une instruction universelle et se perfectionnant sans cesse est remêde aux causes générales des maux de l'espece humaine." ÜONDORCET . Citado por A. FOUILLÉE, p. 424, que depois critica (p. 427') : "Le defaut général de notre sisteme d'enseignement a été la predo- . rninance de la conception intellectualiste et rationaliste, héritée du dernier siêcle et qui attribue à la connaissance, surtout scientifique, un rôle exageré dans la conduite morale." ( Revue des D e ux Mondes, 15 J an. 1897 . 1

le seul


30

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

turalmente o segundo :

a importtlncia transcendental da r e­ ligião na pedagogia . Sim, é impossível educar sem educar

religiosamente . Nem a inteligência pode atingir a sua per­ feição sem a luz das verdades religiosas, nem a vontade e

o coração fortificar-se contra as lutas da vida sem mulo dos motivos religiosos . Nada mais evidente .

o estí­

Se a educação é uma expansão consciente das nossas faculdades,

uma

elevação

progressiva

da

nossa

natureza

para atingir o seu fim ou a sua perfeição, o que antes de tudo se impõe ao educador é conhecer e comunicar a<> edu­ cando uma visão nítida dos seus destinos . Preconizamos e reconhecemos sem

hesitações

a

utili·

dade de conhecer a natureza na maravilhosa variedade dos

seus fenômenos . Estude-se, na goografia, a configuração do

globo terrestre ; na história, a vicissitude dos impérios e das instituições humanas ; na geometria, a certeza imutável dos seus teoremas ; nas ciências físicas e naturais, a estrutura e atividade dos sêres e das energias que nos cercam .

Mas

de que servirá ao homem todo êste patrimônio de conheci­ mentos contingentes e particulares se êle não chega a rea­ lizar o único fim para que foi criado? Mais do que tudo o

que lhe importa saber é a finalidade e o valor da vida ; os

meios que lhe asseguram a sua felicidade definitiva ; o ca­

ráter relativo do tempo ; a regra imutável do dever; o que

lhe cumpre fazer e o que pode esperar ; o que é, donde vem e para onde vai . Por que tantas lágrirn.as? Por que tanta injustiça, depois de tanto progresso e tanta ciência? Ora a solução a estas questões só as pode dar e só as dá a religião .

Ignorá-la é não ter ideal n a vida, é deixar

p ar a sempre em estado de dúvida e de enigma e de tortura tôdas

estas

interrogações

que

reclamam

uma resposta de tôda alma que pensa . ignora

a

religião

é

necessàriamente

imperiosamente Inteligência que

incompleta .

Poderá

saber tudo o mais, ignora o essencial, sem o qual tudo é

nada .


A FORMAÇAO

DA PERSONALIDADE

-

31

Se a religião, pelo ensino das altas verdades que mais nos interessam, aperfeiçoa e pacifica as inteligências, para o

caráter

sobretudo,

é

a

escola

insubstituível

de

tôda

grandeza moral . O caráter apresenta uma feição meiga que nós chamamos comumente coração e uma feição forte à qual reservamos o nome de vontade . O coração que -desabrocha é o que há de m ais õ elo na

criança . Il est si beau l'enjant avec son doux sourire .

Huoo . )

Que candura naqueles olhos inocentes .

(V.

Como ·sus­

tentam abertos e serenos e sem pestanejar o olhar pene­ trante e investigador das mães que descem até às profun­ dezas da alma ! Que espontaneidade de sentimentos, que sen­ sibilidade e que ternura ! Belo, porém, como uma rosa que desabrocha, o · coração infantil é delicado como um lírio . Para conservar-lhe a candura virginal, só uma atmosfera religiosa . Longe dos olhos de Deus .

longe da hóstia ima­

culada, não se conservam puros os corações . Bem cedo, o vício precoce passa, como o vento abrasado do deserto cres­ tando tôda aquela vida em primavera .

Nos olhos empa­

na-se o brilho da inocência ; morre-lhe nos lábios o sorriso da alegria, o coração fecha-se numa melancolia taciturna.

A alma

não

encontra

entusiasmos

que

ecoem

sim­

páticos aos sentimentos nobres . São meninos velhos, j á vive­ ram antes de entrar na vida . De um dêles disse V. Huao :

" A própria mãe o aborrecia" (sa mere l'ennugait) .

Que abis­

mo e que degradação ! Na evolução normal da criança, à inocência sucede a virtude .

A

inocência, que parece envÓlver no seu conceito

um não sei quê de fragilidade, de delicadeza quebradiça , é um privilégio da idade ; a virtude, que soa fortaleza, energia, sacrifício, é uma conquista da vontade, que se firma no bem pela vitória dos obstáculos . Aqui chegamos ao aspecto forte do caráter . Já vimos que sem uma luta contínua contra as repugnâncias da natureza não há elevação moral, não há unificação interior e hierárquica da alma para o bem . Só um " exercício pessoal da vontade, uma disciplina rigorosa mas •


32

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

benfazeja, uma ginástica moral assegura às molas do querer

a fôrça e a elasticidade necessária ao seu exercício normal" . E onde, fora dos motivos religiosos, se encontrará o estímulo capaz de sustentar êste esfôrço incessante que dura quanto

a vida? As palavras de dever, de honra e de pátria, são vazias, elásticas e ineficazes onde a lei moral se apresenta sem um legislador, o dever sem sanções definitivas que empenhem para sempre a nossa felicidade . Todos os esforços emprega­ dos para a construção de uma moral leiga ou independente têm sido baldados . Os próprios racionalistas lhe proclamam a falência : falência científica na incapacidade de j ustificar racionalmente a noção de dever ; falência prática na ' impo­ tência de o fazer amar e seguir contra os impulsos poderosos do egoísmo humano . Multiplicai?-se as morais; e a moral baixou .

Não há, pois, educar sem educar religiosamente . A razão humana feita para a plenitude da luz descansa no conheci­ mento das verdades contingentes e particulares; o coração humano, infinito na sua capacidade de amor, não se satisfaz com o amor efêmero das criaturas; para os heroísmos do sacrüício precisamos de energias mais fortes que as que nos podem dar os exemplos e as relações sociais . Paz nas inteli­ gências, nobreza no amor, dedicação no dever, só ás podemos encontrar numa vida religiosa, sincera e profunda . Só nesta escola é que se formam os homens, "êstes homens a quem a Pátria pode confiar as suas bandeiras e a religião os seus altares." Não quero concluir sem falar mais diretamente a vós, colhendo para vossas almas um fruto espontâneo do que ficou dito . Falei-vos de educação, isto é, de elevação das almas . E quando é que as almas deixam de elevar-se ? Quando é que

cessa para nós o dever de nos educarmos? Só quando a morte põe um têrmo definitivo à possibilidade das nossas ascensões espirituais . Durante o nosso curriculum vitae; Deus, o grande e primeiro educador, o grande artista das almas, continua a trabalhar na perfeição das suas obras-primas . �le que , para

'


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

33

nos dirigir os primeiros passos da vida, criou êste tesouro de bondade que é um coração de mãe ; que ao desabrochar da

adolescência nos confiou à dedicação de mestres aos quais comunica uma participação de sua autoridade e de sua pater­

nidade; mais tarde continua, com não menor solicitude, a elevar-nos, a aperfeiçoar-nos, servindo-nos dos homens e das coisas, dos contatos duros , dos sofrimentos benfazejos, de tôdas as circunstâncias infinitamente variáveis que entrete­ cem a trama de nossa existência . As nossas almas continuam · sempre a ser germes, isto é , capacidades de novas perfeições,

e o nosso grande dever, o de transformar em realidades tôdas estas possibilidades de bem, tôd ãs -estas promessas, tôdas estas esperanças . Oh ! se a nossa inteligência se iluminara dia a dia com o conhecimento de tôdas as verdades de que é capaz ; se o nosso coração se enobrecera com todos os sentimentos ele vados e generosos que a visão cristã da vida nos inspira ; se a nossa atividade se enriquecera a cada instante com a prática de todos os atos bons que surgem espontâneos no caminho da nossa vida;

oh!

se soubéramos educar continuamente as

nossas almas, levando-as à perfeição total de nossa natureza, teríamos realizado, em sua plenitude, os desígnios amorosos de Deus sôbre nós. Há para cada alrr�a um ideal divino : é sua a história possível escrita pela bondade de Deus . Há para cada um de nós um programa de vida : elevar a cada instante a realidade da nossa existência às alturas sublimes dêste •

grande ideal .

Deo gratias . Rio , 17-5-28 .


EDUCAÇÃO SEXUAL Parece-nos de capital importância excluir qualquer ini­ ciação sexual feita coletivamente nas escolas .

Nos misté­

rios da vida quem deve iniciar os adolescentes são os pais . Só o lar reúne as condições psicológicas e morais para uma educação sadia e eficiente em matéria tão delicada . Entre outros, a iniciação coletiva encerra os seguintes inconvenientes :

1 .o)

N.a mesma idade, o desenvolvimento sexual é ex­

traordinàriamente diverso de indivíduo para indivíduo . Uma instrução adaptada a uns poderia provocar em outros sur­ prêsas funestas, choques nervosos e desequilíbrios morais de que dificilmente viriam a convalescer mais tarde .

2. o )

A explicação feita em público de assuntos tão de­

licados autorizaria depois entre alunos conversas e trocas de idéias sôbre as matérias vistas em aulas .

É mais um incen­

tivo , oficialm€nte sancionado, às conversações ob3cenas e por m eio delas à corrupção sistemática dos mais sadios pelos mais depravados .

3.0)

A iniciação sexual, para se� verdadeiramente eficaz

no dizer unânime de psicólogos pedagogistas,

requer un1

complexo de qual i dades - e entre elas um respeito e an10r à pureza de cada aluno - que fôra ingenuidade esperar se

encontrem em cada professor ou professôra das nossas es­ colas públicas.

Na maioria dos casos, o efeito seria desas­

troso e os escândalos da vida social que tapto se deploran1 , começariam bem cedo a contallliÍn ar as nossas escolas com


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

incrível rações . 4.o)

-

35

prejuízo da saúde, higiene e moral das novas ge­

A propaganda em favor da ini ciação sexual nas

escolas é tôda baseada num falso postulado pedagógico : isto

na opinião de que a corrupção nasce da ignorância . En­ gano. Trata-se aqui muito mais de fôrça moral do que de saber . A verdadeira pedagogia sexual concentra os seus es­ forços na formação da vontade e na educação do caráter e evita d e sp e r tar imagens e c-uriosidades malsãs a que não resistiriam as consciências ainda mal formadas das crianças . é,

s.o) Por êstes e outros motivos, que não nos é dado aqu i explanar, a iniciação coletiva, longe de representar um progresso na pedagogia, tem despertado entre o s m�.lis auto­ rizados mestres, resistências tenazes e condenações cate­ góricas . F. W. FoRsTER, professor de filosofia e pedagogia nas Universidades de Viena, · zurich e Munich, aponta como êrro perigoso "a idéia de que a depravação e superexcitação se­ x u ai s da j uventude moderna seriam o resultado da insufi.. ciência do ensino sôbre a questão sexual, enquanto que a verdadeira causa deve ser unicamente procurada na terrível baixa na educação do caráter e no delírio do prazer, comum em nossa época . Num mei o assim que significa só o ensino? Se o homem não é elevado por uma concepção mais alta da vida, o ensino tenderá, no máximo, a excitar-lhe a curio­ sidade do que se lhe não diz. " (Sexualethfk und Sexualpa­ dagogik, trad. franc. , p. 203 . ) STA!'lLEY HALL, o príncipe dos pedagogos norte-ameri­ canos, depois de assinalar as crises da alma e as perturba­ ções nervosas que são muttas vêzes as conseqüências de se-· melhantes intervenções prematuras, conclui que "devemos detestar tôda espécie de iniciação coletiva. " (Educa tional Problems., New York, 1 9 1 1 , vol . I. )

O Dr. W. STEKEL, especialista de psicoterapia em Viena, no seu estudo sôbre os " E s ta dos de angústia nervosa e seu


36

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

tratamento", Berlim, p. 3 10, conclui as suas reflexões sôbre o assunto com estas palavras : "Sou adversário declarado do sistema de iniciação que se propaga atualmente e que se me afigura uma epidemia m.ental, uma espécie de exibicionismo psíquico . A iniciação coletiva nas escolas é um pensamento �onstruoso cuj a realização acarretaria inumeráveis choques sexuais . . . A questão só pode ser solucionada individual­ mente, e o melhor meio seria que, a começar de certa. idade, os pais introduzam nas conversas coisas sexuais como coisas naturais, sem exposição solene nem cerimônias misteriosas . Não esqueçamos que a raiz de todos os desejos malsãos é a curiosidade sexual e que a iniciação precoce dos meninos seria, para o desenvolvimento da humanidade, um grande prejuízo cultural . " Em nome, portanto, da higiene, da pedagogia e da moral julgamos que se deve excluir dos programas de ensino uma iniciação coletiva, feita nas escolas públicas .


EDUCAÇÃO SOCIAL Solução católica da pedagogia social . Necessidade da educação social sempre e presentemente . Como pràticamente dá-la? I

-

No ensino das diferentes disciplinas

ensino direto e oca-

sional : sociologia, filosofia, matemática, física, geografia, história e literatura . II

-

Na organização escolar :

organização social d a aula, senso social na exigência de questão do selj-government, vantagens possíveis, cautelas prá�icas .

disciplina,

Conclusão . Educação cristã - solícita sempre da formação social . Importância da personalidade do mestre . A.M.D.G.

As professôras d o "Sacr�Creur",

12-X-933 .


Entre os exageros opostos do socialismo e do individualis­ mo, a concepção · cristã da vida dá-nos a solução justa do pro­ blema da pedagogia social . - Não absorvemos o indivíduo na coletividade, reduzindo-o a simples células de um grande orga­ nismp que constitui a sua única razão de ser e desconhecendo­ -lhe os valores intangíveis e inalienáveis da sua personalidade. Mas tampouco isolamos o indivíduo do meio social, exaltando­ -lhe a liberdade incondicionalmente ·e com detrimento das dis­ ciplinas inevitáveis impostas pelas exigências do bem comum. Como pessoa o homem tem. um destino seu, imortal, que cons­ titui a sua finalidade natural e a razão mesma de sua exis­ tênc ia ; os quadros sociais devem organizar-se de modo que constituam o meio favorável ao desenvolvimento das suas personalidades . Por outro lado, como indivíduos os homens são parte de um grande todo, para cujo bem devem na tu·­ ralmente colaborar e não raro sacrificar os seus interêsses particulares ou vantagens individuais e imediatas . A con­ ciliação destas duas ordens de exigências, à primeira vista incompatíveis, realiza-se numa síntese superior e mais pro­ funda que nos mostra na dedicação aos interêsses �oc :ais uma das condições de realização integral da personalidade e no desenvolvimento e aperfeiçoamento progressivo das per­

sonalidades o segrêdo da harmonia, 4a paz e do progresso na convivência humana . Uma pedagogia social, portanto, isto é, uma formação do homem para a vida comum, na família, na profissão, no grupo, na sociedade, é, antes de tu �o , uma exigência da pró­ pria natureza . Pela sua própria natureza e não por uma n ecessidade fictícia, criada pela arbitrariedade de convenções


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

39

mutáveis, o homem é destinado à vida social . A organiza­ ção da nossa vida, em contato com os nossos semelhantes, não obstante a relatividade e a contingência de suas for­ mas

(república, :monarquia) , corresponde

à

uma. tendência

profunda que se prende ao que há de mais inextirpàvelmente humano em nós mesmos . A nossa perfeição, como pessoa, é a perfeição õ.e um ser social. Impossível, portanto, e essen­ cialmente incompleta, mutilada e falha, ·uma educação que

não àparelhasse o homem para o cumprimento de suas in­ declináveis responsabilidades sociais . Formar na criança o futuro chefe de fam.ília, no homem o cidadão, no indivíduo o membro útil da coletividade é função essencial de tôda pedag'ogia completa . Mas a estas exigências de tôda parte e de sempre cada época sobrepõe necessidades particulares derivadas dos di­

ferentes aspectos que vai revestindo, no correr da história, a civilização multiforme dos povos. A quadra que · atravessa­ mos é precisamente caracterizada, como já vimos, pela gra­ vidade excepcionalmente am.e açadora da questão social . Tôdas as instituições fundament�is, tôdas as relações entre indivíduos e grupos, classes e nações, sofrem profundament�c.! as conseqüências funestas de erros que j á remontam longe " mas que só com o volver dos anos vão dando tôda a me­ dida de sua nocividade. As relações econômicas; com as inu­ meráveis questões que necessàriamente se lhes prendem, as instituições familiares com tôda a importância dos seus problemas que interessam, na sua própria fonte, a vida das nações, a organização ' política dos · governos e da autoridade social a condicionar a paz e a estab lldade da vida civil, são alguns dos aspectos desta imensa questão social de que so· fremas �.lgumas das conseqüências e que ainda nos ameaça com catástrofes talvez ma:s dolorosas se lhe não dermos um;1 solução pronta e satisfatória . Preparar-nos a nós e; �ai� ·ainda, aparelhar as gerações que s<? bem ao desempenho das '


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

suas responsabilidades atuais é, pois, uma tarefa que se nos impõe com o rigor indeclinável de um dever de consciência . Nós, cristãos, faltaríamos à missão que nos assina a

Providência, neste momento, se não empregáramos todos os

nossos esforços para sermos, nesta época que Deus quis fôsse a nossa, o fundamento que regenera tôda a ma ssa a luz que ,

ilumina, o sol da terra que conserva e preserva . Não há, pois, que duvidar sôbre a necessidade imperiosa

de uma educação social, imposta inelutàvelmente pelas. exi­ gências comuns e constantes da nossa natureza e pelas con­ dições especiais do momento histórico que vivemos .

Como, porém, pràticamente, formar as almas e prepará­ -las ao desempenho das suas obrigações sociais?

Na educa­

ção social distinguimos, para comodidade de exposição, duas partes de importância desigual : a formação espiritual pró­ priamenae dita, ou a preparação nas almas das virtudes essen­ ciais à convivência e à ação social ; é uma educação da inte­

ligência, da vontade, do sentimento e dos ato s , orientada para o fim que levamos de mira ; em segundo lugar, os pro­ cessos pedagógicos, os métodos práticos e concretos que cons­ tituem os veículos através dos quais se vai transmitindo e

formando o senso social . A primeira destas partes constitui, a bem dizer, a alma da educação social, a out;ra, o seu corpo .

Começaremos por aqui para terminarmos por lá .

N a úl­

tima das nossas palestras desceremos a estas profundezas da nossa vida espiritual que é absolutamente necessário atin­ gir para plasmar as alrna s neste espírito de dedicação, de sacrifício, de amor, sem o qual a solidariedade não passa de uma palavra sonora e vazia . Hoj e, seremos mais concretos e percorr�remos ràpidamen­

te

-

o teffiiPO não nos permdte descer a pormenores muito

miúdos - os diferentes meios de que nos é possível servir para ministrar uma instrução e uma prática sociais . Na vida de um colégio podemJos distinguir as disciplinass

que se ensinam e as molduras gerais da organização escolar


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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41

que enquadram tôda a vida do aluno. Umas e outras pres­ taiDr-se de modo diferente aos nossos desejos . Não há disciplina ou matéria de estudo que, nas mãos de um professor competente e zeloso, não ofereça ocasiões f reqüentes de Ullli ensino social . No alto da escala, encontram-se, j á se vê, c1encias que diretamente se ocupam com os fenômenos sociais. É em primeiro lugar a sociologia., hoj e em quase todos os países in­ cluída nos programas como matéria ordinária de ensino . Sôbre o seu professor pesa, imediatamente, a responsabili­ dade da formação teórica da inteligência . O seu merecimen-· to está em incutir idéias claras sôbre os diferentes aspectos da questão social e despertar no aluno um interêsse vivo e pessoal por todos os seus grandes problemas ; na orientação das j ovens inteligências e atividades em formação a sua in­ fluência benfazej a poder � ser decisiva . Ao lado da sociologia, a filosofia. Nenhuma outra, das disciplinas puramente profanas, desempenha, na forma­ ção social, papel tão importante . A lógica serve para aguçar-nos o senso crítico, habita a inteligência ao rigor das demonstrações, · acautela-nos con­ tra as surprêsas do sentimentalismo e a tenacidade dos pre­ conceitos, orienta-nos na a:[)licação dos métodos das diferen­ tes ciências, permitindo dar às suas conclusões o seu grau de certeza ou ele probabilidade e medir-lhe a extensão do seu alcance ; qualidades tôdas preciosas no estudo e na ação social . ·

A psicologia revela-nos a estrutura e o funcionamento dêste mecanismo interior que governa ás ações humanas, mos­ tra-nos no homem um composto substancal de matéria c de spírto, de corpo e de alma. Ser-lhes-á então fácil compreen­ der o duplo aspecto de todo. o problema humano, começando pelo econômico : aspecto material e aspecto espiritual ; in­ fluência das condições materiais ainda nas mais elevadas ma­ nifestações d� nossa vida superior; ação dos valores espiri-


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A FORMAÇAO DA

PERSONALIDADE

tuais ainda nas atividades que mais profundamente mergu­ lham na opacidade da matéria. (O . materialismo histórico de K . MARx, fazendo do desenvolvimento econômico uma es­ trutura que condiciona exclusivamente as superstruturas de tôdas as outras formas de civilização, aparecerá em tôda a · evidência de seu êrro anti-humano.) A autoridade da Igrej a para exercer a sua ação no campo social e econômico ressal­ .tará também em tôda a clareza de seus fun9amentos filosó­ Lcos : há aí um aspecto espiritual de justiça e de caridade que cai imediatamente sob a alçada de sua missão espiritual, e não simplesrru;nte uma técnica que só interessa especialis­ tas e não repercute na vida total, humana e cristã, dos seus filhos . O estudo do direito natural levará mais diretamente ao exame dos fundamento s da ordem social, origem e natureza do poder civil, às suas diferentes formas cóm as vantagens e inconvenientes de cada uma, às bases naturais e imutáveis da constituição familiar, numa palavra às grandes linhas humanas de tôda e qualquer organização social, dentro das quais se deverão enquadrar as instituições contingentes e · variáveis de qualquer civilização digna dêste nome. Nas outras disciplinas o ensino não será assim, sistemá­ tico e orgânico; mas ocasional e indireto . E as ocasiões não Ainda as ciências faltarão nunca a um professor atento . nu1.is áridas e em aparência mais alheias à complexidac_e dos fenômenos sociais poderão oferecer ensejo freqüente de foca­ lizar na atenção dos alunos um problema vivo e palpitante de ordem social . Por que, por exemplo, no estudo das mat errvá ticas não passar proble mas sôbre os salários, as caixas econômicas, a3 . cooperativas, o preço justo das mercadorias, a di3tribuição das riquezas e colhêr daí ocasião para explicações rápidas e .lições salutares? Por que, no estudo das ciências físicas e químicas, não aludir, a propósito das suas diferentes aplicações industriais,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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43

às oondições do trabalho humano, aos problemas de distri­ buição de riquezas que podem levantar? A

geografia

é ainda mais fértil de aplicações sociais .

As

relações entre o meio físico e as condições de vida que im­ põem, o conhecimento da própria região, dos seus recursos e das suas deficiências, a pernlitir mais tarde uma influên­ cia mais eficaz; a ampliação dêstes estudos a todo o mundo, dilatando os limites das nossas preocupações e permitindo, a propósito do intercâmbio de mercadorias, das grandes vias de comunic açã o , e dos problemas postos pela demografia, pôr em relêvo incontestável a solidariedade econôm[ca e moral de todos os povo s , não são, porventura, outros tantos aspec­ tos interessantes que tornariam de um lado mais vivo e palpitante o ensino .da geografia e de outro ens�chariam aos professôres freqüentes possibilidades de forn;>.ação social?

De todo êste grupo de discipli�as, porém, a que se apre­ senta mais rica em lições aproveitáveis é,

história.

03 meninos gostam muito da

história -

sem dúvida, a batalhas, guer­

ras e lutas avultam às vêzes, em cert os manuais cnmo a

trama principal de que se faz a vida da humanidade, redu­ zida então quase exclusivamente à narração de episódios militares e às suas conseqüências políticas na existência, nos govêrnos, nas fronteiras das nações.

É mutilar a realidade

integral e tirar a uma disciplina o mel ho r de sua eficácia formadora .

Ao lado das vicissitudes polít· co-militares, não menos importantes que elas, são as instituições sociais, a sua origem, evolução e eficiência . Tôdas as épocas defron­ taram com o âmago mesmo da questão social : �ssegurar a um número cada vez maior de cidadãos uma soma cada vez maior de bem-estar físico, intelectual e moral . Pôr um relêvo esta organização social, .e sta arquitetura dvil das nações não � mehos importante e certamente é mais útil do que descrever batalhas .


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Por que, ao lado do heroísmo militar dos grandes capi,.. tães, não realçar o hero ísrrw social e civil dos grandes benfei­ tores da humanidade, dos santos e das instituições imortais? Por que não f�miliarizar os nossos alunos com a incansável atividade social da Igrej a em tôdas as épocas : o seu com­ bate finalmente vitorioso contra a escravidão nos primeiros tempos, o seu esfôrço indefeso para, na luta contra o paga­ nismo, acentuar a dignidade da pessoa humana, defender os direitos dos fracos, da mulher e da criança ; mais tarde a admirável o:r:ganização das corporações medievais, de que muj tos falam e que poucos conhecem; nos tempos modernos todo o trabalho magnífico de atividade social desenrolada pela Igrej a em todos os países . Ao P . FLAJOLLET contava uma vez um amigo a impressão profunda que nêle havia produzido uma frase de um historiador polonês que, depois de resumir a história de seus compatriotas da Silésia, nos úl­ timos dois séculos, rematara naturalmente com esta obser­ vação singela : "Aqui como em tôda parte a Igrej a se colo­ cou ao lado dos oprimidos. " (Doc. de la Vie Intellectuelle., VII ( 1 93 1 ) , p. 496 . ) Quantos são os alunos que saem das nossas escolas e conhecem algo desta gloriosa história do cristianismo? Sob a pressão dos programas e dos textos laici­ zados nós fomos quase que insensivelmente laicizando a his­ tória dos vinte séculos de civilização cristã. Foi um êrro científico : uma mutilação da realidade integral ; já não nos achamos em face do passado como êle foi de fato, mas diante de uma caricatura que não nos permite depois entender nem as instituiç � es nem eras .

as

Foi sobretudo

reações psicológicas e sociais de outras um:

êrro pedagógico que veio privar

a

história de quase tôda a sua eficácia formadorà do senso social e cristão . A histeria propriamente dita a literatura vem prestar o auxílio valiosíssimo do seu concurso . Os autores clássicos gregos e latinos oferecem o ensejo freqüente de salientar e corrigir a mentalidade pagã ou de pôr em contraste as ins:.


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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45

tituições de outrora com as que lhes sucederam, inspiradas e enformadas pela alma do cristianismo. Dentre os autores modernos, propostos como modelos literários, por que não €Scolher com critério os trechos que se prestam a comentá­ rios de alcance social? Entre nós VIEIRA, JosÉ BoNIFÁCio, JoAQUIM NABuco) CASTRO ALVE S, Rui BARBOSA, q1:1e messe farta de trechos magníficos não oferecem a um professor de literatura zeloso? Na literatura francesa, desde as pági­ nas clássicas d e BossUET e RACINE, até VICTOR Hu Go, BoURGET, BORDEAUX, BARRÉs, não há quase autor que, num sentido ou noutro, com erros a corrigir ou com verdades a incul­ car, não multiplique as oportunidades de uma formação so­ cial, tanto mais eficaz, muitas vêzes, quanto menos artifi­ cialmente procurada e sistemàticamente proposta na aridez de um compêndio (Cfr. LAMARTINE) . Neste ponto, talvez ainda nos faltem bons guias ou li­ vros, escritos com esta preocupação social, que apontem em cada matéria os traços de união ou os pontos de ligação com as questões de ordem social . Será um progresso a reali­ zar ; mas, indiscutivelmente, tôdas as disciplinas, direta ou

indiretamente, explícita ou implicitamente podem e devem ser u tiliz�das neste sentido . Só assim o seu ensino preen­ cherá a sua finalidade completa de uma foriYl:ação integral­ mente humana . Ao lado das discíplinas que se ensinam , dizíamos a princípio, há, em cada estabelecimento de ensino (tamb'2m família) , a organização da escola e a vida do aluno . Aqui. o campo aberto à formação social é talvez'mais amplo e sobre-· tudo de caráter mais prático e ativo . No ensino transmitem­ -se idéias e doutrinas sôbre as questões sociais ; fora, vive-se, na sua realidade concreta, a vida social . O que lá é simples teoria, aqui é realidade esperimentad a. E mais e melhor aprendemos fazendo do que oll.findo . Mas é preciso abrir na estrutura ou na organização da vida colegial mais amplas possibilidades de formação social . Toquemos apenas alguns


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

pontos num estudo que para ser de todo prático devera estender-se mais longamente . Antes de tudo a própria organização da aula.

Nada

mais freqüente do que, numa coletividade de alunos, nos acharmos em face do mais absoluto individualismo .

Diante

do mestre que explica e toma lições, cada estudante é uma unidade autonoma, inteiramente desarticulada das outras e alheia aos seus interêsses .

Nenhum vínculo social, nenhum espírito de colaboração, nenhuma solidariedade viva e sen� ·

tida une êstes colegas que constituem uma aula, como as casas de x.a drez formam um tabuleiro : geometricamente se­ parados pela impossibilidade de linhas inflexíveis . Nas es(;olas primárias os métodos ativos introduziram o estudo em colaboração .

A realização de um projeto cons­ titui um ideal comum a ser executado por um grupo ; devi­ dem-se as tarefas, trabalha-se em companhia ; aj uda recí­

proca, impressão viva de solidariedade, consciência de que uns são responsáveis diante dos outros : - outras tantas virtudes sociais que se vão desenvolvendo p rogressivamente na criança . No ensino secundário a tirania dos program as extensos e obrigatórios torna mais difícil a aplicação imediata dêstes processos .

Mas dificuldade não é impossibilidade .

um professor hábil pode

organizar

Aqui e alí

a sua aula, e fazê-la passar

do estado de turba, de m!U ltidão, ao de corpo socialmente organizado .

Nas leituras e traduções de peças de teatro, di­

videm-se os personagens ; cada aluno representa por assirn dizer o seu papel . Nas grandes traduções que se fazem quase de improviso para facilitar a compreensão de uma língua, dividem-se 6 ou 7 páginas em pequeninos trechos ; cada aluno prepara o que lhe assinalaram para corrigir ou , quando interrogado, para dizer sôbre o significado das palavras desconhecidas . Um professor de inglês, que se servia desta didática social, conta que uma vez um vadio renitente não preparou o seu


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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pequenino trecho ; a narrativa era interessante e havia em­

polgado a atenção dos alunos ; chegado ao passo do vadio, im­ possibilidade de ir adiante . "O professor deliberadamente, porque a sabotagem era evidente, recusou dar as expllcações esperadas . Descontentanmnto dos colegas que excluem o pequeno rebelde da preparação seguinte. A saída, um dos guias (menores) da aula, toma-o pelo braço e conversa frater­ namente com êle . recomeçou, .

Durante todo o ano a sabotagem não

Que teria obtido o professor se s� tivesse por­

Quanto tempo para · levá-lo à re­ · sispiscência? Quanto gesto e quanta car.idade para não obter tado

de outro modo?

talvez senão um endurecimento na revolta? Mas o culpado apalpa com as mãos as repercussões sociais de sua falta ; os camaradas descontentes, um grande amigo entristecido, fi­ zeram-lhe compreender · que tinha comet.�.do �ma injustiça para com o grupo ; corrigiu-se. " (JAONEN, La jormation so­

ciale, pp. 43-44 . ) Nas repetições freqüentes nos fins dos trin11estres o u se­ mestres, em vez das lições monótonas ou das interrogações isoladas poderia adotar-se o sistema norte-americano do plano formal. Dá-se à a�la a organização social de um grupo defi­ nido : uma academia , um parlamento, uma banca examina­

dora de concurso ; distribuem-se as categorias sociais, dividem­ -Ee os trabalhos e a aula entra a funcionar socialmente com interêsse renovado dos alunos e com exercício contínuo de virtudes sociais : aprende-se a dirigir e a �er dirigido, a ver a importância da colaboração individual para um bem comum que dêle resulta, a levar em conta a diferença de tempera­ .mentos, a impor-se umas tantas restrições individuais, a limar as angulos . dades do próprio caráter para assegurar a boa harmonia com os outros; a respeitar a personalidade alheia, a desenvolver a delicadeza das maneiras, a fineza dós tratos, a c ompreensão dos outros, a elegância em criticar e. ser cri­ ticado, outras tantas qualidades preciosas para o nosso futuro con ví vio social . ·

,


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Outras vêzes, em lugar do plano formal, de aparência um tanto espetaculosa, pode adotar-se o sistema dos grupos : un1 assunto COillq) lexo é distribuído em várias partes que se inte­ gram e cada uma delas é confiada a um aluno ou manípulo de alunos .

Organiza-se o trabalho de pesquisa, de referência,

de exposição e obtém....se, por uma colaboração verdadeira, o resultado final.

1

Da organização da aula passemos à disciplina escolar. Também aqui a preocupação da formação social pode in­ troduzir

modificações

vantajosas .

Nada

mais

freqüente

entre professôres medíocres que fazer da disciplina uma ques­ tão

pessoal

adversários .

entre

aluno

e

mestre,

opostos como eternos

"Terá que se haver comigo " ; "havemos de aj US··

tar contas mais tarde . " Conseqüência : a autoridade aparece aos olhos d o aluno como uma inimiga odiosa ; um poder que se impõe em nome da fôrça e não um princípio de ordem que . se aceita com gratidão e com o qual se colabora com lealdade .

Na explica­

ção do regulamento e no modo de exigir-lhe a execução, acentua-se, pois, o seu caráter social : mostre-se , na disci­ plina escolar, a contextura e a defesa dos quadros exteriores da vida que tornam possível a convivência dos alunos, a possi­ bilidade do estudo, a form;ação do caráter, a ordem, a paz e a seriedade do trabalho educativo.

Nas repreensões públicas

ou particulares mostre-se ao transgressor, na sua culpa, uma injustiça aos colegas, um atentado contra o bem comum a que todos têm incontestável direito .

Assim a autoridade

aparecerá na sua verdadeira luz ; não a inimiga dos alunos mas a defensora, por dever, dos seus verdadeiros interêsses ; j á lhes não virá a tentação de se solidarizarem na desordem e de se unirem, na cumplicidade da anarquia, mas , pouco a pouco, alunos e autoridades estarão de mãos dadas para defender a ordem contra as veleidades perturbadoras dos re­ volucionários em botão . 1

Ver exemplo em JAONEN, p . 4 1 .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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Não se poderia ainda dar um passo adiante e associar gradualmente os próprios alunos ao exercício da autoridade? Organizar socialmente a escola e confiar-lhe o govêrno aos

Ê êste, como

mais capazes escolhidos pelos próprios colegas? sabem,

o

regime

do

autogovêrno

-

· self-governm.ent

-

experimentado j á em; várias escolas dos EBtados Unidos e da Europa, com resultados satisfatórios ou deficientes conforme as condições da experiência .

Ê uma tentativa de conciliar,

de uma forma educativa, as exigências profundas da liber­ dade e da autoridade, pela concessão gradual da autonomia dos alunos . A questão, como vêdes, é grave e encontra-se no âmago

da pedagogia nova .

Procedamos comj moderação, sem pre­ conceitos e sem entusiasmos; distingamos OS. princípios pe­

dagógiCOS em j ôgo e o modo concreto de os executar . Incontestàvelmente, · a associação do aluno ao govêrno da escola, sob a direção de educadores prudentes, encerra vantagens de grande valor .

.

Detentores de uma parcela de autoridade - ou por a exercerem: ou por a escolherem com o seu voto, - esta prova de confiança reforça-lhes as energias interiores para o bem .

LYTELLTON, haedmaster de Eton, observou-o com j usteza : "No momento em que se confia a um j ovem uma

responsa­

bilidade, é nesta alma a•história do desinterêsse que começa . "

(FoRSTER, L'école et le caractere, 84 . )

"Nada liga tanto o

homem à ordem moral, acrescenta FoRSTER fazer alguma coisa para defendê-la."

.

(p .

85) , como

Muitas vêzes êste é o

meio melhor de corrigir um; temperamento rico, mas indis­ ciplinado :

confiar-lhe o. cuidado de velar pela ordem e de

a exigir dos seus colegas . As riqu zas de iniciativa, a exu­ . berância de atividade que antes derivavrum para a orgar:li­ zação

das anarquias

ou

desordens

coletivas,

orientam-se

agora salutarmente para a manutenção da ordem, que pas­ sará a constituir, por assim dizer, o seu esporte de predilação.


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

A participação dos alunos tanto na elaboração de algu­ mas medidas regulamentares como na sua execução é ainda um meio eficaz de obter a aceitação espontâne a e interior da disciplina : ponto capital da e ducação .

Enquanto a dis­

ciplina é sofrida ou tolerada como um j ugo exterior, por mêdo das sanções penais, não começou ainda o trabalho educa­ tivo . · Pululam as fraudes, as hipocrisias e as deslealdades . Obter o consentim(ento

interior

do aluno, a aceitação volun­

tária das disciplinas indispensáveis é ponto capital na for­ mação · dos caracteres e para consegui-lo contribui não pouco a própria colaboração dos alunos no regime da sua peque·­ nina coletividade . No

ponto

de

vista

da

formação

social

propriamente

dita, o auto-govêrno forma e educ� chefes, desenvolvendo nêles o senso da responsabilidade, a capacidade de organi­ zação, a energia e a suavidade no mundo, o conhecimento dos homens, a preocupação do bem, geral .

Nos que não

chegam a chefes é a responsabilidade do voto, o discernimento das qualidades dos colegas, o interêsse pela boa ordem de uma pequenina com(Unidade organizada, de que êles se sen­ tem parte ativa e memjbros vivos .

No andamento geral da es­

cola_, os mestres ficam aliviados de um sem-número de pe­ , queninas preocupações ; muitas questões de disciplnia resol­ vem-se com mais facilidade pelos próprios alunos que co­ nhecem melhor os colegas ; pouco a pouco desaparece esta luta de classe - entre educadores e educandos - substi· tuída por uma solidariedade de todos e por uma colaboração leal na mesm� obra com(um . No domínio dos principias pedagógicos creio serem estas verdades que se impõe!l11 : achamo-nos em face de uma das muitas aplicações do princípio, enunciadas por Pio XI na Encíclica sôbre � Educação, nestes têrmo:s : "cooperação ativa e gradualmente cada vez mais consciente da criança no tra­ balho de sua educação. "


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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Na sua atuação concreta, porém, ou na faina de trans­ formar os nossos estabelecimentos de ensino em escolas­ -cidade, tipo norte-americano, creio que poderá haver precipi­ tações funestas e entusiasmps que preparam decepções amar­ gas . Antes de tudo, pode haver um otimismo idealista ins­ pirado na bondade natural da criança concebida à-la RoussEAU e que não corresponde à experiência das realidades vivas . É a mística libertária com tôdas as suas conseqüências desas­ tradas . Nenhuma limitação à liberdade das crianças ; qual­ quer intervenção restritiva por parte do adulto é uma imora­ lidade ; que o educador contemple o desabrochar espontâneo de uma alma infantil na sua evolução paradisíaca. Já conhe­ cemos esta ala extremist!i da escola nova e as experiências do­ lorosas que tem provocado. Ainda recentemente An. FERRIERE, Pour l'ere nouvelle, março 1930, p. 59, nos falava desta "anar­ quiá tão acentuada" de certas comunidades escol�res da Ale­ . manha . Em muitas houve o govêrno de intervir e fechá-las violentamente. Nada de exageros românticos nem de cândidas ilusões infantis . ·

Outra observação que aceno apenas. Non omnis fert omm:i:a tellus. O temperamento de uma raça, as tradições hist�ricas de sua formação, as modificações inevitàvelmente lentas do meio social são outros tantos fatôres que importa ter presentes para não introduzir num país costumes ou instituições em desarmonia com as condições que lhe assegu� ram vitalidade em outros climás . A participação d�s alunos n a autoridade colegial deverá ser lenta e progressiva. Nas aulas e nos recreios podem criar-se alguns cargos de responsabilidade, aumentar-lhes pouco a pouco o número e as atribuições preparando assim gradualmente tanto na consciência dos funcionários quan­ to na dos outros esta primeira mentalidade social prelimi­ nar ao exercício efetivo de responsabilidades maiores . Hoje, o temtpo não foi cavalheiro comigo . Muito ainda . haveria que dizer sôbre a eficácia do j ôgo nà formação social


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

e ainda sôbre a contribuição preciosa das chamadas obras periescolares : academias livres, leituras e conferências, con­ gregações marianas, conferências de S. Vicente, circular de estudos, escoteiros : instituições tôdas de grande impor­ tância formativa e que não devem faltar - ao menos algu­ mas - em todo o colégio que pretende realmente formar os seus alunos para as realidades da vida social e civil . Terminarei com duas observações . A formação social, como a preconizam os melhores pedagogos modernos, não é novidade na história da educação cristã . Nos nossos colégios antigos - quando tínhamos a liber­ dade de organizar o ensino e os seus programas - as nossas aulas eram organizadas sociallmente em decúrias com chefes e subchefes, eleitos pelos seus colegas ; nos recreios, não só o j ôgo era organizado é fiscalizado pelos próprios alunos, ma-s ainda diferentes ministérios da agricultura, da · viação , da justiça, das relações exteriores, velavam pela ordem geral, pela limpeza dos pátios, pela conservação dos j ardins, pelas relações com as outras divisões, etc., etc. As congregações onde os dignitários são eleitos pelos seus próprios colegas, as conferências de S . Vicente de Paulo, tão elogiadas pelo próprio FERRIERE_, iniciavam os alunos numa ação beneficen­ te e social fora dos ambientes escolares . Foi o indiVidua­ lisllliO rousseauano, foi a confusão fatal de educação com instrução, foi o laicismo, seccionando a vida escolar da vida familiar e social, que transformou as escolas mpdernas em focos de individualismo, onde cada aluno ia isoladamente haurir uma meia dúzia de noções de omni rescivili. Talvez sôbre a nossa educação refluiu um pouco dêste espírito am­ biente . Retomemos um patrimônio que é nosso ; repristine­ mos algumas destas tradições que im(pensadamente se deixa­ ram cair ; adaptemos outras às exigências mudadas da época e não hesitemos em introduzir de novo os complementos que ac6nselham uma experiência segura e comprovada. A outra observação que vós j á fizestes é a importância capital que


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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53

neste ponto como eini qualquer outro, em matéria pedagógica, desempenha a personalidade do professor . Os processos didá­ ticos e as fórmulas de metodologia são estruturas mortas se não as aviventa a alma do mestre. A habilidade em colhêr no ensino das diferentes disciplinas, as oportunidades fe­ lizes para veicular uma lição social, o discernimento, numa aula, dos elerrnentos-guia, o seu aproveitamento para uma organizaçã� social que não se repetirá duas vêzes, idêntica, a superioridade, indispensável para formar chefes e impor­ -se, com uma influência quase invisível , ao respeito, à estima admirada e à imitação de uma pequenina cidade que se educa - tudo isto supõe uma a:rr..[plidão de conhecimentos, um estudo sereno da história, uma visão segura da nossa época e sobretudo uma solidez de princípios e uma ausência completa de paixões - que constituem o apanágio, o dever e a consolaÇão do verdadeiro mestre . Mães; refleti sôbre o alcance destas responsabilidades, e examinai o tempo e a importância que consagrais à vossa missão educadora, de que dependerá a grandeza das almas qu� Deus vos confiou e são d'Êle e são tamb§m vossas . Professôras que também sois mães, lembrai-vos que sô­ bre geraçoes e . gerações de alunas que por vós passarão, im­ primireis um cunho indelével que nêles refletirá para sempre algo de vossa persona�idade: fazei-.a nobre, elevada e digna de reproduzir-se na riqueza variada de numerosas cópias. Umas e outras, quantas de algum modo participais des­ ta missão divina de elevar as almas ao ideal de sua perfeição, nela tendes um dos estímulos mais eficazes e constantes para a generosidade das ascensões espirituais, que aproximando­ -nos de Deus, e estreitando-lhe a amizade transformadora, apuram em nós a semelhança com· a sua beleza infinita . '

A . M . D. G. Rio, 2 1-IX-933 .


O DIREITO DE EDUCAR A família

Um problema de ordem j urídica prende e orienta, pela

sua própria natureza, qualquer reforma profunda da �du­

cação . A quem compete, título primário e essencial,

o

di­

reito de educar? Eis uma questão fundamental, destas que não se podem abandonar à arbitrariedade e às flutuações

da política. Onde se acham em j ôgo os interêsses: espirituais

das almas, a formação mpral dos caracteres, a preparação

civil dos futuros cidadãos, aí a família, o :mstado, a Igreja

têm incontestável direito a uma intervenção inelutável . E só

na harmonização racional e sincera de todos êsses direitos se encontrará a chave de uma solução j usta, pacífica e du­

radoura .

Na ordem natural, o direito primário e inalienável de·

educar pertence à família. É a sua própria razão de ser; des­

tinada, pela natureza invencível e irreformável das coisas, à

conservação da espécie, compete-lhe como finalidade pró ­

pria criar e formar os novos homens que asseguram a vida

perene da humanidade, na im!ortalidade das gerações que se sucedem . Autores de uma vida incompleta, os pais têm o

dever estrito de levá-la ao complemento de sua perfeição na­

tural . Ao direito essencial da criança a uma educação com- · pleta, física, intelectual, moral e religiosa, - corresponde,

em quem lhe deu a existência, o dever e portanto também o

direito de lha ministrar.

A geração sem a educação seria

essencialmente uma obra falha, imperfeita, sem finalidade .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE Uma é complemento espontâneo da outra .

-

55

A premeditada

por Deus comunicada imediatamente à fanúlia, é, ao mesmo tempo, o princípio da vida e o título natural do direito de

formar para a vida . Aos pais incu:m:be, portanto, a respon­ sabilidade indeclinável de subministrar, aos que chamaram

à existência., com a alimentação e os cuidados indispensáveis ao desenvolvimento do organismo, o patrimônio intelectual e moral que lhes .é necessário para bem viver . Percorram-se os códigos civis de tôdas as nações cultas e nêles se encontrará explicitamente consagrado o direito­

-dever inerente à família de educar a prole . Leia-se a nova Constituição Alemã e aí se verá o art. 120, que, em fórmula lapidar, doutrina: "a educação física, �oral e social da prole

é dever supremo e direito natural dos pais, sôbre cuja exe·· cução vela o Estado. " Revolvam-se as sentenças recentes do ..

Supremo Tribunal Federal da grande República Norte-Americana e entre elas se q.chará, expressamente excluído, como contrário às teorias fundamentais da liberdade sôbre que

repousa ·a constituição dos E$tados Unidos, "o poder geral

do �tado de dar uma educação uniforme às crianças, cons­ trangendo-as a aceitar a instrução só dos professôres pú­

blicos . A Griança não é uma simples criatura do E�tado . Os que a alimentam e lhes dirigem os destinos têm o direito, acompanhado do alto dever, de prepará-los para o desempe­ nho de outras obrigações. "

É preciso i r à Rússia soviética para encontrar a negação cínica e funesta de urn direito unânimemente reconhecido pelo consenso das nações civilizadas .

A escola No desempenho desta nobre missão, raras vêzes são in­ suficientes os recursos de cada família isol!lda . Surge então a escola como seu prolongamento natural.

Pela natureza

de sua origem,. é ela uma instituição complementar da fa­ mília, destinada a ajudar, mitigar e suprir a sua ação édu-

_


56

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

cativa. É só em nome dos pais e com a autoridade por êles delegada que qualquer . educador pode, na ordem natural, exercer as funções do seu magistério . Aos pais, portantq, assiste, antes de tudo, o direito de optar livremente pela escola de sua confiança, a que melhor corresponde � seu ideal educativo e às exigências

a pró­

pria consciência moral ou religiosa. Onde fôsse livre ao Es­ tado ou a qualquer pesSoa, física ou moral, impor às famílias

uma de�erminada escola aí se consumaria a violação da mais

intangível das liberdades.

Forçar o limiar dos lares,

ar­

rancar dos braços de seus pais uma criança de 6 ou 8 anos para enclausurá-la numa escola onde se nega o que a edu­ cação doméstica afirmou, e lhe destrói o que ela construiu, é a mais intolerável opressã o das consciências . E com a violação das liberdadeS espirituais, a ruína do trabalho educador. Só o respeito à ordem natural das coisas pode assegurar à obra pedagógica a sua indispensável uni­ dade, e com a unidade, o segrêdo de sua eficácia admitir que a escola pode imprimir à sua pedagogia uma o rientação fi­ losófica, moral e religiosa opo�ta à das famílias, afirmar que aos seus professôres seja lícito transformar-se de colabora­ dores em adversários da educação paterna, é opor em antí­ tese funesta, duas instituições complementares que a razão exige colaborem na convergência pacífica da mais imper­ turbável harmonia . Escola e família, inspiradas em princí­ pios espirituais opostos, destroern(-se reciprocamente com in­ comensurável prejuízo da criança. Na sua alma infantil, o antagonismo das duas influências, ambas prolo.ngadas, pro­ fundas ambas, acabará por produzir o irreparável dano da ruptura psicológica do equilíbrio interior.

Na inteligência,

o ceticismo e a indiferença, na vontade o desânimo e a falta de energias indispensáveis aos sacrifícios do dever .

Cons­

ciências sem ideal e sem convicç6es, sem coesão e sem viri­ lidade, vítimas amanhã paixão violenta

entregues

à tirania da

primeira

eis os frutos naturais da oposição desas­

trosa entre a escola e ela .


A FORM;AÇÃO DA PERSONALIDADE

-

57

O Estado e a escola Da certeza destas conclusões se inferem outrossim as relações jurídicas que existem entre a família e a escola. Escolas pode abri-las qualquer particular - indivíduo ou as­ sociação, que para isto possua,. com a competência técnica e a idoneidade moral, a confiança das famílias. Escolas pode · e deve abri-las o Estado tôdas as vêzes que as iniciativas particulares forem insuficientes às exigências da instrução. Preenchendo, porém, esta função supletiva, o Estado não se transforma em educador, em detrimento dos direitos natu­ rais e inalienáv�is da família. Nada mais oposto à sua razão de ser ·essencial.

Encarregado de velar pelo bem comum,

sua missão é tutelar o exercício do direito, não usurpá-lo, é defender a liberdade Ôos cidadãos, não confiscá-la no açam­ barcamento de um monopólio asfixiante. Mais ainda que na ordem econômica, os direitos do Es­ tado são lilnitados em matéria educativa, pela própria na­ tureza da sua missão. Entre a finalidade do Estado e a da educação existe, não d�remos antagonismo, mas heterono­ mia . A função do Estado é assegurar, com a ordem jurídica, um ám:biente favorável ao desenvolvimento das faculdades individuais; não lhe compete, porém, dirigir imediatamente êste desenvolvimento, condicionado por uma concepção da vida que o poder público, sem degenerar emJ tirania, não pode impor à consciência dos cidadãos. Pela sua origem, pela sua natureza e pelos seus destinos, o homem possui um ·valor moral que lhe é próprio e inauferível.

É uma pessoa

com a sua dignidade inviolável; transformá-lo em simples meio de que o Estado pode dispor discricionàriamente é re­ baixá-lo à inferioridade de uma coisa e a simultâneamente levar o poder civil, na idolatria de um,a apoteose pagã, às al­ turas de um Absoluto, irresponsável e onipotente . O direito soberano é e não pode deixar de ser um direito-função, como se exprimem os juristas modernos, isto é, um meio de rea­ lizar o bem comum, no grupo social a que preside e

por-


58

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

tanto um direito condicional e limitado, pelo respeito aos direitos imperecíveis da generalidade humana. Pô-lo em dúvida é ratificar o despotismo ilimitado. Outra é a finalidade da educação; essa, sim, visa levar o homem à plenitude_ do desenvolvimento de tôdas as suas virtualidades . Seu objetivo é um bem eminentemente pes­ soal. E., por isso, tôda pedagogia é em própria essência in­ separável de uma concepção filosófico-religiosa da vida'.

Há, portanto, na diferença profunda de finalidades, uma heteronomia que inibe ao Estado avocar a si, numa usur­ pação injustificável, o monopólio da educação. E o êrro fu­ rídico -seria ainda agravado com uma insuficiência psico­ lógica . Todos sabemos o complexo de sentimentos naturais que condicionam a evolução normal da criança e não se substituem pela superficialidade técnica externa . É no edu­ cador uma harmonia equilibrada de firmeza e ternura que se concretizam nos dois aspectos, paterno e materno inti­ mamente unidos, da autoridade doméstica. É no educando . a confiança e a docilidade que, em relação aos pais, se en­ contram nos filhos com a espontaneidade de um instinto . Sem êstes recursos, que só permitem atingir as profundi­ dades da consciência, substitui-se a verdadeira evolução in­ terior, ol'gânica e vital, do homem por um artificialismo de processos ineficazes. Ao Estado, solícito de velar pelos interêsses da educação, incumbe, portanto, o dever de respeitar as suas condições naturais de eficácia, auxiliando, não eliminando, a família na sua insubstituível função educadora .

:mstimule, facilite,

ampare as iniciativas particulares a que deve a pedagogia

o melhor de seus progressos, e a educação popular, a mais benfazeja das suas contribuições. Onde forem insuficientes os recursos individuais, abra e multiplique os seus estabe­ lecimentos de ensino que venham pôr à disposição fácil e acessf�el das famílias os meios indispensáveis ao cumpri­ mento de sua grande missão social . As escolas oficiais, as­ sim instituídas, por mais numerosas que sej� não podem


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

59

representar uma agressão dos poderes públicos contra os di­ reitos intangíveis dos cidadãos . Representam apenas o de­ sempenho leal e inteligente desta função de assistência so­ cial pela qual os governos, cônscios de sua missão, subminis­ tram aos indivíduos e aos grupos naturais, anteriores e su­ periores ao Estado, os meios necessários à realização das

suas finalidades .

Laicidade As escolas oficiais não pode� portanto, nem devem ser leigas, se por leiga se entende.. a escola que dos seus pro­ gramas exclui o ensino religioso . Quando, por motivos extracientíficos e extrapedagógicos, se tentou justificar

a laicização

do ensino público,

afir­

mou-se que a missão da escola era ensinar e não educar, subministrar conhecimentos sem elevar-se à formação das ·

almas.

Tôda pedagogia moderna, reatando o fio de uma

longa tradição, partida por interêsses políticos menos dignos, revolta-se contra semelhante concepção acanhada e mesqui­ nha da escola . Tôda pedagogia é inseparável de uma visão integral da vida . Impossível presidir à evolução do hom.em, , sem conhecer-lhe a natureza e a finalidade . E tôda visão in­ tegral da vida que situa e orienta o homem na universali­ dade das coisas, envolve, por si mesma, uma solução reli­ giosa da existência . Não há como rorrwer as relações essen­ ciais que ligam a pedagogia ao ensino religioso . "Tôda edu­ cação, escreve um dos mestres da pedagogia alemã, será sempre suportada por uma mentalidade religiosa, não só porque visa a alma na sua totalidade senão também pela sua atitude em relação à vida no seu conjunto." "A educação, afirma por sua vez um dos grandés pen­ sadores inglêses contemporâneos, é essencialmente religio- . sa." (WHITEHEAD, The aims of Education, 1929, p. 23.) Re­ tirar o ensino religioso das escolas seria torná-las essencial­ mente incapazes de educar . O conhecimento seguro e desen-


60

-:-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

volvido da religião não representa só uma riqueza da inte­ ' ligência, é ainda um elem�nto indispensável de formação humana. Insurge-se ainda, e com direito, a pedagogia mais mo­ derna contra esta separação artificial entre a escola e a vida, entre o ambiente educativo e o ambiente social que <:> en­ quadra. A criança continua a viver, nos anos de estudo, a sua vida, espontânea e completa, como a vivia no lar, como a viverá mais tarde na sociedade. Interpor um cordão sa­ nitário que vede a entrada d� vida religiosa na escola, é iso­ lá-la com um artificialismo de estufa, de tôda a atmosfera circundante, é desconhecer a ·profundidade e complexidade da sua vida real, é impossibilitar uma colaboração sincera e completa das atividades escolares com as instituições do­ mésticas e sociais. A formação m'Oral e social do p.om em não poderá deixar de ressentir-se dêste êrro profundo de longínquas e inevitá­ veis conseqüências. O laicismo escolar já fêz as suas p'rêsas. Os estudos estatísticos mais insuspeitos e mais exatos aí

· estão na demonstração com. a correlação constante de causa e efeito, entre a laicização do ensino e o progresso da cri­

n1inalidade . Quando FouiLLÉE averiguou que de 100 menores citados aos tribunais de Paris, apenas dois haviam saído de escolas religiosas, evidenciou, de modo incontrastável a qual­ quer mediana sinceridade, o grande flagelo que para Um. povo representa a laicização inconsiderada dos seus estabe­ lecimentos de ensino. ·são, pois, os mais altos, interêsses da ordem social, de par com as imprescritíveis exigências de uma sã pedagogia,

que reclamam a instrução religiosa nas escolas. Ora, o Es- · tado não pode impor aos cidadãos, sem lhes violar a liber­

dade de consciência, uma concepção espiritual da vida.

A

César falece a competência de uma autoridade doutrinai em matéria religiosa.

Atribuir-lha fôra sancionar a mais

insuportável das tiranias e colocar a orientação das cons­ ciências e o patrimô�io das tradições religiosas e morais de


A FORMA.ÇAO DA PERSONALIDADE

-

61

um povo à mercê dos partidos dominantes e das flutuações da política incerta e volúvel.

.

A solução do importante problem'a encontramo-la no princípio fundamental do direito escolar assim formulado pela constituição alemã no art. 146 : "Leve-se na maior con­ sideração possível a vontade das pessoas a quem pertence o direito de educação." A lei de 15 de julho de 192 1 assim demonstra no seu

a

§ 1.0

o ·princípio constitucional:

"Sôbre

educação religiosa da criança decide o livre acôrdo do.s

pais na medida em que lhes assistem o direito e o dever de cuidar da pessoa da criança." A laicização da escola pública é, "'pois, um

atentado

contra a liberdade espiritual das famílias e uma injustiça na aplicação dos dinheiros públicos, recolhidos, sob formas de impôsto, de todos os cidadãos e en1!Jregados, num serviço de utilidade universal, de modo a torná-lo inaproveitável à maioria dos que dêle terão· o direito de se beneficiar. Para conciliar estas exigências qo respeito aos direitos espirituais do povo e de uma reta distribuição da justiça social, excogitaramr-se, nos diferentes países civilizados, vá­ rios regimes escolares, cuja adaptação ao nosso mleio deveria ser objeto de estudos mais profundos e inspirados na mais absoluta liberdaq.e.

Adotando o regime de repartição pro­

porcional do orçamento da instrução pública pelas escolas oficiais

e

particulares

ou

fundando

escolas

confessionais

para os diferentes credos religiosos em que se acha dividida a população, resolveram já com maior ou menor felicidade a questão do ensino religioso quase tôdas as nações· cultas: Alemanha,

Inglaterra,

Irlanda,

Bélgica,

Holanda,

Suécia,

Noruega, Dinamarca, Itália, Tcheco-Eislováquia, Polônia, Aus­ tria, Hungria, Rumânia e G!récia . Somos, ·portanto, contra a laicidade do ensino. A exi. gência de uma articulação essencial entre a formação do homem e uma concepção da vida, a indispensável colabo­ ração entre a escola e o lar, a unidade prescindível da obra · educativa, proclamados pela mais moderna pedagogia; a es-


62

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

terilidade m10ral do laicismo evidenciada pela observação psicológica e pela estatística ; o respeito à liberdade de cons­ ciência e uma j usta aplicação dos dinheiros públicos, que as ciências sociais reclamam como condições essenciais de uma paz sólida e duradoura ; a conservação do patrimônio cristão, moral e religioso de um povo, de sua alma espiritual através das gerações, que a história proclama como essen­ cial à continuidade e grandeza de sua vida ; as lições irre­ cusáveis da legislação comrparada - unem-se, numa admi­ rável convergência de luzes, para proclamar o laicismo um regime escolar antipedagógico e anti-social, injusto e estéril,. sectário e funesto . Assegurados êstes princípios fundamentais, que pren­ dem as suas raízes na própria natur�za huma�a, nas con­ dições do seu desenvolvimento integral, respeito à sua digni­ dade inviolável de pessoa, abrimos os braços acolhedores a: tôdas as inovações pedagógicas aconselhadas por uma ciên­ cia mais adiantada e sancionadas por uma experiência mais profunda e completa . Na grande efervescência de renovação pedagógica dos nossos d�s, distinguimos, nitidamente, a questão dos fins ou do ideal educativo e a dos métodos ou meios empregados para realizá-lo. Todos os progressos reais que às ciências e à arte de educar pode trazer a contri­ buição da biologia, da psicologia e das ciências sociais, não só os aceitamos cQm reconhecimento mas provamo-los com entusiasmo . Na questão, porém, do ideal educativo cuj a determina­ ção, por sua natureza, transcende os métodos e o alcance das ciências experimentais, reivindicamos o direito de uma �rí­ tica serena e elevada. Aos que tentam estabelecer vJnculos ar­ tificiais de solidariedade entre a modernidade sadia dos mé­ todos pedagógicos e a antiguidade sempre renascente de con­ cepções m,.aterialistas ou naturalistas da vida, respondemos que estas idéias nem são novas, nem represent�m conquistas da ciência.

Valem o que vale a fragilidade dos sistemas filo­

sóficos de que são, em pedagogia, a repercussão funesta .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

63

Na determinação do ideal educativo reclamamos a inte­ gridade de uma compreensão mais vasta .

Não ouvimos só

a higiene ou a biologia; consultamos, sem exclusivismos nem parcialidades, tôdas as ciências que têm o direito de dizer uma palavra acêrca do homem, da nabreza de suas origens e da sublimidade dos seus destinos. Sem esta visãO superior e completa da existência huma­ na, na universalidade de suas relações, só poderá haver, em educação, exageros unilaterais, supervalorização estéril da técnica, mutilações na totalidade da vida, a ·desfecharem por último um imenso fracasso pedagógico, em que, de envôlta com a paz, o equilíbrio e a felicidade dos indi"Viduos, se com­ pro�ete o grande pa t�imônio espiritual da· civilização.

Conclusão A nossa mais séria aspiração é trabalhar por uma pro­ funda reforma pedagógica no Brasil .

A e�cola liberal com

o seu laicismo incoerente e estéril, sem ideais e sem convicções,

mais talvez que para nenhum outro foi para o nosso país uma �xperiência desastrosa.

Com a difusão do ensino não

se elevou, antes baixou o padrão da nossa moralidaq.e indi­ vidual, doméstica e social.

Urge reformar, mas reformar

radicalmente, sem reincidir nos

mesmos

erros que vicia­

ram a pri�ira tentativa e iriam tornar·uma segunda expe­ riência mais dolorosa que a primeira.

Uma reforma peda­

gógica, sim ; mas inspirada numa compreensão mais perfei­ ta e num equilíbrio mais j usto de todos os elementos de uma questão vital para os nossos destinos .

Conciliação· har­

mônica e leal de todos os direitos; colaboração indispensável e sincera de tôdas as autoridades pedagógicas, - civis e espiri­ tuais ; articulação inteligente da escola com a família e a sacie- . dade ; adaptação d9s métodos mais aperfeiçoados sem a vio­ lência dos abalos sísmicos nem o �metismo dos povos sem tra­ dições;, a pêlo à colaboração precisa da iniciativa particular, e estimulada, promovida e amparada pelos poderes público s ; -


64

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

respeito na obra educativa à j erarquia essencial dos valores hu­ manos, eis alguns dos pontos capitais do nosso programa.

O

desconhecimento ou descaso de qualquer destas exigências

comprometeria a eficácia de todo esfôrço em prol da ele­

vação da nossa cultura .

Só a sua realização harmoniosa P

integral lograra transformar a nossa escola neste ambiente

puro, tranqüilo e elevado em que a personalidade, num de-.

s envolvimento homogêneo, equilibrado e vital, poderá atin­

gir a plenitude de sua perfeição humana, ideal supremo da

verdadeira educação .


UN.IDADE E DISPERSAO EM PEDAGOGIA Uma das difer�nças essenciais que cava um abismo d� distância entre a pedagogia católica e a inspirada no laicis­ mo, é a idéia e a realização da unidade orgânica inseparavel de tôda formação verdadeiramente humana.

A pedagogia laicista é dispersiva, fragmentária e estru­ turalmente desarticulada na incoerência dos seus elementos. Não é difícil, remontando o curso das idéias e dos aconteci­ mentos, encontrar a prirpeira origem dêste vício fundamen­ tal. A ruptura da unidade viva que lamentamos nos sistemas de educação é apenas um reflexo de um. desequilíbrio inte­ rior não ·menos funesto de que sofre o hom.em moderno em tôda a sua vida espiritual.

A Reforma protestante rompeu com a Igreja, orgânica e jerarqulcamente constituída por Cristo para a conserva­ ção autêntica e infalível do patrimônio doutrinai que cons­ titui o fundamento da nossa vida religiosa. Com a separação do centro de unidade, o cristianismo, sob a ação da fôrça centrífuga do livre exame, que continha em germe ativo todos os subjetivismos, entrou a fragmen­ tar-se num processo de divisão incoercível que tende irreparà­ velmente à pulverização do mais radical individualismo.

O

dogma, eixo da vida espiritual, perdeu, com a unidade, o ca­ ráter mais visível da verdade divina, e, com êle, o segrêdo de sua eficácia na educação das almas.

A Revolução· francesa deu um passo além.

À cisão con­

tra a unidade e universalidade católica levada a efeito pelo protestantismo, acrescentou o rompim,ento com qualquer for-


66

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

ma de religião positiva .

Sob a pressão da ideologia revolucio­

nária, a vida da nação entrou a organizar-se alheia a qual­ quer influência do cristianismp . Era erh germe, senão j á na sua realidade

atual,

todo

o

laicismo

contemporâneo.

Destas

rupturas sucessivas entre a atividade interior e a organização

externa da sociedade, origina-se o desiJiuilíbrio profundo em

que tantas vêzes se debatem, dilaceradas, as almas modernas.

Mais, porém, do que os adultos, ressentiram-se as almas em

formação .

Avocando a si a missão de educar, o Estado, conculcando,

em algumas nações, o s direitos prir.hordiais e imprescritíveis

'

da família, plasmou a instrução pública à própria imagem Como ás outras instituições do govêrno, tam-

e semelhança.

bém as escolas oficiais foram submetidas ao regime do lai­ cismo .

E o laicismo peda gógico é a mutilação do homem ;

é a separação entre a instrução e a educação; a descontinui­ dade entre o lar e a escola ; o dualismo entre a consciêncta religiosà do homem e a consciência social do cidadão .

A ins­

trução fica decapitada do que lhe constitui a coroa indispen­

sável depois de lhe ter servido de fundamento insubstituível,

I:lllrante todo o período de formação da criança, a escola leiga ou neutra não atinge o que há de mais essencial e profundo no homem : a consciência .

Êstes male.3 agravam;-se ainda com o culto dêstes ídolos

da pedagogia moderna que se chamam metodomania, psico­ logismo, sobreestima da instrução, especialização excess · va.

Perdendo o contato com a totalidade da vida na multiplici­ dade de seus aspectos, cada especialista enclausura-se num

setor acanhado da realidade, esquecendo as conexões indes-:

trutíveis com os outros setores que integram e completant a vida do homem concreto .

Um vê na sociedade o fim derradeiro e a salvação . su­

prema ; e sacrifica o desenvolvimento dos valores da persona­ lidade às exigências externas do viver comun1.

Vista p or

êste ângulo, a educação transforma-se numa soeialização d a

criança, tipo socialista o u comunista.


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

67

Outro fixa mais a atenção na expansão da individuali­

dade, obtida pela evolução espontânea e incoibida de tôdas

as tendências e instintos que dormem no fundo da nossa É a educação individualis\ a, tipo RoussEAU ou SPENCER, fomentadora de todos os egoísmos e indisciplinas natureza. sociais .

Fragmentos de verdades que não se uniram nem se inte­

gram na harmonia de uma síntese coerente.

Visão

unila­

teral da realidade; ditadura exclusiva de um método, negação

brutal de tudo o que se acha fora do caw...p o de visão assim

arbitràriamente delimitado .

E a pedagogia total, perdido o seu centro de gravidade

unificador, entrou a cindir-se e multiplicar-se em fragmentos desconexos. E1ducação física, educação social, educação cívica,

educação sexual, etc., etc. No desenvolvimento de tôdas estas

pedagogias parceladas predominou quase sempre o velho pre­ conceito do século XVIII: instrução equivale a moralização ; enr:quecer a intel gência de conhecimentos é necessàriamente

tornar o homem melhor. da "iniCiação " .

Daí a tendência a educar por meio

Nas questões de ordem sexual, a sociedade moderna

apresenta visivelmente um desequilíbrio que arruína tantos

organismos e compromete tantas felicidades? Remédio : "ini­ ciação sexual" nas escolas.

Umas tantas pteleções de fisiolo­

gia e patologia imun�zarão a juventude do contagio fascina­

dor do prazer .

Nas ambições do seu egoísmo crescente, o indivíduo re­

cusa-se de dia para dia aos sacrifícios indispensáveis à con­

servação do bem estar coletivo? "Iniciação social" , instrução

cívica .

Umas dissertàções Eôbre a solidari.;dade serão efica­

zes para refrear os apetites insaciáveis e assegurar a dedica­

ção e o espírito de sacrifício sem o qual não pode haver vida

e1n comum .

A tôda esta pedagogia çlesarticulada e fragmentária falta

um centro de unidade interior, a articulação de uma síntese

orgânica que na alma do aluno - essência! e indivizivelmcn-


68

-

A

FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

te una, - comunique esta fôrça formadora que lhe advém de uma visão da vida, coerente e unificada em tôda a diversidade de suas manifestações.

As conseqüencias dêste grande êrro

pedagógico aí estão visíveis. Nunca se falou tanto de educação sexual e a crise da mo­ ralidade entre os sexos, longe de se atenuar, agrava-se de ano para ano. Nunca se repetiu com mais insistência o têrmo de solidariedade social e as vantagens do bem comum vão sendo cada vez mais sacrificadas pelo egoísmo de governos

e go­

vernados. Contra êste exclusivismo de uma pedagogia de mosaico, delineia-se nestes últimos tempos uma reação salutar em nome da unidade do homeirl(.

Com um acôrdo crescente até

a unanimidade vái-se reconhecendo a solidariedacle essencial que liga inseparàvelmente a pedagogia a uma concepção total da vida, e, portanto,

a uma doutrina

filosófico-religiosa.

Chega-se, assim, após uma odisséia de erros e digressões à concepção fundamental do catolicismo.

Para nós, a pedago­

gia nunca se divorciou da concepção religiosa da existência. Esta dependência, outrora objeto de críticas, é hoje reconhe­ cida como título de glória.

A pedagogia católica é universal e compreensiva; não mutila o homem, mas o educa na sua totalidade; não é tributária exclusiva de uma ciência new-�, se enfeuda ao jugo de um só método.

Todos os métodos que nos podem levar ao

conhecim-ento de um dos aspectos da realidade humana são adotados sem receio; tôdas as ciências que podem iluminar qualquer das suas faces são aceitas com atenção e docilidade.

A educação católica atinge assim o homem na integridade dos seus elementos e na totalidade de suas exigências e aspirações. Tudo aqui se unifica admiràvelmente.

A vida, na variedade

dos seus aspectos, na diversidade dos seus atos desde estas decisões profundas que imprimem a tôda uma existência uma orientação definitiva até as mais insignificantes ações coti­ dianas exigidas pelos deveres do nosso estado, reveste, na sin·· tese cristã, a importância transcendente de uma missão di-

·


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE vina. Nada então é sem interêsse nem significado.

-

69

Para cada

uma de suas obrigações o homem leva tôda a energ-ia, tôda a serenidade, tôda a constancia fiel de uma alma unificada que realiza a grandeza dos seus destinos êom não menor elegância moral na sublimidade rara do heroísmo do que na continui­ dade coerente das pequeninas ações. Só assim uma pedagogia COITI{Preensiva prepara o homem para. o seu desenvolvimento integral e a realização.harmônica da sua felicidade completa. Rio, setembro de

1932.


PROGRESSO E TRADIÇÃO EM PEDAGOGIA ,. Entre extremos igualmente funestos nem sempre é fáqil encontr�r o equilíbrio sensato de j usto meio.

Há amigo2 da

tradição que a comprometem, confundindo-a com a invaria­ bilidade das co·sas mortas .

Há amoucos do progresso que

não compreendem o benefício. das renov.ações salutares sem o radicalismo das revoluções destruidoras.

Como preservar o

fiel da balança dos extremos destas oscilações perigosas? Quer-me parecer que um j usto conceito do progresso é

a primeira tério.

condição para formar a j usteza moderada do cri­

Da marcha evolutiva da humanidade não raro se apre­

senta uma noção inteiram;ente falsa .

O homem , ao que se

diz, avança na história pelas sendas de um progresso inde­ finido ; o diagrama dêste movimento poderia representar-se por uma linha ininterruptamente ascensional .

O que para

trás ficou não tem mais que um valor histórico ; hoj e repre­ senta um pêso morto que devemos alijar; que o presente se

desvencilhe do passado; a condição do progresso é a ruptura. com. �. tradição. Visão precipitada e insuficiente das co:sas.

Nas ciências

há dois domínios nitidamente distintos : o das ciências da na­ tureza - e conseqüentemente da técnica - e o das ciência3 do homem nos seus valores mais aitos e específic�s. No campo da observação dos fenômJenos naturais o progresso é função quase exclusiva d� tempo que multiplica os observadores e as ob�ervações .

O:s que foram grandes outrora, conservam hoj e

o direito à nossa admiração e reconhecimento pelos serviços

prestados à causa científica .

Mas já nos não sentamos à sua


A JfORM;AÇAO DA PERSONALIDADE - 71 escola; não vamos estudar astronomia em KEPLER nem qui­ mica em LAVOISIER; foram,

Há,

não são mestres .

porém, outro dominio muito diverso das ciências po­

sitivas e suas aplicações técnicas: é o das ciências do espírito. Aqui, o progresso não é a função principal do tempo; do valor de uma obra decide em primeira linha o gênio do seu autor, a profundeza dos seus conhecimentos da vida interior das almas, a capacidade de discernir, sob a superfície das apa­ rências que passam e mudam, a natureza humana no que ela tem de essencial, eterno e imutável .

Por isso , na religião, na

filosofia, no direito , nas artes, na pedagogia, a tradição não tem só o valor de história do que já se foi, mas ainda o de en­

sino perenemente vivo do que

�eve

ser .

Os mestres nestas

disciplinas do homem não se sucedem, eliminando-se ; super­ põem-se, completando-se. PLATÃO e ARISTÓTELES continuam a ensinar-nos filosofia ao lado de S. AGOSTINHO e de S. ToMÁs ; BERGSON e HUSSERL não supr mem KANT OU LEIBNIZ, HOMERO e VIRGILIO sobrevivem ao � ado de DANTE e de CAMÕEs. Nos mo­

numentos de Atenas e de Corinto, como nas obras de BERGNINI ou de MIGUEL ÂNGELO, vamos ainda educar o nosso sentimento estético. Porque lemos B ouRGET ou DosTOIE\VSKI, não deixa­ mos de aprender ()S refôlhos do coração humano em GoETHE ou SHAKESPEARE. Todos êstes foram e são mestres, ainda que separados por intervalos de séculos e milênios . E!n todo êste imenso domínio em que entra no que tem de mais profundo a pedagogia, a tradição não só continua como mestra viva que quer e deve ser escutada, mas é ainda

a cláusula necessária do verdadeiro progresso .

Triste e mes­

quinha concepção esta qu e faz da ruptura com o passado a condição vir.

de vida para o presep.te e de salvação para o por­

Neste corte de fio que nos liga às gerações de ontem,

querem ver um enriquecimEnto onde ria realidade não há mais que uma dilapidação temerária que

nos empobrece.

C> que é a �ociedade no espaço , é a tradição no tempo.

A co­

munhão con1 os contemporâneos amplia-nos o campo vi" s ual, opulentando a nossa experiência própria_ que é de um só, com


72

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

a experiência dos que vivem ao nosso lado e

são muitos .

Sem esta solidariedade no trabalho, seria a esterilidade do isolamento .

A tradição vem alargar no tempo os benefícios

desta sociedade das inteligências .

Já não são sàmente as

vozes contemporâneas, são as vozes de todos os séculos que nos vêm trazer a experiência de sua sabedoria . Êste

contato benfazejo com os

gênios de outras eras

imuniza-nos ainda contra um perigo que não é quimérico: a

ditadura da moda, a tirania da geração atual .

Como

tôdos os outros, o nosso século tem as suas páixões desorien­ tadoras, sente a fascinação de influências efêmeras e na­ turalmente reveste-as com o rótulo sedutor de "progresso ' Corrigir-lhes os des­

moderno " , "de conquistas da ciência".

vios, temperar-lhe os excessos, ampliando no tempo o campo de observação, é uma verdadeira benemerência científica.

O isolamento de

cada

geração

das que

a

precederam

é

que é a verdadeira morte do progresso, a condenação a um recomêço

indefinido.

Não

assistimos,

porventura,

nestas

últimas gerações, ao nascimento, vida efêmera e morte pre­ coce de tantos sistemas p�dagógicos que se apresentavam em nome dos fatos e dos result�dos definitivos das ciências positivas? Muito larga e mais .compreensiva é a pedagogia cató­ lica.

Sem renunciar a nenhuma inovação que se imponha

em nome de um progresso real, ela não rompe os · contatos

com o passado .

A sua experiência é mais ampla: a segu­

rança dos seus fundamentos mais consolidada pela prova dos séculos. �ta atitude sensata, preconizara-a, já há quase um século, um dos nossos grandes mestres : "Se importa não imo­ bilizar ou prender a educação na rotina, se, pelo contrário, é necessário

estudá-la

sempre

para

melhorá-la,

fortificá-la,

torná-la mais e mais eficaz e fecunda� con·vém outrossim, nos acautelemos contra as inovações temerárias que vão que­ brar a obra dos séculos, calcar aos pés as experiências do passado e lançar, neste grande trabalho da educação, as


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

perturbações mais tempestuosas

o

-

73

O que a sabedoria das

idades consagrou, o que a natureza das coisas - regra su­ prema - exige e impõe, convém respeitar profundamente, combinando-o sem o destruir, com o que podem exigir as necessidades novas, a �archa dos tempos, os progressos do espírito humano e as transformações sociais."

(DuPANLOUP,

De la haute éducation intellectuelle, t. III, p. 566. ) Eis uma . visão mais compreensiva e j usta d a historia,

eolaboradora indispensável de todo progresso estável e dura­ douro . Fora daí , revoluções destruidoras, renovação per­ pétua de tentativas efêmeras .

Um grande pedagogo contemporâneo apontou na " trans­

plantação da idéia de progresso contínuo, do domínio da técnica para o da atividade especificamente humana, a causa principal da tragédia de nossa cultura contemporânea.

(FR.

DE HoVRE, Le Catholictsme, ses pédagogues, sa pedagogie. Bruxelas, 1930, p. 403 . ) N a lealdade d e um esfôrço reconstrutor tentaremos con­ ciliar as justas exigências da tradição e do progresso, am­

p liando incessantemente riquezas do presente.

É a nobre, pacífica e fecunda missão

da pedagogia católica . Rio , julho de 1932

os tesouros do passado com as novas

o


ESCOLA NOVA E PEDAGOGICA SOCIAL Fins e meios em pedagogia . Incerteza sôbre fins na Escola Nova . Congresso de Nice . Kirchensteiner . Paulsen e Chesterton. Apêlo para o futuro . Ideal de Escola Nova: reconstruçção do futuro. Educação soc:al na Idade Média. Advento do individualismo. Reação da Escola Nova . Imprecisão do ideal social. Interpretação absolutista: Hegel - Fischer:. Socialismo. Perigos de equívocos .

Comunismo .

Necessidade de estudar a .questão para dissipá-los e para renovar a educação católica . Voz das autoridades eclesiásticas, Cristo, solução do pro­ blema social . As professôras do "Sacré-Camr", 11-V-933. A . M. D . G .


Tôda pedagogia completa envolve uma doutrina sôbre os fins da educação e preconiza um sistema de meios para atingi-lo .

O fim é o ideal que esplende ante os olhos do

educador e lhe or Ú�nta, de modo mais ou menos imediato, tôdas as suas intervenções na formação do educando :

os

meios subministram-lhe os caminhos seguros que o levam ao têrmo almej a do . O conhecimento do ide�1 educativo desprende-se espon­ tâneamente de uma concepção integral da vida, de uma · noção do homem, do qu� lhe constitui a natureza e a per­ feição própria que lhe importa atingir para realizar-se ple­ namente na �xpansão, na harmonia, na felicidade .

O dis­

cernimento dos meios mais eficientes quem lho facilita é a observação exata da criança, das aspirações e tendências, das suas ações e reações, dos estímulos e motivos que mais profundamente atingem as molas vitais . de sua atividade.

Pelo ideal pedagógico que lhe norteia a ação," todo educador é tributário de uma filosofia, de uma metafísica, de uma moral, de uma religião .

Pensador de envergadura, poderá

formulá-la em princípios explícitos, organizá-la em sistema de proposições logicamente concatenadas, expô-la e talvez demonstrá-la na integridade de todos os

seus

elementos .

Inteligência menos vigorosa ou menos culta, esta concepção filosófico-reHgiosa da vida informar-lhe-á, como substrutura latente:. todos os seus . j uízos de valor que necessàriamente .. ·acompanham- qualquer atividade prática pela ·opção de um determinado caminho na yida. Pelo conjunto de meios empregados, o educador depende de uma ciência da criança, de uma psicologia experimental,


76

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

de uma observação mais ou menos rigorosamente científica da alma dos seus educandos.

Prêsa pela orientação inevitável

das suas finalidades humanas a uma concepção geral da vida e pela estrutura da sua técnica a um complexo de ciên­ cias de observação, a pedagogia é, por isso :mesmo, o campo onde necessàriamente vão ecoar tôdas as grandes lutas de pensamento que agitam e dividem a família humana .

Dos dois elementos - fins e meios - que . a integram

é,

se vê, a questão de fins a que mais se presta ao choque

das idéias e dos sistemas e é também, inquestionàvelmente, a de maior importâ�cia .

Uma pedagogia, como um educador,

valem pelo ideal que os inspira e que se esforçam de trans­ mitir ao educando .

A questão de meios é uma técnica, isto

é, uma ciência e uma arte, e a arte tale pelo ideal de beleza

que exprime aos sentidos, a ciência

é

um instrumento que

pode ser pôsto tanto a serviço do bem como do mal . técnicas

pedagógicas

mais

aperfeiçoadas,

o

As

conhecimento

mais fino dos recursos psicológicos da alma infantil, nas mãos de uma ideologia desorientada no que respeita às finalidades essenciais do homem, poderá acarretar sôbre um povo a maior das calamidades que lhe comprometem o fu­ turo das suas gerações .

"O trabalho educativo depende in­

teiramente da nitidez, da elevação, e da imutabilidade do ideal educativo .

Mesmo sem

uma metodologia ricamente

desenvolvida, o ideal educativo constitui por si m.esrnD uma fôrça que anima e eleva .

Pelo . contrário, sem um ideal fixo

e determinado, o melhor método de nada serve."

"O fator

decisivo de tôda educação reside na profundidade e solidez do conceito que o educador faz da vida. " FõRSTER, Cf . DE

Ho�E, I, pp . 125-126 . Muito natural, portanto, que ao estudarmos o grande movimento pedagógico moderno, conhecido sob o nome de

Escola Nov a, lhe indaguemos com curiosidade os novos ideais que o norteiam. Fala-se de novos ca111Jin hos e de novos


1' FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

fins; os caminhos, em última análise, só serão bons se bom têrmo nos levarem ·.

77 a

Ora, o que para logo impressiona o observador, ao per­ correr a imensa literatura pedagógica que preparou e pro­ paga o movimento, é uma difusão minuciosa e inesgotável sôbre os processos educativos e uma parcimônia impressio­ nante sôbre os grandes ideais da educação . Fórmulas vagas e imprecisas, aspirações de um humanitarismo vaporoso e im­ palpável, reticências a cobrirem discretamente um ceticismo mal dissimulado - eis o que mais freqüente_m ente se nos depara sob a rubrica importantíssima : ide_al da educação moderna . Em agôsto do ano passado ( 1932) reuniu-se em Nice o último Congresso Internacional da Educação Nov a. 1 Dos discursos, numerosos e em tôdas as línguas, trans­ parecia um. anelo geral � paz, à solidariedade internacional contra as estreitezas dos nacionalismos opostos, um desej o de fraternização humana, um esfôrço de emancipação das tendências mecanizadoras da vida industrial moderna e de conquista de valores espirituais mais elevados . Mal, porém, se descia das regiões dêste idealismo vago a ecoar na sono­ ridade magniloqüente das grandes palavras de efeitos, esta­ lava logo a divergência incoercível ou a insuficiência e des­ proporção manifesta dos meios preconizados para o conse­ guimento de fins tão nobres. LoNGEVIN propunha a ciência, o espírito científico, como base da unificação universal ; o pro­ fessor PIÉRON, chefiando o grupo francês, não via outro �un­ damento desta unificação senão "a defesa contra as fôrças adversas da natureza" ; H .. WALLON, professor da Sorbona, negou à cultura a sua eficiência unificadora ; ela divide e aparta, não aproxima os ânimos ; só o trabalho manual possui a eficácia dêste segrêdo; CLAPAREDE não vê outro meio de realizar o grande desiderato senão educar os homens a I

Cfr . Civ. Catt., 1932, IV, pp . 2 1-26 .


78

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

um "p ensamento leal" . Uma educadora americana Miss exalta a eficiência pedagógica de três

HELENE PARKHURST

princípios : 1.o educação da liberdade; 2.o organização social da escola; 3 .o consciência do valor do tempo.

":Ê!stes prin­

cípios, c.oncluía ela, construirão a escola nova onde serão formados os novos cidadãos de um. mundo novo. "

Esta imprecisão de fórmulas e sonoridade de expressão

não é privilégio da retórica dos congressos ; os tratados es­

critos a sangue-frio no silêncio dos gabinetes deixam-nos a

mesma impressão geral de insatisfação e incerteza.

KER­

CHENSTEINER, um dos grandes pioneiros da escola nova, que durante

25

anos, à frente da instrução pública de Munich,

organizou a escola do trabalho, tem confissões de um ceti­ cismo desconsolador . . .

No entretanto reconhece que não há

outro me.io de vir em auxílio do homem moderno : "O sen­

tido verdadeiro e obj etivo da vida ficará talvez p�ra o homem

um enigma eterno. " "Procuro na noite a finalidade da vida .

Não vejo ne­

nhuma luz a dissipar a escuridão." Apud DE HovRE, I, 1 08 . "Apresentai de novo 8:0S homens �m · conteúdo digno

da vida." Ibid . Êste

conteúdo,

KmcHENSTEINER vê-o no "cuidado de

outrem. " ."Não é a ciência que libertou o mundo mas o amor, não dominar mas servir, eis o que assegura à vida um conteúdo d i gno dela. "

no trabalho .

Pràticamente êste ideal se encarna

"O homem só é homem pelo trabalho. "

Sen­

tir-se instrumento no seu fôro interior, eis o que · dá nobreza

e valor à existência . .

Como vêdes, expressões belas, com o

seu aspecto de verdade que atrai, mas inoperantes e ineficazes

na sua indeterminação vaga e incompleta . mas para realizar que plano? de trabalho,

Instrumento,

Trabalho, mas que natureza

que j erarquia estabelecer nos

exercícios

das

nossas atividades e ainda uma vez para construir que ideal?

De novo, sôbre as finalidades que mais nos importam, sôbre


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

79

finalidades definitivas e profundamente motrizes da vida, faz-se de novo a sombra de uma escuridão que nenhum raio de luz e de esperança vinga atravessar .

as

Não ; não é exagerado o j uízo de PAULSEN a denunciar, na multiplicidade dos movimentos pedagógicos contemporâ­ neos, uma ausência de orientação fundamental : . "O domínio da educaçãq e da instrução sofre de modo particular pela falta de uma direção capital da vida, pela ausência de ver­ dades eternas . . . Reforma de ensino é o brado da moda, mas nós não possuímos uma filosofia da educação, um ideal da educação sàlidamente articulado numa concepção total da vida e com isto não nos inquietamos. Pretendemos assim melhor�r a educação sem antes estarmos de acôrdo sôbre o seu fim, a sua possibilidade e as suas con dições." A razão tocou-a profundamente CHESTERTON : "O único elemento eterno de tôda educação consiste no seguinte : estar alguém tão certo de" uma verdade que ouse inculcá-la a uma criança ; ousar apresentar-se como fiador da tradição humana, ousar tranEmitir esta verdade às novas gerações com a voz da autoridade, com palavras serenas . . . De todos os lados fogem os modernos a ê.ste supremo dever . A sua única desculpa é naturalmente que as suas concepções mo­ dernas da vida são de tal modo insuficientes e hipotéticas que êles próprios não estão suficientemente convencidos para se atreverem a persuadir uma criança que acaba de nascer.a ( What's Wrong with the World, pp . 203-204, ap . DE HoVRE, I, p . 68 . ) Na ausência d� bases sólidas provadas pela experiência, sôbre as quais construir o edifí�io completo da pedagogia, muitos dos pioneiros da educação nova atiram-se afouta­ mente ao futuro . Ante as realidades dolorosas do presente fecham os olhos da observação positiva e abrem-nos para as perspectivas douradas de um porvir que nos pintam com Ouvimos há as tonalidades mais róseas da sua paleta . pouco uma pedagoga americana construir com: os seus prin-


80

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

cípios "um mundo novo." "Por uma era nova" é o lema e o título de quase tôdas as revistas do movimento . Sinal de fôrça construtora? Não; sintoma de fraqueza . Notou-o ainda finamente CHESTERTON a propósito aqui não de �cola mas da Poesia do futuro. As considerações, porém, são do caráter geral e aplicam-se a todos êstes ideólogos, que fogem das realidades passadas ou presentes para as possibi­ lidades inverificáveis e inverossímeis do futuro . "Os moder­ nos, diz CHESTERTON, estão possuídos do temor do passado . . A verdade é que todos os espíritos fracos vivem naturalmen­ te no futuro, porque o futuro é uma fôlha virgem . É extre­ mamente cômodo; dêle podeis fazer o que · quiserdes . Mas é mister corageJll para olhar · o passado de · frente, · porque o passado está cheio de fatos que � e não podem negar, de homens mais sábios que nós, de trabalhos e de livros que não temos fôrça de fazer . Sei que me é impossível escrever uma elegia como a "Lycides" de Milton . Mas é sempre fácil pre­ tender · que as poesias que eu faço serão a poesia do futuro. " (0 . B . SHAW, p . 240 . DE RoVRE, I , p . 171.) . .

É nesta reconstrução de um futuro melhor, nascida de uma inquietude e de uma insatisfação do presente, que tal­ vez se possa colocar o ideal da educação nova .

Os pontos do seu programa que estudamos, no ano pas­ sado, referem-se imediatamente à questão de meios e de pro­ cessos e inculcam-se em nome de um conhecimento mais real da criança . Ser vivo, o homem deve desenvolver-se pelo exer­ cício da própria atividade . Apele-se, portanto, na sua edu­ cação para os nmtodos ativos; em vez de uma simples passi­ vidade receptora de uma memorização mecânica, de uma ciência puramente livresca ; um contato mais íntimo com a realidade e com a natureza, uma . assimilação de conheci­ mentos hauridos na necessidade sentida de vencer as difi­ culdades da ação. Mas para ser vital e espontânea esta atividade deve corresponder a uma exigência interior da vida que se desenvolve ; estudem-se portanto os interêsses


A FORMACAO DA PERSONALIDADE

-

81

naturais da criança, a · sua evolução progressiva nas diferen­ tes fases da infância e da adolescência e proporcione-se am­ -bien� educativo, a distribuição das disciplinas, o seu grau de abstração crescente, a êste desabrochar gradual da flor humana, de mpdo que se conserve entre o mundo interior da criança que evolve e a atmosfera educativa que o en­ volve o equilíbrio da maJs perfeita harmonia. Não haverá assim o constrangimento de violências deformadoras mas a espontan eidade fecunda na colaboração entre educadores e educandos .

Atividade, interêsse, espontaneidade - eis o trinômio em que se resumem as principais reivindicações reformadoras da escola nova no que se refere aos processo� de educação . .Estudafl?.o-las, o ano passado, procurando realçar-lhes o fun­ damento real e fazendo-lhes as ressalvas que se nos pare- . ciam impor em nome de . uma objetividade científica integral. Não raras vêzes, de fato, alguns processos pedagógicos são apregoados menos �m nome de uma observação completa e imparcial da criança do que em virtude das concepções oti­ mistas e ingênuas do naturalismo de RoussEAU . Ao trinômio acima relativo aos meios costumam os pro­ gramas da Pedagogia nova acrescentar um quarto têrmo expresso sob as designações variadas de : colaboração , orga­ nização soei�! da e_scola, socialização da criança, etc. Com êle, j ulgamos exprimir-se quase sero._J)re o ideal dos novos educadores . Integrar a escola no ambiente social ; prepa­ rar assim a criança . pelo próprio exercício da vida social a uma adaptação perfeita aos seus dev·eres para com a comu­ nidade, eis o segrêdo de preparar melhor a sociedade do futuro e realizar o ideal de uma educação eficiente . Neste ponto, a escola nova afirma uma �eação enérgica contra o individualismo pedagógico de RoussEAU. A educação cristã da Idade Média era eminentemente social . A Igreja sempre repugnaram todos os individua­ lismos que isolam e esterilizam . A sua própria constituição ·


82

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

orgânka e hierárquica é uma afirmação positiva da solida­ riedade que liga todos os homens . Na esfera religiosa, as almas resgatadas não se disper­ sam, como bólides no firmamento, sem um centro de uni­ dade; agrupam,-se na solidariedade de uma organização espí­ ritual, de um corpo místico caracterizado pela influência. recíproca de seus membros, pela reversibilidade de me­ recimentos, por estas articulações sociais misteriosas que­ se resumem no dogma da comunhão dos santos. Todos os nossos sacramentos, .desde o batismo que agrega o recém­ , -nascido ao corpo m ístico da Igrej a, até a Eucaristia que no nome de comunhão frisa o seu caráter anti-individualista, são eminentemente sociais . Social a liturgia da lgTej a� social a sua hierarquia, a tradição ou transm.issão da dou­ trina por um magistério autorizado . Um católico individua­ lista é uma contradição nos próprios têrmos . Fora da esfera sobrenatural e religiosa, o cristianismo acentuou ainda por tôdas as formas o caráter social que condicio:ha todo o desenvolvimento da vida humana . A família, a profissão, o EStado são quadros sociais queridos· por n,eus; constituen1. a atmosfera natural em que se embebe e respira ôda a nossa vida física, intelectual e moral . A salvação da sua alma, o cristão não a realiza senão nestes grupos aos quais os ligam deveres de consciência inviolá­ veis . Tais são os princípios supratemporais do cristianismo em que se encerram os germes inexaurivelmente fecundos de uma organização e de urr)l educação sociais perfeitas .. A realidade medieval, prêsa ao tempo, não os pôde · pôr em prática, em tôda a sua perfeição e universalidade . Assim é, nenhuma forma contingente de civilização, por isto mesmo que se acha ligada às condições restritivas de um espaçç e de um tempo determinado, consegue esgotar as riquezas divinas do cristianismo, feito para tôdas as épocas e todos os. lugares . Os princípios fecundos reconheceu-os, porém, a


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

83

-

Idade Média e esforçou-se por atuá-los nos limites e nas possibilidades das suas condições culturais . ·

Com a Renascença e a Reforma protestante inaugurou­ -se o individualismo que havia de atingir o seu apogeu em RoussEAU. Na esfera religiosa, o Protestantismo negara a Igrej a e fizera do cristianismo - do enunciado dos seus dogmas como das fórmulas dos seus mandamentos - uma questão de livre exame individual . No campo propriamente hu�ano, a sociedade civil- per­ deu para RoussEAU o seu caráter de sociedade natural, orcte..:, nada por Deus, para descer · à categoria de um simples fato contingente, baseado num "Contrato social" livremente es­ tipulado pelos homens . As repercussões pedagógicas destas doutrinas não po­ O Emílio de RoussEAU é diam deixar de ser desastrosas . isolado da sociedade que perverte, para crescer nos éampos onde a natureza conserva a sua bondade natural . O prin­ cípio que preside a esta educação indivualista é o "deixar correr" . Nenhum constrangimento que venha limitar a expansão livre de tôdas as tendências individuais . É, sob outra forma, o campo aberto a todos os egoísmos e o des­ caso sistemático das tendências sociais ou aLtruístas como lhes queriam chamar . RoussEAU teve seguidores ilustres no século XIX e os tem ainda hoj e . NrETZscHE, com a súa teoria feroz do super-homem, que passa por cima de todos os preceitos morais, de tôdas as exigências da caridade e da compaixão para afirmar a su� fôrça de domínio e a sua potência de expansão ; RENAN que não vê na humanidade mais que o homem desprezível onde de quando em quando com. a raridade das flores exóticas germdna um grande homem ; HELLEN KEY, em nossos dias, chegando em nome d<?S direitos do indivíduo até a negação da família, continua­ ram a tradição do autor do "FJmílio" e do "Contrato social.'> Contra êstes exageros f:unestos surgiram, no campo eco - · nôrr.úco, o socialismo e o seu irmão mais violento, o comu-·


84

-

A

.

FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

nismo � no terreno pedagógico, as diferentes correntes que circulam sob o nome genérico de Escola Nova . Com assinar, porém•, à escola um fim social não resolv�mos ainda em têrmos claros e ·precisos o problema do ideal pedagógico . Sob a mesma expressão podem ocultar-se concepções profunda' mente diversas e m,esmo radicalmente antagônicas. A pe_dagogia social não é um ideal em si definido mas transforma­ -se e modifica-se no seu valor, nas suas exigências, nos seus métodos preferidos, consoante as concepções diferentes da sociedade, da pessoa humana e das relações entre uma e outra . · HEGEL e FICHTE fazem do Estado um Absoluto, uma divin­ dade, fonte originária · de todos os direi tos, fim · a que se devem sacrificar como meios todos os cidadãos . É o menos­ prêzo da dignidade inauferível da pessoa humana com a superioridade intangível dos seus direitos, e da autonomia indispensável à realização dos seus destinos imortais .

O socialismo e mais bém no indivíduo mais pertencente e que para pertence à comunidade : dmle .deve ser educada .

ainda o marxismo não vêem tam­ que uma parcela do Estado, a· êle êle se há de formar . A cria:o.ça pela comunidade e para a comuni­

"A elevação do gênero humano todo inteiro à altura da natureza humana ; educação do povo, i . é, de todos. os tra­ balhadores pelo trabalho e pela cooperação atá ao mais alto grau de cultura científica, moral e estética, e isto, na comu­ nidade, pela comunidade enquanto comunidade." (PAUL NATORP. ) PAUL NATORP, um dos mestres da pedagogia radical­ -socialista propõe-se êste ideal coletivo como o mais elevado <>bj.etiyo a que deve visar a ação educativa .

· As lições dos mestres não foram desaproveitadas e o comunismo russo, mal galgou o poder, confiscou a escola e transformo-u-a em arma de guerra contra a burguesia e ins­ trumento eficaz de propaganda e â.e consolidação revolu-


A FORMAÇÃO DA PER�ONALIDADE

--

85

A escola, dizia LENINE, nunca foi neutra; neutra­

cionária .

lidade escolar é uma "hipocrisia" . é nem quer ser neutra :

A

escola comunista não

seu obj etivo é instilar nas almas

infantis o ódio das classes e o entusiasmo conquistas do bolshevismo. KAIA, viúva de

PrsTRAK, que

nústico pelas

ao lado de KRoMP­

LENINE, foi um dos principais autores da or­ (Cfr . DÉVAUD,

ganização escolar russa, assim se exprimP- :

La pédagogie scolaire en Russie sovietique, pp. 17, 22 e 23 a quem vou agora seguindo.)

O que significa que o fim da

educação não é enriquecer a inteligência de conhecimentos nem desenvolver a personalidade do aluno, m:as incorporá-lo imediatamente na coletividade, transformando-o num ins­ trumento de produção econômica e identificando os seus in­ terêsses da comunidade, tal qual a concebe a materialismo

A quem opusesse a necessidade pedagógica de

de MARx.

adaptar-se à psicoogia da criança, de seguir-lhe de perto as fases da evolução dos seus interêsses, de não obrigar as crian­ ças a pensarem em política e revolução quando as suas pro­ pensões

naturais

o

inclinam

para

outras

preocupações,

PrsTRAK responde desembaraçadam;€nte que tudo isto é pre­ conceito hereditário

acumulado

minação da burguesia .

durante séculos

pela

do­

·É preciso reagir, e reorganizar

a

psicologia infantil em função das novas exigências revoluci<r nárias. (D!ÉVAUD, p. 19. ) Como vêdes, enquadrada nestas concepções da sociedade e do homem a educação social assume aspectos diametralmen­ te opostos .

"Nós quereiilDS opôr uma concepção do mundo

a outra concepção do mundo", lê-se na "Educação socialista" de Viena.

Ora, com o socialismo e o comunismo entramos no

âmago dos debates que agitam o nosso tempo ; é a questão

de Aqui

social com a urgência de sua solução e com a gravidade suas conseqüências, regeneradoras ou catastróficas .

nascem os grandes ódios e os gr�ndes amôres que dividem a sociedade atual . Sob o nome de escola nova ou de progresso pedagógico infiltram-se insidiosamente todos os princípios de


86

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

concepção materialista da vida que se encontra na origem da . filosofia do socialismo e do comunismo . O· valor da criança, a sua liberdade e finalidade, as relações essenciais entre o indivíduo e a comunidade, os direitos intangíveis d� personali­ d_a de humana são questões capitais que se debatem e se resol­ vem .muitas vêzes implicitamente, sem ousar encará-las de frente e propor em tôda a �ua nitidez os postulados filosóficos que as orientam. O perigo é tanto maior quanto alguns dos mais conhecidos orientadores da escola nova são -. socialistas, e a serviço do socialismo querem pôr a educação das novas _ gerações. NATORP, na Alem�nha, DEWEY_, nos Estados Unidos, KERCHENSTEINER e DURKHEIM prendem-se, pelas SUaS idéias filosóficas, à corrente radical-socialista que, pelos seus elemen­ tos externos, confina com as fronte�ras do comunismo onde militam LUNATCHARKY e PRINKEVITCH. Todos êstes autores são lidos e utilizados _ indiscriminadamente pelos que, entre nós,_ modestamente se intitulam "pioneiros" da Escola No.va . O oceano em que navegamos é semeado de parcéis e bai­ xios, é preoiso viaj ar com faróis acesos . e com um,a carta de marear minuciosa e segura, sob pena de naufragarmos rui­ nosamente na insídia do primeiro banco de areia ou na _traição da primeira penedia que não aflora à superfície das águas . Mu,ito mais do que na questão dos meios onde os debates fàcilmente se podiam quase que limitar ·ao terreno das ciências positivas, é no domínio das idéias educativas que, sob expressões equivocas e posições mal definidas, se podem il'l:troduzir sob o rótulo falaz e sedutor da moderni­ dade pedagógica as antigualhas de :muita metafísica ava­ riada e _ de mau cunho .

Mas não é só uma necessidade de defesa e de clareza de idéias que nos leva ao estudo do aspecto social da educação ; é ainda uma - necesidade de progresso e de adaptação real às condiçõ�s dos nossos tempos . Nós, católicos, não queremos p.em podemos ficar a)?aixo do quanto de nós espera a civili­ zação periclitante . A form�ção social, talvez aqui e -a li,


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

--

87'

algum tanto descuidada, nos nossos institutos e obras de · educação, impõe-se hoj e com a fôrça de uma necessidade im­ periosa e inadiável . As mais altas autoridades religiosas declaram-nos sem reticências os nossos deveres atuais. (Ler a carta da Congregação do Concílio ao cardeal LIÉNART e as ordenações do cardeal DUBOIS e VERDIER em M. RIGAUX L'équipement social des jeunes, pp . 12-13.) Por todos êstes motivos - de defesa e de conquista, de clareza de idéias e de eficácia de ação pareceu-me con­ veniente estudar êste ano alguns aspectos da pedagogia so­ cial . Espero que ao entrar mais no vivo do assunto se lhe com-e ce a perceber melhor co:in a atualidade o interêsse universal e a importância indiscutível . A aridez que não posso dissimular nestas primeiras palestras é a inerente ao esfôrço de quem desbasta o terreno e fixa os pontos de refe­ rência e delimita as posições vagas . Trabalho de engenha­ ria necessário mas ingrato . Aqui nem a imaginação en­ contra a poesia das flores e ·o colorido das imagens cintilan­ tes nem o sentimento vibra ao calor das grande emoções . E falar sem imagens e sem emoções - principalmente a um auditório feminino - é desafiar o demônio do tédio e da sonolência . Já lhe vencestes as primeiras tentações . A seguir, o caminho se tornará mais plano e ameno, não desta amenidade de retóricas fáceis e vazias, mas dêste interêsse que desperta espontâneo das grandes causas . Entrar no es­ tudo da pedagogia social à 11:1z segura do cristianismo é ilu­ minar os mais angustiosos problemas dos nossos dias com · os fulgores de uma claridade que não engana . Esta atuali- · dade perene do Evangelho, fonte inexaurível de verdades e de energia para a humanidade em tôdas as suas fases e em . � tôdas as crises de sua evolução será ainda um argumento ·-

apologético de sua divindade, tanto mais eficaz quanto m ais inesperadamente jorrante do borbulhar da no�sa vida em efervescência. Veremos que Cristo não morreu só para · a. salvação dos indivíduos senão também para a da sacie-


88'

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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

dade . O cristianismo não é apenas um código de vida moral que leva as almas aos cimos da sua perfeição hu1nana, mas ainda o fundamento insubstituível, o suporte eterno da vida em comum . Aprofundando a nossa interioridade cristã, não só asseguramos a nossa felicidade eterna, senão · também daremos à nossa vida terrena, individual e social, tôda a sutl. fôrça, tôda a sua beleza, tôda a sun. energia de irradiação, tôda a sua vitalidade de persistência, a auréola de sua con­ sagração suprema . Não são apenas as nossas inquietudes profundas, as nossas aspirações mais íntimas, os anelos dos nossos mais altos ideais que apelam para Cristo; para o· Cristo, como para o seu Mestre, a sua luz, a sua redenção, apela também a complexidade da nossa vida social com , todos os seus atritos e contrastes, com tôdas as suas gran­ dezas e n1isérias, com tôda a angústia de suas tragádias . O contato mais íntimo com a realidade, com a realidade total, com a realidade interna das almas e com a realidade externa das sociedades nos convencerá ainda uma vez de que e1n tôda parte : "voltar à vida significa voltar a Cristo . '). (FÕRSTER.)

Rio, 15 de abril de 1933 .


PEDAGOGIA SOCIAL I Antinomia aparente : a educação deve ser individual e social; uma pareçe contradizer a outra . ·

Sistemas unilaterais . O individualismo pedagógico. O socialismo.

-

religioso, filosófico, social, econômico,.

Evolução.

Distinção entre indivíduo, suj eito e pessoa . O indivíduo é para a sociedade . A sociedade é para a pessoa . ·

Educação d a personalidade. Alma d a pedagogia social . A.M.D.G. As professôras do "Sacré-Creur", 8-VI-933.


O estudo da pedagogia social, antes de se concretizar em normas práticas e processos didáticos de escola, envolve questões de princípios de um interêsse transcendente . A natureza e a finalidade do indivíduo, a razão de ser e os destinos da sociedade, as relações complexas que ligam êstes dois têrmos - sociedade e indivíduo - são naturalmente outras tantas questões preliminares em cuj a solução não poderá deixar de inspirar-se qualquer pedagogia social . Ha­ verá portanto tantas formas ou orientações social-pedagó­ gicas quantas as maneiras de conceber e formular êstes pro­ blemas de ordem geral e de repercussões ilimitadas . Logo, no limiar, a questão se nos põe diante dos olhos quase sob a formà de uma antinomia, ou de uma coexistên­ cia de dois têrmos antagônicos e:r-tre os quais não aparece possível uma conciliação perfeita . Por um lado, a pedagogia é essencialmente individual. O seu obj eto é a criança, o educa:q.do, um indivíduo, com a sua inteligência e a sua vontade, o seu temperamento e a sua índole, a sua sensibilidade e as suas inclinações . Adaptar todos os processos pedagógicos - instrução, educação, for­ formação - às capacidades individuais de cada educando deve ser a preocupação primordial do mestre . Oibter o desen­ volvimento integral de tôdas as suas virtualidades, conseguir que o aluno encontre, no curso de sua formação, a possibi­ lidade de levar à . plenitude da sua · evolução todos os bons germes latentes nos tesouros de sua natureza individual eis o ideal de tôda educação . E ponto êste fora de con­ trov-érsia ; sôbre estas conclusões não pode reinar entre pe­ dagogos senão a harmonia da mais completa unanimidade .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

91

Por outro lado, porém, a educação não pode deixar de ser social. O homem não vive isolado no planêta . Nasce no seio de uma sociedade j á constituída, dela e por ela recebe todos os bens que lhe asseguram a possibilidade d� vida e do progresso . A cultura e a civilização - e com êstes nomes entendemos aqui todo o patrimônio de valores físicos, inte­ lectuais, morais e religiosos necessários à vida humana a cultura e a civilização são uma herança social que se vai transmitindo e acrescendo de geração em geração .

Sem

ela, o indivíduo ficaria reduzido à impotência dos próprios recursos atrofiados e à esterilidade do isolamento . A edu­ cação apresenta essencialmente um aspecto social ; de sua natureza é um�::t transmissão de um, patrimônio de uma geração que se vai a uma geração que sobe .

Nascendo no

seio de uma sociedade j á formada, dela recebendo, como de uma matriz inexaurivelmente •fecund�t., todos os bens indispensáveis ao pleno

�esabrochar

de sua individualidade,

o homem necessàriamente terá que viver na sociedade e

para a sociedade .

O convívio com os seus semelhantes con­

diciona-lhe a natureza e o seu progresso . tanto, de si mesma, uma adaptação social .

A educação é, por­ Suprimir-lhe êste

aspecto fôra perder de vista o homem concreto e as condi­ ções de sua existência real para não ter diante dos olhos senão o fantasma de uma abstração : um indivíduo despo­ j ado de tôdas as relações e vínculos que o prendem à so­ ciedade . Mas a €ducação social prrwticamente traduz-se numa limitação da liberdade, num constrangimento à livre expan­ são individual . Viver em socieda de significa respeitar os direitos alheios, cercear o próprio egoísmo na medida indis­ pensável exigida pelo atrito dos egoísmos de outrem . Dedi­ cação, esquecimento de si, caridade, serviço mútuo, todo êste cortejo de virtudes que tornam possível e agradável a vida em comum, importam: em outras tantas restrições à espanta-


92

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

neidade dos movimentos individuais . São sacrifícios do eu. ao nós, do bem-estar de cada um ao bem-estar de todos . E aí se vai desenhando a antinomia a que há pouco aludimos . Necessária uma pedagogia indivídual, indispen­ sável uma pedagogia. social . Uma não se pode desenvolver livremente sem encontrar os limites inevitáveis impostos pelo desenvolvimento da outra . Qual delas deverá prevalecer? Qual eclipsar-se em benefício da · outra? Como conciliá-las no contraste aparentemente irredutível de suas exigências contraditórias?

Como vêdes, ainda uma vez nos achamos diante de um dêstes problemas delicados e complexos que consistem na determinação exata e bem equilibrada da relação entre dois têrmos . O ano passado j á estudamo� um ca�o semelhante, a propósito da disciplina e da espontaneidade . Essencial à formação do homem o respeito à s�a espontaneidade e liber­ dade, não menos inelutável a exigência de uma disciplina. Como pràticamente harmonizar, na educação, estas exigências, ao parecer, antagônicas? A solução não era fácil, e vimos como não poucos educadores fascinados por um dos aspectos do problema, em vez de se esforçarem por conciliar os têrmos em presença, ambos igualmente imprescindíveis, acabam sa­ crificando um em proveito do outro, e rompendo assim a harmonia necessária ao equilíbrio da vida . Os partidários exagerados de uma espontaneidade incoibida e sem limites entregavam a criança à anarquia de suas impulsÕes e dissol­ viam-lhe a personalidade na desordem dos instintos e das pa1xoes sem govêrno . Os adeptos de uma disciplina este­ rior, rija e inflexível, preconizavam a regularidade mecânica de uma ordem aparente da qual se ausentava no interior da criança a consciência de uma submissão racional a um bem mais alto . �stes exageros que se costumam repetir em quase todos os problemas de relações, encontramo-los também aqui a inspirar dois sistemas pedagógicos extremados, que nos· pólos


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

93

"' opostos de um mesmo diâmetro se afastam igualmente da verdade, um, por defeitos, outro, por excesso : o individua­ lismo e o socialismo. O individualismo deixou-se impressionar, de um modo . unilateral, pelo que há de verdade no valor inegável do in­ divíduo e exaltou-o desmesuradamente em detrimento do bem social e, em última análise, do próprio indivíduo . Para o individualista a sociedade é apenas a soma dos indivíduos, e reflete necessàriamente no seu bemr-estar coletivo o bem­ -estar dos seus membros, como uma soma resulta do valor Cultivar, portanto, nos indivíduos a das suas parcelas . inteligência, a liberdade, a autonomia, a independência, é trabalhar ao mes�o tempo para o progresso geral . Esta mentalidade individualista irrolllJ) e na história com o alvorecer dos tempos modernos, e, uns após outros, invade todos os domínios da a�ividade e da cultura . LuTERO . introduziu-a no campo religioso : o indivíduo, com a teoria do livre exame, é arvorado em árbitro supremo da sua vida espiritual : autor independente do credo que re­ gula as suas crenças como do código que serve de norma aos seus costumes . No tratado cont�a Henricum regem Angliae , publicado em Wittemberg em 1522, afirma sem rebuços : "A todos os cristãos e a cada um em particular pertence conhecer e julgar a doutrina. Anátema a quem lhes tocar um fio dêste direito. " (IRC, p . 252.) Mais tarde, ante a dissolução anárquica que ameaçava o protestantismo nas­ cente êle pôs uma surdina ao radicalismo estridente destas declarações ; mas o princípio fôra proclamado e as suas con­ seqüências a história as vai desfiando inexoràvelmente . A Igrej a Católica velara sempre pela unidade da concepção da vida, pela comunhão dos supremos ideais no seio da cristan­ dade, como pedira Cristo na sua oração litúrgica : ut sint unum. O protestantismo rompeu a unidade doutrinai do Ocidente cristão que continha talvez em germe fecundo a unidade reli-


94

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

giosa de tôda a família humana. As cisões se foram multipli­ cando, as rupturas tornaram-se mais fundas, e hoj e nos acha­ mos em face desta Babel religiosa que tanto nos divide e tantos males nos acarreta. Com a destruição da un.idade doutrinai na concepção da vida e das suas finalidades supremas desapareceu a maior fôrça de união social e o vínculo mais ativo e poderoso da paz entre os homens. Com razão escreveu FõRSTER : "O problema da Igrej a é o maior problema social da humanidade ; todos os outros problemas sociais nêle se acham encerrados." (Das Kul­ turproblem der Kirche, p . 35 . DE HoVRE I, p . 128 . ) DESCARTES inaugurou e m filosofia o império d o individua­ lismo extremado que LUTERO havia introduzido no terreno re­ ligioso . O reformador francês rompeu desabaladamente com a tradição do pensamento especulativo e empreendeu a tarefa de reconstruir tôda a filosofia com o simples esfôrço de sua meditação individual. Era· desconhecer o valor da tradição como instrumento de progresso e esquecer que a colabora­ ção das gerações que se sucedem é a primeira condição de uma evolução orgânica do saber . A esta evolução orgânica substituíram-se os sobressaltos de revoluções indefinidas Daí por diante cada pensador terá como BAcoN a ambição de construir tôda a filosofia ab imis fundamentis. E há três séculos que assistimos, na história da especulação moderna, êste suceder-se vertiginoso de sistemas que geralmente não estendem a sua duração · além da vida do seu autor ou da geração que lhe foi contemporânea. DESCARTES, BACON, LocKE, LEIBNIZ, HuME, KANT, CoMTE, ScHOPENHAUER, HARTMAN, HEGEL representem outras tantas orientações especulativas que é impossível reduzir a uma unidade fundamental. "Há sàmente a ânsia de destruir, escrevia o nosso FARIAS BRITO, a preocupação de produzir alguma coisa de novo, como se a verdade pudesse estar subordinada aos caprichos da fanta­ sia ou às ambições desregradas da vontade . O resultado é que de novo se fêz o caos no pensamento. " · (Base física do


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

espírito, p . 9. ) filosofia .

-

95

Fruto do individualismo nos domínios da

Para o campo social foi RoussEAU quem o transplantou com a doutrina exposta no seu "Contrato social" : O viver em comum não é natural ao homem ; seu estado nativo é o da. natureza isolada na liberdade das selvas . A sociedade é um produto artificial, resultado de um contrato livre entre os homens que cedem uma parte dos seus direitos para com ela constituírem a autoridade indispensável à vida coletiva . Desnaturou-se assim o caráter genuíno da sociedade e sub­ traiu-se à autoridade civil do fundamento racional e reli­ gioso de .sua inviolabilidade jurídica . Os países em que as idéias de RoussEAU lograram, vulgarizar-se nas massas en­ traram no regime das revoluções crônicas que caracterizam a instabilidade social dos países latinos e neo-latinos na pri­ meira metade do século XJX . Mais profundas talvez foram ainda as devastações do individualismo no mundo das relações econômicas onde o in­ troduziu a Revolução Francesa e o liberalismo do século passado . Todos os grupos que ha Idade M'édia se interpu­ nham entre o indivíduo e a sociedade para a regulamenta­ ção do trabalho e a defesa dos interêsses dos que dêle vivem foram violentam·e nte suprimidos . As corporações, as gildes dissolveram-se para restituir o indivíduo à plenitude da sua autonomia . Ao Estado vedou-se a interferência nas relações entre patrões e operários . Que o mundo econômico fique entregue ao j ôgo espontâneo das liberdades individuais ; elas naturalm-ente se equilibrarão construindo um mundo orgâ­ nico em que se hão de conciliar o máximo de independência Mas os fatos individual com o máximo de bem comum . mentiram à expectativa idílica destas esperanças. Na prà­ tica, o homemJ não foi para o homem um irmão, mas um lôbo : homo homini lupus. O mais forte explorou o mais fraco ; o capital opôs-se ao trabalho e dêste imenso conflite> entre um e outro nasceu a questão social com tôda a extensão


96

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

de seus males e a ameaça de suas conseqüências . O indivi­ dualismo - é êste ponto sôbre o qual hoj e ninguém discute - é o grande responsavel por êste. profundo desequilíbrio orgânico que ameaça a vida da nossa civilização ocidental . A pedagogia não podia subtrair-se ao envolvimento desta imensa. onda de individualismo avolumada pela convergên­ cia de tantas causas agindo simultâneamente em tão dife­ rentes esferas .

E ao lado do individualismo religioso, filosófico, · eco­ nômico e social, surgiu também o individualismo pedagó­ gico que encontrou os seus mais notáveis representantes em RoussEAU_, LocKE, KANT, HERBERT, NIETZSCHE e outros. Rous­ SEAU é talvez o porta-voz mais típico do individualismo pe­ dagógico e certamente o que mais profunda influência exer­ ceu na ev�lução da pedagogia no século XIX. Não lhe vol­ taremos a expor as idéias mais de uma vez já acenadas e de todos bem conhecidas. O centro de gravidade do sistema , é a cultura do indivíduo e como cultura do indivíduo en­ tende-se a expansão livre de tôdas as suas tendências e ins­ tintos . Tudo o que vem da natureza é � om ; desenvolvê-lo é encaminhar a criança à perfeição e à felicidade . Assim viviam e cresciam os primeiros homens no paraíso das suas selvas ; o mal vem da sociedade : ela é a grande pervertida e a grande pervertedora ; fonte de tôda a depravação, de todos os crimes e de tôdas as desgraças. Conserve-se pois o educando de RoussEAU, o seu Emílio, o mais tempo que fôr possível longe do contato funesto da vida social; cresça na .liberdade dos campos, na preocupação exclusiva de cultivar as suas qualidades individuais e não entre no convívio dos seus sem�lhantes senão na idade de constituir família . Sem perfilhar tôdas as idéias de JEAN-JAC9UES os outros individualistas concordam mais ou menos :

1 . 0 num otimismo ingênuo acêrca da onímoda bon­ dade natural do homem ;


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

2.o

numa

confiança

de

que

pelo

simples

-

97

desenvol­

mento da inteligência e da autonomia do indivíduo se che­

gará a assegurar a felicidade social ;

3 .o

num descaso sistemático de uma formação especi­

ficamente social durante a fase educativa da criança. É a

pedagogia do " deixar correr" e da confiança ilimitada n a

influência necessàriamente benéfica d e uma liberdade sem

p eias .

No campo pedagógico, o individualismo não fruti­

ficou melhor que nos outros .

A cultura do egoí�mo foi a

conseqüência espontânea dos seus princípios e dos seus pro­

cesso s .

Responsável por tantos males, em1 tantos domínios, não

é de maravilhar que o individualismo acabasse despertando uma reação enérgica, violenta e excessiva .

No ritmo do

progresso dificilmente o pêndulo se conserva na posição cen­ tral de equilíbrio estável :

<>utro extremo .

quase sempre oscila de um a

Aqui o extremo oposto, não menos nocivo

que o outro, foi o socialismo.

Tôda a alma do socialismo, tôda a sua fôrç_a de propa­ ganda derivou-a êle da sua reação contra o individualismo.

O socialismo foi a queixa da sociedade contra os abusos e

as desordens do regime individualista. (WILBRANDET, Sozia­ tismus, Iena, 192 1 ; apud DE HoVRE, I, p . 129.) Daí a sua

grande fôrça como elemento de destruição .

Os males por

êle apontados na organização atual da sociedade serão tal­ vez exagerados mas não são reais .

O egoísmo explorador

de alguns contra as exigências superiores do bem comum é um fato .

A necessidade de uma j ustiça social mais uni­

versalmente distribuída impõe-se como um dever imperioso.

O vício congênito do socialismo não reside tanto na critica das desordens atuais quanto na insuficiência radical dos meios de reconstrução .

Pass�ndo de um a outro excesso, o novo sis­

tema endeusou a sociedade . com detrimento do individuo .


98

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

A sociedade é a fonte de todos os bens ; um indivíduo, sen1

ela, não passa de uma abstração ; sua razão de ser tôda está em viver da sociedade e para a sociedade . Esta passa a ser um verdadeiro absoluto ao qual se devem sacrificar ccmo simples meios os que a compõem . Tôdas as conseqüências pedàgógicas que desta concepção fundamental derivou o socialismo nós as estudaremos mais detidamente numa. pa­ lestra unicamente consagrada à pedagogia socialista. E aí estão opostos dois sistemas pedagógicos, o indivtdua-­ lismo e o socialismo, soluções unilaterais de uma questã<? delicada e complexa1 cada qual com uma alma de verdaàe que não chega a conciliar com a verdade incontestável do �istema antagonista . Como realizar esta síntese superior em que se desapareçam, fundidas numa unidade mais com­ preensiva, a& antíteses ou antinomias· aparentes?

Comecemos com esclarecer as noções fundamentais . homem é ao mesmo tempo indivíduo, sujeito e pessoa.

Indivíduo é, como o diz a própria etimologia, todo ser que constitui em si uma unidade distinta dos outros sêres ( indivisum in se et divisum a quolib e t alio) ; é uma totali-- dade indivisa cuj as qualidades que não se repetem du as vêzes o singularizam no tempo e no espaço. O indivíduo é· único e singular . Todo ser que verifica esta definição é indi­ víduo : um homem e um animal, uma planta e uma• pedra. (esta formig�, esta situação) . Na noção de sujeito j á se . inclui a perfeição do conhecimento : o sujeito opõe-se ao objeto : é um indivíduo diante <:�o qual se coloca o mundo como têrmo de conhecimento, como obj eto de percepção . . Suj eito é portanto algo de mais perfeito que o indivíduo e aplica-se, de sua natureza, a um número menor de sêres : só aos dotados de faculdades cognoscitivas . ·

·

A pessoa é um indivíduo de natureza espiritual. Inte­ ligência e vontade caracterizam-na essencialmente . A pes-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE - - 99

soa é ao mesmo temiPO indivíduo e sujeito. Como sujeito, isto é, como ser dotado de conhecimento e de conhecimento intelectivo, relaciona-se com um mundo de obj etos, com um sistema de valores distintos de si mas cuj a realização lhe A pessoa é P?rtadora de condiciona o . aperfeiçoamento . valores morais . Todos os sêres singulares no nosso universo sensível são individuais : só o homem é pessoa . À luz destas primeiras noções fundamentais j á podemos

esclarecer as relações entre o homem e a sociedade . O homem é para a sociedade, ou a sociedade para o homem? Uma e outra coisa ; nem uma nem outra coisa . Como indivíduo o homem é para a sociedade, e como uma parte para o todo, como um membro para o organismo inteiro . A sociedade pode exigir-lhe todos os sacrifícios in­ dividuais - inclusive o . da vida, como o todo e o organismo reclamam para a sua conservação a imolação de uma parte ou de um membro . O indivíduo como tal é uma parte da

espécie, um representante singular da espécie, é um porta­ dor das perfeições específicas, subordinado aos interessês su­ periores do bem específico, do bem coletivo tconcretizado nas exigênêias da vida social . Como pessoa, o homem já não é uma parte mas um todo, não se acha subordinado a uma espécie mas lhe transcende · os limites ; seus destinos, não os encerra o tempo e o espaço ; , estendem-se na vida imortal dos espíritos . Porque, inteli­ gência e vontade, a pessoa acha-se em fac·e de valores ínfi­ nitos, cuj a realização em si lhe condicionam o desenvolvi­ mento e a perfeição . A pessoa é, por isto, realizadora d e valores morais e titular de direitos intangíveis ; na sua au­ tonomia não depende nem pode depender de nenhuma cria­ tura, nem pode, em caso algum, ser rebaixada às simples condições de meio, à categoria de coisa a serviço total . de um fim . Como pessoa, o hom.ern só depende de Deus e quan-


. 100 - A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

do as exigências divinas estão em j ôgo, pereat mundus et glori­

jicetur Deus, antes qualquer mal criado do que uma ofensa .

. aos direitos · infinitos de Deus . Como pessoa o homem não é para a sociedade, mas a sociedade para o homem . Esta magnífica estrutura da vida social, com a estabilidade de sua ordem jurídica, com a complexidade de suas relações ln.ter-individuais, com a riqueza dos seus bens culturais, cons­ titui apenas o grande quadro favorável ao desenvolvimento das personalidades, a atmosfera em que as almas possam desabrochar para à perfeiçij.o de sua iffiortalidade . Os qua­ dros e as estruturas sociais, uns após outros, varre-os o tempo na sua missão inexorável de devorar tudo o que é caduco ; ' as almas desprendem-se dos seus invólucros materiais, para se fixarem, belas e grandes como a beleza e a grandeza atin­ gida de sua vida moral, nos esplendores indefectíveis da eternidade . E um,a civilização terá realizado tanto mais perfeitamente o ideal de sua finalidade quanto mais fácil e mais abundante houver oferecido aos seus beneficiários a oportunidade de desenvolverem os valores eternos deposi­ tados nas suas almas imortais. "O bem comum universal ­ êste patrimônio da humanidade para o qual, queiramos ou não, trazemos todos a nossa parte e do qual participamos, é coisa muito diferente da riqueza econômica, ainda que a suponha; mais do qu� a prosperidade temporal ainda que a requeira ; Inlais do que as culturas nacionais, ainda que delas resulte; acima de tôdas as civilizações terrestres, porque, patri:mtôilio espiritual, é, por sua finalidade última, substra­ to de vida divina. " (C. JARLOT, S . J . , RA. LIII ( 1932) , p. 690. ) E .eis as razões dos contrastes que assinalarmos a prin­ cípio . O homem é co�lexo ; · ao mesmo tempo indivíduo e pessoa ; imerso na natureza sensível e a ela transcenden­ te; unidade de uma espécie que pas s a e depositário autô­ nomo de valores eternos; vivendo no espaço e no tempo, mas .em�rgindo, pela sua vida superior, destas condições inelutá­ veis dos sêres materiais; prêso como um,a malha na trama


A FORMAÇÃO DA PÉRSONALIDADE

-

lÓl

complicada e limitadora das relações sociais, efêmeras e pre­ cárias., e livre peregrino em demanda de uma- pátria que será a sua morada definitiva .

Aí está o grande enigma

da vida humana ; aí está a última ràiz de tantas divergências e

de tantos conflitos.

Porque não somos puramente indivi...:

duos, a sociedade humana não é um rebanho de carneiros . Individues,

temos

sociais·

deveres

indeclináveis ;

temos direitos humanos iill)p rescritíveis .

pessoas�

Ei o sistema pla­

netário das nossas organizações políticas, solicitadas con­ tinuamente pela atração poderosa dêstes dois pólos opostos, oscila entre ás imposições da vida coletiva e as reivindica­ ções das liberdades pessoais . Ainda uma vez, soluções unilaterais., vistas incompletas que importa fundir numa visão total e c ompreensiva . A pedagogia

individualista preconizava-vos há pouco

indiscriminadamente a expansão das qualidades individuais. · Esta formação individual não pode ser ilimitada e arbitrá­ ria .

O indivíduo encontra necessàriamente. um limite na sua O indivíduo é a realização singular de

própria natureza .

uma perfeição específica .

Tudo o que no indivíduo

pooo

ameaçar a hierarquizáção essencial dos valores de que de­ pende esta perfeição da espécie, · não constitui para êle um bem a conquistar mas um perigo a fugir ; não é uma ascen­ são, é uma decadência ; . não representa uma plenitude mas uma diminuição .

O desenvolvimento dos instintos e das

tendências individuais não deve ser anárquico, mas condi­ cionado à formação do qu� no homem é especificamente humano : a cultura da sua personalidade .

Ora, pela sua

inteligência a pessoa entra em contato com} valores mais altos cuj a realização constitui o seu ideal .

Muito se tem

discutido e muito se tem escri� modernamente sôbre a filo­ sofia dos valores .

.Não entraremos agora . nestes debates :

dêles apuramos como resultado que valor é tudo o que asse­ gura um desenvolvimento harmônico de vida .


102

- A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE Na série dos valores há !Uln)l e�cala que os gradua

ou

hierarquiza ;

1

no

cimo

mais

elevado

encontramos

a

Ve rdade - que nos introduz no conhecimento do que é, no :reino · do Eterno e do Necessário; o Bem, que transporta a ver.d q.de para a ordem da ação, e aponta em cada ser o que lhe convém para atingir a plenitude da sua perfeição; o

Belo:,. que nos atrai o amor para a realização do bem,. . '' ;Realizar o verdadeiro bem por amor", eis indiscutivelmente

o

d�stino da pessoa humana, a perfeição que a sua natureza

l�e propõe como um ideal e cuj a conquista progressiva cons­ titui o progresso pessoal." Rasgam-se assim novas e mnplas perspectivas à tarefa educativa .

.Põe-se têrmo à anarquia do ind�viduálismo, cul­ ._ tura de um eu acanhado que "não conhece outra lei senão

o

desejo movediço ou o grito imediato do seu capricho . . .

M�s perdendo o seu eu, o homem, continua. R. n'HARCOURT, encontra a sua personalidade . individualismo

e

Que abismo profundo separa

personalidade !

Individualismo

significa

contração da alma sôbre si mesma, estreitamento vital por oclusão voluntária das fontes externas .

Personalidade é

expansão, dilatação em al go de maior e de mais alto que nós, intensificação da vida verdadeira por saturação das realidades supremas." (R . GuARDINI, L' e�prit de la liturgie,

PP.· . . 12-13 . ) . Substitui-se assim na formação do homem a cultura do eu estreito do individualismo pela emancipação da sua per­ sonalidade humana . . . E ao mesmo tempo resolvestes o problema da pedagogia �ocial sem os exageros do socialismo . Assegurando ao ho­ mem o máximo de seu valor pessoal, destes-lhe · ao rnesmo te�po o máximo de sua eficiência social.

O maior obstá­

culo às colaborações e aos sacrifícios da vida erru comum

é

ego�smo; fonte de tôdas as discórdias, de tôdas as lutas,

o

1

Cfr . MuNNYNK, La V . I . , XVIII, 1932, p . 223 .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

103

de tôdas as ambições anti-sociais .

Cultivar no homem os

-valores espirituais é emancipá-lo .

(Personalidade significa

autonomia, dominus sui. )

Emancipá-lo do j ugo de suas

paixões, da tirania de seus instintos, da volubilidade de seus caprichos, é restituir-lhe a sua liberdade e pô-la dedi­ cada e forte a serviço dos bens superiores.

Espiritualidade

é universalidade . Espiritualizar é universalizar e univer­ salizar é socializar . Na medida em que o homem con­ seguir o domínio de suas tendências e progredir na renúncia e no dom de si e organizar a sua unidade interior e a harmonia de sua consciência, realizará melhor .a sua personalidade, mas ao mesmo tempo se porá melhor em estado de servir o próximo, de dar-lhe alguma coisa e d e ver nêle um irmão . A vida social eleva-se e intensifica-se na proporção da grandeza moral dos seus membros . As antinomias eram, pois, aparentes.

Uma visão uni­

lateral e superficial da questão acentuava as antíteses .

Um

olhar mais profundo na realidade revela a síntese de aspec­ tos que pareciam inconciliáveis . Que a educação trabalha em desprender o homem do que nêle é inferior, em libertá-lo de seu egoísmo, em restituir­ -lhe a liberdade dos movimentos nas suas ascensões interio­ · r es - e êle se encaminhará mais seguro, com esta con­ quista progressiva de si mesmo para o conseguimento de sua Perfeição que é o fim da pessoa; e êle se sentirá capaz de agir sôbre os seus irmãos, de elevar, no surto de sua pró­ pria alma, as massas humanas para uma realização melhor de si mesmo, - que é a sua missão de indivíduo, membro da grande família humana . A alma da pedagogia social é a formação superior da personalidade .

A formação superior da personalidade· é

condicionada pela realização no homem dos grandes ideais da Verdade, do Bem e da B eleza .

E Verdade, Bem e Beleza

só em Deus são Realidade e Vida . Nas mais íntimas profun­ dezas da nossa alma religiosa estão as fontes inexauríveis


104

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

das energia sociais .

O amor do próximo que não descansa

no amor de Deus é precário e incerto ; dissimula muitas vêzes o egoísmo e não resiste à ação antagonista e esterili­ zadora das ingratidões e das decepções humanas .

damente FoRSTER :

Profun­

"Só na medida da nossa socialização com Deus a socialização da terra dará os seus frutos." (Christus,. p . 228 . ) Rio, 27 de abril de 1933 .


PEDAGO GIA SOCIAL li A alma da pedagogia social I

-

Sup � rvalorização da iniciação social . Perigos da organização externa pura . Defeitos que se originam da vida social . Necessidade da formação interior da personalidade . Pedagogia socialista ( fazer) e pedagogia católica ( agir ) .

li

-

Meios práticos.

Desenvolver os sentimentos soCiais naturais, principalmente a. solidariedade . Completar com a formação religiosa só capaz de assegurar­ o sacrifício e combater os sofismas do egoísmo . Riquezas sociais do cristianismo : a) b) Vida

formação integral d a alma - caridade cristã, comunhão dos santos . sacramental sobretudo eucarística . A.M. D . G . Ao "Sacré-Creur", 9-Xl-933.


A

pedagogia social abrange duas partes de valores dife­

rentes : a formação interior das virtudes que condicionam a nossa vida em sociedade� os processos práticos e os métodos didáticos de veicular com mais eficácia o ensino e o espírito social .

Trata-se de formar a consciéncia no cumprimento

de um dos seus deveres mais importantes e de encontrar os Ill!2i os mais eficientes para assegurar o. · resultado que se almej a .

Chamamos a estas duas

p artes,

pela sua impor­

tância desigual e pelas relações que ligam uma à outra : corpo e alma da pedagogia social . Do corpo, j á nos ocupamos na reunião passada.

Vimos

como o ensino das dif�rentes disciplinas e . a organização da vida escolar se prestam a dmdràvelmente, nas mãos de pro­ fessôres e educadores competentes, ào ensino e à formação pràtica dos alunos - para o desempenho dos seus deveres sociais .

Hoj e desceremos mais profundamente a êstes re­

cessos invisíveis da nossa consciência onde se elaboram as resoluções que orientam a nossa atividade, a esta raiz escon­ dida que alimenta c om a sua seiva a sinceridade das virtu­ des e assegura à vida exterior a constância na dedicação e a generosidade no sacrifício .

E esta é precisamente a primeira obj eção que fazemos a êste grande movimento emJ prol da pedagogia social em­

preendido pela Escola N6va em bom número dos seus re­ presentantes : uma confiança excessiva nos meios exteriores e um descaso quase sistemático da formação interior das almas .

É um êrro de pedagogia nascido de um conhecimen­

to incompleto da natureza humana .


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

107

É a supervalorização da eficácia educativa da iniciação, fruto dêste intelectualismo exagerado que tanto prejuízo tem causado à verdadeira. formação das almas .

Mal se nota

uma deficiência . no trabalho educativo para logo se lhe pro­ põe como remédio eficaz a instrução especializada de um técnico . sexual

Daí é que nasceram a iniciação cívica, a iniciação e

tantas

outras

iniciações

quando não contraproducentes .

perfeitamente

estéreis

Não se vê que a iniciação

fala exclusivamente à inteligência ; não é a fôrça motriz das nossas resoluções .

Com ela ficamos conhecendo o que

importa fazer mas nem por isso nos sentimos necesf'àr�a­ mente decididos a fazê-lo .

A questão não é tanto de for­

mação especializada quanto de formação integral do homem. Não se trata tanto de conhecimento quanto de fôrça de alrna, de vontade emancipada do egoísmo para elevar-se pràti­ camente à altura do ide�l entrevisto pela inteligência . No domínio da educação social podemos conhecer per­ feitamente os nossos deveres sociais, a importância da dedi­ cação, a beleza do sacrifício, a sua função capital nas rela­ ções com os nossos semelhantes, e no entanto não sentimos o ânimo livre capaz de rorr.�per as cadeias do nosso egoísmo e pôr a serviço dos nossos irmãos a riqueza dos nossos bens.

A fraternidade será assim um ideal, nunca uma vida . solidariedade será um11. palavra sonora na abstração

.A d�s

nossos discursos enquanto o egoísmo mais estreito será o inspirador real das nossas ações.

A educação social deve

começar pela educação inter io r da alma .

É

urna

emancipação interna antes de ser uma adapta­

ção externa . Sem a primeira, a outra ·é inteiramente inefi­ . caz e pode até agir a contravapor. Acentuar predominante­ mente a socialização aparente, insistir sôbre a necessidade de dar uma organização social à vida escolar e esquecer o u deixar n a penumbra êste trabalho interior d a formação da alm� e do caráter, do combate ao egoísmo, da educação para o sacrifício que é o nervo de tôda dedicação sincera,


108

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

é ficar Irlj'Uito à flor das coisas e comprometer, com uma pedagogia superficial, a profundidade dos resultados que se desej am . Sem a cultura interior da personalidade, os quadros externos de uma organização social podem até oferecer a oportunidade do desenvolvimento de numerosos defeitos emi­ nentemente anti-sociais .

A simples convivência organizada

com os nossos semelhantes não tem o condão taumaturgo de nos infundir as virtudes sociais, .mas pode oferecer o caldo de cultura favo_rável ao desabrochar de um sem-nú­ mero de germes nocivos ao bem comum que dormem laten­ tes nas profundidades desta pobre natureza humana que não é espontâneamente boa ne�- tende sempre espontânea­ mente para o bem .

Gemenischaft macht geonein, escreveu NmTzscHE.

A

vida em comum tende a tornar comu:m, isto é, vulgares� medíocres, as almas.

1

Ao lado de uma expressão repreen­

sível de individualismo, o aforisma nietscheano encerra .uma ,

verdade profunda.

A sociedade exerce sôbre os seus mem-

bras un1a tirania indiscutível e esta tirania é fonte de males sem conta .

Os moralistas não se cansam de pôr em evi­

dência êste influxo degradante do m.eio, ao qual mesmo os melhores não deixam de pagar o seu tributo.

É a ditadura

da moda, da opinião pública, dos j uízos feitos a exercer con­ tinuamente sôbre a autonomia da consciência uma pressão formidável . Por isso mesmo que somos sociáveis já nos inclina fàcil­ mente a natureza a agradar àqueles que conosco vivem ; a êste instinto que tem sua razão de· ser e, bem canalizado, é um contrapêso ao individualis:rnp sem peias, acrescem as nossas paixõ� indisciplinadas :

a vaidade, a ambição da

glória e da popularidade, o desejo dos aplausos .

Tudo isto

cria no homem uni{ estado de sug�stibilidade que pode ser ,1

·Este desenvolvimento segue de perto a pp . 75-83 .

caractere,

FÕRSTER, L'école et le


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

fatal à formação do seu caráter.

-

109

Os j uízos apressados e as

paixões volúveis das massas passam a exercer sôbre as suas ações uma influência funesta e incontrastável .

No altar

da "opinião pública", mutável e inconsistente, imola-se a retidão das grandes atitudes, a virilidade dos gestos nobres, a coerência entre a consciência e a vida . Tôdas as vêzes que vivi entre homens saí menos homem, escreveu SÊNECA.

Nos meninos onde o caráter se acha ainda em estado quase embrionário e a individualidade ainda se não firmou nas suas grandes linhas fundamentais, êste perigo da tira- · nia social é mais forte e as suas conseqüências mais nocivas. Como as grandes massas populares assim as multidões in­ fantis são excepcionalmBnte sensíveis às sugestões coletivas. Bastam dois ou três orientadores ou agitadores para deter­ minar a nota do diapasão pelo qual afinarão os outros.

É

a psicologia dos rebanhos.

Por onde arrancam os chefes de . fila por aí enveredam todos os demais . Daí nos colégios

uma

diferença enorme entre um aluno tomado singularmen­

te no seu modo de tratar com os professôres e colegas e o mesmo aluno enquadrado num grupo sob a ação de mn movimento coletivo . Esta influência da opinião pública, êste desej o de se ver aprovado pelos colegas é tão forte que determina freqüen­ temente uma

atitude

de

hipocrisia

às

avessas.

O

hipó­

crita genuíno afivela uma mascára de bondade para escon­ der uma malícia real ; é mau e procura parecer bom . Nos meninos e mo ços não raro observa-se uma inversão ou um contraste entre o que são e o que aparentam mas em sen­ tido oposto .

Nos grupos de companheiros mais desenvoltos

j actam-se de ações que não fizeram, fazem praça de senti­ mentos em desarn1.onia com as disposições autênticas de suas almas .

Por comprazer aos outros fazem-se piores do

que · são, hipócritas às avessas . A vida social não é, portanto , de si geradora espontânea

de virtudes; no esta<;lo atual da nossa natureza pode muito


110

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

freqüentemente exercer até uma pressão deformadora

do

caráter, substituindo aos ditames da razão e às prescrições da consciência a volubilidade superficial dos caprichos da moda e da opinião pública ou os interêsses efêmeros ambição e da vaidade .

da

Uma verdadeira educação social, portanto, deve come­ çar por um robustecimento interior da personalidade con­ tra as possíveis influências deformadoras do meio ; uma re­ sistência do indivíduo contra o grupo.

Quando a pedagogia

socialista não nos fala senão na organização social da escola, na adaptação do indivíduo ao · ambiente, na incorporação na comunidade, mostra quão pobre é a psicologia e quão superficial o conhecimento da natureza humana que cons­ titui o substrato de sua pedagogia .

Não basta envolver a

criança num ambiente social para socializá-lo .

O instinto

social que faz parte da nossa natureza é um� grande fôrça, mas uma grande fôrça que pode ser canalizada tanto para

o bem quanto para o mal .

Com o instinto que nos inclina

a viver com os nossos semelhante verifica-se o mesmo que se dá com os outros instintos fundam,entais da conserva­

ção do indivíduo ou da espécie.

Sem uma disciplina severa,

sem um ascetismo rigoroso, desgarram da sua finalidade prJmordial e só espalham ao redor de si lágrimas e cinzas .

Em vez de servirem aos obj etivos superiores qu e lhes constituem a razão de ser degeneram em impulsões violen­ tas a serviço do egoísmo mp.is feroz.

Como estas iniciações

sexuais isoladas de uma form�ção da vontade e de um ro­ bustecimento interior das energias superiores da alma não fazem senão agravar de dia para dia a indisciplina dos cos­ tumes, assim as iniciações sociais feitas só de organizações externas e de " preleções de um intelectualismo abstrato e inoperante só conseguirão desenvolver no homem não o anjo mas o demônio social, não cidadãos dedicados que traba­ lharão para a sociedade mas parasitas egoístas que viverão

da sociedade .


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

A

-

111

verdadeira educação para a vida e m comum começa

por uma disciplina interior, por um desenvolvimento das

fôrças de inibição social, por uma libertação da vont.ade re­ lativa à pressão das paixões sociais .

· É preciso firmar nó j ovem a sua independência de ca­ ráter, a sua fidelidade inquebrantável aos imperativos da sua consciência, o seu entusiasmo refletido por um ideal que o eleve e liberte dos atrativos das seduções inferiores do ambiente social . Vien dfetro a m e, e lascia dir le genti ; ' Sta come torre f erma che n on crolla la cima per s offiar de' venti. (Purgatório, 13.)

Escravizado ao desej o de parecer, à ambição da glória, à magia da moda, à exibição do fasto, à adaptação incondi­ cionada às multidões, à "fascinação da popularidade e das suas aprovações e elogios, à tendência ao mimetismo, à imi­ tação servil do que fazem , pensam e qizem os mais, vós não tereis nunca um cidadão prestimoso, un1 servidor leal do bem. com/Um,, mas o homem de expedientes, o explorador hábil, o oportunista multicolor, pronto, em qualquer emer-· gência, a sacrificar à satisfação destas paixões sociais os interêsses superiores da coletividade . Por aí vêdes a diferença essencial e profunda que se­ para a nossa educação social da preconizada pela pedago­ gta socialista e compnista .

Enquanto nós colocamos na

formação interior da personalidade a alma da educação so­ cial, os radicais vermelhos colocam tôdas as suas esperanças

de uma regeneração da sociedade na eficácia das inicia­ ções intelectuais ou das e�truturas dos quadros externos da vida escolar socialmente organizada . Esta tendência, mais ou menos latente em tôda literatura pedagógica inspirada pelo socialismo, revela-se em tôda a sua cla­ reza · e virulência, no tipo da organização escolar implan=-


112

-

A· FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

tado pelo bolshevismo .

O fim da pedagogia russa, pode

-dizer-se, é ensinar o homem não a agir mas a jazer. Na nossa atividade intelectual podemos, com efeito, distinguir dois . a spectos : um especulativo, outro prático.

Em face do Uni­

verso a' nossa · inteligência entra em relações de conhecinien­ to com os outros sêres, vê as diferentes relações que os ligam,

.a finalidade de cada um dêles e principalmente a finalidade nossa, humana .

É uma visão panorâmica do nosso lugar

no Universo, dos destinos para que fomos feitos e em cuj a realização livre consiste, com a nossa perfeição � o segrêdo da nossa felicidade .

Orientar a nossa atividade, para con­

seguir e realizar o nosso fim, eis a missão da inteligência no .seu trabalho de conhecer a razão e o valor das coisas . Na sua finalidade prática a mesma inteligência indica proporcionados ao oonseguimento do

os diferentes meios obj etivo visa�o e a

vontade aplica-se ao seu emprêgo .

En­

quanto orientamos os nossos atos para conseguir o nosso fin1 supremo, a realização

plena

de nossa natureza humana,

agimos; enquanto os aplicamos fora de nós à fabricação de algum obj eto, jazemos. Agir é orientar a personalidade para os seus destinos, é proceder moralmente; fazer é trabalhar para produzir alguma coisa fora de nós mas de qualquer modo a nosso serviço.

O agir como agir visa o aperfeiçoa­

mento de quem.. age ; o fazer como fazer mira a perfeição da obra feita .

Nn agir acentua-se o aspecto moral da nossa

atividade, no fazer sublinha-se o seu lado econômico.

Na

nossa pedagogia o fim dominante é a perfeição do agir, isto

é, do homem como personalidade, com o seu valor próprio e a sua finalidade intangível ; na pedagogia soviética, o que prevalece é a perfeição do jazer� e se alguma vez se fala no desenvolvimento da personalidade, na cultura das suas qua­ lidades intelectuais e volitivas, é não em vista do valor humano propriamente dito, mas somente conÍ o intento de .aperfeiçoar no homem o instrumento de produção elevando .ao máximo o seu renq.imento econômico .

Daí o nome de


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

1 13

escola do trabalho produtivo dado' à escola russa e o seu feitio particular de se apresentar como uma pequena comu­ nidade organizada de modo a produzir imediatamente um

trabalho de utilidade social . Tudo isto corolário da visão materialista da vida que constitui o substrato filosófico do marxismo.

Se o homem

não tem um valor espiritual, próprio, tôda a sua felicidade consiste na maior soma de bens terrenos.

O fim da vida social será acumular, portanto, a maior quantidade dêstes bens para saciar a t odos os desejos e a tôdas as cobiças hu­ manas .

A eficácia da escola se resumirá no seu poder rle

transformar os pequeninos sêres humanos que lhe são con­ fiados em instrumentos econômicos de capacidaqe de produção.

máxima

Daí a estrutura de sua organização social obe­

diente a uma f�nalidade puramente material .

Aqui o que nó3

chamamos corpo da pedagogia social se apresenta no seu aspecto extremo, desanimado de qualquer sôpro de ideali­ dade espiritual. Um outras orientações menos radicais da es­ cola nova a materialização não vai tão longe, mas há ainda uma confiança excessiva e ingênua na eficiência dos quadro:; extE riores e um descaso funesto da formação interior das almas . Para nós a educação da personalidade é a artéria vital da formação eficiente da �ociabilidade ; a organização da nlma, a primeira condição de organização externa da vip a �ocial .

As estruturas sensíveis, os processos didáticos de

que falamos na última palestra, úteis em si serão, porém Jnsuficientes, se exclusivos .

O corpo da pedagogia social não

passará de puro cadáver se o não aviventar a alma interior

du formação da personalidade . Pràticamente, porém, como formar as almas ao de::e!n­ penho · dos. seus deveres soc iais? No cultivo dos elemcnt0s bons da nossa natureza social e no c-omplemento indispen· sá vel da vida religiosa e cristã nos seus aspectos mais pro­ fundos de sociabilidade e fraternidade humana .


114

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Por nq,tureza

somos sociais, isto é, destinados a viver com

os nossos irmãos ; um instinto profundo inclina-nos a ·esta convivência; sentimo-nos espontâneamente atraídos a pro­ curar a companhia dos outros ; correntes de simpatia ligam-· -nos

àqueles

qüente .

com

quem entramos

em contato mais

Daí uma inclinação natural a quanto pode

fre­

�rnar

esta convivência não só possível mas ainda agradável : é um. feixe de sentimentos sociais que desabrocha do fundo da nossa própria p.atureza . Cultivá-lo com cuidado ; desenvolver êste capital precioso que é um primeiro dom de Deus.

Opor,

na consciência da criança, em contraste instintivo as estrei­ tezas do egoísmo estéril e a expansão enriquecedora das de­ dicações sociais .

Féchando-se no isolamento do seu peque­

nino eu , o homem atrofia as suas mt;lhores qualidades, azeda. a sua vida e, no extremo, fecha-se, como um ouriço intra­ tável, na solidão de uma misantropia eriçada de pontas .

De­

dicando-se aos seus irmãos é a expansão de suas melhores energias, é a diminuição de sofrimento, é, com a multipli­ cação, dos serviços e dos benefícios que prestamos, o aumento,. em tôrno de nós, do sorriso e da felicidade .

Insistir, princi­

palmente, na solidariedade real que une os nossos destinos aos dos outros homens e nos torna inevitàvelmente depen­ dentes uns dos outros no trabalho do nosso aperfeiçoamento e na possibilidade mesma da nossa vida .

É esta lição que

nunca se repetirá de�siadamente e se poderá adaptar sob

mil formas div6rsas à capacidade das crianças nas suas di­ ferentes idades.

Tornai, po r exemplo, um pedaço de pão que

se come no café e falai assim :

Já refletiste, meu filho, quan­

tos homens trabalharam para que pudesses almoçar esta manhã? Quantos padeiros passaram talvez a noite em claro,.

à luz das grandes fornalhas, para que tivesses fresco e quente o teu pãozinho da manhã.

�ste pão é de trigo, êste trigo.

vem-nos da Argentina : quantos agricultores durante meses a �io não semearam, mondaram para colhêr a ·espiga loura que hoj e é pão. A. farinha dêste trigo trouxe-nos a estrada


A FOR.M:AÇAO DA PERSONALIDADE

-

115

de ferro, primeiro, depois o vapor . As locomotivas fabricou-as, a Inglaterra, o cargueiro veio da Alemanha ; pensaste nos_ operários que trabalharam o ferro, nos mineiros que talvez · p erderam a saúde na extração do carvão de pedra ; nos fo­

..

guistas que penam esbraseados pelo calor das caldeiras, nos.

:merinheiros isolados das suas famílias para assegurar a na­

Toma um atlas � .

vegação na amplitude silenciosa dos mares .

não hâ talvez uma parte do mundo em que não se tenh,a tra-; balhado por ti.

Conta, se podes, quantos direta ou �direta­

mente contribuíram para que tivesses a tempo e a hora o teu

alm.ocinho de hoj e : são talvez milhares e milhares. de ho­ mens a teú serviço . E êstes homens são teus irniãos ; - o tra-: balho dêles é a tua vida; os sacrifícios do seu tempo e da

sua saúde é a condição de teu bem-estar . Tiveste� alguma . vez para com êles um afeto de gratidão?

Talvez o teu co-.

ração e os teus olhos nunca se estenderam além das grades do teu j ardim. Cu:rntpre 'alargar os· teus sentimentos e querer · bem a todos os homens . E como lhes mostrarás o teu reco-: nhecimento? Não podes abrir no mundo inteiro um

inquérito ,

para apurar o núm,ero exato dos teus. benfeitores anônimos . Mas ao redor de ti não faltam irmãos teus aos quais podes, estender o reconheci.nmnto do teu afeto e os benefícios de tua atividade. Querer bem aos nossos seínelhantes, fazer-lhes bem na medida das nossas possibilidades é um dever resul:· · tante desta solidariedade profunda que une os nossos destin9s

e a nosa felicidade à ' felicidade e aos destinos dos

nossos

irmãos . Cultivar nÇl.S crianças e nos joveris êstes

sentimentos de os h.ciri..:� egoísmo indivi­

simpatia, de dedicação e desinterêsse, alargar-lhes zontes para além dos círculos estreitos do

dual ou do egoísmo famãliar é preparar nobremente as alirias

à vida social ; desenvolver o que há de melhor, de mais sadio

nas reservas da nossa natureza . Basta,

porém,

esta educação puramente natural?

demos esperar uma verdadeira fraternização d�s

Po­

ho.n;tens .só .


�16

-

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

A

com- êste · jôgo de simpatias nascidas do instinto social e que podem; aqui e ali, em algumas almas bem nascidas alimentar

verdadeiras dedicações e inspirar criações de incontestável benemerência social?" Digamo-lo imediatamente e

sem re­

buços : não . Tôda educação social qu� não prender profun­ damente as suas raízes na formação religiosa da consciência

é · precária, ineficaz, superficial e, com raras exceções, não res-istirá por muito tempo à ação esterilizadora do egoísmo .

Eis por que todos os sociológos que desceram, numa _

anâlise conscienciosa, às causas �is profundas da conser­

vaçao · ·e do progresso da vida social, viram na religião a con­

diÇão essencial ·

da solidariedade humana. 2

'B ; Kn>n : t'Trabalhar para o bem geral, sacrificar-se pela

·

sociedade,

viver a serviço do organismo social, numa palavra,

etquecer a si nmsmo, eis a tarefa que devia desempenhar o

indivíduo . E essa tarefa êle não a pôde desempenhar senão

desde. · o

momento em que os grandes deveres sociais lhe

forarn apresentados. a uma luz superior, como meio de atingir bens maiores.

1:ste horizonte moral desdobrou-se aos seus

olhos quando foi iluminado pela luz do universal, pelo sol do Infini·to, que o cristianismo fêz brilhar no espírito individual e · . com · que o sentimento individual exerceu uma atração magnética infinita. "

(Social e7Jolution� pp . 183-185 .

D H .

.

I,; :p . - 2 1 0 . ) .

Bou:TRoux :

.

"A sociedade supõe a religião, insp ira-se da

r.eligião . . . A religião desempenha um papel de princípio, não

de simples instrumento . . .

Na origem de todo progresso so­ �i�� .�I;l.C�l1.tra-se a fé, a esperança e o amor." (Science · et Re­

ligipn, p. 207, D . H. I, p . 140.) . · . �- t;azões j_á começar�� a entrever-se nestas mesmas a •

O

,ci�ç-ões. .

A primeira é que não há vida social sem sacrific : os

��iyiduius, O

bem comum nem sempre coincide com o bem

de eada indivíduo ; não raro exige sacrifícios particulares . · '' _

·

2

i;:>emons.tração desta verdade em. R. ALLERS�

�Ut1icher�. Persoti�

Herder, 1930 .

·

Das Werden der


A

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE --.- ...1. 11

Não há servirmos aos nossos irmãos sem nos esquecermos. a

há.

nós �smos : não há dedicação sem renúncia; não

dadeira caridade sem mortificação do nosso egoísmo.

.ve�­

E .uma concepção puramente naturalista da vida não explica à inte­ ligência a razão de ser do sacrifício nem subministra à vou�.' .

tade motivos eficazes para o inserirmos valorosall?-ente . pa trama da nossa vida . O cético não tem nenhuma razão .para dedicar -se e o ateu é logicamente um egoísta.

Se de fato

serve e se dedica é porque na realidade da existência se guia · ainda por outros princípios e por outras verdades . que -não são. o corolário do seu ateísmo .

No nosso mundo oeidental

sobretudo são numerosas as almas que vivem ainda· ��o:p.s:­ cientemente do cristianismo que renegara� e , sem o . sabe.�� . .

devem o melhor .dos seus corações a esta atmosfera qe . aJJ?..Qr . .

com que o Evangelho embalsamou a nossa civiliz.a ç�o .

.

A outra razão é que só a concepção religiosa dissjpa . o sofisma que o egoísmo · opõe ao princípio de solidariedade ! Quem me assegura que também os outros cumprirão. o· · seu dever, que todos cederão de seu bem-estar o indispensável

para aum.entar o bem-estar coletivo? E se os outros se · de.. sinteressam do bem comum, por que me hei de sacrificar eu? C ada u1n por si ; procurarei viver o melhor que me fôr pcs­

·

sível, e os outros que façam o mesmo : apres "llU)i ze déluge� Contra êste sofisma, notava BUREAU, numa memória apre­ sentada ao 3.° Congresso Internacional de IDducação Moral, são inoperantes todos os argumentos da moral sociológica fundada na simples solidariedade humana.

· ·

.

·

Il faut "donner · à · rhomme una conscience profonde ·tles valeurs spirituelles et le convaincre de la destinée· transcén!.. dente qui est la raison d'être et la fin de sa vie terrestre.

Puisque l'hom�, envisagé dans sa seule existence · terrestre� ne saurait être considéré comme sa propre fin; puisque; d'au­ tre part, la société ne saurait devantage être considerée

contme une fin capable de j ustifier le sacrific·e, il fàlit

�é­

velopper dans les consciences le sentiment profond des rela·


·118 - A Ft>RMA.ÇÃO DA PERSONALIDADE -tions étroites et mysterieuses qúi existent entre nos chétives personnes·: et l'idéal que nous devons servir . . . Il resterait à montrer ·comment cette ceuvre d'espiritualisation croissante

ne

se peut poursuivre qu'au sein d'une religion · organisée

et nota.In!inent à l'Eeole du , Christ Rédempteur, de Celui qui connaissant- le mieux nos indecibles rniseres, nous a cepen­

dant invités à devenir parfaits, comme le Pere celeste est parfait.'J ·(Psychologie de la tentation, em L'Education et la

Solidarieté, pp . 228-229 . ·1 09-110:) .

JAONEN, La formation sociale, pp .

P.AuL BUREAU acaba de indicar-nos a superioridade social do cristianismo. Se as verdades fundamentais que formam o substrato indispensável da vida religiosà - a crença na exis­ ' tência de Deus, na imortalidade da alma, na vida de além­ -túmulo}' que reflete

a fidelidade

éom

que

neste

mundo

cumprimos a vontade de Deus - constituem os elementos ne­ cessários à· posSibilidade mesma de uma organização social

- e por isto a história ainda não conhece uma sociedade de

ateus coerentes - é de prever a riqueza de elementos socia­ Iizadores encerrada na religiã<? verdad�ira .

E não deixa de ser doloroso como, muitas vêzes, pôr �ulpa nossa; ficam inexplorados e quase ineficientes todos êstes tesouros inestimáveis do nosso cristianismo, na for­

mação religioso-social dos nossos alunos . O cristianismp, em primeiro lugar, assegura esta for­

mação ·integral da personalidacfe, que vimPs ser condição de tôda educação humana eficaz . :inicjações

puramente

intelectuais

e

a primeira

Em vez de

especializadas,

uma

�oncepção. integral · da vida a modelar . as almas e infundir­

-�s

esta& energias profundas para o cumprimento de todos

os deveres em qualquer das múltiplas relações

tênci�'-·· . · . . . ·

:··

da nossa e:xis-

Além· desta influência geral, porém, o cristianismo pro­

j.éta : sôbre as nossas relações humanas o esplendor de . cla­ ridades .mais altas.. O ampr ou a simpatia puramente natu.

.


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE -· 1 19 ral transfiguram-se à luz da caridade cristã e a solidariedade da natureza recebe outra interpretação na doutrina sôbre tôdas consoladora da Igrej a, considerada como corpo mfs­ tico de Cristo, vivifiçado pela graça sobrenatu�al . Todos os nossos atos bons apresentam então, insepa­ ráveis, dois aspectos : um natural e humano, outro sobre­ ·natural e divino.

Poderá ser que não vej amos logo os resul­

tados imediatos de um ato virtuoso na ordem dos efeitos naturais acessíveis à nossa observação .

Ma� o que vemos

ou podemos ver não representa o seu conteúdo total .

�ste

mesmo ato apresenta ao mesmo tempo um sentido sobre­ natural que o completa e que dêle é inseparável .

Todos os

sacrifícios sociais, tôdas as dedicações aos nossos semelhan­ tes, são ampla�nte compensados.

Qualquer ato do cristão

implica necessàriamente um aumento da vida divina n a terra, e esta certeza de uma eficácia segura n o aumento da nossa grandeza pessoal condicionada pela grandeza dos nos­ sos irmãos é estímulo eficaz a tôdas as renúncias e à gene­ rosidade de todos

os

heroísmos .

Constituímos

todos

em

Cristo um só corpo ; não podemos ser bons ou ser maus isoladamente .

São eternas � coletivas as conseqüências de

tôdas as nossas ações .

E eis como "a vida da Igrej a dá fundamentos eternos às relações sociais entre os homens e abre um campo ilimitado ao amor . e à dedicação". (BREQUET, O . S . B . , Sagesse de vie, p . 28.)

Os nossos semelhantes começam então a aparecer­

-nos como irmãos verdadeiros : a nós unidos não só pela co­ munhão do sangue, mas pelos vínculos do espírito ; não os .amamos só pelas suas qualidades naturais, por uma reper­ cussão de simpatia que talvez em nós despertem, mas por-· �ue nêles há algo de D€us, de Cristo, há uma vida divina .a infundir, conservar e desenvolver em cada alma . Amamo· -lo com o mesmo amor com que amamos a Deus .

Destacar o

homem dêste conjunto magnífico do plano divino é expô-lo

à miséria de tôdas

as paixões anti-sociais.

Sem êste ·alto


120

-

A FORMAÇAO DA PERSONA LIDADE

conceito da dignidade de cada alma que só . o cristianismo assegura, o homem acaba quase sempre desprezando o outro homem. Odi profanum vulgus et arceo, dizia HoRÁCio. NIET­

zscHE e ScHoPENHAUER e RENAN são nos nossos dias exem­ plos típicos desta atitude cruel . Só

o

cristianismo dá fundamentos sólidos à fraternidade

humana, à caridade real ; a caridade intensificando-se de.;a­ brocha em zêlo ; o zêlo inspira a ação benfazeja e torna pos­ síveis tôdas as renúncias que a condicionam.

E aí tendes

como a ação social católica é um corolário espontâne:o dos nossos 1dogmtas mnis consoladores :

na �nstrução relig�osa

das almas, p or que não insistir mais .nestes aspectos . sociais e . deduzir-lhes tôdas as conseqüências práticas . Mas o cristianismo vai além : doutrina qu

·

não é só a riqueza da

transfigura as nossas relações sociais; é a in­

tensidade interior da sua vida, que só êle é capaz, pelo3 seus sacramentos, de alilnentar nas almas, que torna po3sível a ·realização do seu ideal .

"O Evangelho é o código sublime

do am::lr entre os homens .

Mas .Cristo conhecia a incons­

tância da nossa natureza .

Pr omul gá lo e ausentar-se fôra -

entregá- lo ao destino de tantos outros sistemas cuj a beleza e eficácia original vão empalidecendo co m a longa sucessão dos anos .

Um . túmulo vazio não defende uma lei viva.

A saudade

amada .

de uma lembrança n&.o supre um'.l presença Para se construir uma humanidade em que o ho­

mem fôsse irmão de outro homem, Cristo perpetuou entre nós a sua presença divina .

A

lei do amor será guardado

pelo tabernácu1o onde �le permanece, vivo e real, como nos dias ditosos da Palestina, . em que vazava os corações dos seus primeiros discíp�los nos :mpldes do seu coração infinitamente ·

generoso .

Desde esta noite misteriosa que precedeu a trágica

imolação do Gólg1::>ta,

o

grande mandamento que resum e

todo o seu Evangelho ficou indissoluvelmente associado ao grG\nde sacramento em que se consubstancia o seu a�o r .

A

�ucaristia, o mais intimamente pessoal de todos os sacra-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

121

mentes será tamJ:>ém e por isto mesmó o sacramento social por excelência : será a con:�unhão, a sinaxe, i . é . , a assem­ bláia, a união íntima dos fiéis que devem ser irmãos ; será o banquete, o convívio, i.é. , o símbolo da fraternidade, a ex­ pressão e o alimento do arrpr na família e na sociedade .

Q:

contato íntimo com Cristo na Eucaristia irá transformando profundamente as almas num ideal mais alto .

A quem

comunga, o mundo vai aparecendo à claridade de outra luz ; já não é um instrumento de nossas satisfações egoísta� ,

um cenário onde só há bens sensíveis que excitam a febra

do gôzo, multiplicam os germes de discórdias e exasperam as concorrências, os conflitos e as lutas .

A existência apresenta

outro sentido ; o de uma vida em que se trabalha por D eus. e pelo próximo, em que dar é mais feliz que receber ; em que sacrificar-se é o segrêdo de realizar-se plenamente. Ao contato do coração de Cr1sto, ardente e generoso, inti­ mamente unido ao nosso, opera-se insensivelmente a trans . . figuração maravilhosa ; ·desbastam-se as arestas rudes da nos3a intratabilidade, dissolvem-se os gelos do nosso egoísmo e

o coração do homem entra a palpitar ao ritmo do Coração

de Deus .

Cada tabernáculo transforma-se assim num foco

de irradiação fraterna, num manancial vivo de amor entre os homens, dêste amor que defende as familias e salva as sociedades das devastações mortíferas do egoísmo .

·

Para comprimir tôdas as causas interiores de divisãc:, de d iscórdia e de guerr-as ; para dar a tôdas as fôrças divinas da harmonia o máximo de sua expansão unificadora, não ná como estabelecer nas almas pela participação freqüente, in­ tensa, profunda da vida E!ucarística, o reino de Cristo que só é capaz de assegurar a paz de Cristo no seio das sociedades re­ midas com o seu sangue : non est in aliquo alio salus . Fazer com que as almas compreendam profundamente a. beleza destas verdades e -vivam intensamente a plenitude dt.sta vida : eis o segrêdo e a alma da pedagogia social . Rio, 3-XI-933 .


PE·DAGOGIA SO CIALISTA "Individualismo . .Reação do socialismo . Concepção socialista da vida . Suas conseqüências pedagógicas . Fim da educação . Sociologia scientia rectrix. Monopólio educativo do Estado. (Escol� única.) SociaLzação da escola . Co-educação . -

.

•Crítica

Desconhecimento da dignidade da pessoa humana . Sociologia não pode ser scientia rectriz da pedagogia. ;Monopólio educativo do Estado. Mutilação da natureza humana e desconhecimento da sua psi· cologia . A . M. D . G. As

professôras do "Sacré-Cceur,, 13-VII-933 .


.Os resultados do individualismo , no campo econom1co e pedagógico, foram tão evidentemente funestos que, - pode

afirmar-se sem perigo de êrro, - ninguém há hoj e que o preconize, em teoria, . como sistema ideal . como forma de vida,

encontramo-lo

Pràticamente,

ainda a

cada passo :

é o sistema do " cada um por si", fórmula vulgar com que se acobertam tôdas as manifestações do egoísmp.

Na esfera

superior da� doutrinas, porém, a reação_ contra o individua­ lismo acentua-se em tôdas as escolas econômicas e: pedagó­ gicas, mesmo nas que descendem em linha reta do liberalismo do século XIX, que já não se pode sustentar sem rever mais de uma das suas posições fundamentais . Dentre estas atitudes reacionárias, uma das mais extre­ madas e ativas é a do socialismo em todos os inúmeros mati­ zes de suas manifestações que vão das fórmulas mais róseas

às mais carregadamente rubras �o comunismo radical . daí

principalmente

que,

em

nossos

dias,

mais

É

iminente

Conhecer portanto as posições doutriná­

ameaça o perigo .

rias do socialismo, __:_ as suas reivindicações j ustas e as suas lacunas essenciais - é um dever que se nos impõe tanto para formar o critério dos nossos j uízos quanto para orien­ tar com segurança a direção das nossas ações .. O individualismo exaltara demasiadamente o indivíduo em detrimento do bem. · social.

Seu ponto de partida era o

respeito a umas tantas leis , por êle chamadas naturais, con­

tra cujo determinismo era inútil e prejudicial qualquer tentativa de reação .

· ,


124

-

A FORMAÇAO DA PERS O NALIDADE

Em

p edagogia preconizava-se o

desenvolvimento

da

criança na espontaneidade absoluta cie seus instintos e ten­ dências.

Ecra a ruptura contra as exigências superiores de

uma disciplina interna que nos assegurou, com a educação de uma vontade forte, a paz da unidade resultante de uma j erarquia conhecida com clareza e respeitada com fidelidade. Em econômia afirmava-se a intangibilidade das liber­ dades · individuais, capazes de per si de regularem o inter­ câmbio das relações econômicas . Que a lei não se intro­ metesse a regulamentar as horas de trabalho, a fixar salá­ rios mínimos, a proteger a possibilidade de uma família regularmente constituída e assegurar o futuro de quàntos vivem do trabalho de suas mãos.

As chamadas leis natu­

rais econômicas - da procura e da oferta, da livre concor­ rência, etc. ,

não pode riam ser contrariadas e o seu resul­

tado final, não obstante crises passageiras, só poderia ser­ favorável .

A prosperidade geral seria assim. um fruto es­

pontâneo das liberdades individuais não coagidas nem limi­ tadas pela intervenção das leis positivas como, em matéria educativa, a formação perfeita do homem e do cidadão seria um corolário natural da livre expansão de tôdas as suas tendências .

Num e noutro caso, o indivíduo entregue ple­

namente a si mesmo e o bem comum a resultar automà­ ticamente do livre jôgo das autonomias individuais .

Os resultados da concepção individualista foram desas­ trados .

A sociedade entrou a corromper-se não obstante a

robustez de alguns dos seus membros ; o capital aumentou mas, ao lado do capital, aumentou tamb§m a miséria ; a facilidade da produção acrescida pela máquina não coin­ cidiu

com

comum .

uma

distribuição

mais

j usta

da

prosperidade

'

Contra as misérias se�eadas pela concepção individua­ lista, reagiu o socialismo e inverteu os têrmos do problema. A ·grande realidade não é o individuo,. mas a sociedade .

O

indivíduo não é e não se desenvolve senão pela comuni-


A FORM.AÇAO DA PERSONALIDADE

-

125

dade, substrato e portadora de todos os valores humanos.

As ciências e as línguas, a técnica e a arte, a moralidade e a relig:ão são bens sociais; na sociedade nascem e crescem, conservam-se e desenvolvem-se . D�la,

como

de fonte primeira, recebem os indivíduos

todos os seus valores de vida : tanto na sua existência mate­ rial como na atividade superior do Espírito :

sem a sacie- .

d ade o indivíduo não passaria de uma abstração.

Não há

portanto uma autonomia individual. um valor e um fim pró­ prio do individuo ; a grande realidade existente é a socie­ dade : "O homem não chega a ser homem senão pela comu­ nidàde

humana . "

"A

falar cpm propriedade,

não passa de uma abstração. "

o

indivíduo

(NATORP_, Socialpaedagogik

p . 84 . DE HOVRE, I, pp. 74, 76 . ) Para frisar melhor esta onímo da dependência d o indi­ víduo em relação à sociedade é freqüente entre os teóricos do socialismo a com·paração da estrutura social com a do organismo.

Também êste é um todo complexo :

célula e

tecidos, sistemas e aparelhos fundem-se harmonio.3amente na grande unidade orgânica .

Mas a realidade primeira é

o organinno : só êle tem vida autônoma e finalidade própria ; as células não vivem senão do todo e para o todo ; sua razão única de ser § a vida superíor da unidade, complexidade de q.u e .. ão os primeiros elementos .

E a comparação biológica que,

como simples analogia, pode ter o seu interêsse e utilidade, forçada até uma perfeita identidade com tôdas as suas onseqüências . Esta inversão corr,pleta na visão da realidade social em ·ua

relação com os indivíduos que a integram é celebrada

<!Orno a grande CQliquist.a das ciências sociais dos nossos d ias, <'

mparável à revolução que em astronomia e c o3mogonia

produziu no século XVI a teoria copernicana . .

1 que

Já não é o

gravita em redor da terra; o centro do nosso sis­

L ma não está no nosso insignificante planêta, ma3 no sol m tôrno do qual êle gravita, com os outros

irmãos seus,


�26_

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

na dependência das pequeninás massas .

Assim, no assunto

que nos interessa, o grande centro de gravidade é a· vida

social : ao redor dela movem-se na mais completa e inevitá­ vel dependência tôdas as existênci.as individuais :

não é o

indivíduo que explica. a sociedade, mas a sociedade que ex-

. plica o individuo .

Eis a grande conquista do pensamento

social contemporâneo : é uma inteira concepção nova que se projeta em amplas e prolongadas perspectivas .

Não lhe seguiremos as aplicações no- campo eonômico :

· supressão da propriedade individual, transferência para a sociedade organizada de tôdas as fontes de produção ; con­

centração absoluta do poder nas mãos do Estado, a quem

compete discernir as vocações, determinAr o exercício das

profissões ou carreiras individuais, · repetir o trabalho, re­

gular a produção segundo as exigências do bem comum,. distribuí-la pelos consumidores segundo as necessidades de

cada qual e assegurar assim, com perfeita igualdade e :p.a.

eliminação das diferenças de classe, a satisfação e a felici ­ dade de todos .

O que unicamente nos interessa, ao presente, é a reper­

cussão profunda do socialismo na pedagogia. Ainda

uma vez

averiguamos a relação intima, inevitável e indestrutível en­ tre uma concepção da vida e um sistema pedagógico. modo

de

educar

é

uma

função

necessária

do

O

modo

de

é

que

conceber .o homem, a sua natureza e os seus destinos . A primeira conseqüência pedagógica do socialismo

o homem não tem um valor próprio, o indivíduo não tem uma finalidade sua. É ponto importante êste e sôbre o qual estão de acôrdo os mestres da .pedagogia socialista;

vale

a

pena ouvir

NATORP e BERGMAN .

os

seus

nomes

mais

representativos :

A m e ta da educação fica assim inteiramente deslocada.

Sem fim· próprio, o homem já não vale senão como meio para promover a prosperidade social . É um instrumento que importa formar para o trabalho de construção do bem


c.omum .

FORM?AÇAO DA PERSONALIDADE

-

127

No homem não se forma o homem, mas simple�­

mente o cidadão .

As energias culturais que nêle se devern

desenvolver durante a fase de formação - atividade, ins-· trução, moralidade, não têm outra razão de ser senão ha­ bilitá-lo a melhor contribuir para a grande tarefa comum, o

bem ideal do Estado, que se apresenta como um valor abso­

luto, � Fim último, ao qual tudo o mais se deve subor-· Aos textos .

dinar como meio . NATORP :

"

O fim da educação não pode ser outro senã()

a socialização e, por ela, a moralização de tôda a vida de um

povo . " (Socialpaedogogik, BERGMANN :

p . 245 .

DE Ho VRE , I, p . 107.)

"A educação não pode ter outro fim senão·

formar cada umi de sorte que se j ulgue feliz de viver para a

comunidade e de consagrar as suas melhores fôrças à con­

servação e ao aperfeiçoamento da vida da raça humana. "

(Sociale Paedagogik, p . 192 . DE HioVRE, I, p. 107.) KERCHENSTEINER :

·

"O fim supremo da atividade huma­

na consis_te na realização do Estado cultural e j urídico n v sentido de uma vida moral coletiva. "

"A vida bem orde­

nada do Estado possui um valor absoluto." "O ideal mais

elevado é ser cidadão. " "A educação é o ato cultural de.

comunidade que distribui ao aluno bens culturais determi­ nados (religião, moral, direito, ciências, artes, técnica, cos­ tumes sociais)

qe tal forma que desenvolvam na criança�

em conformidade com as suas disposições, o máximo de

energia cultural, em proveito do máximo de bem-estar da

comunidade ." (Citações exatas em DE HoVRE , I, pp. 1 1 0-1 1 1.) DuRKHEIM ;

"Bem longe d e ter a educação como objeto

único ou principal o indivíduo e seus interêsses, é antes de tudo o meio pelo · qual a sociedade renova perpetuamente as

condições da própria · existêncja . . . rA educação consiste; numa socialização metódica da j ovem geração . . . C onstituir em cada um de nós o ser social, . eis o fim da educação.'"

(Pédagogie et sociologie, p . 46 . DE HoVRE, I , p. 122 . )


·128

-

A

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

"Quando se trata de determinar

o

fim da educação,

o

" individuo não possui valor algum, constitui-lhe apenas o el emento material . educação."

-I, p . 1 02.)

c� indivíduo não pode ser o fim · da

(NATORP, Socialpaedagogik, p . 273. DE. HoVRE,

"Que o homem possua u m valor por si e para si é uma

ilusão." (BERGMANN, Soziale Paedagogik, p . 134, DE Ho�,

.

I . p . 105 ) .

"Nunca ao educador foi mais necessária uma cultura

sociológica . . . Ela pode . dar-nos o de que temos mais ur­ gente necessidade, isto é, um corpo de idéias diretrizes que sej am a alma de nossa prática e que ·a sustentem, que

·dêem um sentido à nossa ação e a ela nos prendam, con­ ·dição

necessária

para

que

tôdá

a

ação

sej a

( DmucHEIM , Sociologie et pédagogie, p . . 54 . . ·

p . 12 1, DE HoVRE, I, p . 122 . )

fecunda . "

Outro texto,

Fica assim inteiramente deslocado o eixo en1, tôrno do .

qual gravitava a pedagogia humana . · As conseqüências vão­

-se desfiando umas após outras.

Se só a sociedade é real e o individuo, sem; um fim pró­

prio e autônomo, não passa de um instrumento a seu ser­

viço, a . ciência que passa a regular a pedagogia e assinalar-. -lhe os ideais supremos j á não é nem a m:oral, nem a I eli­

:gião, mas a sociologia. Seu obj eto é estudar a sociedade con1o tal, isto é, a única realidade verdadeira.

Pertence-lhe, por­

tanto, indicar os f�ns essenciais da educação .

" O fim da

•educação, escreve BERGMANN, não pode ser tomado, como . de ordinário se pretende, à religião e à moral ; deve s er ·

deduzido

da

biologia. "

HovRE , I, p . 106 . )

(Soziale Páeda.gogik� p .

9� .

DE

Lembremo-nos que BERGMÁNN é organi-· cista, identifica a · sociedade como um organismn e conseqüen­

temente a sociologia com. a biologia .

·explícito .

A sociologia é assim

.scientia rectrix.

DURKHEIM não é menos

elevada à dignidade primeira de

Tôdas as outras lhe . são ancila s e dela


A FORM.AÇAO DA PERSONALIDADE

-

129

devem receber as suas normas e a sua orientação. Psicolo­ gia, sim ; mas psicologia social que , aplicando-se à vida psí­

quica da coletividade, por ela esclarece, explica e orienta

a psicologia do indivíduo .

Moral, outrossim , mas num sen­

tido muito diferente do que lhe atribui a tradição clássi ca d o

pensamento .

J á não é a ciência dos atos humanos enquanto

devem ser orientados para a realização dos fins supremos do

homem, com uma indicação de todos os seus deveres, a�sim sociais como outros .

O fim único e supremo do homem é a

vida social : bom, moralm ente, portanto, será o que para isto contribui ; mau o que se lhe opõe .

O capítulo da moral st'cial

dilata-se e amplia-se, no interior da ética, a ponto de absorver

tudo o mais .

Soc ializar, pois, é sinônimo de m<Jralizar .

Relig�ão, também, por que não a Religião? mas num sen­

tido radicalmente diverso do que geralmente se lhe atrib:1i.

Os socialistas pelo meno� alguns continuam ainda a fal�x de

l'el i�·ião como de um dos produtos necessários da cultura hu­

rnana, mas nela já não vêem o complexo dos deveres que

decorrem das nossas relações essenciais c'?m Deus, mas apenas

o auxiliar poderoso do instinto social .

"Doravante, escreve

NATORP, a Religião se restringirá nos limites da natureza humana."

(DE HoVRE,

I, p. 8 1 . )

Sua finalidade não se es­

tende além das fonteiras do tempo e das realidades tan­ gíveis da história .

"Construir não o reino de Deus, diz

]\.1ÜLLER-LYER, mas o reino da humanidade, tal a tarefa da religião futura. " (Der Sei des Lebens, p . 262 . DE HoVRE, ibid . )

Substituir, portanto, "o culto da Humanidade" (com

li maiúsculo)

como j á fizera CoMTE eis a transformação

radical da idéia de religião, que nos propõe o socialismo, reduzindo-a a uma mera sociolatria�

Destas conseqüências de ordem teórica derivam outras,

práticas, e que se traduzem imediatamente em disposições

legislativas que vão invadindo os regimes escolares dos di�e­ rentes países .

Apontemo-las apenas .


130

-

A FORMAÇAO DA PERSONA LID:ADE

A primeira é o monopólio educativo do Estado .

O ho­

mem, sem finalidade própria, distinta da realidade social, não tem direitos intangíveis .

É uma criatura ou proprie­

dade do Estado, representante jurídico da sociedade orga­

nizada .

Ao Estado portanto e só ao Estado pertence o direito

de educar.

Se ainda se fala na função educativa da família.

não é porque se reconheça aos pais um direito próprio de

educar o s filhos , direito que se impõe ao respeito do Es­

tado ; é porque o Estado lhes delega parte dos seus dire itos

absolutos e totais; delegação, aliás, provisória na fase atual de transição entre o regilr.e burguês e o socialista O ideal é que as crianças apenas recém-nascidas sej am arrancadas aos braços de suas mães e confiadas às instituições oficiai 3

q u e se incumbirão d e e ducá-las d o berço à adolescência .

E:'3ta

educação será verdadeiramente social, feita longe do egoísm.o

familiar qu e constitui um obstáculo à plena dedicação do indi­ . víd�q_ à coletividade. Escola única, porta.nto, não só no sen­

tido j usto e aceitável de instituições escolares que não façan1. das classes grupos fechados, mas permUtam a todos os cida­

dãos, sem diferença de origem, o acesso aos bens superio1·es

da. inteligência, mas escola única, no sentido de instrução

monopolizada pelo Estado :

uma só escola : a escola pública e

esta moldada e orientada pelo tipo único do Estado, fem

nenhuma consideração para com os direitos da consciência

dos educandos e das suas famílias. (NATORP e BERGMANN.

DE

HOVRE, pp . 104-107.)

Segunda conseqüência :

socialização da escola.. Tra�s­

:posto o fim da educação, impõe-se outrossim a reorganizaçã� total da escola.

Etlucar é formar o cidadão, prepará-lo para

a vida social; ora, não -se aprende a nadar senão entrando na

água ; não há infundir nos educandos o espírito . social sem

mergulhá-lo num ambiente sacia�.

"A única via,

escreve

KERCHENSTEINER, para preparar _ a vida no EStado é mover-se

na vida social.�' · P�ra .êste fim, a esco�� deve transformar-se numa "comunidade em miniatura". (Ap . DE HoV!m, I, p. 1 1 3 ;


A FORMAÇÃO DA�.PERSONALIDADE - 1:�1 cfr . pp . 102-103.)

Em vez do cultivo individual da inteligên­

cia, da memória, da vontade, o trabalho em com11:m a formar

pràtica e ativamente �s crianças p ara a colaÇoração. da vida coletiva .

A escola transforma-se, pois , numa pequei?-a orga­

nização social, orgânicamente articula':ia à vida e às exigên­ cias da sociedade maior que a envolve .

Na Rússia, j á se multiplicam as escol�s anexas às gran­

des fábricas, transformadas elas também em fábricas menores

onde trabalhando e pr�duzindo j á se preparam, os mehinos ao trabalho produtivo de mais tarde .

Esta socialização da es­

cola envolve naturalmente à co-educação dos sexos . estendida

indiscriminadamente a tôdas as idades e períodos da educa­

ção, do primário ao superior .

Tal, em suas linhas gerais, a nova concepção da v ida pri­

conizada pelo socialismo e as suas imediatas e profundas re­ percussões no domínio da pedagog� a .

Expusemos com brevidade ; com brevidade ainda maior

critiquemos .

Não desceremos, por ora, a minúcias de se'­

gunda importância nem a apreciar a eficiência de - · cettas

Ir.t8didas pedagógicas e de processos escolares, destinados à formação ativa do senso social .

Aqui, na sua }usta reação

contra o individualismo anterior, há muita sugestão útil - e que merece aproveitada . -

Por hoj e, cingimo-nos à esfera

super�or dos grandes princípios . que, pela sua- un1versalidade,

dominam , esclarecem e orientam e valorizam ou desvalorizam

tudo o mais .

O defeito essencial, o vício congêrii to do sóciális:rr..o é o

desconhecimento da eminente dignidade da pe-ssoa

humànct.

Dai esta: inversão completa dos -valores; pera: subordinaç·ã.Q ·

incondicionada e totaL do homem à · sociedade, c omo de um meio ao seu -fi� único e supremo, de uma coisa ou _ de um !

instrumento ao destino que lhe c.onstitui a · razão exclusivª'

de·.:- sua existência .

Ora, .já o frisamps . em outr� : ocasião, pela sua inteligência e vontade o homem. transcende·� o :tem1>9 e .. o . �sp�ço., . entra : em contato. com. . :um- ·.mlpldo .� d'e valóres


:. :t32 -

.

A'

FORMAÇÃO bA PERSONALIDADE

mais aU.os� cuj a realrnação constitui o " seu ideal supremo, fim dá sua natureza racional . No conseguimento desta

t>·

'Sua flnaHdatle, o homem é autônomo , portador de valores

morais , de ordem superi�r, isto é, suj eito a deveres indecli­ náveis e titular de direitos intangíveis .

Transformá-lo em

simples céluia que não vive e não pode viver senão no orga­

nismo

e

para

o organismo de que é elemt�nto integrante fôra

: desconhecer- o que há no homem de específicamente humano. · Rebaixá4o ao nível de um instrumento a SE.!r.viço do bem social e de um bem social limitado e restrito à s-oma de uns

.tantos

1Ialores puramente terrenos e temporais é degradar­

..fue a dignidade e mutilar-lhe essencialm,ente a natureza .

O

homem não é uma coisa a serviço de outra coisa ; a sociedade humana não é uma colmeia de abelhas ou um rebanho de cor�eiros, onde só há indivíduos a- serviço total da espécie . Por isso mesmo que somos pessoas e .não só inqivíduos,

-

por isso mesmo que somos inteligências e vontades capazes de atingir um mundo de obj etos. transcendentes, os nossos destinos não se encerram nas estreitezas do tempo, .e as so­ ciedades que evolvem, se aperfeiçoam e declinam, no ritmo das sua vicissitudes históricas, não encerram a totalidade dos nossas destinos nem a plenitude das nossos aspirações

nem a· Imensidade das nossas esperanças .

A organização

indispensável <ia nossa existência ·social constitui apranas .o quadro necessário em que as almas se formam, se desen­

volvem e amadurecem para a imortalidade de sua vida defi­ .nitiva .

Esta rr.mtilação essen�ial da autonomia dos nossos

_destinos pessoais, autonomia que é corolário da nossa na-:

tureza huma�a

.-

constitui o vício original de tôda a con­

.cepção da vida preconizada pelo socialislno ...

Por aí já podeis ver imediatamente que a sociolOgia não pode ser a sciencia rectrix da pedagogia; não lhe pertenc� nem lhe . pode pertenc.er a função de determinar o fim su-­

:premo . do homem e·· portanto o ideal prinleiro de sua edu­ .cação . :., Seu objeto limita-se ao estudo da sociedade na qual


FORMAÇAO DA PERSONALIJ)AD�

A

-

133

vivemos, para a qual devernD� trabalhar mas- ·que não en• feixa nem resume a totalidade dos nossos destillos . Neste apêlo insistente à sociologia, para ·pedir-lhe · os­ novos rumos da educação e da. vida, há ainda uma série de equívocos que importa dissipar . Que é a soc iologia?

Qual

o seu caráter cie ntifico ? Qual a certeza de -suas · conclus.ões?

Eis outras tantas questões

a que não é fácil responder .

,

Quereis considerar a sociologia como uma ciência pu.1 a­

mente positiva, análoga às outras ciências · de simples obser­ vação? Então o �eu objeto será investigar a ,,realidade social. os fenômenos que se sucedem e se condicionam., as leis que regem estas coexistências ou sucessões . será o da observação exata e corn.pleta dcJg a sua complexidade.

tam outrossim

O seu método

jatos

em

tõda

a

Mas êste obj eto e êste método limi-.

os seus resultados.

C�s resultadoS' não podem

ser outros senão o conhecimento objetivo dos fatos sociais como a fisiea estuda os fatos físicos. a astronomia, os fatos; astronômicos .

Reduzida a êste caráter de ciência positiva

ou experimental, a sociologia não pode ter pretensões de ditar leis ou de ser ciência normativa.

Os j uízos que pro..

nuncia são juízos de existência, não juízos de valor .

Poderá

dizer : assim é, assim se passam os fenômenos sociais ; nãQ · poderá nunca sentenciar : assim deve ser; neste rumo se

devem orientar os fatos . As ciências positivas, já o . d�se PomcARÉ, não falam em imperativo ; o m�o· ·únieo que Ihê!t convém é o indicati:w .

Mas a educação não p rescinde de

imperativos . A razão de ser da pedagogia não é observar a

criança

que �e desenvolve, mas orientar-lhe o desenvolvimento ; ver e contemplar o aluno, ainda com o auxilio de todos o&

ins­

trumentos mais. perfeitoR de observação cientifica, não é educar; educar é intervir, intervir é orientar, orientar é co­ nhecer um rumo e para êle dirigir a criança. Impossível lJ.Ill�

educação sem um ideal educativo : e ideal educ ativo não' é

a ciência do que é, mas dQ que deve $Cr o homem.

Enquan-


134 - A'

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

to; pois · se restringir a . sociologia a

uma ciência puramente

positiva e de · observação, - e esta é a tendêneia de todos

p

0s· em iristas - não há como apelar para ela a fim de orien­

tar a .pedagogia . · Por sua própria natur�za, - por seu obj e­ to · �· por . seus l)lléto do s - ela se acha irrem-ediàvelmente con­ denada · · à , incapacidade . visceral de preencher a esta ·

função. -�.

; , Quereis, · pelo contrário, considerá-la como uma ciência

n9rrn;�tiv& ; inçumb.ida nã o só de investigar e registrar os

�atos

SOJ�iais· mas de traç ar as normas a seguir na sua orien­

t�ção.? .

Q'\}ereis

elev4,-la à cate goria não só de ciência mas

de ·. filosofia social ? Quereis que sôbre a vida coletiva ela po ;;sa·· pr.onunciar juízos d e valor, condenando ou inculcando proces�os, rumos, orientaç ões, realiza ç ões sociais?

Bem está!.

Mas; e ntão a sociologia terá que pedir a outras ciências filo­ sóficas urna · concepção do homem e dos seu s. destinos. c ol ogia ra cion.al ,

A Psi­

R ética, a te o d icéia, longe de serem ancilas ·

da .. sociolegia-, ' lhe. impõem as suas conclusões certas como .

pr�ncípios de que a filosofia social deduzirá as conseqüências próprias do seu domínio.

A alma do homem é espiritual e

imortal? Deus existe e impõe às suas criaturas um-a lei moral, que· condi'ciona a sua felicidade . definitiva? · E is aí verdades

deris�s de conseqüên.cias soc i ais .

Ou pelo contrário : a imor­

talidade �, um sonho, Deus uma quimera, a moral, um cód igo de . conven_ções relativas?

Outros ser ã o ness as hipó teses os qorolários sociais, outros os rumos a imp rimir-s e . à organi­

;z;ação da nossa vida coletiva.

Longe, pois, de dar-nos uma

I}ova co.nceJ? ç ão .da vida, a sociologia é condicionada p or uma concep Ç ão ante r ior da existência que a inspir a e orienta. · Que 9 . diga o insuspeito WuNnT : "Que a sociologia, como

ciê:qcia positiva e empírica, ainda não exista na hora atual,

�is o : qu'e, . após exame das doutrinas sociológ ic as, não pode

. · 2 · E }á átingiti a· sociologia êste caráter de ciência positiva? Nada · · méliós � Cfr . D . H . I . , 136, Citação de SI'EN. . ·

·

·


/

A FOR,M:A CAO DA PERSONALIDADE ser negadÓ .

Tôdas estas teorias saíram não do estudo obj e­

tivo dos fenômenos da vida social, mas de concepções ·a da vida .

- 135 priori

A sociologia mergulha não na vida social mas na

concepção da vida .

..

As dou trinas sociológicas modernas

quem as ·construiu não foram os fat os da vida social mas as teorias da vida . que professaram os sociólogos. (Logik, 11 ·Bd .

3, 1903, pp . 480-481 .

DE HoVRE, p . 138.) ·

. Sob o rótulo de sociologia, d a mais moderna das ciência5, os pedagogos do socialismo - e a êste grupo pe rtence um. bom número dos que se ach�m atua� mente � testa _ da nossa instruçã o pública - não fazem_ senft.o i nculcar velhas e A concepção filosófica da vida que constitui a subestrutura latent_e de sua orientação é, · mal avàriadas metafísicas .

disfarçada sob as roupagens de uma terminologia moderna, o mais completo e radical materhlli'3mo. 3 As diferenças são acessórias e de ·superfíci�, as analogias são profundas e essen­ ciais . Para o materialismo o homem reduzia-se a Un;l simples fenômeno da Natureza; para o socialismo' a um simples fenô­ m.êno da E.ociedade .

Num e noutro caso , negação de :Ccu3,

negação do espírito no homem, negação de uma lei moral no sentido restrito e superior· da palavra .

Tudo o que em nó·3

há - vida física, intelectual, moral e religiosa, exprcava-se no materialiEmo em função das leis e dos · processos físicos ;

no socialismo exp .. ica-se em dependência do meio social, dos seus processos e leis . Ateísmo lá e ateísmo aqui .

Idolatria

lá e i dolatria aqui : lá o ídolo se chamava Matéria, aqui se denomina Sociedade .

Mas como nesta Sociedade nada há

que realmente transcenda-· o espaço e o tempo, nada há qu � se não reduza. ao j ôgo das energias inferiores, de ordem. físico� -química, a matéria que\ com o seu nome próprio dominava no m.aterialistp_o volta a re.: nar no socialismo com outro nome de disfarce .

3

Sob a ,diversidade ·das suas caras não chega a

Sôbre esta id entiaade fundamental, cfr. D . H . ,

( p: 127 .


136

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

dissimular a sua identidade fundamental .

A nova filosofia

social nasceu do materialismo da extrema esquerda hegeliana.

�X depende de F'EURBACH. É ainda esta concepção materialista da vida e êste menos­ cabo radical pela dignidade da pessoa humana que o leva a

divinizar

o

Estado e põe-lhe nas mãos discricionária.s não só

o �onopólio mas o poder absoluto de orientar a educação do povo.

Vêdes aqui como êste problema de política escolar

se prende à questão de princípios fundamentais sôbre o quais. não é lícito transigir . ESclareçamos brevemente o ponto, para. que tenhamos convicções profundas e esclarecidas . Quando negamos ao Estado o direito total e exclusivo de educar não queremos de · modo �lgum recusar-lhe o direi­ to e o dever de velar pelo desenvolvimento da instrução no país, de pôr os bens da inteligência ao alcance de todos, de multiplicar-lhe as escolas na medida das exigências sociais .

A

instrução é um bem comum e como tal cai sob a alçada de sua competência .

Este direito, porém, é secundário e suple­

tivo ; às famílias, na ordem natural, incumbe o dever pri­ mário de educar e com êle o direito de fundar escolas .

Na

medida das deficiências ou insuficiências das iniciativas par­ ticulares, entra a ação complementar do Estado, que vem auxiliar as famHias, não confiscar-lhes os direitos essenciais .

Em que medida e até que ponto se estende esta intervençã(} do Estado na fundação de suas escolas oficiais? quantitativamente, pouco importa. as

Mt1terial ou

O Estado pode promover

iniciativas particulares ou fundar por si as escola� indis­

pensáveis às necessidades da população.

Numericamente

poderia mesmo dar-se o caso em que tôdas as escolas de uma Nação - pelo menos as primárias, fôssem escolas abertas e. mantidas pelo seu govêrno .

O que, porém, negamos ao Es­

tado é o direito absoluto de orientar, filosófica, moral e reli-· giosamente a educação do povo.

�ste direito intangível per­

tence à Igrej a na ordem sobrenatural e aos pais na ordem


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE tutural .

-

137

Assim, por exemplo, na Alemanha e na Holanda

escolas primárias são, na sua quase totalidade, mantidas

p lo Estado, mas orientadas espiritualmente pelas �iferentes ·onfissões religiosas a que pertencem as famílias : aos cató­ l icos o Estado dá escolas católicas, aos protestantes, escolas ·

l rotestantes . A razão profunda, já a entrevistes. Como pessoa, o ho­ rnem tem um fim superior a realizar ; é autônomo nesta reali­ :r. ção dos seus destinos; nenhum poder civil pode violentar-

lhe a consciência .

A �oci�dade, feita para favorecer o desen­

volvimento da personalidade, deve constituir, nas suas insti­ tuições e nas suas leis, êste meio favorável ao pleno desabro­ ehar do homem no que êl� tem de mais alto e nobre.

Atri­

buir ao Estado o poder de desrespeitar os direitos das famí­ l ias em matéria

de educação

significa

divinizar

os

pode­

res públicos, fazer de Ces�r uma divindade, destruir os direi­

Los da consciência e entregar ao arbítrio da fôrça o cidadão, I ndefeso e reduzido à categoria de mero instrumento dos detentores do poder. Amanhã o Estado poderia licitamente trrancar um filho da famflia católica para fazer dêle un1

r rotestante, tomar uma alma batizada e fazer dela um adepto do Corão.

A consciência da nação ficaria ao arbítrio incerto

oscilante do partido dominante .

Hoj e, domina o positi­

vismo ? Laicizam-se as escolas públicas para transformá-las 1 um instrumento seguro de lenta descristianização do país .

Amanhã, subirão os comunistas?

As escolas se converterão,

orno na R.ússia, em laboratório de alquimia em que todos os c rebros são cientificamente elaborados na concepção mate­ ...

ri alista de K . MARx-LENINE. Quando, portanto, o socialismo, sob o rótulo de escola única, <;le monopólio da instrução, desconhece os direitos na­ turais da fanúlia à educação dos filhos e preconiza o absolu, Usmo do Etstado, não faz senão tirar mais uma conseqüên­ eia do êrro fundamental qu� desconhece a eminente digni._ clade da pessoa humana .


.

138

-

. A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Esta mutilação essencial da nossa natureza falseia-lhe de todo a visão social e esteriliza, pela raiz, a eficácia de tôdas as suas medidas reformadoras . A soCiedade ficou inteiramente privada de todos os seu:; fundamentos ideais.

No jôgo complexo das relações ht�ma­

nas , não se viu senão a exterioridade tangível do que aparece nos olhos, do que pode ser pesado, ·medido e contado .

Tudo

se reduziu ao trabalho e ao trabalho produtivo; todo o be­

-estar se reduziu à prosp&idade e à prosperidade econômica.

Para consegui-la pede-se ao indivíduo esquecimento de si mesmo, dedicação ao bmn cámum, espírito de abnegação e de sacrifício, e secaram-se-lhe na alma tôdas as fontes pro ­ fundas que tornam possível, alin:.cntam e desenvolvem estas virtudes soc iais . · Ao primeiro êrro de mutilação · da · nossa natureza segulu-se o segundo de visão incompleta e superfi­ cial da nossa psicologia.

Os resultados n�o poderiam deixar

de ser contraproducentes .

Queria-se dedicação e exalton-se

o egoísmo ; exigia-se - desprendimento e �acrificio e acirrou-se a luta pelos bens materiais efêmeros e sobreexcitou-se a febre dos prazeres dos sentidos, e bens de um dia e prazeres de um instante pa�saram a constituir o único paraíso plan­ tado no horizonte das esperanças humanas . Queria-se amor, único cim�ntp capaz de fundar uma �olidariedade profuda e pregou-se o ódlo, o ódio a tudo o que a

hurr.).nidade já viu e . produz:u de �is alevantado e d �

mais . humano . ·

Ouvi esta página d e u m dos corifeus da

peçiagogia marxist� encarreg�do por m�itos anos pelo go­ vêrno soviético de organizar a instrução pública na Rússia : "Nós odiamos a cristandade e o cristianismo; ainda O!? me­ lhores dentre êles devem ser considerados como os nossos piores . 1n1m1gos .

�les pregam · o

amor

do

próximo

misericórdia, o que é contrário aos nossos princípios .

e

a

O an10r

cristão" é um obstáculo ao desenvolvims:nto da revoluçã-o. Abaixo o amor do próximo ! - O de · que precisamos é de · ódio ! Devemos saber odiar; só assim conquistaremos o universo .


A

FORMAÇAO i:>A PERSONALIDADE - 139

Acabamos com os reis da terra ; ocupemo-nos agora com os re is dos céus .

A campanha anti-religiosa não deve limitar­

-se à Rússia ; deve ser levada ao mundo inteiro.

A luta deve

desenvolver-se também nos países muçulmanos e nos países

católicos, com os mesmos obj etivos e empregando os mesmcs meios. " (LoNNATCHARSKY, num discurso proferido em Moscou sôbre o tema : Por que não se deve crer em Deus . Ap . DÉVAv�,

La péda.gogie scolaire en Russie S.ovietique, p . . 184.) Por êste desconhecimento profundo da natur.eza humana, na integridade dos seus elementos e no dinanusmo de suas nergias psicológicas, o socialismo, com tôda a utopia gene­ rosa de suas promessas, não tem feito, na realidade, senão agravar a profundidade dos nossos males e ampliar a exten­ são dos nossos sofrimentos .

Não se tenta impulfemr2nt.e desmantelar a harmonia Não se pode edificar a cidade da terra sem trabalhar ao mesmo tEIP..Jp o na construção d:l. Cidade de Deus. As grandes virtudes pessoais de que precisa integral da obra divina.

o.

vida social para conservar-se e desenvolver-se só a profun­

d idade do sentimento religioso é capaz de alimentá-las na fonte de suas energias misteriosas .

O problema da felic :dade

k;Ocial resum.e-se, em última a nálise, num problema de san­

tificação das almas. "Buscai, antes de tudo, o reino de Deus tudo o mais vos será dado por acréscimo."

À medida que

:-iub Jr1os, aproximando nos de Deus, dilatamos as e .s treitezas do nosso egoísmo e fraternizamos melhor com o nosso pró­ ,r imo .

É assin1 que se verifica a verdade da palavra inspi­ rada : Nisi Dominus custodieret civitatem frustra vigilat qui ·ustodit eam. E êste é o crit.§rio genuíno pelo qual se afere o progresso ou o regresso das civilizações humanas. Na medida em que as almas se elevarem e unirem p, Deus, a •idade da terra se irá transformando em Jerusalém - visão le paz, de j ustiça e de a mor ; na medida em que d':mle S3 l'orem

afastando, irá degenerando em Babilônia - con­

fusão, anarquia, ódio e desespêro. E'ntre êstes dois extremos


140

-

A FORMAÇAO DA PERSONA LIDADE

oscila na história a vida dos povos

e

a medida da grandeza

moral das nossas almas sérâ dada pela g�nerosidade, pela

dedicação, pela perseverança com que durante a nossa pere­

grinação terrena houvermos colaborado na c onstrução da Cidade de Deus . ruo, 17-VI-933 .


O PENSAl\fENTO SO CIAL

(Síntese baseada na idéia de pessoa)

l'l rros do soc:alismo . oncepção social cristã baseada na noção de pessoa . Noção de Direito que daí deriva . Direitos do indivíduo : vida física, a vida intelectual, a vida livre, a vida moral ; vida de família, vida div:na .

a

Deveres sociais : de indivíduo parà indivíduo, j ustiça e caridade ; de indivíduo para com a sociedade . Como o cristianismo concilia e sintetiza.

As

profes.sôras do "Sacré-Creur" 10-VIII- 933 .


O êrro primeiro da pedagogia social-radical está no des­ conhecimento da eminente dignidade da pessoa humana .

Na

sua reação violenta e extremada contra o individualismo e suas funestas conseqüências o socialismo não viu senão a sociedade com as suas exigências imperiosas ; o homem desa­ pareceu como um átomo insignificante, como umu célula que não tem outra razão de ser senão o organismo de que faz parte . O..> valores ideais da sua natureza, que o distinguem e elevam acima da ordem material, foram ecr psa dos numa sombra definitiva ; não se lhes viu mais que a capacidade de produção eaonômica a ser posta a· serviço do bem comum, a fim de assegurar a prosperidade pu ramente terréna e ma­ terial da sociedade incumbida, por su� vez, ao depois, de a distribuir com j ustiça e universalidade a todos os seus mem­ bros.

Maior soma de bens temporai3, obtida por uma cola­

boração mais racionalmente regulada e mais justamente re­ partida· - eis o único e definitivo paraíso terrestre proposto pelo socialismo aos anseios infinitos de felicidade que pal­ pitam no coração inquieto da huma�idade . Notamos, entre outras, as du�s laçunas essenciais desta concepção da vida : natureza humana mutilada na integri­ dade dos seus elementos e desconhecida nas exigências psi­ cológicas da sua atividade. a

Tudo o que · em nós · transcende

matéria e se eleva acimtl do espaço e do tempo é, para o

socialismo, inexistente : eis a mutilação .

Todos os motivos

superiores de agir que condicionam a renúncia e o esqueci­ mento de si, o espírito de solidariedade e de sacrifício, indis­ pensáveis ao viver social, ficam, por isto mesmo, esvaziados de seu conteúdo obj etivo e destituídos de sua eficácia mo-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

143

triz : eis o desconhecimento prático da psicologia humana . ropõe-se-�os uma visão da vida em que só o egoísmo mais intratável se pode lógica e psicológicamente desenvolver e com êstes elementos se pretende e espera construir espontâ­ neam.ente a cidade do futuro, pátria natural do mais perfeito altruísmo .

A esta concepção da vida, radicalmente incapaz de fun­ dar uma pedagogia social verífica e eficaz, convém opor a profundidad_e da concep Ç ão cristã em que tão harmoniosa­ lrl!ente se fundem os contrastes das antinomias aparentes e se

conciliam,, numa síntese superior, as aspirações incoercí­

veis da personalidade humana com as condições imperiosas da vida e da prosperidaçle social .

É tão importante e tão fundamental esta concepção do homem como pessoa que em tôrno dela cremos poder apresentar uma súmula de t.ôda a sociologia cristã .

GRATRY

aLrmava haver em tôdas as questões uma ic;léia cep.tral � l umllnosa donde irradiava uma claridade segura em tôcias us direções : êle a chamava idéia estelar.

Enc-:Jntrá-la e pô-la

no foco dominador de sua evidência é o segrêdo de iluminar iudo, e ver a multiplicidade das conseqüências na unidade coerente do seu único princípio.

Quer parecer-me que na ·

questão social uma concepção exata da personalidade hu­ lnana é a id§ia estelar .

Desenvolvamos êste pensamento.

A pessoa, j á o dissemos, é caracterizada por uma fina­ lidade própria. C onhecer o próprio fim e réalizá-lo livremen­ te : eis o que a distingue dos outros sêres.

Só, portanto,

uma .natureza dotada de inteligência e vontade verifica na terra o conceito de pessoa .

A inteligência manifesta-lhe

o para que é e para que foi criada : a perfeição que com­ I orta o desenvolvimento de suas yirtualidades e em que. se

resume a sua felicidade .

:&sta felicid�de, em. última análise,

a posse de Deus1 Verdade suprema que aquieta a nossa sêde de saber, Bem infinito que satisfaz . plenamente a nossa men� a capacidade de �r . _

,_

Antes de aí �hegar�o_s : inquie-


1 44

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

tum est cor nostrum : desassossegado e irrequieto estará o nosso coração c omo uma agulha magnética que ainda não encontrou o seu norte . A vontade aplica-se livremente ao emprêgo dos meios que condicionam o conseguimento do fim entrevisto e alme­ Não s chega a J)eus senão pelo caminho por �le tra­ çado, p ela submissão livre à sua vontade manife_stada na

j ado .

ordem natural das coisas e nos precei tos positivos da ordem ' . -

.sobrenatural .

Na terra, entre os sêres visíveis. só o h01nem é pessoa, porque só êle é dotado de razão e de liberdade : só êle, no dizer do poeta pagão, pode elevar para os céus, com o seu rosto , o olhar de sua inteligência e as aspirações de sua alma.

Os homini sublime dedit . . . (Qvínio.) Na sirniJ?les ordem natural dos valores, não encontramos nenhum que se lhe avantaj e : .aquém.

todos

os

outros

sêres

ficaiTh lhe

infinitament.�

Todos êles preenchem a sua razão de ser quando,

como simples meios, contribuíram, num instante fugitivo do tempo e numa porção limitada do espaç-o, para a realização _momentânea de um fm distinto de si e, também êle, locali­ zado e fugaz .

A planta como o animal, nos seus indivíduos

efêm-eros, aparecem um instante no cenário da vida e desa­ parecem para sempre sem deixar de si outro vestígio além da memória de sua existência de um dia e da matéria inerte .que por um instante organizaram· e, no ciclo cósmico, passou logo depois a outr�s combinações . Só o homem é, em cada indivíduo da espécie, portador de valores eternos ; só êle tem um fim próprio, que é o seu bem, dêle, e cujo sacrifício ninguém �he _por .

A

Pode

exigir ou im­

pessoa, nunca poderá ser rebaixada à simples cate­

goriá de meio ou de coisa . Na ordem sobrenatural, que é a ordem histórica em qué de fato vive a humanidade, êste valor já tão alto de natu­ :reza espiritual é realçado infinitamente pel� nova e mais alta iinalidade a que gratuitamente nos elevou a bondade infi-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE nita de D�us

.

-

145

Ass i m, à ordem magnífica da natureza se

vem sobrepor a ordem da graça, com tôdas as exigências que ela comporta na terra para a sua existência e desenvol­ vimento e com tôdas as esperanças de � eterna parfici­ pação inefável da vida e da felicidade mesma de Deus .

E:is

a dignidade eminente da pessoa humana .

Dela

deriva como de sua primeira raiz a essência mesma do di­ rei to . 1

Não podendo ser rebaixada à categoria de coisa, a

pessoa é inviolável no prosseguimento

de

sua finalidade.

Mas êste fim não poderá ser atingido se1n uns tantos meios que lhe condicionem a realização, como caminhos indispen­ sáveis a atingir um têrmo.

Fôra irrisória e ineficaz a i'n­

violabilidade da pessoa, em. relação ao fim, se esta inviola­ bilidade se não estendera outrossim a todos os meios neces­ sários ao seu co�seguimento . Esta soberania legí t� da pessoa que, em vista da sua finalidade essencial, chama e subordina assim os meios que lhe são para isso indispensáveis - eis, na sua mais profunda origem, a definição do direito .

:mstes meios são o o bjeto

do direito e por esta relação com o fim da pessoa passan1 a

ser seus.

Só a pessoa, porque diz eu, isto é, natureza il'l:te­

lectual consciente de si e de seus destinos, pode tambám dizer meu:J a indicar uma relação de posse inviolável dos meios ligados a sua pessoa para o conseguimento dos seus fins . Entre os m€ios ou objetos invioláveis de direito há antes de tudo os atos de que somos senhores : o direito de agir; cer­ tos bens externos, sêres infefiores dos quais devemos poder dispor, arrancando-os à sua inércia e pondo-os ao nosso ser­ viço :

direito de amar; finalmente, atos ou prestações de

nossos semelhantes mas que nos são indispensáveis a nosso desenvolvimento : direito de exigir.

Sôbre êstes meios esten­

enquanto ordenada ao seu fim .

E assim encontramos

de-se a inviolabilidade que compete essencialmente à pessoa

1

Sôbre esta definição do direito quase à letra de

Príncipes de morale sociale. I, pp .

15-16 .

a

VERMEERS cH,


146

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

definição clássica do direito que costuma vir nos manuais :

q.ireito é a faculdade moral inviolável de agir, de ter, de usar

e de exigir .

Esta faculdade, porém, ou êste poder invio­

lável deriva, como de sua primeira fonte, da soberania e da dignidade superior da pessoa humana .

Aí temos, portanto,

a origem dos nossos direitos, prêsa à própria natureza e essen­

cialmente relacionada com a autonomia intangível dos seus destinos .

Não é do Elstado nem das suas leis positivas que dimana

a totalidade dos nossos direitos .

Anterior à sua existência,

há um patrimônio de direitos naturais, isto é, inseparàvel­

mente inerentes à própria natureza humana e que lhe com­

pete respeitar e não lhe é permitido confiscar ou ofender . A · sociedade, com a organização j.urídica indispensável à sua conservação e desenvolvimento e que nós chamamos Es­

tado, constitui o meio natural em que se devem desenvolver

as personalidades ou os indivíduos · da espécie humana .

O

Estado, não é, pois, um poder absoluto ; tem um fim deter ­

/

minado que lhe limita a autoridade e as funções : conservar e desenvolver estas estruturas sociais que constituem, o qua-

dro necessário à expansão completa e harmônica do homem, em toda a amplitude de sua dignidade .

Em tôrno destas noções fundamentais podemos por assim

dizer cristalizar todo o nosso pensamento soCial. 2.

O nosso ponto de partida é a dignidade original da pes­

soa humana .

Na ordem natural : ser inteligente e livre : identidade de

valor espiritual específico para todos os homens, a assegu­

rar-lhe um patrimônio comUJ:ni de direitos humanos .

Na ordem sobrenatural : todos os hom�ns elevados à

mesma dignidade superior de filhos adotivos- de Deus, res­ gatados com o mesmo sangue de Jesus C'risto,_ destinados à

mesma visão intuitiva de Deus, partícipes dos mesmos meios 12 Esta síntese do pensamento social em tôrno da idéia de pessoa é de M RIGAux, L'équipement social des jeunes, pp . 34-54 . ..


· A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

147

de sahtificação sintetizados nos sacramentos, submetidos à

mesma lei moral, que se impõe idênticamente a homens e

mulheres, ric�s e pobres, patrões e operários, sem distinção de raças nem de classes .

Eis a visão profunda e real da humanidade · que nos pro­ põe · o cristianismo . Desta dignidade genealógica e de es­

tirpe deriva imediatamente e para todos os homens, uma soma de direitos ·fundamentais :

direitos que se prendem

riamente

de

diretamente aos indivíduos, direitos que resultam necessà­ outros .

I.

da

convivência

social

uns

indivíduos

com

Direitos do indivíduo.

Antes de tudo o indivíduo tem direito à vida e a tudo

que a condiciona essencialmente ; e quando dizemos direito à vida, damos a êste têrmo tôda a amplitude de significado

que comporta uma vida humana, i . é. , digna do homem .

·

Vida material ou física;, em primeiro lugar : é o substrato

de tôdas as outras : direito de propriedade sôbre o que é in­

dispensável à alimentação, direito a um salário capaz· de

fazer frente a estas imprescindíveis necessidades vitais ; di­

reito a uma habitação com um mínimo de confôrto, de hi­ giene, a ser determinado com o grau de civilização de · um

povo : e como o trabalho, m.eio normal de sustento da vida,

está sujeito às alternativas e às eventualidades dos acidentes,

da desocupação, do cansaço, da velhice, direito às institui­ ções destinadas a garantir de modo permanente o mínimo

vital indispensável : proteção contra os acidentes de, traba­ lho,. contra as moléstias, enfermidades profissionais, a ve­ lhice; direito à higiene protetora nos locais de trabalho . Aqui nesta grande moldura entram tôdas as leis de defesa do trabalhador, tôdas as obras de cooperativas, assistência s<r cial, tôdas as instituições públicas de higiene, economia, <le repressão à fraude, ao roubo, ao crime, etc.

-


· 148 -

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Mas não basta assegurar aos homens a existência e a

defesa de sua vida física, é preciso oferecer-lhes a oportuni­ dade de um desenvolvimento humano, integral .

:a!ste ho­

mem é um ser inteligente : · cumpre facultar-lhe a possibili­ dade de a desenvolver e cultivar, ao menos, nos limites mí­

nimos que lhe impeçam o embrutecimento humilhante do Jt.nimal .

Acessibilidade, portanto, de ulll(a instrução relativa­

mente desenvolvida nos quadros gerais do grau de adianta­ mento de um povo e de uma época .

É

um ser

livre : responsável pelos seus destinos e senhor

de sua atividade .

Todo regi.me social ou econômico que

viesse coarctar esta liberdade além de limites em que o ho­

mem perdesse o domínio de si mesmo para ser réduzido a

uma coisa sujeita incondicionadamente aos arbítrios e capri­

.chos de outrem., seria incompatível com a dignidade.

É

a

. caso da escravidão pagã em que o hpmem descera ao mais :baixo nível de degradação, reduzjdo . até a pasto de peixes nos aquários dos grandes senhores de Roma. É o caso do moderno

regime capitalista, em que o proletário ficou rebaixado a sim­ ples instrum.ento de produção, sujeito à entrosagem escra­

. vizadora de leis econômicas que se ju� gam inexoráveis e fatais .

É ainda porque, inteligente e livr_e , também é um $er moral,

.com um ideal humano a realizar e a realizar livremente : a

yida moral do homem outra coisa não é senão o govêrno da ' , própria atividade na sua orientação para a perfeição de sua -natureza e o conseguimento dos seus destinos .

É o que há

.de ·mais importante e -de mais especificamente humano. Daí,

o . direito de cada indivíduo não só à instrução mas ainda à educação : instrução que lhe forme a consciência no co-

. inhecimento nítido e seguro dos seus deveres ; educação que,

:desde pequeno, lhe vá robustecendo a vontade· e firmando

··os bons· · hábito.s no exercício

·:dora .

de uma liberdade disciplina ­

Direito ainda a umi ambiente social que não constitua uma tentação contínua e quase irresistível à integridade·


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

149'

de uma vida honesta : é a raiz primeira de tôda uma legisla­

ç ão defensora da moralidade pública :

repressão da litera­

tura pornográfica ou obscena, dos espetáculos, teatros, ci­

nemas, etc . , que poderiam transformar as vantagens su­

periores do convívio social numa fonte envenenada de cor·

rupção e decadência humana .

Mas o homem n.ij,o é isolado : depois de o haver criado

disse Deus : não é bom que o homem estej a só;' jaciamus ei adjutorium simile sibi, demos-lhe uma companheira, igual no

valor da natureza, diferente nas suas qualidades comple­ mentares . O homem, portanto, é naturalmente destinado à

viàa de família; . tem direito natural de constitui-la e, como seu chefe, sôbre êle pesam as grandes responsa�ilidades de

sua existência, conservação � desenvolvimento .

Mas j á re­

parastes, neste simples direito fundamental, que gravidades de conseqüências se encerram?

Para manter sua família, o

homem não tem, de ordinário, senão o recurso dos seus bra­

ços, a atividade produtora do seu trabalho . O· trabalho do operário não é, pois, uma simples mercadoria que se deve estimar e avaliar, no seu valor puramente econômico, como a produção de uma máquina :

é uma atividade humana,

que corresponde a exigências humanas de ordem mais ele­ vada .

Com êle e só com êle, terá que fazer face aos sebs

deveres naturais não só de homem senão ainda de chefe de família .

O valor do trabalho humano, pràticam.ente determinado ·

pelo salário, não poderá ser avaliado unicamente com cri­

térios de ordem econômica, deverá outrossim proporcionar­ -se a êste coeficie:Q.te hum;ano que transcende as normas do puro mercantilismo .

Como há, portanto, um) mínimo de salário vital, isto é�

indispensável para manter a vida do trabalhador, abaixo do qual sem injustiça nã� pode descer, assim também há um

alário jamilial, variável com os . 'encargos crescentes de 1:1�a

família mas a êles proporcionado, que não pode ser recusado


150

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

a . quem trabalha sem lhe desconhecer os direitos primordiais · da sua dignidade de pessoa .

E' foi pelo descaso sistemático

destas normas elementares de j ustiça que a economia libe­

ral. e materialista do século passado foi pouco a pouco redu­

zindo todo o mundo dos trabalhadores manuais, isto é, cêrca de 4/5 da humanidade, à impossibilidade· material e moral de constituir uma família regular, de mantê-la dignamente

· e assegurar-lhe o exercício normal de suas funções de con­ servadora . da �spécie e educadora e felicitadora do homem.

Não entramos aqui em meios práticos de atuar estas e.xigên­

cias; estamos apenas · indicando princípios e deduzindo suas

conseqüências imediatas .

Já é sabido como n1:o dernamente,

por meio das locações familiais, das caixas de compensação e de outras instituições sociais, se. têm corrigido em boa parte

os erros funestos do economismo anterior .

Por ora, frisa­

mos apenas como o destino natural do homem à vida ga família lhe assegura imediatamente l.:un patrimônio de direi­

tos inalienáveis : direito a um quadro conveniente de família, direito aos filhos, isto é, aos recursos maternais indispensá­ veis para criá-los e aos recursos pedagógicos convenientes

para instruí -los e educá-los em harmonia com os ditames de sua consciência

(liberdade de ensino e educação) ; direitos ·

de assegurar-lhe, quanto possível, um futuro despreocupado (liberdade de possuir e de testar) .

Acima da vida do individual, resumida no desenvolvimen­

to físico, intelectual e moral ; acima da vida de família com

as suas exigências indeclináveis, a pessoa humana tem ainda

direitos a uma vida divina, à vida da graça que lhe condi­

ciona a sua elevação à ordem sobrenatural e o conseguimento de sua felicidade definitiva .

Na ordem histórica em que

vivemos, o cristianismo determina, de :modo mais positivo e concreto, a soma essencial dêstes direitos superiores..

Di­

reito, antes de tudo, à instrução religiosa, que nos revela

as grandezas dêste mundo sobrenatural do espírito, e cons­

titui a condição insubstituível da vida cristã.

Sem· o conhe-


-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE·

t5 1

-

cimento dos planos misericordiosos de Deus a seu respeito, sem a transmissão, por via de ensino, da mensagem evan-· gélica com tôdas as suas inefáveis riquezas, como poderia c homem crer e agir na linha dos seus destinos sobrena tu rais? Direito ao sacerdote e aos sacramentos e, com esta expressão , resumimos todos os meios que, na economia providencial do cristianismo, condicionam a · possibilidade de uma vida cristã que

naturalmente

expandir-se .

aspira

a

conservar-se, desenvolver-se

e

Direito . enfim à liberdade de co.n� ciência� sub-·

traída pela sua p'rópria natureza a qualquer violência ou coação no donúnio inviolável das convicções religiosas .

Eis, imediatamente e em! rápido escôrço, o que de direitos invioláveis reclama a dignidade desabrochar e Ainda não .

da

atingir a perfeição

pessoa

humana para

de sua finalidade.

Só?

Por isso :mesmo que vivemos uns ao lado dos

outros e to�os nos unilnos numa inevitável organização so­ cial, surgem; desta situação imperiosa novos direitos e novos deveres : direitos e deveres de pessoa a pesso a ; direitos e deve­ res de cada pessoa para com a sociedade incumbida de velar pelo bem comum que se nã.o identifica necessàriamente nem com o bem de cada indivíduo nem com a soma dos bens indi­ viduais . Pessoas e pessoas - convivemos todos, isto é, vivemo.3 uns em companhia dos outros, entramos ém

contato

contínuo

nas diferentes sociedades naturais ou positivas que resultam espontâneamente desta convivência : família, sociedade civil, associações profissionais, etc . , etc.

Desta inevitável convivên­

cia onde cada pessoa conserva a sua autonomia essencial na realização dos seus próprios destinos resulta um grande dever : o de respeitarmos nos outros os direitos, que a êles como a nós são essenciais .

Esta vontade fundamental de dar a cada

um o que é seu, respeitando-lhe a totalidade dos direitos, constitui a justiça� primeiro e insubstituível fundamento de ordem social .


152

-

A FOR�IAÇAO DA PERSONALIDADE

Mas se todos somos iguais na dignidade da natureza,

somos desiguais na participação dos seus dons .

jat9 natural que tôdas seguirão

nunca

Eis ainda um

as declamações socialistas não con­

escurecer.

Saúde

e

inteligência,

capa­

cidade de trabalho e fôrça de vontade são qualidades que se

acham

desigualmente

repartidas

entre

os

homens .

Não

somos iguais nem em face da vida - nem em face da morte .

A vida afrontamo-la com um cabedal de talentos diversos ; a

morte visita-nos com a sua inexorabilidade na idade, no dia e nas circunstâncias que a nenhum de nós é lícito prever ou

modificar.

m não há racionalização ou padronização que

consiga vazar tôdas as vidas humanas na identidade e mono­ tonia do m.esmo molde .

A esta distribuição variada dos dons

da natureza, acresce, ainda, como outra causa de diferen­ ciação, a própria vida social co:tn a sua inevitável divisão

de trabalho e especialização profissional .

Nos planos admirá veis da Providência esta desigualdade

acidental a ressaltar sôbre a identidade essencial do homem

constitui um dos fundamentos da caridade pela qual pode­

mos e devemos uns aos outros entreajudar-nos na viagem que nos deve conduzir ao mesmo têrmo . .

.

A convivência dos homens é pois regida por uma grande

lei : a lei da solidariedade, que, numa reciprocidade admi­

rável de influências inevitáveis e misteriosas, torna os ho­ · mens dependentes uns dos outros na conquista de sua feli­ cidade. Concretiza-se a generalidade da granO.e lei nos dois pólos da vida em conium : j ustiça e caridade ou serviço social. \

.

A j ustiça dá a cada um o que é seu : impõe-nos o respeito

dos bens de outrem,

do

valor

do seu

trabalho,

de

sua

reputação, da sua capacidade e virtudes : mas não basta para

fundar a paz e a concórdia entre os indiv�duos · como entre os povos . A êste fim é indispensável o amor : amor que

mais se manifesta nos fatos que nas palavras : o ato do amor

é o dom; : quem ama dá dons do nosso supérfluo . material

(função social da propriedade) , dons dos bens espirituais -


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

153

ciência, expenencia, exemplo, dons do nosso serviço social, pelas prestações com que generosamente orientamos para o bem comum social as reservas disponíveis da nossa atividade das nossas energias . Justiça e caridade: virtudes essencialmente comp�emen- . Lares e irredutíveis . Impossível suprimir a função de cada uma delas sem comprometer ,a harmonia das relações so­ ciais. 3 Os homens separam-se pela distinção 'de suas persona­ lidades ; aproximam-se pelos vínculos de uma natureza comum. Comp pessoas distintas, titulares de direitos, re­ gula-lhes as relações a· justiça ; comO irmãos na natureza e na graça aproxima-os a caridade nas atrações de uma recí­ proca benevolência. A j ustiça põe uma em face da outra duas pessoas, a cada uma dá-lhe o que é devido; distin­ gue-as, separa-as, remove os princípios do ódio que � iniqüi­ dade gera ; mas por si não aproxima, senão negativamente ( removens prohibens) os. corações. A amizade que funde as almas numa união fecunda de bens e de consolações e de serviços mútuos, é filha da caridade, que é, portanto, a virtude social por excelência . A justiça não se move senão no campo da obrigação es­ trita; onde expira o dever aí paralisa ela a sua ação e cala as suas exigências . A caridade não mede as suas dádivas gene­ rosas ; onde quer que o próxirnJo manifeste uma necessidade aí está de mãos abertas para distribuir os seus dons. Tôdas •ts misérias, todos os infortúnios que não têm a defendê-los o rigor de um direito, apelam confiadamente para o seu co­ ração generoso . A justiça não olha o sentimento interio.r, satisfaz-se com o cumprimento externo, friamente j urídico, de suas imposi­ ·ões, simbolizado, se quiserdes, na impassibilidade da estam­ pilha de um recibo ; a caridade rompe estas exterioridades ele gêlo, movimenta e aquece os corações, cultiva a simpatia 3

''eito,

Esta página é tirada da Alócução aos bacharelandos de pronunciada no Rio a 7-IX-931.

di:­


154

--:-

A

FORMAÇAO D,A PERSONALIDADE

e sú ·s e contenta com as delicadezas mais finas de todos os afetos nobres . E se quiserdes completar a beleza desta visão da reaJi­ dade humana iluminando-a de mais alto com os reflexos que lhe proj eta o cristianismo, elevai o amor humano à subli. midade do· amor cristão, baseado na mesma graça que nos faz filhos adotivos de Deus, incorporados na grande família de que Cristo é o primogênito; enaltecei a soliqariedade que tem o seu fundam�ento na identidade d a natureza, com esta solidariedade mística, da comunhão dos santos, que álarga até às relações com a divindade as possibilidades da nossa colaboração fraterna e prolonga até à eternidande as repercussões benfazej as dos nossos esforços de ascensão espiritual-. Une âme qui s'elev�, eleve le monde. Demos o último passo . Na vida social não há só o inte­ têsse do indivíduo que aspira a viver e aper.feiçoat-se; não há êste complexo de direitos e deveres, estas relações de j ustiça e caridade que prendem umas às outras as pessoas que con­ vivem;_ há ainda . um bem com.um geral, um interêsse da so­ ciedade como sociedade. · Êste bem superi()r não se confunde nem identifica com a soma aritmética dos bens individuais : foi êste o grande êrro do liberalismo econômico inspirado todo num. individua­ l�smo de horizontes estreitos . A sociedade para conservar-se e defender-se tem que fazer muitas vêzes um apêlo a sacri­ fícios individuais penosos : sacrifícios de bens materiais, sa­ crifício de parte das nossas liberdades, sacrifício mesmo da vida em circunstâncias extraordinárias . Enquanto estas re­ núncias são exigidas realmente pelo bem comum, são j us­ tas e devem encontrar nas almas bem formadas a reper­ cussão fiel e, se fôr mister, heróica das aquiescências gene­ . rosas . Há, portanto, uma necessidade de edqcar nas cons­ ciências o senso social, feito de espírito de colaboração e de u_m conhecimento vivo das �exigências superiores do bem comum a primarem os nossos interêsses particulares e indi-


A

FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

155

vidualistas . E nisto nenhum sacrifício da personalidade na · sua autonomia intangível . De um lado, por parte do Es­ tado um limite intransponível impôsto às suas intervenções pelas .exigências do bem comum; não arvoramos, como os coletiviStas ou socialistas, o poder civil numa onipotênc.ia discricionária. De outro, o cumprimento dos deveres sociais é uma condição mesma de desenvolvimento das personali­ dades na tendência para a realização dos seus destinos. O cidadão que recusasse as prestações que lhe ;P ede a socie­ dade, fechando-se no pequenino círculo do seu egoísmo in­ tratável, não realizaria a sua finalidade de homem e atrofia­ ria irremediàvelmente a expansão superior de sua personali­ dade . Dedicando-se ao bem comum, levando o desprendi­ mento dos seus interêsses individuais, particulares e momen­ tâneos, ao extre�mo do heroismo e da dedicação, o hon1em de fato não sacrifica a sua personalidade, enaltece-a e à vida terrena dá o máximo de valor no desenvolvimento da própria grandeza moral. JoANA n' ARe que morre para libertar a sua pátria, S. Luís, que vive todo para ses trais grands amours : :M(argueritte, France, Dieu ; PEDRO CLAVER, que passa tôda a sua vida entre os pobres escravos africanos, transportados para a América, curando-os, instruindo-os, cristianizando-os ; Luís nE GoNZAGA, que na flor dos anos morre de uma enfer­ midade contraída no serviço _das vítimas de uma grande epi­ demia, e tantos e tantos outros heróis nossos, conhecidos na ·elebridade de sua glória ou ocultos no silêncio de sua humildade, dão-nos a prova magnífica de como o cristianismo, numa harmonia maravilhosa, sabe conciliar tôda a grandeza individual da personalidade humana com o máximo de sua eficiência social . E aí temos, em brevíssima síntese, todo o pensamento que deve inspirar. a nossa pedagogia social, a gravitar em tôrno da idéia da eminente dignidade da pessoa humana, que lhe serve de fundamento e de chave de abóbada. Já vist�s como assim se conciliam as verdades latentes .no individua-


156

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

lismo e, no socialismo,

sem incorrer

em seus exageros

e

utopias. Do indiVidualismo salvamos o respeito à liberdade, a iniciativa particular, fonte de bem-estar e de progresso. Ao mito do igualitarismo que os socialistas adoram e que a natureza e os fatos desmentem, substituímos o universa­ lismo cristão, isto é, a vocação de todo o homem à grandeza moral, à santidade, à salvação definitiva de sua alma.

Daí

em cada indivíduo uma soma de direitos imprescritíveis, mas compatível com as diferenças sociais, com as jerarquias. indispensáveis, com a ordem, a subordinação, a paz e a con­ córdia. Nesta

concepção,

nada

que

represente

um

bem

comum e a sociedade não possa exigir dos seus membros, nada há que constitua um meio necessário à expansão su­ perior das libe!dades pessoais na tendência aos seus destinos e a sociedade civil ou religiosa, no campo de suas atribuições respectivas, lhe não deva subministrar.·

EStas exigências e

êstes deveres do organismo social encontrarão, por sua vez,. no indivíduo, formado na visão integral dos seus destinos, as fôrças psicológicas indispensáveis para o sacrifício dos grandes heroísmos como para a tenacidade incansável das justas e nobres reivindicações. Eis o quadro de uma visão ideal. Corresponde-lhe a reali­ dade que vemos?

Todos os homens, que nos cercam e são

irmãos nossos, irmãos na dignidade da natureza e irmãos na nobreza do batismo, estão realmente em condições econômi­ cas, intelectuais, morais e religiosas de atingirem a meta da felicidade para que foram criados? social respeita efetivamente

A

nossa organização

êste patrimônio

essencial

de

direitos humanos que acabamos de analisar sucintamente? A resposta não pode ser duvidosa e é por isso que a sociedade

E esta simples averiguação - sôbre a qual havemos de voltar mais d� sobremão, está-nos a traçar a grandeza das nossas responsabilidades e, com ela, a importância de

sofre.


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

157

mna educação social que, de geração em geração, prepara.

as almas cristãs para elevá-las à altura da missão que neste mundo lhes assina a Providência. responsabilidades.

Sôbre nós pesam grandes

Não se acende a luz para abafá-la sob o

módio; põe-se n'o candelabro para que ilumine quantos estão em casa. E vós sois a luz do mundo; vós sois o sal da terra, E é com esta palavra de disse Jesus aos seus discípulos. Cristo que hoje vos deixo.

Ela nos dá tôda a medida da

nossa grandeza: ouçamo-la com humildade e com gratidão; mas ela também indica-nos tôda a extensão dos nossos deve­ res e tôda a amplitude das nossas possibilidades de bem fazer; meditemo-las com a consciência viva que sabe ver e fazer,

p ro­

porcionando, à serenidade tranqüila da sua visão, o entu­ siasmo, a confiança, .a constância generosa de sua atividade.

A. M. D. G . . Rio,

24-VI-933 .


I

UNIDADE DA PEDAGOGIA CATóLICA Fragmentação. da pedagogia moderna - suas causas. Do espírito moderno. Especialização e superintelectualismo. Falta-lhe unidade. Reação moderna e volta à concepção católica. Universalismo da pedagogia católica. Representação esquemática. Religião: núcleo centrai da educação. Educação moral articulada com a formação religiosa. Educações acidentais em articulação com as outras. Exemplo na educação física. Exemplo na educação profissional. Harmonia e unidade da pedagogia católica. •

A.M.D.G. As professôras do "Sacré-Coeur", 11-VI-931.

I

I


Uma das diferenças essenciais que cava um abismo de distância entre a pedagogia católica e a inspirada no lai­

cismo é a idéia de que a realização da unidade orgânica é jnseparável de tôda formação verdadeiramente humana.

A pedagogia moderna é dispersiva, fragmentária, espe­ cializada .e estritamente desarticulada na coesão vital· dos seus elementos. Não é difícil, remontando o curso das idéias e dos acontecimentos, encontrar a primeira origem dêste vício fUndamental. -A ruptura da unidade viva, que lamen­ tamos nos sistemas de .educação, é apenas um reflexo de , desequilíbrio interior não merios funesto de que sofre o ho­ mem moderno em tôda a sua vida espiritual.

A ·Reforma protestante rompeu com a Igreja, orgânica e hieràrquicamente organizada por Cristo para a conservação autêntica e infalível do pa.trimônio doutrinai que constitui o fundamento da nossa vida religiosa. Com a separação <;lo centro de unidade, o cristianismo, sob a ação da fôrça cen. trífuga de livre exame, que continha, em germe ativo, todos os subjetivismos, entrou a fragmentar-se num processo de divisão incoercível que tende irreparàvelmente à

pulveri­

zação do mais radical individualismo. O dogma, que cons­ titui o eixo da vida espiritual, com a unidade, perdeu o ca­ ráter mais visível da verdade divina e, com êle, o segrêdo de sua eficácia na educação das am:ms.

A Revolução francesa deu um passo além. A cisão contra a unidade e universalidade católica levada a efeito pelo pro­ testantismo,

acrescentou

forma de religião positiv�.

o

rompimento

contra

qualquer

Sob a pressão da ideologia revo­

lucionária a vida da nação deveria organizar-se alheia a


160

-

. A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

qualquer influência de cristianismo. Era em germe, senão já em sua realidade atual, todo o laicismo contem)_:>orâneo. {>estas sucessivas divergências entre a atividade interior e a organização social, entre a filosofia e a vida, origina-se o desequilíbrio profundo em que tantas vêzes se debatem, di­ laceradas, as almas modernas. Mais, porém, do que os adul­

tos ressentiram-se as almtas em formação. Avocando a si a missão de educar, o Estado, em algumas nações, plasmou a instrução pública à própria imagem e semelhança. Como as outras instituições do govêrno, tam­ bém as escolas oficiais foram submetidas ao regime do lai­ cismo. E o laicismo pedagógico é a mutilação do homem; é a separação entre a instrução e a educação; a descontinui­ · dade entre o lar e a escola; o dualismo ou pluralismo entre

a consciência �eligiosa do homem e a consciência cívica e social dos cidadãos. A instrução fica decapitada do que lhe ·constitui a coroa indispensável depois de lhe ter servido de ' fundamento insubstituível; e durante todo o período de for­ mação a escola leiga ou neutra não atinge o que há de mais , essencial e profundo no bomem;: a consciência. :t!:stes males inerentes a todo laicismo agravaram-se com , a tirania de alguns dêsses ídolos pedagógicos a que já nos referimos em outra ocasião: a metodomania, o psicologismo,

a sobrestima da instrução, a especialização excessiva. Per­ dendo o contato com a totalidade da vida na multiplicidade de seus aspectos que se devem fundir na estrutura de uma ·unidade orgânica, cada especialista enclausura-se num setor acanhado da realidade, esquecendo as conexões indestrutí­ veis com os outros setores que integram. e completam a vida do homem concreto. Êste vê na sociabilidade o fim derra­ deiro e a salvação suprema do homem, e sacrifica o desen­ volvimento dos valores da personalidade às exigências do ·imediatismo do viver comum. E a educação, vista por êste ·ângulo, transforma-se numa socialização da criança, enten­ dida em sentido socialista. Aquêle fixa mais a sua atenção


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

161

na e xpa�são da individualidade obtida pela evolução espon­ tânea e incoibida de todos os instintos que dormem no fundo da nossa natureza.

É a éducação individualista, fomenta­

dora de todos os egoísmos e indisciplinas sociais. São frag­ mentos de verdades que não· se limitam nem se integram na harmonia de uma síntese coerente. É uma visão unilateral da realidade; o predomínio exclusivo de um método; a ne­ gação brutal de tudo o que se acha fora do campo visuál assim arbitràriamente delimitado. E o pedagogia total, per­ dido o seu centro de gravidade unificador, entrou a cindir-se e multiplicar-se em fragmentos desconexos.

Cada especia­

lista desenvolveu a zona de sua competência sem se inco­ modar com as articulações essenciais que no homem vivo a ligam ao domínio de outras especialidades. Nunca como em nossos dias se falou tanto de educação física, educação social, educação da vii't�de, educação cívica, educação sexual, e du­ cação de normais e de anormais. No desenvolvimento de tôdas estas pedagogias parceladas predomina quase sempre o velho preconceito do século XVIII que 'instrução equivale a mora­ lização, e enriquecer de conhecimentos a inteligência do ho­ mem é, sem mais, torná-lo melhor.

Daí a tendência a educar

por meio da "iniciação". Nas questões de ordem sexual a sociedade moderna apresenta visivelmente um desequilíbrio que a�eniza tantos organismos e compromete tantas felici­ dades? Remédio: iniciação coletiva nas es-colas. Umas tantas preleções de fisiologia e patologia imunizarão os moços do· contágio fascinador do prazer. O indivíduo, nas ambições de seu egoísmo crescente, recusa-se de dia para dia aos sacrifí­ cios indispensáveis à conserv�ção do bem-estar coletivo? Ini­ ciação social;

instrução cívica.

Umas tantas dissertações

sôbre a solidariedade que prende todos os elementos �o orga­ nismo social serão eficazes para refrear as ambições· insaciá­ veis e assegurar o espírito de sacrüício sem o qual não há possibilidade de vida comum .

1


162

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Se a esta pedagogia desarticulada e fragmentária quisé­ ramos dar uma expressão gráfica, poderíamos representá-la por um tabuleiro de xadrez em que as diferentes casas se j us­ tapõem sem mais nexo ou ligação que a contigüidade quan­ titativa ou local . Assim, nos nossos programas escolares, as diferentes disciplinas formadoras, - intelectuais, cívicas e morais, se dispõem sem outro vínculo mais que uma sucessão cronológica . Falta-lhes um centro de unidade interior, fal­ ta-lhes a articulação de uma síntese orgânica que na alma. do aluno - essencial e individualmente uma, - lhes .d ê esta fôrça formadora insubstituível que lhe advém duma visão coerente e unificada da vida em tôda a diversidade de suas manifestações . As conseqüências dêste grande êrro pedagó­ gico aí estão visíveis : nunca se falou tanto de educação se­ xual e a crise da moralidade nas telações entre os dois sexos, longe de se atenuar, se vai agravando de dia para dia . Nunca se q�petiu com mais insistência o têrmo de solidariedade so­ cial e as vantagens do bem comum vão sendo cada vez mais sacrificadas pelo egoísmo individual de governantes e gover­ nados . Contra êste exclusivismo de uma pedagogia de mosaico se foi acentuando nos últimos tempos uma reação em nome da unidade do homem . O homem essencialmente uno, como na sua dignidade humana, como na sua entidade metafísica, como na multiplicidade dos seus aspectos vários mas comple­ mentares, distintos mas subordinados na estrutura de unia hierarquia essencial . Os unila�eralismos pedagógicos tendem, portanto necessàriamente, a deformar-lhe a natureza, a rom­ per-lhe o equilíbrio interior com detrimento irreparável de sua formação integral . Era a visão exclusiva de um só setor �a realidade; a tirania de um só método; a autoridade com­ petente de uma só ciência . Para êstes eram os métodos so­ ciais, as ciências sociais, o aspecto social do homem: peda­ gogia do sociolog ismo . Para aquêlE� era a psicologia experi­ mental com as suas medidas de laboratório, com a sua exterioridade intelectualista alheia às profundezas da alma:


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

!63

pedagogia do psicologismo. Para outros ainda (SPENCER por exemplo) era o homem no seu aspecto animal, objeto da biologia chamada então a diretora exclusiva da educação : era a pedagogia naturalista . Hoj e o homem real, concreto, vivo - não j á fragmen­ tário e mutilado, começa a voltar do exílio a que o haviam condenado as filosofias ou pedagogias unilaterais que tinham esquecido a realidade concreta pela ilusão de abstrações li­ vrescas . De dia para dia, com um acôrdo- crescente até a unanimidade, se . vai reconhecendo a solidariedade essencial que liga inseparàvelmente a pedagogia a uma concepção to­ tal da vida - e portanto a um sistema filosófico-religioso . Chega-se assim após uma odisséia de erros e disposições à concepção fundamental do catolicismo . Para nós ,a pedago­ gia nunca se divorciou da concepção religiosa da existência; tão íntimas, tão profundas, tão contínuas são as relações que ligam a nossa educação à nossa doutrina da vida que é im­ possível conceber, expor ou explicar a pedagogia católica sem supor ao mesmo tempo conhecido todo o dogma, tôda a moral do catolicismo . Esta dependência que outrora tinha sido obj e­ to de críticas é hoj e, como veremos logo, reconhecida como um título de glória .

Dêste universalismo católico que não mutila o homem mas o educa na sua totalidade, nasce outrossim êste caráter de compreensividade, de universalismo da pedagogia católica. Ela não é tributária exclusiva de uma ciência nem se enfeuda ao jugo de um só método . Todos os métodos que nos podem levar ao conhecimento de um dos aspectos da realidade hu­ mana são adotados sem receio ; tôdas as ciências que podem iluminar qualquer das suas faces são ouvidas com atenção e docilidade . Na nossa pedagogia têm direito a ser ouvidas não só a biologia mas · também a teologia; não só a filosofia mas também a história; a ascética fala com a mesma autoridade que a psicologia experimental; a moral não se faz ouvir com menos fôrça que a sociologia . A nossa pedagogia é verdadei-


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

ramente católica; não só de uma catolicidade exterior en­ quanto de direito é destinada a estender-se como a religião verdadeira a todo homem que vem a êste mundo, senão ainda de uma catolicidade interna enquanto atinge cada ho­ mem na integridade dos seus elementos, na totalidade de suas experiências e aspirações. :mste caráter fundamental de unidade, universalidade, coerência interior, estrutura orgâni­ ca, hierarquia sintética da pedagogia católica, podemos re. presentá-lo como DE HoVRE por meio do -esquema seguinte que passamos a elucidar mais de sobremão.

G ...

Q

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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

165

No sistema pedagógico católico a educação religiosa ocupa o centro de onde irradia em tôdas as direções a sua influência universal. Esta posição de importância fundamen­ tal compete à formação religiosa, não pór uma vontade posi­ tiva e acidental da Igreja, mas por uma exigência essencial inerente à própria natureza invencível das cousas. Não é pos­ sível formar o homem sem ter uma idéia de sua natureza e de seus destinos. Não é possível prepará-lo para a vida, na expressão mais ampla do têrmo, sem conhecer as razões su­ premas do viver. Sem a luz dêste ideal a mostrar-lhe a ativi­ dade, a pedagogia é um navio sem bússola. (P!\ULSEN.) Mas resolver o problema do homem, das suas origens e dos seus destinos, dar um ideal à vida, à beleza de sua perfeição e à grandeza de suas responsabilidades que outra cousa é senão entrar em cheio na solução religiosa da existência humana? (HARNACH.) 1 Como descer até à consciência do aluno no que ela tem de mais profundo, e atingir o homem no que êle tem de mais humano, sem uma convicção de ordem religiosa, isto é, sem um complexo de idéias amplas e verdadeiras que dêem às eternas e indeclináveis interrogações da vida uma resposta exata, determinada, coerente . Como estabelecer a organiza­ ção interior, a unificação psicológica, que é tudo na educação - sem êstes grandes centros unificadores que constituem a solução religiosa da vida? Eis o papel capital da religião na pedagogia: organizar a nossa vida interior, ordenar as nossas idéias, hierarquizar . os nossos interêsses, colhêr o homem todo, na sua realidade. completa, para transformá-lo no ideal que constitui a perfeiHARNACK: �'A religião e sobretudo o amor de Deus e do próxi­ eis o que dá sentido à vida; a ciência é disto incapaz. Que me seja permitido falar aqui de minha própria experiência, como de quem há trinta anos se ocupa de ciência. É belo consagrar-se à ciência pura e ai daquele que a menos­ preza ou nela se endurece. Mas quanto aos problemas da origem da vida e da sua finalidade, a ciência não os resolve hoje como os não resolvia há dois ou três mil anos." 1

mo,


166

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

ção de sua natureza e a razão suprema de sua existência. Eliminai a religião e tereis a superficialidade, a desorienta­ ção, a desordem, a anarquia, o caos interior. Será uma peda­ gogia sem unidade, sem ordem, sem estilo, sem hierarquia. A alma da educação é a educação da alma. E a educação da alma é essencialmente religiosa. Que na formação do homem a religião ou é tudo ou não é nada - não é só u�a verdade profundamente católica, mas que tende a adquirir em peda­ · gogia, pela luz de sua própria evidência, os foros de um axioma incontestável.

SPRANGER WHITEHEAD : "Na essência da educação há três coisas principais: l.O) A evolução da alma não pode ser in­ fluenciada senão por valores de vida; 2.0) tôda educação tem o seu centro na cultura forrr-al, isto é, num desenvolvi­ mento de energia e não numa comunicação de matérias; 3.0) tôda educação será sempre suportada por uma menta­ lidàde religiosa não só porque· visa a alma na sua totalidade senão também pela sua atitude em relaç"ão à vida no seu conjunto." WHITEHEAD :

"A educação é essencialmente religiosa_."

A religião constitui, portanto; o cerne, o âmago, a alma de tôda educação. Religião e educação são de sua nature­ E uma pedagogia que pretende formar za indissociáveis. prescindindo da religião ou relegando-a a um plano acessório é uma pedagogia superficial, nula, insuficiente, inevitàvel­ mente deformadora do homem . Em tôrno dêste núcleo constituído pela formação reli� giosa, e com êle em continuidade ininterrupta, se acha a formação moral. Também aqui a prática secular da peda­ gogia católica está na mais perfeita harmonia com a exigên­ cia interna das causas. A educaçãp da consciência e do caráter articula-se essencialmente com a concepção religiosa da vida. ..Tá tive ocasião de desenvolver amplamente êste ponto em outras circunstâncias. R�sumi-lo-ei em duas palavras. O caráter é feito de solidez nas convic�ões e de


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tenacidade no querer. As convicções não se enraízam pro­ fundamente na inteligência sem uma concepção compreen­ siva, uma filosofia integral da vida. É do ideal que ·nos for­ mamos da perfeição humana que deriva a unjdade, a coerên­ cia, a harmonia dos nossos atos. Ora êste ideal outra cousa não é senão uma solução do problema dos destinos humanos, de importância capital em ética. O conhecimento do fim é, nas ciências práticas, como a moral, o que nas especula­ Sem princípios bem tivas é a inteligência dos princípios. compreendidos tôda demonstração é impossível; sem co­ nhecer o fim de uma ação, impossível traçar-lhe qualquer norma. A questão dos destinos do homem domina, pois, uma necessidade interna indeclinável, tôda a ciência normativa da atividade humana. Sem êste ideal abstrato falta de todo o critério para estabelecer a hierarquia dos valores morais. Ao lado de convicções profundas o caráter exige uma vontade firme. Não basta esclarecer a inteligência, é mister subministrar à vontade estímulos eficazes. Regulamentação e motivação: dois elementos inseparáveis e indispensáveis à formação das consciências. Mas o dever é austero, exige por vêzes sacrifícios penosos, íntimos, prolongados. Sem abnegação interior, sincera e continuada, não há grandeza moral. Ora, apagai nas cons­ ciências a idéia de um legislador supremo, juiz infalível e incorruptível de nossas ações mais secretas, deixai na sombra o pensamento eficaz das sanções inevitáveis de além-túmulo - e destruístes irremediàvelmente tôda a ordem moral. A voz da consciência não passará então de um eco subjetivo das influências externas de preconceitos ou convenções so­ ciais, os imperativos éticos perderão tôda a sua fôrça obriga­ tória e o govêrno da vida se reduzirá a um cálculo de inte­ rêsses mais ou menos imediatos. Ante os impulsos poderosos dos instintos inferiores, a vontade se achará desarmada para a resistência. Ao reino soberano e pacífico do dever sucederá aos poucos a anarquia das paixões. -.


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. A certeza psicológica destas influências, confirmam-na todos os dias as mais variadas experiências. (DUPANLoUP. )

Mas a pedagogia católica vai ainda mais longe na tra­ vação interna de sua coerência, levando desassombrada­ mente até às últimas conseqüências o respeito à unidade completa e total do homem. Com efeito, no esquema, de­ pois da educação religiosa a ocupar o centro que lhe é de­ vido pela sua própria natureza, depois da educação moral articulada em tôda a sua extensão à formação religiosa da consciência, v êdes ainda uma coroa periférica dividida em vários setores constituídos pelo que chamamos moderna­ mente educação física, educação cívica, educação sexual, educação profissional, isto é, pela preparação educativa do homem - não para a sua função geral de homem _;_ mas para a conservação de um bem párticular de sua natureza, por exemplo, a saúde, ou para o exercício de alguma das suas funções na vida: a de cidadão, de profissional, etc. Notai, porém, todos êstes setores não se acham isolados ou dispersos mas soldam-se imediatamente à coroa média da formação moral e por meio desta ao núcleo central de edu­ cação religiosa. Aqui temos sem dúvida um dos pontos de mais vivo contraste entre a compreensividade da pedagogia católica e o unilateralismo da pedagogia moderna. Sob a in­ fluência da civilização que obrigou as escolas a se organi­ zarem fora da idéia religiosa, ou sob o domínio ainda do velho preconceito do séc. XVIII acêrca da o�potência exclu­ siva da iristrução, os modernos pedagogos constituíram todos aquêles setores em unidades autônomas e independentes. Organizou-se assim um sistema de educação física, de edu­ cação sexual, de educação cívica em completa ruptura com a f<:>rmação interior da consciência e com a concepção ético­ -religiosa da vida. Julgou-se ingênuamente que, com um pu­ nhado de noções de direito constitucional ou umas retóricas fôfas sôbre o amor da pátria se formava o cidadão ao cum­ P:rimento dos seus deveres cívicQs; acreditou-se, não sei se


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sincera ou maliciosamente, que umas tantas explicações de fisiologia ou de patologia sexual iriam premunir eficazmente a juventude contra as seduções do prazer que degrada e en­ venena as fontes da vida. Numa palavra, dissociou-se na pe­ dagogia o que na vida se acha indissoluvelmente associado: o valor religioso e moral do homem com a manifestação de tôdas as outras atividades humanas. Desdobrou-se ou mul­ tiplicou-se a consciência de cada indivíduo, justapondo, sem se fundirem na coesão de l1llUt síntese forte, a consciência do homem religioso, do cidadão, do profissional, do euge­ nista. Não se viu ou não se quis ver o nexo essencial que une tôdas as ações de uma consciência; não se percebeu qu(;\ tôda a fôrça para o cumprimento dos nossos deveres na fa­ mília, na profissão, na pátria nos advém precisamente da nossa visão religiosa da vida, da articulação nitidamente apreendida entre êstes de_veres da a�ividade cotidiana e a fi­ nalidade primordial do homem. Cortaram-se os canais, veículos da seiva fecunda que subia das profundezas reli­ giosas da consciência e iam aviventar a verdura do mais dis­ tante dos ramos ou desprender-se em perfume no mais lon­ gínquo botão que se entreabria aos raios do sol. Faltou a seiva: as fôlhas entraram a estiolar e amarelecer, os frutos a enfezar. Sem metáfora nem poesia, é tão íntima e tão indestrutível a unidade da nossa vida interior que não é possível formar eficazmente para qualquer exercício de nossa atividade sem descer até as profundezas em que vive a consciência, esclarecida, orientada, alimentada pelos prin­ cípios da nossa visão religios� da existência. Não me seria difícil percorrer um por um todos aquêles setores e evidenciar a multiplicidade dos laços que o prendem à formação interior do homem. Escolherei apenas dois e êstes, 'precisamente, entre os que, à primeira vista, mais parecem independentes da vida moral. ·

O primeiro é a educação física . Quem não diria à quei­ ma-roupa que a formação e conservação de um organismo.


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robusto depende apenas dos preceitos de uma boa higiene? Ali.Jne - ntação sadia, exercícios criteriosamente escolhi. dos, de modo a assegurarem uma boa hematose e, com ela, o an­ damento regular de tôdas as outras funções orgânicas. No entretanto são muitos os traços de união entre um estabe­ lecimento de educação física e uma escola de formação moral. Separá-los é mutilá-los vitalmente diminuindo-lhes a .eficiência. A medicina moderna já o vai reconhecendo ante a lição dos fatos. O predomínio da "Konstitution therapie" ou terapêutica total, em. oposição à terapêutica dos ele­ mentos - ou terapêutica local e especializada é já uma das expressões dêste movimento de reação. O dito - "a têmpera moral do enfêrmo representa 75 % da sua cura" diz mais ou menos o mesmo em outros têrmos. E quem não vê todos os dias tantos e tantos destroços físicos que vão po­ voar os nossos hospitais começarem por ter sido destroços de vida moral. Em se tratando principalmente de doenças nervosas tão freqüentes em nossos tempos, a influência de nova vida espiritual sadia é ainda/ mais poderosa. fr1ens sana in corpore s ano diziam os antigos. Não é menos ver­ dadeira a recíproca corpus sanum in mente sana. "Onde quer que se feche um santuário, disse FoRSTER, aí se abre um hospício.') (R .ALLERS. ) 1 -

\

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O p.omem é uma unidade orgânica e descuidar a for­ mação superior do espírito é eliminar um dos fatôres mais vitais da saúde física. A experiência mostra, como observa um autor norte-americano (cfr. D� HOVRE li, p. 429), que enquanto. nós podemos visar a verdade e a virtude por si mesmas, os bens vitais superiores nãe se podem assegurar

R. ALLERS: Nunca encontrei um caso de nevrose em que o 1 último problema, o último conflito, não se resolvesse num problema de vida não resolvido Por isto, compreendemos que uma terapêu­ tica inteligente, dedicada, paciente, puramente religiosa da alma, provoca simultâneamente e, em muitos casos, a cura religiosa e cura da nevrose, porque a ação vai logo ao problema central . .

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DA

PERSONALIDADE -

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plename�te senão enquanto se consideram como meios para uma vida mais alta. Assim é que, os servimos melhor. Se nós vivemos só para viver, não viveremos bem e nã� fica­ remos satisfeitos da vida. Viver para viver nunca nos en­ sinará a viver. O homem deve zelar pela -süa saúde a fim de servir a sua atividade supeTior. Qu.em não pensa- !13. saúde senão pela saúde acabará doente desta preocupação. Quem come só pelo prazer de comer acabará ultrapassando os limites e comprometendo espírito e corpo. O problema da saúde humana apresenta, portanto, uma complexidade muito maior que a que lhe atribui a higiene naturalista. Não visando senão formar um bom· animal, degradou o homem e não salvou o animal. Os estabelecimentos de educação física que dão aos

fatos biológicos uma importância total e exclusiva, ficam abaixo das exigências complexas da realidade hu-mana. Como a educação física, também a educação profis-­ sional, que tão distanciada parece da vida religiosa, dela no entanto depende inteiramente: As virtudes da intrepidez, do trabalho, da iniciativa, da perseverança, da castidade, do� domínio de si mesmo, que são antes fatôres de primeira ordem para a saúde física, não o são menos. para o êxito na própria profissão. Um célebre pedagogo norte-americano, BooKER WASHINGTON, escrevera no frontispício de sua escola profissional: "Aqui, de mercenários se fazem homens." Ori­ ginal, mas profundamente pensado. M.ais talvez que ini­ ciação técnica o que decide do êxito de uma carreira é muitas vêzes a formação geral. O valor do homem condi­ ciona ó do profissional. Por que naufragam tantos médicos, tantos negociantes, tantos advogados? Por preguiça, por de­ sonestidade, por falta de constância, de lealdade, de dedi­ cação, de espírito de sacrifício, de assiduidade ao trabalho. Um desfalque corta a carreira ao caixeirinho de balcão; um abuso de confiança envolve a clínica de um médico de uma atmosfera isoladora. A indisciplina, que os vícios alimentam,

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fecha a um oficial o acesso às altas patentes da hierarquia militar. Uma firma· comercial vale quase sempre a hone�­ tidade do nome que representa. O bom êxito de uma em:­ prêsa é quase sempre função das qualidades de chefe - de­ licadeza, generosidade, dignidade, distinção no trato com os subalternos, - dos homens que lhe estão à frente. Homens e não instituições, ou melhor, homens honestos para têrmos instituições

boas - eis

nômica e social.

o

grande

princípio

da

vida

eco­

Como os povos, assim os indivíduos pre­

cisam mais de caráter que de saber·. Esta relação incontestável que

acabamos

de apontar

entre a educação profissional ou física e a formação pro­ fundamente humana da personalidade, muito mais fàcil­ mente poderia ser posta à evidência em se tratando da educação social, sexual, etc. O que dissemos, porém, é mais que suficiente para pôr em relêvo êste caráter orgânico, uni­ versal, compreensivo da pedagogia católicá.

Com as muti·

lações e unilateralismos do laicismo o homem fica radical­

mente desequilibrado na sua vida espiritual. É essa a origem desta dilaceração interior que constitui um dos males mais dolorosos da alma contemporânea. A vida superior do espí­ rito, a iluminar os destinos imortais do homem, atrofiada na profundidade de suas raízes religiosas e morais. A vida externa, profissional e cívica seccionada da consciência e re­ duzida a uma atividade febril, estimulada pelas necessidades do ganha-pão, mas sem a orientação de normas morais efi­ cazes e sobretudo sem um ideal superior digno do homem. Daí, de um lado a crise de caráter cada vez mais acusada,. de outro o descontentamento, a inquietude, o tédio, fre­ qüentes no homem moderno e inevitáveis em quem não re­ solveu o grande problema da vida.

A educação católica visa formar o homem na harmonia de sua totalidade. Tudo aqui se unifica admiràve�nte. A vida, na múltipla variedade de seus aspectos, na diversi­ dade multiforme de seus atos, desde estas decisões profundas


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que imprimimos a tôda a nossa existência uma orien­ tação definida e estável até as mais insignificantes ações cotidianas exigidas pelos nossos deveres de .estado, reveste a rom

importância transcendente do desempenho de uma missão divina. Nada então é sem interêsse e significação. Para cada uma de nossas obrigações levam.os tôda a energia, tôda a sere:hidade, tôda a constância fiel de uma alma unificada que realiza com não menos elegância moral a grandeza dos seus destinos na sublimidade rara dos heroísmos do que na continuidade coerente das pequeninas ações. É assim que uma pedagogia compreensiva prepara o homem para o seu desenvolvimento integral e para a sua verdadeira felicidade . Realizar a nossa unidade interior é, com efeito, realizar a nossa plenitude. Um ser vale o que vale a sua unidade: dividi-la é destruí-lo; conservá-la, intensificá-la é dar-lhe ó máximo de estabilidade' e perfeição. Ora, enquanto não nos elevamos acima da multiplicidade criada estamos divididos, dissipados, dispersos. Na ordem da realidade, Deus é o prin­ eípio de tôda a unidade; �le, Causa primeira de tudo o qlk é; :Êle, Fim para o qual tudo ·tende; a e w do universo. Na · ordem psicológica e moral, começamos seriamente o nosso trabalho de unificação quando refletimos esta orden1 essencial das causas e entramos a ver, julgar, agir, através dessa luz que vem de Deus. Deus melhor conhecido e mais amado vai aos poucos elevando, e concentrando, tôdas as nossas aspirações na unidade da sua paz infinita. Através das vicissitudes de multiplicidade terrena é a melhor pre­ paração à felicidade definitiva das inteligências fixas numa instituição beatífica da Suprema Verdade, que encerra, na simplicidade do Ato puro, a plenitude de tôdas as perfeições. Rio, 1-V-931.


RENASCil\fENTO DA PEDAGOGIA CATóLICA Assistimos nesses últimos anos, com olhos vivos de curio­ sidade e ânimo dilatado de consolação, a uma verdadeira renascença da pedagogia católica. Não que antes houvesse a Igreja esmorecido na sua árdua e nobre tarefa de educa­ dora das gerações, ou nela houyesse colhido resultados menos positivos. Mas uma cousa é a formação individual das almas na vida das nossas escolas e instituições, outra, a expressão científica, a exposição metÓdica de uma pedagogia na solidez

de seus princípios fundamentais e :na harmonia de todos os seus elementos. Lá, era a prática; aqui, a teoria; lá, vida concreta, palpitante, indefinível na mobilidade plástica de situações. que se sucedem sem interrupção; aqui, ciência, abstrata, fria, cristalizada na universalidade de seus princí­ pios e no rigor concatenado de suas demonstrações. Da ciência pedagógica desta pedagogia católica é que nós presenciamos uma reflorescência rica de promessas e esperanças. Basta lançar um olhar sôbre a nossa atividade literária neste domínio, em quase todos os países, para fàcil­ mente nos convencermos de que nos achamos, de fato, na presença de um movimento de proporções imponentes. Por tôda parte as revistas e as coleções ou bibliotecas pedagógi­ cas organizadas com critério católico, multiplicam-se e expan­ dem-se ràpidamente, enquanto as obras de larga envergadura se vão sucedendo umas às outras à distância de pequenos intervalos. Citemos um ou outro exemplo.


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Na Bélgica, FRANçors DE HoVRE, professor de pedagogia nas Universidades de Gand, Bruxelas e Antuérpia e autor de duas ohras de fôlego sôbre a filosofia pedagógica, dirige com o Dr. DÉcoUR, uma coleção flamenga de Estudos Pedagógicos, de que já saíram mais de 30 volumes. Para os belgas de lín­ gua francesa, J. RENAULT, inspetor-geral do ensino primário na Bélgica, iniciou há pouco uma série histórica sob o título Idéias Pedagógicas, nas quais vai suc�ssivamente reconsti­ tuindo a teoria e a prática dos grandes pedagogos católicos, desde S. INÁcro e FENELON, até D. Bosco e a Bem-aventurada JÚLIA BILLIART. Na Alemanha, a atividade é, quase diríamos, prodigiosa. As bibliotecas pedagógicas de todos os feitios, de alto estilo científico ou de vulgarização mais acessível, sucedem-se ou se desenvolvem simultâneamente com uma facilidade que supõe um círculo de leitqres numeroso, interessado e de ele­ vada cultura. Ainda há dois anos, o Dr. MAX ETTLINGER, pro­ fessor de fil@sofia na Universidade de Munich e diretor cien­ tífico do Instituto Alemão de Pedagogia Científica, planejou · a publicação de um grande· curso de pedagogia católica que se desenvolverá em 25 volumes in-8, dos quais já saíram os primeiros tomos . Mais importante, talvez, pela sua utilidade, foi a edição de um grande dicionário de pedagogia em cinco volumes, sob a direção de RoLOFF. Em 1917 aparecia o último volume. A grande Enciclopédia compreendia 1717 artigos ou monografias e 1 227 lembretes ou simples vocábulos com as suas significações técnicas . Pois bem, volvidos pouco mais de dez anos já se fêz mister a necessidade de atualizar êste tra­ balho monumental que· não tem símile em nenhum outro país e agora mesmo acaba de sair o ·1 . 0 tomo de um novo Dicionário de Pedagogia atual, destinado a refundir algum artigo que já pudesse parecer antiquado e a pôr em dia e completar nos outros; com -a informação bibliográfica, os re­ sultados mais recentes adquiridos para a Ciência. O volume recém-vindo a lume conta 370 artigos; e nêle colaboram 192


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· autores, quase todos lentes de universidades ou de institutos superiores de ensino.

Ao lado da atividade literária própriamente dita, pode­ ríamos lembrar a fundação de institutos, de cátedras espe­ ciais, de ligas e associações, de semanas e congressos destina­ dos a facilitar a corrente das idéias e pôr em contato vivo os mais notáveis representantes do importante movimento científico . Neste gênero de fatos significativos, citaremos só o mais recente, e um dos mais importantes : o 1.0 Congresso Internacional de Ensino Livre, reunido o ano passado, em Bruxelas, na comemoração do centenário da independência belga .

.

A esta importante retmião fizeram representar-se

quase trinta nações .-

Mas é também dos arraiais . acatólicos que nos chegam os testemunhos mais insuspeitos não só de surprêsa ante a marcha conquistadora e vitoriosa das nossas idéias, mas tam­ bém de admiração ante o valor intrínseco, científico e vital desta pedagogia que êles, por tanto: tempo, quiseram volun­ tàriamente ignorar . Entre os grandes mestres já não se iden­ tifica atabalhoadamente a pedagogia tradicional com rotina, velharia, e inútil antigualha de museu.

Esta continua a ser

a linguagem dos primários que vão papagueando o que se · dizia há 50 anos quando se j ulgava o que se não conhecia . Hoje, outro é o tom dos que sabem o que dizem e têm cons­ ciência do que escrevem . Quereis ouvir um ou outro dêstes depoimentos expressivos? SOROKINI; STANLEY

HALL, FÕRSTER,

PAULSEN ? P . SoRoKINI :

"Devemos reconhecer que, em meios prá­

ticos, êstes educadores (medievais) conheciam mais do que nós êstes problemas.. . .

Todos êstes métodos são muito efi­

cientes e, importa confessá-lo, Ir!UÍto apropriados no ponto de vista da c�ência moderna.

A leitura de livros, como os

exercícios espirituais de INÁcro DE LoroLA mostra claramente ,

a visão profunda que tinha o seu autor do mecanismo da atividade humana e a sua genialidade na invenção de mé-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE todos eficientes para modificá-la numa direção Não é necessário acrescentar que a sua técnica é mente psicológica e baseada na modificabilidade logia humana." (PITIRINE SoROKINI, Contemporary cal theories, W . J . 1 928, p. 602. )

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desejada . essencial­ da psico­ sociologi­

STANLEY H.ALL: "Se a Igreja Católica nos parece · em atraso em matéria de higiene e ciência aplicada, em quase todos os outros domínios ela tem muito mais a ensinar que a aprender dos que estão fora de seu grêmio." (Educacional Problems, li, p . 2 2 1 . ) FõRSTER: "Para aprofundar o s problemas fundamentais de sua missão, em nenhum outro lugar poderão os educadores aprender mais que nos outros clássicos que penetraram. e des­ creveram o cristianismo em tôda a sua profundidade. É um dislate que o valor de um livro dependa da época em que foi escrito. Só um cego poderá negar que sôbre· a vida interior as grandes fontes do cristianismo podem informar-nos mé­ lhor que a literatura. moderna no donúnio da filosofia, da pedagogia e da psicologia, devido à grande ignorância dos imperecíveis tesouros espirituais da Igreja." (F. W. FoRSTER. ) PAULS�N: "A obra d e FoRSTER cria uma atmosfera nova ; respira-se outro ar: é como se ouvíramos um homem sóbrio que fala entre os clamores de ébrios. . . Com razão salienta FoRSTER que à velha Igreja reverte o mérito imperecível de haver sempre tomado a peito a ecucação da vontaae e de Que nós ter formado nos santos os heróis do sacrifício. o vivem s ainda hoje de sua tradição é para mim fora de dúvida. Que levianamente nós deixamos destruir e dissipar esta he­ rança preciosa por tôda espécie de teorias perversas, eis na realidade o grande perigo dos nossos dias." (PAULSEN, Ptida­ gogik Alhandbengen, p. 545 (ap. DE HoVRE, I, 203 ) . Sôbre FoRSTER, ler o seu prefácio ao Catolicismo de DE HoVRE. ) De SPRANGER, u m dos filósofos mais e m foco n a Alema­ nha atual, professor na Universidade de Leipzig, em 1912, e, desde 1919, em Berlim, referirei um episódio que se passou


178 - A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE há pouco com o Padre ScHRÕTHLER . Quando o jesuíta foi se matricular na Universidade de Berlim, SPRANGER interpelou-o: Padre, que vem fazer aqui? Estudar pedagogia? Nós nada temos que ensinar-lhe. Vós, católicos, pondes a Deus como base de tôda educação. Nós-, pelo contrário, estamos ainda à procura desta base e cada um recomeça onde acabou o seu predecessor." (DE HtoVRE, Le Catholicisme) p. 42 1 . ) E poderia lembrar-vos a s citações d e EucKEN, PAYOT e muitos outros. O que me interessava, porém, era frisar ape­ nas a realidade dêste acontecimento, atestado assim pelas provas positivas de sua vitalidade quanto pela confissão de­ sinteressada de mestres de valor que trabalham longe de nós e mesmo contra nós . Dêste fato assim averiguado, parece-nos interessante e instrutivo investigar as causas, ao menos as principais. A primeira, creio eu, foi u m estudo histórico, mais pro­ fundo e objetivo, da pedagogia católica. Aconteceu, nestes · últimos anos, com a pedagogia o que há mais tempo sucedeu com a nossa filosofia escolástica. Sabeis como a Renascença, enfeitiçada pelas belezas de forma da literatura antiga, vol­ tou enfastiada o rosto a alguns escolásticos decadentes do século XV que sutilizaram demais e carregaram o seu estilo de chumbo com barbarismos técnicos e solecismos rebarba­ tivos. Sôbre êstes poucos representa!ltes, degenerados e im­ beles, da grande filosofia do século XIII formou-se no século XVI e XVII o juízo de tôda a escolástica e contra ela os hu­ manistas elegantes do tempo aceraram, à porfia, a sátira pungente dos seus epigramas envenenados. A imprensa, há pouco descoberta, ocupou os seus tipos em belas edições dos clássicos gregos e latinos . E os remanescentes da grande atividade intelectual dos séculos áareos da Idade Média ficaram sepultados, em grandes in-fólios manuscritos, sob o pó de vetustas bibliotecas. Era então moda falar no obscuran­ tismo medieval, no grande eclipse da cultura que datara a espessura de suas so1pbras dos últimos crepúsculos da civili,


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zação romana aos primeiros albores da época moderna . O Renascimento apareceu aureolf.tdo com os esplendores de um início brilhante da filosofia das ciências, das letras, das artes, de todos os valores da cultura e da civilização moderna . Nas mãos dos inimigos da Igreja êstes lugares comuns, sôbre os quais podia esvoaçar livremente a retórica declamadora, fo­ ram leit-motiv de inúmeras variações, um pouco monótonas, certamente inconsistentes, mas de efeito segu,ro porque altis­ sonantes . Certamente inconsistentes, disse, porque tôda esta visão simplificadora da história não correspondia à realidade dos fatos. O obscurantismo não estava na Idade Média, esta­ va na inteligência moderna, que julgara precipitadamente, .por interêsse ou paixão, pouco nos importa agora, o que não conhecia : A verdadeira Idade Média, a escolástica genuína, come­ çaram a revelar-no-la �s investigações históricas do século XIX . Do túmulo das bibliotecas foi ressuscitando um mundo de pensamentos, de sistemas, de obras e autores desconheci­ dos, a revelarem uma atividade intelectual tão intP.nsa como a das eras mais brilhantes da história . A esta reabilitação histórica seguiu-se de perto a reabi­ litação doutrinai . Estas idéias, que pareciam e muitos julga­ vam mumificadas para sempre, sacudiram de si a mortalha superficial de uma forma antiga e desceram à liça do pensa­ mento moderno ágeis e fortes de uma vitalidade não suspei­ tada. Testemunho de VoN IHERING : VoN IHERING: "Recriminaram-me com razão a ignorân­ cia das doutrinas de S. ToMÁS; com muito mais razão se podem acusar os filósofos modernos e os teólogos protestantes de haverem esquecido os pensamentos másculos dêste espírito vigoroso . Agora que os conheço, a�iro-me como foi pos­ sível que verdades como as que êle professou viessem entre os sábios protestantes a cair no mais completo olvido . Quanto a mim creio que se as houvera conhecido antes não teria escrito o meu livro. As idéias fundamentais que desejava


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publicar já se acham expressas com clareza perfeita #e notável profundidade neste pensador robusto." (Der Zurick Recht.) Hoje, a esco�ástica ocupa na filosofia moderna um lugar de honra. Nos congressos internacionais de filosofia, ao seu estudo histórico e doutrinai reservam-se sessões especiais, e S. ToMÁs é comentado com interêsse nas jovens universida­ des norte-americanas como na velha Sorbonne. Quem o dis­ sera há cinqüenta anos ! Algo de semelhante se passou com a nossa pedagogia. O estudo puramente histórico pôs, pouco a pouco, os moder­ nos em contato imediato com as fontes genuínas da pedago­ gia católica, com os nossos grandes educadores de outras eras. E êsses mestres foram avultando aos seus olhos mara­ vilhados em tôda a grandeza e majestade de sua · estatura . "Quanto mais se estudava a pedagogia dos séculos passados, o desenvolvimento da educação e da instrução, a história dos sistemas e dos pedagogos antigos, mais se foram habituando a encarar sob outro ângulo a ped,agogi':t católica. Ela foi (aos poucos) aparecendo como o princípi-o vital do organismo pedagógico de todo o Ocidente." (DE HoVRE, Le Catolicisme, p. 408.) PAULSEN, talvez o melhor historiador não-católico da pedagogia, escreveu: "A Igreja católica foi a educadora de todos os povos ocidentais." (Péidagogik, p. 346. ) A pedagogia cristã suportou o pêso da história e a prova dos séculos. Tôda a nossa civilização cpm o melhor de suas conquistas nasceu da sua inexaurível fecundidade; todos os · grandes heróis da virtude - que são a glória mais pura da nossa humanidade - formaram-s� nas suas escolas . . E os tesouros inapreciáveis de psicologia e de pedagogia que encerra a literatura cristã, foram pouco a pouco mais apreciados no seu justo valor. Folgamos em encontrar sob a pena de um PAYET citações de· S. FRANCISCO DE SAL ÊS, OU métodos de S. INÁcio, da um FoRSTER referências a S. JoÃo DA CRUZ OU a RUYSBROECK. �ste Último O mais moderno entre os modernos pedagogos, explicitamente reconhece êste valor excepcional. . .


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Mais . �ste mesmo estudo histórico foi aos poucos mos­ trando que muitos dos defeitos reais que os pedagogos recen­ tes assacavam à por êles com desdém chamada "pedagogia tradicional", não eram na realidade senão desvios posteriores da pedagogia genuinamente cristã . Citarei, por ora, dois exemplos, entre inúmeros outros que poderia aduzir e a que provàvelmente me reportarei mais tarde . Uma das acusações mais freqüentes à educação antiga é a de mecanismo rígido, deformidade monstruosa de falta de adaptação plástica à espontaneidade da vida, e à liberdade da criança . Dêste desconhecimento da realidade naturalmen­ te o grande responsável era o catolicismo . Pois não é, não, senhores . Esta mecanização do ensino remonta à mania mi­ litarizadora de NAPOLEÃo . Eis como TAINE neste ponto nos descreve a sua reforma do ensino : TAINE : "A vida escolar é circunscrita e definida em con­ formidade com um plano, rígido, único, idêntico para todos os colBgios e liceus do Império . É o estrangulamento preme­ ditado da curiosidade nativa, da investigação espontânea, da originalidade inventiva e pessoal, a tal ponto que um dia um ministro, tirando o relógio, poderá dizer com satisfação : nesta hora, em tal classe, tôdas as escolas do Imp§rio explicam tal página de Virgílio." (TAINE_, 01·igines de la France Contem­ poraine. - R egime moderne, III, p. 226.) . E foi um grande pedagogo católico , DuPANLOUP_, quem,

em nome das tradições cristãs, reagiu, há quase um século : No vol. I. da sua grande obra em 3 vols. sôbre a Educação, que ainda hoj e se imprime e j á conta 16 edições, lêem-se es�as palavras que �xalam um perf�me de modernidade contem­ porânea : DUPANLOUP : "Não tenho receio de dizer : o grande mal da educação em França, há 50 anos, é a falta de liberdade. A liberdade da crüinça não é respeitada : liberdade intelectual, liberdade moral, tudo é constrangido." (L'Éducation, I, p . 369 . )


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A FORMAÇÃO

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Outra, que muitas vêzes se pretende invenção da escola nova, é o aspecto social da educação . A educação, dizem, é uma função social : é uma transmissão pela sociedade de uma soma de bens culturais e é uma preparação da criança para o desempenho de seus deveres para com a com1,1nidade . Não é para aqui nem para agora o examinarmos o que encer.ra de repreensível, unilateral e ineficaz, - nas doutrinas da escola nova, - esta socialização da escola, baseada numa filosofia materialista e socialista da vida . Fá-lo-emos talvez em outra oportunid�de . Mas no que tem de j usto e incontes­ tável não é descoberta nem novidade alguma; é apenas uma reação j usta contra o individualismo que remonta precisa­ mente a RoussEAU - o pai da pedagogia moderna, no con. ceito ingênuo e na visão históric � superficial de alguns. Pa�a RoussEAU a sociedade é um agregado artificial fonte de todos os mal es e de tôda a perversão do indivíduo que é natu­ ralmente bom . E por isso o seu Emílio êle o retira do. conyivio humano para formá-lo isolado no seio da natureza pura . Com Rous­ SEAU, LocKE e KANT, a pedagogia tôda se foi orientando para êsse individualismo contra o qual se quer hoj e reagir . Outra era a concepção cristã . Para a Igrej a a instrução e a edu­ cação foram sempre consideradas no seu aspecto social . For­ mar o indivíduo era ao mesmo tempo prepar�-lo para salvar a sua alma e para incorporá-lo na sociedade cristã : família, pátria, Igrej a . o. ensino era a transmissão das verdades cris­ tãs - dêste grande capital espiritual, - feita por uma gera­ ção a outra; . a educação era a Jncorporação das gerações Todo trabalho pedagógico · novas na comunidade cristã. visava assegurar a transmissã� de uma concepção da vida e do mundo e conservar assim todos os benefícios da civili­ zação e da cultura . NATORP, um dos iniciadores da escola ativa na Alemanha, confessa-o explicitamente .

KRIECK : "Só as comunidades religiosas se aproximaram do ideal que perseguimos." NATORP. "A Igreja católica for-


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tificou a sua consciência social muito desenvolvida não só pelo sacramento, mas deu-lhe uma só significação mística e metafísica e se _ declarou o corpo místico do Salvador . A Idade Média concebeu igualmente as suas instituições pro­ fanas como organismos supra-individuais que dão a vida aos seus membros. Devemos retomar êste conceito de co­ munidade ; só por êle podemos conceber a essência da educa­ ção." (KRIECK - DE HovRE II, pp . 409-410.) Eis como um estudo mais profundo da história vai rea­ bilitando a pedagogia católica e preparando-lhe essa influên­ cia cada vez mais ampla e viva que ainda recentemente registrava o PE. ALLERS, docente de psiquiatria na Universi­ dade de Viena . . . PE. ALLERs : "Na filosofia teórica, como ciência prática e emp1nca como a pedagogia, a sociologia, a psicologia, a antropologia, vemos as velhas idéias e vistas católicas renas·­ cerem a uma vida nova." (R. ALLERS, Das W ee den du síthli­ chen Person, Herder 1929, p . 1 1 . ) A o lado desta prim_eira causa d e caráter mais geral, po­ deríamos assinalar outras, sob a epígrafe comum - a de destruição de ídolos . A pedagogia moderna construiu uns tantos ídolos, quei­ ma-lhes o incenso de suas adorações, espera dêles uma salva­ ção certa . E êles mentiram a tôdas estas esperanças_ de seus devotos; uns após outros vão sendo derribados do pedestal onde receberam efêmeras apoteoses . O primeiro dêstes ídolos é o progresso . Da marcha evo­ lutiva da humanidade se fêz um conceito inteiramente falso . O homem, dizia-se, avança na história, pelas sendas de u1n ' progresso indefinido; o diag�ama dêste movimento poderia representar-se por uma reta ininterruptamente ascensional . O que para trás ficou não tem mais que um valor histórico; hoj e representa · um pêso morto, que nós devemos alij ar; que o presente se · desvencilhe do passado; a condição do progresso é a ruptura com a tradição . E a pedagogia de hoj e rompeu


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com a de ontem; a esta, chamaram desdenhosamente pedagogia tradicional, rotineira, envelhecida, rêmora a retardar a liberdade dos nossos movimentos para uma era nova . ' Visão precipitada e insuficiente das causas . Nas ciências há dois domínios nitidamente distintos : o das ciências da natureza e o das ciências do espírito . No campo da observa­ ção dos fenômenos naturais - física, química, anatomia, técnica, etc. - o progresso é função quase exclusiva do núme­ ro de observadores e de observações . Aqui é preciso estar sempre em dia : um tratado de física de 15 ou 20 anos j á hoj e é antiquado . O s que foram grandes mestres e m seu tempo conservam hoj e apenas um valor histórico . Nós os lemos - CoPÉRNrco ou KEPLER, LAVOISIER ou AMPERE, para assinalar os grandes marcos hi'�tóricos da evolução de uma ciência; nós lhes conservamos tôda a admiração e o . reconhecimento pelos serviços prestados à causa da verdade científica; mas j á nos não sentamos à sua escola; foram, já não são mestres .

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Há, porém, outro domínio muito diverso das ciências positivas : é o das ciências do espírito . Aqui o progresso não é função principal do tempo; o que decide do valor de uma obra é o gênio do seu autor, é a profundeza dos seus conhe­ cimentos da nossa vida interna, da nossa alma ; é a capaci­ dade de discernir, sob a superfície das aparências que pas­ sam e mudam, a natureza humana no que ela tem de essen­ cial, eterno, imutável . Por isso na religião, na filosofia, no direito, nas artes, na pedagogia a tradição não tem só o valor de história do que j á se foi, mas ainda o de ensino vivo do que deve ser . Os mestres nestas disciplinas do homem não se sucedem, eliminam-se ; superpõem-se, completando-se . PLA­ TÃo e ARisTÓTELES continuam a ensinar-nos filosofia ao lado de S. AGOSTINHO e S. TOMÁS; LEIBNIZ e KANT não, suprimem DESCARTES e BACON. HOMERO e VmGÍLIO sobrevivem ao lado de DANTE e de GoETHE. Nos monumentos de Atenas e de Co-


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rinto como nas obras de MIGUEL ANGELO e RAFAEL vamos ainda educar o nosso sentimento estét�co, admirar a harmo­ nia das linhas, a tonalidade das tintas, a proporção das cau­ sas . Porque temos BOURGET e DosTOIEVSKY não deixamos de aprender os refolhos e as complicações do coração humano em GoETHE e SHAKESPEARE . Todos êstes foram e são mestres ainda que separados por intervalos de séculos e milênios . Em todo êste imenso domínio, no qual entra também a pedagogia, a tradição não só continua como méstra viva que quer e deve ser escutada mas é ainda a cláusula necessária do verdadeiro progresso . Triste e mesquinpa concepção esta que faz da ruptura com o passado a condição de vida para o presente e de salvação para o porvir . Neste corte do fio que nos liga às gerações mortas vêem um enriquecimento, onde na realidade não há mais que uma dilapidação temerária que nos empobrece . O que é �· sociedade no espaço, é a tradição no tempo . A Comunhão dos contemporâneos amplia-nos o campo visual opulentando a nossa experiência que é um só com a experiência dos que vivem ao nosso lado e são muitos. Sem esta solidariedade no trabalho, seria a esterilidade do isolamento . A tradição alarga-nos desmesuradamente os . be­ nefícios desta sociedade das inteligências . Já não são só as vozes contemporâneas, são as vozes de todos os séculos que nos vêm trazer a sabedoria de suas experiências. Êste con' tato benfazejo com os gênios de outras eras imuniza-nos contra um perigo que não é quimérico : a ditadura da moda, o despotismo da geração atual . O nosso século tem as suas paixões, sente a fascinação de influências efêmeras e natu­ ralmente reveste-as com o título sedutor de "progresso mo­ derno," de "conquistas da ciência" . Corrig�-lhes os desvios, temperar-lhes os excessos, com ampliar no tempo o campo de observação, é uma verdádeira benemerência científica . O isolamento de cada geração das que a precederam é que é � verdadeira morte do progresso ; a condenação a um r eco-


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mêço indefinido . Um exeJll.plo . Ainda há 20 anos escrevia DURKHEIM da pedago gia de SPENCER : DURKHEIM : "ESta teoria de SPENCER nunca foi praticada JX>r nenhum povo conhecido ; ela não passa de um desiderato pessoal." (Regles de la Ml'>[hodologie sociologique, Alcan, 1 907, p . II. ) Ora, notai, há 30 ou 40 anos SPENCER tentava a sua refor­ ma pedagógica em nome da ciência positiva; queria ser um pedagogo dos fatos e "foi parar no país da Utopia" (DE HoVRE, II, 4, 7) . Hoj e j á se vai dizendo mesmo de DURKHEIM que há 5 lustros vem exercendo sob o laicismo francês a sua influên­ cia ditatorial . Muito m�is larga e compreensiva é a pedagogia católica . Sem renunciar a nenhuma inovação que se imponha em nome de um progresso - real, ela não rompe os contatos com o passado . A sua experiência é mais ampla; a segurança dos seus fundamentos mais consolidada _ pela _prova dos séculos . . Ouvi como DUPANLOUP j á há muitos_ dec&nios exprimia esta atitude sensata : DuPANLOUP : "Se importa não imobilizar, ou prender a ' educação na rotina, se pelo contrário é necessário estudá-la setnpre para melhorá-la, fortificá-la, torná-la mais e mais efi­ caz e fecunda, convém .também nos acautelarmos contra as inovações temerárias, que vão quebrar .a o_bra dos séculos, cal­ car aos pés as experiências do passado e lançar, neste grande trabalho da educação, as perturbações mais . tempestuosas . O que a sabedoria das idades consagrou, o que a natureza das cousas, que deve ser aqui a regra suprema, exige e impõe , convém respeitar profundamente combinando-o, sem o des­ truir, com o que podem exigir as necessidades novas, a mar­ cha dos tempos, os progressos do espírito humano e as trans­ formações sobrevindas à sociedade. " (L . H . E . I . III, p. 566.) É uma visão mais compreensiva e j usta da história, co­ laboradora indispensável de todo progresso estável e verda-


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deiro . Fora daí, revoluções destruidoras, renovação perpétua de tentativas efêmeras ! Outro ídolo, cuja queda j ustificou a pedagogia católica, foi o psicologis1no . Durante alguns decênios a pedagogia ficou quase intei�amente reduzida à psicologia e esta à psico­ técnica ou psicologia experimental de laboratórios . E como os antigos não usavam dinamômetros nem faziam inquéritos proclamou-se a pedagogia tradicional - apriorista, dogmá­ tica, verbalista, paroleira, arquitetada na inconsistência das nuvens sem fundamento sólido na realidade das cousas . Era mister construir uma pedagogia experimental que deveria começar fazendo tábua rasa de todo êste passado inútil . l\.1:as . . . a psicologia experimental entrou em crise . Hoj e as grandes correntes psicológicas rumam para outros hori­ zontes . É a psicologia do personalismo de STERN (Psychologe und Personalismes) e MAx ScHELER; é a psicologia da forma ( Gestaltpsychologie) de WERTHENINER, KOh"LER e KOFFKA; e a psicologia da estrutura que lhe é aparentada de DILTHEY, SPRANGER, LILT, NOHL, FISCHER; é tôda a corrente psicanalítica FREun, YuNG-AnLER. Não deixa de ser também significativo êste fato : de quando em 1929 se celebrou o seu 25 aniversá­ rio de fundação, a Gesellschaft für experimentelle Psycho­ logie resolveu modificar o nome supri:n indo o experimentaL -

Todo �ste movimento convergente de reação çontra a psicologia dos laboratórios concorda em denunciar-lhe o ca­ ráter analítico exagerado, a esterilidade prática, o desconhe­ cimento da verdadeira realidade psíquicá, que é uma unidade viva; uma totalidade inscindível .

Professôres e sociólogos, psiquiatras e diretores de cons­ ciência, governadores de povos e reformadores políticos, con­ fessaram unânimes a inutilidade quase completa dos conhe­ cimentos de laboratório no exercício real de suas funções . Não é lidando com aparelhos de precisão que se aprende .a conhecer os homens . Um sábio que manejou por anos e anos


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" complicação dos aparelhos psicológicos, poderá ser um pés­ simo professor; e ótimo pedagog.o encontraremos em quem não sabe · medir o limiar diferencial de uma sensação . Mais aprende da verdadeira psicologia humana, viva, real, con­ creta, quem durante um ano se aplicou seriamente a corrigir um defeito do (\Ue quem tem uma dezena de manuais de psi­ cologia . Mas, ouçamos estas críticas dos lábios dos psicólogos e pedagogos modernos . . . �'Nos problemas fundamentais da vida da alma, os ver­ dadeiros empiristas competentes só se acham entre as gran­ des almas, que viveram os fatos da vida psíquicc;t - lutas e vitórias ___;_ e que portanto se acharam em condições de basear no contato mais íntimo com os fatos os seus juízos sôbre a vida da alma . Nenhuma ciêncip. de laboratório se acha em estado de despe1�tar o nosso conhecimento de nós mes1nos com · tanta segurança quanto os dados dêstes psicólogos expe­ rim€ntados no verdadeiro sentido do têrmo . . . Raras vêzes a juventude foi tratada de modo tão antipsicológico como pe­ los apóstolos da psico-experimental.',. (Di: HovTE , I, p . 338) . SPRANGER : " A pedagogia experimental ._ é o simples estudo das vias e meios como se soubéramos com certeza onde está o fim . É esta estreiteza da pedagogia que combato. Pode fiar-se o linho sem saber donde vem nem para onde vai o produto obtido . Mas a educação não é um trabalho de usina." WIL!.MANN : "A vida psíquica não se revela senão quan­ do se considera como um todo, quando pod_e ser abraçada do · alto . A observação e experimentação que investigam as minúcias deve associar-se o projeto superior que, do ponto de vistá dos destinos do homem e dos problemas funda­ mentais da vida, irradie sôbre o .' labirinto de nossa vida inte­ rior. A vida da alma consiste em que a alma vive de alguma cousa. Registra� simples atividades psíquicas é ridículo e acaba eliminando a alma." (DE HoVRE, p . 328.) "Em HOMERO e SHKESPEARE O j ovem colherá mais CO... nhecimento da vida da alma do que em todos os nossos


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manuais de psicologia. O mesmo se passa em sociologia e moral : HoMERo e HERónoTo, a Bíblia e as lendas da época heróica, os resumos históricos e as relações de viagens pro­ duzem no estudante muito mais e.feito que os "Elementos de Sociologia e Ética" de SPENCER. PAULSEN : "Conhecimento pedagógico dos homens ·em oposição à nossa psicologia expe­ rimental científica - eis o que atualmente se exige do edu­ cador. " (Dr . H . NoHL. DE HOVRE li, p . 40 1. ) Desta viravolta da mentalidade, dêste contato mais vivo com a realidade por parte de uma pedagogia hipnotizada pelo experimentalismo psicológico, beneficiou a pedagogia católi­ ca, que longe estava de aparecer como apriorista e dogmá­ tica e começou a ser encarada e estimada no seu j usto valor, de profundamente conhecedora da realidade humana . Ela se conservará sempre em contato com a vida concreta e posi­ tiva; e os seus mestres avultaram como finos observadores da alma humana nas suas ·mais recônditas profundezas .

Com isto não queremos afirmar que a psicologia exp e­ rimental não tenha a sua razão de ser nem preste à pedago­ gia serviços reais . Fôra o exagêro no sentido oposto . O que se obteve foi reduzi-la ao seu .papel, verdadeiro, - muito mais modesto do que j ulgavam a princípio os seus panegiristas de -ciência subsidiária da educação, ao lado da anatomia, da higiene, etc A psicologia experimental permitira conhecer melhor alguns elementos psíquicos da criança, distinguir mais positivamente os normais dos anormais, demonstrar a superioridade técnica de certos rnétodos . Mas daí a invadir todo o domínio da educação e constituir o fundamento exclu­ sivo de uma "pedagogia experimental" vai um abismo que a natureza · das causas, posta em relêvo pela clarividência das inteligências mais perspicazes, não permite transpor com tanta facilidade . Outros ídolos adorou também a pedagogia moderna que agora já começa a queimar : sobrestima da técnica ; super­ intelectualismo; exclusivismos unilaterais, metodomanias e outros . O tempo não nos permite estudá-los por miúdo . ..


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O resultado dêste movimento crítico foi sentirem melhor a necessidade de uma reforma ou restauração pedagógica de grande estilo . Por todos fale STANLEY HALL . STANLEY HALL : "Apesar de todos os nossos professôres e professôras, apesar de todos os nossos programas e lições, apesar dos nossos milhares de livros e manuais, em muitos · domínios sob vários respeitos a pedagogia superior está morta entre nós . gógica . . .

Vivemos em s·éculos de obscuridade peda­

Precisamos de uma grande, de uma vasta Renas­

cença pedagógica . . .

Até agora nos limiitamos a estudar

a .

história da pedagogia por causa de minúcias práticas ; hoje devemos concentrar-nos sôbre as grandes idéias que foram a al.ma das épocas clássicas." p . 19 . )

(Educational Problems. II,

A esta aspiração, nascida espontâneamente de tantas esperanças falidas, de tantas decepções dolorosas, de tantas tentativas malogradas, corresponde maravilhosamente a pe­ _ rene vitalidade da pedagogia católica . Xambém aqui vale o texto evangélico : Vos estis sal terrae . Em filosofia como em sociologia, em pedagogia como em moral, as paixões desvai­ ram freqüentemente a inteligência; pululam os sistemas, que se apresentam, sob o rótulo de modernidade, como panacéias infalíveis; sucedem-se ràpidamente na sua inconsistência uns aos outros; à realidade indestrutível não se adapta o seu arti­ ficialismo, mas, no entanto, os resultados funestos das expe­ riências temerárias multiplicam as dores e sofrimento, o mal­ · -estar . Quando a lógica incoercível dos fatos deduz as última conseqüências dos desvios da inteligência, quando de novo o bárbaros batem às fronteiras da civilização - venham d fora ou de dentro, pouco impo�ta, - sente-se então mais viv a nostalgia da Igrej a . Na corrupção ambiente ela guardar incontaminado o sal :rreservador; enquanto subiam as águ do dilúvio ela fabricava a arca salvadora . No campo da instrução, sirva de estímulo ao vosso tr balho esta certeza de sermos depositários de um capital ped


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gógico de valor inestimável, de colaborarmos para um verda­ deiro renascimento, segrêdo do progresso real e humano das almas. Que a consciência, porém, de uma superioridade incon­ testável não degenere em vaidade fátua mas seja uma per­ cepção mais viva dos deveres que nos impõe esta responsabi­ lidade . Deveres antes de tudo de um conhecimento sério da pedagogia católica . Estendemo-la com afinco e com amor; familiarizemo-nos com os seus grandes mestres antigos e nrodernos - que os há numerosos e de primeira plana em todos os países ; não sej a caso pensarmos ser pedagogia cató­ lica a primeira idéia que nos cruza pela cabeça ou os desa­ certos que se cometem em escolas católicas. A nossa pedagogia não é feita de ignorância, mas de estudo; não se defende com boas vontades superficiais mas com razões sólidas e .profun­ das . Deveres ainda, e principalmente, de incansável aperfei­ çoamento moral . Esta é talvez uma das notas mais caracte­ rísticas da educação cristã. Nós não nos fiamos tanto do mecanismo da técnica ou da multiplicidade dos métodos quanto da elevação da personalidade . A educação é o com­ plemento da obra criadora. Deus só tira a alma do nada e dá-lhe existência, mas para levá-la à perfeição de sua natu­ reza pede a colaboração do homem, e o homem que presta a Deus a dignidade de sua cooperação é o educador . Ora, uma pessoa não atua profundamente sôbre outra pessoa senão pelo seu valor moral . As idéias que triunfam, as idéias que se trans� item são as que mostraram a sua potência criadora transformando primeiro os seus aderentes . Não é burilando frases, é cultivando virtudes que nos preparamos para o de­ sempenho desta elevada função de formar almas na família, na escola, na sociedade . Na proporção em que conquistarmos o domínio de nossas paixões, em que vencermos o nosso egoís­ mo, ém que estabelecermos a nossa vida interior na paz, na unidade, na sinceridade da dediçação, no amor eficaz dos


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bens superiores, crescerá em nós a energia pedagógica . É árdua esta responsabilidade : mas não se faz nenhum bem verdadeiro senão a preço de sacrifícios . Desta lei divina de fecundidade da vida cri�tã, E . LESEUR achou um� fórmula singularmente feliz. Tôda alma ·que se eleva, eleva o mundo. Traduzi-a também de outro modo e será igualmente verda­ deira : Tôda alma - e só ela - que se educa educará o mundo . ..

Rio, 22-III-931 .


AS RESPO·NSABILIDADES DO EDUCADOR Associação d e projessôres católicos. I

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O v_alor profissional dos pro,fessôres depende em grande parte do seu valor humano . O cristianismo desenvolvendo a perso­ nar dade moral eleva o educador . Ser bom .

li

Irradiar o bem . Ação social do professor . Pedagogia moderna : progresso material . Ausência de ideais . Deveres cristãos do professor : enformar o progresso material pedagógico com o ideal cristão . No Círculo Católico, 14-X.-931 . -

A . M . D . G.


Abaixo dÓ sacerdócio não há outra carreira humana em que o exercício da atividade profissional sej a tão intima­ mente condicionado pelo valor pessoal do homem, como o �agistério ·

.

Nas outras profissões a capacidade técnica pode asse­ gurar um êxito pelo menos parcial até certo po1;1to indepen­ dente da estatura humana do profissional . No educador não é assim . Nêle se requer a foqn ação especializada da sua função �- ciência da disciplina que ensina, conhecimento da psicologia da criança · a quem ensina e da metodologia didá­ tica de quem ensip.a - mas sôbre tôdas estas exigências prima a de uma vida nobre e !rrepreensív.el, capaz de moldar _ as existências novas à sua imagem e semelhança . Sem esta condiçã o essencial poderá ser ·. quando muito umJ explicado r regular nunca será um educador perfeito . A educação é de sua natureza um processo vital ; uma comunicação de vida a vida ; é o complemento natural da obra criadora de Deus ; _ é a paternidade das almas . Ora tôda transmissão da vida obedece )fi uma lei geral pelo qual o ser vivo não transmite senão o que é e o que possui . Apli­ cada à pedagogia, esta lei ressalta a influên�ia da persona­ lidad� do educador no desempenho de sua missão forma­ dora de homens . Não é tanto d·o · material didático, da es­ colha de livros, da elegância arquitetônica do� locais esco­ lares que depende o essencial da ·educação ; é principalmente do homem que está à frente de todo êste material inani­ mado. Tal escola, tais alunos ; e tal professor, tal escola. Fortes creantur jortibus, HoRÁCio; não ensinará a bem pensar senão quem se habituou a disciplinar na ordem e


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na clareza o próprio pensamento; não formará caracteres . fortes, enérgicos, íntegros senão quem, a preço de muito es­ fôrço, conquistou o domínio de si mesmo e assegurou a li­ berdade da virtude sôbre a anarquia das paixões que tira­ nizam . Homens de bem, só os formará um homem de bem . Pelo que é, infinitamente mais do que pelo que sabe, ou pelo que diz, exercerá o mestre a profundidade de sua in­ fluência educadora . Daí, a importância para um país da formação moral e h umana dos seus professôr.es, e para os professôres a gra­ vidade excepcional do dever, que lhes incumbe na consciên­ cia de trabalharem para transformar a própria vida numa obra-prima de perfeição irrepreensível . Professôres que se elevam para elevar mais alto, que se educam continuamente para educar mais eficazmente as existências novas, plásticas, instintivamente imitadoras, con­ fiadàs às suas resporrsabilidades - eis o ideal a atingir . Falando . numa assembléia católica : é mister acentuar a fôrça santificadora que nós possuímos no conhecimento profundo e na prática sincera das riquezas investigáveis do nosso cristianismo ? Que outra coisa é a mensagem. de Cristo senão êste sursum (para o · alto ! par.a o céu ! para Deus ! > in­ timado à humanidade como a mais nobre de suas aspira­ ções, e o mais indeclinável e urg.ente dos seus deveres? Ser cristão é trabalhar incessantemente na reforma de si mesmo; é desprender em cada homem a humanidade na sua pureza original1 qual saiu das mãos . criadoras de Deus, das decadências tôdas com que a degradou o p ecado ; é copiar ·em nós, como é possível, os esforços da nossa fraqueza, a imagem perfeita do Homem ideal, de Cristo Jesus . Na tpesma medida em que nos esforçarmos para rea­ lizar a nossa vocação cristã, ttabalhamos também para formar esta personalidade, humana, nobre e sincer� · que constitui a al!Illa do. educador . O domínio de suas tendên. cias inferiores, a caridade, a paciência, a dedicação, o amor

·


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o respeito da criança, o desejo desinteressado de ser bom, a mortificação continuada do próprio egoísmo em tôda a variedade multiforme de suas manifestações - são a um tempo as virtudes específicas do cristão e do mestre . e

E sem que eu vos diga explicitamente, já, por vós infe­ ristes a primeira das finalidades da Associação de professôres católicos . O primeiro alvo que com ela visamos é intensi­ ficar a nossa vida cristã para valorizar a nossa atividade profissional . Os primeiros e naturais beneficiários da socie­ dade serão os seus :rr.r:�embros . Assistência econômica, entrea­ j uda social, formação técnica por meio de conferências,

cursos, bibliotecas, revistas, tudo isto com o tempo espera­ mos poder-lhes-á >assegurar a associação desenvolvida; mas acima de tudo - porque nós C?-tólicos somos os respeita­ dores intrans igentes da hierarquia essencial dos valores hu­ manos - acima de tudo esperamos constituir na nossa asso­ ciação um ambiente moral e religioso que nos permita esta elevação contínua das nossas aln?-as para uma vida melhor, miais pura, mais cristã . Por natureza somo s, em tôdas as nossas atividades, sociais, isto é, precisamos da sociedade e nela devemos desenvolver harmon�osamente tôdas as nossas virtualidades. Por que, pois, na vida religiosa e cristã, nos havemos de isolar como bólides q:ue descrevem num ins­ tante a sua traj etória luminosa, irr e gular e efêmera, quando .. nos podemos reunir em gran des constelações, e na harmonia . de leis constantes que asseguram a · regularidade dos movi­ mentos e a continuidade dos esplendores? Por · que não ha­ vemos de pôr a serviço do nosso aperfeiçoamento moral e da nossa observação religiosa tôdas as vantagens da vida

so­

cializada : o intercâmbio de impressões, a influência conta­ giosa do exemplo, o estímulo das nobres emulações, o con­ fôrto da amizade humana e a solidariedade sobrenatural da graça, um dos aspectos mais belos do nosso dogma da co­ munhão dos santos?


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Facilitar aos professôres católicos o conhecimento e a utilização de tôdas as riquezas espirituais do cristianisnJO, subministrar-lhes os meios · mais eficazes para elevarem de dia para dia o nível de sua grandeza moral, dever supremo do educador - eis uma finalidade digna da associação nas­ cente . É a primeira; não é a única . Não basta ser bom ; é mister irradiar o bem . Ou melhor dito : a bondade é de sua natureza comunicativa, o bem que possui t�nde, numa efu­ são espontânea, a expandi-lo generosamente . Irradiar o bem é o corolário natural do ser bom . Ora não sei se haverá outra profissão que ofereça como a do educador em nossos dias um campo tão vasto de apos­ tolado social . Nunca talvez se falou tanto de pedagogia� nunca se pr:econizou tanto a necessidade de reformas peda­ gógicas como em nossos dias . Mas neste imenso movimento de idéias nem sempre os resultados coroam a grandeza dos esforços . E se eu vos falasse aqui de uma crise dq, pedagogia 11Wderna7 não fazia senão repetir uma averiguação que en­ contrareis nos lábios ou na pena de todos os grandes mestres . Para justificar a expressão que escandaliza os idólatras do moderno, bastará distinguir . Os equívocos são sempre funestos . A distinção das idéias é o primeiro fator da ni­ tidez do pensamento . "Ern tôda pedagogia há duas grandes questões a dis­ tinguir : a dos fins ou ideal educativo e a dos meios ou mé- . todos inculcados para a sua realiza_ção; se quiserdes, a alma e o corpo da educação . Constituem o corpo da educação ou o seu elemento material todos os instrumentos externos ou conhecimentos científicos de que se serve o educador para m.elhor realizar o ideal de sua vocação : a formação do ho­ mem . Neste campo indiscutivelmente a pedagogia moderna tem realizado progressos consola�ores . Ou, se quisermos falar com mais precisão, tem-se feito no domínio pedagó­ _ gico a aplicação vantajosa dos progressos de outras disci-


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plinas : higiene, medicina, psicologia . Os locais escolares : amplos, arejados, alegres ; os gabinetes, museus, laborató­ . rios bem apetrechados para facilitar a aplicação do método intui tivo ; os alunos, fisiológica e psicologicamente melhor co­ nhecidos, podem ser orientados, com mais segurança ; pre­ vinem-se males possíveis ; corrigem-se ou atenuam-se ano­ malias hereditárias, aproveitam-se e dirigem-se melhor as vocações discernidas a tempo com mais acêrto . Quem ne­ gará a realidad e de todos êstes progres·sos incontestáveis? Quem não saudará com entusiasmo tôdas estas conquistas da ciência para a formação de uma humanidade melhor? Não nos deslumbrem, porém, os esplendores destas exteriori­ dades . Tudo isto não é educação, como o corpo não é o ho­ mem se o não vivificar a aJ..n:a . À alma da educação, a sua finalidade essencial e superior, é a formação do caráter, da vontade, da consciência, de que constitui a dignidade espe­ cífica do homem . Tudo o mats não passa de simples meio ou instrum ênto nas mãos do �ducador. Que importam êstes palácios escolares, construídos segundo tôdas as exigências estéticas de arquitetura e profiláticas da higiene, se · dêles nascem consciências infiéis aos seus deveres, vontades es­ cravizadas ao vício, candidatos à delinqüência precoce? Que grande yantagem haverá em ro"t?ustecer os organismos para pôr ao serviço do crime músculos mais enrij ados, enriquecer as inteligências de conhecimentos para multiplicar os ins­ trumentos de uma malícia mais refinada? Bem outro, senhores, é o fim da educação . Nesta imensa riqueza material da pedagogia é precis� infundir uma alma formadora de homens. Tôda escola que não desce até ao âmago das consciências para aj esculpir as grandes linhas diretrizes da atividade humana é uma escola vitalmente mu­ tilada; poderá instruir ·inteligências, não formará homens . E ao âmago das consciências não é possível descer, com luz que ilumine, com motivos eficazes que estimulem, sem um concepção da vida, sem um ideal . E eis a origem profund


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desta crise da pedagogia moderna que se divorciou do cris­ tianismo . "Não possuímos um ideal educativo, exclama EucKEN, e sem ideal educativo tôdas as reformas são con­ denadas ao fracasso . " FoRSTER_, STANLEY HALL, SPRANGER ' não falam diversamente . "Para restituir às nossas escolas a sua eficiência disci­ plinadora de vontades enérgicas, viris, é mister operar na . pedagogia que a enforma uma revolução conservadora, é mister rebatizá-la . Em matéria pedagógica (STANLEY HALL) a Igrej a Católica tem muito mais que ensinar do que apren­ der dos que se acham fora do seu grêmio." Nós possuímos um ideal, um; .ideal da vida e do homem, um ideal de Luz e de Fôrça, de verdade e de bondade . E aqui às perspectivas da nova associação se entreabre, em tôda a sua grandeza, a grande missão regeneradora, em que se pode . cifrar a segunda das suas finalidades essen­ ciais : reintegrar na nossa pedagogia - porque nós brasi­ leiros mais talvez que nenhum outro povo sofremos as con­ seqüências funestas e desmoralizadoras do laicismo escolar · - reintegrar na nossa pedagogia a influência profunda, sa­ lutar, insubstituível do cristianismo . Não rej eitamos nenhum dos progressos mais modernos da ciência - alrrias plena­ m;ente abertas a tôdas as conquistas da verdade; mas não toleramos que sob pretexto de não sei que :modernidades, pedagógicas ou jurídicas, se fechem às crianças as páginas do Evangelho, se eclipse a almas batizadas a visão de Cristo, se arranque à consçiência humana o único Necessário de que ela nunca poderá prescindir, Deus . Eis, meus caros, sem artigos ou parágrafos de estatutos, - mas nas linhas gerais de grandes pensamentos orienta­ dores, os objetivos supremos que vos inspiraram a fundação rica de esperanças e promessas que aqui v.emos . E uma pe­ quenina semente; Deus há de abençoá-la . Tem irmãs 11?-ais velhas em, todos os países do mundo e em alguns Estados


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do Brasil; delas espera o prestígio do seu apoio ; a elas ofe­ rece o esfôrço leal de sua fraterna colaboração. Vamos trabalhar juntos para um Brasil melhor . Nos contrastes de fôrças adversas que se empenham, mais que em qualquer outro teatro de luta, é na escola que se fere a peleja capital que decidirá do futuro dos nossos destinos, é sôbre a alma da criança que co�vergem os esforços su­ premos . Quem conseguir plasmar nas suas mãos o maior . núm ero de almas novas, será o senhor da sociedade e do mundo civilizado de amanhã . Nós que deploramos profun­ damente esta luta do mal contra o bem, aceitamo-la, porém, sem hesitações nem covardias, pela nossa dedicação incon­ dicionada aos direitos soberanos e imprescritíveis de Deus, · pelo amor imenso que consagramos às almas remidas com o sangue de Cristo . Corona mea et gaudium meum, minha coroa e minha alegria, clamava S. PAULo aos seus queridos neófitos . Para o educador cristão , que também é apóstolo, _ não deve haver maior consolação �o céu - porque não h á mais perfeito cumprimento d e seu dever n a terra - do que levar à plenitude feliz dos seus destinos eternos as alminhas em botão ou em flor qu� a divina Providência um dia lhe confiou à solicitude de seu zêlo e às dedicações inesgotáveis de seu amor . ·


SóBRE O MANIFESTO EDUCACIONAL Na efervescência 'de idéias e sentimentos que se agitam tumultuàriamente nesta quadra atormentada da nossa vida nacional, alguns pioneiros da escola nova julgaram oportuno atirar à opinião pública um vasto programa de "construção educacional no Brasil" . Entre os seus signatários lêem-se al­ guns nomes revestidos da autoridade inseparável de quem já desempenhou funções de altas responsabilidades no país . Dêstes, sinceramente, esperávamos maior ponderação nos j uízos e consciência mais nítida da gravidade de atitudes assumidas . O que de fato para logo impressiona o leitor é a aliança híbrida entre as justas reivindicações da escola nova e as injustas e injustificáveis pretensões de uma política escolar inspirada no radicalismo dos• princípios mais subversivos . É êste o desacêrto fundamental de que se originam as contra­ dições imanentes que, de cabo a cabo, desvirtuam o longo documento . Nada mais fácil do que evidenciá-lo em um ou outro ponto dos muitos que se poderiam submeter à análise de uma crítica serena e imparcial . Na questão das relações entre a família e o Estado quan­ to ao seu · direito de educar, o manifesto toma nitidamente posição em favor do Estado . A educação é uma das funções de que a família se vê despojada . . . para se incorporar defi­ nitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Es­ tado? Se ainda só nos fala em c�laboração da família é mais por uma medida de oportunidade nas transições do que por


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convicção de princípios estáveis que condicionam a vida so­ cial . Que razão, de fato, alega em favor desta abdicação imposta à família da mais alta e mais nobre de suas funções? "Do direito de cada indivíduo à sua educação integral decorre logicamente para o Estado o dever de considerar a educação como uma função social e eminentemente pública." 1 Em outro lugar, qualifica-se de "biológico" êste direito à educa­ ção integral . Ora, se dêsse "direito biológico" decorre lógica­ mente para o Estado o dever de considerar a educação como uma função pública, não tem outrossim cada indivíduo direito e "direito biológico" ao sustento da vida, à sua indispensável alimentação cotidiana? "Decorre:r;á" porventura logicamente do govêrno o dever de pr;over, por si, como por desempenho de uma função pública, à manutenção de todos os cidadãos? É o princípio do mais radical absolutismo . É o Deus-Estado, o Leviatã monstruoso, devorador insaciável de todos os direitos . individuais, confiscador insaciável de tôdas as liberdades mais intangíveis . É o Estado-cozinheiro, o Estado-industrial, o Estado-comerciante, o Estado-agricultor, o Estado-mestre­ -escola. É o comunismo todo nos flancos de um dos seus prin­ cípios mais venenosos . E quando pensamos a que se reduz na prática o Estado, resumido quase sempre a um pequeno grupo de detentores dos pontos estratégicos do poder, treme­ mos pela sorte de um povo cuj a educação, no q� e ela tem de .

1 Neste movimento de expoliação progressiva dos direitos da família em benefício do Estado, seguido pela gratuidade e obrigato­ riedade do ensino, temos o caminho aberto ao mmiopólio educativo com tôda a odiosidade dos seus caracteres de opressão das lib�rdades individuais . A p�lavra "monopólio", porém, não aparece no mani­ festo . É uma tática que coincide com a precaução aconselhada recentemente pela Maçonaria : "A palavra monopólio soa desagra­ dàvelrnente aos ouvidos de I . I . em vez de simples monopólio de Estado querem êles a nacionàlização do ensino com tôda a organ1z�ção que êste título comporta . "Couvent du Grand- Orient, 1924, p. 12 1 ; e à p. 132. 3 : "Monopólio, êste têrmo nos fêz mal . Preferimos a nacionalização."


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mais profundo e delicado, fica assim entregue à oposição le­ gal de tôdas as violências e às oscilações e caprichos de tôdas as vicissitudes políticas . E esta doutrina mais que suspeita se nos inculca como uma reivindicação da escola nova ! Sim, da escola nova, qual a entende a Rússia . Outros povos, os que melhor conhecem e praticam os progressos da pedagogia moderna, afinam por outro diapasão . A constituição da Alemanha contemporânea, promulgada em Weimar, enuncia em fórmula lapidar, no seu art. 120 que "a educação física, moral e social da prole é dever supremo e direito natural dos pais, sôbre cuja exec�ção vela o Estado" . Aí está : a educação é função da família, sua fun­ ção natural e direito intangível . Aos poderes públicos com­ pete velar pela sua execução e, onde fôr mister, suprir as suas deficiências acidentais . A absorção dos direitos da família pelo Estado, a substituição de um órgão natural por um arti­ ficial, eis o que há de rnais antijurídico e antipedagógico . O que se ensina na Alemanha, repete-se nos Est?-dos Unidos . É de ontem ( 1925) a decisão do Supremo tribunal norte-ame­ ricano em que se lêem estas solenes afirmações : "A teoria fundamental da liberdade sôbre a qual repousam todos os governos da União exclui o poder geral do Estado de dar uma educação uniforme às crianças, constrangendo-as a aceitar a instrução só dos professôres públicos . A criança não é uma simples criatura do Estado . Os que a alimentam e lhe diri­ gem todos os destinos têm o direito, acompanhado do alto dever, de prepará-los para o desempenho de outras obriga­ ções." Por que não se inspiraram os "pioneiros da escola nova" na elevação e segurança destas doutrinas? Por que casar, em conúbio forçado e funesto·, o princípio de um abso­ lutismo liberticida com as conquistas benfazejas da psicologia educativa? Infelizmente, esta associação violenta de ele:q:1entos hete­ rogêneos, continua pelo documento a fora. Entre os princí­ pios sôbre que assenta a nova escola, "decorrentes da subor­ dinação à finalidade biológica (sic!) da educação de todos os


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fins particulares", incluem-se a laicidade, gratuitidade, obri­ gatoriedade e co-ed ücação . Cada um dêles abriria margem a críticas nuJ nerosas e bem fundadas . Examinaremos o primei­ ro : a laicidade . Preconizam-no como meio de "colocar o am­ biente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo dogmatismo sectário, "e de impedir a sua transfor­ mação em "instrumento de propaganda de seitas e doutri· nas." Raras vêzes, em tão poucas frase�, se falseou tanto a natureza do ensino religioso e se afirmaram tantas heresias pedagógicas . Como estas j á as havíamos encontrado em libelistas sem responsabilidades, apostados por fás e por nefas a combater a religião; num manüesto assinado pelos "pioneiros da escola nova", surpreendem-nos dolorosamente . Não; o ensino reli­ gioso não é um "instrumento de propaganda de seitas e doutrinas" . A escola não é um teatro de concorrência e de proselitismo que o Estado abre ·ou fecha arbitràriamente a esta ou àquela confissão religiosa uu ideologia filosófica. Não lhe assiste o direito, sem degenerar em opressor das consciên­ cias, de impor, compulsoriamente, aos educandos esta ou aquela concepção do mundo e, por isto mesmo, de converter a instrução públ�ca em instrumento de propaganda do laicis­ mo e do ateísmo. Eriformando a sua escola única, gratuita e obrigatória do espírito agnóstico ou mat�rialista, o Estado violenta as liberdades espirituais das famílias e, despotica­ mente, põe a organização de um serviço público, alimentado pela contribuição dos cidadãos, a serviço de uma idealogia, pelo menos, inconsistente, unilateral e exclusivista . Nunca se transformou tão a capricho a escola em "instrumento de propaganda de seitas e doutrinas." "O ensino religioso, a esco­ lha dos pais, é a única fórmula de respeito leal às consciên­ cias . Eis por que a moderna Constituição alemã, no seu art. 146 prescreve que, "em matéria de educação religiosa, se deve levar em conta, quanto possível, a vontade das pessoas às quais pertence o direito de educação". E a lei de 15 de julho


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de 1921 relatou no seu § 1 que : "Sôbre a educação religiosa da criança decide o livre acôrdo dos pais, na medida em que lhes assistir o direito e o dever de cuidar da pessoa da crian­ ça." Mais . Não só é falseada a noção genuína do ensino reli­ gioso, mas, com o preconizado laicismo, se introduz e se pro­ pugna uma política escolar em antagonismo completo com os princípios fundamentais da pedagogia que, segundo o pró­ prio manifesto, devem enformar a · escola nova . Sob diferentes formas se nos repete incessantemente que a educação é função necessária de "uma concepção da vida", que o educador deve ser "integral", a prepará-lo para a tota­ lidade da vida . Nunca se nos define explicitamente e sem rodeios qual a "concepção da vida" que norteia os pioneiros da escola nova e que êles pretendem impor ao Brasil inteiro de amanhã . O laicismo aqui inculcado ou nos dá a chave do enigma ou evidencia unia contradição imanente inevitável . Na nova concepção da vida não há lugar para Deus nem para a religião, eliminada sumàriamente como uma surperfluidade perigosa . A nova e insólita atitude tem, pelo menos, a vantagem de projetar novos feixes de luz sôbre a verdadeira finalidade do laicismo . Os seus primeiros defensores, para evitar cho­ ques violentos com a consciência religiosa, pregaram uma heresia pedagógica deplorável . O fim da escola era apenas instruir; ensinar números e letras era tôda a sua função ; não havia, pois, lugar para instrução espiritual . Formar re­ ligiosa e moralmente as crianças era dever, não do El3tado mas da família e da Igrei a; o lar e o templo, não a escola, eis onde se deviam transmitir os conhecimentos que interessam a vida das consciências . Em desespêro de causa, recentemente, foi esta a miserável atitude assumida por protestantes e positi­ vistas na sua oposição inconcebível ao decreto do ensina reli­ gioso . A escola nova em pedagogia j á fêz outros progressos, descobriu ou reaprendeu verdades esquecidas . A escola é um


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ambiente educador; a criança é um todo vivo e orgânico; im­ possível formá-la sem U!ma concepção da vida na totalidade das suas manifestaçõe� e exigências . Enxertar, agora, sôbre esta pedagogia o laicismo signüica declarar abertamente que laicismo, ateísmo, irreligião e materialismo são sinônimos perfeitamente reciprocáveis . Na "doutrina da vida organiza­ da" pelos nossos educadores, no "horizonte mental" por êles "ampliados", não há lugar nem para Deus, nem para a vida futura, nem para a religião . O Brasil de amanhã que deverá ser moldado na escola única, obrigatória e gratuita, é um Brasil ateu e irreligioso . Arquive-se a lição . Mais adiante, inculca ainda sensatamente o manifesto a necessidade de uma colaboração estreita entre a escola e a família na obra educadora . "Essas duas fôrças sociais . . . operavam de .todo indiferentés, senão em direções diversas e às vêzes opostas." O laicismo apregoado vem levantar uma barreira intransponível a esta colaboração e agravar o mal que se deplora . Entre essas " duas fôrças sociais" não se pode restabelecer a confiança e estr eitar relações", sem a conver­ gência de vistas na concepção da vida . A obra da educação escolar e doméstica não se pode realizar harmoniosamente se a criança não respira o mesmo clima na escola e no lar . Ora, nos nossos lares, a religião é uma realidade inegável . Deus não é um ausente ou um desconhecido, muito menos um desprezado nas nossas famílias . A . E:le sobem pela manhã e pela tarde as orações dos seus filhos; a E:le as lágrimas nos momentos das grandes angústias e dos sofrimentos profun­ dos . Quando não sempre na prática da vida, pelo menos na estima das inteligências Deus é o Absoluto, é o Princípio e o Fim, a Razão suprema do mundo e da vida . Quando as crian­ ças criadas neste ambiente passarem para a nova escola, en­ contrá-la-ão enformada de um espírito diametralmente o pos­ to . Aí "à finalidade biológica" se subordinam com fins par­ ticulares e parciais" tôdas as outras finalidades da vida ( "de cla�ses, grupos, ou crenças") . Não pode haver maior inver­ são de valores . Passa-se da religião para a idolatria . Lá Deus


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adorado; aqui adorada uma criatura e a ela subordinada tudo o m�is, Deus inclusive . Evidentemente, a ruptura é completa ; a unidade da educação, irremediàvelmente com­ prometida ; a confiança das famílias, para sempre afastada; as relações entre a escola · e o lar, em vez de estreitadas, con­ vertidas em antagonismos latentes e não raro e� hostilidades abertas . O novo manifesto é uma declaração de guerra per­ manente entre a escola brasileira e a família brasileira . Demos ainda um passo . Se há regime educativo em que a formação 'moral das almas assuma relevância primordial é precisamente o da escola ativa . Desenvolver o espírito de ini­ ciativa e de atividade é ao mesmo tempo impor-se o dever indeclinável de regulá-lo por uma educação cada vez mais apurada do senso de responsabilidade . Notou-o muito a pon­ to F. WEIGL, um dos admiradores mais entusiastas e dos propugnadores mais ativos da escola nova na Alemanha . Na nova pedagogia, que leva pela atividade pessoal à indepen­ dência pessoal, não devemos esquecer de "despertar a respon­ sabilidade ético-religiosa que constitui o fundamento de qual­ quer ação livre e independente.�' 2 Ora, a educação da vontade sabem-no todos, e lembra-nos recentemente outro dos gran­ des protagonistas do novo movimento, CLAPAREDE, consiste evidentemente em dar à criança ou ao adolescente um ideal bastante vivo para triunfar das tendências inferiores." 3 Ora, quais são os ideais que a experiência nos tem mos­ trado como bastante vivos para triunfar das tendências in­ feriores e dissolventes da personalidade? Ainda uma vez a palavra a um dos chefes da cruzada pela escola nova, AD. FERRIERE : "O dom de si a um ideal saúde das nações, progresso, raças, triunfo do espírito sôbre a matéria, consagração a valores religiosos, obediência ao imperativo da consciência ou à vontade de Deus - é a con- - ·� FRANsz WEIGL, Wesen und Zestaltung der Arbeitschule, 6.a edi­ Paderborn. 1931, p. 18 .

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ção,

3 En.

CLAPAREDE, L'éducation jonctionelle, Neuchatel, 1931, p. 180.


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dição sine qua non de dar um significado à existência e unir em feixe coerente tôdas as energias sãs da personalidade." 4 Não vamos aqui - fôra impróprio o lugar - estabelecer uma discussão psicológica acêrca do valor comparado dêstes dife­ rentes ideais, indicados por FERRIERE . Registramos apenas como entre êles ocupam lugar preponderante os ideais reli­ giosos . No Brasil, os da nova "construção educacional" assim não entendem . A escola brasileira será uma escola mutilada; o laicismo incoerente irá apagar no horizonte moral das futuras gera­ ções tôdas estas idéias superiores, tôda� estas aspirações ele­ vadas, todos êstes grandes ideais religiosos sem os quais não ' é possível "dar um significado à ex�stência nem u riir em feixe coerente tôdas as energias sãs ç.a personalidade". O alimento que se dará às almas será um terra-a-terra plasmado de "fi­ nalidades biológicas"; fecham-se tôdas as abertas que olham para o alto, para o calor, para. a luz, para o sol, para o céu; estancam-se inexoràvelmente tôdas as fontes superiores da vida . Os grandes ideais que alimentaram a dedicação e o he­ roísmo de CoLoMBo, de ANcHIETA e das nossas humildes irmãs de caridade; os grandes mananciais de vida moral que fecun­ daram vinte séculos de cristianismo e produziram o que há de mais belo na nossa civilização, extinguir-se-ão no plano regenerador de educação que deve replasmar o Brasil de ama­ nhã . E todos êstes exclusivismos estreitos, todos êstes unila­ teralismos acanhados, tôdas estas mutilações incompreensí­ veis em nome de uma reforma pedagógica que pretende ba­ sear-se numa concepção integral d a existência, firmar-se nas lições da experiência viva, integrar a atividade escolar na atividade social ambiente ! Ainda uma vez, a inserção vio­ lenta do laicismo quebrou as harmonias do conjunto e intro­ duziu no manifesto o desar de uma contradição imanente . �sses "princípios fundamentais da laicidade, gratuida4

AI>. FERRIERE, La coéducation de sexes, Genéve, s. d. p. 18.


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de e obrigatoriedade, continua o programa, foram consagra­ dos na legislação universal" . Aqui passamos do ilogismo nas idéias para a negação incompreensível da evidência dos fatos . O que a legis-lação quase universal consagra é precisamente a proscrição da lai­ cidade . A demonstração dêste assêrto ultrapassaria os limi­ tes dêste artigo . Esboçamo-la porém aqui quase com a bre­ vidade e a concisão de um índice . E para sermos mais atuais c contemporân2os lembramos apenas os países que, após a Grande Guerra, reformaram profundamente a sua constitui­ ção ou o seu regime escolar . Em 1 9 19 a Alemanha promulga a sua nova Constituição, considerada como um dos mais notáveis monumentos da ciên­ cia j urídica, e estatui no art. 1 49 que "a instrução religiosa é matéria ordinária do ensino nas escolas" . Em 1920 a Holanda -reforma o seu regime escolar e deter­ mina que o orçamento da instrução pública sej a proporcio­ nadamente distribuído entre as escolas abertas por iniciativa do Estado, nas quais o ensino religioso é . facultativo, segundo a vontade dos pais, e as escolas confessionais, exigidas p ela consciência religiosa d as famílias, e mantidas pelo erário pú­ blico no mesmo pé de igualdad e que as escolas oficiais . Em 192 1 , a Polônia, reatando a sua vida interrompida de nação independente, promulga a sua nova Con3tituição e no seu art. 1 20 prescreve : "Em todos os estabelecimentos de ' educação, cuj o programa comporta a formação de jovens abaixo de 18 anos e que é mantido total ou parcialmente pelo Estado ou pelas coletividades autônomas, o ensino religioso é obrigatório para todos os alunos . A direção e fiscalização dêste ensino pertencem à autoridade religiosa interessada, sob reserva do direito superior de inspeção que pertence às autoridades escolares do Estado." Na Polônia não se concebe educação sem formação religiosa . Na Itália, GENTILE, inspirado nas idéias da pedagogia mais adiantada, reforma o ensino em 1924 e reintroduz o


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ensino da doutrina cristã, "segundo a �arma recebida pela tradição católica" . Na Baviera, em 1925, o govêrno declara "garantir à Igre­ j a a vigilância e direção da instrução religiosa nas escolas elementais, médias e superiores" . KERCHEUSTERRIER, um dos grandes pioneiros da escola do trabalho, foi quem, em Munich, aplicou ao ensino os métodos da nova pedagogia . Na România, o govêrno declara em 1929, num documen­ · to oficial, que "A Igrej a católica tem o direito de dar instru­ ção religiosa aos alunos católicos em tôdas as escolas públicas e particulares do Reino" e declara tomar tôdas as medidas indispensáveis ao exercício livre dêste direito . A A ustria acaba de reformar tôda a sua organização escolar inspirada nos mais adiantados princípios da escola única : a religião é conservada, com caráter facultativo, em tôdas as escolas do Estado . Poderíamos percorrer, um por. um, outros países da Europa, em quase todos êles encontraríamos, - contra os postulados injustificáveis e antipedagógicos do laicismo - o ensino religioso ministrado nas escolas oficiais É o caso da Inglaterra, da Irlanda, da Bélgica, da Dinamarca, da Suécia, da Noruega, da Hungria,· da Tcheco-Eslováquia, da Grécia, etc. , etc. Mais ainda . Se passarmos do direito . público de cada nação p.. o mais moderno direito internacional, em cinco dos­ grandes tratados (Versailles (2.0) art. 9, Saint-Germain, art. 68, Neuilly, art. 55, Trianon, art. 6 1 , Sevres, art. 148) que se seguiram à conflagração mundial e regular.a o moderno equi­ líbrio político da Europa, encontramos firrriado o princípio que pr.e screve a atribuição proporcional dos orçamentos da instrução pública à manu.tençã_o de escolas confessionais exi­ gidas pelas consciências religiosas das famílias, ainda quan­ do constituem minorias . É o regime de repartição proporcio­ nal escolar de que a Holanda nos apresenta atualmente o modêlo mais acabado . Dêsses . grandes tratados post-bélicos foram signatárias 27 nações e entre elas o Brasil. .


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Diante dêstes fatos, como explicar a afirmação do mani­ festo de que o princípio da laicidade é consagrado. pela legis­ lação universal? O caso lamentável da Rússia e a legislação da inexperiente e violenta república espanhola, bastam por­ ventura para constituir uma universalidade que· se possa in­ vocar como argumento e modêlo? Esqueceram porventura os signatários do manifesto, muitos dos quais homens habi­ tuados aos rigores do trabalho científic o e às exigências de uma obj etividade escrupulosa, que a primeira condição de um documento sério é o respeito leal à realidade dos fatos? Por que ainda un1a vez a introdução forçada e artificiosa de princípios heterogêneos vem perturbar-lhes a serenidade su­ perior e imparcial e a harmonia coerente · de um programa que poderia ter sido um princípio de remodelações - benfazej as? Nestes têrmos, o seu efeito será contraproducente . Em· vez de cooperar para a ·unidade nacional será um agente de discórdias, suscitadas e mantidas pelo desrespeito às justas lib erdades espirituais acatadas na legislação de quase todos · os países cultos. Nenhum esfôrço leal para a imcom.preensão· de outras idéias e outras convicções, pelo menos tão dignos de acatamento como os expostos no manifesto . Em vez de u1111a educação moldada numa concepção integral da vida, a mutilação das realidades espirituais mais eficazes na orienta- · ção das consciências, o exclusivismo unilateral incapaz de · situar a escola na plenitude real da existência . Em vez de uma aproh.'i.mação efetiva entre a escola de um lado e o lar e a sociedade do outro, um isolamento do ambiente escolar envolvido numa atmosfera de estufa que não é certamente a que se respira na intimidade das famílias e nas relações da vida social . Sinceramente não se podia prestar maior desserviço à. causa da pedagogia nova do que solidarizar assim as conquis- · tas autênticas e benfazejas da ciência com os postulados de uma metafísica precária e mal segura e com as reclamações tumultuárias de uma política partidária e aventureira . _


O ENSINO NO BRASIL A· imprensa vem debatendo neste� últimos tempos a questão do valor do nosso ensino secundário . Variam os cri­ térios de apreciação e multiplicam-se as soluções alvit radas . A discussão, se bem orientada, s � poderá ser útil . O acêrto na diagnose do mal é a primeira co:pdição de uma terapêu­ tica eficiente . Mas é preciso encarar o problema com obj e­ tividade serena e compreensiva para colocá-lo nos seus verdadeiros têrmos . Antes de tudo não me parece justo falar de decadência do ensino . Quem diz decadência supõe um esplendor, em outras eras, de que nos precipitamos nos abismos de hoj e . Ora, por mais alto que remontemos no nosso passado não longo de nação independente, o que ouvimos são sempre acusações e recriminações cada vez mais acerbas e violentas . Leia-se, para �n ão citar senão grandes nomes, o que, do ensino no Brasil em seu tempo escreveram Rui B ARBOSA SÍLVIO RoMERO, GoNÇALVES DIAS . Numa série de artigos pu­ blicados no "Diário de Notícias", ao expirar da monarquia, verberou o grande Rui, com a sua pena acerada, todos os desmandos do telllipO , entre os quais "um sistema de su­ bôrno que é a derradeira expressão da decadência do en­ sino" . Onde, pois, êste antigo período áureo de nossa "ins­ trução de que o nosso, o contellljp orâneo, é apenas um su' cessor degenerado? Não há decadência ; o que tem havido - ainda que p � ­ reça p aradoxo - é progresso, não tão rápido nem tão subs­ tancial como desejáram.os, mas, ainda assim, progresso ver·

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dadeiro . Não se escandalizem os leitores . E:{aminemos realidade com olhos desanuviados de preconceitos .

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Em 1932 havia no país cêrca de 400 estabelecimentos de ensino secundário ; em 1 946, isto é, quinze anos depois,

1 . 183 . Durante 15 anos quase que triplicou o número . As nossas escolas secundárias foram surgindo, freqüentavam­ -lhe as aulas, em média, na razão de uma por semana, há três lustros, 56 . 208 alunos ; hoj e , mais de 2J)O . 000 . (Men­ sagem presidencial de 1947. ) Em outra s palavras, onde ha­ via 1 ginásio, em 1932 , hoj e há 3 ; para 1 brasileiro que então recebia instrução secundária, hoj e há 5! Com o número de estabelecimentos, aperfeiçoou-se a nossa rêde escolar . Há . 3 0 ou 40 anos, numerosos �stados da Federação n ã o possuíam ginásios senão nas capitais ; hoj e , num avançar vitorioso, os estabelecimentos de ensino super-primários vão conquistando,. um após outros, os centros urbanos mais importantes �o in­ terior . Ao inegável pro gresso quantitativo c ó rre de par uma melhoria de qualidade, também incontestável . Graças às exigências minimas para o reconhecimento oficial, os que conhecem de perto os professas de verificação dos ginásios e colégios podem afirmar, sem risco de êrro, que dificilmente se encontrará no Brasil um dêstes estabelecimentos de en­ sino que, nestes últimDs anos, não tenha aperfeiçoado con­ sideràvelmente as suas instalações .. didáticas, edifícios, gabi­ . netes, laboratórios e bibliotecas . Podemos até, neste ponto, apresentar, hoje , ao visitante estrangeiro, numerosos edu­ candários capazes de figurar, sem deslustre, em qualquer . das nações mais civilizadas do mundo . Mais ainda : á du­ ração do curso secundário elevada a 7 anos, m ínlmo dos grandes povos cultos, a seriação das disciplinas na regula­ · ridade dos currículos, a inspeção oficial, que, não obstante os seus inconvenientes e excessos burocráticos, tem contri­ buído para a r�gularidade das matrículas, da freqüência es­ colar, das provas de capacidade, são outros tantos . fatôres que vão imprimindo aos nossos estudos uma estrutura na-


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cional bem como uma eficiência que êle nunca possuiu nos anos dos regimes · de preparatórios ou exames parcelados . Tal é o panorama geral que nos oferece hoj e o n osso en­ sino secundário . Neste sistema escolar, que não é de todo condenável, enc.ontra:çn-se colégios ótimos, bons, medíocres e maus . Mas esta tão triste sina não é exclusiva nem do en­ -sino secundário nem dos estabelecimentos particulares . Exa­ minai as nossas escolas superiores : encontrá-las -eis também dignas de· lcuv:Qr e mereceÀoras de censura, entre as man­ tidas pelos poderes públicos como entre as oriundas da ini­ ciativa particular, a quem se deve a criação de quase todo o nosso sistema escolar . - Acha então v.a R.. a que não há motivo para alarmes e que o nosso ensino secundário satisfaz plenamente às suas finalidades? - Não, longe, bem .lÓnge disso . Quis apenas dizer que o mal de que sofremos não parecia bem diagnos­ ticado com a caracterização de "decadência" do ensino . Não, não decaímros, pelos motivos j á expostos ; pelo contrário, pro­ gredimos, avançamos, estamos hoj e numa situação melhor que a de nossos pais e avós . Mas progredimos pouco, não atingimos ainda um nível satisfatório . O nosso ensino se­ cundário que não decaiu, ainda é insuficiente . - �lll ais as causas desta insuficiência? Como remediá-las? - Aí está um problema complexo que merecia mais largo exame . Os limites de uma entrevista são manifestamente demasiado estreitos para uma análise obj etiva e menos la­ cunosa da importante questão . Aí vai, no entanto, à ma­ neira quase de índice, a enumeração de algumas causas que me p arecem exercer uma influência decisiva . Causas de · ordem geral : a penúria econômica que não permitiu ainda a governos e particulares investir no apare­ lhamento da noss a rêde escolar as somas avultadas que ela está a . exigir . A situação geral da sociedade, principal­ mente, nos grandes centros, com o afrouxamento dà disci­ · plina familiar, com a tentação poderosa de mil p assatempos para a juventude, com a preocupação exclusiva de possuir


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um diploma, a impedir a aplicação séria e a aten. ção atu­ rada nos estudos, são também fatôres cuj a ação funesta não há educador experim'entado que não reconheça sem he­ sitações . A estas associam-se outras causas mais. lntimamente r ga­ gadas com o probl ema educacional no Brasil . Antes de tudo, o professorado . Só há poucos anos é que nos convencemos pràticamente de que o homem destinado a formar outros homens, transmitindo-lhes o rico e variado patrimônio de uma cultura, precisa de um.a preparação profissional longa e acurada . A autodidaxia, aqui coiD'J em tudo o mais, é mãa . Para fecunda de desacertos e inexperiências desastrosas. obviar a êstes males fundaram-se, há pouco mais de um decênio, as faculdades de Filosofia . Mas os seus l icenciados, esperanças que iluminam os horizontes do futuro, são ainda ' bem jovens e não sobem a muitas centenas, enquanto os nossos · ginásios e colégios j á çcupam mais de 1 5 . 000 professôres. Tôdas estas conseqüências de erros passados não as elimina da noite para o dia uma reforma de ensino. Outros defeitos há no nosso regime eEcolar que um legislador prudente po­ derá corrigir com mais rápida eficiência . Quis parecer-nos que os nossos currículos estão sobrecarregados, que substituí­ mos um enciclopedismo indigesto a um desenvolvimento har­ m,oniooo das faculdades do a dolescente. que à formação pro­ funda e equilibrada do homem, patrimônio seu permanente, preferimos a informação memorizada, efêmera e superficial . B3tamos sobretudo convencidos de que o nosso c::nsino secun­ dário deve inspirar-se mais ampla e sinc � ra.m ente nas grandes tradições humanistas que plasmaram a nossa civ11ização oci­ dental . Há mais de três séculos - numa experiência j á bem longa e ainda não desmentida - por esta urientação organizaram o seu ensino secundário as nações que marcham à frente da cultura 1noderna : França, Inglaterra, Alemanha, Itália e Polônia, para não citar senão as maiores. Na nossa p etulância j uvenil quisemos corrigir-lhes a sabedoria peda­ gógica, de experiências feitas ; os resultados . . . aí estão . . .


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Como vê, al gumas causas da insuficiência do nosso en­ sino só irão desaparecendo com os anos . Há que pacien tar. Quando temos diante dos olhos a uma criança e a que_remos ver homem feito, resignamo-nos a esperar três ou quatro lustros . A evolução cultural, como a biológica, é orgânica � só se processa no tempo . Mas é preciso acompanhá-la de perto com intel�gência e solicitude a fim de orientá-J a no bom rumo e, onde possível, acelerar-lhe o ritmo do cres­ _ cimento. E . o papel da legislação sensata que sig st a reali­ dade, legislação bàseada na experiência, que não inove p elo gôsto de in.ovar mas retoque apenas o que a observação de­ monstrou ser menos eficiente, que aproveite as lições pas­ sadas e não multiplique as "reformas". que nada reformam, e muitas vêzes não fazem senão repristinar êrros passados. Só assim se consolidará a tradição sio nosso ensino secun­ dár�o, e uma tradição que vive e se renova na sua própria vida é o que chamamos progresso .


HUMANISMO E IDADE MODERNA

1

I

Conceituar com precisão e propriedade, nas estreitezas de umas poucas páginas, o humanismo e analisar-lhe as rela­ ções com a civiliz9.ção contemporânea na complexidade de seus problemas, é um desafio à prudência e quase à probi­ dade intelectual . E'Sforçar-nos-emos, pelo menos, por ba­ . lizar a região, indicando rumos e apontando direções que outros estudos e a reflexão individual poderão prolongar e aprofundar com proveito .

Oferecemos aos leitores de Verbum esta página inédita do 1 R . P E . LEONEL FRANCA, S. J . Representa sua contribuição para a "Semana de Hum�nismo" realizada em 1947 na Universidade Ca­ tólica . Nem omitamos a anotação que o autor acrescentou ao o ri­ ginal : "As páginas que se seguem representam apenas as primeiras notas de um estudo que não pôde receber a última elaboraçã,.o . Era idéia Assim são apresentadas e assim deverão .ser lidas . inicial tratar em d Ú a.s contribuições distintas o problema do Huma­ nz'smo

e

Idade

Moderna

e

Letras

dássicas

na

formação

huma­

Não sendo possível multiplicar demasiadamente . os assun­ tos, na segunda parte dêste ·trabalho se resumirão apenas alguns pr:ncípios gerais que poderão contribuir para o estudo da momen­ tosa questão pedagógica . Com esta condensação de dois temas num só estudo, se nenhum foi . esquecido, ambos foram um tanto sacrificados." VERBUM, dezembro de 1948 (tomo V fas . 4) . Comparar com O Ratio (parte está nesse livro ) .

nística.


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A própria noção de humanismo nestes últimos anos ampliou desmesuradam�nte as suas fronteiras . O term.o é re­ lativamente novo . PIERRE DE NoLHAC reivindica-lhe a pa­ ternidade. O seu Livro Petrarca e o Humanismo, publicado em 1892 , introduziu o vocábulo na língua francesa com uma significação visivel1 nente ligada à cultura, ao espírito, a todo o mov�mento artístico e literário do renascimento . Pouco a pou c o , porém, o substantivo sonoro se foi desligando semân­ ticamente de humani3ta e humanidades, têrmos mais anti­ gos, em cuj a parentela nascera, para aproximar-se mais de humano e homem e adquirir assim um. sentido universal . Nesta acepção, hoj e corrente, poderíamos esboçar a ten­ tativa de dar-lhe uma definição histórica. Encontraríamos o humanismo ·grego, que êles chamavam 1rcaóeí a , a formação do hmnem culto, do cidadão livre e m opd3ição ·ao ignorante, apedeuta, ao escravo, ao bárbaro . O humanismo romano, a humanitas, com que os l atinos traduziam ora o 1rGY LLEla , o�a o cpLÀ.aver.pw1rÍa , e designavam as maneiras distintas e afáveis, a sociabilidade fina do homem superiorm.e nte edu­ cado in bcnis artibus, que . repetia o verso imortal de TERÊNcro : sou homem, nada de hum ano n1e é estranho. O human:smo medieval o humanismo do renascimento, o humanismo mo­ derno. Defini-los por miúdo e caracterizá-los em 5eus ele­ mentos específicos é trabalho de erudição que deixamos aos historiadores da pedag-ogia . Das descrições históricas p oderem.os subir a uma defi­ nição filosófica, de r ealizações concretas a uma essência pura. Visto desta eminência, o humanismo aparece-nos como a formação do homem, a estruturação de uma cultura, de acordo com o tipo ideal de humanidade. Seu alvo é desen­ volver harmoniosarr.ljente no indivíduo todos os elementos essencias que lhe integram a natureza e enriquecer orgâ­ nicamente a sociedade de todo os valores indispensáve!s à plena e livre expansão dos que nela vivem . A natureza humana é rica e c-omplexa ; é corpo e espírito; é tendência. para a Verdade, para a Justiça e para a Be.

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leza , é inteligência e imaginação, vontade e sentimento . Formar o homem todo é proporcionar-lhe a oportunidade de sua realiz ação comtpleta em tôdas estas direções : discipli­ nar-lhe a razão na conquista da verdade, afeiçoar-lhe a von­ tade à prática do bem e da virtude ; é educar-lhe o coração e apr imorar-lhe o senso estético para amar e contemplar as coisas belas . Mais . O homem é social, essencialmente social ; viver em contato com os seus semel hantes não é para• êle uma si·mples contingência, é a condição mesma da sua existência, desenvolvimento, atividade e progresso . As3istem··lhe, por isto, direitos e deveres em cada uma das sociedade em que nasceu ou se incorporou : a família, o Estado, a Igrej a . Através destes grupos, participa de uma herança social, que lhe vem do passado e que, mrclhorada no seu presente, de­ verá transmJtir o futuro . Cqmo se vê, o humanismo é uma concepção integral; visa desenvolver e exercer tôdas as virtualidades do homem : nenhuma é negada, descurada ou excluída. O verso de TERÊNcio, com todos os enriquecin1entos que lhe trouxeram vinte séculos de civilização e de cristianismo, continua a ser a sua expressão autêntica : "sou homem ; nada humano rne é estranho. " D·e modo concreto e no seu ponto de vista nacional, também o exprlmiu com. felicidade um poeta alemão : Em mim, que sou um, há três :

o grego� o cristão, o germano ;

As lutas da história, no interior de minha alma, eu as pelejo. Oh pudera e u em cada id é ia, em cada .sentimento� conciliar Cultura, fé e natureza: fôra o m ais feliz dos homens. (Drei' sint Einer in mir : der Hellene, dar Chris t• und del Deutsche� A ch! u. die Kampfe der Zeit Kiimpf ich im eign-en Gemüt! Konnt in jeden Gefühl sie versohoren, in jeden Gedanken, Bildung, Glaube, Natur, wiire, ich ein suiger Mensch.) (GERBEL,

v

Hum.

der

Lex. der Paedg . )


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Sim, sôbre ser uma concepção integral, o htl:manismo é uma concepção harrrwniosa e harmonizadora do homem . Não só a cada um dos aspectos de sua natureza lhe dá o valor - os inglêses dizem a ênfase - que lhe é próprio, mas ainda e principalmente porque o habilita a refletir do modo mais completo, na harmonia do cosmos . Na formação huma· nista do homem há o que os psicólogos põem em relêvo na j nspiração criadoi'a do artista : urna condensação poderosa de experiências múltip las e · várias na beleza simples e espon·· târiea da unidade. Um ideal que se desprende aos poucos com tôda a sua fôrça de integração da multiplicidade dis­ persa . Ideal que não' é o produto de uma criação subjetiva, fictícia e inconsistente mas o reflexo, em cada plano da reali­ dade, daquela harmonia· que é, no universo criado, o sigilo da " Inteligência Criadora . A educação humana j á s e não reduz a mobiliar de noções classificadas e rotuladas os compar ti­ mentos estanques da inteligência ; é um crescimento orgâ­ nico e vital, em contato fecundo com êste "esplendor da ordem" que é o cosmos . É uma adaptação, não parcial a êste ou àquele aspecto da . realidade, mas "adaptação integral à totalidade do universo, pass·a do e presente ; material e espi­ ritual ; natural, humano e divino". (CASTIELLO, A humane psychology of education. New York, Sheed an Ward, 193(), · p . 166.) O homem assim formado conhece · o seu lugar. na j erarquia dos sêres e dá um sentido pleno e verdadeiro à vida . Uma noção caracteriza-se, antes de tudo, de modo posi­ tivo, pelo que é . Mas também o que não é aj uda a definir­ -lhe as fronteiras . A oposição dos contrastes pode ser lu­ minosa . A formação humanista opõe-se a formação enciclopédica com a sua . frondosidade luxuriante de disciplinas ; a forma­ ção laicista desterrando das influências escolares uma con­ cepção da vida em que se possa inspirar um ideal e fundar uma j erarquia de valores ; a formação técnica prem a tura inspiradora do sistema eletivo, numa palavra a formação,


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que, de modo geral, poderíamos chamar utilitária ou prag­ matista, cuj o fim é uma utilidade imediata, cuj a preocupação principal é transmitir m§todos e técnicas . O aluno estuda uma língua para que a possa falar corretamente ; aprende c iências para habilitar-se, no menor tempo, como bom pro­ fissional . O mal dêste utilitarismo está em que não é, d e todo ponto falso, �as incompleto, parcial e mutilado . O princípio é, em parte, bom mas não é levado coerentemente às suas últimas conseqüências . A envenenar insidiosamente a atitude utilitária está, subj ac�nte, mas ativamente inspi­ radora, 1.1ma concepção materialista da vida . Se o mundo em que vivemos não passa de uma pura matéria, fôrça e riqueza são as únicas realidades que pesam e treinar os homens em hábitos de eficiência resumirá tôdas as preocupações do es­ forço educativo . Mas se o homem é espírito, inteligência que pode abstrair e elevar-se .a um ideal de liberdade, capaz de m1odelar por êste ideal o próprio eu, o significado e o alcance da educação ampliam-se em outras perspectivas . Para o pri­ meiro plano ds suas preocupações passam a integração da in­ teligência pela assimilação orgãnica e harmoniosa da verdade, a formação de idéias dinamogênicas da ação pelo contato e contemplação da beleza, a aquisição laboriosa de hábitos 9.:3 retidão e j ustiça . Com isto, nã o preconizamos uma fuga da realidade, uma evasão das exi gências positivas d� vida . Não ; com1o dissemos há pouco, o utilitarisn1o peca por não ver que rr1aior utilidade está em facilita r o homem a ex­ pandir harmoniosamente a riqueza total de suas energias, do que l .mitar as suas capacidades nas fronteiras acanhadas \de uma esp �eialidade . Os obj etivos da formação utilitária tam­ bém nós os visamos, mas vamos além e queremos mais . O homem não é feliz se não fôr bom . Uma sociedade de mal­ feitores é um caos e um inferno em que se não pode viver . E a capacidade prática não é necessàriamente garantia de bondade moral . Pelo contrário, a periculosidade de um ho­ mem mau cresce na p roporção de sua eficiência t§cnica. A fim de integrar, portanto, o homem numa vida verd�deira-


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mente· humana cumpre cultivá-lo na totalidade harmônica das suas possibilidades . Como? "Assimilando em cada disci· plina o ideal que lhe é próprio não menos que os métodos e processos c9rrespondentes . O método assegura a eficiência, · mq.s o ideal dá a fôrça, o impulso, o desejo . Método s s�m ideal a1 ro fialn-se e morrem . O ideal, ao invés, trabalha e inspira a criação de métodos e processos . Importa, pois, en1 cada gênero de estudo, de�prender os ideais intelectuais, mo­ rais e estéticos, capazes de comunicar ao nosso espírito vigor intelectual, moral e estético Mais ; importa ainda integrar numa unidade todos êstes ideais . Soltos e desconexos e sem coordenação, perdem, em 1nuito, da sua eficácia prática . Quando se integram os nossos motivos de ação, a fôrça de um se exerce sôbre todos os demais . O homem que sabe que Deus ama tudo 9 que é belo, tudo o que é bom, tudo o que é verdadeiro , inclinará todo o pêso de sua vida religiosa em benefício de suas tarefas artísticas ou científicas. " (GAs­ TIELLoJ p . 143.) Eis o ideal do humanismo : compreensivo e am,plo co:rno o homem e o universo . E.nquanto o utilitarismo, parcial, limitado e estreito , não aspira senão a adaptar o homem à sua ambiência material, o humanismo rasga os horiwntes e o coloca em cheio num mundo harmonioso, aberto a tôdas as exigências materia � s, morais e reggiosas de sua natureza una e complexa . * *

*

Esta caracterização do humanismo, sin1ples e concisa, j á é suficiente para situá-lo em face do mundo contempo­ râneo "' Que a nossa civilização atr&_vessa uma. .. crise pro­ funda já não é mister demonstrá-lo ; é lugar comum ; basta ter olhos de ver e abri-los . Nem menos evidente é que esta crise · prende as suas raízes m ais profundas numa ruptura de equilíbrio humano . Já de há muito, com imagem viva, o disse BERGSON : "Os utensílios do homem são um .prolonga-


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mento do seu corpo. . . Ora, neste corpo que cresceu desmesu­ radan1ente, a alma ficou o que era, muito pequena para e> encher, muito fraca para o governar . . . O corpo engrande · cido está à espera de um suplemento da alma e a mecânica está a exigir uma místic a. " Na linguagem que vínhamos usando, a técnica aumentou o poder do homem sôbre a matéria, mas o s valores espirituais do homen1 , que lhe con­ dicionam a felicidade pessoal e o próprio convívio social não· se desenvolveram na mesm'a. cadência progressiva. Daí dese­ quilíbrio, desintegração, multidão de valores sem j erarquia, em conflitos subversivos e , como conseqüência, a inquietude e a ansiedade das almas, a incorr.J[_preensão e a hostilidade das nações . Venha o humanismo salvador p ara pacificar indivíduos e povos. Rr�stabeleça-se a j erarquia dos valores , o primado do horrtem e entraremos numu fase construtiv?- . . . A missão do humanisn1o é unir, porque acentua os va­ lores da natureza comum . O operário que materializa o seu trabalho, afasta-se do ideal . O cientista que, na sua espe­ clal�zaçãc, se isola da vida, afasta-se do ideal . O operário , o can1.ponês, o intelectual de qualquer raça ou cultura, que, . partindo das mesmas realidades concretas e, através de dis-· . ciplinas ou atividades diversas, se elevam ao m.esmb ideal hurraano, aí se encontran1 , se corr.:1preendem , se prendem com vínculos de simpatia e comunhão . A convergência para êste ideal comum de Verdade, de Bondade e de Beleza fraterniza os homens . A distinção de. culturas, orientadas para uma finalidade con1,um, ces�a de ser um princípio de contrastes c conflitos para transformar-se em elementos de harmonia e conE:onância na variedade e solidariedade enr iquecedora . As _ diferenças artificiais ou de superfície esbatem-se na penum­ bra, ante esta cornunhão profunda ern que cada indivíduo ou cada povo contribui para o bem, geral com todos os tesou­ ro de perfeição humana, acumulados pela sua cultura pessoal Cria-se assim uma atmosfera espiritual, à ou nacional . qual todos, seguindo os impulsos profundos da própria na-


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tureza, se podem · entregar de tôda a alma . Intensifica-se a coesão pela cooperação . "O Humanismo é o bem comum ; o traço de união dos espíritos mais diversos ; é a unidad� hu­ man a reconquistada pelo aprofundamento do ser que cada 'll:m traz em si ; é uma comunhão universal neste absoluto por que ativamente aspira todo homem, como acabamento su­ premo de sua natureza." ( CHARMOT, L'Humanis�m.e et l'hu-· main, Parfs, Spes, 1 934, p. 28.)

II

Da eminência desta altura em que nos colocamos estu­ dando o humanismo na pureza de .sua essência, como for­ Inação do homem segundo um ideal humano, convém lan­ çar um ráf>i qo olhar sôbre as chamadas "humanidades" , es� pontânea e historicamente associadas ao problema do huma­ nismo. Não vamos tã-o longe a ponto de identificar as duas noções, afirmando a necessidade in1prescindível de uma cul­ tura greco-latina para formar o homem . O humanismo impõe-se-no3 como uma exigência indeclinável, os estudos clássicos não passam de uma t.§cnica cultural, de um instru­ mento de primeiro valor para obter o resultado visado, mas cuj a efic ência ou imprescindibilidade poderão ser discutidos. O humanismo é um fim ; as humanidades, um meio . Historicamente, é c erto que os estudos clássicos consti­ tuíram até hoj e o su.bstratum constante da cultura ociden­ tal . As mudanças ocorridas com o desenvolvimento da ci­ vilização moderna sugerem ou impõem uma nova orienta­ ção de rumos? No Renascimento, o estudo do latim, como b'.a se da for­ mação humanista, não se apresentou como uma opção, mas . como o corolário inevitável da evolução histór�ca numa épo ca imediatamente posterior à idade média que, bem ou mal , falava ainda a língua do Lác�o . No século XV ou XVI o latim era de uma utilidade incontestável : ótimo instrumento de


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relações sociais, vínculo de unidade da civilização européia e veículo de transmissão de tôda cultura superior . . Os profes­ sôre_s da Península Ibérica, Coimbra ou Salamanca, iam ensinar em Roma, Paris ou Praga, sem se preocupar do idioma em que se haviam de explicar aos seus ouvintes . Com 400 ou 500 palavras latinas um homem mediano podia tratar os seus negócios em tôda a Europa . Hoj e são outras as condições da vida das inteligências . O latim já não é língua internacional . Para nos entender­ mos, temos que resignar-nos a aprender três ou quatro das chamada línguas universais . As · literaturas modernas, por outro lado, enriqueaeram-se nestes quatro séculos de obras-pri­ mas, que rivalizam em perfeição com as da antiguidade clás­ sica . Ante esta mudança incontestável de perspectiva his­ tórica, conv�m ainda insistir nos estudos dos velhos autores gregos e latinos, como instru1nentos eficientes de formação humanista? Problema interessante e que a escassez do tem­ po não nos permite tocar senão muito por alto . Diminuiu inegàvelmente o valor pragmático das línguas clássicas, não tç:tnto, porém, como à primeira vista pode pare­ cer . Até ao século XVI, aproximadamente, tôdas as fontes da cultura ocidental, no seu significado m a:is amplo, a com­ preender a religião, a filosofia, a arte, o dire�to , as ciências, as instituições sociais e p olíticas, .foram escritas em grego e latim . :Do século XVI até aos nossos dias grande número de pensadores, sábios e literatos escreveram ainda ou só en1 latim ou também em latim . Na grande língua· clássica compuseram al gumas das suas melhores obras : BAc oN, DESCARTES, CoPÉRNic o, NE\VTON, KEPLER, LEIBNIZ, GROTÍUS, PUFFENDORF, ALTHUSIUS, KANT, ScHOPENHAUER, LINEU, LAMARCK, BERGSON . . . ÊSte fato m a­ CiÇO traz uma conseqüência de largo alcance : sem o conheci­ mento do latim é vedado o acesso às fontes primárias de tôda a civilização ocidental . Nem é mister lembrar o cânon fun­ damental da metodologia científica : sem contato imed . ato com as fontes primárias na sua expressão original não há .


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trabalho científico verdadeiramente digno dêste nome. Con­ clusão . Quem aspira a uma cultura realmennte superior não pode ignorar as línguas que abrem a porta aos imensos re­ pertórios de documentos de tôda a nossa história . Conserva, pois, o latim um valor de utilidade inquestioná­ vel. Mas não é êste caráter pragmático que lhe assegurava um lugar dominante nos programas . No estudo das línguas clássicas os educadores do século XVI viam uma cultura. "O conhecimento profundo dos gênios antigos oferecia-lhes a oportunidade de formar o ho�em, de transmitir um ideal de humanismo . Quam non sit homo qui literarum expers est! exclamava. Eirasmo . Um dos primeiros educadores jesuítas e que mais contribuíram para a elaboração do Ratio, saudava no conhecimento das boas letras "o esplendor, o orçamento e a Perfeição da natureza racional" . Outro contomporânep de LEnESMA, o grande humanista PERPIGNIANI via na razão e na palavra, intérprete da razão, as notas distintivas do hmnem : haec . duo sunt quae oos homJnes reddunt? No próprio vocábulo, humanitas, humanidades, com que se de­ nominava o curso secundário, buscava-se uma confirmação _ etimológica da convicção comum. O nome de humanidades, dizia PoNTANus, foi dado a êstes estudos porque transformam os que a êles se dedicam em "homens e ducados, afáveis, lha­ nos, acessíveis e tratáveis". "Chamam-se humanidades êsses estudos, escrevia por seu turno PossEvrno; que no� tornem� pois, mais homens. " Tornar mais homem : eis o alvo · a que mirava todo o trabalho educativo . A utilidade instrumental do latim era um subproduto do currí culo ; a formação do homem pelo desen­ volvimento harmonioso de suas faculdades, o s�u obj etivo primordial . Para atingi-lo, a linguagem constitu'i . o instru­ mento mais adequado e eficiente. Só pela palávra pode o educador atingir o espírito do aluno ; só pela palavra pode o aluno manifes.t ar o próprio espírito . Uma faculdade revela­ -se na ação, que lhe é ·própria e que, por isso, se pode chamar a sua expressão . A linguagem é a expressão do esp4'ito, e, por-


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tanto, com ·a prova de sua existência, a medida do seu dP.sen volvimento . Mais . Quem se expressa, exercita a sua ativj dade mental, imagina, pensa, j ulga, raciocina, cortcaten: idéias . Através da expressão pode, portanto, o professor e:x citar a atividade interior do estudante e medir-lhe e orientai -lhe o progresso. A linguagem é, pois, o instrumento natura da formação humana. E a linguagem, não técnica ou científica, linguager sêca e fria, mas a linguagem literária. A literatura é wn escola de idealismo e de espiritualidade ; não só dêste ou da · quele ideal, mas de todos os ideais. Porque a literatura s· ocupa com tôda a vida, com o passado e o presente, com , natureza e o pomem, enriquece-nos com seps tesouros d valores ideais em todos o s campos do conhecimento. E utilidade específica dêstes jdeais é de participar dos atribt tos da beleza . Expressos em forma concreta, plástica, ser sível, falam aos olhos, revelam a vida emot1va do artista e fa Iam aos sentimentos do j ovem . . A obra literária sej: ela um princípio de moral, Um1a verdade · c ientífica ou um tese filosófica, porque revestida de beleza, empol ga o homer todo, sentidos e imaginação, sentimentos e inteligência, e se bretudo cativa-lhe o amor. " (CASTIELLo, p . 143, ad sensun�. "Ora) os grandes clássicàs de Roma e Gtécia, são, pa unânime consenso, os maiores artistas da palavra. Pôr c jovens em , contato colm as suas obras-primas, proporcic na-lhes, além de inúmeras outras vantagens, a influênci educativa dos mestres mais autorizados . Esta influência é altamente humanizadora . O trat.alh do professor não se reduz a uma simples tradução ou leitur� é uma preleção que visa diretamente o estudo, a análise viv do modêlo : as suas idé�as, os seus sentiiilentos, os seus pr< . cessas de expressão . Segue-se o trabalho do aluno : a comp( sição ou imitação . Depois d e haver contemplado e ad�irad o modêlo, o aluno esforça-se por assim.ilá-lo e reproduzi-lo · No silêncio do seu estudo repetirá depois os processos vita: percorridos pelo autor e . analisados na preleção. Focaliza .

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·. 228 - . A

FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

ordena idéias, escolhe palavras, art:cula frase$, balanceia períodos, dispõe os argumentos, num esfôrço altamente ativo e fecundo de rivalizar com o modêlo entrevisto . Imi­ tação um tanto servil nos primeiros tempos, a composição ganhará em originalidade e cunho pessoal na medida que o aluno fôr enriquecendo o seu patrimônio de idéias e os seus recursos de expressão . Aí temos como se vai acordando e formando o homem todo com muito mais eficiência do que empregando o me­ lhor de seu tempo em decorar dados positi�os, de geografia, de botânica ou de química . Não basta ensinar os clássicos para dar uma forma· ção humanista . Não é presença do latim , quinhoado num currículo oom maior ou menor número de aulas, que lhe dá j us a essa denominação. Há modo e modo de ensinar uma língua clássica . Poderíamos discriminá-los chamando-os de nwdo científico e de modo artístico . O primeiro predomina no ensino universitário, o segundo deve caracterizar o curso humanista de formação secundária. ·A ciência é analítica ; examina um texto, disseca-lhe as pala­ vras, investiga-lhes a etimologia . A arte é sintética, orgâ­ nica e vital ; na presença de uma obra-prima de expressão não começa por estendê-la numa mesa anatômica para es­ ·quadrinhar-lhe as entranhas, cadaverizando · a ; mas extasia­ -se na sua presença, admira-a e, contemplando-a como um todo, recebe, intata e formativa, tôda a irradiação da sua harmonia . A ciência é impessoal ; interessam--lhe as coisas e os fatos na abstração fria e geral de sua obj etividade . Ante uma página célebre da antiguidade, o cientista põe-se a colecionar ' formas gramaticais raras e interessantes, a esmerilhar · in­ formações históricas e geográficas, mitológicas e heráldicas, e� organiza a sua colheita de verbetes, leva-os, satisfeito, como outros tantos fósseis, para o seu museu de antiguidades . A arté é pessoal ; através da obra o artista põe-se em contato com o seu autor, com o ideal que lhe fulgiu no espírito cri�dor


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

229

de beleza. A Ilíada e a Eneida aos seus olhos, não são apenas, nem principalmente, um pretexto para escavações arqueoló­ gicas ou excursões de filologia comparada, são, antes de tudo, a expressão de uma alma humana, a realização de uma inspiração genial, a proj eção movimentada através dum es­ pírito privilegiado, de uma humanidade com tôdas as suas idéias e paixões, as suas grandezas e misérias. O h ome m de ciência estuda os autores para melhor conhecer a antigui.. , dade ; o ho1nem de arte estuda a antiguidade para melhor interpretar e compreender os autores . A ciência é, por natureza, teórica ; a arte, essencialmen­ te prática . Uma, visa conhecer ; arquivar fatos, inferir leis . Outra aspira a realizar, produzir, criar beleza. O ensino de , finalidade científica, na sua fase inicial de transmissão, apela muito para a memória ; na sua fase superior de investiga­ · ção e pesquisa aguça as faculdades de análise e raciocínio. O ensino como obj etivo artístico interessa o homem todo e mobiliza-lhe tôdas as virtualidades criadoras . Na verdadeira pedagogia, o curso secundário deve ser essencialmente humanista, pendente mais para a arte do que para a ciência . Sua finalidade não é tranformar os ado­ lescentes em pequeninas enciclopédias que depois de alguns �n,os já precisam ser reeditadas . Todo o esfôrço do educa­ dor deve concentrar- se, nesta fase da vida, em desenvolver as capacidades naturais do jovem, em ensinar-lhe a servir-�e · da imaginação, da inteligência e da razão para todos os mis­ teres da vida . Os conhecimentos positivos de geografia ou de física poderão estar antiquados ao cabo de poucos lustros; o raciocínio seguro, o critério na apreciação dos homens, a _ capacidade de expressão exata, bela e enérgica de uma alma harmoniosamente desenvolvida representam aquisições hu­ . manas de valor ·perene . Para a realização deste··ideal de humanismo, as humanida­ des clássicas têm sido até hoj e o instrumento de eficiência mais comprovada, e que ainda pão foi substituído, porqu e não se pode apagar a história .


POLíTICA -EDUCACIONAL O ensino relig�oso

na

Constituição --..:. Aspecto pedagógico

Dos dois aspectos - j urídico e pedagógico - sob os quais rios propusemos estudar o ensino religioso, o primeiro exami­ n amo-lo resumidamente em artigo antei·ior . (Ver Revista Bra­

sileira de Pedagogia, 1 934, n. 7, pp . 81-89 . ) Resta-nos salien­ tar a importância fundamental e imprescindív el da educação 1·eligiosa na formação integral do homem . É êste um dos resultados adquiridos da pedagogia mais nova e uma das ver­ da des que os estudos modernos de psicologia e sociologia vão, de dia p ara dia, envolvendo na claridade intensa de uma evidência irrecusável . Um dos erros mais funestos da pedagogia do século XIX, domina�a em parte pelas influências laicistas, foi a con­ cepção fragmentária, inorgânica e desarticulada da obra edu­ caqora . O que era sim.ples abstração de idéias j ulgou-se poder r�alizar_ como separação das coisas . A escola atribuiu-se a taref� de instruir; a missão de educar reservou-se à família e à sociedade . . Nos banc.os das aulas desenvolvia-s e os intelec­ tos ; .no convívio do lar temperava-se o caráter, �nobrecia-se o �oração, formava-se o homem . Compartimentos estanques isolavam assim a aÇão das grandes fôrças educativas : n_os professôres laicizados vedava-se o entrar no domínio das consciências ; às . influências extra-escolares da casa ou da. igreja reservava-se a formação espiritual das almas . Sub­ j acente a esta concepção pedagógica encontra-se, como se


A

FORMiAÇAO

DA

PERSONALIDADE

-

231

vê , uma psicologia fácil e inconsistente que esquecera a evidência fundamental da unida<.� e orgànica de todo ser vivo, da solidariedade indissolúvel do seu dinamismo fun­ ·cional . O homem é um todo e como um todo deverá ser formado . Educa-se a criança na escola e no lar, na rua e na igrej a, no j ôgo e no estudo. Educa-se explicando um eapítulo de história ou comentando um trecho de antologia ; educa-se escolhendo os dados de um problema matemático ou distribuindo as tarefas na organização de uma festa escolar . Nem a Mnidade palpitante da alma infantil, nem a integridade de caráter coerente e leal do professor, nem a interdependência indestrutível das coisas, permitem sepa­ rações artificiais ou unilateralismos desorganizadores. A escola, portanto, como ao lar, incumbe a missão de instruir não EÓ, mas também e acima de tudo, de educar . Questão pacífica . Mas que é educar, n o sentido mais profundo do têrmo? Encaminhar o homem à realização plena de sua perfeição específica . E esta perfeiçã o própria de sua natureza, en1 que se resume e como alcançá-la? O homem é uma unidade viva que se integra, como elemento, na grande totalidade das coisas . Sua unidade individual não é a de um ser sin1ples, realiza·-se numa ordem entre diferentes partes, numa jerar· quia entre funções rnúltiplas; sua integração no consenso universal resulta da obediência consciente às relações essen. ciais que o H gam aos demais sêres . Realizar no homem esta dupla harmonia, interior e exterior, esta unidade d'alma e esta adaptação ao meio : e · s a missão mais sublime e a as­ piração mais profunda do educador . A unidade interna, dizíamos há pouco, é uma unidade de j erarquia : entre os instintos e a razão, entre as paixões e a vontade, entre a inteligência e a ação, há relações essen­ ciais que importa respeitar . Da subordinação jerarquic1. das múltiplas virtualidades nascem a paz interior e a expansão harmoniosa de todos os valores humanos . Onde não se chega a realizar esta unidade de ord�, cedo ou tarde esta-


232

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

�am as rupturas profundas, as dilacerações angustiosas e os dualismos funestos. O homem dividido e dissipado decai da grandeza de sua perfeição específica . Na sua adaptação ao ambiente é ainda do conheciment(} das relações essenciais que o ligam aos outros sêres e de uma vontade generosa de as observar que depende o valor do homem como ser social . Conquista da liberdade interior, dedicação a todos os interêsses do convívio humano, cifram assim os fins imediatos da tarefa educadora . Mais sintéti­ camente ainda poderiam ela:s condensar-se na p_reparação do hor.aem para submeter-se moralmente a tôdas as exi­ gências da ordem universal . Es tas primeiras conclusões j á situam em seu lugar p ri­ mordial a importância da form(!lção religiosa . A j erarquia dos deveres não se pode organizar sen ã o em função dos des­ tinos do homemJ . É a sua finalidade última que constitui o princípio unificador e dom inante de tôda a sua vida, como o têrmo de uma viagem é a luz que orienta os passos do peregr:lno . Só a grandeza dos nossos destinos constitui a craveira insubstituível por onde se hão de aferir todos os valores humanos . E o çonhecimento dos nossos destinos é uma questão essencialmente religiosa . As nossas relações externas prendem-se necessàriamente a uma concepção do homem e do universo, das suas origens. e das suas finalidades . A natureza, física ou social, não se nos apresenta como uma ordem, uma harmonia, um com­ plexo de exigências que impõe deveres, se não a considerar­ mos como expressão de uma Inteligência criadora e de uma Vontade suprema que realiza os seus planos através das leis naturais e sociais . Uma concepção integral do Unive·r so prende-se assim inevitàvelmente a uma concepção religiosa . E aí está a surgir das próprias exigências psicológicas mais profundas a necessidade insubstituível da formação religiosa . Só ela fala ao homem todo, à inteligência, à von­ tade e aos sentimentos, só ela dá-nos, na plenitude do têrmo, um ideal à vida, ideal que sej a luz para o espírito e estí�ulo


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE - 233 , p ara a ação . A ciência positiva, enquanto se mantém fiel à natureza de seu obj eto e aos limites dos seus métodos, não vai além dos conhecimentos dos fenômenos e das relações. . constantes de solidariedade que os ligam no espaço e nO> tempo . A ciência técnica não passa de um instrumento nas mãos do homem . É a religião que lhe dita os fins e se in­ tegra assim no mais profundo da personalidade, como vida:r como fonte de progresso moral, como estímulo de purifi­ cação, de generosidade , de sacrifício . Por isso dizemos de um homem que se serve da mecânica ou da química, mas que é religioso . Procurando caracterizar a essência dos. fenômenos religiosos no ponto de vista ps · cológico, um dos grandes mestres da pedagogia alemã contemporâne a , SPRANGER, frisa como condição única que os caracteriza , que· iluminen1 não só êste ou aquêle aspecto da vida, mas re­ caiam sôbre tôda a vida subj etiva e tôda a ordem cósmica. correspondente e que apr esentem êste todo à luz do mais· alto valor, acessível . �ste laço vital peculiar e - como dis­ semos - definitivo que une o suj éito ao conj unto do mundo obj etivo contém dois aspectos : nêle revela-se o último valor do mundo para mim e meu último valor para o mundo ! 1 A religião, portanto, é para o homem urna necessidade vital; o sentim.ento religioso nêle desperta com o p rimeiro acordar do seu psiquismo superior . É uma tendência espon­ tânea e primitiva cmno tôdas as que se prendem, ao que há. de mais profundo na natureza. As investigações da psico­ logia moderna puseram esta verdade num:a luz mais viva, BALLARD, surdo-mudo, aos nove anos j á se preocupava com o 1 ,E_ SPRANGER, Psychologie des Jugendalters, Leipzig, 1927, 8.a ed., 284-85 . E pouco adiante : "Nada há que sej a por completo indiferente à religião, nem o espetáculo da natureza inan:mada, nem o mais leve e efêmero sentimento. Psicologicamente é de importância de­ cisiva o fato de que todo o grupo fundamental de valores, através de uma atitude correspondente da estrutura subj etiva, pode con­ duzir ao centro mesmo da interpretação religiosa." (P. 286.)


234 - A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE problem a da Causa Primeira, e quando se lhe falou de Deus, mostrou-se profundamente compenetrado :

"Ao ver que se

dissipavam as trevas da origem do Universo, senti-me como transportado num mundo' de luz, senti que me transformava num ser novo . A esta revelação tudo me pareceu mais gran­ dioso e o mundo revestiu-se de uma nova dignidade."

JusT

resume as suas observações nestes têrmos : "Thquanto o sen­ timento estético se manifesta muito tarde, o sentim€nto re­ ligioso aparece muito cedo na criança." M.Iss SHINN : "Com os seus

porquês a criança nos faz seguir a cadeia das causas até que cheguem à primeira, e isto desde a idade dos 4 aos 5 anos". 2 Tôda a fonnação que deseura o elemento religioso é,

portanto, essencialmente antipedag q gica, mutila a integri­ dade do psiquismo humano, atrofia-lhe o desenvolvimento espontâneo , abre a porta a degenerescências perigosas, não prepara o vida.

homem

para

as

exigências superiores

3

e da

4

2

Ver outras citações e observações em DE LA VAISSIERE, Psy­ Paris 1916, pp. 194-209 . O autor conclui : " Il est de toute évidence que l'enfant de três bonne heure est tres apte à recevoir un enseignement rel!gieux exact et pré eis." (P . 205 . ) 2 "Destru: r bruscamente as crenças religiosas de um adolescente é arriscar-::: e a abrir um vazio no seu sistema rrLntal . Na instabi­ lidade que caracteriza êste p-eríod o ·poderá seguir-se uma desorga­ nização completa . . . uma catástrJfe : crise de melancolia, p�ssimismo ou suicíd:o." ( CLAPAREDE, Psychologie de l'entant, 4.a ed., p. 279.) E na página anterior : "A supressão brutal das tendências religiosas, em nome cte qualquer dogma "positivista" pode originar no j ovem e sobretudo na j ovem, p erturbações graves, principalmente · nós in­ divíduos de temperamento nervoso ou predispostos à hlsteria." , Esta afirmação poderá ser provada em qualquer terreno em 4 que se queira colocar o leitor. Filosójicamente, demonstrada a exis­ tência de Deus, os deveres religiosos aparecem como a função pri­ mordial do homem, condição de sua paz e felicidade . A psicologia experimental salienta os efeitos benfazejos em tôdas as ma:J;lif.zs­ tações da vida, de uma alma equilibradam.e nte religiosa . W. JAMEs.. chologie pédagogique,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

235

É · O que de dia para dia vão reconhecendo os pedagogos que à luz da experiência descem ao fundo do nosso dina­ mismo humano . "A atitude negativa, do movimento ético, escreve STANLEY HALL, em relação às fôrças religiosas na forli!ação do caráter é, em parte, causa, em parte, efeito da falta de interêsse a respeito da evolução moderna da psico­ logia religiosa .

O grande êrro dos moralistas (partidários

da moral leiga) consiste em não querer reconhecer que a re­ ligião é um auxiliar extraordinàriamente poderoso na for­ mação moral . São retardatários em · relação às recentes in­ vestigações sôbre a idade infantil e a puberdade . Mostram êstes estudos que a alma dos j ovens é organizada sôbre a religiã o de um modo m,uito mais profundo do que até aqui se acreditara . A "cultura ética", corno se pratica nas asso­ ciações designadas com êste nome, deve ser altamente reco­ mendada nos seus esforços positivos, mas quanto ao seu elemento negativo, está antiquada

e�

unilateral, porque, em

contradição com o que de melhor podemos saber atualmente, tenta separar a fé religiosa e a atividade moral que Deus e a natureza inseparável uniram. "

s

FoRSTER, um dos rr�stres mais experimentados e pro­ fundos da peda gogia contemporânea,

consagrou uma da<>

suas últimas obras ao estudo precioso desta questão .

Na

maic r parte dos porta-vozes atuais de uma moral leiga êle vê "escritores es tranhos à vida, cuj a consciência ainda é alimentada pelas antigas tradições e que, riem em si nem

pragmatista, consagra uma boa parte . da sua V.arieties of rel7gious a desenvolver o que êle chama efeitos biológicos do sen­ timento religioso: iluminação interior, satisfação lógica., fecundi­ dade prática . No domínio da sociologia. a religião aparece cada vez mais como a ar ada natural e insubstituível da vida social . A irre­ ligião e a imoralidade preparam irremediàvelmente a decadência dos povos .

experience

s

STANLEY HALL, Educati onal problems1 t.

I, p.

142 .


236

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

nos outros, tiveram a oportunidade de observar profunda­ mente e provar a capacidade vital das suas pretensões."

6

"Quanto mais, em nós e nos outros, descemos das abs- · trações para a natureza humana concreta, quanto mais nos aprofundamos nos mist§rios do egoísmo, na dilaceração da vontade, no dinamismo da paixão, na psicologia da tentação, tanto mais claramente reconhecemos ·quão pouco os moder­ nos sucedâneos ( da religião ) se adaptam aos fatos e às exi­ gências da natureza humana. "

7

Numa circular dirigida aos diretores e inspetores esco­ lares da Itálla, a 5 de j aneiro de

1924, GENTILE, ministro da

Instrução Pública, assim se exprimia : "O ensino da religião à infância é uma garantia de formação séria na geração vindoura .

Só aquêle que tem o conhecimento do absoluto

pode dar expressão à própria vida e respeitar em si e nos

p

outros o mesmo ideal pelo qual as ira a sua alma . . . C i� ill­ zação é sinônimo de Cristianismo." 8 Citamos apenas autores acatólicos, onde nem sequer sus­ peição de parcialidade fôsse p ossível .

O seu número pode-

6 FR . W. FüRSTER, Religion und Characterbadung. Zurich, Leip­ zig, 1925, p. 10 . Em outra obra, tratando da educação sexual, es­ creve estas palavras tão palpitantes de exper:ência humana e ·de vida profunda : "No ponto d e vista pedagógico o cristianismo é d e u m poder in­ comparável e inegável . . . Em verdade, não se pode vencer a vida tôda dn baixo, senão pela vida total do alto . É neste sentido que a religião é a fôrça pedagógica ma:s insubstituível de todos os tempos . A cultura mental mais elevada que se possa imaginar nãu é capaz, por si, de impedir o triunfo da matéria, se a verdá:de do . alto não quebra os ferros da escravidão humana." ( Sexualethilc und Sexualpaedagogik, tr. fr. Paris, 1930, p. 254.) 7 Id . Op. cit., p. 20 . Não temos d:ante dos olhos o original italiano . Citamos tra­ 8 duzindo imediatamente do inglês. (Educational Yearbook ot the International Institute ot Teachers College, Columbia University, 1932, Nova York, 1933, p. 307.)


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

237

ríamos aumentá-lo de muito s e para numrcros ás referências dispuséssemos de espaço . O que aí fica, porém,, cremos su­ ficiente para evidenciar como , à medida que se aprofundam os nossos estudos psicológicos e sociais, mais vivamente res­ salta a importância pedagógica fundamental da formação religiosa . Não é em nome da pedagogia nem da sociologia que se pode com,bater a introdução do ensino reli gioso nas escolas : motivos extracientíficos inspiram inconfessadament� as oposições que tentam enfeudar a organização escolar d3 um povo à propa ganda de ideologias secretamente prefe­ ridas .

O respeito às exigências integrais d o dinamismo psi­

cológico da criança , a indispensável harmonia e colaboração ' educativa entre a atmosfera do lar e a da escola, os vínculos essenciais de solidariedade que ligain a atividade moral à concepção religiosa do homem, a necessidade de prender a orientação das múltiplas ações da vida à raiz sólida e es­ tável das grandes convicções : são verdades que ensina a ex­ p eriência dos séculos e que a pedagogia moderna sublinha com insistência . São também verdades que mostram na re­ lig ião " a fôrça pedagógica mais insubstituível de todos os tempos. "


DISCURSO NA INAUGURAÇÃO DE UMA SEDE DE ESCOTISMO Tôda

inauguração

é

uma

festa

que

comemora

um

triunfo sôbre o passado e anuncia esperanças para o futuro . Raras vêzes, porém, como na inauguração de uma sede des­ tinada à educação d a j uventude, são estas alegrias vitoriosas de ontem, mais j ustas e mais ricas. de promessas, as espe­ ranças de amanhã . Educar para o bem e para a virtude as gerações que surgem é exercer a mais profunda, a mais efi­

caz, a mais duradoura das influências sociais . Exulta pois, com todos os corações aqui presentes, exulta sinceramente o

Ç

cora ão do

sacerdote,

êle

que

pelo mais

grato dos deveres do seu ministério não tem outra aspil·ação · senão e ducar, no sentido mais amplo d a palavra, isto é , ele­ var as consciências, ajudar as almas a subirem, a vingarem as eminências destas alturas em que o homem é m áis homem p or que se acha mais perto de Deus.

Sinto-me bem, portanto,

assistindo à inauguração desta sede de uma instituição al­ tamente educativa . Altamente educativa, chamei-a, e tal é não só na in­ tenção do seu fundador mas ainda na escolha dos meios que pôs em ação . Pela rapidez de sua difusão, pela combinação de seus · processos educativos, pela eficiência dos resultados j á obti­ dos a instituiçã o das bandeirantes ocupa um lugar de re­ lêvo entre as instituições pedagógicas dos tempos modernos . Nascida em outros arraiais que não os nossos a idéia es­ coteira nos seus dois ramos não encontrou logo a pri�cípio,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

239

entre católicos, a unanimidade de um acolhimento simpá­ tico . Alguns, num gesto severo de ortodoxia suspicaz, fran­ ziram a sobrancelha taminadora .

y

ante o perigo de uma infiltração con­

Não me sobressaltam êstes temores . Há em Roma uma igrej a magnífica, e até há poucos anos a única em estilo gótico na cidade eterna . As suas co­ lunas múltiplas enfetxadas elevam-se na rapidez ininter­ rupta das linhas verticais céleres, como uma ascensão da alma a Deus, e lá no alto, continuam nas ogivas que se vão un · r como as mãos em atitude de prece, enquanto no si­ lêncio das naves austeras desce a meia luz j oeirada pelos vidramentos

coloridos

com

cenas

do

Evangelho .

Nunca

como no estilo gótico a arquitetura logrou interpretar tão expressivamente o pensamento cristão . Ora, êste magnífico santuário, consagrado à Virgem, tão imponente pela gran­ deza das proporções quãq leve e gracioso pela esbelteza ele­ gante das linhas, eleva-se sôbre as ruínas de um templo pagão consagrado à deusa da inteligência e da sabedoria .

Os

romanos

chamam-no

vulgarmente

"Maria

sopra

Mi­

nerva" . Admirável simbolismo nesta expressão !

Ü' cristianismo

nada destrói do que é belo, nobre, elevado na nossa natu­ rE za . .Na sabedoria pagã havia lampejo s de verdade, havia visã o parc ial de idéias alevantadas, havia surtos nobres de entusiasmo - restos, ruínas gloriosas a atestarem a gran­ deza primitiva de que havíamos decaído . A Igrej a recolheu solícita e carinhosa estas nobres relíquias, e sôbre êstes fun­ dainentos naturais elevou a grandeza dos seus edifícios es­ pirituais . A graça celebrizou, elevou, divinizou a natureza . Santa Maria sopra Minerva . Algo, não direi idêntico, m as de semelhante se passou com o escoteirismo.

O brilhante oficial inglês que o ideou

e realizou, deu admiráveis provas de sagacidade psicológica . Profundamente impressionado pela "deterioração da raça'' quis formar uma geração de fortes, fortes na robustez do


'240

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

{)rganismo físico, fortes na têmpera moral do caráter.

Dos

nobres estímulos da honra, da inclinação instintiva à de­ dicação na solidariedade, da beleza moral da lealdade, de tu do enfim que naturalmente possui um valor e uma efi­ cácia p edagógica lançou êle mão para a realização do seu ideal de formar homens . E tudo isto é j usto, tudo isto é . nobre, tudo isto é hu­ mano .

É completo como sistema educativo? Não ousaria

afirmá-lo . Há aí fórmulas algo vagas que importaria pre­ cisar, há lacunas que importaria preencher ;

o catolicismo

trará esta última demJão indispensável . Neste· organismo êle insuflará· o sôpro fecundo de sua vida divina ; às suas ex­ pressões êle dará a plenitude de sua significação suscita­ dera de entusiasmos sólidos e duradouros ; numa palãvra,

sõ no catolicism,o o novo sistema educativo dará o máximo do seu rendimento pedagógico . O escoteirismo é uma flor que para atingir o esplendor de sua beleza deverá ser cul­ tivada nos j ardins da Igrej a.

Senão vêde .

A honra é ao lado da leal dade a primeira das grandes . molas do sistemJa . Honra ! Gosto de ouvir êste nome em lá­ bios cristã os .

Em outros é sempre retum,bante mas nem

sempre preciso . amor-próprio,

Melindres de vaidade , suscetibilidades

excrescências

do

orgulho

p odem

por

de

vêzes

ocultar-se sob esta sonoridade vibrante . Para nós a honra

é �lgo de definido : é o sentimento da nossa dignidade, do nosso valor p essoal, do que êle exige, do que impõe . E o nosso valor pessoal, e · a nossa dignidade mede-se pela su­ blimidade dos nossos destinos :

somos talhados para gran­

dezas eternas . E tendes logo · aí uma craveira para avaliar os nossos atos, uma tabela de valores humanos . A nor:q1a cristã consiste em subordinar o que é efêmero ao que não :p assa: o sensível ao espiritual, o corpo à alma . Ela é a expressão mais bela do caráter : convicção profunda de princípios a ilu­ minarem a inteligência, constância da vontade a orientar a contingência dos atos cotidianos pelos ditames eternos da consciência .


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

241

Depois da honra a bandeirante católica cultiva a soli­ -dariedade .

Quem diz solidariedade diz fraternidade hu­ mana, diz dependência recíproca, diz deveres mútuos de nos entreauxiliarmos nas contingências da vida . Feitos para a

vida social nós não atingimos a nossa perfeição física, moral e intelectual sem o

concurso dos nossos semelhantes .

Daí

êste gr.ande dever hutnano da solidariedade . Nada mais evi­ dente em teoria, nada mais fácil em surtos de oratória que exaltar a importância, a maj estade, a beleza dêstes vínculos nobilís:5imos que uns aos outros prendem os membros da imensa família humana .

Descei, porém, da região abstrata

das idéias ao domínio concreto da prática . As dificuldades pululam então numerosas, profundas, eternamente renas­ centes como o nosso egoísmo . Fazer bem aos outros em con­ creto, traduz-se então quase sempre por sacrificar-nos a nós, sacrificar os nossos interêsses, as nossas paixões, os. nossos apegos, a nossa vida pelo bem dos nossos irmãos. Pequeninas bandeirantes, florinhas que apenas desabrochais para a exis­ tência, crede o que ainda não podeis compreender .

Mais

tarde, quando conhecerdes po r experiência os homens e as coisas, vereis .que .as coisas não são tão dóceis aos nossos de­ sej os, que os homens não são tão bons como j ulgávamos . . Quando

tiverdes

êste

conhecimento

experimental

da

realidade d a vida vereis outrossim quanta generosidade d e sacrifício requer o cumprimento do grande dever de amar­ mos os nossos irmãos . menta

esta

E onde haurimos a fôrça que ali­

dedicação e

êste

espírito

de sacrifício?

Num

grande amor . ImprimJi nas vossas memórias o que eu vos vou dizer para o lembrardes mais tarde . É mister que lá nas profundezas d'alma, onde não atinge nenhuma afeição hu­ mana sem destruir nenhum dos a:mores legítimos, mas har­ monizando-os todos em j usta hierarquia, domina sofra, con­ sole, espere, irradie um amor melhor . Só êste amor de Deus pode ser a garantia eficaz de amor de nossos irmãos . Fora daí o homem não faz bem a outro homem/ senão quando o bem-fazer a outrem coincide com a satisfação pessoal do


242

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

seu egoísmo . Não há verdadeira fraternidade humana onde não há sentimento vivo da comum paternidade divina . E aí tendes como ao organismo pedagógico do escotei­ rismo a Igrej a infunde um sôpro fecundo de vida nova . Era um edifício bem construído com os princípios da psicologia humana, b em fundada nas teses de um espiritualismo teísta, a Igrej a impõe-lhe a cúpula sobrenatural que lhe faltava . E assim vos achais na feliz necessidade de não poderdes atuar o vosso programa em tôda a sua plenitude sem ao mesmo tempo viverdes em tôda a sua intensidade o vosso. cristianismo . Estai, pois, de parabéns, pequeninas bandeirantes, por haverdes encontrado na vossa associação uma escola de for­ mação completa do caráter ·cristão. Estai de parabéns de modo particular no dia de hoj e em que inaugurais e tornais posse da vossa nova sede . Na comodidade de suas instalações, no alegorismo expressivo de sua

decoração

novos

ela não

desenvolvimentos

só vos oferecerá oportunidade de mas r epetirá sempre aos vossos

olhos uma elevada lição moral .

Ela vos falará do espírito

de iniciativa, da dedicação e do amor ao sacrifício destas almas nobremente cristãs que consagram o melhor de suas energias à formação dos vossos corações .

A sua generosi­

dade desinteressada edificou-vos a sede material, à vossa ge­ nerosidade o corresponder aos seus desvelos para elevar o edifício das vossas almas . nevá-lo-eis certamente se fordes. fiéis na atuação de vosso programa que eu agora resumo nos dois pontos acima :

culttvai o sentimento da honra e

fazei o bem . Cultivai a honra . EXortação altamente cristã que eu fui . colhêr nos lábios de um grande Papa, "Agnosce, christiane, dignitatem

tuam" ;

lembra-te,

cristão,

da

tua

dignidade .

Acima de tudo, pequeninas bandeirantes, prezai a vossa dig­ nidade de cristãs . Esta nobreza do coração é infinitamente mais preciosa que a aristocracia dos pergaminhos. Ela vos. há de inspirar sempre a delicadeza de sentimentos .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

243

Delicadeza de sentimentos é aversão instintiva a tudo o que é vil e ignóbil, a tudo o que degrada, a tudo o que pode .

empanar a pureza das inteligências e orações, da imaginação e dos senti dos . Delicadeza de sentimentos é ainda horror a tudo o que é trivial e comum, nos gestos, nas palavras, nas ações, nas atitudes . Delicadeza de sentimentos é mais, é sensibilidade viva a tudo o que é belo, a tudo o que é grande, a tudo o que é nobre ; é o desej o de dedicação e de sacrifício, o entusiasmo pelas grandes coisas, a generosidade em imolar-se pela feli­ cidade dos nossos irmãos . Cultivai assim a honra e a delicadeza dos sentimentos cristãos e tereis acendido a chama interior que alimentará a vossa caridade ativa que resume o vosso decálogo - o fazer bem .

A bondade é

de sua

natureza expansiva .

As

almas boas irradiam o · bem, naturalmente, como as flores exalam o seu perfume . Irradiai o bem, em tôrno de vós, ativamente , continua­ m ente, generosamente . Cada ação boa que fizerdes é mais uma alegria que sorri na terra, é menos uma dor que chora .

Do pecado, cedo ou tarde nascem lágrimas; só a virtude é mãe de felicidade verdadeira . Felicidade no curso desta vida, envolvend o a consciência contra as vicissitudes dos acontecimentos, numa atmosfera. interior

de

paz

imperturbável .

Felicidade

na

prepração

ativa e eficaz de um futuro melhor . Sai o semeador, pelos fins do outono e confia a sua pe­ quenina semente à terra humilde e obscura . Sobrevém o in­ verno .

Aqui, nas nossas regiões montanhosas, a gaza de

uma bruma espêssll, além, em outras zonas, lençóis de neve parecem amortalhar tudo em fúnebre sudário . Mas o germe de vida não perece.

Deixai que a natureza desperte aos pri­

meiros sóis de primavera e vereis, como por encanto, os prados esmaltarem-se de flores, -se . de frutos, as searas

os pomares opulentarem­

acariciadas pela brisa, ondearem


244

-

A

FoRMAÇÃO

DA PERSONALIDADE

louras para a messe. E o lavrador, num olhar de complacên­ cia, contempla o fruto dos seus trabalhos e abençoa as fadi­ gas que; num momento, lhe pareciam estéreis .

.A

quadra da semeadura é a vida presente . Com gesto

esplêndido e liberal esparzi, ainda entre as lágrimas do sa­ crifício, as sementes das boas ações . Um dia, estai certas, estas lágrimas cristalizarão em brilhantes de fulgar inextin­ guível,. estas sementes germinarão nos encantos de uma pri­ mavera eterna, nas opulências de um outono sem têrmo .

E neste dia que não conhecerá oca�o, entre os esplen­

�ores

de uma vida melhor , abençoareis em hinos · de reconhe­

cimento e de .amor a hota bendita em que vos filiastes entre as bandeirantes do

S. C. de J. onde aprendestes a praticar

çl

a virtude com fidelidade desinteressa a, com entusiasmo sem

intermitências, com a nobre generosidade das almas pro­ funda e sinceramente cristãs . Rio,

5-IX-1927 .


MEDITAÇÃO I:m,portância da meditação . Meditação e devaneio . A meditação organiza o nosso mundo interior : a) b)

-combatendo a dispersão, eliminando os imprevistos . No Instituto de Formação Sócial,

18-V - 1938 .


Na organização interior da nossa personalidade o ideal desempenha uma função insubstituível ;

só êle concentra,

numa síntese poçlerosa, os nossos pensamentos e as f:l.Ossas tendências ; só êle assegura a tôda a nossa v� da, com, a sua unidade, o rendimtento máximo de tôdas as suas energias . Não terá, porém, esta eficiência psicológica se não fôr escolhido com acêrto ; se não fôr bastante amplo para domi­ nar a nossa existência em tôda a .v:1riedade de suas cir­ cunstâncias e vicissitudes ; se não fôr bastante prático e con­ creto para responder às exigências reais de

nossas áptidões

no desenvolvimento da linha que constitui, na multiplicidade das almas e da missão particular de cada uma delas, a nossa vocação pessoal .

·

Com isto, não está feito tudo, nem mesmo o mais difícil . Quem não e�colheu um ideal na vida? Quantas m�esmo o esco­ lheram com critério e prudência?

Mas quantas o realizaram?

quantas o transformaram em realidade? · Já foi dito por um _ grande poeta - não raro os poetas têm a intuição de grandes verdades - uma grande existência é um grande ideal conce­ bido na j uventude e realizado na idade madura. O difícil não está em formular o ideal no en�usiasmo dos primeiros anos, o difícil está em realizá-lo :mais tarde. A flor é bela e desabrocha ràpidamente aos primeiros sóis da primavera ; mas são . poucas

as que chegam a fruto e o n1aturar �os frutos pede tempo e · paciência . Ao vapor perdido na imensidade �os mares não basta a bússola que lhe indique o norte ou o leme que lhe trace a

rota ; é mister ainda nas hélices a fôrça propulsora que devora as distâncias .

Para progredirmos havemos mister de luz e


A FORMAÇÃO · nA PERSONAÍ.J:DADE de fôrça ; ao ideal importa assegurar a sua

-

247

motricidade realz­

.zadora. Na evolução das relações entre a idéia e a ação correspon­ dente cumpre distinguir · dois momentos : o primeiro é de pre ­ pa-ração : a idéia do bem a fazer aparece no campo da consciên­ cia somente como o seu aspecto inteligível, com um valor indi­ cativo geral : não é honesto mentir : é bom, aproveitar o

tempo;

é belo

.segunda fase

-

dominar-se a de

a

si mesmo

em

tudo .

Na

orientação, a idéia abstrata desce às

.condições concretas da vida, relaciona-se com o nosso com­ .portamento, torna-a imperativa e eficaz : nunca uma mentira ;

não hei de dizer

não perderei em frivolidades a mí�

nima parcela de minha existência ; não me deixarei nunca empolgar e arrastar por uma paixão que me tira das mãos o govêrno dos m.eus a tos.

No primeiro instante a idéia era

luz:> agora é fôrça ; antes indicava, agora impulsiona . A primeira fase é tarefa ;relativa ; instrução ensino puro e -

simples dos manuais de ética ;

a segunda j á depende

educação, que é impulso eficaz para

da

o bem; ascese de uma

vida que se organiza e disciplina . Qual é o fator que se acrescenta assim à idéia luz para s tran formá-la em idéia-fôrça? e ao seu valor teórico da -verdade aj unta-lhe a eficiência prática da ação? De um modo geral podemos dizer que a idéia ganha tanto mais em eficácia motriz qu ánto mais profundamente se integra na totalidade das nossas tendência,s psíqu icas das quais depende imediatamente o nosso proceder.

O problema

prático que se nos apresenta é, pois , o seguinte : como inte­ grar os grandes princípios do nosso ideal no conjunto das fôrças ativas do dinamismo moral? Como assegurar-lhes uma eficiência real e vitoriosa na luta inevitável contra os agen­ tes da anarquia e dissolução interior que, sem tréguas, con­ j uram contra a nossa grandeza humana e a nossa dignidade -cristã . Os meios são vários e de eficiência desigual. maravilha .

Nenhuma

Trata-se de organizar e unificar tôda a nossa


248

-

A FORMAÇÃO DA. PERSONALIDADE

psicologia ; inteligência e vontade, sentimentos, paixões, ati­ vidade - tudo se acha interessado .

Consoante o fim ime­

diato que se visa, hão de variar profundamente os processos empregados .

Entre êles, porém, um há cuj a importância

de muito avulta sôbre os demais e que condicion a o emprêgo continuado de quase todos os . outros :

é

a meditação.

Já .

ouvistes, provàvelinente, q:uase todos a insistência com que se vos inculcou esta prática de piedade ·nos bons colégios . Agora j á · estais em idade e condições de entender-lhe a eficiên­ cia psicológica, de vos formardes uma convicção sóli d a e pes­ soal, que não só dará à vossa vida de piedade U!m fundamento­ mais estável m;:ts estenderá a outros que mais tarde depen­ derem de vós o benefício dêste hábito que, da aplicação à nossa vida moral e religiosa se nossa atividade .

deverá estender a tôda a

Não só firmareis a \Tossa resolução pessoal

de nunca omitir a meditação mas vos convencereis, de que onde quer que venhais a ter uma influência pedagógica, nela tereis um . instrumento de . formação do . c:;tráter e da per­ sonalidade, de eficácia insubstituível . É o que proclamam rt u ânimes os psicólogos de todos os matizes - crentes o u. não .

É que de fato a meditação :

1.0 - intensifica tõdas as nossas energias interiores,

2. o

- permite pràticamente adaptar as nossas

ações ao

valo r real e objetivo das coisas.· Eis bifurcada em duas proposições a nossa tese funda­ mental . Meditar é recolher-se para refletir . pre a pátria dbs fortes . . .

A solidão foi sem- ·

Mas há solidão e solidão .

quem se isola para retemperar as suas fôrças . . e há quem se· isola para dissipá-las .

Uns se separam da convivência so­

cial

para meditar, outros para devanear . Vêde aquela . jovem que, em atitude recolhida, de quando em quando

·

interrompe a leitura ; pensa, reflete, assimila, propõe e ora - para depois levantar-se

mais forte, enérgica, mais dedi�


I

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE cada e mais ativa - meditou .

-

249

Lá está outra, afundada em

allnofadas e coxins, no silêncio de uma varanda, que a in­ tervalos tamb ém ela deixa cair das mãos o romance e, olhos vagos a perder-se no longínquo dos horizontes, deixa correr

o tempo ao encalço da irrealidade das quimeras, para depois, sacudindo ràpidamente a cabeça como quem acorda de um pesadelo, entrar de novo na vida - mais irritadiça e incon­ tentável, mais áspera e caprichosa, mais desigual, mais me­ lancólica e sobretudo mais egoísta - devaneou.

Sob a iden­

tidade superficial de uma mesma atitude solitária - medi­ tação e devaneio opõem-se num contraste psicólogico que vai ao mais completo antagonismo . Durante o sono, impede-se o uso normal das faculdades superiores :

não há atenção, reflexão, deliberação.

Sem a

fiscalização da inteligência e o domínio da vontade, as ima­ gens sucedem-se à mercê de associações fortuitas, de vagas sensações atuais, ou das tendências surdas dos instintos infe­ riores desgovernados

(FREun) . É

o

sonho.

O devaneio apro­

xima-se-lhe por quase todos êstes elementos . intelectiva subsiste o

De atenção

quantum satis para conservar certa A

unidade - muito frouxa - ao desfilar das miragens . vontade abdica o

govêrno afetivo

passiva ou quase, em relação

dos estados interiores e

a tudo o mais,

conserva a

responsabilidade desta atitude geral de abandono .

A ima­

ginação livre guia só êstes passeios pela região das quimeras . Tôdas

as idéias malsãs,

outrora

repr�midas

pela

vontade

firme, tôdas as aspirações incoerentes de um sentimenta­ lismo vago, todos os desejos mórbidos de um coração que p al­ pita longe da consciência invadem tumultuàriamente o campo da alma imprudente, associam-se, org·anizam-se

em sínte­

ses resistentes, para constituir um dos maiqres obstáculos ao govêrno livre, racional, humano da vida .

O honrem que

passasse o seu tempo a dormir e sonhar atrofiaria tudo o que há de mais nobre na sua natureza . Os que sonham acor­ dados nunca levarão o desenvolvimento de suas mais ele­ vadas faculdades à altura de um caráter .

A inteligência


250

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

que vive de clareza, precisão, rigor lógico de raciocinio , vai­ -se aos poucos destruindo no vago, no impreciso, no incoe­ rente do sonho ; a vontade, à força de renúncia, uma, duas e muitas vêzes, o govêrno real da im:aginação e do senti­ mento, acabará capitulando definitivamente ante a tirania destas fôrças cegas e indisciplinadas; o coração que se nutre de delicadeza, desintêresse e dedicação vai-se concentrando e endurecendo no egoísmo invasor que já não admite resis­ tência aos seus caprichos, nem conhece a generosidade ae unt sacrifício capaz de levar a felicidade a um cqração ami­ go .

A vida tôda, alimentada de fantasmagorias, vai per­

dendo aos poucos o contato com a realidade e nesta desadap­ tação profunda a tudo o que constitui a nossa verdadeira e mais alta razão de ser, definha na incapacidade da ação, na moleza, e numa melancolia p rofunda e incurável, a princípio . por intervalos, mais tarde transformada em estado perma·· nente.

O devaneio, alimentado principalmente pela leitura

excessiva da literatura de ficção constitui, em nossos dias. um dos fatôres mais ativos e generalizados do desfibramento '

dos caracteres .

Pelas qualidades diametralmente opostas que a distin­ guem dêste sonhar enervante, a meditação robustece e vi­ riliza o querer .

Aqui a atividade é intensa, hiérarquica, or­

À inteligência e à vontade cabe a primazia . Trabalham também a · imaginação e o sentimento mas

ganizada .

para prestar às faculdades superiores que pecificamente

o

distínguém es­

Homem, o · inestimável concurso de uma

colaboração harmoniosa . Defihida assim a natureza da meditação nada mais fácil do a u e pôr em tôda a luz a sua eficiênciÇL :na educação da vontade .

U;rn dos maiores obstáculos à unificação da nossa per­ sonalidade é

a dissipação. Nunca talvez como em nossos dias

foi maior o perigo de nos inutilizarmos na incoerência dos dispersivos .

A facilidade de comunicações - j ornaJs, te­

lefones, telégrafos, rádios, - a freqüên C ia das relações. so-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

251

c1a1s, a intensidade da vida moderna, multiplicam prodi­ giosamente

as nossas

impressões .

Desde

os j ornais

que

pela manhã nos trazem as notícias de todos os países até ao cinema que pela noite nos desenrola ante os olhos cansados cenas e panoramas das cinco partes do mundo, ou o rádio, que com um simples movimento de interruptor nos faz ouvir Berlim, Londres, Roma ou Moscou, é um suceder-se ininter­ rupto de idéias, sentimentos,

impressões que cruzam pela

consciência rápidas, e incoerentes como uma turbamulta em desordem .

Se todos êstes p rogressos podem: por um lado dar­

-nos uma consciência mais viva de solidariedade humana, e ampliar-nos a cada instante a riqueza dos ;nossos conheci­ mentos, que perigo também de deixar-nos levar p or êste tor­ velinho que envolve e atordoa , que tentação fácil e comum

a de viver, digo mal, de deixar viver assim à mercê de tôdas estas impressões de fora �

Quantos os que nesta efervência

febril entram em si mes:r:nos para se conhecerem, se orien­

,

tarem nesta multiplicidade estonteadora, para se governarem.

à luz da própria razão ! F 'Y w e

L

'Y

E w v

e ó 'Y ) conhece-te a ti mesmo - foi o pre­

ceito que a sabedoria antiga pôs na base de todo aperfei­ çoamento humano.

Sem nos conhecermos, como nos pode­

remos governar, valorizar?

Êste conhecimento íntimo do

nosso interior, só no-lo pode dar, na calma do recolhimento, a introspecção meditatiya, útil em todos os tempos, indispen­

sável nos nossos.

É no silêncio bendito dêstes momentos

tranqüilos em que conversamos a sós conosco e com a verdade, que vamos adquirindo a consciência dos nossos recursos e dos nossos defeitos, do bem: que podemos fazer e dos perigos que nos ameaçam .

É principal.mtente nestas horas fecundas

que damos à nossa vida a sua orientação fundamental e asse-­

guramos

o emprêgo eficaz dos · meios que lhe condiciona a

realização, em outros palavras, que elaboramos o nosso ideal e lhe damos tôda a sua fôrça :realizadora .

Em tôda a vida humana séria há uma grande resolução que a dirige para um pólo definitivo.

Que fará esta j ovem


� A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE trilustre que entra no cenário do mundo rica de esperanças,

exuberante de seiva primaveril, ardente de entusiasmo?

Que

fará ela do grande capital da vida de cujo emprêgo só se­ decide uma vez?

Resolução capital, tão importante como a

própria vida e a felicidade para a qual nos foi dada. E como

amadurecê-la prudentemente fora do recolhimento de sérias reflexões,

energias .

sem que possamos utilizar o melhor de

nossas

Onde as almas não . se encontram, aí não pode

haver escolha consciente de um fim ; onde a vida não se or­

ganiza conscientemente emí vista de um fim a alcançar, aí há incoerência e dispersão de energias .

Quem de um ou /de

outro modo não se habituou a meditar não conseguirá nun­

ca elaborar o seu ideal de vida .

Não basta, porént, ha ver fix�do à vida

o

seu ideal : é

mister ainda escolher os meios que nos levam a realiza-lo . grande resolução - única e fundamental - que

A

fixa o

alvo - d.evem suceder outras menores e parciais, em que

abraçamos, cada dia e nas diferentes circunstâncias em quP.

nos podemos encontrar, os

meios apropriados a atingi-lo .

Quais êstes meios? a reflexão no-lo dirá sem� dificuldade .

Como nos decidimos a abraçá-los mesmo quando penosos?

A consideração de que são indissoluvelmente unidos ao ideal

que constitui o centro das nossas aspirações mais profun­

das, nos subministrará com o tempo· as energias exigidas

para a vitória das repugnâncias mais teimosas .

vai organizando a solidez da unidade interior .

Assim se

Na �ul�i­

plicidade das impressões dispersivas a consciência, esclare­ cida e confortada, vai fazendo uma

seleção judiciosa . Elimina

as sensações, as leituras, as conversas, relações que cons­ tituem obstáculos ao plano traçado ; senvolve as que lhe são favoráveis . duzida na vida a coerência .

escolhe,

cultiva,

de­

E temtos assim intro­

Quantos infelizes, afora os · atos obrigatórios e habituais da vida cotidiana, são inca­

pazes de levar a têrmo uma tarefa qualquer que exij a con­

tinuidade de esforços, precisamente porque vivem sempre

à superfície das coisas e nunca se habituaram a prever

um


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

253

fim, num futuro distante, e a organizar a sua atividade em

função dêste · obj etivo!

Dissipam-se e esterilizam-se na in­

coerência das impressões fortuitas de cada hora!

Aú lado da incoerência é também o imprevisto que a

meditação elimina da vida .

inimigos das vontades fracas .

A surprêsa é um dos grandes Quem não prevê, não · provê

quem não provê é quase sempre vítima desarmada da

primeira solicitação .

Um convite, uma insinuação, um ofe­

recimento não encontram nem podem encontrar resistência

nas almas que vivem à superfície das coisas .

Só os que na

calma do recolhimento organizam a própria atividade, pre­

param as reações correspondentes aos próprios princ1p1os,

sabem aceitar e sabem rej eitar, sabem dizer sim e sabem

dizer não .

E. que fôrça admirável é a providência!

pré-imaginado, é ato meio feito !

Um 'ato previsto ,

Já há uma nmia tensão

psíq� ica orientada no sentido que facilita a ação . Um exemplo em pequeninas coisas . Na vossa meditação da

manhã organizareis o vosso program a : consagrareis durante o dia êste quarto de hora à leitura espiritual, aquela hora ao estudo, etc . , prevedes os obstáculos que vos poderão amea­

çar a fidelidade ao vosso horário e o modo de resistir-lhes .

Mais tarde virá a tentação de uma curiosidade, a solicitação

de uma companheira para uma distração frívola ; a resposta

já está preparada ; o ato segue-se com rapidez e facilidade não

deixando tempo em meio para que a sedução presente de um prazer se venha sobrepor

à utilização racional do tempo

cum!primento exato do nosso programa .

No fim do dia tereis

feito o que quereis fazer e não vivido à mercê dos aconteci .

mentos exteriores ou dos estímulos e excitações passageiras das pequeninas paixões de cad� momento . que desejais realizar e realizais de fato .

programa que se traçou

Há em vós algo

A nossa vida é um

à luz serena de um grande ideal e

se vai executando com fidelidade e constância .

É

uma linha

reta que sabe o alvo que mira e não-se dispersa em sinuosi­

dades frívolas e estéreis .


254

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

�ste magnífico resultado, porém, não se obtém sem o

hábito do recolhimento e da reflexão meditativa.

Só nestes

momrentos de silêncio exterior nós começamos a ser nós mes­

mos ; tomamos posse do nosso mundo interior conhecendo-lhe os recursos e as energias úteis, as deficiências e lacunas a corng1r .

Assim é que lentamente se vai elaborando o ideal

com a sua fôrça unificadora, e se vai sentindo a atração de­ cisiva de sua beleza .

Sem os benefícios dêstes silêncios ami­

gos a vida sem bússola e sem leme, agitada pelas contradi­

Ções

da incoerência, pelo imprevisto de tôdas as surprêsas

esgota-se em veleidades estéreis . falha .

Será certamente uma vida

Conhecimento e a organização do nosso mundo inte­

rior : primeira vantagem da meditação.

Conhecimento exato

e real das coisas : segunda vantagem - assunto da próxima palestra .

Rio, maio 1938 .


ESCOLA LEIGA I Exórdio

-

Influência do ambiente na escola .

A escola leiga é pràticamente impossível : l .O )

por parte das disciplinas .

. Deus enche a criação e Cristo a história . 2. o )

p o r parte dos mestres .

Impossível não tomar partido na gravidade excep­ cional do problema religioso - tanto por parte do mestre católico quanto do incrédulo . Diversas ati­ tudes dêste último . O mestre neutra! - monstro de hipocrisia . 3 .o )

por parte dos alunos .

Impossível mutilar a criança - separando instru­ ção de educação (juízo de Salomão) . Necessária a educação para a instrução . A instrução repercute na educação . Confirmação desta impossibilidade da escola leiga : a) pelo caráter subversivo dos partidos que a preconizam ; bJ pela confissão explícita dos seus fautores . Conclusão : - Educação é evolução - impossível sem dirigi-la - sem conhecer-lhe o têrmo - sem ter um ideal do homem . A.M.D.G.

Rio,

6-VI-28 .


Educar é elevar o homem à perfeição total de sua na­ tureza, é desenvolver tôdas as capacidades de bem que , em germes latentes, dormem na perfectibilÍdade de nossas al­

mas .

Mas tôda a evolução vital está essencialmente subor­

diri.ada às condições do ambiente, em que se realiza . Vêde uma árvore das nossas florestas .

Quanto mais rico fôr o

.solo onde mergulha as . suas raizes, quanto mais desafogada a atmosfera que lhe cede o seu oxigênio vivificaD:te e mais

livre a ação do sol que lhe empresta as suas energias tanto mais ela desenvolverá a exuberância de sua vitalidade na pompa das folhagens e na riqueza dos frutos . O ambiente em que devem crescer e medrar estas plantazin:P,as delicadas que são as almas infantis, é a princípio o conchego do lar

com! as suas intimidap es profundas, �ornl o calor dos seus afetos serenos, com a continuidade ininterrupta de suas in­

fluências multiformes . Mais tarde a escola entra a colaborar

com a família, ampliando o c rculo das relaçõ�s e tempe­

rando as suavidades domésticas com a severidade dos pri­ meiros e �dispensáveis rigores disciplinares . . Paralelamente.

à escola vai-se desenyolvendo numa progressão de dia a dia

crescente o influxo social, pelos variadíssimos órgãos das

relações pessoais, da imprensa cotidiana e periódica, da lite­

ratura, do teatro e de todos os , demais veiéulos de idéias e

.sentimentos . Da família, círculo ínthno mas estreito, à es­ cola, meio um pouco mais amplo, passa o homem a sentir a ação educadora da sociedade e da humanidade inteira . Tudo isto, os vivos que ainda nos cercam, os mortos q�e j á s e foram mas que continuam ainda pelos seus livros e ins­

tituições a exercer a influência dos seus pensamentos,

áfe-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

257

-

tos e atividade, tudo isto constitui nos planos da Providência

<> grande ambiente em que

as almas .

:mste intercâmbio

se desenvolvem e aperfeiçoam de recíprocos influxos de um

sôbre todos e de .todos sôbre um, é um dos mais importantes aspectos da solidariedade humana . Também no plano ainda

.mais vasto da criação, a humilde plantazinha dos · prados vai pedir ao gr�nde astro que nos ilumina as tintas mais

belas para colorir o veludo de suas pétalas efêmeras . E. nem Salomião na opulência de suas glórias traj ou mais esplêndi·

<lamente .

Da influência doméstica e da influência social na for­

mação dos caracteres não nos queremos por ora ocupár . É

·n a ação educativa da escola que concentraremos hoj e os

nossos olhares e, . individuando ainda mais, não da escola em . geral, ou da escola livre, senão da escola pública, qual a reduziram alguns governos modernos, numa palavra da

escola

leiga . Comecemos por esclarecer bem as idéias e defirtir as po­

sições .

Que entendemos, antes d e tudo, por escola leiga?

Não chamamos assim a escola dirigida por leigos, em oposi­ -ção

à

mantida por

eclesiásticos .

Sacerdotes,

religiosos

e

leigos podem e devem colaborar harmoniosamente , em santa emulação, na nobilíssima tarefa de formar homens .

Nem

tampouco, com êste nome, designamos a escola que adota êste ou aquêle método de ensino preconizado pelo govêrno

num determinado momento. Ajuizar da utilidade e da exce­ lência dos métodos é da alçada da pedagogia . Muitas con­

gregações religiosas têm os seus baseados num estudo pro­

fundo da natureza humana, no que ela tem de eterno, e san­

,cionado por uma experiência multissecular, enquanto , nos governos democráticos, as escolas oficiais se deixam fàcil­ mente sugestionar por novidades efêmeras e vão repetindo experiências à custa das almas infantis e fazendo das novas

gerações um campo de experimentação

in anima vili.

Não é, portanto, nem pelo estado, eclesiástico ou ciVil,


258

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

dos professôres nem propriamente pelos métodos pedagó­ gicos que caracterizaremos a escola leiga de que agora nos vamos ocupar . Escola leiga é a escola que exclui dos seus quadros o sa-, cerdote como sacerdote ou, por outra, que elimina por prin-­ cípio e sistemàticamente tôda e qualquer influência religiosa na formação escolar dos alunos . Para ela, a religião é, em teoria, como se não existisse . Professôres e alunos, no campo religioso, devem professar a mais completa abstenção . Ins­ trução religiosa que a dêem os sacerdotes na igrej a, ou os· pais em casa, se o quiserem . Na escola, silêncio, reserva, I neutralidade . Foi a França, como sabeis, que, separando-se de tôdas as outras- nações civilizadas da Europa e da América, colnj imenso escândalo, proclamou, po; primeira, a laicidade ou neutralidade das escolas oficiais . Nós, por desventura, em grande parte, lhe seguirnps cordeiramente o exemplo fu­ nesto .

Dêste ensino neutro dizemos que é impossível na prática, funesto nas conseqüências, injusto em dirf!ito . Anti-religioso, - anti-social, antijurídico, - eis OS três artigos do nQSSO requi­ sitório contra a escola leiga . A acusação é séria e forte, mas,. espero que as provas não lhe ficarão abaixo . É preciso que vejamos a realidade como ela é, é preciso que nós, brasileiros. e católicos, tenhamos, neste ponto capital, nitidez. de idéias­ e consciência dos nossos direitos e deveres, das nossas res­ ponsabilidades sociais e religiosas . I

Uma escola religiosamente neutra é antes de tudo­ uma impossibilidade prática . Impossibilidade por parte das disciplinas, por parte do mestre e por parte �· aluno. -

a) Há indiscutivelmente algumas matérias como por exemplo as matemáticas que se podem ensinar sem perigo· de encontrar a questão religiosa . Outras há, porém, e !rlUitas, que são de todo refratárias a qualquer tentativa de neutra­ lização . Deus imprimiu tão profundamente nas suas obras. os vestígios de sua onipotência que não é possível abrir . o.


A

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

259

livro imenso da natureza sem encontrar em tôdas as pá­ ginas a assinatura inconfundív�l do seu Autor . Não são Uni­ camente os poetas que diante das grandezas do firmamento exclamam) extasiados . Glória a D'eus! eis aberto o livro imensa, O livro do infinito, ' Onde em mil letras de fulgor intenso Seu nome adoro escrito .

KEPLER e NE WTON� LEVERRIEU e LA FAY e OS grandes mestres da astronomia terminam os seus estudos de joelhos, entoando um hino de glória ao Criador . Hino de glória ao Criador entoam ainda os sábios que se ocuparam com o mundo não menos maravilhoso dos infinitamente pequenos . Deus 171,0,gnus inmagnis, '17W,Ximus in minimis, disse um dêles . E êstes problemas postos pela natureza das coisas são inevitáveis ; a nossa própria inteligência reclama uma solução. Em face das harmonias dos astros como diante da finalidade admirável que resplende na complexidade de um organismo o mestre deve dar uma resposta aos porquês in­ coercíveis da razão . Afirmará que tudo isto é o resultado necessário de uma evolução cega? Ei-lo a ensinar o ateísmo . Reconhecerá a ação de uma Inteligêncifl. criadora e ordena­ dora? Ei-lo diante de Deus . E em am'obs os casos e i-lo a re­ solver, pelo sim ou pelo rião, um dos pontos fundamentais do problema religioso . Deus enche a natu reza com a imensidade de sua pre­ sença infrustráv.el . Cristo Uumina a história com os raios de seus divinos esplendores . Na marcha da humanidade através. dos séculos �le é a figura central que tudo domina, o passado, o presente e o futuro, é a chave que explica todos os enigmas da história, a síntese. que recapitula, explica, harmoniza a série dos acontecimentos. Tôda a história do povo judaico é ininteligível sem a figura do Messias . Israel vive 15 séculos com os olhos fitos nesta grande esperança .


260

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Instituições sociais e religiosas, grandezas e vergonhas, vi­

tórias e derrotas, tudo, neste povo admirável pela sua sin­

gularidade, g!avita em tôrno do futuro Salvador, tudo só nêle tem a sua razão de ser e portanto só nêle a sua expli­

cação

psicológica

e

histórica .

Chegada

a

plenitude

dos

tempos anunciada pelos profetas, aparece o Cristo . E o seu nascinmnto inaugura uma era nova para a humanidade .

Hoj e , quando datais uma carta ou assinais um contrato, o ano que escreveis vos reporta ao m·aior acontecimento da

história . É que há 1928 anos que todo o mundo civilizado

sente esta ação penetrante, profunda e indelével, universal

d'Aquêle que, só, entre os filhos dos homens, pôde dizer : Eu

sou a luz do mundo ; eu sou a Verdade e a Vida . Lançai ·um

rapidíssimo olhar sôbre a história dêstes dois milênios.

Os

três primeiros séculos enche-os a luta épica entre o paga­

nismo decrépito e cruel na sua agonia e o cristianismo nas­ cente que envolve a glória do seu berço na/ púrpura dos seus

mártires . Comprada a liberdade de consciência a preço de

sangue, enquanto o Império Romano caía em frangalhos sob

o golpe das hordas invasoras, o cristianismo enche os séculos

seguintes com a sua ação conquistadora e civilizadora de

bárbaros .

Seguem-se os contrastes

intermináveis

entre

o

Sacerdócio e o Império, a consciência cristã que reivindica a sua �utonomia contra as usurpações de CÉsAR . grande

apostasia

moderna .

do

protestantismo

inaugura-se

a

Com a época

São ainda quatro séculos de antagonismo cada vez mais radical e irredutível entre os que amam e os que odeiam a Cristo . fecia :

Tôda a história é admirável realização desta pro­

positus est hic in signumcui contradicetur . Uma con­

tradição íntima e perene se levantou a respeito de Jesus desde o seu prim� iro aparecer na terra e esta cont:r;adição penetra tôda a história no sentido mais amplo da palavra. Instituições sociais e políticas, arte e literatura, moral e . di­ reito, tudo sentiu a sua influência incontrastável . E não .é


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

261

possível percorrer uma só destas disciplinas sem encontrar a cada passo a necessidade inevitável de tomar um partido .

Em tôdas elas a neutralidade é

uma quimera . Que fará um

professor ante êste campo imenso do saber profundamente influenciado pela ação de Cristo e sua Igrej a? Fechar-se-á

porventura no mutismo de um silêncio agnóstico? Mas com que direito pode êle mutilar a realidade, passando uma esponj a :mentirosa sôbre a maior e melhor parte da vida das nações e dos indivíduos? "Apagai, escreve ERNESTO LEGOUVÉ, apâgai todos os vestígios que na terra deixou o sangue d' Aquêle que se chama algumas vêzes o Crucificado . Depois, terminada a vossa tarefa, voltai-vos, abr�çai com um longo olhar êstes

18 séculos que se encadeiam diante de vós, e vêde, sem es�

panto, se o podeis, o vazio imenso que abriu nos século·s só esta Cruz de menos. "

(BAUNARD., Le vieillard, p. 302 . ) E os

fatos, que sobreviverem · a êste corte anticientífico, desarti­ culados e dispersos, como membros amputados de um orga­

nismo sem alma, como propô-los à inteligência das crianças, como encadeá-los em séries de causas e efeitos, numa pa­ lavra, como explicá-los? Impossível o silêncio sem lesar os

direitos da verdade integral; impossível ainda sem resolver implicitamente o problema religioso que se pretende evitar .

O paliativo é ineficaz . O descaso da indiferença j á é uma solução . Não se ofende só o presidente da república dirigin­ do-lhe insultos grosseiros ; passar-lhe ao lado sem lhe tirar o

chapéu com a indiferença com que acotovelamos um var­ redor de ruas, já é um menosprêzo de sua autoridade . Assim., para ofender os direitos soberanos e imprescritíveis de Deus não é mister atirar-lhe a injúria soez da blasfêmia impo­

tente ; não lhe dobrar o j oelho ante a majestade infinita, passar diante d'Aquêle que é como se não fôra já é apos­ tasia . Calar é, pois,

impossível porque o vedam as exigências

de obj etividade científica, ineficaz pela própria natureza da

questão religiosa .

O falar impõe-se como uma necessidade

inevitável . Mas como falar sem assumir atitudes definidas?


262

- A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

A vida admirável de Cristo, a propagação do cristianismo,

a

sua ação profundan$nte civilizadora, a sua imutabilidade doutrinai, a j uventude eterna do Evangelho ao lado dos sis­

temas humanos que se sucedem ao seu lado, a imortalidade da Igreja a sobreviver, após 20 séculos, a tôdas as institui­

· ções huma nas, impérios e dinastias, a presença dêste fer­

mento inesgotável de heroísmo que na massa corrupta da humanidade alimenta p e renemente a seiva da santidade como apresentar e explicar, isto é, tornar inteligível tudo isto

à razão que desabrocha com as suas exigências de causa·

lidade?

Respeitais a totalidade dos fatos e apelais para a divin­ dade de Cristo e de sua Igrej a como para a sua única razão suficiente? Asseverastes as verdades fundamentais da apo­ logética cristã . Mutilais, pelo contrário, a complexidade real dos acontecimentos para forçá-los a entrar nos quadros es­ treitos de um naturalismo nivelador e de valores irredutí­ veis? Ensinastes o

racionalismo, negastes o sobrenatural .

Numa e noutra hipótese invadistes o domínio religioso, vio­ lastes uma neutralidade insustentável .

b) Mais evidentemente quimérica aparece esta neutra­ lidade se passarmos das coisas às pessoas , da análise do con­ teúdo das disciplinas que se devem ensinar à psicologia viva e humana de ensinantes e ensinados .

É o mestre antes de tudo quem não pode conservar,...s e na fria im,passibilidade dos neutros . Não é humano . Vêde

dois homens que. discutem acalorados sôbre . c mbio ou polí­ tica, sôbre modas ou regatas .

Depois de os ouvirdes por

uma hora infalivelmente já tereis tomado partido por um dos contendores contra o outro .

(Começar a torcer .. ) É ine­

vitável . Quando à nossa inteligência se propõem motivos ou razões não podemos debr...a r de apreciá-los e julgá-los . Dire­ mos que uma das alternativas é verdadeira e outra falsa, que ambas são falsas, que uma é mais pr ovável que outra,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

263

numa palavra, julf;amos, sentenciamos . Poderemos errar no nosso juízo, não p b demos deixar de julgar . Possível que fôsse esta abstenção nas questões parti­ culares que desinteressam a nossà personalidade, é de todo o ponto irrealizável quando entra em jôgo a gravidade transcendente da questão religiosa . O problema religioso domina soberano tôda a nossa vida _porque é o problema mesmo dos nossos destinos, do nosso valor moral, da razão de ser da nossa existência . "E impos­ sível, escreve JouFFROY, que um homem, por mais irrefle­ tido que o suponhamos e ernr qualquer condição em que o queiramos imaginar, escape, durante o curso de uma vida longa, à concepção do problema dos destinos. " (Mélanges philosophiques 2, p. 410.) Todos, implícita ou explicitamente formulamos a nossa visão da vida e por ela pa�tamos as nossas ações . O próprio diletantismo pretendendo fugi-la não se esquiva a esta necessidade inerente à essência das coisas . A sua solução religiosa será superficial, leviana, te­ merária; mas será sempre uma solução. Deus é o grande Inevitável e ninguém passa pela vida sem o encontrar no seu caminho .

O mestre, portanto, como qualquer homem e maís do -que qualquer homem porque mais instruído, terá também êle a sua religião e como esta constitui o que há de mais profundo e de mais caro nas nossas convicções, é psicologi­ camente impossível, não poderá passar indiferente ante as inúmeras ocasiões · de as manifestar . 'É um mestre católico? Mas como quereis que êle não transmita a estas almazinhas em flor o patriníônio de ver­ dades e de sentimentos que constituem o seu mais precioso tesouro na vida e sem o qual está certo que aquelas crian­ cinhas marcharão para a sua desgraça aqui e na eternidade? Como quereis que não lhes imprima êste impulso profundo que as há de levar à verdadeira felicidade? Amaria êle real­ mente os seus alunos - e quem não ama não pode educar


264

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

- se se tornara o cúmplice voluntário da sua maior desven­ tura? CurrJ4>riria êle os seus deveres diante de Deus se não­ evangelizasse às consciências que a Providência lhe confiou e de que

um

dia deverá dar conta ·no grande tribunal das

responsabilidades

indeclináveis?

É incréd-q.Io

o

Vê-lo-eis infallvelm.ente esforçar-se segundo as

professor ? suas idéias

para libertar as crianças do j ugo de superstições superadas, de crendices de outras eras , de práticas inúteis e nocivas, a fim de plasmar as novas consciências segundo a sua imagem e semelhança . Q modo por que se efetuará esta educação irreligiosa, demolidora da fé aprendida nos joelhos mater­ nos, variará segundo as condições sociais de uma época ou de uma nação, e principalmente segundo o temperamento individual do incrédulo . Há o incrédulo violento, agressivo e

brutal que fàcil­

mente irrompe em temp ê stade de blasfêmias, injúria's,. in­ sultos b àixos e grosseiros . E o mais insolente, mas nen1 sempre é o mais perigoso . Há o incrédulo irrisor

à la VoLTAIRE, com um sorriso sar­

dônico e amarelo no canto dos lábios, a salpicar ironias sôbre " o que há de mais sério na vida . As suas armas prediletas serão epigramas, o grotesco da comédia, o ridículo da cari­ catura . Há ainda O incrédulo

à la RENAN ·ou à la ANATOLE

FRANcE todo sentimentalismo reverente, todo nostalgias afe­ tadas destas idéias tão belas, tão ricas de poesia, tão embal­ samadas de perfumes antigos que aliment�ram a vida espi­ . ritual de nossos pais e inspiraram o segrêdo de suas gran­ dezas mas que h c_>j e . . . só se podem conservar com o cuidado carinhoso com que nos museus de arqueologia se c�nservam as múmias egípcias, testemunhas frias e sem vida de eras que já não voltam .

São êstes incrédulos que se nos apre­

senta:m com uma serenidade olímpica a "envolver os deuses mortos em mantos de púrpura"

(RENAN) os mais sutis, os

mais perigosos, os mais profundamente demolidores . E esta


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

265

obra demolidora não requer longos discursos nem doutas dissertações,

ainda

que

muitas

vêzes

nem

estas

faltem .

Basta um inciso passageiro, um gracej o equívoco, um sor­ riso cético, um encolher de ombros, um menear de cabeça,. o eliminar um· autor e adotar outro . Não há, pois, na prática e na realidade', um formador

de consciências infantis que se conserve sempre numa zona neutra sem invadir as fronteiras do domínio religioso . E'sta

é a verdade verdadeira . 1V1jas quero levar a argumentação até ao cabo, esgotando tôdas as hipóteses possíveis . Suponhamos

que sê encontre esta singularidade fenomen�l . :Este homem que assim se conserva silencioso, obstinadamente fechado e

tacitur;no, sôbre tudo o que se refere à religião e à moral,. ou tem. convicções religiosas ou não . Se as tem e as recalca

no fundo da consciência sem as deixar transparecer nunca,. é um hipócrita . Ter convicções e agir

como se não as tivera

é a definição mesma da hipocrisia; é um homem que não tem a coragen1 de suas opiniões, que não sabe pautar a ma­ nifestação de seus atos

sociais pelos ditames internos da

consciência . · Não tem convicções firmadas sôbre moral ou

religião? Passai-lhe imediatamente certidão de incapacidade radical e incurável para educar almas . Como há de formar

para a vida as gerações do futuro quem não sabe o que é a

vida e o que ela vale? Quem, sôbre estas grandes realidades do dE?ver, do heroísmo, de Deus e da pátria, da virtude e do

bem, do sacrifício e do am.tJr, não tem nas suas experiências

de homem: ou nas suas idéias de pensador uma noção, um conselho , uma norm.a para transmitir aos homens de ama­

.nhã é · a negação personificada do educador . Compreende-se agora o j uízo severo que' da escola neutra emitiu J. SIMON,

tanto menos suspeito de parcialidade quanto se trata de um

simples teísta sem nenhuma religião positiva :

"Não quero professor neutro ; não quero porque não o estimo ; neutrali­

dade em matéria de opinião é o que há de mais vergonhOS(}

no mundo . Quem · é o vosso mestre? Tem uma opin ão ou


:266

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

não? Se tem, esconde-a . E.

é êste o modêlo que propondes

aos vossos filhos? Se não na tem, deploro-o . . . Escola neutra

é escola desonrada ; ou não _ existe na realidade, ou se existe envergonhe11110-nos dela. "

�mJ

(Discurso na Câmara pronunciado

1886. )

c) Depois da do mestre e :rn,ais do que a dêle é incom­

_patível com a neutr�lidade a psicologia da criança . Algumas vêzes se tem ou vi do em defesa da possibilidade de uma es­ cola imparcial um apêlo à distinção entre instruir e educar .

Na escola ministra-se unicam·ente a instrução ; a educação

moral e religiosa dêem-na os pais em casa e os sacerdotes na Jgrej a .

Por parte das disciplinas j á vimos como é irreali­

zável esta demarcação geom;étrica de fronteiras .

Deus nas

suas manifestações cósmJicas de Criaaor, a religião cristã nas suas influências históricas compenetram tão intimamente

todo o campo do cognoscível que

é impossível percorrê-lo Agora é a psicologia

sem encontrar o problema religioso .

do aluno que vem reforçar, por outro lado, a mesma con­

clusão . "Sôbre a criança, disse LEÃo XIn

(Lett. del Card. Vi­ cario de 25-VI-1878) não é possível renovar o j uízo de SA­

LOMÃo, dividi -lo em· dois com um golpe de espada, irracional e cruel, que lhe separa a inteligência da vontade. " O que

caracteriza o ser vivo mesa de

. é a unidade indivisível . Quando na

experiências o

anatomista começa a separar os

.Inembros de um corpo humano ,

organismo vivo mas um cadáver .

não tem diante de si um . Mais estreita ainda que

a que solda seus membros é a unidade _q':l e vincula uma..� .às outras as faculdades psíquicas e preside ao seu desenvol­ vimento harmônico .

O homem não pode ser educado senão

-com,to um todo. Senão vêde.

Estamos na escola 9nde só se

pretende instruir e comunicar conhecimentos . Mas o aluno A não estuda porque tem preguiça, o aluno

B engana o

professor pretextando doenças fictícias ou falsificando fir­ mas paternas ; o aluno C perturba, com suas brincade

�as

intempestivas, a atenção da aula indispensável ao ensino; o


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE aluno

-

267

D calunia ou importuna os colegas, etc., etc . As letras

do alfabeto não bastariam para enumerar os defeitos mo­

rais que impedem já não digo a formação completa do ho­ mem, mas sim:Plesmente a sua instrução . E eis o professor

pela própria estrutura psicológica do aluno forÇado a exigir

o cumprimento do dever, isto é, a definir-se e a explicar-se no campo da moral e da religião .

Necessária, pois, a for­

mação da vontade para instruir a inteligência .

Por outro

lado, qualquer instrução da inteligência vai necessàriamente repercutir no formação do caráter .

As idéias são também

princípios de atividade ; são uma representação e uma fôrça;

são um reflexo da realidade e um impulso para a ação. A cada passo, no decorrer das aulas, a propósito de uma per­ sonalidade histórica ou

de um grande acontecimento, d e

u m a instituição discutida o u d e uma guerra d e religião, d e uma obra literária o u d e 1;1 m autor de nomeada, de um herói

antigo ou de um criminoso do dia, sob as perguntas que a

j usta curiosidade da inteligência multiplica nos lábios in­ fantis, o professor terá que dar o seu j uízo ; a sua apreciação .

E êste j uízo ; de louvor ou de censura, apaixonado ou cético, v�i refletir-se na alma da criança e aí estabelecer uma je­ rarquia de valores morais, pela qual mais tarde pautará o seu procedimento .

Se o telll{P O j á não nos fôra .escasseando, poderia multi­

plicar no campo da psicologia prática as provas desta im­ possibilidade de uma .escola neutra .

Creio, porém, que . j á

bastarão o s argumentos aduzidos, tirados d a própria natu­ reza P,a escola e dos seus elementos essenciais : o aluno, o

professor, as discipÜ nas de estudo .

A neutralidade é, pois, '

uma quimera; e disto estão · persuadidos antes de tudo os

nossos próprios adversários, os advogados da escola leiga . ·

D:E MAisTRE disse uma sentença profunda, quando es­

creveu : O instinto da impiedade não se engana . Quereis ver

onde está a verdade? Vêde o que ela ataca . Apliquemos o critério

·

Percorrei atualmente no tabuleiro da · política os


268

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

partidos que pre.conizam a laicidade do ensino .

Quais são

êles ! Precisamente aquêles que j uraram guerra de e�termí­

nio a qualquer religião posit-iva e antes de tudo ao catoli­

cismo . Pela confessionalidade do ensino lutam não só os ca­

tólicos, mas os protestantes chamados ortodoxos e os israe­

litas . Pela laicização das escolas : três partidos .

LO) O radicalisrrw anticlerical

francês que lançou mão

da escola como do mais eficaz instrumento de descristiani­ zação do país .

2.0) A maçonaria (na França quase coincide com o par­ tido anterior) . O Bulletin du Grand Orient de Fra nce "apontava como alvo da atividade da maçonaria o - assegu­

rar-se, por meio da imprensa e das corporações políticas,

tanto poder no campo da escola e dá educação popular

que

ninguém nêle pudesse tocar que não fôsse persona grata à maçonaria" . O

Herald, órgão das loj as de Berlim, aponta

entre os obj etivos que mais devem concentrar

interêsse das

loj as "a escola popular, livre, a-religiosa" . E esta indicação

se segue imediatamente a um período em . que se assinala

como missão capital da maçonaria " a guerra contra o cleri­ calismo " .

E as citações poderiam multiplicar-se .

3 .0) Em terceiro lugar o socialismo rubro, ateu. Na Ale­ manha, o programa do partido elaborado em Gatha, inclui

.entre outros pontos :

"Educação popular geral e idêntica,.

subministrada pelo Estado. " Mais precisamente o programa

de EsPERT : "Laicização do e·nsino. " O protocolo da ordem do

dia do partido, reunido em. Halle, não de�a nenhuma pos­

sibilidade de equívocos : tífico . .

"Nosso partido é um partido cien­

. A ciência zela pela boa escola - é o melhor meio "A escola deve contra a religião" (p. 177) . E pouco antes : ser mobilizada contra a Igrej a. "

Só não vê, portanto, quem não quiser abrir os olhos . A Proclamar a

neutralidade é apenas um título de fachada .

guerra aberta à religião e à moral cristã não era de boa diplomacia . Suscitaria a reação compacta de tôdas as fôr a s

Ç


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADÉ

-

269

conservadoras da sociedade . Para enganar as turbas sempre superficiais e ilógi cas, para embalar a consciência dos cató­

licos menos clarividentes inventou-se o rótulo .e quívoco da neutralidade escolar . Com o tempo, porém, para a descris­ tianização crescente das massas j á não eram necessários .se­ Intelhantes paliativos e os preconizadores da escola leiga de­ safivelam a máscara . declaradamente :

Já em 1883 HENRY MARET_, escrevia

"A pretendida neutralidade é uma tolice

( une bêtise) . Não há neutralidade possível . Desde que um professor não ensina a religião com isto mesmo já ensina a incredulidade .

Tudo isto

é

uma tartufice ao

17.o grau. "

MARET era uma voz isolada que empunhava, só, a s suas res­ ponsabilidades individuais .

Com o tempo vieram as decla­

rações mais autorizadas, quase oficiais, pelos órgãos polí­ ticos mais qu alificados para falar em nome do partido . Ci­

tarei apenas a declaraç o

de VIVIANr p·ouco antes de so­

braçar uma pasta ministerial :

"Falam-nos de neutralidade

escolar; mas j á é tempo de declarar que a neutralidade es­ colar nunca passou de uma mentira diplomática e uma t�r­ tufice de circunstância . . . · Nós a invocamos para adormecer os escrupulosos e os timoratos ; hoj e já não se trata disto ; j o­ guemos limpamente com cartas

à mesa .

O que tivemos

sempre em mira foi organizar uma universidade anti-reli­ giosa de uma maneira ativa, militante, belicosa. " A míngua de outro agradecemos o merecimento da sinceridade . menos é falar com franqueza .

Ao

Não creio, portanto, que se

possa demonstrar uma tese com mais evidência . Que a neu­ tralidade escolar sej a uma impossibilidade prática, um título colorido para cobrir a triste e nefasta realidade de uma es­ cola atéia e anti-religiosa, é a conclusão para a qual con­ vergem, em condensação de luz�s, os resultados diretos de uma psicologia humana integral e as confissões insuspeitas dos paladinos que com mais ardor a preconizam . Tenws, por­

tanto, um1 resultado adquirido .


270

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Concluirei com a razão mais profunda da impossibili­ dade de uma escola neutra . Educar é dirigir uma evolução e 'impossível dirigir uma evolução ignorando-lhe o têrmo. Educar é presidir a uma for­ mação, a um vir-a-ser, um fieri, um devenir, e é impossível formar ignorando a forma que se deve dar. Dirão : educar é formar um homem . Resposta vaga e insuficiente . Basta conservar a vida corporal, para ser homem. Um[ homem belo e bom, xa À Ó s x a L a; a 8 à s , na expressão grega . De . acôrdo . Ideal magnífico . Mas precisemos a valor dos têrmos . Quando é que um homem é belo e bom? Que é que constitui a harmonia de faculdades, ó equilíbrio de desenvolvimento necessário à realização dêste ideal de beleza e bondade? Concretizar estas abstr ações é d�finir a natureza do ho­ mem, a finalidade do valor da vida, ·a s nossas relações com Deus e os nossos semelhantes, numa palavra é resolver o problema religioso . Explicitamente formulada em princípios nítidos e conscientes pelas inteligências mais robustas ou implicitamente envolvidas em normas práticas de aÇão pelas inteligências menos especulativas ou mais anêmicas, a so­ lução .religiosa da vida inevitàvelmente preside ao trabalho educativo e orienta-lhe todos os passos . E'ducar, poderemos definir agora, é transmitir um ideal . Quanto mais elevado, mais no bre, mais vívido fôr o ideal do educador, tanto mais profunda e benfazej a será a sua in­ fluência formadora de almas . Quando na vida dos povos surge um dêstes grandes caracteres que sulcam na história um vinco profundo de sua passagem, mais ainda, quando o firmamento da Igreja se constela das esplendores de um novo astro de santidade, instintivamente nós volvemos um olhar interrogador para o passado do herói,. e " com uma cur�osidade comovida indagamos e percorremos os lares lon­ gínquos de sua primeira existência . Que mãos plasmaram êste belo caráter de homem e de cristão? Que mãe ditósa se inclinou sôbre êste berço onde se embalavam tão grandes


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

271

esperanças? Que pai lhe deu os primeiros exemplos de dedi­ cação · e de honra?

Que educadores souberam discernir

e

aproveitar tôdas estas riquezas em germe na sua alma in­

fantil ? "

(M{AINAGE. ) E no grande hom[em de hoj e rico de vir­

tudes e aureolado de glória nos comprazemos em contem­

plar todos êstes vestígios di tosos e indeléveis de sua pri­

meira educação, como na beleza esguia de uma catedral g-ó­ tica subs.iste, ainda, imortalizado na perenidade do granito,.

o gesto feliz do gênio, talvez· anônimo, que a elevou aos ares com fé e amor .

Minhas senhoras .

.

Em cada geração Deus escolhe ai­

gumas almas privilegiadas, para depositárias e transmissoras

do ideal cristão . São as almas de quem recebeu como vós

a missão nobilíssima de educar .

Felizes das que sabem viver em tôda a sua sublimidade

o grande ideal divino . Mais felizes ainda as que consagram tôdas as suas energias a transmiti-lo em tôda a sua pureza

às novas gerações que surgem, ricas de tôdas as promessas

e esperanças do futuro .

Qui ad justitiam erudierint multos julgebunt quasi stellae in perpetuas aeternitates; os que de­ dicam a vida à difusão de j ustiça verão a sua existência

como estrêla, no firmamento das almas, prolongar-se eter­

namente em fu�gores perenes de gloriosa imortalidade . Rio,

5-VI-928 .


ESCOLA LEIGA 11 A escola leiga é anti-social não educa moralmente . Exórdio - Papel da religião na vida e na escola . I Aumento da criminalidade j uvenil atestado : aJ pelas estatísticas oficiais; b) pelas autoridades mais �suspeitas . (no Brasil Rui Barbosa) II - Suas causas : a) causas biológicas melhores ocasiões b) causas eco?�micas c) causas sociaiS Educação da vontade dêriciente, de que são responsáveis : a) a família Ô) principalmente a escola leiga ; provas : 1 coincidência cronológica, 2 depoimento de autoridades insuspeitas, ,3 confissão dos delinqüentes, 4 comparação direta da educação leiga e con­ fessional . III Razão filosófica da ·incapacidade educadora da escola leiga : a) falta de princípios diretores - anarquia das idéias morais ; b) falta de estímulo ao esfôrço e ao sacrifício . Peroração Vitalidade e atualidade indispensável da pedago­ gia cristã . A Igrej a depositária das grandes realidades espirituais . -

-

-

_:_

-

-

--

-

Rio, 10-VIII-28 .


Se educar é formar para a vida, a religião deve ocupar na

pedagogia o mesmo primado que exerce na realidade da no 3sa . existência . Na realidade da nossa existência a relig ão co�.­ penetra, informa, vivifica e domina tôda a nossa atividade

ou não é religião. Deus nã o pode ser um aces3ório dispen­ sável na vida .

Se o homem lhe reconhece a existência e,

através das vicissitudes da sua inconstância, das quedas de

sua fragilidade, orienta profundamente a sua alma para o

Princípio de todo o bem - é religioso . Se com a blasfêmia

da negação ou o descasq da indiferença destrói com as pa­

lavras ou com os fatos a necessidade essencial do Princípio

absoluto de todo o ser, é irreligioso, ateu - teórico ou prá­

tico . Na questão religiosa não há neutralidade po3sível ; a

vida moral do homem necessàriamente afirma ou nega a divindade . Na pedagogia, a educação religiosa por sua natureza de- ·

sem penha o mesmo papel soberano . Ela não constitui "uma

classe ou um dos ramos da formação da criança, mas é a

alma de tôda a sua instrução e educação, a alma de tôda a

cultura ; tudo compenetra e vivifica, como a seiva que não é

uma parte da árvore como o são as raízes e o tronco, os ramos

e as fôlhas, mas a todos se estende e a todos leva a ação

profunda de sua fôrça vivificadora".

(Cardeal

GursAROLA. )

Reconhecer esta transcendência da religíão na formação do homem é dar-lhe uma educação religiosa ; desconhecê-la é formá-lo para o ateísmo e a irreli gião .

A neutralidade escolar ·portanto em matéria de religião

é prâtiGamente impossível ; escola leiga é um título enga­

nador para cobrir a triste realidade de uma escola irreligiosa


274

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

e atéia, de um ensino sem moral e sem D eus . Ora, instruir

sem educar é um êrro fundamental em, pedagogia, educar sem formar a consciência religiosa uma utopia . Eis-nos che­ gados ao segundo requisitório que formuláramos contra a escola leiga :

antipedagógica

e

anti-social e funestíssima

nas

suas conseqüências . Passamos assim da discussão das idéias ao terreno

çlos

fatos . Vej amos a escola leiga em ação, con­

templemos de perto as realizações de sua capacidade edu­ cadora .

O campo de observação será a França . .Se há país em que a laicidade do ensino pudera produzir ótimos resultados é êste . Poucos povos possuem inteligência tão clara e r.aetó­ dica, tr�dições pedagógicas tão excelentes e nenhum govêrno despendeu tão largos recursos financeir_a s e se empenhou

tão profundamente em valorizar o laicismo escolar ·. Ora qual

foi o resultado dêste esfôrço ingente, desta experiência rea­

lizada em condições tão favoráveis, por uma nação privile­ giada?

Aos fatos . Vós me haveis de perdoar a aridez das cifras

e o fastio das citações . Diante de outro auditório eu me con­

tentaria de resumir os resultados : fôra mais simples e m ais

agradável,

porém menos científico

e

menos

convincente .

Não queremos declamar, querem'Os mostrar a rea1idade tal ·

qual ela é .

A criminalidade j uvenil progride de ano para ano numa

marcha ascensional assustadora .

As estatísticas oficiais .

O número de menores punidos pelos tribunais frànceses

foi nestes últimos anos de :

1 872 . . . . . .

1 8 . 000

1 882 . . . . . .

1 6 . 000

1 886 . . . . . .

23 . 000

1 889 . . . . . .

27 . 000

1 896 . . . . . .

36 . 000


A FORl\.11\ÇÃO DA PERSONALIDADE 1901 . . . . . .

·

- ·

275 ·

34 . 457

1 9 08 . . . . . .

33 . 6 1 9

1911 . . . . . .

40 . 333

(KLIMKE_, pp. 5 1-52)

Depois de duas tentativas efêmeras ( 1 81 7 . . . e 1833) a escola leiga foi definitivamente instalada em França em 1882 . A co�çar dêste ano a criminalidade ascende ràpida­ mente . Já em 1886 atinge 23 . 000 . . . até 1896 . . . . em que- . aparentemente estaciona e mesmo decresce de pouco para · elevar-se de novo a 40 . 000 em 1 9 1 1 . Disse aparentemente-, porque a marcha ascendente da criminalidade de menores · continuou a ser real inda que não visível . A população ju­ venil tem baixado com a crise de natalidade cada vez mais aguda . D.e 1897 a 1905 o número dos inscritos nos plista-, mentos militares diminuiu de 16 . 398 . Mais . Por esta época alterou-se o �todo de . registro . Enquanto se contavam · os delitos punidos, começaram depois. a contar-se· somente os· delinqüentes . Assim; um recidiva que antes concorria com · vários delitos por ano, figura agora nas estatísticas com uma só unidade . Mais ; o ·govêrno atemorizado com o efeito de­ sastroso que produziam na opinião republicana êstes resul­ tados lamentáveis do novo regime escolar, expediu ordens sôbre ordens a todos os magistrados para que relaxassem de· rigor na punição dos menores delinqüentes . Em 1898 uma circular recomendava à polícia grande "discernimento" , es­ pírito "largamiente humanitário" na prisão de certos delin- · qüentes . Os relatórios do Ministério da Justiça de 1900 a 1905 contêm todos infalivelmente a mesma exortação à in­ dulgência animadora dos maus hábitos da j uventude des-­ viada . Os j ovens presos são quase todos enviados ao pro­ curador ger�l da República, repreendidos e ·enviados às suas famílias sem que do delito e da sua punição fique o menor vestígio nas estatísticas oficiais . Q. guarda-sigilos e depois ministro da Justiça GUYoT-DiESSAIGNE informa· que em 1905 · de 100 menores denunciados 92 escaparam a uma: repressão ·


276

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A

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

efetiva e,_ por êste alto feito, congratulava-se com "a bene­ volência refletida dos magistrados." Há, portanto, um aumento real e contínuo que se pôde disfarçar por algum tempo para revelar-se de novo evidente em 1 9 1 1 em que a criminalidade atinge a elevada cifra de 40 . 000 . Com o número cresce a gravidade dos delitos . CRUPPI, advogado-geral e mais tarde mi�istro do Comércio, reque­ · rendo contra um dêstes delinqüentes pre�oces, exclamou em plena audiência : "Hoj e, todos os grandes crimes são come­ tidos pelos adolescentes." (RPA. I, p. 162 . ) Por volta de 1 880 contavam-se anualmente 36 assassinos menores, de 1906 em diante êste número passou a 76, i . é . , cresceu . de mais de 1 00 % . A estatística de 1895 acusa 52 •ç:tssassínios, 3 parricí­ dios, 44 infanticídios, 2 envenenamentos, 7 abortos e 9f à ten­ tados ao pudor cometidos por menores de 20 anos . Num só ano sôbre 26 . 0 00 malfeitores presos em Paris, 1 6 . 000, i . é., quase dois terços não chegavam aos 20 anos. A proporção dos recidivas, sEgundo a Revue Penitentiaire de maio de 1 904, aumentou de 1884 a 1904 de 1 1 % a 1 6 % nos moços e de 9 % a 14 % nas moças . Aumento de reincidência equi­ vale a aumento de delinqüentes habituais, de profissionais do crime . Juridicamente o suicídio não pertence à categoria dos delitos, mas o seu estudo no nosso caso é altamente interes­ sante e as suas estatísticas não se prestam tão fàcilmznte à ... f?SCamoteação que vimos há p ouco . Eis um gráfi co representando a gradação dos suicídios de menores entre 1 6 e 2 1 ano� . .

.

No quadriênio de 187 1-76, 168; em 1896 : 529 ; em 1900 : 78 1 ; em 25 anos quase que quadriplicaram . Ezs Cf lição fria dos n'4meros, tão eloqüente que se impôs aos mais araentes advogados q,a escola leiga . Ouçamos um ou outro testemu­ nho . A Lanterne em 1908 fala "das estatísticas sôbre a cri­ �nalidade infantil de dia a dia mais inquietante, do de-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

277

senvolvimento atingido nestes últimos anos pela precocidade

dos criminosos (30-IX e 7-XII- 1908) . DAFC . No mesmo ano

a

Petite Republique ( 5 -IX) :

"

O aumento da criminalidade

juvenil acusa-se tão inquietantemente que tôda a gente se preocupa com descobrir os meios de conjurar o perigo" , e termina alvitrando a

criação

de tribunais

para crianças .

�stes tribunais acabam de ser criados êste ano . O próprio F. BurssoN, um dos . grandes mestres da pedagogia leiga, num Congresso Internacional ( 1908) de educação moral, reunido

em Londres, escreveu .estas linhas de uma concisão cínica

que muito revelam a quem as sabe entender : "É a experiência

mais ousada que um povo ainda tentou sôbre si mesmo : nós

chegamos a privar-nos dêste resíçiuo impalpável, dêste mi­ nimum de religiosidade que a pequena Democracia helvética e a grande República americana tão cuidadosamente con­

servaram. "

Fechemos com o

veredictum . do mais autorizado tribunal

no assunto, da Academia de Ciências Morais e Políticas, uma das grandes cinco Academias que constituem o Instituto de

França . Em 1908, o assunto do concurso submetido ao prê­ mio do orçamento fo i : "Das causas e remédios da criminali­ dade crescente da j uventude. "

Infelizmente n o Brasil não dispomos e m matéria cri­

minal de dados estatísticos que nos permàtam avaliar nume­ ricamente a progressão da delinqüência juvenil . Mas

não

são

necessários

algarismos

mortos,

bastam

olhos vi vos para ver a evidência da nossa crise moral .

Não há quem conheça de perto o meio - soci.al .das nossas grandes cidades que não generalize o . que das classes ar­

madas afirmava há uns 2 0 anos- com todo o pêso de sua au­ toridade o nosso

Rur BARBosA :

"Estudem o desenvolvimento da criminalidade militar

entre nós e hão de verificar, tenho por certo, que a delin­

qüência adquiriu nessa esfera expansão notáv el e crescente desde que se varreu dos quartéis a influência civilizadora do


278

-> A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

.: culto . Os nossos exércitos de terra e mar constituem: hoj e ,

a -êste respeito, pela mais errada inteligência das nossas 1�­ berdades,

·

U!ll)a exceção absurda entre os povos civilizados .

D.as coisas sérias, em nossa terra, por via de regra; não se cogita. "

(Discurso no Colégio Anchieta. )

É, pois, um fato indiscutível e indiscutido o crescendo

, ·assustador, pavoroso, da decadência moral da j uventude . Quais

as suas causas?

.

Os fenômenos sociais, sobretudo nas condiçõ.es da nos�a vida moderna, apresentam-se sempre à análise do observador

. imparcial com tal complexidade orgânica que não é possível

. reduzi-los simplisticamente à ação de uma causa única . Fôra deformar a realidade . Nesta trama tão complicada basta _ tocar um ponto para estremecer nas· mais variadas direções inúmeros fios que lhe vêm trazer influências longínquas .

No caso que estudamos do avolumar-se da delinqüência

dos menores não é possível desconhecer a ação convergente

de muitos fatôres .

/

Fatôres biológicos . Infelizmente é muitas vêzes sôbre o s

pais que recai o mais grave n a responsabilidade dos filhos .

Queimados pelo alcoolisino ou a variados pelo vício transmi­

tem aos seus descendentes, eom uma vida diminuída, a triste hereditariedade -da inclinação para o crim\8 . Estas inteligên­

cias atrofiadas que raiam com a idiotia, estas vontades anê­

micas que j á não sabem .querer, êstés corações refratários à

impulsão generosa dos sentimentos elevados, tudo isto en-

nervoso desequilibrado , candidato a . uma nevrose convulsiva, representa muitas vêzes a hipoteca

. xertado num sistema

.funesta com que pais e mães viciosos agravaram de antemão, a existêncià que transmitiram :àos herdeiros de se11 nome .

·. � · assim qu�, nas eras de decadência moral1 quando uma raça. _ entr� a �eclinar, de geração em geração se vai visivelmente .. acentuan<;lo a degenerescência .

Cantou-o HoRÁcio, dos seus

:.COIJ.t:em.por�n.e os, _ numa estrofe célebre :

Aetas parentum . . .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

279

A tradução de CAsTILHO poderia espelhar também um fato contemporâneo . Nós . . . Afronta dos avós� produziremos Raça pior> mais vil que nos afronte .

E estas taras congênitas - resultantes da hereditarie­ dade biológicà, constituem inegàvelmente um terreno favo­ rável ao desBnvolvimento da criminalidade . Fatôres econômicos . Indicamo-los apenas . O industria­ lismo rrwderno com as suas conseqüências : ·o desamparo dos campos e o afluxo para as grandes cidades, a acumulação de milhares de operários, desenraizados dos seus ambientes tradicionais e amontoados em grupos heterogêneos, o p aupe­ rismo crescente, a superexcitação das tendências demagó­ gicas, - tudo isto constitui uma atmosfera mais funesta à bigiene das almas do que o ambiente fétido e intoxicado das ' vendas e dos caparés à saúde dos corpos . Mais perniciosos ainda os fa tôres sociais . A descriStia­ nização crescente nas manifestações públicas da vida das nossas sociedades mpdernas parece multiplicar de indústria as excitações ao vício, revestindo o crime de todos da fasci­ �ação e:rp.polgante de suas seduções. É a ir.aprensa com as suas descrições passionais e as suas complacências de cum­ plicidade, é a pornografia a exCitar a curiosidade mórbida das crianças, é a rua com as suas exibições licenciosas, é o teatro e o cinema a resumirem numa síntese tôdas as fôrças tentadoras do mal . Causas biológicas, causas econômicas, causas sociais, quem poderá negar, sem parcialidade, a ação de tôdas estas componentes na desagregação d.a moralidade de crianças e adultos? Mas não está ainda dita tôda a verdade . Causas, chamei-as agora; com mais exatidão filosófica de têrmos de­ vera tê-la chamado ocasiões . A causa do crime é uma só : a vontade livre do homem . Onde não há liberdade como no


280

-

A

FORMAÇÃO

DA

PERSONALIDADE

sonâmbulo e no louco, aí não há crime . Somos responsáveis dos atos que estão em nosso poder e o ato de que somos senhor é, por definição, um ato livre : liber do1rtinus sui actus� diz ARISTÓTELES . É, portanto, na liberdade humana mal formada que de­

vemos procurar a causa mais profunda da delinqüência _ moral da nossa j uventude . O ambiente que a cerca - modi­ ficado, como vimos, pelas modé:tnas condições econômicas e­ sociais ...:_ pode constituir e constitui de fato uma formidável tentação mas não uma necessidade de praticar o mal ; alic· a mais o u menos fortemente mas não determina irresistivelmente . Até a influência mais íntima dos fatôres biológicos pode ser vitoriosamente contraminada pelos esforços sadios· de uma educação bem orientada . Com exceção dos anormais irresponsáveis - a moderna psiquiatrta, reagindo "contra a importância exagerada concedida ao fator fisiológico na gê­ nese do crime" pela escola antropológica italiana demons­ trou claramente que os meninos de hereditariedade · carre­ gada se bem educados chegam a ser honestos e não se ma­ nifestam inferiores à m<:lralidade média . Demonstrações ex­ pedmentais dêste gênero subministram os nossos institutos católicos de educação. Citarei apenas o Ospizio Educativo dei Figli dei Carcerati, fundado em 1891 por BARTOLO LoNao, na cidade de Pompéia, perto de Nápoles . Aí só se recebem filhos de criminosos com a co n d�Çãf> de lhe s �rem entregues . na primeira infância . Nos seus quase 40 anos de existência o instituto já formou para a sociedade, às centenas, operá­ rios laboriosos, h9nestos pais de família e até sacerdotes exemplares . '

1 O âmago da questão está pois na educação moral da vontade . 'Se os incentivos externos se multiplicam ou se tor­ nam mais poderosos em fôrça sedutora, tanto mais im�erio­ samente se impõe à pedagogia o dever de temperar para a resistência caracteres de aço .

c;>ra, corresponde a educação moderna a esta exigência


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

281

inadiável? Evidentemente não , respondem por nós os fatos .

As duas grandes instituições de educadores - a

família e a

escola, ficaram, muitas vêzes , abaixo de sua missão . Não quero aqui fazer o processo à

a sua desagregação se acentua de

vistos .

família moderna . Mhs

dia para dia, a olhos

O individualismo dos seus membros tende a sepa­

rá-los em unidades distintas que , numa ambição de sempre

mais independência, buscam isoladamente os seus interêsses

pessoais . O egoísmo exalta-se na febre do prazer com dimi­ nuição do espírito de sacrifíci o .

Daí uma crise de autori­

dade, uma crise de amor conjugal, uma crise de solidarie­

dade doméstica, uma crise de dedicação constante, abnegada e generosa, tudo a refletir-se necessàriamente nu1na crise

da sua eficáeia educativa como santuário onde se formam

as consc:ências fortes .

Mas é à

escola leiga que cabe sem contestação a grande

ref.ponsa� ilidade na deseducação moral da j uventude mo­

derna . É uma conclusão que se impõe a qualquer observador imparcial pela análise serena da totalidade dos fatos .

Aí está antes de tudo a coincidência cronológica entre · os dois fenômEnos sociais : instalação da escola lei ga e au­ mento da criminalidade j uvenil .

Em

1 882 :

16 . 000 delin­

qüentes menores : em 1896 : 3 6 . 000 ; isto é, em pouco mais de 10 anos, a cifra duplicou ! O gráfico dos suicídios não é

menos eloqüente :

128 em 1836 ; ligeiro aumento ( 1 68) no quadriênio 1 87 1-75, aumento explicável pelas conseqüêl)cias da guerra e da revolução de 1 870-7 1 ; órfãos sem pais, famí­ lias na miséria, etc . Apenas começam a amadurecer os pri­ meiros frutos da educação leiga, a linha dos suicídios er­

gue-se quase vertical e, num crescendo incessante e incoer­ cível, aí está a atestar-nos as centenas de vidas ceifadas cada

ano pela cobardia de vontades mal formadas para as lutas da existência .

Em 1900 quase 800

suicidas menores!

Em

menos de um quartel de século, o número dês·s es infelizes

quintuplicou !


282

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Esta coincidência altamente significativa não podia es­ capar aos olhos de quantos estudaram de perto a questão . Já ouvimos os depoimentos insuspeitos de BurssoN e da re­ vista maçônica Lanterne . Ouçamos outras vozes autori­ zadas . BONJEAN, juiz no tribunal do Sena, escrevia em 1907, no Figaro : "A questão da criminalidade juvenil é para a nossa pátria uma questão de vida ou de morte . . . A causa principal desta volta à barbárie é sem dúvida a educação ir·· religiosa." (KLIMKE� p. 5 1 . ) GurLLOT, magistrado de singular competência, j uiz de instrução em Paris : "Nenhum homem . sério poderá deixar de verificar que o pavoroso aumento da criminalidade coincidiu comi as modificações -introduzidas na organização do ensino público. " (Ibid. RPA. ) -

HEILMAIE R� num livro recente e muito interessante Uni­ · camente consagrado ao assunto que nos interessa : "Já em 183 1 foi desterrado das escolas francesas o ensino da reli­ gião . A criminalidade começou desde então a subir . O número de delinqüentes elevou-se de 1 13 . 000 a 280 . 000, sem que para isto houvesse nenhuma crise econômica ou outra causa, como a grande guerra mundial . . . Quando em 1856, ' em virtude da lei Falloux, de novo se introduziu nas escolas o ensino religioso o número de criminosos entrou a baixar anualmente de 14 . 000. Em 1 882 as esçolas foram novamente laicizadas . De novo, a com�çar de 1 886, observa-se um au­ mento na delinquência. " (Der Moralunterricht in der fran­ · zoesischen Laienschule, 1 9 1 8 , p. 85 ; KLIMKE, p. 5 1 . ) PAUL LEROY-BEAULIEU, u m dos mais célebres economis­ tas franceses, escrevia nos primeiros anos do século XX : "De há muito, mas principalmente de uns 15 anos para cá, tem-se dado à instrução pública de meninos e meninas uma orien­ tação que equivale a um verdadeiro suicídio do país." (KLIMKE, p. 59.) E as citações poderiam multiplicar-se . .

Ouvistes o testemunho dos números, ouvistes o depoi­ mento de magistrados e sociólogos, ouvi a conftssão das ví­ timas . Aqui às vêzes são as vozes da desgraça que comovem . •


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

283

Citarei uma só, a de um pobre soldado condenado à morte . p or um crin1e gravíssimo . Pouco ·antes de ser executado, es­ creve a um amigo : "Estas poucas linhas têm por fim comu­ nicar-te que, se resvalei em abismo tão profundo, apesar de descendente de uma família honrada, foi só por culpa da edu­ cação que recebi nas escolas durantes minha j uventude. " E enumera alguns ensinamentos recebidos . Conta em seguida que na prisão veio � conhecer um sacerdote que lhe explicou quais os destinos da vida : até .então nunca ouvira falar dêste assunto . E o infeliz rematá : "Só desej ata que estas linhas . viessem abrir os olhos de tantos j ovens que se deixam iludir · pelas falsas idéias que lhes inculcam . Hei de morrer bem, certo de que Deus, misericordioso, me há de perdoar os meus crimes . . . O meu coração, porém, sangra ao pensar nos meus pobres pais que hão de ficar inconsoláveis . Saibam ao menos o meu arrependimento e o infinito de minha dor . Meu último pensamento será dêles . No céu, espero, havemos de rever-nos." (KLIMKE, p. 50.) Resta-nos ainda um último e eficacíssimo mei<? d e prova : comparação direta entre os frutos da escola leiga e da es­ cola confessional . Falar do ensino religios o livre, glória da França católica . Êste confronto foi feito p or um homem de competência e de absoluta insuspeição, por um racionalista sem fé, por A. FouiLLÉ . Em 1897 verificou êle numa das pri­ sões de Paris, na Petite Roquette, que sôbre 1 00 menores de­ tidos, dois apenas saíam das escolas confessionais . Não pode haver apologia social mais eficaz do ensino religioso nem , condenação mais peremptória do caráter anti-social da pe­ dagogia leiga . Ver a demonstração experimental da eficácia do ensino religioso sôbre a moraljdade nos Études, t. 179 ( 1924) ' p. 3 17 .

.a

·

Como vistes não saímos até aqui do terreno positivo dos fatos, ao qual quisemos absolutamente restringir a demons­ tração da nossa tese . O aumento da criminalidade precoce acusando uma perda progressiva do senso moral na j uven-


284

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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

tude é um fato, indiscutível e indiscutido . A responsabili-· dade do ensino leigo neste grande desastre social, cuja im­ portância dificilmente se pode exagerar, é outro fato, tão evi­ dentemente incontestável que só o poderá pôr em dúvida quem desconhecer de todo a documentação e informação po­ sitiva do assunto . O bservamos até aqui; filosofemos agora . Citamos fatos, elevemo-nos à região superior das idéias . Vimos o que é; in­ vestigamos a sua razão de ser . A razão de ser dêste fracasso pedagógico é a incapaci­ dade radical e irremediável em que se acha a escola leiga de formar caracter es: de dar uma educação moral eficiente . Para formar os j ovens à. virtude é necessário o concurso indispensável de dois fatôres psicológicos : é mister esclare­ cer-lhes a inteligência sôbre a natureza dos seus deveres, é mister subministrar-lhes à vontade m�otivos poderoso3 para vencer as lutas in teriores e as dificuldades externas que muitas vêzes se opõem ao cumprimento .dos deveres conhe­ cidos . A escola neutra, por sua mesma natureza, se acha na impossibilidade de incutir eficazmente nas consciências in­ fantis uma e outra coisa . O primeiro elemento de um caráter é a firmeza de prin. cípios diretores, é um complexo coerente de juízos de valor, capazes de orientar consta ntemente a ação e de prestar à O adolescente vontade o apoio de convi-cções profup.das. deve conhecer com certeza e particularidade os seus deveres, os deveres atuais e os deveres que se irão manifestando, pelo tempo adiante, nas diferentes condições da vida . Agora, per­ gunto eu, como irá formular o seu código de moral uma es­ cola que, por princípio, corta tôdas as comunicações com a filosofia e a religião, isto é, com os fundamentos insubsti­ tuíveis de tôda e qualquer moral? . Não quero aqui agitar a questão, teàricamente interessante, de saber determinar em abstrato, quais o s preceitos de ética que pode conhecer a razão humana desaw,JJ arada de qualquer revelação religiosa .


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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285

Conservando sempre o contato sadio e seguro com a reali­

dade experimental contento-me em registrar n o campo da chamada 1noral leiga a mais pavorosa anarquia intelectual .

Passou-se apenas uma geração e j á não têm ' COnto as mo­ rais que se sucederam nestes 40 anos .

Já vai longe a pri­

meira fase espiritualista de J. FERRY, que plagiou o cate­

cismo cortando-lhes os deveres positivos e os dogmas divinos

que lhe dão a fôrça educativa . Com BuissoN tivemos a fase

do protestantismo liberal, com PAYOT a do evolucionism::>

monista, com DUFRENNE a do materialismp, com JAURES a do sqcialismo, com BAYET e REINACH a que se inculca moral

científica . Nesta delinqüescência progressiva não ficou de pé

nenhuma

destas noções fundamentai3 sôbre as

quais re­

pousa a moralidade : bem , dever, obrigação, virtude e sanção, tudo foi negad o e redicularizado .

No domíni-o da ética particular - individual, doméstica

e social - não houve monstruosidade que não encontrasse

o seu apologista . Justificou-se o suicídio como prova de for­ taleza, o homicídio passional e a devassidão em nome do

amor, os adultérios com.o um "direito do coração " , o divórcio

e a união livre como um corolário do "direito à felicidade " ,

o egoísmo individual, o egoísmo profissional, o egoí�mo na­ cionalista

vida", o

como

conseqüência

espontânea

da

"luta

pela

struggle for life darwiniano que é a lei da exis­

tência . Minhas senhoras, é impossível descrever em poucos ins­

tantes o caos doutrinai q11:e por aí reina .

Só quem tem

acompanhado de perto êste m�ovimento de idéias pode ava- . liar a profundeza desta desorientação das iríter gências, desta

anarquia que reina no ensino moral das escolas leigas . C i­ tar-vo3-ei apenas um fato recente . Reuniu-se e� Roma ante­

ontem, quero dizer, .em 1926, o 4.o Congresso Internacional

de Educaç�o Moral Leiga, com o fim de investigar e for­

mular "um �ó d:go de moral Üniversal " , naturalmente · em

substituição ao Decálogo j á cansado e ao Evangelho j á fora


286

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

de uso. O que houve de divergências irredutíveis ou de su­ perficialidade palavrosa é indescritível . Muitos dos congres­ sistas declararam-se imediatamente pela impossibilidade de sem€lhante emprêsa, outros ocultaram esta impotência in­ sanável sob a retumbância vazia de uma fraseologia ampo­ losa . O inglês FREDERIC GoULn, secretário-geral da Comissão, depois de votar pela impossibilidade de um código, j ulga útil que se ensine a juventude de tôdas as nações "a apre­ ciar as normas do sentimento, do pensamento, da ação social, da luta cósmica comum pela ordem em tôdas as esferas" . Quais são estas normas e em que consiste .esta ordem . . . Outro inglês, SPILLER, organizador do 1 . o Congresso da série, "julga possível a elaboração de um código, mas adaptado à cada tipo de escola, a cada nação efn particular e sem pre­ tensão a exaurir qualquer um dos problemas morais" . "Ehn resumo, entre o sim e o não SPILLER é de parecer contrário . A. FERRIERE, suíço, um dos grandes promotores da "peda­ gogia nova" de inspiração anticristã, e cuj o órgão em quas& tôdas as nações é o Ere Nouvelle, disse que "se pode con­ ceber um código de moral universal, não impôsto mas pro­ posto aos homens consistindo em leis de · higiene social e es­ piritual, leis no sentido naturalista não-] urídico" . Um, có­ digo de leis - proposto mas não impôsto significa : Fazei assim se quiserdes ; se não quiserde�, fazei' o que bem vos agradar. (Cfr. Civ. Catt., 1927, I, p. 5 3 . ) Remate : Antes de se , separarem os operários do pensamento, a Presidência de­ clara que o Congresso não tomará deliberação nem formu­ lará _conclusões . Fórmula parlamentar para encobrir ao pú­ blico a falência completa da moral leiga . Eis, portanto , a instrução moral que se pode dar nas escolas neutras : Os nossos jovens entram para a vida sem ter o conhecimento certo de um só dos seus deveres, isto é, psicologicamente, or­ ganismos sem resistências, prontos a ceder à violência · da primeira inclinação viciosa, à sedução do primeiro prazer . criminoso .


A FORMAÇÃO DA PE&SONALIDADE

-

287

Existência de princípios diretores e de j uízos de valor,. primeira

condição

indispensável

da

educação

moral,

mas

condição insuficiente . Não basta conhecer a lei para obser­ vá-la .

A

lei , por si, não dá a energia e a fôrça de fazer o

bem , sua ação é iluminar a inteligência sem estimular a. vontade . Precisamos de luz que nos indique o caminho, n1as 1. precisa..."'1os

outrossim

de

fôrça motriz

para

progredirmos

nêle . A instrução, mesmo a instrução moral, é de todo ponto insuficiente : é ponto que j á tratamos . O verso de PETRARCA decalcado sôbre OvÍDIO resume perfeitametne a experiência humana :

Veggio il rneglio ed al peggior m'appiglio. O cum­

primento do dever na prática impõe quase sempre sacrifícios penosos - sacrifícios para vencer as dificuldades externas - tôda espécie de solicitações tentadoras do ambiente, sa­ crifícios para vencer a luta interior resultante das paixões que pululam no fundo da nossa natureza .

Cumpre então

fortificar a vontade, subm�nistrando-lhe motivos capazes de lhe inspirar e sustentar a continuidade do esfôrço contra todos os adversários do dever . Aqui a bancarrota da moral · leiga . Depois do vazio doutrinai, a importância prática .

O

sacrifício - pedra angular da vida moral, - não o pode j us­ tificar nem inspirar nenhum laicismo naturalista .

Vêde-o .

Há no homem uma tendência inata, profunda, incoercível para a felicidade - mola primeira e última de tôda e qual­ quer ação . Desej ar o sacrifído p elo sacrifício é contra a natureza. da vontade . O sacrifício é a privação de um bem e a von­ tade tende para o bem como o têrmo natural de suas aspi­ rações. tecível

O sacrifício só nos aparece racional, aceitável e ape­

como meio para o conseguimento de um bem maior .

É mister que no fundo da nossa consciência - lá onde se orienta tôda a nossa atividade moral, domine incontestável

a

certeza absoluta da união indissolúvel do dever com a fe­

Hcidade .

Só assim os sacrifícios impostos pela fidelidade à


288

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

consciência se nos apresentam como condição iniludível da nossa felicidade, isto é, da perfeição definitiva da nossa na­ tureza . Ora, apagai das almas a idéia de um Deus legislador que só pode intimar às consciências a voz imperiosa do dever, apagai a idéia de um Deus j uiz que só pode ler no ínt:mo dos nossos corações o valor dos sacrifícios ocultos para um dia unir eternamente a felicidade à virtude, estreitai o ho­ rizonte das nossas esperanças à caducidade vertig�nosa da vida terrena - e tereis irremedià velmente minado todos os fundamentos da grandeza moral . Esta vida toma então aos nossos olhos um valor absoluto; o problema d� felicidade deve resolver-se definitivamente aqui . Cada qual, segundo o seu tem�)eramento, colocará o seu ideal de felicidade num bem terreno, no prazer o sensual, Ra glóri� o soberbo, no poder o ambicioso . Êstes bens assumem o valor de bem úl­ timo - e todos os meios que lhe condicionarem o consegui­ menta serão abraçados pela vontade com o mesmo ímpeto incoercível com que aspira à sua felicidade . Não há fôrça humana capaz de impor o sacrifício . Sinceramente cuidam êstes sonhadores incorrigíveis que andam: a caminhar sôbre as nuvens, que um j ovem porá freios aos · ímpetos veementes das paixões em efervescência, em nome de umas tantas leis promulgadas por um prefei�o municipal ou um ministro da Instrução Pública? Pensais que um operário se resignará aos desconchegos da pobreza e aos só frimentos de sua vida modesta porque assim o exige a ordem social e o bem comum da coletividade? Não ; o filho do povo rac�ocinará de outro lnodo . Eou homem igual a qualquer homem . Tenho tanto direito à felicidade como os que possuem e os que mandam . Por que a mim, por tôda a vida, a privação, o trabalho mal remunerado, a mort� na miséria e a outrem o gôzo de todos os prazeres, a abundância de todos os luxos, à repouso de todos os divertimentos? A'3sim o exige a ord�m social? Pois bsm, nós somos a fôrça do trabalho, a fôrça do número, a fôrça da ·organização; dinamitemos a presente ordem social .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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Invertamos a posse da propriedade . E quando a,:nanhã o ouro, o prazer e o m.Qndo estiverem nas nossas mãos, quandq os mim!ados da fortuna de hoj e respirarem o ar infecto das nossas fábricas e se estiolarem n� umidade das galerias sub­ terrâneas de nossas minas, pregar-lhes-emos a resignação e o sacrifício em nome da nova ordem social . Que responder à terrível lógica da revolução comi o s re­ cursos da moral leiga? Nada, minhas senhoras . Só se po­ derá viver opondo a fôrça à fôrça . A ordem moral desapa­ rece . Não nos admira, portanto, que o laicismo não só sej a impotente para inspirar pràticamente o sacrifício - isto é, o dever, mas que até emt teoria já lhe não perceba a gran­ deza . Um episódio . No últinro congresso da "pedagogia nova" reunido o ano passado ( 1929} em Locarno, uma pro­ fessorinha ingênua da Suíça pergunta "quais os meios prá­ ticos de desenvolver na criança a renúncia e espírito de Sa­ crifício" . A conferencista do dia, a Sra. GUÉRITTE, ar­ queando as sobrancelhas num gesto de admiração escan­ dalizada : "Renúncia, espírito de sacrifício? Mas com que fim?" (Civ. ca tt. 1 927, II, p. 2 9 1 . ) É a apoteose do egoísmo elevada sôbre os destroços da consciência e da moral . E aí tendes as razões psicológicas do triste fato que assinalamos na primeira parte . A escola leiga não educa porque é incapaz de educar . É antipedagógica porque não forma o homem, no que êle tem de rm:tis nobre, é anti-social porque na generalização progressiva do vício e n� multiplicação deplorável do crime prepara a desagregação das sociedades . Atualmente, em França, a escola leiga atira cada ano no convívio civil mais de 50 . 000 menores delinqüentes !

Sôbre os escombros de tantas ruínas morais acumu­ ladas pelo laicismo sem Deus, bem pudera a Igrej a entoar um hino de triunfo . Não há mais persuasiva apologia de


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sua insubsituível ação civilizadora do que esta catástrofe - feita de anarquia doutrinai e de esterilidade prática dos que resolveram esquivar-se aos benefícios de sua influên­ cia educadora . Mlas a Igreja não canta quando as almas. sofrem . Ante os sofrim(entos desta tragédia espiritual em que se debatem angustiosas e perplexas tantas consciências. sem luz e sem fôrça, sem vida e sem esperança, sem ideal e sem amor, ela multiplica os recursos dõ seu zêlo, os pro­ dígios inesgotáveis de sua caridade divina . Mais do que nunca, a Igrej a se ocupa em nossos dias do grande pro­ blema da educação, porque só ela possui o segrêdo de sua solução integral . Não nos corramos de proclamar bem alto­ esta verdade salvadora . Saibamos ter a coragem. de nossas convicções e a seu tempo dar a resposta que deu o deputado italiano BonRERO, em nome do ministro da Instrução Pública, ao convite feito pelo 4. o Congresso Internacional de Educação Moral Leiga : "O Glovêrno Nacional Italiano está convencido que a única forma possível de educação moral é a estabelecida pelO' Evangelho de Cristo, na interpretação, na tradição e no en­ sinamento católico, dos dez mandamentos da lei de Deus aG catecismo. " (Cfr. Civ. Catt. 1926, IV, p. 193.) Católicos há, por vêzes, tímidos que, ante a fraseologia dos paladinos da pedagogia anticristã, invocam pomposa­ mente o patrocínio da ciênci a e as exigências da consciência moderna ; que se · envergonham do que · �evera ser um título de infâmia e encolhe�se humilhados como que a sup� i­ carem para a educação cristã � edito de tolerância . Não r O . fundamento dos nossos direitos, a solução j urídica do re­ gime escolar, vê-lo-:emos na próxima palestra; por hoj e po­ demos concluir que é precisamente a ciência moderna, a psi­ cologia experimental e a eloqüência dos fatos sociais que nos vieram trazer no campo pedagógico mais uma confir­ mação incontrastável de uma grande verdade geral . A Igreja não envelhece nunca na perene juventude de sua imora­ lidade . -·


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E1a é feita para os eterno s renasci�ntos ; nunca é de ontem ; é sempre de hoj e ; concidadã de tôdas as pátrias e coeva de tôdas as idades . Há vinte séculos que .as civiliza­ ções se sucedem ao seu lado, ela não é solidária de nenhuma das formas contingentes da vid:a social humana . A tôdas vivifica com} a seiva de sua vida divina, mas quando as ins­ tituições humanas caem desfeitas e gastas pelo tempo que consome tudo o que é feitura de noss?-s mãos, ela, sempre viva e imortal, vai aviventar as novas formas que surgem vi­ çosas nas esperanças da sua j uventude . E que Deus a fundou no .seio da humanidade · · conu> depositária incorruptível das verdades essenciais, . como distribuidora fiel dos auxílios in­ dispensáveis de que a hum à nidade há mister para atingir os cinios elevados dos seus eternos destinos . Nel� e só nela se conservam intatas estas realidades espirituais sôbre as quais descansa a vida, a grandeza e a felicidade dos indivíduos e dos povos . A . M . D . G· . ·

Rio, 7-VIII-28 .

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.

).; .


ESCOLA LEIGA III Solução jurídica (a) - Necessidade do ensino religioso . Como conciliá-lo com o agnosticismo dos governos? Eis o aspecto j urídico da questão . I - Complexidade da questão . FamUia, Igrej a, Estado na edu­ cação . Aos pais incumbe o dever de educar: a) é a razão de ser da família; b) só nela se encontram os sentimentos exigidOs para uma boa educação . Direito positivo confirmando o direito natural . A escola - instituto complementar da família, quem a pode instituir? Direitos dos pais sôbre as escolas . II - A escola oficial leiga . . Sua origem e sua justificação jurídica . · A solução do problema no terre rÚ;> do direito comum . A escola leiga é : a ) uma iniqüidade material; bJ uma opressão das consciências . A consciência das maiorias . A consciência dos fracos e pobres . Peroração A escola - teatro da luta das duas cidades cristã e anti-cristã . Dada às professôras do "Sacré-Coeur", 20-IX-28 . , Exórdio

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A.M.D.G.

Rio, 12-IX-28 .


A. marcha ascendente da criminalidade j uvenil constitui um dos sintomas . mais alarmantes da moderna vida social . Um vício orgânico desequilibrou a nossa pedagogia e as ge­ rações que surgem acusam, com uma depressão do ideal hu­ m:ano, um abastardam�nto progressivo dos caracteres . A diagnose serena e desinteressada do terrível mal aponta-lhe como uma das causas principais a eliminação do ens�o re­ ligioso nas escolas . Com exceção de sectários fanáticos, in­ capazes de observar e falar com imparcialidade, é ponto êste sôbre o qual estão de acôrdo católicos e protes.tantes, crentes e incrédulos . Para os que não vêem a realidade com olhos mrus penetrantes alumiados pela luz da fé, a influência mo­ ralizadora do ensino religioso impõe-se com a evidência brut<l.l de um fato, fato social e fato psicológico . Colocan­ do-se exclusivamente no ca:mrr:> o da psicologia experimental, escreveu CLAPAREDE : "Des truir bruscam!ente as crenças reli­ giosas de um adolescente é correr o risco de pro�uzir um vazio (um trou) no seu sistema mental . Com a instabilidade que caracteriza êste período, pode seguir-se uma desorgani­ zação completa . Se êste acidente sobrevêm no momento pre­ ciso em que o jov.em; tomara as suas crenÇas religiosas como suporte de tôdas as suas idéias, como ponto de apoio de seu procedlm.Bnto, esta demolição ac:arreta uma catástrofe : crise de melancolia, pessimismo· ou suicídio." (Cfr. DE LA VAISSIERE, p. '96. ) A. FouiLLÉE chega à mesma conclusão par­ tindo da observação social da delinqüência j uvenil . Ocupan­ do-se do caso particularmente doloroso da França para in­ vestigar-lhe a s causas e os remédios, diz o filósofo das idéias­ -fôrças : "Além do abuso dos preconceitos intelectualistas, da


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confiança exagerada na virtude moralizadora das c1encias positivas, fomos também vítimas de preconceitos políticos, religiosos, anti-religiosos . . . Qualquer que seja a opinião que se forma sôbre os dogmas religiosos, cumpre reçonhecer esta verdade ·ele:r11entar da sociologia : as religiões são um freio moral de primeira ordem ; mais ainda, uma alavanca moral . O cristianismo particularmente foi definido um sistema com­ pleto de repressão para tôdas as tendências más . Particular merecimento seu, pelo qual se opõe a tôdas as religiões an­ tigas, é o de prevenir as determinações más da vontade, com­ batendo-as no seu primeiro germe : o " desejo", a mesma "idéia" ; daí a expressão pecar por pensamento, expressão, diz G�oFALO, de que só se poderá servir uma psicologia su­ perficial. " (RDM 15 de jan. de 1897, pp. 429-430 . ) O que CLAPAREDE e FouiLLÉE afirmaram em nome da � ciências de observação confirmaram todos os grandes con­ dutores de povos desde NAPOLEÃo até MussoLINI� desde VVASHINGTON até COOLIDGE . Para quantos cremos em Deus e encaran1os os grandes problemas pedagógicos de um� altura mais elevada e menos utilita�ista, o desequilíbrio moral do educador sem religião não se apresenta apenas como a contingência de um fato his­ tórico mas como a conseqüência inevitável de uma necessi­ dade essencial . O homem: é, por construção, um ser reli­ gioso . Apagar-lhe Deus da consciência · é tirar-lhe o centro natural de gravitação, é abrir-lhe na vida moral um vazio infinito que a finitude de coisa alguma criada poderá j amais preencher . Católicos e não-católicos, sábios e estadistas, estamos, pois, todos de acôrdo em afirmar a necessidade insubsti­ tuível do ensino religioso . Como, porém, conciliar êste en­ sino ministrado nas escolas oficiais com o agnosticismo re­ ligioso professado por muitos Estados :miOdernos? Em países de população dividida entre vários credos como ensinar um dêles sem ferir a liberdade de consciência dos dissidentes?.


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.Eis-nos assim chegados ao aspecto jurídico da escola leiga, que me parece de importância capital . O laicismo oficif.l da ' nossa Constituição aparece a muitos como um obstáculo insuperável, como um espectro que paralisa, nas suas pri­ .meiras iniciativas, qualquer energia que se queira aplicar a uma solução séria do problema moral na educação do . nosso povo . Importante, porém, nem por isso deixa a questão de ser .árida. Com outro auditório feminino dificilmente eu me de­ �idiria a fazer a travessia monótona dês te deserto onde não .há a frescura de um oásis para descansar um pouco, onde não encontraremos uma só flór de poesia para colhermos no nosso caminho . Mas vós j á mostrastes que eu posso sub­ .meter a provas rudes a boa vontade da vossa atenção e da vossa paciência . A solução jurídica do problema escolar relaciona-se es­ sencialmente com os grandes princípios sôbre que se baseia Não .a existência, o equilíbrio e a harm.onia da vida social. é destas que �tões que se podem abandonar à arbitrariedade dos legisladores ou às flutuações da política . Onde se acham em j ôgo os interêsses espirituais das almas, a formação moral dos caracteres, a preparação civil e patriótica dos fu­ turos cidadãos aí a Igrej a, . a fam.ília e o Estado tem incon­ testável direito a uma intervenção inelutável . E só na har­ monização racional e .sincera de todos êsses direitos se en­ contrará a chave de uma solução j usta, pacífica e du­ radoura . O primeiro princípio que domina tôda a controvérsia é .o do direito natural dos pais à educação dos seus filhos . Para o homem, para o rei da criação, nada tão humi­ lhante como o seu nascimento . Vêde-o a vagir entre as cam­ braias do berço : é a expressão da impotência . O corpo, frágil, incapaz de procurar o alimento indispensável ao seu desenvolvimento físico ; a inteligência adormecida numa le­ targia de que não despertará senão 'com o lento decorrer dos anos, a vontade, paralisada a princípio e, depois, por longo

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prazo incerta ainda e sem as energias capazes de imprimir, por entre a anarquia dos instintos, uma orientação firme e constante a tôda a atividade humana . Que distância desta criancinha frágil ao homem compl�to, autônomo, capaz de viver por si e de bastar a si! Serão necessários, aproximada­ mente, uns vinte anos antes de atingir esta plenitude do seu desenvolvimento natural . E a quem incumbe o dever de prover às exigências de sua evolução física, intelectual e mpral, de amparar a sua fraqueza, de suprir a sua inexpe­ riência, de defendê-lo do vício, de encaminhá-lo para a vir­ tude, de formá-lo para a vida, homem apto à realização dos seus destinos, numa palavra� de educá-lo.? Indiscutivelmente à família . É a sua mesma razão de ser . A família é a grande instituição a quem a natureza confiou a conservação da espécie, isto é, a formação de novos homens, que se vão sucedendo na imortalidade das gerações . Autores de uma vida incompleta, os pais têm o dever estrito de levá-la ao complem:ento de sua perfeição natural . A geração sem a educação seria essencialmente uma obra falha, imperfeita e sem finalidade. Uma é o com­ plemento natural da outra . Aos pais, portanto, incumbe primeiro o dever de educar os filhos ; e só êles o podem fazer . A educação exige como condição essencial de sua eficácia um comple�o harmonioso de sentimentos que só se encontram normalmente no san­ tuário da família . No educador quer-se autoridade, firme mas telllJlerad� pela suavidade, forte mas terna, que se iin­ ponha sem discussão à ob�diênci� e à confiança - tal é a autoridade paterna e materna; quer-se ainda longanimi­ didade, paciência, sacrifício e dedicação que nunca se des­ mintam durante o longo, difícil e delicado período da ·o bra educativa e êstes sentimentos só os pode inspirar o grande amor que consagram os p�is aos que são a carne de sua carne, os ossos de seus ossos, o prolongamento querido d€! sua existência terrena . No educando quer-se confiança, do­ cilidade, obediência e tudo isto nos filhos se encontra com


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a espontaneidade de � instinto . Acrescentai a continui­ dade da influência educativa, que a torna mais eficaz, a in­ timidade das relações domésticas que permite um conheci­ mento mais profundo da índole das crianças e vos conven­ cereis fàcilmente de que à paternidade, fonte da vida, impõe a própria natureza imutável das coisas a responsabili­ dade indeclinável da educação, aperfeiçoamento essencial da mesma vida . Numa época em que se procura às vêzes anticientificamente - esclarecer as leis da humanidade com as analogias tiradas da psicologia comtparada dos animais, poderíamos �inda acrescentar êste argumento : em todo o reino animal os filhotinhos incapazes ainda de se bastarem a si IU€smos recebem o complemento educativo daqueles mesmos de quem receberam a vida . -

O que no-lo diz a razão, o que no-lo inculcam: os ins­ tintos reconheceu-o sempre a consciência da hum�nidade . Com uma magnífica unanimidade moral o direito positivo sanciona o direito da natureza . Com exceção de Esparta na antiguidade e do socialismo bolshevista nos nossos dias, todos os códigos civis, antigos e modernos, reconhecem e promul­ gam o grande dever escrito com caracteres indeléveis no fundo das consciências . GRÓCIO : "JurisconsuJte veteres liberorum educationem ad jus naturale referunt, id est, ad illud, quod cum instinctus naturae aliis quoque animantibus COJUlllendat, nobis ipsa praescribit ratio." De jure belli et paciS, II, 7,4 .

Código Civil Italiano : "Il matrimonio impone ad ambedue i coniungi l'obbligazione di mantenere, educare e istruire la prole." Art. 138 . Constituição de Weimar_, 3 1 de julho de 1919 : Art. 120 : "A educação física, moral e social da prole é dever supremo e direito natural dos progenitores, sôbre cuja execução vigia o Estado." Dever natural e portanto direito também natural . Tôdas as vêzes que a natureza nos impõe uma obrigação, nos ou-


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torga outrossim tôdas as faculdades morais indispensáveis ao seu desempenho . Como direito natural, o direito educa­ tivo dos pais é inviolável : nenhuma lei positiva pode con­ fiscá-lo ou pôr-lhe obstáculos ; como dever natural é inde­ clinável; nenhum pai pode, sem ferir sua consciência, exi­ mir-se às conseqüências naturais da paternidade, e ne­ nhuma sociedade, civil ou religiosa, pode dispensá-lo . "So­ mos livres, diz LACORDAIRE, de abrir mão de um direito, mas não somos livres de renunciar · a um dever." Longa, porém, e complexa é a tarefa educativa . Para Ie:vá-la a têrmo míngua muitas vêzes aos · pais o tempo e a competência, o tempo absorvido pelas necessidade da vida material, a competência que, de si, não pode estender-se à universalidade do enciclopedismo . Como auxiliar e colabo­ radora dos pais na obra educadora surge então a escola, que de sua natureza é uma instituição complementar �a família, destinada a ajudar, integrar e suprir a sua ação educativa . É só em nome dos pais e com a autoridade por êles dele­ gada que qualquer educador pode, .na ordem natural, exercer .as funções de seu magistério .

A quem compete instituir escolas? Antes de tudo, aos próprios pais . Os que têm o direito primordial de instruir e educar têm, outrossim o direito de associ�r-se para obter com a convergência dos esforços o obj etivo comum qúe as iôrças isoladas seria� incapazes de atuar . Depois aos indi­ víduos, livres e associados, que quiserem oferecer aos pais a colaboração de sua competência profissional. Finalmente quando as iniciativas particulares são insuficientes, ao Es­ tado, cuja função é, j untamente com a tutela da j ustiça, prompver a prosperidade pública . Na educação da juven­ tude ao Estado não assiste nenhum direito primário e exclu­ .sivo; sua função é supletiva :. auxiliar as famílias no cum­ primento de sua missão, respeitando-lhes todos os direitos :p.aturais e inalienáveis . Daí nada mais .fácil que deduzir os direitos dos pais


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sôbre

as escolas, quaisquer que elas sejam� fundadas livre­ mente pela iniciativa particular ou instituídas pelos poderes públicos .

As famílias assiste antes de tudo o direito de optar li­ vremente p ela escola de sua confiança, a que melhor cor­ responde ao seu ideal .educativo e. às exigências da própria consciência moral e r�ligiosa . �sse direito implica necessà­ riamente o de escolha do mestre . O mestre é a alma e a vida da escola . Tal mestre, tal escola; tal escola, tais alunos . A evidência dêsse direito não pode ser negada sem destruir a ordem jurídica natural que j á estabelecemos . Onde fôsse lícito ao E'stado ou a qualquer pessoa, física ou moral, impor uma escola às famHias, aí se consumaria a violação da mais intangível das liberdades . forçar o limiar dos lares, arrancar dos braços de seus pais uma criança de 6 ou 8 anos para �nclausurá-la numa escola o nde se nega o que a educação doméstica afirmou, onde se afirma o que ela nega, onde se destrói o que ela construíra - é a mais intolerável opressão das consciências . Com a livre escolha da escola não se desempenharam ainda os pais de tôdas as suas obrigações. Incumbe-lhes ainda o dever e portanto assiste-lhes o direito de seguir e fiscalizar uma educação que é dada em seu nome e em seu lugar . Os professôres ficant sempr.e representantes e delegados dos di­ reitos paternos, m.as educadores natos e essenciais são sempre ris pais que não podem nunca alijar sôbre ombros alheios tôdas as responsabilidades desta incumbência . Acompa­ :rihem, portanto, de perto, os seus filhos, fiscalizem os livros de textos, as doutrinas ensinadas, o procedimento dos mes­ tres, para sancionar com a sua autoridade a educação, se corresponde aos ditames de sua consciência, ou retirar a tempo os meninos de uma escola que, em vez de educar, per­ verte e corrompe . - Só assim se salvaguardam as prerrogativas naturais, in""' tangíveis .e inalienáveis da paternidade ; a escola .conserva o


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seu caráter essencial de prolongamento da farndlia e os que nela educam não exorbitam das suas atribuições de manda­ tários e representantes dos pais . Só assim também - corolário espontâneo da ordem na­ tural respeitada - se pode assegurar à obra educativa a sua unidade indispensável e, com a unidade, o segrêdo de sua eficácia . Admitir, por uns instantes, que a escola possa im­ primir à sua pedagogia uma orientação moral oposta à das famílias, admitir que aos seus professôres sej a lícito trans­ formar-se de colaboradores em, adversários da educação ·pa­ terna e tereis oposto, em! antítese funesta, duas instituições complementares que a natureza das coisas exige colaborem na convergência pacífica da m.ais imperturbável harmorÍia. Escola e família inspiradas em principios morais e religiosos opostos destroem-se reciprocamente com incomensurável prejuízo da criança . Na sua alma �antil o antagonismo de suas influências, ambas prolongadas, profundas ambas, acabará por produzir o irreparável dano da ruptura psico­ lógica do equilíbrio interior : Na inteligência o ceticismo, na vontade o desânimp e a falta de alento para os sacri­ fícios do dever . Consciências sem ideal e sem convicções, sem energia e sem virilidade, vítimas �manhã da tirania das pri­ meiras paixões violentas . Não são êstes os homens que pas­ sarão pela vida fazendo o bem, fiéis a Deus, úteis à fann1 ia e à pátria. A oposição entre a escol� e o lar deformou-os : a obra educadora e formativa, que exige a unidade como condição essencial de êxito, ficou irremediàvelmente compro­ metida . A luz dêstes princípios podemos exam�nar imparcial­ mente a situação jurídica de um EStado que decreta a !ai­ cidade confessional e filosófica do seu ensino . A educação a-religiosa ou irreligiosa era uma monstruosidade desconhe­ cida nos fastos pedagógicos da humanidade . Inventou-a a Revolução francesa . Nos paroxismos de uma crise de de­ mência, a humanidade decretou a própria apoteose e con­ denou Deus a um ostracismo que· lhe pareceu irrevogável .


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Mas Deus, o Indispensável de tôda a vida humana, Deus, o Eterno necessário, Deus voltou, voltou à vida social pelo res­ tabelecimento da j erarquia eclesiástica que havia sido exi­ lada ou guilhotinada, voltou aos seus templos que se ha­ viam fechado e voltou às consciências que d'í!He não podem prescindir . Não voltou, porém, definitiva�nte à escola . A sua laicização preconizada por CoNOORCET, conservou-a o li­ beralismo de alguns Estados que a puseram sob a proteção jurídica de um princípio mal entendido . O Estado, na mo­ derna divisão religiosa que separa as consciências dos ci­ dadãos, não se pode ligar a nenhuma religião positiva, a nenhuma Igreja . De sua natureza é i:qcompetente em ma­ téria religiosa. Indiferente a tôdas as formas do culto, a todos respeita, a nenhuma protege . A escola de Estado de­ verá, necessàriamente, ser uma escola leiga, uma escola neutra . Creio que bem pou�os juristas sérios estej am sincera­ mente convencidos da procedência de semelhantes argu­ mentos . Manejam-nos, porém, com habilidade os políticos interessados em enfeudar o Estado à sua propaganda sec­ tária . A fôrça de pisada e repisada; esta defesa pseudojuri­ dica de uma instituição nefasta acaba atuando, por su­ gestão, nas esferas de meia cultura e adquire em muitos es­ píritos os foros de dogma indiscutível, afirmado pomposa­ mente como uma das conquistas intangíveis da civilização moderna . A realidade, porém, é bem outra . A questão das rela­ ' ções entr� a Igreja e o Estado e a do ensino religioso nas escolas não são solidárias . Dfi.versos e independentes são os princípios jurídicos que presidem à solução de uma e de outra . Sem pressupormos, portanto, resolvida favoràvelmente pelo EStado. a aceitação oficial de uma religião positiva, de­ fendemos a necessidade do ensino religioso, no terreno do direito comum, em nome dos princípios incluídos em todos


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os pactos fundamentais dos povos cultos e unânim.emente reconhecidos como condição essencial da vida jurídica e so­ cial da civilização :moderna. É precisamente em conseqüên­ cia de sua atitude tomada diante da religião que ao Estado incumbe o dever de conservar o ensino religioso nas escolas . Com o risco de parecermos enunciar um paradoxo, diremos que o ensino confessional é um postulado da laicidade do. Estado . De fato contra a escola leiga, tal qual é praticada entre nós, jormúlamos juridicamente duas acusações : fere a jus­ tiça social e ofende a liberdade de consciência : é uma ini­ qüidade material e uma opressão espiritual . Uma iniqüidade material . Muitas vêzes ao ensino ofi­ cial se dá o nome de gratuito . É um( _ eufemdsmo de con­ venção ao qual não responde � realidade . Gratuito foi só o ensino ministrado pela Igrej a na Idade Média . Centenas de milhares de escolas havia a Igreja semeado pela imensa ex­ tensão da Europa, "de tal maneira, dizia LUTERO, que sem um milagre de Deus não era possível que delas escapasse uma criança. " Esta magnífica cruzada de luzes represen­ tava o esfôrço da caridade cristã em prol do progresso i�­ telectual : de doações generosas dos ricos, dos legados pios, d os sacrifícios do clero saiu o imenso capital que permitia franquear indiferentemente e sem mais ônus a ricos e pobres o acesso à instrução . Hoj e não é assim: escolas ofici.àis são custeadas pelos cofres públicos m;as os cofres públicos alimentados pelo int­ pôsto do contribuinte . Os milhares de contos que se gastam e se esbanjam em instalações e manutenção das escolas saem da bôlsa dos c idadãos espremida à fôrça pelos oficiais do ·fisco . Ora, a j ustiça distributiva exige que um . imjpôsto pago por todos a todos aproveite na medida do possível. Ou mais rigorosamente : para cortar a possibilidade a qualquer trica forense, "os . impostos destinados a cobrir as despesas de um ·ser�ço público de utilidade universal devem, quanto pos­ , ·Sível� -aproveitar a tOdos � cidadãos." (FALLON, Études., ·

.

·


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t; 140, p. 217.) Ora, que faz o Estado? Abre escolas e a tôdas impÕ€ o laicismo oficial, a instrução e educação a-religiosa, incompatível cortl( a consciência de uma fração, grande ou pequena, pouco importa, dos seus habitantes . Ao católico, ao protestante ortodoxo, ao j udeu que ainda é religioso que se j ulgam em consciência obrigados a não mandar os seus filhos à escola leiga, o Bstado impõe o ônus dobrado de pagar a escola livre, única que lhe serve e mais a es­ cola do Estado que não lhe pode servir . Era GOIDP se a um viajante para Santos se dissesse : O senhor é livre de escolher dois caminhos : um . por terra, _ outro por mar, a cargo de Companhias diferentes . No caso, porém, de o senhor escolher a viagem por mar será obri­ gado a pagar o seu bilhete à Costeira e também à Central. Evidentem�nte, a Central lançaria aqui um impôsto sem que para isto tivesse a somibra de um título . "E seria mais do que um impôsto , ponder8: j ustamBnte E'. FAGUET, porque um impôsto não passa de uma remuneração que se dá ao Es­ tado por um serviço que nos presta. O que êle nos cobraria seria um tributo como os que os vencedores impõem aos vencidos . E é exatamente o que faz o Estado pagando os · seus professôres com o dinheiro de quem tem outros, taxan­ do-os assim com um.a contribuição de guerra . É um pouco bárbaro", conclt�i FAGUET, Le libéralism.e, pp. 134-5 . DAFC . II. 927. Tão bárbaro que as nações civilizadas, quase tôdas, já incluírani êste princípio elementar de justiça distributiva no seu regj,me escolar . E, como veremos logo, os grandes tratados de Versalhes e Saint-G€rmain lhe derám solene­ mente entrada no direito internacional . Exemplos de outras nações citá-los-ei adiante . Aqui lembrarei apenas os das na­ ções escandinavas, Noruega, Suécia e Dinamarca . Nelas a quase totalidade da população é protestante . Nas escolas públicas o ensino e a educação religiosa são obrigatórias, mas é o luteranismo a religião ensinada . Era mister salva­ guardar · a liberdade de consciência dos poucos católicos . A êstes faculta a lei a abertura das escoias confessionais livre&


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Era mister salvar �inda a j ustiça: o contribuinte cujos filhos freqüentam a . escola livre ipso jacto fica exonerado do im­ pôsto escolar. Solução j usta. Mas alimentar com o impôsto de todos os contribuintes escolas oficiais a-religiosas que a maioria das

famílias recusa, é

uma ofensa flagrante da

justiça. E, mais, uma violação da liberdade de consciência . Nada

mais evidente a quem quiser examinar fria e serenamente a questão.

A escola leiga, apesar de se chamar, muitas vêzes,

neutra, nada tem de neutralidade . Não é uml tribunal de arbitragem desinteressado em cuj a sentença imparcial de­ positam a sua confiança dois contendentes que diretamente não se podem entender num litígio ; não é um território in­ violável que não beneficia a nenhum dos beligerantes. Nada disto. A escola leiga é incompatíve1 com a consciência ca­ tólica . Temos lei expressa que aos pais veda enviar os seus filhos a semelhantes institutos. É o cânon 137 4 : "Pueri c a­ tholici

scholas

acatholicas,

neutras;

mixtas,

quae

nempe

etiam acatholicis patent, ne frequentent." As razões desb lei são muitas e ponderosas . Não queremús a escola neutra porque não pode dar uma .

instrução corrupleta . A religião é parte integrante da cul­ tura intelectual; Deus a suma Verdade ocupa o vértice das coisas cognoscíveis. A �le .se prende necessàriamente a so

..

lução das grandes questões da vida, da origem e dos des­ tinos do homem . O cristianismo nos seus 20 séculos de exis­

tência é chave da nossa história e a alma inspiradora das grandes conquistas da nossa civilização . Por princípio, a es­ cola leiga fecha à inteligência todo êste campo de verdades

não menos importantes no seu valor relativo nas suas ·de­ pendências com as ciências e as artes do que no seu valor absoluto, tanto na ordem especulativo-filosófica, quanto na p rático-moral . Não queremos

a escola neutra

educar, de formar o caráter.

· porque é

incapaz

de·

Não há formar moralmente o '


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE homem e muito mais o cristão, sem lhe falar à

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consciência

.religiosa. Já o provamos largamente. Não -queremos a escola leiga porque não continua e .aperfeiçoa a educação doméstica, antes a ·contradiz e con­ tamina.

Elrn casa educa-se todo o homem: inteligência e

.sentidos, vontade e coração. A idéia e o sentimento religioso tudo vivifica, compenetra e consagra; nas famílias cristãs a ,

Deus ensina-se a elevar <;>s olhos agradecidos nos dias de alegria e os olhos úmidos de lágrimas mas resignados e con­ fiantes nos momentos de tristeza. A escola leiga divide o que a natureza ensinou às mães a unir deixando atrofiar-se

•na inação a parte mais bela e mais nobre da nossa vida in­ terior. Não queremos a escola leiga, porque não só não con­

tinua a educação religiosa mas a deforma. Envolver com as so�bras de um silêncio inviolável as verdades religiosas "num lugar onde se ensinam tôdas as verdades é insinuar na criança, habituada a só valorizar o que lhe ensinam n�s

escolas, a idéia de que o cristianismo não merece ocupar um

'

pôsto no santuário da ciência", é partir o nexo orgânico que

vincula o cristianismo à cultura. · A atmosfera de indife�

rença religiosa acaba por desgastar as bases de qualquer re­ ligião positiva e preparar o caminho ao ceticismo e à incre­ dulidade. Não queremos a escola leiga, . porque onde não se fala de religião não se pode exigir do mestre títulos de idonei­ dade religiosa e os filhos de nossas famílias poderão amanhã ser educados por professôres incrédp.los, que nas suas almas plásticas e maleáveis poderão inocular com o desprêzo da religião aprendida em casa o menosprêzo da autoridade pa­ terna. Não nos faltam, portanto, razões para recusar a escola leiga. M.as, notai bem, não temos que dar razões ao Estado das nossas crenças religiosas;

faJtam-lhe credenciais para

nos pedir conta à consciência. O que exigimos é respeito· à nossa liberdade religiosa.


306

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Não querem a escola leiga, os católicos ; não a querem os protestantes ortodoxos ; não a querem os j udeus ainda religiosos, não a querem todos os adeptos de uma religião positiva . O� que a preconizam já o vimos : são a maçonaria,. o socialismo sectário, o anticlericalismo perseguidor . A es­ cola leiga é, portanto, uma escola propugnada por uma seita, é uma escola sectária, não é uma escola neutra . Vêdes agora a opressão espiritual exercida pelo Estado que laiciza os es­ tabelecimentos de ensino . Fazendo-se mestre-escola, êle tem diante de si duas ca­ tegorias de famílias : umas que recusam o ensino leigo como · inconciliável com a sua consciência, outras que o desejam como correspondente aos seus ideais educativos . Não po­ dendo evidentemente satisfazer a ambas com um tipo único de escola, o Er,tado decreta que êste tipo único satisfaça às exigências dos laicizantes com exclusão. de tôdas as famílias religiosas . Destarte, uma instituição pública por sua natu­ reza de utilidade universal converte-se em instrumento de propaganda a-religiosa e muitas vêzes anti-religiosa. O Es­ tado advoga então as idéias e os interêsses de uma seita ou de um partido - e precisam,ente dos partidos subversivos da ordem social - e oprime a liberdade religiosa dos demais . Nem se diga : Não há opressão de consciências : o Estado vos deixa a liberdade de escolher entre a escola pública e a escola particular. A resposta não f�z senão agravar uma injustiça com uma ironia cruel . Imaginai que um govêrno dissesse : respeito a liberdade de todos os cultos e de tôdas as religiões e depois com os dinheiros públicos coalhasse o país inteiro de magníficas loj as maçônicas, e deixasse à ini­ ciativa e aos recursos das bôlsas particulares a simples fa­ · culdade de construção das igrejas. Seria isto imparcial ·e hon€sto? Loj a maçônica e escola leiga - como se devem aproximar estas duas instituições equivalentes! -parecem-se · como mãe e filha ; a escola leiga é uma criação maçônica para começar na criança o trabalho de demolição religiosa que as loj as continuam mais tarde na grande vida social.


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

307

Estado que assim procedesse conservaria a neutrali­ dade? . É isto neutralidade? É isto respeitar igualmente os direitos espirituais de todos os cidadãos? Não há, aí, eviden­ tem€nte ·uma atitude assUIIl/Íd a em face do problema reli­ gioso a favor de uma fração das famílias contr� a outra? Um

.

.

Atitude tanto mais irritante, quanto são precisamente os interêsses de uma imensa maioria de farnjlias os que assim se sacrificam aos de uma minoria insignificante. As ' famílias em seu malor núr.o.ero não querem o ensino leigo . Citar-vos-ei estatísticas de três nações b€m diversas . Na Itália quando mais fervia a propaganda anticlerical, VILLARI, ministro da Instrução Pública, expediu uma cir­ cular aos inspetores escolares a fim de que fizessem uma estatística dos alunos que freqüentavam as aulas de religião. Rlesultado : mais de 90% dos matriculados . Em Gênova sôbre 15. 000 a�unos , apenas 74 não queriam instrução reli­ giosa (5/1. 000). Na Bélgica a instrução religiosa é obri­ gatória . Dela porém são dispensados os alunos cuj os pais o solicitarem . Verifiquei nas estatísticas pouco anteriores à guerra, de 1911, em1 tôda a população escolar não chegavam a 4% os dispensados . Na ALemanha, instrução religiosa obrigatória . Delns, porém, podem ser eximidos os alunos a requerimento dos pais ( decreto de 1 de abril de 1919), se o menino é menor . de 14 anos, do próprio aluno depois dessa idade (lei federal de 15 de julho de 192 1). Em tôda a Prússia não chegam atualmente os dispensados do ensino religios o a 2% da po­ pulação escolar. Que magnífico plebiscito em favor do en­ sino religioso! Mas tambem que ironia para os governos que se dizem dernpcráticos, representantes da vontade soberana do povo expressa pelo . voto livre das maiorias! Não quero revolver a questão delicada da liberdade de consciência com sufrágios de maiorias ou de minorias, com a opressão de muitos sôbre poucos ou de poucos sôbre muitos. Nós cató­ licos que compramos a liberdade de consciência religiosa


308

-

com

o

A

FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

sangue dos nossos mártires prezamo-la em mui to para

a expormos

aos azares da política e à volubilidade das

massas . Na solução do problema escolar que reivindicamos, respeita-se a integTidade de todos os direitos espirituais. · Mas não nos é possível não salientar o caráter de incoerência profundamente anti-social de um govêrno que, fazendo-se educador, abre e modela as suas escolas por um tipo uni­ forme repudiado por 90, 96, 98% das famílias, para dobrar-se às exigências intólerantes de uma fração insignificante dos educadores . Opressão irritante porque de poucos sôbre a quase tota­ lidade da nação Opressão odiosa porque exercida sôbre fracos e indefesos . Sim . As famílias religiosas abastadas e .

cônscias dos seus deveres, mais que o

d inheiro, prezam o bem

dos seus filhos . Suj eitando-se de preferência à injustiça ma­ terial, resgatam-se à imposição violadora da lib8!dade de suas consciências. Pagam duas vêzes : ao govêrno os inl­ postos que vão alimentar as escolas oficiais incompatíveis com os seus ideais educativos, ao ensino livre e confessional que só responde às exigências dos seus deveres. Resta a grande massa - a massa dos pobres e ignorantes, incôns­ cios dos seus direitos, a massa dos remediados - a quem os vencimentos limitados . e reduzidos pel� multiplicidade dos tributos não permitem abrir uma verb� para a educação dos

filhos, em estabelecimentos particulares .

A

esta imensa

maioria de famílias - na sua quase totalidade religiosas e que na religião querem educados o s que são o prolongamento natural da sua existência - apresenta-se o Estado ·e diz­ -lhes: dai-m!e os vossos filhos e eu vo-los educarei gratuita­ mente nas minhas escolas . E as criancinhas de 7 ou 8 anos deixam o lar paterno e durante a sua nreninice e adoles­ cência passam os dias quase inteiros na escola, sujeitos à in­ fluência espiritual de tôdas as crenças e de tôdas as des­ crenças às quais o automatismo irresponsável da máquina


A FORMAÇÃO

DA PERSONALIDADE

-

309

administrativa do Estado aprouver confiar a direç"ão dos seus estabelecinlentos.

É destarte que um govêrno, que na letra de sua consti­ tuição inscreve a liberdade. de consciência como um· direito. inviolável e o respeito à autonomia religiosa dos cidadãos como uma condição de pa2; social.- na prática com a in­ clusão do laicismo impôsto à educação dos seus estabeleci­ mentos- de .ensino,. se transforma em proselitista do indife­ rentismo religioso, em órgão de propaganda do ateísmo e da incredulidade. Evidentemente a escola leiga, que já vimós não corres­ ponder aos ideais da sã pedagogia, não pode tampouco ser a solução jurídica do problema escolar. Eis por que quase tôdas as nações buscaram eni outras formas de regime escolar con­ ciliar a liberdade de consciência das famílias com os direitos do Estado numa fórmula que salvaguardasse, com a totali­

g

dade dos direitos em jô o na formação das gerações de ama­ nhã, os interêsses mais vitais dos povos. Escola leiga, tal qual a descrevemos não a conhecem, na Europa, a Inglaterra, a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca, a Escandinávia (Suécia e Noruega), os

grandes Estados da

Confederação alemã

__.:_

Prússia, Baviera, Saxônia, Würtemburgo e Baden, Polônia, Hungria, Tcheco-Eslováquia, Austria, Iugoslávia, Itália, Es­ panha, i. é., a quase totalidade da velha Europa. Na próxima palestra - veremos a solução prática que do grande pro­ blema sugere o estudo da legislação comparada dêstes países. .

·

Concluamos. Dificilmente se encontrar� na vida das na­

ções uma questão mais vital que a da educação. das novas gerações. Desenvolver as inteligências, temperar os caracte­ res, formar as consciências é assegurar, com o progresso eco­ nômico e material, a prática do dever, o espírito de· sacri­ fício, a dedicação na s�lidariedade, a grandeza da família, o respeito das leis, enfim, a vitalidade de todos êstes valores ·A questão da

espirituais que constl.tuem a alma dos povos.

escola é, portanto, de uma complexidade transcendente:

é


310

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

uma questão jurídica, é uma questão moral, é uma questão religiosa. As soluções que para .ela se adaptam envolvem im­ pllcitamente uma concepção da família, da pátria, da vida. E por isso ela é hoje o teatro das lutas onde se encontram

as grandes e eternas fôrças do bem e do mal, as duas cidades, cristã e anticristã. Não é nos campos de batalha, como nos tempos de David; não é mesmo sempre ao redor dos altares - que se decide a sorte do povo de Deus. É na escola que se fere a pelej� capital, é sôbre a alma da criança que con­ vergem os esforços decisivos. Quem conseguir plasmar nas suas m·ãos o maior número de almas novas será o senhor da sociedade e do mundo civilizado de amanhã. Nós, que deplo­ ramos prófundamente esta luta do mal contra o bem, acei­ tamo-la, porém, sem hesitações nem covard�as, pela nossa de­ dicação incondicionada aos direitos scberanos e imprescriptí­ veis de Deus, pelo amor imenso que consagramos às almas remidas pelo sangue de Nosso Senhor. Com a atuação do nosso prestígio social, com a fôrça radiante da palavra, com o poder conquistador do exemplo, com as realizações efi­ cazes da no�a operosidade, lutaremos sempre para fazer fe­ lizes os nossos irmãos. Carona mea et gaudium meum, minha coroa e minha alegria, chamava S. PAULO aos seus queridos neófitos. Para o educar cristão- que também é apóstolo­

não deve haver maior cons.olação no céu, porque não há ·mais perfeito cum)primento da sua missão na terra,- do que-� levar à plenitude bem-aventurada dos . seus destinos eternos as almazinhas em botão que a divina Providência 11m dia lhe confiou à solicitude do seu zêlo e às dedicações inesgotá-.

veis do s�u amor. A.M.D.G. Rio, 11-IX-928.


ESCOLA LEIGA I II Aspecto jurídico (b)

1)

Exórdio

Importância do estudo comparado das legislações es­ colares. 2 tipos: 1.0) Escola confessional Alemanha. A confessionalidade implica: a) ensino religioso; b) prática religiosa; ' c) confessionalidade dos mestres. Escola interconfessional. Como se salvaguarda a liberdade de consciência dos dissidentes. Ensino secundário. Ensino universitário. Ensino normal. Fiscalização do ensino - o Estado, a família e a Igreja. Impressão de novidade. Repartição proporcional escolar. Holanda Explicação do regime. • Vantagens: financeira, pedagógica, jurídica - (liberdade de consciência) dimi, nuição da influência do Estado, social pacificação dos ânimos. RPE- no direito internacional. Aplicação ao Brasil. Necessidade de sua reforma: dever patriótico, dever religioso. -

-

-


O ensino religioso nas escolas é um postulado da sã pe­ dagogia, uma ncessidade vital para a conservação da mora­ lidade dos povos, um direito intangível das famílias.

Nada.

mais evidente no campo especulativo dos princípios. Mas a evidência dos princípios nem sempre implica a evidência. da prática. A atuação de uma verdade encontra InUitas vêzes: na complexidade orgânica do real dificuldade� inesperadas e limitações impostas pelas· exigências de outros princípios. E,. não raro, só após tentativas infrutíferas, ensaios malogrados,. experiências penosas, é que se chega à solução definitiva, que harmoniza tôdas as exigências, concilia as antíteses apa­ rentes e respeita a integridade de todos os direitos . A quebra da unidade religiosa no mundo moderno intro­ duziu na resolução de muitos problemas sociais - e entre êles o da escola, dificuldades desconhecidas em outras eí·-as

.

Nada mais vantajoso, portanto, que examinar como os povos modernos resolveram a conciliação da necessidade do

:

ensino religioso com o respeito à liber � ade das consciências

religiosas divergentes . É um breve estudo de legislação con1� parada que terá a grande vantagem de fazer-nos beneficiar

da expeliência alheia.

Pràticamente as soluções tentadas e postas em execução nos diferentes países (para conciliar a necessidade do ensino religioso com o respeito à liberdade de consciência dos cida­ dãos e o direito educativo dos pais), podem reduzir-se, creiO> eu, a dois grandes tipos: a escola pública confessional e a repartição proporcional do orçamento da instrução pública. pelas escolas particulares. Para sermos mais concretos estudaremos êstes tipos em

,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

dois países que o atuaram com ótimos resulta9os:

-

313'

a Ale­

manha e a Holanda.

Na Alemanha não há uma lei única que uniformize o ensino em tôda a confederação; cada E'Stado conserva_ a sua · autonomia legislativa e dela usa largamente. Há, porém, al­ gumas linhas gerais comuns a todçs os Estados e que lhes. dão uns traços de afinidade distintivos dos· outros países. Assim é que, por via de regra, a escola primária é con-­ fessional, isto é, católica ou protestante conforme são cató-· licos ou protestantes os pais que a ela enviam os seus filhos.

i\ confessionalidade de uma escola implica uma ins­ trução e uma educação inteiramente enformadas pelos prin­ cípios religiosos. Antes de tudo, portanto, .ensino religioso o brigatório que comporta nas classes inferiores um minimum de quatro horas . por semana e nas superiores cinco. A êste ensino são con­ sagrada� as melhores horas do dia: as da manhã; e as notas. de religião figuram em primeiro lugar nas cadernetas esco-· lares; o

que

já é altamente significativo, e apto a inculcar

no ânimo da criança a importância transcendente da reli­ gião. A instrução religiosa abrange a letra catecismo; a his­ tória sagrada e a história eclesiástica, geralmente lecionadas pelo próprio mestr.e-escola; o dogma, a moral, a liturgia, mais freqüentem\ênte confiadas a um sacerdote. Não basta ensinar, é mister praticar, viver a religião, na escola como se vive na fapülia, como se vivera na sociedade; a escola, traço de união entre uma e outra, não pode ser um parêntese antipedagogicamente aberto entre a vida domés­ tica e a social. Os alunos que recebem instrução religiosa são por isso obrigados a assistir a todos os atos de culto pra1

ticados no edifício escolar e fora dêle, nas igrejas, quando se trata de ritos ou cerimônias feitas para a escola ou pela escola. Os _decretos ministeriais de 1919, 1920 e 1926 obrigan1 · os mestres que se incumbem da instrução religiosa a tomar parte em tódas as práticas de culto prescritas aos alunos.. Corolário espontâneo da confessionalidade do ensino e da


�14 -

A FORMA.ÇAO DA PERSONALIDADE

educação religiosa é também a conjessionalidade do mestre . A aluno� católicos: me�tres católicos; a alunos protestantes,

mestres protestantes. Para melhor apreciarmos como se entende e pratica a educação religiosa nas escolas públicas alemãs, não resisro à tentação de resumir o último programa didático para as escolas primárias da Baviera, publicado no jornal oficial do Ministério da Instrução e Culto (Amstblatt des bayerischen

Staatsministerium jür Unterricht u. Kallis, 1920, ef., pp. 127 e sgs.). Êste programa que entrou em vigor no ano 1927-28

.

"declara explicitamente que o alvo da educação escolar é educar harmônica�nte a personalidade do aluno nos sen­ timentos, idéias e ações inspiradas pelos princípios da reli­ gião, da moral e da vida nacional e social; quer que nas es­ colas confessionais se desenvolvam com particular cuidado e se valorizem os pontos que oferecem ocasião de formar o aluno ao espírito de sua religião; estabelece que o fim do ensino religioso nas escolas não é somente o conhecimento dos dogmas da fé, mas também o cumprimento dos deveres morais e religiosos e a prática da vida cristã segundo os pre­ ceitos da Igreja; e exige que o rnfestre de religião seja bem compenetrado da doutrina religiosa e moral que ensina aos alunos, seja homem de fé profunda, piedade exemplar e es­ pecial devoção à Igreja" (ap. MoNTE, p. 463). Isto se lê nas páginas de um diário oficial do Ministério da 'instrução Pú­ blica da culta Alemanha! .. E nós! .. : .

Ao lado da escola confessional, existe principalmente na

Prússia a escola inte rconjessional, também chamada simul­ tânea, paritética ou comum. Não é uma escola leiga ou a-re­ -ligiosa mas escola aberta a católicos e protestantes simul­

tâneamente e onde sim;ultâneamente ensinam mestres cató­ licos e protestantes. Nelas o ensino religioso confessional é obrigatório: protestante para os protestantes, católico para <>s católicos, israelita para os judeus. Nas primeiras horas os alunos dividem-se segundo a religião e vão. em grupos aos

locais reservados a cada confissão ou religião e aí recebem


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

315

respectivamente a instrução religiosa do sacerdote, do pastor ou do rabino. Nas outras matérias ou escolas, o ensino é neutro. Para as práticas do culto, missas, etc., dividem-se regu­ larmente de novo segundo as confissões . Nós, católicos, com­ batenlOs vivamente a escola· interconfessional. E a própria legislação prussia�a (art. 33 da lei de 1906, MoNTE, p. 435) começa com esta disposição: "As escolas primárias públicas devem ser, por via de regra, organizadas de modo que o en­ sino seja ministrado aos meninos evangélicos por mestres evangélicos e aos católicos por mestres católicos." A escola interconfessional só é ad.miitida de fato ou por motivos de ordem econômica ou pelo escasso número de alunos perten­ centes a uma confissão numa determinada localidade.

As

e�tatísticas oficiais do ano escolástico 1921-22 davam para a Prússia 8. 638 escolas confessionais católicas, 23 . 159 pro­ testantes e apenas 1. 331. interconfessionais. Encontram-se apenas 187 interconfessionais para 1. 947 confessionais pro­ testantes e 5 . 191 católicas. Em tôda a Alemanha a escola interconfession�. representa pouco mais de 10% das escolas; a escola confessional protestante 56% ;

e, a escola confes­

sional católica 29%; mais ou menos segundo a percentagem da população protestante e católica ·

.

.

. " (MoNTE, p. 486.)

No intuito de salvaguardar a liberdade de consciencia

das minarias a lei escolar introduz numerosos e minuden­ ciosos dispositivos que se podem resumir no seguinte. São dispensados do ensino religioso os alunos cujos pais o soli citarem; já vimos que em tôda a Prússia não atinge a

2% o número dos alunos dispensados, e êstes quase todos se acham em Berlim, onde a corrupção na juventude assume proporções assustadoras. Sempre a mesma coincidência entre

ensino irr �ligioso e decadência moral. Círculo vicioso.

Assim se respeitam os direitos dos livres-pensadores e laicizantes. Os que são adeptos de. uma seita protestante, ou pertencem a uma religião diferente da que se ensina na . escola confessional do lugar são, ipso facto, dispensados de


31 6 - A FORMA.ÇAO DA PERSONALIDADE

freqüentar as aulas de instruç'ão religiosa, antes positiva­ mente a ela não podem assistir sem unia autorização ex­ pressa dos pais. A Hm de que não fiquem privados do en­ sino religioso, tanto o pároco quanto um pastor podem obter os locais da escola para ne�as ministrar o ensino reÍigioso aos alunos cuja confissão religiosa é diversa da ensinada na es­ cola. (MONTE, p. 438.)

A instrução religiosa que assim s� começa a ministrar na escola primária continua a ser desenvolvida no curso se­

cundário . A diferença única é que, enquanto no ensino pri­ mário a escola confessional é a regra e a interconfessional a exceção, os ginásios são quase sem�re interconfessionais (já explicamos o que significa). (MONTE, p. 445. ) No ensino superior, quase tôdas as universidades pr�s­ sianas conservam a sua faculdade ·de teologia ao lado das outras faculdades, medicina, direito, filosofia, etc. Nas regiões onde é maior a proporção dos católicos, a faculdade teológica subdivide-se .em duas: uma de teologia católica, outra de teologia protestante. É o caso das uni­ versidades de Bonn, M(ünster e Breslau (MoNTE, p. 452) , na Prússia.

Na· �aviera, de maioria católica, as duas antigas

universidades

de

Wurzburg e Münich

(outrora em Ingol­

stadt) possuem só faculdade de teologia católica, a de Er­ langen, também de teolog�a protestante. Além disto a Ba­ viera possui seis institutos católicos superiores de filosofia e teologia católica (Philosophisch . theologische kac hschulen): Bamberg, Dilinga, Eichstate, Frisniga e Regensburg (Ratis­ bona), tôdas (exceto a de EIChstãte, que é diocesana) man­ tidas pelo Estado e equiparadas às outras Faculdades Uni­ versitárias. Mais. interessante para nós é a organização das Escolas normais.

A confessionalidade das escolas primárias deter­

minada principalmente pela confessionalidade dos mestres exige absolutamente uma formação religiosamente acurada daqueles a quem m.lais tarde as famílias hão de confiar os seus filhos e que são a pedra angular da escola. Por isso


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

317

estas escolas são rigorosamente confessionais. "0 fim da es­ coÜt magistral, diz a lei bávara, é dar aos futuros mestres uma verdadeira educação moral e religiosa, segundo os prin­ cípios do cristianismo ativo." As escolas normais inferiores são submetidas a um inspetor eclesiástico; as de grau supe­ rior ou são dirigidas por um eclesiástico ou, se o diretor é leigo, aprovado pela autoridade diocesana, é eclesiástico o subdiretor. Em) tôdas estas escolas não só a religião é ma­ téria obrigatória de ensino e de exame, mas também obri­ gatórios são os atos do culto; para os alunos católicos missa diária , e freqüência da comunhão algumas vêzes no ano (MoNTE, p·. 464). (Sôbre a Prússia, cfr. MoNTE, p. 441.) As­ sim se formam os mestres na Alemanha ! Tal é a organização do ensino nos seus órgãos ativos: a fim, porém, de assegurar a execução das leis é mister fis­ calizar e a fiscalização naturalm:ente deve ser feita por todos os que têm direitos a salvaguardar na educação das crianças : o Estado, a família, a Igreja. O município confia êste mister de inspeção, nas cidades, a uma deputação escolástica (Schuldeputation) e nas zonas rurais a um Conselho escolástico (Schulvorstand) constituído por alguns represen­ tantes do Conselho Municipal, alguns cidadãos práticos em pedagogia, o decano do clero católico e do clero protestante da zona e pelo rabino, se na escola há pelo menos vinte judeus. Ao lado do munic1p1o a família participa também na gerência dos negócios escolares . Um decreto ministerial de 1918 e outro de 1919 prescrevem a instituição de um "Con­ selho dos pais" ( Elternbeirat), constituído unicamente de pais de alunos, que freqüentam uma determinada escola. Os seus membros são eleitos cada dois anos; e nesta eleição pais e mães indiscriminadamente têm voz ativa e passiva . Outro decreto ministerial de 1921 estatui que na reunião do Conselho dos pais tomem parte, por via de regra, os membros do corpo docente e quando na o rdem do dia se


318

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

acha algum assunto que interessa a religi ão, o pároco e o catequista. (MONTE, · pp. 432-434.) Além da parte i�ortante que à Igrej a se atribui na& comissões inspetoras precedentes, a lei prussiana· reconhece às autoridades eclesiásticas ao bispo, para as escolas ca­ tólicas; ao superintendente consistorial, para os protestantes ou aos seus respectivos delegados - o direito de visitar as escolas normais para fiscalizar o ensino religioso e o de as­ sistir aos"'exames finais para o diploma de normalista, com direito de voto nas matérias religiosas. (MoNTE, p. 439 . ) Também nas escolas secundárias d a Prússia s e deixa à Igrej a a direção e fiscalização do ensino religioso . (:l\ioNTE, p. 446.) Na Bav iera, a lei de 1 de agôsto de 1922, atualmente em vigor, prescreve que relativamente .ao ensino religioso a ins­ peção do govêrno se deve limitar à ordem externa, à disci­ plina e à freqüência dos alunos; a detenruinação do con­ teúdo e do método de ensino é da competência das respec­ tivas autoridades eclesiásticas, que para isto têm o direito de visitar e fiscalizar as escolas, recorrendo, onde haj a mister� às autoridades escolares governativas para obviar qualquer inconveniente: Estas disposições no que concerne à Igrej a católica foram sancionadas solenemente pelo art. 8 da Con­ cordata firmada em 1924 entre a Santa Sé e o govêrno bá­ , varo. Ler AAS. 1925, p. 46. .Não dissimulo a impressão da surprêsa que, mesmo num auditório católico, produz o conhecimento mais exato dessa legislação escolar. Que na Alemanha, por um lado, conhe­ cida como pioneira da ciência moderna, admirada p ela dis­ ciplina de sua organização sÓcial, por outr9, desligada ofi..: cialmente de qualquer igrej a e profundamente dividida nas crenças de seus habitantes, se dê, em todos os ramos da ins­ trução pública, do primário ao universitário, tanta impor­ tância ao ensino religioso, se reconheçam tão desassombra­ damente os direitos de intervenção das autoridades eclesiáS­ ticas nas questões pedagógicas, é, para a quase totalidade do nosso mundo oficial que se ocupa da instrução pública, uma -


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

31�

novidade insólita que parece arrancá-lo às decantadas con­ quistas da civi lização moderna para lançá-lo em pleno­ mundo medieval . Tão profunda é a perversão de idéias acli­ madas entre nós pela superficialidade do laicismo desorien­ tador . No entretanto, nada mais justo, nada mais coerente, nada mais em harmonia com. o respeito à liberdade de cons-· ciência. Compreendereis agora o que vos dizia, da outra. vez, com o risco de parecer enunciar um paradoxo : a neces­ sidade do ensino religioso nas escolas oficiais é um corolário da laicidade do Estado . Vêde como làgicamente se conca­ tenam os dois têrmos, à primeira vista tão distantes, desta proposição . O E'stado le i go respeita a liberdade de consciên­ cia de todos os cidadãos; não impõe nem pode impor um sistema filosófico ou um: credo religioso. Fazendo-se edu-· cador, não pode, por isso mesmo, transformar as suas es­ colas em instrumento de .propaganda da irreligião e do in­ diferentismo; impõe-se-lhe absolutamente o respeito às con­ vicções religiosas ou filosóficas das famülias, cujo direito edu-· cativo êle deve tutelar e não confiscar. Há famílias que de­ sej am uma instrução leiga, a-religiosa? Não se imponha aos. seus filhos a obrigação de estudar um credo que não admi­ tem. Há famílias - e são a quase totalidade ----:- que exigem a instrução religiosa, para as quais uma escola leiga é um atentado aos deveres de sua consciência? Fundem-se escolas em harmonia com estas exigências sagradas e invioláveis,. que o EStado, por isso mesmo que é leigo, se declara incapaz de discutir . Mas estas famílias·- pelas suas idéias religiosas, pertencem: a uma sociedade espiritual, a uma igrej a, que elas declaram depositária autêntica de seus dogmas e exclu­ sivamente capaz de j ulgar da ortodoxia do ensino religios o dogmático, moral e litúrgjco. Pois bem, entre o Estado em. relações j urídicas com esta sociedade espiritual e com ela "estipule" as condições de sua intervenção necessária na escolha dos mestres, dos textos, de modo a oferecer às fa-· m.ílias, na sinceridade da educação religiosa, tôdas as g.a-· rantias exigidas pela sua corlsciencia. E aí tende.s com(}


320

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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

dos primeiros princípios j urídicos que presidem necessana­ .mente a tôda questão escolar, se 'derivam espontâneamente todos êstes corolários que tanto alarmam os nc:>ssos lai­ cizantes . Só assim se respeitam e harmonizam os direitos da família, do Estado e da Igrej a . A laicização, no sentido em que o entendemos nós, é um exorbitar do poder civil fora da sua esfera natural, uma invasão usurpadora, anárquica na soberania dos bens espirituais de 'que ela não é nem á�bitro nem depositário . A solução dos Estàdos da confederação alemã procura respeitar as liberdades essenciais das famílias, nos quadros gerais de uma organização escolar onde se acentua forte­ temente a intervenção, quase diria, o monopólio do Estado . . Não é esta, ainda assim, nem em· teoria, nem em prática, a melhor das soluções . A solução mais j usta, m:ais acertada e qu� tende a prevalecer é a da repartição escolar. Estu­ dá-la-emos concretamente no país que dela soube fazer a . a plicação mais coerente : na Holanda.. O ensino nacional holandês compreende duas categorias iguais de escol;:J,s : a escola pública e a escola particular . A escola pública é aberta, mantida e dirigida pelos po­ deres públicos : municipais, provinciais, reais . Estas escolas são neutras; o que não significa exclusivas da educação re­ ligiosa, mas abertas aos meninos de tôdas as confissões Em tôdas elas é prescrito o ensino religioso, que faz parte do ho­ rário e do regulamento da escola, com a mesma sanção que as outras matérias. Êste ensino não é ministrado pelo mestre­ -escola, mas aos alunos de cada confissão religiosa, por um professor determinado pela respectiva autàridade eclesiás­ tica, que entra em concêrto com a diretoria da escola para as condições práticas mais favoráveis de sua execução . .

A escola particular beneficia da repartição proporcional do orçamento da instrução . Pode abri-la qualquer sociedade que goze de personalidade j urídica: uma diocese, uma pa­ róquia, uma obra pia, uma associação de pais de família, etc.,


'

.

A FORl\-iAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

321

. que ofereça ao E'stado as garantias de um ente moral aná­ logo ao município que mantém as escolas públicas . Para abrir uma escola,· uma sociedade nestas condições faz o requerimento ao m�Unicípio, que é obrigado a cons­ truir-lhe o edifício escolar ou adaptar-lhe um edifício j á -construído, ou dar-lhe a soma necessária para a sua cons­ trução. Ao município incumbe ainda fazer tôdas as despesas -de iluminação, aquecimento, água, material escolar, admi­ nistração, eonservação e restauração do edifício - no mesmo _pé de igualdade que as escolas públicas . Ao Estado, não mais ao município, compete pagar os professôres - em número proporcional aos alunos e munidos do diploma de -capacidade e mJoralidade no que concerne à higiene, à mo­ ralidade pública e ao cumprimento das obrigações acima cmn vencimentos idênticos aos dos professôres públicos e com os mesmos direitos de aposentadoria. Eis fundada uma e�cola par ticular . Suas obrigações : o corpo docente deve. ser constituído por professôres munidos do diploma de capacidade e moralidade; deve ensinar tôdas as matérias prescritas pela lei, não pode exigir dos alunos impostos escolares superiores aos exigidos para a escola pú­ blica, está sujeita à inspeção das autoridades escolares do município ou do reino . Seus direitos : pode acolher os alunos que bem lhe parecer, escolher os mestres que desej ar (dentro das condições achna) , adotar os programas, os métodos de ensino, os livros de texto que j ulgar melhores, acrescentar às matérias oficiais tôdas as que j ulgar· convenientes à sua orientação filosófica ou religiosa . .Se uma escola, públ i ca ou particular, durante três anos não tem, u�a freqüência de alunos acima de um minimum legal, é fechada; se a escola era particular, o edifício que tinha pa�sado para a propriedade da associação que a abrira, reverte ao município . Para o ensino secundário, superior e normal, vigoram eom algumas modificações as disposições acima. Assim, nós, católicos, temos quarenta escolas normais, mantidas pelo Es-


322

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

tado, nas quais se formam catàlicamente e se diplomam. os 10 . 000 professôres necessários às nossas escolas . O regime da repartição proporcional escolar - que· também para o nosso laicismo constitui quase um .escân­ dalo - tem dado na prática os melhores resultados - é a solução ideal da questão escolar, em todos os pontos de vista. Financeiramente é o aspecto utilitário da questão oferece ao FJ.stado as melhores vantagens. Na Bélgica onde vige tam,bém ainda que não com tanta perfeição o R . P�E. uma metade das crianças é educada nas escolas: públicas e custava ao erário nacional ante� da guerra 25 milhões de francos, a educação da outra :rnetade, feita pelas escolas livres, adotadas ou adotáveis, apenas 8 milhões, isto é, menos de 1/3. Todo o interêsse financeiro do Estado con­ siste, portanto, em; substituir as escolas públicas pelas par­ ticulares. (Étu des, 140, p. 2 15.) C om a ca restia da vida e a difusão do ensino, naturalmente, o orçamento da instrução tem aumentado de muito na Holanda; de 1880 a 1922 foi multiplicado por 12 passando de 8 a 98 milhões de florins. No mesmo período, porém, o orçamento francês foi multi­ plicado não por 12 mas por 33 . Com que resultado peda­ gógico? Atualm€nte segundo os últimos inquéritos e as con­ fissões do próprio BRIAND, HENRIOT e D:ALADIER, em França há cêrca de 25 a 20% de analfabetos; na· Holanda, não che­ gam a 8/1 000 . Mais econômico no ponto de vista financeiro, mais efi­ caz como instrumento de difusão do ensino, o regime da R . P .E. representa, no ponto de vista jurídico, pedagógico e moral, a melhor solução do problema escolar, na moderna constituição dos governos . D(eriva, como corolário espon­ tâneo, dos dois princípios inexpugnáveis do direito natural: o direito paterno à educação dos filhos, a finalidade do E's­ tado de promover o bem comum, tutelando os direitos dos cidadãos e facilitando-lhes o cumprimento dos qeveres. Aqui, sim, há respeito à liberdade das consciências . Equiparadas: -

.


A FOR1\1AÇAO DA PERSONALIDADE

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.3 23

integralmente a escola pública e a escola particular, os pai_s são verdadeirarnJente livres de escolher a escola que · corres­ ponde aos seus princípios morais e religiosos, sem agravo de despesas nen1 perda de nenhuma prerrogativa .

A per­

feição técnica do edifício e do · material escolar, .idêntica na escola pública e na escola particular, idêntica a competência do professorado,

retribuído

com os mesmos honorários e

com as mesmas regalias ; idêntica a contribuição dos pais numa e noutra escola; idêntico o valor legal dos diplomas � Os · dinheiros públicos, as regalias oficiais não vão alimentar um ensino a-religioso que favorece o ateísmo, a indiferença e a incredulidade, obrigando as escolas particulares que só satisfazem às consciências de IDJuitas famílias a impor-lhes uma . pesada contribuição que ainda assim é insuficiente para rivalizar com as munificências do erário público . E:sta equi­ paração das duas escolas abre o campo à máis j usta e ben­ fazej a das concorrênci�s - de

que

só poderá beneficiar a

educação . Uma escola j á não se sustenta só porque é pú­ blica, ou porque; dá lucros ao seu diretor .

Se num estabe­

lecimento de ensino decresce a perfeição téénica da instrução ou deix� a desej ar a moralidade dos professôres

ou

dos alu­

nos - as famílias - e ninguém se interessa pela boa edu­ cação dos seus filhos mais do que el�s - as farnilias não encontram o menor obstác�lo - financeiro, pedagógico oú j urídico - de mudar de escola .

(A lei prevê até o caso em

que a · escola preferida pelos pais se ache a mais de quatro quilômetros de distância - nesse caso os pais recebem do Estado uma indenização pelo transporte . ) Destarte - a es­ cola pública ou particular que não correspondeu à sua missao·, vê desertada as suas aulas e no prazo d�· três anos é obri­ gada a fechar . Assim é que nós católicos só nestes três úl­ timos anos abrimos mais de 400 escolas e em muitos lugares estas escolas P?-roquiais são apenas a transformação das an­ tigas escolas públicas . Diminui assim o número · de escolas oficiais? Tanto melhor . É sinal de que as escÓl�s públicas não merecem tanto a confiança das famílias ; é" sinal · de que


324 - A ;FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

o

Estado deve aos poucos deixar à iniciativa privada as ques­

tões do ensino, JX>rque como diz F. FAGUET o Estado "não

é nem professor, nem filósofo , nem pai de família" (Le li­ béralisme, pp. 161-162, Paris, 1902) ; êle não pode .educar bem porque como, com a sua rudeza sincera, disse um dia

CLEMENCEAU, em pleno senado : " O Estado terri muitos filhos para ser um bom pai de família" (Discours du 30 Set. 1 9 02) , porque enfim, COIIl!O dizia J. SIMON, no Congresso das ciên­ cias sociais em Gand : "O Estado ensinante deve preparar a sua abdicação. " D!AFC. ProlTiova, ampare, fiscalize a imcia­ tiva privada : é a sua missão ; não absorvê-la� suplantá-la . O ensino só tem a lucrar !

O magistério cessará de ser uma

carreira para voltar ao que era e ao que deve ser : uma vo­ cação . Para formar os seus filhos, as fa1nílias querem edu­ cadores, não funcionários públicos .

.

Respeitando todos os direitos ·e tôdas as j ustas e sa­ gradas liberdades de consciência êste regulamento da ins­ trução é ta:tnb�m a solução que corta cerce por tôdas as di visões e lutas escolares e contribui para a paz social .

...

Na

Holanda, a lei de 1889 e a de 1920, seu complemento, tem o nome glorioso de lei·

da pacific ação . Foi ela votada quando

era presidente do · ministério um grande estadista católico�

CARLOS · RUYS DE BEERENBROUCK, que , apesar de seus 83 anos,

presidiu a tôdas as sessões parlamentares prolongadas fre­ qüentemente até alta noite ; pr-opôs a lei ao parlamento e defendeu-a magnlficamente o doutor DE VrssER, protestante,

ministro da instrução pública; submetida à votaçã<_> foi apro­ vada

pela

quase

unanimidade

do

congresso :

75

votos

contra 3 . A repartição proporcional é tambéiD{, ainda que não com tanta perfeição, o regime escolar da Bélgíca, da Inglaterra, da Escó-cia, da Islândia e de quase tôdas as colônias in­ glêsas .

E será, inevità:v.elm,ente, o verdadeiro regime dos' O seu princípio consagrou-o 'definitivamente

países livres .

o (Ü,reito internacional moderno nos grandes tratados sôbre

que assenta o atual equilíbrio europeu . O tratado de Ver-


A

FORMAÇÃO DA PERSONALIDÀDE

-

32S

salhes, assinado pelas cinco Potências príncipais, com a Po­ "Nas cidades e dis­ · tritos onde reside um número considerável de súditos do

lônia reconstituída, estipula no art. 9 :

estado polaco, pertencentes a minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, a estas minorias se há de assegurar uma parte équa nos benefícios e na aplicação das verbas, que, ·para fi­ nalidades de educação, religião e caridade, forem dístribuí­ das, pelos .erários públicos, nos orçamentos do Estado, ou do município, ou em outros. " Com as mesm{as pala'Vras se en­ contra êste dispositivo no tratado de Saint-Germain (art.

68)

assinado com a Austria, do Trianon { art. 61) assinado com

55) assinado com a Bulgária, no·1 tratado de Sevres ( art . 147 e 148) assinado com a Turquia . a Hungria, de Neuilly (art.

. O mesmo regime foi ainda impôsto à Tcheco-Eslováquia, à Iugoslávia, à Grécia e à Armênia. 27 nações ao todo stibs­ creveram êstes tratados .

·

Mais interessante ainda é o co­ 5 potências principais

mentário oficial, feito, em nom.e das

pelo presidente da "Conferência de Versalhes" , JORGE CLE- ·

MENCEAU, e contido na carta por êle dirigida a PADEREWSKI,

. presidente do Conselho de M nistros da Polônia a �4-VI-1919 : "As disposições relativas ao ensino nada contêm que já não sej a previsto pelas instituições escolares, em ll1jUitos Estados Não é incompatível com a · so­ berania. do EStado reconhecer e subsidiar as escolas em que

modernos, bem organizados.

os meninos se achem submetidos ao influxo religioso a que estejam habitu� dos na suas famílias. "

Magnífica sanção jurídica dada ao regime da

repartição

escolar pelo maior senado internacional que ainda . se reuniu na história para deliberar sôbre os destinos .dos povos . De vários dêstes tratados foi signatário também o

Bràsil .

E qual para nós a conclusão a tirar dêste estudo? Que se nos impõe absolutamente uma reforma

da nossa legislação

escolar, evidentemente antiquada, injusta, antipedagógica .e antinacional .


326

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Não é aqui o lugar de discutir os pormenores desta re­ forma, determinando-lhe tôdas as condições práticas de via­ bilidade que exigiria a elaboração de um texto legislativo . Nas suas grandes linhas, a reforma exige que demós um ideal à nossa pedagogia, que nas nossas escolas públicas for­ memos homens, não só leitores e contadores, mas caracteres e . consciências, que integremos o aperfeiçoamento técnico do

nosso ensino com a ain?a insubstituível da pedagogia, · que é a formação rrwral e religiosa . Nenhum obstáculo insuperável se opõe à atuação dêste

programa . Aí está a demonstrá-lo o exemplo de inúmeras nações que tiveram que lutar com dificuldades muito maio­ res legislando para populações profundamente divididas n�s suas crenças e carregadas com um triste atavismo histórico

d�

hostilidades religiosas e etnológicas .

· Nenhuma das obj eções que às vêzes por aí se movem

contra

o

ensino

religioso ,

resiste

à

crític�

serena .

Vós

�esmos já as podeis resolver tôdas ; lembrarei apenas duas mais vulgares . Se �brirmos amanhã as portas das nossas escolas ao sa­ cerdote católico, dl"zem alguns, deveremos franqueá-las tam­ bém aos pastôres protestantes de todos os matizes, ao bar­ beiro espírita, ao pontífice positivista da humanidade - e eis a escola convertida numa babei religiosà, , seminário de infinitas discórdias.

Só poderá falar assim quem ignora de

todo os primeiros princípios do direito escolar . A escola não é uma tribuna de propaganda, à disposição do govêrno e que êle franqueia ou interdiz a quem bem lhe apraz . Não é lí­ cito ao Estado. abrir a escola ao ministro protestante, por­ que as crianças que lá se educam são católicas e como ca­ tólicas querem ser educadas pelos seus pais .

E'· como as fa­

mílias católicas não permitem que lhes entre por casa o predicante metodista ou presbiteriano, nem; aos seus filhos dão licença que freqüentem os templos heterodoxos, assim não . querem outrossim - e o govêrno não pode desrespeitar

êste direito - que nas .esco�as sej am submetidas a outras


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

327

I

influências religiosas ou irreligiosas, em, antagonismo com as influências domésticas . Se em algum lugar - talvez em algum Estado do sul - o núcleo protestante da população .escolar fôr considerável - que para êle se abra uma escola onde os filhos de protestantes recebam a instrução religiosa dos seus pastôres, com proibição clara aos filhos de cató­ licos de freqüentar estas escolas ou estas aulas sem e;xplícito consentimento dos pais - tal qual vimos praticado na Ale­ manha . (Não somos intolerantes.) Outra dificuldade é o espectro do laicismo constitu­ cional . O § 6 do art. 72 da Constituição prescreve que o en­ sino sej a leigo . Mas a expressão ensino leigo não deve, não .Pode significar ensino a-religioso, ou irreligioso. Interpre­ tá-lo assim é opor em flagrante antinomrla, êste § 6 do art. 72 .ao § 3 do mesmo artigo que sanciona a liberdade de cons­ ciência . Ora já vimos . que não há mais clamorosa violação da liberdade de consciência e da justiça distributiva do que subm,eter os filhos das famílias católicas à influência de uma educação em desarmonia com os ditames de sua cons­ {!iência ou impor-lhes o ônus dobrado (impossível a . muitas) de pagar a escola particular que satisfaz aos seus princí­ pios morais e religiosos . Esta interpretação única razoável, única em harmonia com a finalidade do Estado, única que não poria o nosso regime escolar em antítese com a legis­ laçã.o "dos Estados mais bem organizados", não é nova. Po­ deria invocá-lo em seu apoio o parecer dos mais conc.ei­ tuados juristas estrangeiros e nossos . Deixemos os estran­ geiros, cuja voz ouvimos ecoar nos lábios insuspeitos de C LE MENCEAU . Dos patrícios lembramos apenas, entre os fale­ cidos, os nomes de Rur BARBosA e PEDRO LEssA ; entre os ainda vivos, a opinião de um dos nossos estadistas mais cla­ rividentes, o Dcr:. CALÓGERAS : " Nada, na Constituição vigente, impede que, sem prejuízo dos programas pedagógicos e a pe­ dido dos pais, seja ministrado nos próprios edifícios escolares o ensino religioso" . . . "Se se verificasse acaso que existem! dúvidas sôbre a ­


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Á

FORMAÇAO DÁ PERSONALIDADE

ortodoxia constitucional de tal modo de agir (o de Minas) sem hesitação se deveria aprovar a exegese da lei e tornar .bern claro que é perfeitamente lícito o que a emenda . propôs. " (P. CALÓGERÀS, Emendas reUgiosa s, n"'O Jornal" de 24-X-925.> Não _ há, pois, o�stáculos leg-ais. A grande dificuldade está na nossa opinião pública, na mentalidade dos nossos di­ rigentes infelizmente falseada por quase meio século de lai­ cismo dominante quase sem contrastes . Refazer esta men­ talidade, eis o primeiro dever da ação católica . -:;.\fão é tarefa que se possa ultimar em poucos dias nem com um ou outro artigo de j ornal . O trabalho é longo e exige uma colabo­ ração multiforme e disciplin�da . O que urge é qu� cada . qual ponha a serviço desta grande causa os seus meios de influência intelectual e social, em todos os campos que a Providência proporcionar à sua ação . Mostremos os incon­ venientes da escola leiga, a necessidade iniludível da ins­ trução religiosa, a decadência da moralidade pública que ' acompanha o ensino leigo, procuremos dar às famílias uma consciência mais viva dos seus direitos e deveres, insistamos sôbre a injustiça da aplicação exclusiva dos dinheiros pú­ blicos a escolas a-religiosas, sôbre a opressão das consciên­ cias católicas exercida pela legislação atual , vulgarize1nos o conhecimento dos regimes escolares atuados por outros países ; mostremos como a nossa legislação do ensino se acha num lamentável atraso em relação à de outros países civili­ zados . Muitos dentre êles não se deixaram cair nunca na armadilha do ensino leigo . Outros, apenas o puseram em prática, e lhe viram as funestíssimas conseqüências, logo voltarám atrás e corrigiram o êrro cometido . Admitiu-o a Bélgica em; 1879, repudiou-o em 1884 e a lei' do ensino leigo por lá é conhecida com o triste nome de Loi de malheur . Admitiu-o a Holanda em 1857 e o repudiou em 1888 ; admi- · tiu-o a Inglaterra em 1 870 e repudiou-o em 1902 . Hoj e só conservam o laicismo os poucos governos sectários que pre-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-:-

329'

tendem fazer do ensino público um instrumento de propa­ ganda anti-religiosa, mobilizando a escola contra a Igrej a , o professor contra o sacerdote . Acrescentai que não há um só­ país em que o ensino leigo tivesse contribuído para a ele­ vação da moralidade pública e da tranqüilidade social e que· eilli todos os países - em que foi temporária ou definitiva­ mente introduzido, a laicização do ensino determinou um aumento da criminalitlade infantil e uma ruptura no equilí­ brio social, cuj as conseqüências de dia para dia se mostram ' mais assustadoras . Esta campanha benfázeja. em tôrno da · regeneração de uma pedagogia oficial impõe-se como um dever patriótico e como um dever cristão . Nas nossas escolas prepara-se lentamente o futuro do Brasil . A m1oralidade do povo irá inelutàvelmente decaindo se não receber uma edúcação religiosa . A coesão nacional não encontrará um baluarte mais forte contra a ação dis­ solvente de .elementos perturbadores do que a unidade espi-· ritual do noss o povo na visão dos grandes ideais da vida . Foi na vivacidade do seu sentimento religioso profundo que· a Polônia e a Irlanda, através de tôdas as vicissitudes de . opressões políticas, encontraram a fôrça indomável de uma. resistência heróica e o segrêdo de uma ressurreição glo-· riosa . M:ais, · porém, do que um dever de patriotismo natural,. a educação religiosa da nossa ·j uventude é, para a nossa consciência cristã, um dever religioso, um campo aberto ao zêlo do nosso apostolado, ao nosso amor das al�s . . Poucas expressões há no Evangelho tão enternecedoras como aquelas palavras saídas do Coração divino de Jesus : Sinite parvulos venire ad me . Deixai que venham a mim os. pequeninos . Olh.! deixemos que nas nossas escolas o s p eque­ ninos possam ir a Jesus . É para êles a maior · ventura na vida! Jesus apresenta-se iu; consciências ·infantis' como o grande ideal - concreto, vivo, inexcedível - da . perfeição


�30

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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

.humana. Conhecê-lo e amá-lo é, para a infância, a única de­ fesa d� sua inocência ; é para a j uventude, a fonte pura de entusiasmos generosos, é para a vida humana a chave única da · verdadeira felicidade . A �le virá o adulto, nas horas de desalento, pedir fôrças para a fidelidade ao dever, conso­ lação nas inevitáveis tristezas da vida, heroísmo para a tra­ gédia dos grandes sacrifícios . E quando o véu da morte inevitável cobrir com as suas sombras o cenário das coisas que passam, Jesus aparecerá então senhor em todo o es­ .Plendor .eterno de sua maj estade que não passa, pai em tôda a ternura de sua bondade que nunca se desmente e a vida humana essencialmente orientad a para Deus, através de Cristo, se encerrará não num ato de desespêro inconsolável, numa 1naldição que remate a catástrofe irremediável de uma existência mal compreendida, mas pacífica, serena, radiante. num ósculo ao Crucifixo, num ato supremo de amor que se perpetuará no êxtase indefectível da felicidade divina . A es­ .cola leiga não ensina nem a viver, nem a morrer assim . Rio, 10-X-928 .


ENSINO

DO

CATE CISMO

Ação católica da professôra - visando o futuro e o presente . Ensinar a religião : a) b)

na escola (incidentemente) , fora da escola - catecismo . Ensino pessoal . Ensino dirigido e aconselhado .

Grandeza do ministério catequético . Cristianismo religião da caridade. -

Prova de amor ao próxim o .

Maior dom da caridade a verdade - a verdade religiosa, , de que é principal credora a infância . Eficácia da primeira educação para a vida terrena . Conseqüências. para a eternidade . Os que se extraviam ge­ ralmente voltam . ( VERLAINE . ) O catecismo, prova do .amor de Deus. - Diligis? Pasce .

O amor do apostolado . O ministério é só aparentemente humilde - influência do ano­ nimato - e realmente de sacrifício - prova por isso· do amor de Deus . Pensamento que deve alentar rlo sacrifício . A.M.D.G. A s professôras d o "Sacré-Coeur", 22-VIII-929 .


Terminados os nossos ligeiros estudos sôbre a co-edu­ cação antes · de iniciarmos uma nova série sôbre a moral leiga ou científica, pareceu-nos bem intercalar uma palestra de caráter mais prático . É bom contemplar a verdade, ma-s cumpre não esquecer a realização do bem . Os estudos teó­ ricos têm a vantagem de projetar a luz da verdade nos ca­ minhos da vida; mas é a .ação, esclare.cida e eficaz, que faz . passar a verdade salvadora das esferas das possibilidades ao terreno positivo das realidades vivas . Ora, j á vos disse em outra ocasião, neste mesmo ano, que nos horizontes da vida de uma professôra católica se entreabre a perspeçtiva de uma dupla atividade : a primeira visando preparar um futuro melhor ·aos que depois de nós vierem, a outra, em:Penhando-se por assegurar, nas possibi­ lidades atuais, a maior soma de bens à geração que é nossa contemporânea . Trabalhemos com os olhos fitos no porvir . A laicização do· nosso ensino público, com a hermenêutica jurídica que lhe tem sido dada na maior parte dos estudos, foi um dos maiores erros cometidos pelos constituintes de 9 1 . A deca­ dência da nossa moralidade pública, o aumento da crimína­ lidade infantil são dos seus efeitos imediatos mais visíveis . Aproveitem/Os esta experiência dolorosa e reparemos o êrro cometido . Também a Inglaterra, também a Bélgica, também a Holanda introduziram por algum tempo o laicismo no seu sistema educativo, mas bem cedo voltaram atrás . A Ale­ manha, a Austria, a Espanha, a Escandinávia não separaram nunca a instrução pública da educação religiosa : protestan­ te para os filhos de famílias pr?testantes, católica para os


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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333

filhos de faniilias católicas . Para nós aqui no Brasil, o ponto mais importante do problema da instrução pública popular é a questão da educação moral .e esta · é inseparável da edu­ cação religiosa . A ação católica incumbe, como um dos de­ veres mais graves e mais urgentes, envidar os seus esforços com serenidade, prudência e perseverança, para defender neste ponto os direitos inalienáveis da consciência católica, assegurando às nossas famílias a possibilidade de educar re­ ligiosamente os seus filhos nas escolas públicas . A situação atual, como j á provamos outras vêzes, é profundamente le­ siva da liberdade de consciência . Enquanto, porém, afagamos, num otimismo sadio, as es­ peranças de um f�turo melhor e orientamos os· nossos es� forços para transformá-lo o mais brevemente possível nun1 presente consolador, não podemos esquecer a situação dolo­ rosa das gerações que ora passam pelos bancos das nossas escolas, e crescem e se preparam para a vida sem o benefício de uma instrução religiosa . Não nos pode sofrer o coração cristão presenciar, inativos, o mal de tantas almas sem ihes estender a mão, num gesto generoso de caridade e de zêlo . É muito o que podeis fazer, não pode deixar de ser muito o que quereis fazer . Não fiquem as generosidades ·da dedi­ cação abaixo das possibilidades da ação . que podeis fazer? Podeis de fato .ensinar a 'r eligião, na escola e fora da escola, fragmentàriamente e orgânicamente . E

Na escola são muitas as ocasiões que se vos oferecem de esclarecer os mais importantes problemas da vida moral e religiosa, sem a menor quebra da legalidade constitucional ; aproveitai-a s�m respeitos humanos e com a solicitude · de um zêlo inteligente . A história universal, a nossa história do Brasil, as noções elementares das ciências físicas e na­ turais trazem naturalmente à curiosidade infantil e à ha­ bilidade dos mestres as questões da existência de Deus Criador e Providência, de Jesus Cristo e de sua vida, da in­ fluência regeneradora do cristianismo, da eficácia civilizar •


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

dora da Igrej a . As explicações breves, incisivas, exatas, dadas assim incidentemente, calam fundo nas almas dóceis das crianças e lá ficam como sementes fecundas que a seu tempo germinarão em frutos abençoados de bondade . Os incidentes da vida cotidiana oferecem outro ensej o à pro- ' fessôra de formar o critério moral das consciências, radi­ cando nelas o horror ao vício ou despertando entusiasmo pela virtude . Quem não se lem:bra p or exemplo , o ano pas­ sado, da morte admirável de D'e l Prete, que nos deu um exem­ plo magnífico da fé mais robusta e viril a enformar uma vida modelar de filho, de soldado e de patriota, na grandeza de um heroísmo que se impôs à unanimidade da admiração universal? Por que não aproveitar, para a instrução moral e religiosa, - cristã, - estas muitas lições de coisas, que se impõem cada dia pelo interêsse da atuàlidade e pela fôrça pe­ netrante das instituições da vida? Nada de estiradas longas_, de sermões ou de homilias soporíferas, mas narrações breves e vivas, alusões profundas, incisivas, que desçam até ao fundo das almas e lá deixem indelêvelmente gravadas im­ pressões da seriedade da existência e da grandeza das nossas responsabilidades morais e religiosas . Esta instrução incidente e fragmentária é útil, fácil, efi­ caz, mas insuficiente . Importa sej a compelida por um curso orgânico e graduadam�ente adaptado ao desenvolviménto das inteligências infantis . O catecismo é indispensável . E é para o ensino de catecismo que eu vos venho con­ vidar hoj e, minhas senhoras . Bem sei que muitas dentre vós j á se ofereceram com uma generosidade admirável a êste ministério trabalhoso mas profícuo como nenhum outro . Mas por que não farão tôdas o que j á fazem muitas? Se não é igual a possibilidade de tôdas, desiguais tambérn são as ta­ refas que se podem! assumir no exercício dêste apostolado . Por que cada qual não escolheria entre elas a que correspon­ desse mui certamente à possibilidade de suas fôrças e às ins­ pirações de sua generosidade? ô princípio geral que deve


A

FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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orientar os vossos propósitos é êste : uma professôra católica hão deve sofrer que os alunos que a Providência lhe con­ fiou não recebam instrução religiosa . �ste princípío não deve variar, poderão variar o lugar e o modo de o pôr em prática . Em algumas .escolas municipais aqui do Rio, e em alguns distritos escolares, por ação de professôres e inspe­ tores z�losos sei positivamente que, com a ausência das en­ tidades superiores, j á se ministra o ensino religioso nos pró­ prios edifícios escolares . Talvez um pouco mais de zêlo pru­ dente de outras professôras e outras inspetoras poderia ele· var êste número abençoado . Onde não se conseguir esta autorização - sem a qual não convém agir, para não dar exemplos de indisciplina o local deverá ser outro, indicado pelas circunstâncias par­ ticulares de cada caso . Será a casa da própria professôra, será o jardim de uma família amiga e zelosa, será uma ca­ _ pela particular, um; colégio ou um convento religioso da vi­ zinhança será por último a própria igrej a paroquial : o local só faltará a quem não o quiser descobrir . Vários os lugares vários os modos . O ideal é que a instrução religiosa sej a ministrada pessoalmente p�la pró­ pria professôra, por cada uma de vós . Assim, a auréola de prestígio, que naturalmente envolve no ânimo dos alunos a autoridade da mestra, realça na estim�a dêles o valor e a iilllportância do ensino religioso . Mais : a formação técnica, adquirida num tirocínio especializado de alguns anos, .e a experiência pedagógica entesourada na prática do magisté­ rio, . darão ao . vosso ministério uma vida, um interêsse, uma eficiência educativa que nem sempre se encontram nas aulas de c a te cismo . -

Se não fôr possível realizar êste ideal, ou por falta de saúde ou por falta de tempo (em afirmar, porém, a falta de tempo, sêde severas convosco ; há quase sempre na nossa vida leituras curiosas de j ornais, revistas e romances, con­ versas ociosas, visitas desnecessárias, ocupações dispensáveis


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que nos roubam um tempo · precioso que poderá ser com van­ tagem empregado em atividade mais útil e m ais consola­ · dora) , se não fôr possível, digo, realizar êste ideal do en­ sino direto, ao menos tomar sôbre vós a responsabilidade de encaminhar as vossas alunas aos centros de ensino catequé­ tico : grupos dirigidos por zeladoras, aulas dominicais orga­ nizadas nos colégios e comunidades religiosas ou ainda o � a­ tecismo paroquial . Tornai; porém, esta tarefa, com zêlo : or­ ganizai a lista das vossas alunas; uma vez encaminhadas interrogai-as de tempos a tempos se continuam a freqüenta� as aulas começadas . Êste interêsse da professôra será um estímulo poderoso para a aluna e suprirá muitas vêzes o des­ leixo de tantas familias cristãs esquecidas do mais impor­ tante dos seus deveres, e a falta de iniciativa e irreflexão das p�óprias crianças incapazes ainda de avaliar o valor inesti­ mável �e uma sólida formação religiosa . Para assegurarmos um. apoio positivo à vossa boa von­ tade e constituir um núcleo de organização eu vos pediria a gentilez a de comunicar por escrito a M. B. o trabalho pes­ soal feito ou a faz e r por cada •uma de vós . Esta comunicação deverá indicar o número de alunos ou alunas que dependem da informante, e se recebem instrução religiosa dada por ela ou por outrem e o número . de crianças preparadas para a primiera comunhão . Neste cuidado em dirigir pessoalmente ou . acompanhar de perto a instruÇão religiosa dos vossos alunos, um ponto eu vos queria recomendar com particular insistência : a pri­ meira comunhão ! Comungar é unir-nos a Cristo, é o com­ pletar a nossa iniciação cristã. O batismo não nos faz cristãos senão porque nos dá o título, o direito à comunhão : e êste é o mais seguro penhor de salvação : qui manducat meam carnem habet vitam a eternam. Há tudo a esperar de quem fêz bem a sua primeira comunhão . Anualrruente, cêrca de 25 ou 30 . 000 crianças passam aqui no Rio pela idade de fa­ zerem o grande ato religioso de sua vida . Quantas, dentre


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estas, terão realmente a dita de o realizarem! Ao menos, que pelas vossas mãos não passe nenhuma que não leve p.ela vida adiante êste penhor de sua predestinação eterna . Assumi convosco êste compromisso de estatística : é um pouco molesto, bem o sei ; mas é um estím(lilo à ação e uma garantia de perseverança . Sem sacrifício não se faz o bem .

Se me dirigi neste apêlo imediatamente às professôras não foi de modo algum com a intuição de excluir as outras, dentre as minhas ouvintes, que diretamente não se ocupam do magistério . A tôdas estendo o convite do mesmo modo, com a mesma eficácia da instância ( às senhorinhas) . Se­ gundo as circunstâncias particulares poderá cada uma de­ terminar o modo positivo e concreto de colaborar nesta grande obra de apostolado cristão e de regeneração social, a mais importante e fundamental, talvez, de quantas podem atrair o zêlo das almas g enerosas ávidas de fazer o bem e trabalhar para aumentar a felicidade dos nossos irmãos . Sôbre a grandeza desta missão, para a qual hoj e vos convido, e que tantas vêzes não é aquilatada em seu j usto valor, ' deixai que vos diga duas palavras . Deus, c !L aritas est. D'€us é amor. E' o cristianismo, que ·encerra a verdade das relações do homem com Deus, é uma religião ..de amor ; no seu dogma, a epopéia magnífica do .amor de D.eus às suas criaturas ; na sua moral, a resposta do amor das criaturas às generosidades divinas . Quod est . mandatum maximum in lege, qual é o maior . . . perguntou um dia um escriba a N. S. Diligis Dominum Deum tuum . . .

ex tato . . . Hoc primum et maximum mandatum . . . Secun­ dum autem, acrescentou logo Jesus, símile est huic . O segundo é semelhante ao primeiro : amarás o teu pró­ ximo como a ti mesmo . In his duobus mandatis universa lex pendet et prophetae . Tôda a Escritura resume-se nestes dois preceitos : e o que nos ensina o nosso catecismo . . . Êstes 10 mandamentos se encerram em dois, etc . . . .


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:Ê!ste analismo que sintetiza tôda a moral do cristianismo ainda se pode fundir numa só unidade : os dois mandamentos não são - não digo antagônicos, mas nem sempre membros coordenados, que subsistem independentemente um do outro : são dois aspectos inseparáveis de uma mesma disposição fun­ damental da nossa alma . Não podemos amar a Deus sem amar o nosso próximo; não podemos amar ordenadamente o nosso próximo sem nos aproximarmos mais de Deus . Progre­ dir no am or divino é aumentar a nossa capacidade de dedica­ ção ao próximo; sacrificarmo-nos para o bem dos nossos irmãos é preparar melhor a 'nossa alma para as intimidades com Deus . Que magnífico programa de vida nos traça o cristianis­ mo; que grandeza de perspectivas nos · entreabre às mais no­ bres aspirações da alma ! Estamos neste mundo para a:m ar, para amar a Deus amando o nosso próximo . Amar é querer bem . Amar a Deus é querer o bem de Deus, a realizaçã.o da sua vontade, a dilatação da sua glória da execução livre do plano divino manifestador das suas infinitas perfeições . Amar o nosso próximo é querer-lhe bem, desej ar que os nossos ir­ mãos conheçam e amem a Deus e realizem a sua vontade, que é amor, a verdadeira perfeição das criaturas racionais essencialmente unida à sua felicidade definitiva e inamissíveL Eis o verdadeiro objeto da caridáde cristã . Por aí j á vêdes que o primeiro e- maior dom do amor é a verdade . As estas à1minhas que vos são confiadas vós podeis dar os vossos bens, podereis dar a vossa fortuna ; 1 é alguma cousa, mas é pouco ; dais assim um bem que vos é extrínseco · e. que lhes poderá proporcionar uma melhor situação, mate­ rial . Podeis dar-lhe o vosso coração, o vosso afeto; é mais, é muito mais. Mas o vosso afeto é uma dádiva frágil e efêmera ; amanhã talvez já não podereis repetir com a mesma sinceri­ dade o movimento para renovar a vossa doação; e esta doaI

Paráfrase de um trecho de

Soyons apôtres, 5 .

LAcoRDAIRE,

citado por

TIS�IER;


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ção do vosso afeto não é uma perfeição definitiva e interior da alma querida. Há, porém, um bem superior espiritual, que vós podeis comunicar com o que há de mais íntimo em vós; e que passará a ser o que há de mais íntimo na pessoa ama­ da ; um bem que vós possuís e podeis �ar, mas que é · maior que vós e que vos há de sobreviver, que há de continuar a irradiar a sua luz benfazej a, quando vós j á não fordes; um bem que é o mais indestrutível patrimônio do homem : a ver­ . dade . É da verdade religiosa7 mais que de nenhuma outra, que se verifica em tôda a sua plenitude o rigor desta afirmação . Das verdades particulr-res - históricas ou científicas, geo­ gráficas ou matemáticas, - o homem pode auferir inúmeras vantagens na vida . Nenhuma delas é indispensàvelmente essencial ao homem . Indispensàvelmente essencial ao homem é só a verdade religiosa . O animal para guiar-lhe a existên­ cia tem a espontaneida d e do instinto, sàbiamente orientado segundo as exigências da conservação do indivíduo e da espé­ cie . O homem, racional, guia-se por princípios . Sem idéias, sem convicções que é o homem senão uma vítima infeliz das paL"{Ões efêmeras, da concupiscência do momento que passa, do egoísmo que isola, esteriliza e mata? E que nos poderá fazer ela da vida , se não sabe o que ela é, e para que lhe foi dada; a origem donde ela começou, os destinos que deve rea­ lizar e atingir, a norma necessária de sua atividade moral, essencialmente condicionada pela finalidade última da nossa natureza racional? A resposta a tôdas estas perguntas cons­ titui substancialmente o objeto do ensino religioso . E é im­ possível imprimir uma orientação à vida sem assumir uma atitude religiosa . A suprema caridade é pois a caridade da doutrina . O n1aior doni que podemos oferecer ao nosso pró­ ximo é o dom da verdade religiosa . E o primeiro credor dêste inestimável benefício é a in­ fância . Muito mais do que às vêzes se pensa, a primeira ida­ de é a quebra decisiva da nossa vida . A criança, o jovem, abrem os olhos iluminados de inocência e interrogadores,


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vivos de curiosidade, sôbre o grande espetáculo que. a nature­ za e a sociedade lhe rasgam à contemplação extasiada, e aceitam com docilidade e avidez as primeiras revelações sôbre a grandeza da vida, sôbre a nobreza da virtude, sôbre a imor­ talidade dos nossos destinos que tão bem respondem às mais eleyadas aspirações íntimas da sua alma virgem e vibrante ainda não tisnada pelo vício ou metalizada pelo mercantilis­ ' mo dos interêsses materiais . A verdade ou o êrro que lhe ensinardes então modelará a plasticidade das suas consciên­ cias, presidindo à formação dêstes primeiros hábitos tão pro­ fundos que nelas influirão sempre pela vida adiante : bons · hál?itos, asas que às elevam, tornando espontânea , fácil, agra­ dável a prática do bem ; maus hábitos, pêso morto a tolher­ -lhes a liberdade e a elegância dos mo�imentos m10rais sup_e­ riores, a arrastá-las constantemente para o que degrada, envergonha e humilha . Um grande e desditoso poeta cantou · em v�rsos célebres a infelicidade do coração humano, vaso profundo em que, se fôr impura a primeira água que nêle se versa, debalde por cima lhe passaria o mar; não lhe levaria a mancha, car l'abisme est immense et la tâche est au fond . É que as primeiras verdades formam as primeiras virtu­ des, como os primeiros erros preparam a queda das primeiras degenerescências . Oh ! minhas senhoras, não calculais o bem · imenso que podeis fazer aos vossos alunos; estas verdades tão simples e tão profundas do catecismo irão constituir pela vida a fora o fundamento da vida moral; são sementes que germinarão virtudes, energia nas lutas da vida adulta, valor e constância nas adversidades, consolações profundas e espe­ ranças imortais nas horas tristes do sofrimento inimitável . Mais . Nesta instrução religiosa - que talvez estas crianci­ nhas sem a abnegação de vossa caridade não receberão nun­ ca - vós lhes dais o penhor n1ais seguro de sua salvação eterna . Nem vos desanime o ver que tantas e tantas crianças educadas religiosamente ao entrarem em contato com o mundo nas primeiras inexperiências da j uventude deixam as


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práticas de piedade , como que esquecidas de todo do traba­ lho longo e paciente de tantos anos . A semente fecunda e imortal lá fica; um dia desabrocharão frutos de uma vida eterna . Daqui há vinte ou trinta anos, sob o abalo de uma emoção mais profunda e dolorosa, o infeliz que as paixões transviaram descerá às profundezas insondáveis da sua alma e lá encontrará uma florzinha que parecia sêca, e dela se exalará um perfume de paz e de saudade que pouco a pouco lhe embalsaímará tôda a alma; as perguntas e respos�as do velho catecismo que pareciam para sempre sepultadas no olvido da morte ressuscitarão de novo evocadas por uma remi­ niscência tenaz e iluminadas agora em tôda a sua profundi­ dade pelas lições reais da vida ; as práticas religiosas dos primeiros anos, os primeiros encantos da inocência com J e­ sus, a singeleza das orações infantis, tudo voltará a dizer-lhe que o homem só é feliz quando possui a Deus. E começa o trabalho da ressurveição espiritual que às vêzes pode ser longo, mas, se -a alma não opõe resistência de obstinações irredutíveis, cedo ou tarde lhe há de restituir a vida . "Como uma água viva que foi comprimida sob um imenso desmo­ ronamento, conserva-se por · algum tempo escondida e como morta ; depois, pela sua própria fôrça, abre um caminho, cava através das voltas canais misteriosos e aparece de novo à luz do sol, gôta a gôta, a princípio, depois erp. fios intermitentes · e por fim nUIIU repuchar vitorioso'z (J . CALVET - Rerwuveau catholique, p. 55), assim a fé inoculada nos primeiros anos, sufocada mas viva nas profundezas do ser, agita-se, remorde, luta e acaba triunfante ,rasgando à alma os caminhos p8r,ra a luz . Desta fôrça vivaz da primeira educação religiosa a traba­ lhar após um longo período de letargia ou morte aparente, poderiam citar-se exemplos aos milhares . Lembrarei apenas um . Quem não conhece a história dêste poeta simbolista, . alma doentia e terna, que se chama PAUL VERLArNE? VER ­ LAINE teve uma infância calma, doce e piedosa. A sua pri-­ meira comunhão, escreveu êle mais tarde nas suas confissões,


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foi boa, e deixou-lhe na alma impressões indeléveis . Vem de­ pois o meio sedutor de Paris, o ambiente corruptor dos j ovens poetas . Aí encontrou o amigo mau da sua vida, o equívoco A. RIMBAUD, que sôbre êle exerceu uma influência literária nociva e uma influência moral ainda mais funesta, ensinan­ do-o a buscar alegrias na vida sem costumes e a afogar o esquecimento das dores na inconsciência do absinto . Corpo e alma e consciência - tudo estragou e devastou a influência desastrosa de A. RIMBAUD. VERLAINE o sentia e um dia, en1 Bruxelas, numa crise de alcoolismo, desfechou-lhe dois tiros de revólver, como se nêle quisera matar o seu pecado. As balas feriram apenas, e VERLAINE foi condenado a dois anos de cadeia : foi sua salvação : o isolamento trouxe a reflexão, a reflexão a paz . Através das devasta� ões do �rro e do ócio, êle encontrou a sua alma infantil ; o que nela depositara a vasa imunda, lavaram as lágrimas benditas da contrição e diante do seu crucifixo êle escreveu então a mais bela das suas poesias e que termina : Vous, Dieu de paix, de joie et de banheur Vous connaissez tout cela, tout cela Et que je suis plus pauvre que persane Vaus connaissez taut cela, taut . céla Jldais ce que j'ai ma n Dieu, je vaus le danne . (Apud J. CALVET - Le Renouveau catholique, p. 32 e segs.) Eis a fôrça reabilitadora de uma primeira educação reli­ giosa . Sem talvez a notoriedade trágica da vida de VERLAINE, vós podeis reviver inúmeras vêzes esta cena consoladora : po­ deis preparar tôdas as almas que vos passam pelas mãos para que um dia, mesnio as que tiveram a desdita de esquecer ao Deus que alegrou as inocências de sua j uventude, a êle vol­ tem num ato supremo de doação .


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Vous, Dieu de paix, de joie et de bonheur ce que j'ai mon Dieu, je vous le donne . E êste é o grande ato que lhes há de assegurar a sua feli­ ·cidade definitiva: Eis o grande bem, que podeis ir semeando, dia a dia, pelo caminho da vossa vida . A vida cristã é a vida de caridade : devemos viver amando ao próximo, devemos viver amando a Deus . O ensino da doutrina cristã é a expressão suprema da caridade para co� o próximo, o zêlo em vos de­ sempenhardes com fidelidade e constância dêste compromisso voluntário é uma das provas- mais inequívocas do vosso amor .a Deus . Lembrai-vos daquela cena solene .e comovedora que teve por cenário as margens do mar de Tiberíades em que Jesus investiu a Pedro do cargo de Pastor supremo da sua Igrej a . Simon Joannis diligis me . Numa confissão de amor : minis­ tério de zêlo . Desde então é lei universal : quem ama é pastor. O cristão que se fecha num egoísmo estéril, e conserva as l Úzes com que Deus lhe iluminou a alma como uma riqueza individual que basta para lhe assegurar a própria salvação, não compreendeu 11:ada do cristianismo : Repete todos os dias o seu adr;eniat regnum tuum num movimento de Ú íbios cuj a sinceridade é desmentida pela inação de uma vida cômoda e infecunda . A lei da luz é iluminar; podeis apagá-la : impedir que sej a luminosa, não . Assim um coração que ama sincera­ mente a D e�s não pode enterrar a verdade divina na frieza de uma mudez indiferente . Quando Deus acende numa alma uma luz, por mais humilde que sej a, é para que ela il}lmine o seu meio; e se os . dons de Deus são mais abundantes; se a luz é mais intensa, se a nossa posição social lhe permite uma irradiação mais ampla, crescem com a grandeza �os dons as dívidas do amor e as responsabilidades do zêlo . Somos cris­ tãos para colaborar ativamente com Cristo na. grande obra -da redenção do homem. É a grande prova de amor a Deus. .

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Cristo vos pôs nas mãos esta imensa possibilidade de iluminar e de benfazer . Sôbre as crianças - que êle tanto ama e que tantas vêzes chama a si num gesto de carinho e de predileção, sôbre as crianças - as almas inocentes pre­ feridas do seu apostolado, �le vos concedeu esta imensa in­ fluência de mestra, de professôra, para que o vosso amor a transformasse num instrumento de sua glória .

O ministério é de aparência humilde e penosa, bem o sei ; mas, por isto mesmo estais na via real do cristianismo ; · por isto mesmo é que o apostolado é a grande prova do amor de Deus . Mas não vos deixeis enganar pelo esplendor das exterio­ ridades . São as influências anônimas que, multiplicadas, pre­ param as grandes restaurações sociais·. A ciência moderna não· tem feito senão pôr em luz mais evidente a importância dos infinitamente pequenos . (Idéias colhidas em GoYAu , Au­ tour du Catholicisme Social, 2eroe série, p. 89 e segs.) Vêde em biologia : os micróbios são as grandes potências em todos. os domínios : êles que nos governam, êles que nos alimentam, êles que nos defendem, êles que nos matam . Êles que pare­ ciam quase nada, depois dos trabalhos de PASTEUR� nos apa­ recem como quase tudo . A vida e a morte dos grandes orga­ nismos dependem da n1ultidão incalculável dêstes infinita­ mente pequenos . Vêde em géologia : o trabalho gigantesca. das madréporas e dos corais : cada infinitamente pequeno das grandes colônias constrói o seu invólucro calcário que não chega às dimensões da cabeça de um alfinête. E o tra­ balho multissecular dêstes sêres minúsculos consolida as. substruturas resistentes de ilhas e de continentes . Vêde na história : TAINE julgou poder explicar tudo, na sua filosofia positiv% com o fatalismo da tríplice influência da raça, do meio e do ambiente . Depois dos legítimos protestos da liber­ dade humana resta ainda urna verdade fecunda : é que a história é feita de impulsos obscuros, de pressões imperceptí­ veis, que uns sôbre os outros exercem, êstes grãos de poeira


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fugitiva, a humanidade ; é que os desconhecidos e os despre­ zados, criadores do "meio" e criadores do "ambiente" (por-­ que afinal de contas são os homens que compõem estas influências, antes de as sofrer) , merecem ser considerados como· os verdadeiros tecedores da trama histórica ; é que o mundo em geral é conduzido - não, como queria TAINE, por um determinismo necessário - mas por esta coletividade anônima formada pela associação das liberdades de todos . "Não esqueçamos portanto a fôrça do anonimato diante dos homens, não esqueçamos o merecimento do anonimato dian­ te de Deus."

E se são grandes êste poder e êste merecimento, quando se trata da menor das nossas ações, quer queiramos ou não, pelo simples fato de vivermos em sociedade, na convivência, dos nossos semelhantes, exercer na complexidade do meca­ nismo de ações e reações . sociais influências de repercussões cuj o alcance não nos é dado avaliar, mérito maior, incompa­ ràvelmente maior, é quando se trata diretamente da formação religiosa das almas . Não é só a restauração social cristã que assim se prepara de um modo obscuro mas eficaz ; é a salva­ ção eterna das almas para a qual colaborais; é a felicidade definitiva e imutável que lhes assegurais para sempre na posse i:rrevogável dos seus destinos eternos . Não ; a humildade dêste grande ministério é só aparente ; vós vos eclipsais sim, diante dos homens - e esta penumbra voluntária é muito cristã, - mas o bem que fazeis diante de D-eus só lhe alcançareis a amplitude na luz da eternidade. O que não é aparente é o sacrifício : êsse é real e, por vêzes, bem árduo . Ser apóstolo é dar às almas um pouco do vosso tempo, das vossas comodidades, das vossas relações so­

ciais; é vencer as repugnâncias instintivas aos deveres cons­ tantes e monótonos da vida; é semear hoj e entre lágrimas e adiar para mais tarde as alegrias e consolações da colheita . Mas, por isso mesmo que é ministério laborioso, aí temos uma


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prova da vossa caridade para com . Deus . Não �ma quem não sabe sofrer . E é neste amor de Deus que deveis haurir as fôrças de uma dedicação inesgotável . Quantas vêzes nos mo­ mentos de �ervor não perguntais à vossa alma o que podeis fazer por Deus ! Quantas vêzes, quando Ê!le vos envia o anj o da do.r, não· perguntais como vos podeis consolar, sem O ofen­ der ! Ide às almas; està s almas que Deus ama e que O igno­ ram ; almas a que nas nossas escolas se ensina o que é neces­ sário para bem viver na terra, mas que sentem também elas um desej o de uma felicidade maior, ávidas de verdade e de . paz, cuj os olhos abertos de inoc ência aspiram a refletir a imensidade dos céus . Ide a elas, para levá-las a Deus . ilumi­ nar estas inteligências com as verdades divinas da fé ; depor nestas consciências algumas das virtudes cristãs; sobrenatu­ ralizar estas almas para que elas possam viver a vida divina que Cristo nos mereceu com o seu sangue : que consolação nos vossos sofrimentos pessoais, que satisffl,ção às aspirações generosas do vosso amor ! Evocai êstes grandes pensamentos nos momentos em que mais sentirdes o pêso ingrato dêste ministério difícil . CHARLES PÉGUY, recém-convertido, quando . percorria as ruas de Paris, a cada esquina atirava aos céus uma Ave-Maria fervorosa ; do alto dos ônibus outra Ave-Ma­ ria ; não havia canto da grande metrópole que êle não aspi­ rasse santificar com o fervor de sua oração sincera . Também vós quando vos moverdes neste borborinho humano da nossa grande capital, no cumprimento de vosso ministério divino, evocai, no silêncio consolador do vosso recolhimento, um pen­ samento semelhante . Nesta turba que se agita apressada pelas nossas ruas e praças, quantos e quantos escravos de suas paixões não vão praticar o mal : passos tristes do peca­ do . Quantos, na inconsciência da seriedade da vida, não se movem senão para verem e serem vistos : passos frívolos da -v·aidade . Quantos num terra-a-terra utilitarista não pensam senão na conquista dos bens materiais : passos ca�ucos de ambições efêmerà s . Que haj a também os que se movem pelos


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interêsses de Deus : são os passos mais ditosos da vida . Dêles está escrito no livro das verdades que não passam . Quam

especiosi pedes evangelizantium pacem, evangelizantium bana . (Rom. 10-15.) Belos os passos dos que anunciam a paz, bem-aventurados os passos dos que evangelizam o bem . A.M.D.G. Rio, 6-VII-1929 .


ENSINO O decreto de

RELIGIOSO 30

de abril de

1931

Aspecto pedagógico do ensino religioso . Aspecto social - criminalidade em França, inquéritos nos EE . UU . A specto jurídico - Tentativa ou j ustificação jurídica do ensino leigo. O ensino leigo não é neutro - postulados que envolve . O novo decreto : verdadeiro regime da liberdade . Respostas às dificuldades .

Ensino religioso no lar . Separação entre a Igrej a e o Estado . Dissídios entre alunos . Perigo da luta religiosa . Deveres das professôras católicas . Deveres de defesa - de medida preventiva . Deveres de conquista apostólica do novo campo . A. M .D . G . Às professôras do "Sacré-Coeur",

14-V-931 .


Com o decreto de 30 de abril de 193 1 inaugurou-se uma nova fase na história da nossa pedagogia oficial . O ensino religioso que durante 40 anos de ditadura laicista fôra con­ denado ao mais injusto e funesto dos ostracismos volta ago­ ra, à sombra da lei, a entrar nos estabelecimentos em que se vão formando as gerações de amanhã .

Há quatro anos quando iniciamos esta série de palestras - as fiéis da primeira hora hão de estar lembradas - çon­ sagramos um ano inteiro ao estudo do ensino religioso nos seus diferentes aspectos e· apontamos, no trabalho constante para alcançar o reconhecimento dos direitos das famílias no campo escolar, um� dos obj etivos mais importantes da ação católica no Brasil . Não podemos ainda dizer que se acham hoj e plenam€nte realizadas as nossas esperanças . Mas fôra injustiça não reconhecer que o passo que acabamos de dar foi grande e talvez o mais difícil . Não se destroem da noite para o dia os inumeráveis preconceitos aclimados entre nós, durante quase duas gerações . A mentalidade dos nossos ju­ ristas e homens de Estado, ainda dos mais bem intencio­ nados, não consegue desembaraçar-se de influências de um meio artificialmente deformado e continua hermeticamente impermeável à ação de ·princípios correntes do direito escolar em outros países . Não é, pois, de maravilhar - que logo do primeiro jato, nova legislação não tenha logrado vencer todos êstes obstáculos e sair obra de todo o ponto perfeita . Há, no importante decreto, senões visíveis, alguma ligeira incoe­ rência, desproporção entre esta instabilidade e ineficácia dos meios empregados e o fim! que se levava de meio .


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Não é, porém, sôbre estas falhas que me quero hoj e de-:­ ter . O que há de novo, de real, de prático, representa, de si, . urna conquista tão importante que bem podemos por o ra es­ quecer-lhe as imperfeições que, esperamos, serão transitó­ rias . Para fixar unicamente a atenção no seu conteúdo po­ sitivo . O ensino religioso pode considerar-se sob um tríplice

aspecto : pedagógico, social e j urídico . Dos dois primeiros direi uma palavra rápida, reservan­ do-me para tratá-lo mais amplamente em outra ocasião ; sôbre

o

aspecto j urídico deter-me-ei um pouco mais .

Pedagogicamente podemos dizer que é impossível formar o aluno sem. falar-lhe à consciênci� religiosa . A finalidade essencial da escola não é, com efeito, instruir só, mas edu­ car, não enriquecer a inteligência de noções geográficas ou m'atemáticas mas formar o homem, isto é, a sua vontade, o seu caráter, a sua alma tôda em face da vida. Em confronto com esta finalidade primordial, o cabedal de noções adqui­ ridas no estudo das ciências positivas não passa de um sim­ ples meio ou instrumento . Como uma consciência bem for­ · mada poderá utilizá-lo para o bem, dêle igualmente se po­ derá servir para o mal uma consciência perversa. Tudo está, portanto, na formação desta consciência, no valor que se dá ao homem como hDme:mf. E como a razão de ser da escola é a for­ mação do homem, uma escola que só instrui é uma instituição que mente à sua finalidade. Mas, por outro lado, como formar o homem sem falar-lhe da dignidade de sua natureza e da finalidade pelo dorrunio das realidades superiores, propondo explicitamente ou impllcitamente - supondo· uma solução . do problema religi oso qualquer que ela sej a? Se há campo em que a mentalidade, pela própria natureza das coisas, se torna impossível, é o da educação . Não há educação sem ideal edu­ cativo, não há ideal educativo sem o conhecimento dos des­ tinos do hom(em, não há falar dos destinos hum ànos sem interferir com a vida religiosa . O raciocínio é de um rigor

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impecável . Pedagogicamente o ensino religioso impõe-se como uma necessidade essencial : desconhecê-la é mutilar a educação e condená-la à mais irremediável esterilidade . E por estas conseqüências funestas de uma educação leiga j á entramos no aspecto social da questão . A eficácia da moralidade está intim:amente · conexa com a formação re­ ligiosa das consciências . As razões mais profundas dêste nexo estudá-la-erruos na próxima vez . HQj e, deixando a filosofia,. para quando houver mais lazer, contentamo-nos, como sim­

ples observadores da realidade social , de registrar esta de­ pendência comp um fato incontestável que a "mentalidade anti-religiosa e laicista que devia .salvaguardar a liberdade da criança não lhe dera, em última análise, senão uma liber­ dade maior para o mal. " ( Cardeal VERDIER , Lettre sur la. question scolaire . ) Já tivemos ensej o de mostrar como as es­ tatísticas da criminalidade j uvenil acusam por tôda parte um awnento assustador, paralelo ao crescer das influências laicizadoras da e s cola pública . Numa das prisões de Paris La Petite Roquette - A. FouiLLÉE averiguou em 1 897 que sôbre 100 menores detidos 2 apenas havi�m saído das escolas religiosas . O grande contingente da criminalidade contem­ porânea é alin1.entado pelos desventurados que nas escolas sem Deus não ouviram, durante a sua infância, uma voz amiga que lhe falasse das grandes responsabilidades da vida e das grandezas imortais que no homem: asseguram o cum­

primento fiel e heróico do dever . Mais recentemente, à prova objetiva das estatísticas em França, de uma eloqüência tão trágica, os Estados Unidos vieram acrescentar outros meios de demonstração positiva que trazem mais o cunho de originalidade norte-americana . Colhemo-los num livro publicado há pouco ( 1 92 3 ) pelo Dr. WALTER ATHEAM, membro de um Instituto com sede em Nova York e destinado especialm€nte a dirigir os inquéritos sôbre o estado social e religioso da grande república . Depois de registrar, de modo geral, alguns sintomas de decadência


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

na moralidade pública, os autores do inquérito procuram lançar uma sonda na consciência das novas gerações em formação . · Neste intuito, em inquéritos ordenados, multi­ plicam, entre a j uventude escolar, as ocasiões de um deslize .moral - induzir (cair na tentação) e contar proporcional­ mente as quedas . Assim , em várias escolas, comparam as crianças - desempenho de uma comissão de compras com valor de um dólar, deixando-lhes a margem de um pequeno trôco que elas poderiam conservar, sem possibilidade de sus­ peita da fiscalização a que eram subn1.etidas . Experiências análogas foram tentadas no pagamento dos bondes, cafés, etc . Em outras escolas, punha-se-lhes à prova a lealdade, im­ pondo-lhes um exame escrito e ensejando, com a ausência de vigilância, a facilidade de copiar . Os resul taqos foram desastrosos . Na prova de lealdade em algumas escolas sucum,biu a totalidade dos alunos . No das comissões sôbre o conjunto dos meninos experimenta­ dos caíram 64 % . Distribuindo em categorias os estabeleci­ mentos de ensino, as escolas públicas levaram a palma na triste porfia : em algumas a média dos delinqüentes em botão passou de 80 % .

Nas escolas particulares a percentagem

deceu

a 78 % , . a 75 % e até numa de meninos mais escolhidos a 59 % . Ainda assim, mais . de metade .

Nos escoteiros onde j á se começa a sentir a influência · da educação religiosa - Suit God not Yourself - foram mais consoladores os resultados . Em grupos de formação . muito recente a proporção dos meninos honestos j á se ele­ vava a 58 e 60 % enquanto, ' como vimos, na melhor das es­ colas nã o passava de 41 % As seções mais antigas, organi­ zadas, há meses ou 2 anos, já ofér.e cla.m um coeficiente d e .moralidaP.e que atingia 80,4 % e 82,3 % . .

Esta coincidência, j á de si tão expressiva, ori.entou o in­ quérito para uma investigação mais direta da influência do fator religioso na formação moral das j ovens consciências . As experiências orientaram-se neste sentido de vários modos .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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Dois grupos de meninos confiados a pedagogos de habilidade reconhecida foram submetidos durante algumas semanas, o primeiro a uma série de Uções morais, sem educação reli­ giosa; o segundo a uma educação ético-religiosa harmônica . Resultado : N� 1.0 grupo a média de moralidade atingiu 60 % ; no 2. o elevou-se a 85 % , a média mais elevada que se registrara até então . Em, outra cidade, foi diverso o cami­ · nho seguido . Numa escola a totalidade dos alunos naufra­ gara na prova das comissões ; não houve um só que resti­ tuísse o trôco . Submeteram.-se a um período de instrução re­ ligiosa e renovou-se a experiênci� . Todos, exceto um, entre.:. garam a ·moedinha que sobrara; o que a retivera, . depois d e refletir durante a noite, restituiu-a também êle n o dia se­ guinte . Etra o recorde : moralidade a cento por cento . E o Dr. ATHEAM, muito satisfeito com a genialidade da descoberta, proclama : "Chegamos a esta averiguação : os me­ ninos. não são religiosos se não se lhes ensina a religião ; e por outro lado se se lhes ensina a religião de modo cien­ tífico, tôda a orientação da sua vida poderá com isto vir a ser modificada." Já o sabíamos : mas folgamos de registrar mais esta demonstração de uma verdade que· tem por si tôdas as prQvas da psicologia e tôdas as confirmações da história .

Eis as imensas conseqüências de ordem social que pode acar­ !etar a ausência da instrução religiosa nas escolas . Educação religiosa, portanto, exige a sã pedagogia, re­ clamam-na os interêsses mais vitais da sociedade ; por que então desterrá-la das escolas oficiais destinadas a formar a grande massa do povo? Aqui t.oma a palavrá o direito lai­ cista para cobrir com um manto jurídico a escola agnóstica (sem Deus) . O Estado deve respeitar a liberdade das cons-ciências ; não lhes p ode impor uma religião determinada; .abrir as portas das .escolas aos ministros de um culto e fe­ chá-las a outros fôra não só odioso, atentatório da igualdade j urídica de todos os cidadãos . Para respeitar igualmente tôdas as liberdades elimiri e-se qualquer ingerência religiosa


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

dos estabelecimentos educativos do govêrno . Um dos prin­ cipais fautores do laicismo na França, mais tarde ministro da Instrução Pública VIVIANI, que se gloriou de haver apa-· gado as estrêlas do céu , e pouco depois viu apagar-se-lhe a razão numa casa de alienados - chamou à neutralidade escolar uma mentira diplomática . Infelizmente parece que entre nós ainda há muitos ingênuos que se deixaram en­ ganar por esta d�plomacia mentirosa . Não há, j á o dissemos tantas vêzes, não há, não pode haver pedagogia neutra . A pedagogia do laicismo, como qualquer outra pedagogia, su­ põe uma concepção, uma filosofia da vida . Suponhamos a . melhor das hipóteses, uma escola que realize o irrealizável : uma reticência contínua, leal e sincera sôbre todos os pro � blemas que interessam a consciência religiosa do aluno ; um silêncio inviolàvelmente observado sêbre quanto, nas ciên­ cias, · na história, na apreciação da vida social, possa inter­ ferir coin os ensinamentos do cristianismo . Quais são os pos­ tulados que envolve uma pedagogia assim concebida? 1. 0 Pos ­ tulado : A escola pode preencher a sua missão elevada de pre­ parar os homens para a vida, de formar os cidadãos para os seus deveres na família e na sociedade sem nunca lhes falar em; Deus. Deus, portanto , é uma "quantidade desprezível" , é um "dispens �vel" na formação do homem . Ora, que signi-· fica esta atitude senão nega:ção implícita de Deus? Por sua natureza, por aquilo que aos nossos olhos constitui o âmago mesmo de sua essência, Deus é o absoluto, o Necessário, o indispensável por excelência . F.m.volvê-lo na penumbra de um silêncio de 1 0 ou 15 anos que abrangem todo o período de formação do hom�m. é inculcar da maneira mais eficaz o papel insignificante de Deus na vida dum homem, preci-- _ samente na época em que nêle forma, quase sempre, de uma maneira definitiva, a sua escala de valores . Mais . Calar tud(} quanto se refere à vida futura, a sua existência e as san­ ções de além-túmulo, equivale a afirmar com as realidades · vivas da escola que é possível fortificar uma cons ciência


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contra os assaltos das paixões mais violentas p rescindindo absolutamente das repercussões eternas dos nossos atos ; em outras pàlavras, as realidades supraterrenas são uma super­ fetação parasitária na nossa atividade moral ; podemos in­ teiramente regular a nossa vida, subministrar à consciência normas e motivos de bem· agir combinando apenas, de modo mais ou menos artificial, os interêsses em j ôgo ou em· con­ flito na existência presente . �orno vêdes, êstes são pressu­ postos que interessam os próprios fundamentos da vida re­ ligiosa . O 2. o pos tulado, envolvido na atitude do laicismo peda­ gógico , concerne os fundamentos do cristianismo . Não abrir às crianças as páginas do Evangelho, não lhes falar em Jesus Cristo, na sua doutrina, nos seus preceitos, na Igrej a p or rue instituída, equivale, ainda uma vez, a afirmar a superflui­ dade de todos êstes elementos na educação do homem . Jesus Cristo, podemos impunemente alij á-lo ; a perfeição · e finali­ dade da nossa natureza, podemos atingi-la desconhecendo o conteúdo de sua mensagem divina à humanidade .

Entre

uma atitude assim e a negação da divindade do Cristianismo não há mais que uma diferença de palavras : as realidades incluídas sob as duas expressões, uma astutamente cautelosa, outra mais brutal, equivalem-se perfeitamente .

A pedagogia laicista não é, pois, uma pedagogia neutra ; fere a consciência dos crentes no que ela tem de mais pro­ fundo e sensível . Nenhuma maravilha, portanto, que a Igreja proíba às fanúlias católicas o enviarem os seus filhos a estabelecimentos de ensino nestas condições . E' notai bem : pouco importa, se outros estão persuadidos de que é possível uma moral leiga, independente, eficaz . Em face do direito não se trata tanto de iin[Jor a o utrem as nossas opiniõ�s quanto de as fazer respeitar pela lei : E aqui vêdes como a liberdade de consciência, de que tão pomposamente fazem alarde nos seus protestos os adeptos do laicismo, é precisa­ mente a que impõe o ensino religioso, e o regime escolar


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

inaugurado pelo novo decreto constitui a fórmula j urídica e sincera do verdadeiro respeito às liberdades espirituais . No regime anterior do laicism,o o Estado impunha indiscrimin�­ damente a todo o país uma fórmula pedagógica de educação que, . se satisfazia aos positivistas, . aos naturalistas, aos ateus, a todos os negadores das realidades transcendentes, contra­ riava vivamente não só aos desejos, mas às exigências mais profundas das almas religiosa.s . O novo regime é a libertação dêste ambiente de asfixia . Começamos a respirar . um oxi­ . gênio vivificante de liberdade espiritual . Agora, tôdas as famílias que, por um motivo ou por outro, opinam que a escola deve ser leiga, basta que de­ clarem a sua vontade e os seus filhos continuarão a receber a instrução do mesmo modo que a recebiam até aqui : a nova lei n ão lhes toca a sombra sequer ·de um direito . Mas, da mesma maneira e com o mesmo sentimento de eqüidade com que o Estado atende às reclamações das famílias lai­ cistas, deve outrossim prestar ouvidos às vontades não menos respeitáveis das famílias religiosas . E�s a verdadeira tole­ rância ; eis o sentimento leal de respeito às liberdades espi­ rituais . Intolerância se acha somente entre aquêles que as­ piram a monopolizar a instrução pública e transforii_l.á-la num instrumento de propaganda das próprias idéias, quais­ quer que elas sej am, sem a menor consideração pelas con­ vicções alheias . Com o ensino religioso introàuzido nas es. colas nas condições estipuladas pelo decreto não há uma só família no Brasil inteiro que possa afirmar sinceramente que foi lesada nos seus direitos espirituais ; uma só ! quaisquer que sejam as suas crenças ou descrenças. Haverá fórmula j urídica mais justa, mais compreensiva, 1nais lealmente respeitadora da liberdade das consciências? Com estas reflexões, aliás muito à flor da terra, pode­ reis responder a tôdas as obj eções tão inconsideradamente formuladas contra o decreto de 30 de �bril e que não chegou


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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a dissimular com habilidade uma hostilidade latentemente agressiva contra a religião e, sobretudo, contra o catolicismo .

A religião, qizem alguns, deve ensinar-se :rios lares ; é o· 1. o, o·s que as­

dever das mães e . das famílias . . Respondemos :

sim j u1gam p.eçam dispensa do e_nsino religioso escolar para os seus filhos, mas respeitem as convicções dos que pensam de outro modo . Respondemos em

2.o lugar e diretamente :

a dificuldade procede da mais çompleta incompreensão da importância e amplitude do ensino religioso e s ó poderia im­ pressionar os ânimos num ambiente, como o nosso, longamente trabalhado pela mais profunda ignorância religiosa . Por que é que há .escola? Por que é que os pais não ensinam aos seus filhos a ler e a escrever,. a aritmética e a geografia, a história· e a física?

Eh! porque os pais ou não têm tempo ou não têm

competência . Bernt; pelos mesmos motivos, ensina-se a reli­ gião na escola e não s ó · em casa . Os que assim argumentam parecem reduzir a formação religiosa de uma alma às ora­ çõe s elementares ou às primeiras noções de história sagrada, que de fato se aprendem tão bem nos joelhos materno.s . Concepção

muito

acanhada .

A instrução

religiosa

com­

preende o dogma e a moral, a liturgia e a história, a apolo­ g.§tica e a .ascética.

Tôdas as grandes questões da vida e da

morte desde a existência de Deus até aos deveres cotidianos do próprio Estado são do domínio da instrução religiosa . Como e onde encontrar tempo em casa para um ensino or­ gânico e eficaz de tôdas as disciplinas? Onde e como, exceto raríssimos casos, encontrar nas famílias, sobretudo nas fa­ mílias p�pular.es, encontrar competência para ensinar com precisão tôdas estas doutrinas -- as mais complexas e ele­ vadas? Bem interessante seria ver como seria acolhida uma dificuldade destas num país como a Alemanha onde durante os cinco anos de curso primário se consagram ao estudo da religião quatro horas po r semana e mais duas durante os oito ou nove anos de curso secundário .


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

- A Igreja está, entre nós, s·eparada do Estado; logo n4ü _é permitido o ensino religioso nas escolas oficiais. - De­ plorável confusão de idéias . A admissão do ensino religioso depende do direito escolar, do respeito que o Estado deve às c9nsciências das famílias . A questão das relações entre a Igrej a e o Estado depende do direito internacional e nada tem que ver comt a primeira . Ensina-se religião católica nas _ escolas da Alemanha, da Holanda, da România - da Ingla­ terra · e em nenhuma destas nações o catolicismo é religião do Estado . O ensino facultativo das diferentes confissões reli' giosas vai introduzir atritos e discus�ões irritantes nos grupos escolares? Por quê? O ensino religioso não pro duziu êste efeito em nenhum1 dos _ grandes- países, religiosamente muito mais divididos que o nosso, em que foi sempre ou conservado ou readmitido : Alemanha ou Inglaterra ; Holanda ou .Bé� gica ; Itália ou E\spanha ; Polônia ou Hungria . Retor­ cendo ad hominem o argumento : é exato que existem no seio da populaçãü brasileira grupos tão consideráveis per­ tencentes a �utros credos? Pois bem ; então deveríamos vivet socialmente uns ao lado dos outros, em boa harmonia res­ pe�tando-nos mutuamente . Ora, a escola é a preparação para a

vjda social ; aprendem\ as nossas crianças a conviverem na

sociedade escolar como hão de mais tarde conviver na so­ c�ed �de civil sem insultos nem agressões, na dignidade de um respeito mútuo . Preencherá assim a escola uma de suas funções principais : preparar os m eninos para as realidades da vida. É apenas

um

aspecto da convivência social de vários

credos. - Por dificuldades disciplinares · não se sacrificam · bens maiores . . Mas êste século vem suscitar uma luta religiosa no Brasil, sempre pacífico . Luta religiosa, por quê? Luta reli- · gios� provoca-se num país, quando o G;oyêrno, e�orbitando das suas funções, invade .o domínio da vida espiritual, �e-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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-vando-lhe os direitos intangíveis . É o caso da Rússia e do México ; onde se fecham os terr4Jlos ; se desterram ou encar­ ·ceram os sacerdotes, se proíbe a administração dos sacra­ mentos, se constrangem os indivíduos com medidas vexató­ rias por causa das suas convicções espirituais . Mias uma dis­ posição legislativa que não faz senão conceder às consciên­ cias religiosas - sem lesar as que o não são - a satisfação · de uma das suas aspirações mais legítimas - como se pode :com lealdade acoimar de provocadora de lutas religiosas? Saiamos do Brasil e vejamos os efeitos que em outras nações produziu respectivamente a introdução do laicismo e do en­ sino religioso . Na Holanda, a grande lei de 1880, que acabou com as escolas leigas, conservou na história o grande nome ou lei da Reconciliação . Desde êsse dia cessou no pequenino país a questão escolar que tantas lutas e tantos males so­ ciais acarreta nos países, como a França, o México e a Rús­ sia, que se obstinam em vexar as famílias cristãs impondo­ -lhes a uniformidade injusta do ensino leigo. Na Bélgica, a laicização das escolas públicas, introduzida pe1 a lei de 1879, p romulgada sob o ministério maçônico do Sr. OBLEAN, no mesmo dia em que na Câmara francesa se votavam. as me­ didas vexatórias das leis FERRY e do célebre art. 7 ; não durou mais de cinco anos . Em! 1884 o ensino religioso voltou às escolas, e a lei efêmera que delas o havia desterrado ficou, entre os belgas, estigmatizada com o nome significativo de

Loi du malheur. Fato análogo registra a história do regime escolar na Inglaterra.

O que, portanto, em tôda parte en­

contramos é o laicismo, introduzido como :meio leg,a.l de opressão das consciências, co�o regime de perseguição dis­ farçada das maiorias religiosas pelas minorias sectárias, en­ quanto em todos os países é saudado o ensino religioso como disposição libertadora das consciências, como expressão leal do mais sincero respeito aos direitos espirituais das fanúlias . Não há, portanto , por que intimidar quixotescamente o país, .agitando nos horizontes do novo futuro o espantalho de uma


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luta réligiosa . Mas se a luta religiosa vier, tôda a responsa­ b ilidade dêste mal pesará não sôbre um decreto que res­ peita tôdas as liberdades, que não constrange nenhuma consciência, que não ofende os direitos de uma só família, nem sôbre os católicos que não impõem o ensino católico nem mesmp o religioso a quem quer que sej a contra a sua , mas sim sôbre a intolerância estreita e acanhada dos que, não contentes de que a lei integralmente lhes respeite as próprias opiniões religiosas ou irreligiosas, pretendem ainda impô-las opressivamente às consciências alheias que pesará tôda a responsabilidade do grande mal . Não quero, porém, deter-me aqui em polêmicas . Graças a Deus é mais tranqüilo e pacífico o .nosso ambiente. Antes de terminar chamarei de freqüência a vossa atenção sôbre os nossos deveres que nos incumbem a nós católicos de modo geral e muito especialmente às nossas professôras em que

a

Igrej a tem: encontrado até agora a colaboração sincera e de­ sinteressada da mais generosa das dedicações . Impõe-se-nos imediatamente um duplo deyer .: de deíesa e de conquista . Defesa da . nova medida legislativa ; não é perfeita, em­ bora; não satisfaz ainda plenamente às exigências de um di­ reito escolar coerente ; reconhecemo-lo sem dificuldade ; mas sem contestação representa o primeiro passo, talvez o mais difícil, num caminho que, há algum tempo atrás, nos pa­ recia cerrado ainda por longos anos . Defendamo-lo, por­ tanto, por todos os meios lícitos ao nosso alcance . ((Quando o bem da Religião ou da Pátria corre perigo, escreveq_ Pio X, a ninguém é lícito conservar-se inativo. " Os inimigos da Igreja aí estão a dar-nos um triste exemplo : num mo­ mento, - apesar de dividido e retalhados por mil lutas in­ testinas, uniram-se para protestar contra o decreto e pro.: duzir na opinião pública, artificialmente agitad� , uma atmosfera hostil ou pelo menos fria à inovação regenera-


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dora . Não se verifique conosco e para nossa condenação o · que diz o Evangelho : os filhos das trevas são muitas vêzes mais prudentes que os filhos da luz . Ainda há dias dizia-me um advogado paulista, senão católico praticante ao menos simpático à nossa causa e decidido a defendê-la agora em S. Paulo mesmo com grandes sacrifícios financeiros com a fu�dação de um novo jornal . "Vocês, católicos, exclamava êle na sua linguagem franca e rude, afirmam sempre que são maioria, mas tôdas às vêzes que se trata de provar que o são calam-se tlmádamente e deixam as minorias ativas atordoarem os ares com a sua vozeria ensurdecedora. " (A. E. DE SoUSA ARANHA) . Alguma razão não lhe podemos negar. Lembremo-nos do que diz J . DE MAISTRE : "O mundo pertence aos que sabem trabalhar (prendre la peine) e diante do es­ fôrço e do sacrifício não comteçam por dizer : de que serve (à quoi bon) . Movamo�nos, portanto ; ' dissipemos precon­ ceitos, esclareçam(Os as opiniões (inúmeras famílias criti­ caram o decreto sem nunca o haverem lido ) ; façamos sentir ao govêrno a solidariedade destemida do nosso apoio . D e que modo? D e todos os modos lícitos : telegramas indivi­ duais e coletivos; moções de aplauso; conversas particulares ; artigos, entrevistas .escritas por quetn sabe manejar uma pena, provocados ou estimulados por quem não se exercito u . na arte de escrever ; com a colaboração multiforme do nosso trabalho pessoal . Sermos bons e cunwrirmos o nosso dever : significa incomodarmo-nos . Quando há alguns anos atrás um deputado na Itália teve a infeliz idéia de propor ao par­ lamento um: proj eto de lei sôbre o divórcio, dos Alpes à Si­ cília a família católica italiana estremeceu num frêmito de sobressalto e reagiu na decisão de uma energia dos grandes momentos . Em pouco tempo chegaram ao Govêrno milhões de assinaturas protestando contra a lei que iria enxovalhar a dignidade e as tradições gloriosas da fam;ília italiana, vin­ tessecularmlcnte monogâmica . O chefe do Govêrno mandou ·


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

retirar o proj eto com estas palavras : Inútil que discutam os representantes do povo uma questão sôbre a qual o povo já se manifestou num plebiscito tão espontâneo e impo­ nente . Trabalho de defesa : mas também trabalho de conquista .Esqueçamos, ao terminar, estas atitudes belicosas, um dos aspectos inevitáveis na vida da Igrej a militante, para nos elevarmos tranqüilamente à serenidade destas regras supe­ riores da vida sobrenatural em: que se jogam os destinos imortais das almas remidas por Cristo. A nova medida le­ gislativa abre-nos agora, ante as aspirações do vossa: zêlo cristão, as perspectivas de um apostolado imenso . São mi­ ·

.

lhares, são milhões de crianças que nós agora podemos atin­ gir, em cuj as almas nos será fácil insuflar êstes germes fecun­ dos de vida eterna. Só aqui no Distrito Federal mais de 80.000 freqüentam as nossas escolas primárias. Levantai os vossos olhos, poderá dizer-vos

N. 8. como dizia aos apóstolos nas

planícies e nos trigais dourados da Palestina, e vêde estas •

searas que j á lourizam para a messe . Mas esta messe é pre­ ciso ceifá-la, e a ceifa exige o trabalho e a fadiga do ope­ rário dedicado . Cada professôTa católic a deve agora for­ mar-se u� coração sacerdotal ; e coração de sacerdote é co­ ração que não vive para si, m,as para Deus e para as almas . Neste primeiro momento de adaptação a um regime novo, em

que se deverá introduzir em pouco tempo o ensino re­

ligioso em tantos estabelecimentos educativos, o trabalho é imenso, a soma de esforços realizados superior a qualquer cálculo . Mas a vossa generosidade inesgotável estará à al­ tura de todos os sacrifícios . Agradecei a Deus que assirru vos chama de perto a co­ laborar na obra mais eficaz de regeneração moral do nosso querido Brasil . Um grande doutor da Igrej a escreveu esta sentença profunda : de tôdas as obras divinas a mais divina é cooperar para a salvação das almas. Amanhã êstes :rp.i-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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lhares de alminhas em flor que aos caminhos de vossa so­ licitude e à abnegação de vossa atividade incansável deverão o conhecim.ento mais profundo de Deus, e das riquezas di­ vinas do cristianismo, que os há de levar a sua grandeza humana e a sua felicidade imortal, hão de constituir a n1ais bela coroa da vossa vida .


LElTURAS I

II

III IV

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Regras de consciência .

Influência Regras <;le Regras de Perigo dos

d o liv,ro . direito positivo O índice . direito natural . livros doutrinais . -

Leitura de romances .

Influência psicológica das idéias . Influência do romance . Escolha dos romances . Critérios . Boas leituras . Boas leituras .

No Instituto de Formação Familiar e Social, novembro de

•.

1937 .


I (Regras de consciência)

Dos livros ocupa-se, a títulos diferentes, o bibliotecário e moralista . Quem tem sôbre si as responsabilidades de uma ' biblioteca zela sobretudo pela defesa do livro contra as injú­ o

rias do tempo, a agressão das traças e a rapacidade dos ho­ mens .

Cada um dos habitantes silenciosos destas vastas

necrópoles do pensamento é para êle um obj eto precioso, um escrínio que conserva um tesouro de valor insubstituível . Uma pessoa que passa pela vida é um original que não se ' repete ; não há duas cópias iguais do mesmo tipo de homem. Conservar alguns dos pensamentos que lhe iluminaram a existência e dos afetos que lhe vibram na alma é defender contra a morte total algumas relíquias desta humanidade que vai peregrinando através dos séculos . Assim compreende a sua missão quem zela pela conservação das bibliotecas : o livro é um · arquivo das almas e das coisas do passado; tôda solicitude p �ra conservá-lo é bem empregada, é uma defesa

do que, sem êste cuidado, voltaria para nós à inexistência do olvido completo .

Por outro ângulo encara a questão o moralista. Para êle o livro é o veículo de influência en�re alma e alma ; é o ins­ t rumento de transmissão de idéias e sentimentos que descem

ao fundo das consciências e aí vão orientar atitudes em face


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

da vida e dos seus destinos . A ação do livro na vida moral, eis o que o preocupa . E nada mais j usto .

A saúde das a]mas, como a dos corpos é, em grande par­ te, função do ambiente . Os antigos médicos que gostavam muito de aforismos diziam que circumfusa et ingesta o que nos envolve e o que ingerimos - decidem do bem-estar dos organismos . E como o que ingerimos sai do que nos envolve, é sobretudo a ambiência que influi como fator pre­ ponderante na euforia vital . As almas não vivem de ar e água e pão, senão . de idéias e sentimentos, mas idéias e senti­ mentos nós os vamos colhêr no meio que freqüentamos . Que homem não poderá apontar como decisiva na orientação de sua vida a ação de uma mãe, de um professor, de um amigo? Seríamos hoj e os mesmos se no caminho da vida . não tivéra­ mos cruzado com esta ou aquela i nfluência? Ora, esta ação de homem a homem não se exerce só através da palavra fala­ da senão também através da palavra escrita . Há na lingua. gem viva de alma a alma um não sei quê de incomunicável e insubstituível ; a flexão da voz, a expressão da fisionomia, · todo êste encanto que se desprende de uma personalidade superior, asseguram à convivência, às relações vivas, um poder de ação absolutamente singular. Por êste motivo o ensino -

oral vivo e vibrante e comunicativo nunca poder� ser substi­ tuído pelo contato mudo e frio COTI} o livro de texto. M a s sob outros aspectos a influência do livro ganha as vantagens perdidas . O livro é quase sempre um amigo silencioso a quem nos · abandonamos com plena, confiança . Em face de outro ho­ mem, qu é se ergue diante de nós, em carne e osso, também nós aprumamos a nossa personalidade num gesto de digni­ dade e de defesa . E o que nunca permitiríamos se nos disses­ se de viva voz, lemos complacentes nas páginas insinuantes e indefesas de um livro morto . Mais. O autor apresenta-se-nos sempre com uma auréóla de superioridade . Já notastes a lição da etimologia : autori-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

dade deriva de autor . Como quem dissesse : que o escrever um livro confere a um homem a dignidade soberania, o prestígio de uma elevação superior às o direito de ünpor leis, idéias e atitudes . Está escrito ! livro !

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fato de de uma massas, Vi num

Ainda . A ação da palavra falada é rápida, passa com a violência dos grandes aguaceiros, que deslizam e não pene­ tram . A da palavra escrita insinua-se lenta e profundam en­ te como a chuva miúda dos invernos . Sôbre um livro, sôbre algumas de suas páginas, voltamos uma e outra e mais outra _vez, até embalsama:rlmo-nos de todo com o seu perfume ou intoxicarmo-nos com todo o seu veneno . Por estas e muitas outras razões que fàcilmente podeis desenvolver, o livro dese mpenha um pàpel de primeira im­ portância na orientação da nossa vida moral . Não se contam as confissões de grandes delinqüentes que o responsabilizam pelos seus crimes e pela sua desgraça . Do livro serviu-se a Providência para enveredar pelo heroísmo da santidad€ um SANTO AGOSTINHO ou um SANTO INÁCIO . Sem chegar a êstes extremos podemos aqui repetir o que há pouco dizíamos da influência das boas ou más companhias : não há quase ho­ mem de certa cultura que não possa de si afirmar : não seria hoj e o que sou, em bem ou em mal , se nesta ou naquela idade me não houvera caído nas mãos tal ou qual livro . "Tôdas as as grandes leituras são uma data na existência. " (LAMARTINE Apud CHARMOT, L'Humanisme, p. 2 1 7 . ) . -

Não há, portanto, maravilhar-nos que sôbre fatos tão decisivos na orientação dos nossos atos não tenha a moral regras importantes a ditar-nos . Para nós católicos duas são as fontes donde dimana,m os ' princípios regula�ores da consciência nesta matéria : uma de dire�to positivo, _outra de direito natural . I De direito positivo é o que se chama índice dos livros proibidos, lista oficial publicada pela Igrej a em que se indi­ -

cam aos fiéis os · livros perigosos para a fé ou costumes . As


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proibições do índice são de 2 espécies; particulares ou indi­ viduais e gerais .

Individualmente são proibidos numerosos autores dos quais se condenam tôdas as obras (A. FRANcE, DuMAS, etc . ) ou sàmente algumas . A Igrej a , porém, não pode práticamen­ te qrganizar uma lista completa dos livros maus que se publi­ cam em todo o mundo . Pessoalmente são condenados só os autores mais célebres ou os mais discutidos . Por êste motivo, ao lado da lista índividual promulga o índice alguns princí­ pios gerais que compreendem categorias inteiras de publica­ ções . Assim são proibidos . V. ConEx, c. 1 399 . A proibição do índice impõe as seguintes obrigações : não ler, editar, traduzir, vender ou comunicar a outrem . C. 1398 . Esta proibição é de sua natureza grave; viQlar conscien­ temente e com plena deliberação ésta lei da Igrej a é cometer falta grave . Há, porém, a possibilidade do que se chama exi­ güidade de matéria .

Das proibições do índice pode dispensar a autoridade competente : a S. Sé, o Núncio, em casos particulares o bispo . Tôqas as vêzes que há uma razão grave para ler um livro proibido e que por circunstâncias pessoais cessa o perigo imediato, as autoridades eclesiásticas suspendem as proibições legais . Esta licença, porém, não atinge os livros proibidos por direito natural; acêrca d.êstes nenhuma autoridade pode dar P.ermissão válid.a . II - Entramos assim na segunda fonte donde derivam também princípios reguladores da consciência nesta matéria : o diTeito natural . Por direito natural entende1nos aqui os ditames da consciência, os princípios impostos pela própria natureza das coisas, ainda que não se achem escritos em lei alguma, eclesiástica ou civil . O princípio de direito natural que regula aqui o nosso assunto é o seguinte : Ninguém pode, sem falta de consciên­ cia, expor-se a uma ocasião de pecado . Ocasião de pecado é qualquer circunstância que a êle leva, a êle impelindo e crian-


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do-11:?-e a oportunidade . S e entre a ocasião e o pecado existe uma espéci� de necessidade moral, de modo que na quase totalidade das vêzes o expor-se e o cair sej am a mesma coisa, a ocasião é próxima. Se a relação não é tão estreita, de modo que quem se expõe umas vêzes caia, . outras não, a ocasião é remota . A ocasião próxima pode ser tal absoluta ou · relativamente . A bsoluta, quando vale para todos, quando se baseia na psicologia humana, na fôrça da solicitação ou na fragilidade geral . Assim, para um operário, o freqüentar em más companhias lugares de bebida e de j ogos . É relativa quando constitui um perigo para determina­ das pessoas, por motivos que lhe são particulares . A idade, o sexo, o grau de instrução, o temperamento, o estado de vida, associações de ima gens anteriores ligadas a fatos da vida passada, podem constituir perigos particulares, próprios de indivíduos ou classes particulares de pessoas . Destas noções ressalta a evidência do princípio que enunciávam os há pouco : não é pe:Pmitido expor-se livremente à ocasião próxima de pecado ; seria querer abraçar livremente o pecado que, pela explicação acima, se acha moralmente ligado con1 a ocasião próxima . Ora, que as leituras possam constituir perigo sério para as almas, nenhuma dúvida . Perigo de duas espécies : para as inteligências e para os corações . Há livros que atacam os princípios e livros que ameaçam os costumes ; livros maus de doutrina e livros maus· de ficção. Nos primeiros é a fé que se expõe à ruína, nos outros é a pureza de consciência . Quais os mais perigosos? Por si, os livros de doutrina. Desorientar as inteligências, abalar a certeza dos princípios é trab.alhar para a ruína completa de um destino . Quando os costumes desgarram, mas a fé permanece intata, o desas­ tre é relativamente menor e de mais fácil remédio . A cons­ ciência reconhece que procedeu mal, e um esfôrço generoso da vontade, auxiliada pela graça de Deus, pode, de um mo­ mento para outro, elevar a vida à altura do ideal e harmoni-

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zar os atos com os princípios, o coração com a inteligência . Mas quando é a inteligência que se desorienta, quando é a própria concepção da vida que de todo se falseia, o mal é então mais profundo e por vêzes assume as proporções de uma catástrofe quase irremediável . Por êste motivo, os maus livros, em matéria de doutrina, são de si extremamente per­ niciosos . Muito maior mal fizeram um KANT, um MARx ou um DARWIN do que muito romancista que dura alguns anos no cartaz da moda . O mundo governa-se em última análise, por idéias; são elas . que preparam e orientam os grandes mo­ vimentos que constituem a história . São como as neves eter­ nas dos grandes cimos; lá estão, nas alturas, serenas em sua cândida imobilidade . Mas é de lá que descem as avalanches poderosas que, precipitando-se de Q.espenhadeiro · em despe­ nhadeiro, rolam as grandes massas destruidoras de cidades . e aldeias; é lá que se alimentam inesgotàvelmente os filêtes d'água que vão engrossando, pelas encostas das montanhas, e levam · depois às planícies a bênção das águas fecundas ou a calamidade das inundações ruinosas . Tôdas as grandes revoluções da história, benfazejas ou maléficas, prendem-se, nas suas origens, a um grande movi­ mento de idéias. Nas almas individuais, não menos profun­ das são as suas influências para o bem como para o mal . Muitas vêzes, principalmente na mocidade, costumamos anestesiar a nossa consciência com dizermos e j ulgarmos : que essas leituras não nos fazem mal ; temos muito espírito crítico, saberemos discernir o bem do mal, assimilar um e rej eitar outro . Ilusão quase sempre . Nada há mais raro neste mundo sublunar que o espírito crítico, crítico não no sentido vulgar - espírito bisbilhoteiro e 1naldizente, crítico no sentido cien­ tífico, isto é, espírito capaz de analisar uma doutrina, de dis­ tinguir-lhe o certo do provável, o ·demonstrado do hipotético . O espírito cientificamente crítico supõe um complexo de qua­ lidades naturais raras : perspicácia, sagacidade, dom de aná-


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lise, inteligência penetrante, supõe ainda uma cultura filosó­ fica sólida, lógica bem assimilada, hábito de demonstrações rigorosas, supõe por último, sobretudo em alguns domínios, um tesouro de conhecimentos adquiridos, uma erudição de primeira mão, larga e segura . Abri; por exemplo, um livro . de história das religiões comparadas . . . Um livro de polêmica protestante . .

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Por onde se vê que o espírito crítico, pelo conjunto de qualidades naturais e adquiridas bem equilibradas que envol­ ve, não pode deixar de ser muito raro. E de fato é raríssimo. Sôbre 1 . 000 que j ulgam tê-lo talvez só um de fato o possua . Naturalmente a nossa vaidade presume muitas vêzes que so­ mos aquela unidade precisa e os que nos cerçam pertencem à -multidão dos três 9 . É quase sempre a temeridade e a pre­ sunção que expõem as almas aos perigos das más doutrinas que ameaÇam a integrida � e da fé e o equilíbrio sadio da inte­ ligência . Se em si são mais perigosos os livros de doutrina, para a grande massa dos leitores e em concreto são os livros de f�n­ tasia os que imediatamente produzem mais estragos . Pelo seu teor severo, os livros de idéias são menos acessíveis ; os ledores de KANT, de CoMTE, ou de RossEAU nunca serão tão numerosos como os de ZoLA, ANATOLE FRANCE ou n'ANNUN­ zro . É através da vulgarização popular e sobretudo dos ro­ mances que as idéias e as filosofias se disseminam entre as multidões e se transformam em sentimentos e atos . Eis-nos assim diante do problema candente do romance . Seria necessário . dispor de pelo menos mais uma aula para tratá-lo com certa amplidão e desenvolver tôdas as distinções necessárias . Nas estreitezas de tempo em que nos achamos demos apenas algumas linhas gerais de orientação . Antes de . tudo, para entendermos a sua ação, desmontemos a nossa psicologia . Em nós, tôda idéia é acompanhada de uma ima. gem, e tende a realizar-se; é uma ação principiada .


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Um estudo mais profundo da sua influência exigiria uma exposição preliminar da nossa estrutura psicológica e das suas possíveis reações ante as idéias, imagens e sentimentos que haurimos nas leituras . E a leitura aqui não nos oferece uma simples exposição de idéias, fria, difícil, austera, por vêzes soporífera como uma lição da "Filosofia Positiva" de CoMTE . É todo . um mundo de imagens e de sentimentos, de descrições vivas e diálogos empolgantes, é como um p êdaço da vida, talhado na realidade palpitante e que nos entra pela alma, apoderando-se de· tôdas as faculdades e despertando ressonâncias profundas . Para descer aqui um pouco mais a pormenores concretos e proferir j uízos prudentes matizados' seria mister levarmos a análise mais longe do que nos permi­ tem as estreitezas do tempo . Contentemo-nos conc�uindo com aplicar apenas de urn modo geral o· princípio que deixamos enunciado acima : Na medida em que uma leitura, pelas idéias que inculca, pelos sentimentos que inspira, pela im­ pressão geral que deixa na alma, oonstitui, para nós, uma incitação ao pecado, uma ameaça ao equilíbrio interior, a consciência no-la proíbe. Não § mister que exista uma in ter­ dição de direito positivo, um ato da autoridade eclesiástica; bastam as leis naturais que nos regem a vida moral, bastam os ditames da prudência que constitui a primeira sentinela da nossa paz interior. Aqui, como em tudo o mais, uma cons­ ciência, sincera, delicada, bem instruída, é, no santuário ínti­ mo, a melhor defesa da alma, a mais segura promulgação da lei natural, porque o eco mais fiel da voz de Deus . No Instituto Social, 15-VII-941 .


II ( Leituras de romances)

Que a leitura desempenha um papel de primeira impor­ tância na orientação da nossa vida moral é um fato que se não pode contestar . Ver-lhe-emos hoje a explicação psicoló­ gica . Que, portanto, a moral, nesta matéria, nos imponha regras e nos lembre conselhos, nenhuma maravilha . Nós ca­ tólicos temos no indice, organizado pela Igrej a com solicitude materna, as indicações de direito positivo a · êste respeito. Indicações, umas de caráter particular, visando êste livro, aquêle autor; outras de caráter geral, enunciando princípios universais que abraçam categorias inteiras de obras, capazes de oferecer à generalidade dos fiéis um perigo sério para a integridade da fé ou pureza dos costumes . Ao lado destas prescrições de direito positivo, as leituras são regidas por um ditame da lei natural que se impõe a . tôdas as consciências e em virtude do qual não nos podemos expor, sem falta, a uma ocasião próxima de pecado . Tôdas as vêzes que um livro, de doutrina ou de ficção, pode causar a uma alma detrimento grave, de ordem intelectual ou mo­ ral, veda-nos a consciência a sua leitura .

Além tratamos do

grande perigo que encerram as leituras doutrinárias . Res­ ta-nos dizer uma palavra dos livros de ficção . Achamo-nos em face do problema d0 romance, tão grave, tão delicado e


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tão complexo ! Estudemo-lo com tôda a serenidade e com tôda a sinceridade, sem exageros contraproducentes mas também sem reticências culposas . Para melhor entendermos a influência das leituras lem­ bremos em resumo a nossa estrutura psicológica e as leis fundamentais do seu dinamismo . Em tôda a nossa vida inte­ ri�r, a idéia ocupa um lugar central, um pôsto de primeira importância . (Damos aqui à palavra idéia um sentido amplo, sinônimo de todo e qualquer conhecimento, quer de ordem sensível, quer de ordem intelectual. No sentido estrito, idéia significa uma representação puramente intelectiva e opõe-se a imagem, representação sensível.) Ora, tôda idéia, neste sentido, tende de sua natureza a realizar-se; é uma ação co­ meçada, como a ação é uma idéia perfeita, acabada . O conhe­ cimento, luz interior, foi-nos dado p ára esclarecer o caminho da vida . Já nos animais, tôda a sua atividade especifica­ mente animal é orientada pelo j ôgo das imagens. A colmeia, o favo e o mel, antes de serem uma realidade são associações espontâneas de imagens na abelha . Êstes complexos psíqui­ cos destinados a velar pela conservação do indivíduo e da espécie constituem o instinto próprio de cada espécie . No homem não há conhecimentos inatos; tôdas as idéias são adquiridas; e é com estas idéias adquiridas que vamos dirigir a nossa vida; nós seremos o . que elas fizerem de nós . Por isto mesmo que na sua finalidade essenc ial a • idéia é orientadora da ação, e que ela j á incluía espontâneamente o ato, tende de todo o seu pêso natural a realizá-lo . Tôda a psicologia é uma longa e variada confirmação desta lei fun­ damental . Lembremos apenas uma ou outra prova . 1 . O) Comecemos pelos estados anormais ou patológicos, que, muitas vêzes, pela simplificação interior úu pela disso­ ciação de elementos complexos permitem analisar melhor as leis elementares da vida psíquica . Sugestão a um hipnotiza­ do de uma série de atos a que se acha habituado : uma comu­ nhão. - Idéias obsessivas fortes nos estados de . neurastenia


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(diminuição d� tensão vital e do domínio da vontade) . Exemplos : mãe que quer matar a filha; j ovem que deseja matar a mãe, etc . . (EYMIEU.)

2.o) No estado normal a cada instante surpreendemos esta le,i em j ôgo . "Agua à boca" (p. 42) . Vertigens (p. 45) . Imitação (bocejo) . Contágios coletivos (pp. 46-47) . (Suicídio de Werther, de GoETHE. ) De fato tôdas as idéias não se realizam em virtude da mesma lei - que permite a inibição pela intervenção de ·outras idéias . A criança e o homem adulto que assistem a uma partida de foot-ball . A relação entre a idéia e a sua realização não é sempre a mesma; va1·ia em função de diferentes fatôres ou coeficien­ tes, coeficientes que modificam a natureza da idéia; e coefi­ cientes que dependem da natureza do sujeito .

A fôrça motriz da idéia depende dos elementos sensíveis que envolve, da riqueza · e complexidade dos seus elementos . Princípios abstratos movem pouco; encarnados em fatos con­ cretos, vivos, são de um dinamismo irresistível . Princípio : não se deve expor inutilmente a própria vida . Uma bomba que fumega e um · grito de , alarme : salve-se quem puder . (EYMIEU, p . 73.) As idéias que se associam a sistemas ante­ riores . . . que organizam novas sínteses mentais, etc . . . . A natureza do sujeito influi também poderosamente na ação que sôbre êle exercem as idéias : cada indivíduo é diver­ samente i1npressionável . Há pessoas mais ou menos abúlicas, isto é, fracas de vontade, incapazes de orientar e governar o curso das idéias, devaneadoras . Há organismos mais ou me­ nos frágeis e delicados que à ação da idéia opõem uma resis­ tência fraca . Por êstes motivos : varia a impressionabilidade com a idade e com o sexo . Concluamos esta breve síntese : Tôda a idéia tende a rea­ lizar-se ; com uma fôrça diretamente proporcional à sua ca­ pacidade dinâmica, e inversamente proporcional à resistên­ cia do sujeito .


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Tendes agora a chave da influência profunda que ·p ode exercer na orientação da nossa vida a literatura de ficção . Os livros de doutrina lida_m com idéias abstratas, muito es­ peculativas; e quase desacmnpanhadas de ressonâncias sen­ síveis; exigem notável esfôrço de atenção e não repercutem em tôda a · alma . O romance, não . As idéias, aqui, atingem o seu máximo de riqueza e complexidade . O elemento pura­ mente intelectual é acompanhado aqui de todos os harmôni­ cos - afetos, sentimentos, emoções, - que lhe asseguram uma ação poderosa sôbre todo o nosso psiquismo . A imagi­ nação, a sensibilidade, as paixões tôdas despertadas com estímulos poderosos, põem o homem inteiro em vibração uní s sona com o autor e as suas idéias. Pelo pinturesco das descriçõeB, pela vivacidade dos diálogos, pelo movimento con­ tagioso das emoções, nada há que rião seja atingido e não sej a hàbilmente mobilizado em serviço do result?-do final . Pela sua própria natureza, o romance exerce necessàriamen­ te no âniino dos leitores uma influência profund a e incon­ trastável . O seu poder sugestivo é comparável ao de um hipnotizador . Quem diz, , portanto : esta leitura não me faz mal engana-se . As leis da natureza não nos podemos subtrair . Pode ser que no momento outras idéias evocadas e profun­ damente :radicadas no nosso psiquismo reaj am e produzam um efeito. de inibição - como freios que paralisam ou dimi­ nuem um movimento iniciado . Mas alguma coisa sempre fica . Uma j ovem gravemente doente . (HooRNAERT, p . 3 . ) O que lemos entra a fazer parte do nosso psiquismo, desce muitas vêzes à subconsciência e mais tarde daí subirá como estímulo ao mal, como tentação perigosa . Um soldado trai­ dor que se introduz na praça forte . A imaginação fica para sempre manchada como o vaso trincado de PRUDHOMME : "Ne­ le touchez pas, il est brisé" . L. VEUILLOT "queixava-se ainda na velhice da sua memória ainda envenenada por certas lei­ turas da mocidade".


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Os grandes romancistas conhecem esta fôrça sedutora do romance e, quando se lhes toca no mais sensível da .alma,

fala nêles mais alto a fôrça da verdade que o amor da vai­ dade . J. J. RoussEAU da sua Nova Heloísa : "uma alma virgem não deve ler o meu livro ; ai! da moça que o ler ; es­ tará perdida." MoNTESQUIEU, surpreende a filha que ia ler as suas Lettres persannes : "Deixa, filha ; é um livro de mi­ nha mocidade que não é feito para a tua." M. PRÉvosT . (V. HOORNAERT, p. 2 5 . ) (Confissão de Proal - EYMIEU, p . 99 . ) .

Por aí vêdes a importância que na orientação moral de uma vida pode exercer a leitura de um romance, e a solici­ tud e com que neste ponto uma alma cônscia de suas res­ ponsabilidades deve escolher suas leituras de diversão . E assim eis-nos conduzido a outro problema não menos deli­ cado e complexo : mas qual é o romance mau? Quando é que a leitura de um romance éomeça a ser perigosa? Se para alguns - infelizmente pata muitos - esta apreciação é fácil e a sentença condenatória decisiva, para muitos outros situados na zona Jnédia - qual o critério para j ulgar com acêrto ? Enunciemos alguns princípios gerais, objetivos . 1 .0) É mau o romance de tese condenável, que visa minar na alma dos leitores uma verdade cristã ou natural . É, de fato, através dos romances, que se tem criado nas massas esta mentalidade anticristã que vai dando de dia para dia ·os seus frutos mais amargos . Pode dizer-se que no século XIX uma grande legião de escritores pôs a ser­ viço da descristianização todos os seus talentos literários . E, pela eficiência psicológica do romance, que j á estudamos, com grandes resultados . O arcabouço lógico, - a fôrça de­ monstrativa dos argumentos - é por vêzes de uma pobreza miserável - mas a ação sôbre as almas é poderosa . Um exemplo . A campanha em favor do divórcio . G. SAND, IBSEN, DuMAS, HERVIEU, ANATOLE FRANcE, os irmãos M.ARGUERITTE, E. KEY . (Ver Divórcio, p. 235 . )


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OUtros exemplos. Eurico o Presbítero, ZoLA, Le rêve. (HOORNAERT, pp. 27 e 49 . ) Foi com êstes processos que se criou uma atmosfera de hostilidade contra o cristianismo e as suas instituições : a confissão, o clero, as ordens religiosas, etc . Foi assim que se solaparam os fundamentos da vida social : a família, o princípio de autoridade, a solidariedade . . A deslealdade ló­ gica de semelhantes processos ress alta à primeira vísta . Nada mais fácil do que, estabelecida uma destas teses d e combate, inventar u m enrêdo, d e molde a desprestigiar no ânimo dos leitores e tornar-lhe antipática a instituição vi­ sada. �Um pouco de imaginação e um pouco de arte lite­ rária - e o resultado será seguro ._ Não é digno, não é j usto, não é leal . .

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A primeira condição, portanto, de um romance p ara não ser mau é não estar a serviço do êrro ou de uma teoria con­ denável . Tese boa . Primeira condição mas não única . A doutrina sã não faz necessàriamente bom um romance . Há certos autores que têm a arte sutil de dissociar a tese da impressão geral. A tese é irrepreensível; a impressão pode ser fatal . A tese enuncia-se no fim do trabalho numa pro­ posição sêca, abstrata, teórica : condenação do divórcio, do . adultério, do egoísmo . O . enrêdo desenvolve-se através de cenas, descrições, d i álogos que revolvem na alma tudo o que há de menos nobre e digno . Psicolàgicamente, j á o vimos, a conclu.sã10, extremamente pobre no ·seu intelectualismo inerte, correrá todo o risco de deslizar pela superfície, sem abrir nenhum vinco profundo enquanto as particularidades de ação, ricas de · elementos dinâmicos, produzirão todo o seu efeito nefasto . De um lado só a razão pura, de outro . . . tudo_ o mais . . . É fácil "prever de que lado cairá o leitor . (Les Demi-Vierges de PlwusT . HooRNAERT : pp . 23-24 . ) Para que um romance sej a bom é mister portanto aliar a uma doutrina boa uma impressão sadia . Que tudo con-


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tribua harm.ônicamente para elevar as almas, para dar-lhes um sentimento elevado da dignidade humana . Só? Não poderíamos ainda encontrar no próprio gênero literário um perigo sutil, que se faria sentir não precisa­ mente na leitura de um ou outro romanc e, mas no hábito freqüente, no, abuso da sua leitura? Creio que sim . Passemos ràpidam-ente ·pelo primeiro inconveniente : a perda de tempo . O romance empolga ; a curiosidade fica suspensa enquanto se não vê um desenlace de uma . situação complexa e interessante ! Sucedem-se ass.im umas às outras, horas e horas ; e, terminado um romance, começa-se outro. Com o tempo, é uma espécie de hábito que se forma, uma escravidão como a do fumo; do álcool ou da morfina : sempre novas doses e cada vez ·mais fortes . Calculastes o tempo per­ dido? Na juventude, é o tempo de formação que . se m alba­ rata inconsideradamente . Tempo de plasticidade, destinado . a enriquecer a nossa personalidade, a acumular conheci11?- entos, cultivar aptidões para assegurar ao nosso futuro a plenitude do seu rendimento humano . Mais tarde é a idade das grandes r ealizações . Passa-se pela vida e nada se fêz . Gastou-se tanta parte delas nos prazeres de um egoísmo . es­ téril . O tempo é o grande capital da vida, condição essen­ cial do seu aproveitamento . Uma fortun� perdida, pode re­ fazer-se . O tempo é irrevogável ; uma vez perdido, não volta . E quem não extraiu das horas e dos dias que passam o que êles encerram de eternidade perdeu irremediàvelmente um dos maiores benefícios de Deus . Alám da perda do tempo, o romance concorre para a de­ formação da mentalidade, desadaptarido as almas à vida real e habituando-as a viver na região dos sonhos . . . Que é um romance? . . . Que é . a vida real? . . . Decepções : "a vida me enganou" . . . "Não foi o romance. " O que importa cultivar, o que se cultivou . Outro defeito da leitura habitual do romance é a "com­ plicação das almas" . A fôrça de fazer "anatomia" das almas;


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"química moral", · "vivisecção de sentimentos", perde-se a es­ pontaneidade, a UJ:?.idade e a beleza das coisas simples e cai-se no artificialism-o de atitudes, no "preciosismo ridículo" de procurar ou alimentar em si estados de alma raros . (HOORNAERT, p. 24 . ) Qual a conclusão? Do que expendemos se innfere : 1 . O) Quem não lê romances nada perde com isto e corta, pela raiz," um sem-número de perigos .

2.o) Quem quiser lê-los deve conservar-lhes sempre o caráter de leitura amena, de repouso, de horas vagas nunca de leitura habitual ou dominante e, na escolha. destas leituras para os momentos de descanso, aplicar os mais rigo­ rosos critérios de seleção : que os romances tenham um valor literário para não corromper ·o bom gôsto ; que sobre­ tudo, pela tese que defendem e pela impressão que pro­ duzem, .tenham um grande valor moral, sej am fatôres de elevação, nun ca de degradação das almas .

. Os critérios práticos na escolha podem ser : a) o tndice dos livros proibidos; b) os livros e revista s que apreciam de um modo geral o valor dos romances, antigos e recentes - L'abbé Bethleem, Sage-Homm.e, Fr. PEDRO S INZIG; c) o conselho de uma· p essoa prudente retor espiritual e, acima de tudo ;

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os· pais, o di­

d) a própria consciência. A impressão do livro é, em última análise, um fato individual . Sinceridade absoluta . Quando a consciência começa � fraquear, a � obressaltar-se - nenhuma hesitação . Estamos em presença do mal . É a agulha da bússola que entra a oscilar porque perdeu a sua di:r: eção . Agir lealmente em conseqüência . Quem proceder assim nunca se arrependerá . São sem conta os que, desprezando estas regras de bom senso hu­ mano e de prudência cristã, encontraram numa má leitura o princípio de suas desgraças, o primeiro elo de uma ca-


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deia de males que desfecharam talvez na catástrofe irreme­ diável em que para sempre soçobrou um destino humano . O bom senso e a lealdade perfeita serão em tôdas as lei­ turas, mesmo nas de romances, a defesa de nossa felici­ dade . Livrqs escolhidos e lidos assim servirão p ara dis­ trair-nos das agruras da vida, para elevar-nos pela contem- · plação do ideal, para inspirar-nos os sentimentos nobres e magnânimos de que a vida deve ser, quanto possível, a rea­ lização completa .

Rio, 1 1-XI-937 .

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Segunda vez no Instituto Social, 22-VII-941 .


LEITURAS A leitura em geral . A boa leitura . Indispensável: I - Para defender a fé . Insuficiente o estudo do Colégio : a) pela amplidão do objeto - imensidade do domínlo da fé ; b)

pela evolução do sujeito - maior capacidade de apreender as razões d e credibilidade - argumentos morais . Ex. Unidade da Igrej a . Santidade . Autoridade dos seus adversários .

Conclusão .

As alunas do Instituto de Formação Familiar e Social, 19-VII-938 . A.M.D.G.


III (Boas leituras)

Companheira inseparável da meditação no trabalho formador da personalidade, e seu complemento quase insubs­ tituível no esfôrço lento e continuado de passar a grandeza do ideal para a realidade da vida - é · a boa leitura . Ao livro leva-nos quase espon�ân�amente a curiosidade natural do espírito . Natura dedit no bis ing e nium curiosum . (ARis­ TÓTELES . ) Inteligência, imaginação, emotividade, tudo en­ contra no livro alimento e estímulo . Queremos conhecer o universo: os segredos de sua estrutura, as fases de sua evo­ a beleza de suas harmonias? Tomamos um livr o de ciência . · Desej amos pôr-nos em contato com o homem de

lução,

outras eras e de outros 1 ugares, rastrear alguma coisa de seu longo passado, percorrer em espírito o itinerário desta velha humanidade que há milênios vem peregrinando na super­ fície da terra, construindo e destruindo civilizações? Abri­ mos um livro de história . Apra�-nos espairecer a imaginaçã� no mundo dos sonhos, despertar emoções profundas e deli­ cadas ante .o espetáculo das grandezas morais, ou emoçbes veementes ante o j ôgo · das paixões exasperadas no conflito "das grandes tragédias humanas? Estendemos a mão

a

·um

livro de arte, de ficção, de poesia, alegre ou melancólica, lí­ rica ou épica . Para tôdas as aspirações da alma, o livro pode ser portador de um estímulo e de uma satisfação . Para a


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fome insaciável de saber e de sentir pode trazer-nos um ali­ mento ou um veneno . É um grande amigo e pode ser um :inimigo fatal . Porque os livros, como os homenb que os escreveram, distinguem-se em bons e maus . O discernimento com que procedemos na escolha das nossas relações pes­ soais de convivência e amizade impõe-se-nos com mais rigor na seleção dos nossos companheiros mudos de cabeceira. Sôbre os princípios que devem informar-nos e esclarecer-nos a consciência dissolvente do livro frívolo, j á tive ocasião de vos entreter no ano passado . Hoj e, teremos a consolação de só falar do livro bom . E leitura boa chamamos aqui aquela de fim instrutivo ou moral, a que se dirige à inteligência para enriquecer-lhe o tesouro de verdade, a que nos fala ao coração para nela despertar e robu�tecer as energias do bem . Chamam-na também leitura espiritual porque desenvolve a parte mais nobre de nossa natureza, o espírito, nas suas re­ lações superiores com a vida moral e religiosa; chamam-na ainda leitura edificante� porque a sua finalidade é tôda cons­ trutiva, edificar o bem nas almas .

A boa leitura - será mister dizê-lo? - deve ocupar um lugar necessário em tôda a vida que aspira a ser boa . - Como regra geral não compreendo em nossos dias uma existência cristã que não consagre cada dia alguns minutos - um mí­ nimo de· 15 - a uma leitura que eleve o espírito e enobreça os sentimentos . Na� circunstâncias complexas da vida mo­ derna, êstes minutos abençoados de convivência com um amigo da alma, sincero, sábio e desinteressado, têm uma dupla função a desempenhar : defender-nos e desenvolver­ -nos . Finalidade defensiva, apologética; finalidade constru­ tiva, vital . O livro deve ser um companheiro inseparável da nossa vida moral e superior na medida indispensável para ressalvá-la dos perigos que a ameaçam e para ·vivê-la em tôda a sua plenitude . I . Perigos que ameaçam a integridade da nossa fé e a solidez das nossas convicções morais, será mister acen-


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tuá-los? Lá se foram os belos tempos de unanimftdade espi­ ritual das inteligências; tempos em que as nações, a civili­ zação ocidental tôda pertencia a uma só família religiosa, . respirava numa atmosfera serena e sadia, impregnada das verdades de que viviam ou aspiravam viver tôdas as almas . Hoj e, bem outra é a situação . Por um complexo de circuns­ tâncias históricas, que não é para aqui minudenciar, hoj e o que. reina é a discórdia dos espíritos, a dilaceração dolorosa das almas, o embate, o choque, a luta inevitável das idéias . Nenhum obstáculo maior, talvez, à solução das nossas crises sociais, ao estabelecimento da paz entre cidades e povos do que esta divisão profunda que arregimen�a os homens em campos opostos e irredutíveis . Bem ou mal? Mal certamente . A discórdia não pode representar um ideal da convivência humana . A unidade dos espíritos é condição imprescindível de paz profunda e de colaboração sem reservas - uma e outra vanta.gens inestimáveis na vida social . Bem pode ser que na sabedoria . do seu govêrno a Providência de Deus tire o bem do mal e não permita o Ir4al senão em vista do bem que dêle indireta e acidentalmente pode derivar . Não en­ tremos, porém, em profundas filosofias de história ; ponha­ mo-nos em face da realidade e tiremos as conseqüências que ela impõe . A realidade é que nos achamos num mundo que j á não é totalmente cristão e onde as idéias cristãs são continua­ mente desfiguradas· ou combatidas por idéias acristãs ou anti-cristãs . Nesta atmosfera vivemos imersos e não é pos­ sível estabelecr um cordão sanitário, que nos preserve por isolamento completo . Através de todos os meios de sociabi­ lidade humana - - livros, jornais, rádio, conferências, con­ versas - entramos a cada instante em contato com um mundo espiritual que nem sempre coincide com o nosso e muitas vêzes ameaça a integridade e a coerênncia da con­ cepção cristã da vida e dos seus valores essenciais. A cada momento é uma ameaça para a saúde da alma como p ara


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saúde do corpo . Nesta atmosfera física que nos envolve e que necessàriamente respiramos, pululam os germes de tôdas as moléstias contagiosas desde a gripe quase sempre inocente até a tuberculose sempre traiçoeira. A higiene, a profilaxia, um conhecimento das _nossas resistências e fra­ quezas orgânicas, congênitas ou adquiridas, impõe-nos, para a defesa da saúde, umas tantas normas que não pode­ mos transgredir, sem pagar a imprudência, até com a própria vida . Há também para a conservação da euforia da alma uma higiene espiritual cuj os preceitos se não podem despre­ zar sem comprometer o equilíorio interno da vida superior . a

E o primeiro e mais óbvio dêstes preceitos inculca-nos o trabalho de imunização que se obtém precisamente pelo estudo mais profundo das nossas razões de crer . Mas, não bastará para isto o curso de apologétíca que já fizemos num bom co�égio religioso? Antigas alunas do Sion ou Sacré­ -Coeur . . . não se nos foram tantas horas de estudo em assi­ milar o nosso CAULY ou DEVIVIER? Estudo fundamental e precioso foi êste, cuJo valor só apreciareis em tôda a sua justa medida com o crescer dos anos e a experiência da vida . Mas ainda assim insuficiente; alicerces, apenas, de um grande edifício cuj a construção importa continuar sempre e a que só com a morte se porá a última cúpula .

As razões são óbvias ; subministram-nas tanto o obj eto que se estuda quanto o suj eito que o estuda .

a) Impossível percorrer em algumas lições de UI? curso . feito entre os 16 e os 17 anos tôdas as dificuldades que nos podem ocorrer no domínio da fé . Com a própria vida que sobe e se torna mais complexa e estende para novos campos as suas atividades multiformes, surgem problemas novos e dificuldades imprevistas ou imprevisíveis . É a evolução mesma da nossa consciência religiosa que nos coloca em face de incógnitas insuspeitadas ou de interrogações para as quais ainda não tínhamos respostas . É também a evolução externa da vida social, a efervescência das idéias em luta


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que, de um dia para outro, irá colocar no tapête da dis­ cussão questões que não preocuparam os nossos maiores ou que se apresentam hoj e sob aspectos bem diversos de quando passamos pelos bancos do colégio . Hoj e surge o debate sôbre o divórcio, amanhã uma reforma sôbre a educação nos co­ . locará em face da discriminação exata dos direitos da Igrej a, do Estado e da família, na tarefa educadora da criança ; depois o comunismo se apresenta armado de poucas idéias e de muita dinamite para reconstruir, da noite para o dia, a so­ ciedade do futuro sôbre as ruínas fumegantes de todos os valores espirituais do passado ; mais tarde é o próprio desen­ volvimento orgânico da vida moderna que nos chamará a atenção sôbre a d �utrina social da Igrej a e sua j ustificação no confronto c'om outras doutrinas : o liberalismo de ontem, o socialismo de amanhã, que também pretendem moldar as sociedades à sua imagem a semelhança . Ora, na presença de tôda·s estas questões não podemos cru�ar os braços num gesto de apatia ou desinterêsse . Elas constituem, ao redor de nós , assuntos candentes de conversas e discussões ; elas são fôrças :vivas que vão plasmando ao redor de nós as ins­ tituições em que forçosamente havemos de viver . Não as podemos evitar porque são indeclináveis e precisamos resol­ vê-las à luz mesma das verdades do ci'istüt nismo, sob pena de comprometermos a coerência e a unidade dá. nossa vida interior e atraiçoarmos a nossa vocação de batizados, que é sempre .e em tôda parte dar testemunho de Cnísto e da verdade divina de sua mensagem . Qui me confitebitur . . Ora, para satisfazer plenamente à grandeza destas respon­ sabilidades bastarão- as noções apologéticas elementares que hauristes num compêndio .estudado na despreocupação dos 15 anos? .

b) A estas razões decisivas tiradas do imenso objeto que se relaciona com o domínio da fé, cumpre acrescentar· outras não menos peremptórias, que entendem com a evo­ lução psicológica do sujeito ou da pessoa que estuda . Hoje


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estais ainda a pequena distância dos vossos dias de colégio; esta distância irá aumentando com os anos ; mas j á podeis agora, e melhor podereis mais tarde, apreciar uma diferença no nosso modo de v er e compreender as coisas . As lições da vida são imprescindíveis para a compree:nsão pr.ofunda das suas realidades mais complexas . Já lá ARISTÓTELES punha em relêvo esta m.enor capaCidade da juventude para o es­ tudo das questões morais . "Os j ovens, dizia êle, p odem vir a ser bons geômetras, bons matemáticos · e ainda exímios neste gênero de ciências . Mas não há j ovem, ao que pareee, que sej a prudente . A razão é simples, o jovem rião é expe­ rimentado porque só o tempo dá experiência . Poder-se-ia ainda dizer que é porque as matemáticas são ciências abs­ tratas enquanto a sabedoria (ciência .das coisas m:orais e da vida prática) tira os seus princípios da observação e da expe­ riência." Ora, a inexperiência nascida dos poucos anos é talvez o único defeito de que nos corrigimos cada dia . Cada dia vamos envelhecendo ou, se quiserem, adolescendo, e se neste contínuo crescer não perdermos nunca o hábito de conservarmos em dia as nossas leituras, êste estudo conti­ nuado pelos anos a fora vai desenvolvendo e confirmando os motivos de credibilidade percorridos um tanto esquemática e sumàriamente nas páginas de um manual de apologética . As novas leituras enriquecem o patrimônio· dos fato�; a ex­ periência da vida habilita a inteligência a estimar em seu mais j usto valor êstes "argumentos morais", distintivos da verdadeira igreja e que a primeira j uventude é tentada quase a menosprezar . Quando melhor se conhecem os homens tão fàcilmente levados a se desentenderem, quando se estuda mais de perto e mais por miúdo a história das seitas, que mal separadas do tronco da Igrej a, onde circula a seiva da vida sobrena­ tural da graça, entram a desagregar-se numa pulverização crescente e incoercível, aprecia-sé com mais admiração a unidade da Igreja a perpetuar-se através dos séculos como


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um milagre da Providência .

Somos hoj e perto de 400 mi­

lhões de católicos esparsos por todo o mundo . .. . e rezamos todos o mesmo credo . . . assistimos ao mesmo culto . . . E . o credo que hdj e ecoa sob as cúpulas maj estosas de S. Pedro ou as ogivas das nossas catedrais góticas é o mesmo que se repetia a meia voz na penumbra silenciosa das catacumbas .

É uma confissão de fé que tem dois mil anos ! E. êste sím­ bolo encerra uma resposta precisa a tôdas as grandes. ques­ tões que atormentam a curiosidade do homem, interessam · os seus destinos e constituem, na história do pensamento fi­ losófico, o p�mo de discórdias e discussões infindáveis . Esta coerência de ensinamentos que se sucedem, se precisam, se definem e se desenvolvem, sem nunca se contradizerem, esta unidàde de doutrina, esta solidez de organização social, exposta ao .embate de tôdas as fôrças de destruição da his­ tória e �empr.e vitoriosa, .constitue� um fato inédito na evo­ lução humana, inexplicável pelo simples j ôgo dos fatôres na­ turais, cujos limites o estudo e a experiência nos ensiríam melhor a avaliar . E a unidade católica vai-nos aparecendo cada vez mais brilhante como um sinal divino característico da verdadeira Igrej a . Diga-se o mesmo da santidade . É aos poucos, pela expet

riência própria e pela observação alheia, pelo conhecimento da violência das paixões humanas .e dos estragos que causam ao . redor de nós, que se vai formando uma idéia j usta da fraqueza humana e dos limites naturais de suâs virtudes de­ sajudadas da graça e, por contraste, se consolida e amplia a concepção exata da santidade católica . Os santos, nós os vamos encontra:r;J.do na vida, humildes, dedicados, espontâ­ 'n eos na simplicidade de seu heroísmo; no seio de uma fa­ mília, no silêncio dos claustros, nas salas dos hospitais, nas obras sociais e cari tativas ol;lde quer que a dor e a miséria · reclamam uma dedicação desinteressada e o 'confôrto de um coração amigo . E estas almas, que passam pela vida, aure.o­ ladas por um halo de luz celeste, a Igreja as suscita, aos mi-


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lhares, em cada geração . Não há cidade, não há aldeia, em país católico, ou em missões de infiéis, que não os conte e por vêzes muito numerosos mas escondidos . E apesar dêste escondimento que irradiação poderosa a destas almas privi­ legiadas ! São verdadeiros focos de luz viva e de calor! O bem que fazem no mundo moral é incalculável . Imaginai a elevação de almas provocada em poucos anos pelo exem­ plo de ELISABETH LESEUR . Vêde esta admirável TERESINHA no MENINO JEsus . . E! a história dos santos é tô.da assim; e a história da Igrej a é uma história de santos . Vêde que contribuição admdrável poderá trazer, com os anos, o estudo e a experiência a êste �dmirável argumento apologético . BERGSON (sôbre os místicos) . .

O conhecimento vivo e real dos. adversários da Igrej a, dos motivos que os inspiram e dos processos de que se ser­ vem, contribui não raro para diminuir a impressão das suas invectivas e o valor das suas argumentações . Vê-se melhor o muito que nelas há de incompreensão e de paixões e o pouco de inteligência sincera das doutrinas, das intenções e da vida sobrenatural do catolicismo . VoLTAIRE é o pa­ triarca da incredulidade moderna ; ninguém como· êle, com a ironia, a calúnia e o sarcasmo, contribuiu tanto para afastar as almas do cristianismo . Ora, conhecer de perto a vida de VoLTAIRE e estudar os seus processos científicos e literários de controvérsia é um dos capítulos mais eficazes de apologia que se possam escrever . Ao conhecer mais de perto tôda a baixeza do homem e as indignidades dos seus processos im­ possível não experimentar algo do sentimento · de TERTU­ :J;.IANO que se alegrava ao pensar que o primeiro perseguidor do nome cristão se chamava NERO. (Psicologia da fé, p. 118.} Só a idade ainda ensina em concreto a distinguir a grandeza da Igrej a, como instituição, das fraquezas humanas dos seus representantes ; a não confundir nos corifeus da in­ credulidade a sua competência, por vêzes incontestável, num determinado domínio científico com uma superficialidade e,

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não raro, uma ignorância pasmosa, em matéria reiigiosa : a ver nas virtudes naturais de muitos incrédulos o fruto de uma educação religiosa o u a influência não confessada de uma atmosfera cristã . Destarte, insensivelmente, com o amadurecimento da razão, com a experiência da vida, com o cabedal de novos conhecim.entos, se vão fortalecendo os fundamentos da fé na solidez de convicções cada vez mais raciocinadas e robustas . "A luz aumenta com os anos, escreve com sua habitual fineza psicológica L. DE GRANDMAISON, as razões de crer multiplicam-se com as exigências crescentes da inteligência ; a fecundidade moral dos princípios recebi­ · dos, sua aptidão para resolver os problemas postos pelo mundo e pela vida, sua harmonia interna, os autoriza e con­ firma; desta maneira, sem ser necessário recorrer a um · exame em forma, sem abalos nem crises agudas (ao m.enos, na maioria dos casos) , por seu trabalho pacífico e contínuo _ de apropriação pessoal, o crente ingênuo dos primeiros anos transforma-se em cristão convicto, consciente de sua fé . " (Psicologia da fé, p. 1 19.) Eis as grandes vantagens que no domínio da defesa da fé, ou da apologética, pode trazer uma leitura assídua e constante, proporcionada às exigências crescentes da nossa evolução espiritual . Defendemos assim o nosso mais precioso tesouro contra os perigos indeclináveis do ambiente que nos envolve ; evitamos a� crises de fé que tantos sofrimentos e tantas ruínas acumulam nas almas, tornamos cada vez mais sólidas .e profundas as convicções intelectuais que devem constituir o fundamento insubstituível de tôda a vida espi­ ritual que asptra à coerência, à estabilidade e à constância . No domínio positivo de . desenvolvimento vital - não já n o negativo e de defesa - são talvez ainda maiores o s ser­ viços que nos assegura a convivência amiga do bom livro . É o assunto da próxima palestra . Rio, 12-VII-938 .


LEITURAS A leitura como meio de desenvolver positivamente a vida religiosa

facilitada pelo amadurecimento dos anos . Connseqüências práticas : 1.0 2.0

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Leitura espiritual cada dia . Organização das bibliotecas nas obras sociais . No Instituto de Formação Familiar e Social, 2-VII- 938 .


IV (Boas leituras)

A prim€ira função da boa leitura continuada com per­ severança após os primeiros anos de formação escolar é de­ fensiva e apologética . As dificuldades contra a religião não desarmam, antes multiplicam,-se e mais complexas se tornam com o tempo . É mister proporcionar sempre os recursos dg, defesa à multiplicidade e às violências do ataque . Só assim / poderemos salvar o precioso tesouro da fé e evitar estas crises de alma, funestas sempre, algumas vêzes irreparáveis . O desenvolvimento natural da inteligência e o enriqueci­ mento interior que resulta espontânearnente da experiência da vida facilitam-nos neste trabalho de aprofundamento dos primeiros estudos . Os motivos de credibilidade, repensados com · i� teligência m3:is amadurecida e estofados, por assim' dizer, na sua estrutura dialética, com a riqueza de novos �

fatos, irão subministrando à nossa vida religiosa uma base cada vez mais sólida e resistente de convicções profundas .

Mas a leitura dos bons livros tem ainda outra função, · positiva esta e talvez mais importante que a primeira : a de acompanhar orgânicamente o crescimento natural da nossa vida interior . Julgamos porventura que os conhecimentos assimilados na infância e no limiar da adolescência podem constituir


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um viáti co suficiente para todo o resto da nossa existência? Já IiETTIN'GER punha em relêvo esta lacuna na vida de muitos católicos : "Nêles a instrução religiosa não progride, permanece o que era na infância, enterrada, esquecida sob a poeira da vida cotidiana de seus cuidados e penas, de suas dissipações e prazeres . Desenvolveram-se e fortificaram-se tôdas as fa­ culdades e energias do homem ; só o sentimento religioso, que é o primeiro dos nossos atributos naturais, se estiolou e feneceu . Cultivam-se tôdas as regiões da alma, exceto a mais profunda, a mais íntima, a mais essencial, que perma­ nece inculta, estéril e desolada como um terreno baldio." (Psicologia da fé, p. 1 15 . ) Os conhecimentos profundos desenvolvem-se e aperfei­ çoam-se como uma luz de sol que se vai intensificando até aos fulgores do meio-dia; os conhecimentos religiosos, êstes permanecem em sua fase infantil, como a luz frouxa de uma lamparina que bruxoleia em penumbra invencível . Como quereis depois que não sintamos as conseqüências dêste desequilíbrio e que a nossa vida religiosa não atinj a todo o vigor e tôda a beleza de sua plenitude? É de fato, antes de tudo, uma exigência interna da pró­ pria v ida religiosa que nos inculca· os cuidados de uma cul­ tura sem intermitência . S. PAULO chama investigáveis as riquezas de Cristo, investigabiles di'l} itias Christi; mas para apreciá-las é preciso que no-las apropriemos, que as assimi­

lemos e façamos nossas . Contentar-nos-emas na j uventude e na virilidade com as noções elementares de Deus e dos mistérios cristãos que nos ensinaram na infância? Da grande mensagem salvadora que Cristo trouxe à terra para ser a luz do �undo, a fonte inexaurível de consolação, de energia e de paz para as almas não havemos de conhecer mais que as fórmulas e as explicações adotadas à capacidade dos pri­ meiros anos? Ofh ! de quantos auxílios para a sua vida moral, de quantas consolações, de quanta fôrça nas lutas de cada


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dia não se privam as almas que permaneceram eternas crianças nos seus conhecimentos religiosos sem os desen­ volver nem elevar à altura de uma idade mais exigente ! Aqui está uma que se põe fervorosamente a pedir a Deus uma graça temporal, a saúde de um ser querido, o em­ prêgo para resolver as dificuldades de uma situação eco­ nômica . Novenas sôbre novenas, e o bem almej ado não se alcança . Desânimo; descontentamento; abandono da ora­ ção, talvez cri�e reljgiosa total . Por quê? Pobre alma! Da oração, só lhe ficou a idéia de petição ; a que mais impres­ siona os pequenos . Uma cultura religiosa mais desenvolvida não lhe mostrou que oração é também e principalm€nte ele­ vaçã o da . alma a Deus ; amor, contato inefável das profun­ dezas das almas com a bondade, a riqueza, o mistério in­ sondável da divindade : e que nesta forma de oração reside o melhor da nossa vida .espiritual . Da eficácia infalível da oração só se lhe conservou no espírito uma noção imperfeita, diríamos quase supersticiosa e mágica . Uma novena a S. ExPEDITo : e logo aparece o emprêgo que se cobiça; uma tre­ zena a S. AN TôN i o e eis o noivo suspirado . A j erarquia de bens, a ordem da Providência, a subordinação essencial dos valores do tempo aos da eternidade, - ter-lhe-iam, comple­ tado, na inteligência amadurecida, as noções incompletas da apreensão infantil, subministrando uma visão mais com­ preensiva das c oisas, única, capaz de corresponder aos pro­ blemas religiosos mais complexos de uma vida em plena ex­ pansão . Aqui está outra alma, visitada pelo anjo da dor, men­ sageiro de uma Providência sempre paterna ainda quando nos fere . Nos catecismos elementares o problema da dor não · é obj eto de nenhum capítulo especial . Para crianças e jo­ vens, não � problema interessante, e dificilmente entende­ riam, nesta idade, o que lhes poderia d izer a experiência dos que já viveram . Nos anos floridos de primavera, todos formamos o nosso programa do futuro e neste programa o


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sofrimento não costuma consti tuir número obrigatório ou facultativo . Mas o que omite a nossa inexperiência, não o esquece a realidade viva . O sofrimento vem cedo ou tarde sob uma ou outra forma, bate-nos à porta . Surgem, então, nas almas desaparelhadas, as lamúrias inacabáveis, os desa­ lentos sem virilidade e, talvez, as revoltas interiores que fe­ cham as almas às grandezas do heroísmo e as concentram. num egoísmo estéril e intratável . Por que foi a Providência feri-las? Elas não fizeram m.al nenhum para mere.cer cas­ tigo . Ao seu lado, há tantas piores e esquecidas de Deus e no entanto visitadas por todos os dons que podem fazer uma felicidade na terra . Semelhante alma ignora de todo a função providencial do sofrimento na história da redenção humana; o que a dor bendita representa na nossa vida cristã como instrumento que purifi�, liberta, exalta, su­ blima e desprep.de para as grandes alturas . S. Liduvina de HUYSMANS, Bonne soujjrance de F. COPPÉE, Le Revenant de JACQUES n'ARNoux, Conjiteor de P. SETÚBAL . A vida religiosa com o subir dos anos afirma exigências ineludíveis de maior amplitude e intensidade; a estas exi­ gências normalmente deve responder um cuidado·· constante de enriquecer, em extensão e pro fundidade, o tesouro dos nossos conhecimentos religiosos : as riquezas de Cristo são investigáveis e nunca as assimilaremos em: sua· plenitude exaustiva .

Neste trabalho continuado, as vantagens do nosso de­ senvolvimento psicológico trazem-nos facilitações preciosas . "A madureza dos anos vai-nos providencialmente dispondo para uma inteligência mais profunda desta vida superior do espírito . É a idade das sínteses largas, compreensivas, se­ renas . O j ovem apreende por pontos, o seu pensar é desar­ ticulado, fragmentário, parcial; uma idéia empolga-o na sua _ primeira aparição e êle deixa-se fascinar por seu aspecto se­ dutor, sem lhe inquirir as' possíveis e longínquas reper­ cussões ; seus j uízos são, de regra, precipitados, unilaterais,


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exclusivos . É a virilidad� que enfeixa ás conhecimentos dis­ persos, unindo os pontos em linhas e as linhas na harmonia de uma .arquitetura completa . Quem .está nos flancos dos primeiros contrafortes ou apenas galgou a altura dos pri­ meiros cerras não tem ante os olhos senão a confusão e a desordem; é mister vencer as asperezas da ascensão e do­ minar das eminências mais sublimes a amplitude dos hori­ zontes para perceber, numa visão panorâmica, a direção e as linhas do movimento orogênico em tôda a unidade de sua grandeza maj estosa . É precisamente o conhecimento re­ ligioso que, nas elevações da inteligência, realiza es ta sín­ tese suprema : êle abraça tôda a nossa existência, responde a tôdas as grandes aspirações humanas, unifica-nos tôda a atividade interior ; para compreender a religião é preciso ter dado volta à vida, e quem lhe fechou os livros ao sair do colégio privar-se-á para sempre de uma das maiores conso­ lações e de uma paz in teiectual inefável. " .

"Quanto mais observo a diferença das vidas tanto me­ lhor vejo o êrro terrível que cometem os homens, muitas vêzes os mais cristãos e mais capazes em muitos assuntos o êrro de não procurar a ciência de Deus com o se procura a ciência d�ste mundo . Apesar de sua fé, de suas virtudes e capacidades, o vazio na sua formação é assombroso . Fal­ ta-lhes uma ciência sem a qual não se fecha o ciclo das ou-· tras, sem a qual as outras são como lJlTI anel �berto ou um anel partido; falta-lhes a ciência de Deus que completa o horizonte da inteligência humana, como o brilhante com­ pleta o anel de ouro . " (ToURVILLE. ) -

. Outra vantagem que provém- também da nossa ev�lução psicológica e interessa não imediatamente o vigor intelectual, mas a serenidade de ânimo . Çom os anos também as pai­ xões arrefecem na violência dos seus prim eiros ardores ; a inteligência ganha em serenidade, em limpidez e profundeza de visão . Mais do que a dos corpos entra-nos a encantar � formosura das almas e a formosura das almas é a virtude e


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a virtude é o reflexo de Deus na · pureza das consciências . As realidades espirituais avultam na importância dos seus va­ lores que não passam . Como é então agradável, útil, indis­ pensável, um estudo mais profundo do divino cristianismo! Já nêle não nos pesa, como tantas vêzes ao jovem, o q�e há ou pode haver de limitativo nas prescrições do culto ou nas proibições da moral ; empolga-nos e enche-nos a alma o que há de expansivo, de libertador, de vivificante . A me­ dida que se vai alargando assim os horizontes, � espírito vai-se .encaminhando para a simplificação da unidade final . Realizar a nossa unidade interior é realizar a nossa pleni­ · tude . Tudo o que nos dispersa, nos dissipa ou dilacera é uma diminuição de nós mesmos, uma fonte de inquietudJ3 e de sofrimento . Um ser vale 'O que v�le a sua unidade ; divi­ di-lo é destruí-lo ; u�ificá-lo é dar-lhe o máximo de estabili­ dade e perfeição . Enquanto nos não elevamos acima da mui' tiplicidade criada, estamos divididos, dissipados, · dispersos . Na ordem real (ontológica) , Deus é o princípio de tôda · unidade, como de tôda realidade, Êle, Causa primeira de tudo o que é ; Êle, fim para o qual tudo tende, alfa e ômega do universo . Na ordem psicológica e moral, começamos o nosso trabalho de unificação quando refletimos a ordem da . realidade e entramos a ver, julgar e agir através da luz que vem de Deus . Melhor conhecido e mais . amado· Deus vai aos poucos concentrando as nossas idéias e as nossas aspirações na unidade de sua ÍJnÚ)erturbabilidade infinita . Na religião desconhecida a origem freqüente da increduli­ dade, na religião estudada com intelletto d' amor e e vivida com sinceridade profunda e generosa, a perfeição e a paz suprema do homem . (Psicologia da fé, pp. 120 e sgs . ) Antes de encerrarmos êste assunto firmemos duas con­ clusões práticas . A primeira refere-se a cada uma de vós . Tornai desde logo a resolução de consagrar todos os dias alguns minutos - ao menos 15 - a uma boa leitura . Não há boa vontade


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sincera que não encontre em 24 horas a quarta parte de uma delas para assegurar as vantagens superiores que acabambs de examinar e que se hão de prolongar e acentuar com o passar do tempo . Quem, porém, se não habitqou -desde os primeiros anos da adolescência a esta prática cotidiana di­ ficilmente aos 30 ou 40 introduzirá na sua vida êste há­ bito novo . Na Ip.ultiplicidade das nossas ocupações cotidia­ nas, na vulgaridade e m€diocridade que são muitas vêzes as conversas domésticas e sociais, o contato com pensamen­ tos nobres e sentimentos elevados representarão a nota alta d o dia, o penhor dà elevação continuada da nossa alma, a defesa contra o perigo real e contíp.uo de que na convivên­ cia com;um e .vulgar a nossa vida não acabe por se tornar também! ela comum e vulgar . Gemmi§hajt macht gemein . Ao lado desta conclusão prática de caráter pessoal, ou­

tra de caráter, digamos assim, social. Vós estais aqui . for­ mando-vos para amanha · formardes ; o que hoj e em vós s& concentra como calor e luz de vossas almas, amanhã na fa­ mília e nas obras de assistência social irradiará para ilu­ minar e aquecer outras alm-a s . Ora, na grandeza desta missão a que vos chama a Providência, o problema da lei­ tura se vos põe como u � dos mais transcendentes e inde� clináveis . A leitura má - do livro, do folhetim, do j ornal - en­ contra-se na origem de quase tôdas as desgraças individuais e sociais . Quando se estudam de perto êstes fenômenos do­ lorosos que os tratados de soc iologia catalogam sob a ru­ brica Ele patologia social - delinqüência infantil, crimina­ lidade sob a imensa variedade de suas formas, desorganiza­ ç ao da· família, suicídios, etc. - entre as suas· causas mais ativas se encontra sempre o mau livro . O mau livro é uma fonte envenenada de males incalculáveis . Desde a criança que num; folhetim passional de uma fôlha va� haurir a su­ gestão fascinadora do crime até o homem fei� e instruído, a quem, num momento de crise, o Werther de GDETHE, lem-


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bra a idéia do suicídio, não há delito, não há desgraça que êle não lembre, não inculque, não inspire, por vêzes, com o impulso irresistível de uma obsessão (ver BETHLÉEM, La presse) . l'

Combatê-lo é uma das necessidades mais urgentes; é uma das medidas mais €ficazes de profilaxia moral. Não é intenção nossa ocupar-nos agora dos meios. de combate di1·eto ao mau livro . Do que dissemos, porém, se infere um processo eficacíssimo de combate indireto . Não se destrói senão o que se substitui ; o meio mais eficiente de destruir o livro mau, é substitui-lo pelo livro bom : O hábito da leitura hoje é inextirpável; e quanto mais eleva uma nação o nível dé cultura e desterra o analfabetismo tanto mais generali­ zado se torna . Lê-se nas cidades e !los campos ; nas casas e ruas ; nas oficinas e nas fábricas. No livro procura-se uma distração, uma instrução profissional, uma . orienta;ção moral e religiosa . Mluito interessante sob êste aspecto o inquérito feito há pouco ( 1932) pela Ligue patriotique des françaises que nesta data ainda não havia operado a sua fusão com a Ligue des femmes françaises. O relatório dêste inquérito _ apresentado por Melle. Du RosTu encerra lições de alto valor .

Objeto do in-quérito - Études, t. 217 ( 1933) , p. 541 . N. 0 de respostas - 2 0 . 000 senhoras e moças, p. 542 . -

Natureza dos livros - (um ano) 544-545 .

e dos autores, pp .

Motivos que levam à leitura, pp. 545-6 . Influência das leituras, pp. 457-549 ; 550 ; 555 .

Conclusão : Tôda obra de assistência social deve possuir organizada e• ativa uma biblioteca e orientar .a leitura dos seus membros . Sem isto, arrisca-se a perder em, grande parte o fruto de seus .esforços e priva-se de um instrumento de prim.eiro valor para a tingir as almas . A nossa ação so­ cial inspirada pela visão cristã da vida - qualquer que sej a o campo em que se exerça, qualquer que sej a a sua finali-


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dade imediata, visa em última análise o homem na sua in­ tegridade, o homem na perfeição de sua vida especifica­ mente humana . . O que desej amos, através do reajusta­ mento das estruturas sociais, é melhorar o homem, é fa­ zê-lo mais homem e mais capaz de realizar, com a plenitude dos seus destinos, a paz de sua felicidade . O livro subminis­ tra-nos para êste fim um instrumento de apostolado social e cristão, de primeiro valor . Daí o dever indeclinável de lhe utilizarmos tôdas as vantagez;ts . Organizem-se bibliotecas, bem orientadas, acessíveis, que satisfaçam a tôdas as exigên­ cias, repouso, distração, ip.strução, orientação - daqueles a que se destinam . Mais; habilite-se cada organização a orien­ tar os seus membros na escolha delicada de suas leituras ; serviço de informação bem organizado e sempre em dia; extensivo não só ao depósito constituído da biblioteca, mas à produção contínua · dos nossos livros que aparecem . Forma­ ção de bibliotecári� Livros de orientação bibliográfica. Re­ vista, lndex Lib'rorum Prohibitorum, SAGE-HOMME, SINZIG, Les Sources; CASALE, Revue des livres. .


AÇÃO CATóLICA I

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E

EDUCAÇÃO

Movimento atual da ação católica . Eras do cristianismo: l.a, conquista do mundo pagão ; 2.a, organização interior da Idade Média; 3.a, rupturas dos séculos XVI e XVII, e 4.a, reconquista do mundo paganizado . E preciso restituir ao mundo a verdade e a luz . Para isto a mobilização das grandes massas . Os leigos e sua função na Igrej a . A educação n a ação católica, sua importância : a)

b)

no campo político ; no campo pedagógico .

Para a ação, necessidade da doutrina. Importância da pedagogia para todos . A.M.D.G. As professôras d e "Sacré-Creur", 20-IV- 1933 .


Quase recém-nascida entre nó.s, a ação católica, num surto de entusiasmo e vitalidade admiráveis, j á nos vai ale­ grando com a riqueza dos seus primeiros frutos e animando com a promessa de mais ricas esperanças para o futuro . São as primeiras repercussões no Brasil de um movi­ mento, amplo como o mundo, católico em tôda a fôrça ge!l:uína da etimologia do têrmo, isto é, universal, superior aos interêsses particulares dos indivíduos e das nações,, vasto como a humanidade reunida por Cristo; um dêstes movi­ mentos, inspirados pela Providência à Igrej a, para salvar a imensa família humanà nos paroxism.os das suas grandes crises . Os que o vêem de perto e com olhos de curto al­ cance não lhe percebem talvez tôda a g-randeza de �sua importância; julgam-no porventura semelhante a uma des­ tas agitações superficiais provocadas por entusiasmos efê­ meros ou propagandas ativas - como as pequeninas ondas em que se encrespa por instantes o espelho cristalino do lago, acariciado pela brisa da tarde. Não ; o movimento reno­ vador da ação católica tem tanto de amplitude quanto de profundidade . Prende suas raízes no âm�go do dogma cató­ lico e dêle desabrocha como uma destas flouações providen­ ciais destinadas a alimentar com os seus frutos uma nova época na história . Os que, num porvir mais longínquo, j á tiverem o recuo d o tempo indispensável para avaliar, numa vista panorâmica, a natureza e o sentido das grandes corren­ tes históricas, saudarão - talvez na organização católica do século a aurora de uma nova era do cristianismo . A primeira foi a da expansão conquistadora, 1 O pequeno I

Esta divisão em 4 idades é de LECLERQ, Credo, Mai, 1929, p . 30 .


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

maníp ulo de enviados, os Apóstolos, ricos de amor de Cristo e fortes na imortalidade de suas promessas, atiraram-se à conquista, a olhos humanos temeràriamente impossível, do Império Romano . As almas cansadas clo paganismo e ator­ mentadas por êste ideal divino de perfeição moral sempre latente no fundo da nossa natureza ainda quando desfeada pela corrupção e pelo vício, foram-se voltando· para as espe­ ranças da Cruz redentora. E cada catecúmeno que se rege­ nerava nas águas do batismo, era amanhã mais um- soldado que ia aumentar as fileiras dos conquistadores. Todo cristão era, por 'Vocação, uma testemunha, mártir, algumas vêzes pela voz eloqüente do sangue, sempre pela irradiação de uma vida moral reformada e pela incoercível fôrça expansiva de um zêlo, filho do amor de Cristo e da· consciência da solida­ riedade de todos os remidos pelo seu sangue . Jerarquia e fiéis porfiavam nos ardores do mesmo apostolado. S . Paulo alude freqüentemente nas suas epístolas a êstes fiéis de um e de outro sexo, dedicados todos à obra evangelizadora de Cristo. Escrevendo aos Filipenses diz : "Rogo-te que aj udes os que trabalharam comigo no E-vangelho e com Clemente e com os outros cooperadores quorum nomina sunt in lzõro vitae." Fil . 4,3 . Bela recompensa dos heróis da ação católica, idên­ tica à feita por Cristo aos 12 escolhidos de sua predileção, gaudete quia namina vestra scripta sunt in coelis. Foi assim que em pouco tempo o cristianismo se foi di­ fundindo de família em família, de profissão em profissão, de cidade em cidade até estender-se a todo o Império Romano a prjncípio e logo depois também aos povos qu e nos séculos seguintes o invadiram e retalharam . Inaugura-se então a segunda era que poderíamos deno­ minar de organização. As fronteiras do cristianismo coin­ cidem c om as do mundo civilizado então conhecido . São os séculos medievais . As grandes descobertas do século XV e XVI ainda não haviam revelado a existência dos novos continentes . As incursões esporádicas de Marco Polo e dos


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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missionários franciscanos e dominicanos nos reinos da Asia Central não conseguiram despertar o interêsse da Europa . · As dificudades de comunicação aumentando a grandeza na­ tural das distâncias, o Ocidente vive como que fechado sô­ bre si mesmo. A cristandade organiza-se interiormente. O Estado cristão atinge o seu apogeu nos tempos dé S . Luís. A unidade de fé incontrastada, a impregnação de tôdas as manifestações da vida social e política pelos princípios do Evangelho esmoreceram nos fiéis o zêlo do apostolado . Clero · e laicado separam-se nitidamente ; ao clero a incumbência de ensinar e pregar a verdade cristã, de fundar confrarias e instituições de beneficência e caridade ; aos leigos o de bene­ ficiarem dêste ensinamento, de aperfeiçoarem a sua vida moral alistando-se nestas organizações para as quais co n­ tribuíram com a fidelidade de suas práticas piedosas e a ge­ nerosidade das suas esmolas . Mas o perígo de lutas não tardou a reabrir-se . O século XVI é o período das primeiras rupturas, grandes e dolorosas . A maj estosa arquitetura cristã da unidade medieval entrou I

fender-se aqui e ali e uns aos outros foram-se sucedendo os desmoronamentos . Desabituados, por longos séculos de paz, às lutas do apostolado conquistador ou reconquistador, os fiéis deixaram-se ficar numa quase inação ante um grande movimento transformador cuj a gravidade e extensãp não reconheceram a princípio . Durante o século XVII não se vê na incredulidade mais que a manifestação episódica de alguns espíritos céticos ou negadores ou as atitudes intelec­ tuais correspondentes naturalmente ao desmando dos cos­ tumes dos então chamados li bertinos. Contra esta minoria insignificante bastaria a defe.s a organizada e dirigida pelo clero . O edifício social conservava ainda, em suas linhas mestras, a antiga . estrutura cristã que parecia destinada a uma resistência eternamente vitoriosa . A Revolução Fran­ cesa foi a grande Revelação . C}ero guilhotinado e dester­ rado, igrejas fechadas ou demolidas, culto interdito, reora


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

ganização da sociedade e dos governos em bases inteiramente anticristãs, mostraram de repente a profundidade dos males sociais e o progresso de uma descristianização assustadora. Mas parece que a lição ainda não aproveitou . Viu-se no movimento de 89 a violência passageira de um grande ci­ clone . Passado o tufão revolucionário voltaria a bonança e o que parecia destruído se reergueria espontâneamente sôbre as antigas bases . É a interpretação justa do movimento artificial conhecido com o nome de restauração, restaura­ ção do antigo trono e da antiga dinastia, restauraÇão das leis abrogadas, restauração dos quadros sociais partidos pelo vendaval passageiro . . . Como se nada de grande e de pro­ fundo houvera passado após a quéda do antigo regime ; como se se pudera dar contravapor à marcha da história e revi­ ver em sua integridade material ins tituições e estruturas definitivamente gastas e cadaverizadas . A Restauração foi e não podia deixar de ser um movimento efêmero e sem profundidade . O trabalho de renovação social continuou o seu caminho e porque alguns católicos menos clarividentes se obstinaram em solidarizar o cristianismo com as formas contingentes e mutáveis do viver social, - com uma dinastia, uma forma política, um regime de propriedade - a grande transformação se foi processando independente de uma in­ tervenção eficaz e esclarecida dos católicos . Assim é que nos achamos lioj e em face de um:a sociedade repaganizada em quase tôdas as suas instituições . A compreensão justa desta situação dolorosa e a orga­ nização das fôrças católicas para a reconquista . do mundo infiel ao seu batismo, eis o que há de caracterizar uma nova era, a quarta na história do cristianismo. �ealmente, para nós cristãos, contemplar, na inação das atitudes egoístas de espeÇ!tador curioso, esta imensa mi­ séria que nos aflige, fôra um pecado que não mereceria perdão . O mundo sofre da falta de Deus, e de todos os bens espirituais que só n':�ne têm a sua origem, a sua defesa


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

e a sua realização suprema .

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As três grandes rupturas que

prepararam a tristeza dos nossos dias, da Renascença, da Reforma, da ofensiva racionalista do século XVIII, caracte­ rizam-se por uma separação cada vez mais acentuada entre a civilização material e a cultura superior da personalidade humana . . Dominado por uma ciência tôda positivista, o homem voltou-se para a matéria ; j ulgou assim emancipar-se

a si e dominar a ela, mas acabou escravo de tudo o que lhe é inferior .

"Sob as aparências otimistas da pseudociência

positivista, diz MARITAIN

(Le Docteur Angélique) , elevou-se

como uma grande ilusão uma espécie de falsa unidade do espírito humano ; o homem pensou atingir o têrmo, tornar-se o dono e o senhor de si mesmo, da natureza inteira e da história :

e no entanto aproximava-se a catástrofe e, en­

quanto a matéria, em aparência dominada e vencida, impunha

à vida humana o seu ritmo e as exigências indefinidamente multiplicadas das suas satisfações, o homem se achava mais que punca dividido, dividido dos outros e

dividido em si

mesmo : a matéria princípio de divisão não pode engendrar senão a divisão .

Nações contra nações, classes contra clas­

ses, paixões contra paixões . . . no fim é a própria personali­ dade humana que se dissolve ; debald®, o homem procura a si mesmo

?OS

pedaços dispersos de suas veleidades inconscien­

tes e de suas sinceridades inconsistentes ; uma espécie de febre de desespêro apodera-se do mundo . " A êste grande enfêrmo ,

_:._

o organismo social moderno

a debater-se em paroxismps de uma dor profunda - importa restituir-lhe o sem o que nenhum homem. pode viver digna­ mente : verdade e amor .

O êrro é múltiplo; a verdade é uma ; o êrro divide, a ver­ dade unifica ; o êrto oscila continuamente de um a outro extremo, a verdade permaneée na solidez de sua estabili­ dade definitiva .

Pretender fundar a -cplaboração socia1,

sincera e sem reticências, sem um núcleo de verdades essen­ ciais sôbre a natureza e os destinos do homem é pretender


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

o impossível � vitàvelmente

Com a multiplicação dos erros, prepara-se ine­

anarquia e a dissolução do corpo social . Verdade e amor . Só o amor aproxima realmente os homens, que os interêsses materiais dívidemr E todo o sentimentalismo humanitário, que não descansa na solidez de fundamentos intelectuais sólidos, poderá florear tôda uma retórica flamejante sôbre solidariedade, nunca fará eficaz­ a

mente com que um homem� veja noutro homem um irmão . Pràticamente, resolver-se-à na adoração de si ou no suicídio : . duas formas extremas do egoísmo, uma orgulhosa; ontra covarde . Restituir os homens à verdade _e ao amor equivale a restituí-los a Deus, a levá-los a Cristo. E eis a função capi­ tal da ação católica . Já não se trata. de defender o patri­

mônio cristão dos assaltos dos seus adversários, mas de re­ cristianizar a sociedade divorciada do �vahgelho . reconquistar de novo o mundo .

É preciso

Com. a modernidade dos

meios mais aperfeiçoados, com tôda a diversidade de condi­ ções impostas pela diferença profunda de civilizações distan­ tes 20 séculos, é uma tarefa, senão idêntica, análoga pelo menos ao do apostolado primitivo, no sei9 da sociedade pagã do Império Romano . Nessa atmosfera social, viciada e asfi­ xiante, é preciso purificá-la, é preciso iluminá-la com os esplendores do cristianismo . Ora, esta conquista imensa, esta recristianização das massas não pode ser o efeito de uma simples doutrinação do clero que não ecoa fora das abóbadas dos nossos templos. É uma vitória que não se pode obter sem a mobilização das grandes massas católicas . Só assim, levado por um grande exército móvel, disciplinado e espalhado por tôda parte po­ derá de novo fulgir o ideal cristão na família e na escola, na usina e no negócio, na vida doméstica, econômica, política e social. "A ação católica é esta organização de ofensiva católica."


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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Assim, pelo concurso providencial das circunstâncias, os leigos vieram a reencontrar a sua missão divina de apóstolos e ao lado do apostolado hierárquico, a sua função ativa no corpo místico da Igrej a .

Ah ! como em tantas almas o laicismo desolador navia reduzido as riquezas inefáveis do cristianismo a uma cari­ catura esquálida e irreconhecível! Para quantos cristãos a vida religiosa não se lhes estio­ lara, reduzida a um�s pequeninas devoções a alguns santos para lhes alcançar uma boa morte .

Práticas religiosas:

uma

meia hora de missa por semana ; umas orações no ângulo mais escondido de casa . Na vida social e econômica, abstra­ ção completa de Deus . Para o profissional ou o negociante, o chefe de família ou de emprêsa, os princípios da moral

A moral dos negó­

cristã eram inexistentes ou inoperantes. cios não era a moral da consciência .

Para as relações da

familia ou da sociedade há o código das conveniências ou das convenções tácitas, pouco severo e sempre de uma élastici­ dade complacente e inesgotável . . Uma Igrej a as� iin, em que os católicos, unidade por unidade, fôssem pedir os meios de bem morrer e que, de quando em quando, repetisse umas ·

declamações inofensivas sôbre os "erros revolucionários" e "os males do tempo", era o ideal com que sonhava o. laicismo : assim seria tida por tolerante e "de boa companhia" .

In­

felizmente, o caráter "individualista" da devoção de inúme­ ros católicos vinha trazer a êste trabalho laicizador a cum­ plicidade de sua colaboração . Começamos a compreender melhor a nossa dignidade de membros da comunidade cristã.

Os deveres sociais que daí

resultam se vão delineando com mais nitidez.

O número de

almas atormentadas pela sêde do apostolado, pelo desejo de irrdiar ao redor de si uma influência religiosa, aumenta d� dia para dia em tôdas as classes sociais . gura-se-lhes ante os olhares extasiados .

A Igreja transfi­ · Nela vêem o . pro­

longamento de Cristo e da sua · missão redentora.

Mas ' é


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

precisamente

co�

a

colaboração

constante

das

gerações

sucessivas que ela réaliza a sua imortalidade, indispensável ao exercício de sua função benfazej a.

Desej amos também

morrer bem, porém morrer, em remate de contas, significa ter vivido, e trabalhar para a vida da Igrej a é a maneira cristã de viver bem e portanto de bem morrer. "

(GOYAU,

Autour du catholicisme social, I, p. 83 . ) É com esta compreensão mais real d a vida e das razões supremas do viver, é com esta inteligência mais profunda do cristianismo, das suas responsabilidades e das suas gran­ dezas, da eficácia das suas consolações e da riq�eza das suas promessas, que, ao apêlo taumaturgo do Vigário de Cristo, se levantam em todo o mundo, aos milhões, os exércitos da Ação Católica, em cuj a organização e eficiência repousa, numa hora de tão fundas apreensões para o mundo ator­ mentado, a mais consoladora das nossas esperanças . Ora,. no imenso campo da ação católica, tão amplo como

as/ necessidades

e exigências da VIda social, ocupa um dos se­

tores mais importantes a educação da j uventude. "A criança é

a única via que leva ao futuro. " (DE HoVRE, II, p . 22.)

Nas

escolas preparam-se as novas gerações, em cuj a formação se j ogam os destinos da sociedade de amanhã .

p�us, nos desíg­

nios da sua Providência, determinou que a humanida� e não realizasse a plenitude de sua perfeição num só indivíduo ou

numa só geração que se perpetuasse na superfície do planêta. A vida renova-se continuamente em ondas sucessivas. Quan­

do nas tristezas do inverno um imenso lençol de neve p�rece envolver a natureza na candura i.rn!aculada de um.a mortalha definitiva, a seiva fecunda retrai-se, concentra-se, revigora-se para expandir-se, aos priineiros calores do sol de maio, na esplêndida exuberância da vitalidade primaveril.

Nas gera­

ções que sobem a humanidade renova continuamente as suas energias vitais .

A j uventude é a natureza humana

na plenitude de sua beleza. Iniciativa, entusiasmo, dedicação, espírito de sacrifício, sobretudo, tôdas estas riquezas de ai�


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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que estimulam a atividade e o progresso .são o privilégio das vidas em flor.

"O idealismo da j uventude é o veículo da

civilização. " (DE HOVRE, I, p . 221.) Não é d e admirar, portanto, que e m tôrno da criança s e travem a s batalhas decisivas do futuro .

Tôda concepção da

vida que aspira a durar, todo sistema fil�sófico que não se re­ signa a morrer no cérebro que o concebeu, todo movimento social que ambiciona abrir um sulco profundo na história, vai bater

à escola, para conquistá-la, reformá-la, plasmá-la à

sua imagem e semelhança .

Ao lado de cada dou trina filosó­

fica - positivismo ou naturalismo, - vereis germinar uma pedagogia ; em qualquer renovação social profunda - comu­ nismo ou fascismo - encontrareis uma reforma escolar cor­ respondente ao idealismo de suas aspirações .

E se em ne­

nhuma outra época talvez tanto se debateram, como na nossa, as questões pedagógicas e tanto se batalhou pela hegemonia na orientação do ensino, é ·precisamente - entre outras causas - porque, nos nossos dias de crise civilizadora e de transição social, pululam, em confusão caótica, as ideologias e os partidos que aspiram ao monopólio na remodelação do mundo de amanhã, e cada qual planta no horizonte suas esperanças . Ora nesta efervescência de reformas, nesta agitação de idéias e de pessoas, não podemos sem traição, nós os deposi­ tários dos tesouros divinos do Evangelho, cruzar os braços na apatia dos indiferentes e na inércia dos pusilânimes, cho­ rando um passado que não volta, fulminando anátemas sôbre u m presente, que é o qv-adro histórico assinalado pela Provi­ dência

à atividade da nossa vida, e desesperando de um

futuro para o qual recusamos o dever imperioso da nossa colaboração cristã .

O tempo marcha, as idéias vencem, as

ambiências sociais modificam-se ;

fund�m-se agrupamentos,

votam-se leis, interessam-se as massas. Ausentes de tôda esta renovação social - condição da vida humana - teremos,


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

talvez, a_ pesar-nos sôbre a consciência

a

responsabilidade d e

ver que tôdas estas re:rifO delações se fazem s em nós e por isso muito provàvelmente contra nós. Seríamos, o que Deus não permitira, uma geração infiel à sua vocação de conservar, transmitir e acrescer o patrimônio da nossa civilização cristã1 a soma de bens divinos na terra . Ora, a ação católica em matéria de educação des dolYra­ -se em dois campos distintos mas, até certo ponto, solidários : um que se poderia chamar político ou, se quiserem, legis­ lativo, outro pedagógico. Há em todos os países uma legislação escolar, orientada pelo que se vem chamando recentemente política educacio­ nal . Esta elaboração de leis, cuja inljportância soberana não escapa aos olhos do observador mais . superficial, pode ins­ pirar-se

em princípios

que

respeitam

interêsses vitais do cristianismo.

ou que

ferem

os

As leis, sob pretextos mais

ou menos falazes, podem proscrever do ensino público a ins­ trução religiosa e formar a grande massa da população na ignorância, na indiferen.ç a e no ateísmo prático que prepara o teórico .

É o plano de descristianização adotado pelas lojas

maçônicas e por elas executado onde quer que os católicos se não uniram séria e resolutamente para a defesa dos seus direitos . As leis podem desrespeitar os direitos invioláveis e im­ prescriptíveis dos pais à educação dos seus filhos e concen­ trar nas mãos do Estado a orientação total da instrução pública . É sob uma forma nova a restauração da tirania das consciência s exercida pelo absolutismo ilimitado do Estado pagão . Pràticamente o desrespeito ao direito natural das famílias põe nas mãos do partido ou da facção política domi­ nant� o arbítrio de moldar as novas gerações à feição de suas , ideologias preferidas . . . As leis podem consagrar ou confiscar a liberdade do en­ sino, reconhecendo ou denegando às famílias, às associações


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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particulares e à Igreja o direito de abrir e manter escolas . É um atentado contra a liberdade profissional, em benefício de um monopólio açambarcador da instrução, mais funesto no domínio da instrução do que em qualquer outro . Por êstes poucos exemplos, que ainda se poderiam fàcil­ mente multiplicar, vêdes como, sem arriscar interêsses de uma importância fundamental, não podem os católicos alhear a sua atenção alerta e a sua intervenção eficaz da elaboração

das leis que pouco a pouco se vão consolidando no regime escolar de um país . Nem menos importante é o aspecto que chamamos peda­

gógico. Pela sua própria natureza complexa e pela sua fina­ lidade essencial que é a formação do h<?mem, a pedagogia entende e limita com tôdas as ciências do homem e da sociedade . A educação de uma criança, preconizada por um sistema

pedagógico, enquadra-se natural�ente nas grandes perspec­ tivas de urna concepção geral da vida e das suas finalidades superiores . Consciente · ou inconscientemente, há em todo pedagogo um . filósofo, um moralista, um sociólogo e até um teólogo . A tabela de valores humanos, pela qual não lhe é possível deixar de pautar os seus atos e as suas intervenções educativas,. é necessàriamente o resultado de uma escolha, talvez não explícita mas nem por isso menos real, entre uma concepção materialista ou espiritualista do homem, entre uma visão cristã ou pagã da existência . De nenhuma ciência ou arte é lícito ao cristão alhear o seu interêsse com a apatia ou indiferença de um cético . Tôda visão objetiva do �ngulo mais insignificante da criação é uma parcela da verdade integral, e portanto uma manifes­ tação do pensamento criador, uma revelação de Deus ao homem . , "Tôda verdade é um sacramento do absoluto:" ( SERTILLANGES. )


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Mas as ciências que interessam imediatamente os nossos destinos morais, com tôda a gravidade de suas repercussões · eternas, essas impõem-se ao nosso estudo com a necessidade de um dever imperioso . É bela a obra visível da criação, mas o que nela há de mais belo são as almas . Tudo o que lhes interessa o conhecimento, a perfeição, os destinos, tem para nós um valor duplamente divino : é da imagem de Deus que se trata, é da aplicação eficaz do sangue redentor de Cristo que se decide . Ind�clinável, portanto, pesa sôbre a consciência cristã a responsabilidade de quanto num país, quer sob a forma de leis, quer de doutrinas pedagógicas, se relaciona com a educação das almas e o futuro das novas gerações . Neste ponto, porém, como ou mais do que em outros, o êxito eficaz da ação católica é condicionado por um sólida formação doutrinária. A boa · vontade, já se vê, é indispensável ; muito não é, poré:rrlj, tudo. O vigor da ação sem a luz da verdade . é desperdício ·de energias . As grandes fôrças motrizes da vontade só vencem distâncias e alcançam o pôr tO quando . orientadas pela segurança da bússola e a firmeza do leme. Todos os movimentos católicos filhos de uma exaltação de entusiasmos, dissociados de uma verdadeira cultura intelec­ tual, fracassaram, a breve trecho, no mais laanentável ma­ lôgro . Nos próprios indivíduos que trabalham e se dedícam, a condição de um entusiasmo duradouro e de uma dedicação sem reservas nem esmorecimentos é a. solidão de convicções profundas . E aí tendes a razão dêste fervor de estudo, desta soliCitude .por uma formação intelectual e social, que se encontra na Ação Catóiica contemporânea como um dos penhores mais seguros da sua duração e eficácia . No nosso pequenino cam­ po não é outra a razão de ser destas palestras que retomamos hoje inaugurando o 6. o ano de existência . · Aqui tenho de novo a grande consolação de vos encontrar com a mesma


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assiduidade na freqüência, com a mesma paciência na aten­ ção, com a mesma benevolência, com o mesmo interêsse, com a mesma simpatia que lhe asseguraram a possibilidade de viver nos anos passados e, esperamos em Deus, lhe há de garantir a vida pelo menos neste ano que hoj e come­ çamos, e de modo muito particular colocamos neste 19.o cen­ tenário da nossa redenção, sob a égide de Cristo Redentor . Continuaremos, naturalmente, a ocupar-nos de ques­ tões pedagógicas ; de dia para dia, j á se vai difundindo e radicando a convicção de que não é êste assunto da compe­ tência exclusiva dos prqtissionais do ensino . Alguns conheci­ mentos seguros da pedagogia são de interêsse geral para todo cidadão e de utilidade imprescindível para todo homem. No seu aspecto político, que respeita ao cidadão, já o vimos, as leis do ensino j ogam com os direitos fundamen­ tais da liberdade de consciência, da existência da família, da possível formação ou deformação religiosa e moral dos que, depois de nós, hão de continuar a existência' desta pátria que é nossa e para cuj a felicidade temos o dever de colabo­ rar . Encolher ombros ante a grandeza destas responsabili­ dades sociais, afirmar impllcitamente, pela nossa inação, que pouco se nos · dá seja ou não cristão o Brasil de amanhã, é desconhecer os deveres (digo deveres) mais elementares do cidadão e as obrigações mais altas da solidariedade cristã. E o segrêdo para interessar-se vivamente e sinceramente nas questões de política educativa? O seu estudo, o seu conhe­ cimento, a convicção pessoal de sua grande importância . Do que desconhecemps não nos interessamos . No seu aspecto pedagógico, que se refere ao homem, são ainda mais visíveis as vantagens gerais de bons conheci­ mentos na ciência de educar . Todo homem é, até certo ponto, educador . Não educa só o mestre nos recintos de sua escola; não educam só os pais nas intimidades contínuas qa vida de família ; não e <:Iuca só o sacerdote na lição dos púlpitos ou na direção dos confessionários . Educa também o oficial na se-


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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

vera disciplina das casernas; educa o chefe no trabalho coti­ diano de uma repartição pública ou na direção de um escri­ tório. ou de uma emprêsa; educa o patrão , nas suas relações complexas e delicadas com os seus operários ; numa pala­ vra educa ou deve educar todo homem que entra em con­ tato com outro homem . Se a finalidade essencial da obra educadora é levar o homem à expansão plena e perfeita de sua personalidade, educam-se não somente as crianças senão também os� adultos, educa não só a escola e a familia mas ainda a sociedade inteira. E o bem-estar, o progresso moral e a felicidade nas nossas multiformes relações domésticas e sociais estão, em grande parte, condicionadas pela habilidade e segurança da nossa pedagogia . Quantas emprêsas nau­ fragam, quantas colaborações preciosas desarticulam-se por falta de perícia no manej o dos homens que lhe estão à frente ! Quantas famílias não comprometem a paz, a hai·monia, a felicidade do seu lar, porque a espôsa não soube exercer sôbre o espôso esta ação educativa que o fôsse humanizando e ele­ vando à altura dos seus ideais! Conhecimentos seguros e práticos de pedagogia não serão nunca um luxo supérfluo na formação intelectual da nossa ·inteligência ; constituem um dêstes elementos indispen­ sáveis da nossa adaptação social, e um instrumento de efi­ cácia incomparável nà irradiação da nossa influência ben­ fazej a . Não há cristão que sinta palpitar-lhe no peito o amor de Cristo e se resigne a passar pela vida malbaratando os seus dons e contemplando, sem dor, a mediocridade dos que o cercam . Valorizar os talentos que a cada um liberali­ · zou a Providência é pô-los todos ao serviço dêste trabalho na Redenção do mundo que, perfeito em Cristo Redentor, se vai realizando penosamente em cada um dos remidos ; é a suprema aspiração de quem entendeu algo das inefáveis riqueza o Cristianismo. Que por descuido ou negligência nossa não se deixe de realizar em nós ou ao redor de nós uma só parcela do bem que Deus pôs ao alcance das nossas possi-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE - 417

bilidades . Pela solicitude em desenvolver nas próprias almas tôda a sua capacidade de perfeição pessoal, pelo zêlo escla­ recido e infatigável em colaborar pela perfeição de quantos possam entrar em relação com êle, a todo cristão se deve aplicar o elogio do BATISTA : erat Zucerna ardens et lucens; luzeiro que arde e ilumina ; foco de luz e calor, alma que, abrasando-se, esplende e inflama . �

Rio, 6-IV-933 .


AÇÃO CATóLICA NO CAMPO ESCOLAR Importância da ação católica na educação . Estado atual do Brasil . Impõe-se uma : a)

ação imediata - que vise a geração atual;

b)

àção a longo prazo - que vise o futuro, pelo advento de um nov.o regime escolar . Para alcançá-lo: a)

sejamos práticos - alcançando o • que nos fôr imediata­ mente possível ;

b)

e idealistas - Importância d o ideal como gula d a · ação

ideal pedagógico que temos em mira para atuá-lo .

1 ) - ação 2 ) - ação

perseverante

-

(exemplo da Bélgica ) ;

multiforme e convergente - combatento o laicismo : no campo pedagógico, no campo social, no campo jurídico .

Parte dos pais e dos professôres .

A . M. D . G . As professôras públicas, 18-IV-929 .


É com o mais vivo prazer que de novo aqui vos vejo reunidas, atraídas pela grandeza do mesmo ideal e pelo zêlo do mesmo bem . A constância e benevolência com que seguis­ tes, no ano passado, as nossas reuniões que começamos mo­ destamente, o zêlo e espírito de sacrifício, com que, durante a época agitada dos exames, já pesada pelos primeiros rigores do verão, vos encerrastes aqui para o recolhimento benfazejo dum retiro espiritual, bem mostram o quanto de vós pode espe�ar a Igreja e a pátria nesta tarefa imensa e carregada de responsabilidades de formação das gerações futuras . Com o novo ano, recomeçamos com novo ardor . A natureza só se conserva porque se renova sempre . Quando apontam os pri­ meiros sóis da primav era, tôda ela se prepara para a grande festa anual com todo o entusiasmo de uma novidade . E as primaveras assim se sucedem com os seus encantos que nunca envelhecem . Na nossa atividade espiritual, imitemos a na­ tureza . Não voltemos os olhares para o que j á se foi . Flores que j á desabrocharam, riqueza de frutos j á colhidos; esque­ çamo-los no passado para só pensarmos em preparar novas primaveras que, na exuberância de sua seiva, tragam a pro­ messa das colheitas abundantes do outono . A educação da infância ocupa hoj e em to�o o mundo um dos setores mais amplos e mais inportantes da ação cató­ lica . Para onde convergem, condensados, pertinazes e repe­ tidos os esforços inglórias dos demolidores da ordem cristã, aí desabrocha em prodígios de zêlo e de sacrifícios a cariaade dos corações em que se imprimiu indelevelmente a palavra salvadora de Cristo : deixai vir a mim os pequeninos . A bata­ lha em tôrno da escola é, hoj e, como sempre, decisiva . Quem nela vencer, conseguindo plasmar as almas tenras das novas

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gerações que surgem, terá reconstituído, à sua imagem e se­ melhança, a sociedade de amanhã . E não por uma simples questão de cronologia : o tempo na sua marcha incoercível vai, dia a dia, recalcando as ondas humanas e substituindo as gerações que declinam pelas fileiras dos novos que sobem . Quando amanh ã os frios da velhice nos engelharem na inação dé uma aposentadoria forçada ou a morte nos riscar da lista dos que contam na cidade dos vivos, é a petizada gárrula e despreocupada das nossas escolas que terá nas mãos fortes dos que começam os destinos da nossa sociedade . É questão de anos . Mas é também questão de psicologia . O homem é normalmente na sua idade adulta o que dêle houverem feito na infância . As impressões que se gravam na cêra virgem dos corações são indeléveis . Desde HoRÁcio até MussET, os poetas cantaram esta persistência dos · perfumes que primeiro embalsamaram a nossa primeira idade . Mais grav� do que a poesia, a observação psicológica nos mostra que nas almi­ nhas em flor, eminentemente sugestíveis e plásticas, providencialmente inclinadas a imitar, receber e assimilar, a ener­ gia vital tôda se concentra em elaborar êstes primeiros extra­ tos de imagens, impressões, reações espontâneas, . que cons­ tituirão .o fundo subconsciente mas inamissÍ'vel de nossa vida intelectual e moral . As primeiras lições do lar e da escola descrevem-se para sempre nas fibras mais profundas e ainda virgens do nosso coração . Daí a importância capital da primeira formação religiosa do homem . Não o ignora a impiedade; melhor do que ela o sabe a Igrej a, a quem foi confiada por missão divina a educa­ cação espiritual da humanidade . E a luta escolar, que é uma luta de almas, enche com a grandeza de uma epopéia e às vêzes com as angústias dolorosas de uma tragédia a história social de . todos os povos cultos da nossa civ4ização ocidental . Ainda o ano passado, as aulas parlamentares do Reichtag vibraram, durante meses, dos debates encandecidos em tôrno da confessionalidade da escola pública . Os socialistas, parti­ dários incorrigíveis da laicização do ensino oficial, deram um

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assalto poderoso contra o ensino religioso nas escolas alemãs, confessionais . Ainda uma vez foram batid os . Numa pastoral coletiva da primavera de 1922 o episcopado alemão refletia ainda uma vez e consagrava a palavra de ordem, que na questão escolar, desde Bismarck, une todos os católicos da Germânia. "Pela defesa dos seus direitos escolares, os católicos poderão morrer, ceder nunca. " Qual a triste situação d o regime escolar, n o Brasil, �ós bem o sabeis . Sob a influência momentânea de uma minoria insignificante - positivista e liberal - a laicização do ensino foi inscrita na nossa carta constitucional de 189 1 . Assim, de golpe, sem um brado de protesto, sem uma tentativa de orga­ nização de resistência, a grande maioria das famílias foi es­ bulhada de um dos seus direitos naturais inalienáveis e ina­ tingíveis : o de educar religiosamente os seus filhos . Pior que a lei foi a hermenêutic� que lhe inspirou-a sua interpretação . Enquanto os nossos melhores constituciona­ listas com Rur BARBOSA, PEDRo LESSA, PANDIÁ CALÓGERAS pro­ clamam a perfeita compatibilidade do ensino religioso com a letra do § 6 do art. 72 da nossa Constituição, a jurisprudência que prevaleceu na prática de quase todos os estudos da fe­ deração excluiu todo o ensino religioso na formação da nossa j uventu�e, com incomensurável dano do país . Sem a religião, subtraiu-se o único fundamento eficaz, teórico e prático da formação das consciências . Hoj e nas nossas escolas públicas poderá instruir-se �mais ou menos bem, mas educar, formar caracteres, insculpir profundamente nas almas o respeito eficaz do dever, isso não é possível . Tôdas estas expressões clássicas conservam-se ainda na nossa linguagem como uma homenagem forçada à virtude . Ainda se diz aos nossos meni­ nos que devem ser homens de caráter, dedicados, prontos a qualquer sacrifício pelo dever, a todos os heroísmos pela pátria . Ainda se confessa que só êste fundamento das virtu­ des individuais condiciona a paz das famílias e a existência da sociedade . Mas, digamos a verdade tôda como ela é, sem Deus tôdas estas palavras sonoras e belas não passam de


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abstrações vazias e ineficazes . Não é mister remontar a altas filosofias para demonstrá-lo - e pode ser que êste ano demos largamente esta demonstração - aí está a demonstrá-lo ine­ lutàvelmente a experiência social de outros países, e a expe­ riência social do nosso . O nível moral do nosso povo que sabe ler, não se elevou . E enquanto as nossas escolas forem leigas, serão incorrigivelmente incapazes de educar o homem que é essencialmente religioso . Do regime das escolas públi­ cas norte-americanas, ainda assim melhores do que as nossas, · mas também elas leigas, disse rec..entemente um professor de Princeton que eram : "um sistema de matar almas". (Chris­ tianity and Liberalism, N. Y. 1923, p. 13.) É o pecado original do laicismo escolar . Tal é, sem otimismos ingênuos, e sem pessimismos para­ lisadores de iniciativas generosas, a nossa situação atual no Brasil . O dever católico já está de si mesmo traç�do; urge ganhar o tempo perdido, e reparar os erros passad os e para isto, trabalhar, agir . Ação dupla :

a) b)

uma imediata, que visa salvar a geração atual; outra, a longo prazo, de horizontes mais amplos, que mira a preparação de um futuro melhor .

a) Antes de tudo, minhas senhoras, uma ação imediata para dar à nossa juventude uma instrução religiosa, uma formação moral, dentro das possibilidades da nossa estrutura jurídica em vigor . É o nosso primeiro dever : trabalhar, so­ frer, dedicar-nos pelo bem dos · nossos contemporâneos, pela reabilitação do século que a Providência quis fôsse o nosso. �ste mundo é um vasto cenário em que se empenham, em luta sempre renovada, as fôrças do bem e do mal ; de um lado as nossas paixões que, seguindo a linha do mínimo esfôrço, nos arrastam para baixo, nos degradam, nos infelicitam, nos aproximam da animalidade; do outro, a razão e a fé, que nos elevam, respeitando a dignidade da nossa natureza, que equi­ libram o nosso interior na harmonia da paz humana, que


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nos emancipam da tirania dos impulsos inferiores e vão adel­ gaçando em nós a opacidade da matéria em benefício da diafaneidade cristalina da inteligência . Esta luta perene como a nossa natureza reveste em cada época uma feição característica, e cada idade tem as suas deficiências próprias, e tem as suas virtudes distintivas . Não nos esgotemos em las­ timar os nossos · tempos . As lamentações são estéreis; as la­ múrias são quase sempre o disfarce com que a maledicência das virtudes sem energia dissimula a sonolência inerte de sua preguiça . Não, outro é o nosso dever; _o de contribuir, durante a nossa passagem pela terra, para aumentar a soma de bens e de contraminar o contágio do mal . Ponhamo-nos diante da realidade, tal qual é-. As almas graHdes são as que compreen­ dem, não só em teoria, mas também em prática, as necessi­ dades sociais e religiosas do seu tempo, e vão confiadamente, generosamente, até o cumprimento total de seus deveres cris­ tãos até o dever dos corações leais e generosos : o apostolado. Na tarefa imensa da Redenção, exceto a parte divina do Re­ dentor, nada está terminado . As almas precisam continua­ mente ser conduzidas e reconduzidas a Cristo . Em cada alma que vem a êste mundo, em cada criancinha que passa pelas vossas escolas há um Cristo a formar, porque nêle há um candidato à bem-aventurança dos remidos pelo sangue· divi­ no . E neste trabalho divino, silencioso, o nosso Redentor procura "a colaboração sem reservas, o dom dos corações leais, o sacrifício de uma vida a uma causa maior do que ela e única portanto que só merece gastemos nela generosamente tôdas as nossas energias. " (PIERRE CHARLES, II, 58.) E é tanto o que vós podeis fazer nesta cruzada gloriosa, tais as magnífi­ cas perspectivas de apostolado entre as almas infantis que vos entreabre a vossa profissão de professôres, que não me parece se possa resumir em poucas palavras; espero consa­ grar uma das nossas palestras a esta organização eficiente do nosso apostolado escolar . b) Mas uma ação imediata que vise tão-sàmente o bem da geração contemporânea é pouco para a grandeza das nos-


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sas ambições. Dedicando-nos ao presente não esqueçamos de preparar um futuro melhor para os que depois de nós vie­ rem . Precisamos trabalhar energicamente para uma reforma da nossa legislação escolar, no que conceme à formação mo­ ral e religiosa da nossa infância . A consciência católica não pode definitivamente re�gnar-se a um estado legal que des­ conhece suas liberdades mais invioláveis . Às nossas famílias., que possuem o direito e o dever de educar catàlicamente os seus filhos, o Estado não oferece a menor garantia jurídica de respeito a esta liberdade espiritual . E amanhã criancinhas católicas poderão, nas nossas escolas públicas, ser submeti­ das, pela escolha dos livros de textos, pela ação de professôres acatólicos ou incrédulos, pelo contágio. de uma atmosfera fria de indiferença religiosa, a influências d escristianizado­ ras, de que os pais têm pleno direito de · as querer subtrair na escola, como o fazem no próprio lar. Urge, pois, .p reparar o advento Q.e um regime escolar em que se respeite a inte­ gridade dos direitos de todos os cidadãos . Nesta obra de pre­ paração, sej amos práticos e idealistas . Práticos, antes de tudo, trabalhando por alcançar o bem imediatamente possível . O otimismo é muitas vêzes inimigo do bem . . O ter�eno perdido, havemos de conquistá-lo palmo a palmo . É quimera esperar da noite para o dia uma revolu­ ção completa do nosso regime escolar . Há muitos preconcei­ tos a dissipar, muitos obstáculos a remover . Contentemo-nos do que é possível obter logo e cada posição tomada de assalto será uma nova base de operações que facilitará a escalada de novas posições mais difíceis . Onde pudermos obter uma con­ cessão para o ensino religioso nos edifícios escolares, mesmo fora das horas de aulas, não hesitemos em aceitá-la . É pouco; tem inconveniente grave : o menino habitua-se a considerar a religião como uma superfluidade dispensável ; o ensino do catecismo, obrigando-o a sacrificar algum recreio, ou pren­ dendo-o por mais tempo na escola, assume fàcilrnente aos seus olhos um aspecto de castigo; o ensino da religião tor- . na-se então pesado, odioso. Mas enfim sempre melhor do que


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nada . Dado êste primeiro passo será mais fácil conseguir a inclusão do ensino religioso facultativo dentro do programa escolar, e possivelmente nas melhores horas do dia, como vi­ mos o ano passado que se pratica na Alemanha. Estas con­ cessões j á se vão alcançando em vários pontos da federação, a exemplo do Estado de Minas . Aceitemo-las . Trabalhemos por alcançá-las . E ser práticos . Sendo práticos, porém, não sacrifiquemos o ideal . O ca­ tólico é, em tudo, e sempre, um idealista incorrigível, a as­ pirar infatigàvelmente pela perfeição, pela integridade da ordem, pela realização completa da beleza eterna das idéias na contingência dos acontecimentos que passam, pela equa­ ção perfeita do direito com o fato . Trabalhamos incansà­ velmente a fim de que o que é sej a o que deve ser . Nas vicis­ situdes dos esforços cotidianos, nos altibaixos de entusias­ mos e desânimos não desfitamos 1 nunca os olhos da visão do ideal . Do ideal que orienta e do ideal que estimula . Orienta, porque enquanto a ação é essencialmente condicionada pelas balizas industrializadoras do . tempo e do espaço, o ideal é a expressão pura da verdade, é a exigência integral da ordem ; a ação oscila, intensifica, adapta-se às circunstâncias mutá­ veis de cada momento; o ideal é luz de estrêla fixa que brilha inextinguível nas alturas, a iluminar com a .quietude do seu esplendor sereno as peripécias acidentadas da rota: . A ação é a luta contra o furor desencadeado dos ventos, contra os vagalhões avolumados pela procela ; o ideal é a serenidade da bússola a indicar imperturbàvelmente o norte que orienta . Mas o ideal não orienta só; estimula também . As realizações da nossa atividade ficam, sempre aquém da perfeiÇ ão aca­ bada, a que nada se pode acrescentar . É a visão clara da distância que separa 'o feito do que ainda é possível fazer, é incentivo a nossos esforços. Quem se sinta satisfeito do ca­ minho andado, paralisa-se na imobilidade dos fracos . A com­ placência vã e estéril do passado j arreteia-lhe as iniciativas que melhoram o futuro .


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Para orientar-nos, e estimular-nos nas dedicações que permitam as circunstâncias atuais das nossas instituições es­ colares, não esqueçamos o nosso ideal pedagógico . O nosso ideal pedagógico : meninos católicos em escolas católicas . Es­ colas católicas não são as em que se ensina o catecismo uma ou duas vêzes por semana . Não; isto não basta para �ducar catôlicamente. A educação católica exige instrução religiosa, exige professôres religiosamente exemplares, exige uma vida complexiva inspirada tôda na doutrina, na moral, na prá­ tica do culto católico . 1 Só assim a escola não é infiel à sua função de prolongamento da educação doméstica, só assim se respeita o direito natural dos pais de educar os próprios filhos, só assim não se comete a injustiça social, para com a parte católica do país, de alimentar com os seus impostos escolas incompatíveis com as exigências de sua consciência religiosa . Bem sei quão longe se acha êste programa da menta­ lidade oficial, desviada por quase 50 anos de laicismo domi­ nante sem contraste. Mas por .que desanimar? Por que não havemos de conseguir aqui, numa reação quase totalmente católica, o que já alcançamos em outras nações onde a fração católica constitui uma minoria? Por que não havemos de obter escolas públicas católicas, mantidas pelo govêrno, como temos na Alemanha, na Inglaterra e na Holanda, países de maiorias protestantes, na Bélgica, na Espanha, na Itália, na Austria, na Polônia, predominantemente católicos? Que exige a realização dêste progranua? Antes de tudo uma :

a) ação per�everante . Nós brasileiros - estamos em fa­ núlia, podemos fazer a confissão dos nossos defeitos - somos muito inconstantes . Entusiasmamo-nos com facilidade, mas 1 Educ� não é só instruir a intergência, é formar bons há­ bitos - e não se formam bons hábitos religiosos se não se vive uma vida religiosa .


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esmorecemos logo à vista da primeira dificuldade - sej a esta só a do tempo . Somos generosos no sacrifício, mas que êste não se prolongue . A luta perseverante, pertinaz, silenciosa mas indomável na existência, prudente mas enérgica na ofensiva, até essa amedronta a nossa pusilanimidade . Na nossa história, .q ue começou ontem, não tivemos dessas grandes causas . cuj a vitória difícil e prolongada tempera J os caracteres na luta e forma a consciência cívica dos gran­ des deveres sociais . A lut pela independência e a campanha abolicionista - ambas ainda assim breves e moderadas numa atmosfera de poesia muito de molde a excitar os entusias­ mos do nosso sentimentalismo - são os únicos exemplos de uma mobilização nacional em prol de uma grande idéia . Cumpre reagir contra esta tara do nosso temperamento co­ letivo . (Individualmente, graças a peus, há brasileiros que sabem querer . ) E a questão escolar, a luta pela regeneração moral e religiosa da nossa instrução pública, oferece-nos para isto uma ·rara oportunidade . Aqui j á encontramos em ou­ tros países nobres exemplos a imitar . Os esforços dos cató­ licos pela defesa e reconquista dos seus direitos escolares na Alemanha, na Holanda, na Inglaterra, constituem uma ver­ dadeira epopéia na história social dos séculos XIX e XX. Min­ guando-nos o tempo citarei apenas o exemplo da Bélgica . . Perseverante na ação, primeiro segrêdo de sua eficácia . Segundo : ação multiforme e conv ergente .

·

Nem todos os auditórios, nem todos os meios sociais são igualmente sensíveis aos mesmos argumentos . Adaptemo-nos manej ando com habilidade e discrição as armas que a pru­ dência nos indicar como mais eficientes . O laicismo trabalha por eliminar tôda e qualquer influência religiosa na ins­ trução e educação escolar da nossa juventude . C ombatamo-lo energicamente mostrando-lhe tôdas as insuficiências . Por todos os flancos êle presta-se a uma crítica vitoriosa . No ponto de vista pedagógico, é uma impossibilidade prática, uma hipocrisia, "uma mentira diplomática" como


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o chamou sinceramente um dos seus grandes paladinos, VI­ VIANI., ministro da Instrução Pública em França . Não é pos­ sível educar, prescindindo da solução religiosa do problema da vida . Educar é desenvolver, é formar · um homem . Cum­ pre, portanto, definir o homem, a sua natureza, os seus des-· tinos, para saber que orientação imprimir à pedagogia que o há de formar . E a solução destas questões entende essen­ cialmente com a questão religiosa . E os que pretendem edu­ car, neutramente, leigamente, prescindindo como dizem da religião, de fato resolvem implicitamente a questão que cuidam evitar, pela negativa - formando o homem c.omo se não houvera Deus,. co�o se não houvera deveres trans­ cendentais qúe submetem sempre e em tôda parte a cria­ tura ao seu criador . C om o pretexto de educar religiosamente, educar irreligiosamente . ·

Por isto mesmo que pedagogicamente o · -laicismp é . um êrro capital, socialmente a educação leiga não poderá formar homens à altura das exigências cívicas e dos deveres morais que exige a vida em sociedade . Mostra�os ampla­ mente, o ano passado, o aumento pasmoso da criminalidade j uvenil e causada pela laicizaçã o do ensino . Atualmente os dois únicos grandes países da nossa civilização .ocidental que laicizaram as suas escolas públicas, são também os que lhe sentem os mais perniciosos efeitos : nêles a delinqüência de menor.es se avantaj a de muito à das outras nações que con­ servaram o ensino religioso nos seus estabelecimentos . Era então, na eloqüência muda das cifras, o testemunho coletivo das grandes massas . O depoimento individual das almas de escol não é menos peremptório . Para a França., citaremos o exemplo recente de um ilustre acadêmico que, num livro publicado no ano passado, Une Destinée, La nouvelle edu­ -

cation sentimentale, Paris, Plon, 1928, nos faz as confidên­ cias dolorosas das terríveis devastações que na alma da criança produziu o ensino leigo . Só uma natureza singular­ mente bem dotada, com o instinto poderoso de asseio moral,


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as ex1gencias sobreviventes de uma longa ascendência cristã, preservaram-no parcialmente de se afundar na vasa do l9do em que naufragavam lentamente tantos dos seus companheiros mais fracos ou menos defendidos . Esta pá-· gina triste mas corajosa, vigorosa e desassombrada de auto­ biografia é um dos requisitórios mais fortes e mais vivos contra a ação deletéria de uma educação malfazej a porque sem princípios e sem ideal . Sôbre os educadores de sua ge­ ração Luís BERTRAND faz pesar tôda a responsabilidade de · uma acusação singularmente grave . (Études� 1928, t. 196, p. 250 . ) Para os Estados Unidos citamos o testemunho au­ torizado do presidente que acaba de deixar o govêrno . da _grande reptlblica estrelada . Falando o ano passado, por ocasião do 150.0 aniversário da fundação da Philips Academie de Andover, no Estado de Massachusetts, CooLIDGE lamenta que nos estabelecimentos· de educação "o ensino retrograde para o que é ma�rial sem se preocupar da vida espiritual, ?-traiçoando assim não só a causa por que foram fundados D)as ainda a humanidade e o próprio Deus" . é

"Se o nosso povo não fôr instruído a fundo das grandes � verdades da reli gião, será incapaz de formar uma idéia justa das nossas instituições, ou de lhe dar o apoio que pre­ cisam . Enquanto nos nossos colégios . . . se descuidam neste :Ponto o seu dever, os seus graduados voltarão ao nosso meio com uma capacidade acrescida de se entredevorarem . O abandono do dever faria correr os maiores riscos a todo o edifício social." Eis os frutos sociais do ensino sem religião . Por último juridicamente o regime escolar que laiciza tôdas as escolas públicas, encerra uma violação flagrante da distribuição de justiça social, é uma lesão grave à liberdade de consciência, como em outra ocasião demonstraremos largamente . Em todos os campos, portanto, pedagógico, social, juri­

dico,

ação católica poderá dar combate ativo ao laicismo .

A quem compete, porém, de modo mais particular

e


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direto a iniciativa de ação no terreno escolar? A todos os catól,icos sem dúvida : a educação é pr9blema de interêsse comum, nacional, que não pode ser estranho a ninguém de modo particular, porém é um dever que incumbe, antes de tudo, aos pais de família, mais diretamente interessados na educação dos seus filhos, e ao lado dos pais de família, ao professorado católico . Não sei ainda quando consegpiremos sacudir a inércia das nossas populações e organizar, em grandes associações, a ação dos pais, para a reivindicação e defesa dos seus direitos . "Nunca em nenhuma época e em nenhum país os direitos dos cidadãos se acham seguros se os próprios interessados não consagram t.ôdas as suas fôrças à sua defesa, e já se não sabem para êste fim agrupar­ -se e unir-Se. " (HÉBRARD DE VILLENEUVE. ) O magistério católico dá-nos maiÓ res esperanças não só , de uma ação direta, ·pessoal, senão também de um trabalho prudente e eficaz de educação das próprias famílias .

E eis, minhas senhoras, a razão de ser destas nossas modestas reuniões . Sois professôras e sois católicas ; quereis que a religião informe a vossa consciência profissional ; que­ reis pôr ao serviço do bem tôda a imensa influência que vos assegura a importância singular da vossa missão social .

Agrupando-vos, tereis a imensa vantagem da união, do estímulo recíproco, da orientação homogênea e convergente . O número ainda não é grande, mas os pequenos núcleos, fortes e coesos, são os que preparam as grandes vitórias . E por que não havereis de começar o vosso apostolado entre os vossos colegas, as professqras entre as professôras, as norma­ listas entre as normalistas? Por que cada uma de vós, com alma de apóstolo, não se resolve a tomar consigo o compro­ misso de trazer 2 ou 3 colegas? Em pouco tempo duplica­ ríamos ou triplicaríamos os nossos efetivos . Com um número maior a discussão dos assuntos se tornaria mais interessante e mais ampla a irradiação benfazeja da vossa ação asso­ ciada. Comt> no ano passado, nas nosss modestas palestras


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estudaremos assuntos de interêsse pedagógico . Começaremos êste ano pelo estudo do problema da co-educação, que fa­ remos brevemente em duas ou três conferências . Se algum assunto vos interessar de modo particular, dizei-mo, que eu vos agradecerei a oportunidade da sugestão . Com os pro­ blemas de ordem propriamente pedagógica, entremearemos alguma conferênc�a dirigida mais imediatamente à vossa vida espiritual . Procuraremos assim quanto nos fôr possível satisfazer à ampla exigência essencial de tôda ação ca­ tólica . Exigência da verdade na inteligência, a iluminar-nos os passos . Não basta a boa vontade . No conflito de idéias e doutrinas que se entrechocam, se cruzam, na am.biência que nos cerca, impõe-se-nos inelutàvelmente o alto dever de conhecer e de estudar o nosso cristianismo salvador com tôdas as suas aplicações práticas e inúmeras repercussões em todos os domínios do saber e do agir . Que o nosso desleixo não nos extravi e a atividade, que a nossa ignorância não comprometa o triunfo da causa divina . A verdade, que é o nome abstrato de Deus, bem merece que a sirvamos com tôda a genero.sidade, com todos os recursos da nossa inteli­ gência . Inteligências cultas, e vontades ativas, enérgicas, dedi­ cadas . Sem êste fogo misterioso, alimentado por uma vida interior intensa, as mais belas iniciativas bem depressa mur­ cham, fenecem e morrem com a caducidade efêmera e ca­ prichosa dos entusiasmos humanos . A ação católica prende as suas raízes mais profundas

e vivazes na caridade divina, neste amor sincero e profundo de Deus, que espontâneam.ente, com tôda a fôrça exuberante de sua natureza, desabrocha em flor de zêlo difusivo do bem . É nesta riqueza inexaurível da vida cristã que se alimenta a tenacidade de sua perseverança, a generosidade · inesgotável na dedicação, e a integridade desta fôrça indômita e insacià­ velmente conquistadora de almas . Conservar sempre aceso


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êste foco íntimo que em língua cristã chamamos fervor é perenizar a juventude da â1ma, e irradiar sôbre a nossa vida a paz de uma consolação inefável . Sôbre a monotonia can­ sativa das nossas ocupações cotidianas, sôbre a insignificân­ cia aparente dos pequeninos nadas que enchem os nossos dias, resplende um raio de eternidade de uma luz do Infi­ nito. Da aurora ao crepúsculo de nossa jornada terrestre, trabalhamos para Deus ; e o tempo que destrói tôdas as coisas humanas respeita o que é divino . O que fiz.ermos para a construção da cidade das al!mls ficará para sempre imorta­ lizado em perfeição e felicidade nossa e em glória d'Aquêle que nos mandou amássemos os nossos irmãos para gozarmos um dia da infinidade do seu amor . Rio, 9-IV-929 .


MORAL LEIGA I

A moral e os destinos do 'homem I

- Atravessamos uma crise moral: a)

b)

crise de moralidade ou de costumes; crise da moral ou de princípios (sua gravidade) . A crise vem de ·longe - do século XVI. constituir : a)

b)

Esforços para

uma moral independente do dogma; uma moral independente da metafísica.

;Mlultiplicação das morais . Moral leiga - sua definição . Deslealdade dos fundadores da escola leiga. li

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Impossível prescindir da quéstão dos destinos do homem na solução do problema moral . Fim da moral - orientar a liberdade . Ora, para isto é mister conhecer o fim do homem, e precisamente o fim último. o laicismo - o grande inimigo . As professôras no "Sacré-C�ur", 20-IX-929 .


Se tôdas as grandes questões sociais repercutem cedo ou. tarde na organização pedagógica de um povo, de nenhuma outra é tão estreita esta solidariedade entre a sociedade e a · escola como da questão moral . A sociedade deve à escola o envolvê ...la numa atmosfera sadia que facilite o desenvol­ vimento regular das consciências novas e não as exponha à fôrça sedutora de tentações superiores à sua . inexperiência e fraqueza . A esco1a, acima de qualquer outra obrigação,. deve à sociedade a formação de caracteres fortes, de von­ tades retas, de cidadãos que, antes ·de tudo, sejam cum­ pridores incondicionados dos seus deveres . Tocamos aqui um· dos problemas mais delicados da pe­ dagogia moderna, simplesmente agravado nos países, como o nosso, que cometeram o êrro de laicizar o ensino : o pro­ blema da educação moral . Dizer que passamos por uma crise moral grave é hoj e afirmar uma evidência que entra pelos olhos de todos . Os católicos representam apenas uma nota no côro quase uni­ versal de lamentações que se levan_tam de tôdas as prove­ niências . O mal-estar social, esta inquietude -dos povos .ansio-­ sos de paz e de felicidade, é em grande parte uma crise de costum.€s . C:rise de costumes individuais - a manifestar-se na marcha ascendente da criminalidade q�e avulta em nâ­ mero e se refina na -gravidade dos delitos e se est�n de do­ sexo masculino ao feminino, da idade adulta à triste preco­ cidade dos menores . Crise dos domésticos a preparar na freqüência dos adul­ térios, no número progressivo de divórcios, na proporção sempre maior de incompatibilidades conjugais, a dissolução crescente da família .


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Crise dos costumes sociais no desrespeito às autoridades, na violação das leis, neste fermento de insubordinação re­ volucionária a armar governados contra governos, classe::; proletárias contra as classes possuidoras, ameaçando conti­ nuamente a estabilidade e a paz das nações . Aí estão alguns dos sintomas mais evidentes da nossa crise social, e, na raiz de todos êles, uma crise de moralidade. Nem se diga que esta é apenas uma impressão falsa prove­ niente de uma ilusão óptica : vemos ;mais de perto a nossa sociedade contemporânea, enxergamos melhor os seus defeitos e por isso julgamo-la mais corrupta que as passadas . Tôdas as épocas foram assim : apelaram da decadência dos contem­ porâneos para a austeridà de dos antigos . A humanidade foi sempre a mesma, mescla de bons e maus, cenário de gran­ des virtudes e de grandes vícios . Que haja uns laivos de verdade nesta observação, não o negamos . Muitos há que são por natureza levadÇ>s a maldizer os tempos presentes e a enaltecer a grandeza moral dos que foram . Com esta res­ salva, porém, não se destrói a grande verdade atestada pela história : a da existência de períodos dolorosos e vergonhosos para a humanidade . Os povos ascendem e declinam, alter­ nam eras de grandeza moral com decadências inegáves : aí estão a corrupção do Império Romano, do Baixo Império� da Renascença. Que nos nossos dias haj a uma baixa notá­ vel de costumes é fato inegáyel . Os que j á não são de on­ tem e que poderão observar pessoalmente por alguns anos têm na sua própria experiência U1Dla prova tôda sua : a so­ ciedade de hoje não é a de 20 ou 30 anos atrás . E que esta. impress�o de um declínio sensível não seja . puramente subj etiva, aí estão a confirmá-la as cifras fria� mas eloqüentes das estatísticas . Muito mais grave, porém1 do que ao observador superficial poderia à primeira vista pareéer, é a crise contemporânea . Não se trata só de uma crise da moralidade mas de uma crise da moral. Não é uma crise de fato é uma crise de di­ : reito . Não é só a decadência lamentável dos costumes a


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DA

PERSONALIDADE

varar pelos olhos dos mais obstinados otimistas ; é a incer­ teza, a dúvida, a incoerência a implantar-se no âmago mesmo dos princípos que sempre regularam a atividade humana. Indivíduos e povos não só já não praticam o bem, mas :in­ terrogam ansiosos o que é

o bem e se o bem existe .

Ele­

vando-se do terra-a-terra dos fatos contingentes que . passam

à região superior dos princípios e da ciência dos costumes, a ·crise aumenta infinitamente erq gravidade. Eis ainda uma '

realidade incontestàveim.ente averiguada pelos observadores de idéias filosóficas mais disparatadas. Aqui J. MICHELET, L . RoURE_. Mgr.

D'HuLsT

se

encontram

Foun.LÉE e BERNIS, DAURIAC e BELOT.

de

acôrdo

com

A.

A expressão "crise

da moral ", no sentido mais profundo que acabamos de defi­ nir, ocorre, freqüente e emoldurada de epítetos fortes, na pena. de todos êstes escritores .

J . MICHELET :

"A existência de uma crise c�ntemporâ­

nea da moral não pode ser seriamente contestada por nin­ guém que tenha seguido com ansiedade dolorosa os profun­ dos abalos do pensamento contemporâneo. " (R. R. A., t. II, 1906, p . 97. )

A . FOUILLÉE : " Em nossos dias, mais que h á 3 0 anos, é a própria .moral que está em jôgo . . .

A fim de me esclarecer

nestes assuntos li com o maior cuidado o que escreveram os meus contemporâneos nos sentidos mais diversos e contra­ ditórios .

Tentei formar uma opinião sôbre tôdas as opiniões.

Deverei confessá-lo? Encontrei no domínio moral tal des­ concbavo ( desarroz) de idéias e de paixões . . . que me pa­ receu indispensável pôr em evidência o que se poderia cha­ mar a sofística contemplorânea. " (Le moralisme de Kant et

l'amm·alisme contemporain.

Paris, Alcan, 1904.)

Poucos anos depois : "É a crise da moral que explica em, grande parte a crise da moralidade. " (La France au point de

vue moral, Paris, 1 9 1 1 , p . 23.)

BELOT, .um dos mestres do pensamento leigo em França :

"No tnomlento atual, por mais indiferente e otimista que um

.


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

437

sej a, não é fácil contestar que passamos por uma crise moral de excepcional gravidade . "

(Morale sociale, p. 102.) "São

oo

próprios fundamentos da vida moral que parecem abala­ dos" (p . 103) . Isto escrevia êle em 1899 ; mais recentemente, em 1926, no 4. ° C<?ngresso Internacional de Etlucação Moral B:ELOT confessava : "que um individualismo desenfreado pe­ netrou tôdas as atividades, estéticas, literárias e econômi­ cas" , que o homem moderno já "não tem ideal a que se possa referir numa sociedade que não sabe bem para onde vai e nem o procura saber" , que a familía vai perdendo sempre mais a autoridade sôbre os flhos", que importa "impor à criança a obediência etn vista de. interêsses superiores que ela ainda não compreende . "

(Civ. Catt. 1927, I, p. 5 1.)

Eis, portanto, na sua dolorosa realidade a crise moral que nos assoberba :

crise da moralidade e crise da moral ;

costumes decadentes e idéias desorientadas ; vontades corrom­

A inteligência - esta faculdade divina como a chamava ARISTÓTELES, é o que há pidas e inteligências transviadas .

de mais sublime no homem·; é ela que marca a dignidade específica da nossa natureza ; é ela que nos permite· assimi­

lar, de uma maneira tôda sua, a realidade cognoscível ; é dela que depende o valor dos nossos atos humanos, como tais.

Imaginai o que é a perturbação desta faculdade supe­

rior no ' homem; que :mal imenso !

Se por um instante, no

mundo dos corpos, cessasse a lei da atração que mantém os astros na harmonia das suas órbitas, o caos que se seguiria do · �ntrechoque destas massas desorientadas dá-nos uma pálida idéia do que é, no mundo espiritual, uma inteligência que desgarrou das leis naturais a atividade cognoscitiva .

da verdade que lhe regem

É perigoso ser salteado em alto

mar pela violência de uma tempestade ; mas que esperança de salvação resta a uma nave, na obscuridade revôlta dos mares, sem leme, sem bússola?

É esta imagem, precisa­

mente, a que representa com mais fidelidade a anarquia


438

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

intelectual que reina, fora da Igrej a Católic.a , no domínio da ciência que deve regular a vida . O mal, nas suas primeiras raízes, vem de longe . Quan­ do se rompeu, no século XVI, a magnífica unidade espiritual da cristandade, as seita� protestantes entraram a pulular com uma fecundidade pasmosa e incoercível . A Bíblia, atirada às intemperanÇas do livre exame, servia naturalmen­ te de fundamento às doutrinas mais extravagantes e contra­ ditórias . No entanto, enquanto discutiam as seitas, era mister viver e para isto regular os costumes . Daí um pri­ meiro esfôrço para tornar a moral independente do dogma ou dos dogmas protestantes . Religião e moral são coisas distintas ; se a religião nos divide, una-nos a moral . E para salvar a indispensável unidade da m�ral na multiplicidade anárquica das dogmáticas protestantes surgiu o pr.imeiro es­ fôrço de fundar a ciêncja dos costumes nos princípios racio­ nais da que no século XVIII se chamou religião natural . · A existência de Deus, a liberdade, espiritualidade e imortali­ dade da alm,a, são verdades acessíveis à razão, independen­ tes de qualquer religião positiva, patrimônio comum de tôda a humanidade pensante . Eis aí o fundamento inconcusso da ciência dos costumes . As religiões positivas poderão os­ cilar, opor-se nas suas contínuas variações, a moral ficará inabalàvelmente imóvel sôbre a rocha firme da filosofia .

E temos o primeiro passo na via das independências fu­ nestas : a moral divorcia-se da religião : da Igrej a, primeiro, em seguida, de todo o cristianismo positivo . Mas depois do século XVIII veio o século XIX; depois do protestantismo e o racionalismo, o positivismo e o agnos­ ticismo . Infelizmente os ismos são quase sempre exageros mórbidos de tendências ou �xigências j ustas quando se con­ servam nos limites da normalidade . Que a ciência dos cos­ tumes sej a racional e positiva, nada mais justo; racionalista ou positivista, porém, entra logo em conflito com as exigên­ cias integrais da razão e com a necessidade de explicar a


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

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439

totalidade dos fatos, isto é, trabalha para a própria destrui­ ção na sua incoerência teórica e ineficácia prática . As verdades sôbre as quais o racionalismo julgara possi­ vel fundamentar a unidade da moral, ao positivismo pare­ ce..ram sujeitas à discussão e fermento de discórdias eternas. A existência de Deus, espiritualidade e imortalidade da alma não são fatos, :rÍão são obj eto de experiência serisível . Pouco :importa que sejam verdades racionais tão solidamente de­ monstradas como qualquer teorema de geometria ou qual­ quer lei física . O positivismo arbitrária e incoerentemente restringe ao lado sensível todo o domínio do cognoscível hu­ mano, chumbando o homem à matéria e cortando-lhe as .asas para qualquer ascensão ideal . A moral, j á antes liber­ ·tada dos vínculos que a prendiam à religião, cumpria ainda torná-la independente da metafísica, i . é., de qualquer verdade supra-sensível . Era �ster reduzi-la a uma ciência positiva, experimental, observar os fatos e daí inferir normas de pro­ cedimento . A tarefa era mais difícil do que à primeira vista poderia parecer (veremos mais tarde a sua impossibilidade radical) . Os construtores da nova moral apenas puseram mãos à emprêsa, em vez de edificar destruíram. As morais entraram a pulular; moral positivista, moral evolucionista, moral biológica, moral social, moral do pra­ zer, moral da solidariedade, moral das idéias-fôrças, morais sem obrigação nem sanção, etc., etc. Cada um dêstes sis­ temas, subdivididos em inúmeras variedades, não resistem à crítica da própria geração que os viu nascer . O campo da moral está hoje j uncado de destroços . Multiplicaram-se as morais e a moral baixou . Os costumes em franca deca­ dência, as doutrinas em caótica anarquia. Já vimos a dolo­ r? sa . impressão que a sofística contemporânea p roduziu no ânimp do racionalista A . FourLLÉE. Ouçamos outro adversá­ rio, o pastor WAGNER : "Os que olham para o futuro preocupam-se com a nossa .situação moral . O que vêem é a incerteza nos princípios dire­ .retores do procedimento : hesitação e confusão no j uízo


44o

-

A FORMAÇAo DA PERSONALIDADE

e na ação . vulgo,

.

.

El esta desorientação observa-se não só no

senão

também

-

sintoma

muito

mais

inquie­

tador, naqueles cuj a situação designa para traçar direti­ vas .

Nosso estado moral assemelha-se ao de uma tropa em

A hesitação A tropa olha para os chefes, o s chefes . olham

marcha que chega a .. uma região duvidosa . paira no ar .

uns para os outros . arrepiar carreira? " Apud

CHÉNoN,

Erramos o caminho?

(WAGNER,

Não seria melhor

em Morale socktle, pp . 65-66 .

p . 383 . )

Esta profunda anarquia n a ciência normativa d a vida tornou-se ainda mais dolorosa e de conseqüências mais fu­ nestas COffil a laicização recente das escolas, levada a efeito)' num ou noutro país e entre êles o Brasil .

Se há domínio

em; que para a fonnação dos costumes sej a necessária uma doutrina verdadeira e uma disciplina eficaz, é o d9minio da pedagogia .

As gerações que se formam importa ensinar-lhes

à inteligência com segurança o código dos seus 'deveres e subministrar-lhes à vontade os motivos capazes de contra­ balançarem a violência dos impulsos inferiores e das ten­ dências passionais. França e

nós

Mas a escola leiga, qual se instalou em

imitamos

sensivelmente,

abstéiil!-se

ou

diz

abster-se de qualquer ensino religioso ou mesmo filosófico que envolva as verdades fundamentais Como formar então as novas gerações? -lhes?

da vida

religiosa.

Que moral ensinai·­

Problema de wna gravidade excepcional, porque dêle

depende não só a salvação eterna dos indivíduos, mas ainda a vida social dos povos. "Quando se dissocia a moral, escre­ veu G . LE

qo

EloN,

dissociam-se igualmente todos os vínculos.

edifício social. " (Psychologie de l'éducation, p. 266.)

'

Neste ponto, os fundadores da escola leiga procederam com uma má fé inqualificável e os católicos com uma cre­ dulidade infantil .

Quando ell]j 1881, numa sessão do Senado�

o duque de BRoGLIE perguntava a JULEs F'ERRY_, que moral se ensinaria nas nossas escolas, "o fundador da escola leiga'' respondeu-lhe serenamente : "L'école n'a charge d'enseigner


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

441

qu'une moral e, à savoir la bonne vieille morale de nos peres." (Cfr . CHÉNoN, p . 379.)

La bonne vieille morale de nos peres era a moral cristã. fundada em Deus e na sanção definitiva da vida futura. No entanto quando poucos dias depois J . SIMON pedia que se inscrevessem n.os programas os deveres para com Deus, FERRY opunha-se com tôdas as suas fôrças . J . FERRY que, 5 anos antes, em 1876, na sua loj a La clémente amitié, havia dito redondamente : "O instinto secular da maçonaria é que a moral social tem suas garantias, suas raízes na con3ciência humana, que ela pode viver só, que ela pode enfim atirar as suas muletas teológicas e marchar livremente à conquista do mundo. " (CHÉNON, p . 384.) Infelizm!ente, o que FERRY chamava irônicamente de "muleta teológica" era a. alma da moral . Atiradas as muletas� a moral não deu um passo ; "là bonne vieille morale de nos peres" volatiliza-se em menos de uma geração. Hoj e nas escolas leigas de França o que se ensina é a moral socialista, revolucionária, comu­ nista . Eis a origem da cham.aàa "moral leiga" : mnral para ser ensinada nas escolas leigas . Moral leiga, portanto, não vale o mesmo que moral racional, isto é, moral baBeada nas verdades racionais, abstraindo ou prescindindo de uma re­ velação positiva . A existência de uma moral racional, nesta acepção, nós católicos admitimos sem nenhuma dificuldade . Já S . PAuLo falava na lei natural, escrita no fundo das nossas consciências e acessível à certeza do nosso conhecimento. Moral leiga é moral sem Deus, uma moral que afirma a inuti­ lidade desta idéia . Como vêdes, a questão é grave, como as que mais o podem ser . Equivale a esta outra : "Deve-se des­ terrar a Deus da moral, isto é, da consciência humana? A humanidade é soberanamente independente, não pre�isa de Deus para realizar os seus destinos?" Eis o que nos propomos tratar com a brevidade conden­ sada que nos impõe o pequeno número de 2 ou 3 palestras


442

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

que ainda nos faltam . Não faremos um curso de moral, não refutaremos, por miúdo, as diferentes formas de moral leiga ou científica . Limitar-nos-emos ao que os alemães chaman1 uma crítica principal, principiell . . . Examinaremos as exigências racionais da ciência dos costumes e a incapacidade radical, em q�e se acha qualquer moral ·leiga, de as sati.s­ .fazer . -

Antes de tudo, é impossível tratar o problema moral sem haver previamente resolvido a questão dos destinos do homem. .Esta proposição tem a evidência analítica de um axioma. Senão vêde . O fim da moral é orientar a nossa atividade humana, como tal ; dizer-nos o bem e o mal, o que importa fazer e o que cumpre evitar, no exercício multiforme da no'ssa ativi­ dade individual, domésticà e social, numa pala�ra, imprimr à nossa vida uma direção inteligente, e direção inteligente por dizer que nos leve à perfeição de nossa natureza humana . Ora, a perfeição de um ser é essencialmente condicionada _pelo seu fim. Se eu vos m10stro uma máquina e vos pergunto se esta máquina é perfeita, dir-me-eis logo que máquina é, _para que serve, qual o seu fim? E só do conhecimento prévio dêste fim lhe podereis aquilatar a perfeição . Relógio . . . uma máquina de escrever, etc. Ora, todo ser, tanto artificial cornp natural, tem um fim ; ser e agir, dizia LEmNrz, são idênticos. A ação é a florescência do ser, é o próprio ser que se manifesta e se realiza plena­ mente . Um ser que nada fizesse, seria ininteli g ível, não po­ deria existir . Aquilo que um ser faz, o que êle deve realizar é o seu fim ; e tanto mais perfeito será êle, quanto mais aca­ badamente o realizar . Ora, no mundo inorgânico, a finalidade de cada ser é a.ssegurada pelo deterl1ljinismo das leis fiscais que lhe regu­ lam a atividade . Os astros obedecem à lei da atração uni­ versal ; cada molécula química tem a sua função determi­ nada pelas leis das suas afinidades .


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

443

No mundo biológico, botânico ou animal, a atividade complica-se, mas ainda assim cada ser vivo realiza o seu tipo específico, a sua finalidade, sob o império das leis fisio­ lógicas e psicológicas inferiores. Cada planta assimila e ela­ bora os elementos necessários para tecer a sua folhagem, colorir as sua,s corolas, maturar os seus frutos. Cada animal tem, no complexó dos seus instintos admiráveis, as leis que espontâneamente mas necessàriamente lhe asseguram o de­ senvolvimento e conservação de sua própria natureza.' O homem é corpo, é planta, é animal ; por todos êstes aspectos da sua natureza está sujeito às leis físicas, fisioló: gicas e instintivas . A execução destas leis furta-se parcial­ mente ao domínio direto da nossa vontade, para - ser guiada pelo determinismo que rege o mundo da matéria . Mas nada disto nos constitui na dignidade específica de homens . Somos homens porque s�mos inteligentes, e porque somos inteligentes vemos o fim dos no � sos atos, e adaptam� os meios ao seu conseguimento . A finalidade que os sêres in­ feriores atingem inconscientemente nós devemos realizá-la conscientemente. A seta fere o alvo sem o saber ; o atirador que a despediu · viu a meta, calculou a distância e deu-lhe <J impulso necessário para atingi-la . Assim, impelidos pela sua própria natureza, os planêtas gravitam em tôrno dos seuf centros, os germes evolvem em seus tipos específicos ; só o homem realiza o seu fim conscientemente_, conhecendo-o e orientando-se para êle . E eis aqui a função da moral : im­ primir à nossa atividade especificamente humana - inteli­ gente e livre, uma direção racional - indicar-nos entre os diferentes atos que no s são possíveis quais os que realizam nossa finalidade, quais os que a frustram; os que nos levam à . perfeição ou à ruína da nossa natureza . Estabelecer esta norma supõe o conhecimento . do fim que deve realizar a nossa natureza, o conhecimento dos nos­ sos destinos. A lei moral é a lei do homem ; impossível conhe- · cer a lei da atividade do homem, sem· saber o que êle é e qual o fim de sua atividade .


444

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Importa, portanto, conhecer o fim e precisamente o fim

último do homem.

Porque há fm e fim, e entre êles existe

uma subordinação ou jerarquia essencial . diato que se visa numa ação.

Há o fim ime­

Um tiro tem por fiiDí matar

a caça . . .

Há os fins mediatos ou intermediários que constituem

o alvo de uma série de ações .

A êste fim subordinam-se Quero ser bom pianista,

outros fins que êle domina e regula .

não é desiderato que se alcance num dia . Cumpre-me co ­ . nwçar estudando música, as notas, o seu valor, a sua repre­ sentação gráfica, as claves, os sustenidos e os :bemóis : tudo isto para ler a composição mpsical .

Cumpre-me em seguida

adquirir a segurança e perfeição da técnica, " agilidade e Úmpidez nas escalas,

igualdade

nqs dedos, independência

e flexibilidade das mãos, harpejos seguros, viveza nos trina­

. dos, j ôgo firme de oitavas, excelente pedalar. " ·(A�Isio DE

exP'ressão sentimental

CASTRO, A p . 25.)

na

música de Chopin,

Cumpre-me, por 'último, infundir na perfeição do

mecanismú técnico uma alma de artista, a interpretação do sentimento1. a expressão artística do ideal.

Para cada um

dêstes fins subalternos haverá meios próprios e imediatos,

como conseguir cada um dêles ( fins subalternos)

é meio im­

prescindível para realizar o ideal que me propus de ser bom pianista .

,

Assim, na sua elevação

e

distância,

êste filn

domina, regula, legisla uma atividade longa e complexa.

Acima dêstes fins intermediários, eleva-se, porém, abso­

luto, incondicionado, subordinando a si todos os outros fins sem se subordinar a nenhum dêles, o fim último do homem. O que êle deve realizar, não para ser bom pianista ou bom

professor, bom médico ou bom poeta, mas simplesmente para ser bom homem, para atingir a perfeição ess�ncial de sua natureza .

Atingi-lo para êle é tudo, porque é a sua

razão de ser, é a sua perfeição, é a sua felicidade ; não o atingir, é dever falido irremediàvelmente na ·vida ; ser inútil,

ser infeliz .

O fabricante quebra inexoràvelmente todos os

termômetros que, por defeito de calibramento, não podem

i


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE marcar com precisão os graus de temperatura .

-

445

Não realiza

o seu fim? artefato inútil ; homem qu.e não realizou o se u fim de homem, ser inútil . Mas o ser inútil - quando é consciente, é o mais desgraçado dos sêres ; é, sem razão de ser, é, sem realizar nenhum ideal; é, e a sua existência cifra-se na consciência dolorosa de uma desordem irrepa­ rável .

A ·natureza mesma das coisas exige, portanto, uma so­ lução determinada - qualquer que ela seja - da questão dos nossos destinos .

·

Desta solução - dês te fim último,

depende a lei tôda da nossa atividade ; depende, notai bem, a

lei que vai reger ainda os fins particulares, porque todos

êles se acham essencialmente subordinados ao fim último, e só serão dignos do homem: enquanto não se opuserem à realização do seu ideal definitivo .

Mais um exemplo para

esclarecer esta eficácia transcendente do fim último, a so­ berania indeclinável que exerce sôbre todos os fins particula­ res e portanto sôbre tôdas as ações que os realizam . um

Tomo

transatlântico para ir à Europa ; eis o fim da minha

viagem .

Na grande cidade flutuante há um mundo de em­

pregados e �a harmonia complexa de atividades ; são os pilotos e foguistas que dirigem o movimento das máquinas ; são os camareiros que atendem ao serviço da rouparia e dos camarotes ; são os cozinheiros e copeiros que se desem­ penham do serviço da mesa ; são os músicos, os artistas que se encarregamt da diversão dos passageiros ;

e para cada

uma destas finalidades, no mesmo paquête, assinalam-se os seus lugares próprios - oficinas, depósitos, camarotes, salas, salões, etc., etc. Tudo, porém, traçado e executado em har­ monia com as exigências do fim último do navio : tornar a travessia mais rápida, mais cômoda, mas agradável. Imagi­ nai uni comandante que para melhor divertir os seus passa­ geiros atirasse as caldeiras ao n1;ar, para converter as salas de máquinas numa vasta piscina de natação, num flutuante agora imobilizado nas águas .

Seria um tolle geral, um pro­ testo unânime de todos os viajantes. A ação inconsiderada do


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

comandante frustraria o fim; último do navio - que pas­ saria a ser tudo o que quiserem - mas cessaria de ser um meio de transporte . Os destinos definitivos de um ser dominam inevitàvel­ mente a sua atividade, e tôda a ação que viesse contrariá­ -la seria irregular, desordenada, irracional. Impossível, pois,. traçar uma norma à atividade do homem sem lhe conhecer a finálidade última . Qualquer que seja a solução, é preciso conhecê-la e levá-la em. d.inhas de conta . Ou Deus existe e tendemos para uma vida imortal - e a luz desta verdade necessàriamente deve proj etar os seus reflexos sôbre tôda a nossa peregrinação terrestre . Ou Deus não existe e a imor­ talidade é um sonho e então o problema da nossa felicidade deve resolver-se todo e inelutàvelmente dulante a vida pre­ sente . Qualquer das duas alternattvas repercute . sôbre tô­ das as particularidades como sôbre o sentido ge�al da exis­ tência . No primeiro caso, tudo aqui é relativo e q Abso­ luto está além, valorizando tudo o que dêle depende pelas suas relações com êle ; na segunda hipótese, a vida atual adquire um valor absoluto e um dos bens terrenos - prazer> glória - progresso social - irniPõe-se-nos à vontade como o ideal único da nossa felicidade - e tudo o mais será meiC\ lícito para o atingirmos. Impossível prescindir, impossível . tentar preterir com o descaso uma questão que se impõe inelutável a cada momento, necessária como necessidade de agir . Tôda ação consciente -: dirigida pela inteligência, tôda ação humana implica pela sua inseparável finalidade uma posição definida na questão dos nossos destinos, como o navio em cada um dos seus movimentos aproxima-se ou afasta-se do seu têrmo . Por outra, Deus não é U1I1! dispen-: sá vel na vida do homem - Deus é o eterno · imprescindível . Não podemos passar pela existência como se . êle não existir. ,. , Ou lhe reconhecemos o seu caráter absoluto _:_ e a nossa situação essencial de criatura, isto é, de sêres dependentes e êste reconhecimento implica não só deveres definidos e impreteríveis para com �le, mas ID?a atitude profana que ·

-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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447

embebe e pervade tôda a nossa orientação moral ; ou não reconhecemos esta dependência essencial com todos os seus corolários inevitáveis e esta atitude envolve a negação com­ pleta de Deus, pela negação do mais essencial dos seus atri·­ butos, identificado com o que há de mais divino em Deus . Não há, poisf moral leiga porque não há moral neutra ; não há possibilidade de organizar a nossa atividade moral como s e Deus não existira . A moral ou s e funda explicita­ mente em Deus e é moral, ou é atéia e cessa de ser moral . Nós o veremos amplamente estudando em outras palestras o problema do dever e da sanção da ordem moral . Mas é coisa evidente e o confessam os próprios ateus . F. LE DANTEC:­ que escreveu um livro sôbre o ateísmo disse-o explicitamen­ te : "il n'y a pas d'athée parfait" , e é uma felicidade, porque "une société dont les membres seraient de purs athées, allant j usqu'au bout des conclusions de leur athéisme, finirait par une epidémie de suicides. " (L'athéisme, Paris, Flamma­ rion, pp . 93-94. ) - ·

Mas quase sempre a incoerência dos nossos adversários não tem a coragem de ir até ao têrmo lógico das conclusões do seu ateísmo, ou a sua insinceridade não tem o desassombro franco de professar desveladamente o ateísmo . Daí as deno­ minações veladas e i� idiosas de moral leiga, de moral cien­ tífica, de moral indep endente a disfarçar às inteligências. menos clarividentes as . negações brutas de tôdas as grandes verdades sôbre as quais em todos os tellllP OS fundou a huma­ nidade a possibilidade da ordem moral . Aqui, neste campo mpral e pedagógico, mais talvez do que emJ qualquer outro, ressalta o caráter irredutlvelmente anticristão· do laicismo . E não há, talvez para os católcos cultos, para o escol dos· que dirigem e influem na nossa ação social, necessidade mais urgente que a de tomarem cons­ ciênca dêste antagonismo profundo . O laicismo é a forma contemJporânea da Anti-Igreja ; é o nome comum sob o qual se arregimentam tôdas as fôrças contra o cristianismo . Neste


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A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

imenso

duelo

que

domina

a história

contemporânea,

no

que ela tem de mais vital e humano, temos a continuação da imensa luta que enche a história de todos os tempos entre as duas cidades, duas crenças, dois amores, dois estandar­ tes - o do Bem e o do Mal .

Tenhamos ao menos a cons­

ciência de nossas posições. Sej amos perspicazes - e não víti- . mas de uma ingenuidade pueril . Esta luta inevitável - que acabamos de exprimir nos têrmos quase belicosos, -

é no entanto filha da caridade

m.ais desinteressada e mais sublime .

Se a Igrej a não pas­

sara de um grupo de �ilósofos que se comprazem em fazer admirar a beleza arquitetônica dos seus sistemas, nesta gran­ de desorientação contemporânea - feita de decadência de costumes e de entrechoques contraditórios de doutrinas efê· meras ; se se recolhera em si no esplêndido isolamento de uma tôrre de marfim e daí contemplara a dissolução lenta

das sociedades

à espera que os seus contraditares se pusesse1n

de acôrdo num sistema a opor ao seu, seria um triunfo ma­ gnífico mas um· triunfo orgulhoso . como Cristo

A Igrej a

ela ítem piedade das

é mãe das almas ;

'�.turbas" íncapazes de ·

analisar os sistemas, mas terríveis em traduzir em; fatos as suas conseqüência lógicas .

E, por isso, a Igrej a luta, luta

para defender a moral, luta para salvar a dignidade humana, a estabilidade e grandeza dos povos, luta como luta o Bem contra o Mal , para vencê-lo e, fazendo-o bom, fazê-lo feliz. Reconhecem-no os nossos próprios adversários, quando, não prestando ouvidos aos preconceitos sistemáticos, deixam falar na razão sincera a voz da natureza : "Saibamos ver as coisas como elas são, escreveu ScHERER em

1884 : a verdadeira moral

precisa do Absoluto : só em· Deus ela encontra o seu ponto de apoio. A consciência

é como o coração : precisa de um além. O é nada se não é sublime e a vida se torna frívola se não implica relações eternas . " (B.AUNARD, Le vieillard, p. 427.) dever não


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

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449

Eis o grande benefício da moral verdadeira ; salvar a nossa vida da frivolidade, engrandecer a pequenina trama das nossas ações que foge� no t_empo com o infinito das suas reperc�ssões eternas, numa palavra,

tornar

a

nossa vida

digna de ser vivida� porque digna do home!!l e digna de Deus .

A . M. D . G .

20-IX-929


l\10RAL LEIGA II

A moral e

o

dever

Recapitulação . Não é possível estabelecer a diferença entre o bem sem resolver a questão dos destino s do homem . A moral leiga não explica o dever. Análise da noção de dever : é

um

o mal

imperativo categórico .

As morais leigas pretendem exclusivamente basear-se no exame dos fatos (trilogia sociológica) . Ora, o que é não explica o que deve ser . O que se pode responder a um laicista . Não há, pois, dever - reconhecem-no o s pensadores laicistas . Guyau, Fouillée, Ferriére . ·Explicação e fundamento do dever . Como se conhece a moral . (Falsa acusação de extrinsecismo . ) Como se j ustifica racionalmente o caráter obrigatório d o dever . Grandeza da nossa vida moral . A.M.D.G. As

professôras no "Sacré-Creur", 16-X-929.


Cumprir o seu dever, cumprir todo o seu dever, cumprir sempre o seu dever, levando, se fôr mister, a dedicação da vontade até as alturas magníficas do heroísmo - eis a aspi­ ração de tôda alma nobre . Iluminar a inteligência sôbre os princípios que devem dirigir a nossa atividade humana : obj eto da moral-ciên­ cia ; subministrar à no3sa vontade estímulos eficazes à fide­ lidade constante na prática do bem - eis o objeto da moral-arte . A moral - de mores = costumes, ou, em grego, a ética, de ethos = costumes - é por definição etimológica e real a ciência da ação, a ciência do govêno da vida . Pretender traçar à vida humana as normas de sua ati­ vidade, prescindindo de qualquer verdade supra-sensível : Deus e imortalidade ; baseando-se exc:lusivamente no empi­ rismo da observação sensível dos fatos, é a utopia de certos sisterr�:1s modernos da que se vem cha:mando moral jndepen­ dente, .moral científica, moral leiga . Leiga - sem nenhuma relação com as verdades que são o fundamento comum de tôda e qualquer vida religiosa; independente não só dos dogmas de uma fé positiva mas ainda dos princípios racio­ nais de qualquer espiritualismo filosófico; científica, limitada aos recursos exclusivos dos métodos indutivos em uso contínuo nas ciências positivas ou experimentais . Evidenciar o que há de quimérico - com imenso pre­ j uízo para a perfeição individual das almas e para a vida social dos pqvos - nesta emprêsa de Sisifo do positivismo e do laicismo contemporâneo - eis o obj etivo que levamos em mira nestas nossas palestras,, f.orçadamente r.esumidas e res­ tritas à generalidade dos grandes princípios . . ·


452

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

A base primordial da ciência dos costumes é a distinção e a determinação do bem e do mal . Bem é o que se deve . fazer; mal, o que importa evitar . Sem estabelecer esta dife­ rença fundamental e sem a justificar aos olhos da razão, não há, não pode haver ciência moral . Ora, os conceitos de bem e de mal, por sua própria na­ tureza, se relacionam essencialmente com a idéia de fim. Bom

é parà um ser o que convém à sua natureza, à reali­

z ação dos seus destinos.; mal o que impede, o que frutra a sua razão .de ser, a sua finalidade. É bom o relógio que indiéa as horas com exatidão, a navalha que corta com facilidade e delicadeza, o navio que transporta com segurança, rapidez é comodidade. É mau o correio que extravia a correspondênc ia ou lhe retarda a distribuiÇão, o tubo de caucho que perdeu a sua elasticidade, o sistema nervoso incapaz . de preencher as suas

funções essenciais na nossa vida orgânica ou psíquica. · Numa palavra, o fim último de um ser é a razão de tôda a sua atividade, o critério que regula e dirige todos os seus atos. Para determinar racionalmente o que é bom., o que é mau na atividade humana, importa conhecer qual a perfeição que a nossa natureza humana deve atingir, quais os destinos ' supremos que são a razão derradeira da nossa existência . Há, para nós, uma vida além-túmulo, uma vida defini­ tiva, na qual nos encontraremos em face do Infinito que nos criou e de quem inelutàvelmente dependemos?

Então

essa verdade projeta bs esplendores de suas luzes eternas sôbre a fugacidade de todos os nossos atos terrenos .

EBta

vida é um relativo essencialmente ordenado para um abso­ luto : é uma peregrinação pára uma pátria de imóvel e impe­ ritura grandeza, é uma aurora magnífica que anuncia e pre­ para os esplendores meridianos de um dia sem ocaso. O valor moral de cada um dos nossos atos é a sua relação de meio ou de obstáculo ao conseguimento dêste estado definitivo de perfeição e felicidade da nossa natureza .

�ste têrmo único

e imóvel será o princípio unificador da multiplicidade dis-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

453

persiva de tôdas as ações, grandes ou .pequenas, que tecem a trama de cada uma das nossas existências ; a esperança de uma .felicidade inamissível será ·a fonte de energias iqe­ xauríveis nas vicissitudes da . nossa vida semeada de dificul­ dades e de sofrimientos.

Quanto D!ANTE, inspirado, se

ao imenso trabalho de compo�ição da sua

� ançou

Divina Corn,édia,

fulgia-lhe ante o olhar de artista o ideal estético de cant�r a .

dor eterna e o eterno gáudio do homem .

E êste ideal explica,

regula, anima tanto a estrutura majestosa das grandes linhas como os surtos líricos dos pequeninos episódios . Se lhe ignoramos os destinos, como poderemos cantar o grande poema da nossa vida, cujas estrofes são desigualmente .inspiradas pela tristeza e p ela alegria? / Se, pelo contrário, a vida futura é um sonho que embala com as suas ilusões tôda a humanidade desde o seu berço, se o ciclo da nossa existência se fecha inexoràvelmerite com o último respiro, então a vida .terrena assume outro aspecto radicalmente diverso e os nossos atos antes relativos · a um Absoluto eterno, passam a referir-se a uma finalidade tem­ poral, a � �?em sensível, relativo também êle às preferên­ cias de cada filósofo e pràticamente de cada homem . Numa

ou noutra hipótese, o problema dos destinos do

homem impõe-se à moral como uma necessidade lógica ind�­ clinável .

A questão da existência de Deus e da imortalidade

da alma importa responder sim ou não, porque dêste sim ou dêste não depende todo o valor da vida, todo o critério para a distinção do bem e do mal, tôda a norma que aspira a dirigir racionalmente o nosso proceder .

Moral leiga - que

pretende abstrair ou prescindir destas verdades ind�cliná­ veis é � contra-senso lógico e uma impossibilidade prática. A moral, ou se funda em Deus, e é moral, ou prescinde de Deus e é então atéia e materialista, isto é, não é moral. Eis a conclusão a que havíamos chegado na nossa úl­ tima reunião . idéiás .

Re�tamos assim o

fio partido

das . nossas


454

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

A. moral, se atéia ou materialista, não é moral . Não é moral, porque incapaz de ·dar um fundamento lógico à idéia de dever, de explicar racionalmente a noção de obrigação moral.

Analisemos esta noção fundamental do dever; sondemos para isto a nossa consciência : esta ob3ervação psicológica é, necessàriamente, o ponto de partida da moral . E concre­ tizemos a observação num exemplo para daí inferirmos os atributos ou qualidades do d�ver . Um amigo, antes de partir, confia-me um depósito para pagar-lhe uma dívida a um terceiro . Mal sai de casa, ful­ mina-o um ataque de apoplexia . _ O depó3ito já está nas minhas mãos; ninguém o sabe . Se eu o conservo poderei melhorar a minha situação social, passq.r um � vida mais fol­ gada, sem perder um ponto na estima de que me cercam os meus concidadãos, sem mesmo causar grave prejuízq ao credor, homem abastado, a quem sorriu sempre a fortuna . Seguir, porém, êste alvitre fôra rebaixar-me na minha . própria estima . Uma voz interior Illje diz : não podes ficar com o que não é teu, a um sentimento de indescritível mal-estar acompanharia a resolução inspirada pelo egoísmo do m.e u interê:sse, como pelo contrário um parabém profundo, uma elevação nobre na minha própria estima sancionaria a ação desinteressada que executasse à risca as disposições do meu amigo e coroasse com os fatos a fidelidade da pala­ vra empenhada . Neste fato concreto temos todos os elementos para o es­ tudo da consciência moral - para o conhecimento do dever . · Muitas vêzes na minha vida encontro-me ante a possibili­ dade de dois atos. Internamente, na complexidade de fe­ nômenos psíquicos que se sucedem então eu posso distin­ guir : 1 .0) Atos da inteligência, juízos que antes pronunciam o valor do ato : êste ato é bom ; deve ser feito; êste ato é �

mau ; deve evitar-se ; depois de feita a ação - uma sentença


A FORMAÇÃO .DA PERSONALIDADE

-

455

interior pronuncia o seu veredito no tribunal da consciên­ cia, em harmonia com os j uízos anteriores : Fizeste bem ; procedeste mal . 2. o ) Êstes atos de ordem cognoscitiva são acompanha­ dos de outros de ordem afetiva, de sentimentos ; antes do ato, sen�imento de aversão do que é mau, de atração para o que é bom - depois do ato, sentimento de alegria, ·paz, quietude se procedi bem, de desassossêgo, inquietude, remorso se pro­ cedi contra as intimações de minha consci�ncia .

Esta voz que fala assim tão alto no interior de cada ho­ mem que vem a êste mundo - é a voz do dever; seu acento é inconfundível, é o acento de um legislador soberano e de um j uiz incorruptível . Ela fala em imperativo : faze o bem:; evita o mal . O que não se impõe, não é dever . Mesmo diante de um bem se não é obrigatório, - · outra é a indicaçãD da consçiência : podes dar, se quiseres, todos os teus bens aos pobres . O que não é teu deves restituir. Antes um podes; agora um deves; antes um conselho, agora uma ordemi; antes uma alternativa livre ; agora uma determinação exclusiva. Quan­ do agirnos por prazer, sentimos o poder sedutor de uma atração ; quando agimos por interêsse, a sugestão de um con­ selho ; só um dever faz ressoar nas profundidades da alma a fôrça incontrastável de um império . O dever é obrigató­ rio e a obrigação é urna. necessidade moral. Todo agente é necessitado quando se acha exclusivamente determinado a um só efeito . No mundo inferior ao homem a necessidade é física, isto é, absolutamente imposta ao agente que a ela não se pode subtrair ; chegando a 1000 a água entra em ebu­ lição ; expl� dindo a pólvora, a bala parte . No mundo hu­ m ano, a necessidade é moral, isto é, impõe um efeito, mas deixa ao agente a possibilidade física de o não produzir. D evo pagar o que devo, mas posso materialmente não pagar. A lei física não pode ser violada, a lei moral pode ; lá não há liberdade, aqui sim . A determinação física é uma bar-


45'6

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

reira 'de aço

__.:.

que não pode ser transposta ; a determinação

:moral é uma barreira de éter, que separa a luz das trevas, ·

podeis atravessá-Ia sem sentir a oposição de obstáculos ma­ teriais, mas lá ficará a linha lUtminosa a assinalar indestru­ tlvelmente a fronteira que separa o bem do mal .

O

agente

físico, não tem merecizl'mnto quando age segundo a sua natureza, o homem 'é digno de louvor quando faz o seu dever. Para isto nos foi ·dado o grande dom da liberdade ; para atingirmos o nosso fim de uma maneira digna de sêres ra­ ' cionais . A lei moral, o dever é pois um imperativo

absoluto

-

imperativo - mais ; é um

categórico como lhe chamou KAN'i'.

Há outros i.lnjperativos, mas hipotéticos, condicionados todos aquêles que exprimem uma relação entre um antecedente e um conseqüente ração - se queres recuperar a saúde.

de causalidade

livre. Faze .esta ope­

Consagra cinco horas

diárias ao estudo do piano, se queres chegar a ser bom ar­ tista .

�stes imperativos são condicionados porque unem um

meio a um fim de apetibilidade livre . cionad�, não prazer .

depende do m;eu

O

dever não é condi­

interêsse, não depende

do

Não caluniar, ainda que a calúnia possa servir aos

teus interêsses ou causar-te o prazer de uma vingança.

Faze

o bem, porque é bem. O bem que nos impõe o dever não é o bem

útil - que serve aos nossos in.terêsses - não é o bem é o bem hones to - o bem

agradável, que nos traz um prazer -

em si, o bem absoluto - indepéndente de minhas vantagens

- o bem que se impõe sem� condições nem ·restrições . Eis a lei maj estosa do dever :- lei, obrigação absoluta tal qual se revela à observação interior, a lei do homen1, digna de sua grandeza e indispensável à existência e grandeza social dos povos . Tôda tentativa que fracassar na explica­ ção racional dêste atributo, que não conseguir dar ao de'\Ter uma

base sólida, condenará para · sempre um sistema ético

à esterilidade e à morte .


� FORMAÇAO DA P:ERSONALIDADE

-

45'7 /

Ora, a aspiração de tôdas as morais independentes é

As teorias

fundar a regra do procedimento sôbre os fatos . hoje

não

se

contam;

são

inumeráveis ;

cada

laicista­

-pensador começa por pesar os sistemas dos que o precederam e achá-los leve s ;

começa destruindo para depois elevar a

sua construção tão efêmera e ineficaz como as precedentes . Um ponto, porém, há comum a todos êstes esforços e que constitui a essência mesma ou a razão de ser da moral leiga : a aspiração de transformar a moral numa ciência positiva, experimental, fatos .

de

dar-lhe

como

fundamento

exclusivo

os

Elimlinemos tudo o que é transcendente, tudo o que

se

acha

ta ;

são

acima

da

abstrações

nossa

experiência

metafísicas .

sensível

Como

a

física

e

imedia­

e

a quí·

:mica, a moral deve descansar unicamente sôbre a rocha dura das realidades tangíveis .

E cada qual procura na ciência de

sua preferência a solidez dos alicerces das novas constru­ ções .

O biólogo diz : estudemos a biologia, a biologia humana, a biologia comparada ; os f atos , biológicos examinados com o rigor dos métodos experimentais nos levam ao conhecimen­

to de um certo número de leis - leis que têm por fim a conservação e o presidem

desenvolvimento dos indivíduos, leis que

à propagação e melhoramento da espécie .

Obe­

decer a estas leis - é para o homem um dever e é a ciência da vida quem lho revela; aí está uma moral positiva, cien­ tífica, universal .

A.ssim falam os partidários da moral bio­

lógica, nome genérico que cobre grande número de espécies e varie.dades inspiradas nas inúmeras modalidades de evo­ lucionismo, desde O de DARWIN e SPENCER até O de FOUILLÉE. O sociólogo diz : o homem é antes de tudo um ser social; na sociedade nasce, vive e morre, da sociedade recebe todos os bens ; para a sociedade deve viver .

O estudo das revelações

sociais - tudo o que condiciona a existência, a conservação ,

a ativdade, o progresso desta grande coletividade de uma pátria, do · gênero humano - se impõe

à consciência com a


458

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

necessidade de um dever . O altruismo, a solidariedade, a dedicação - outras tantas normas impostas às vontades individuais como condição essencial ao bem comum . E. aí temos uma moral elevada, nobre, baseada sôbre o funda­ mento positivo do estudo da realidade sociaL É a moral sociológica - também ela a apresentar as tonalidades de mil cambiantes diversos ; mais teórica e imperativa en1 AuausTo CoMTE; mais inclinada à simples observação dos fatos e ao registro da evolução histórica dos costumes hu­ manos e� DURKHEIM e principalmente em LÉvY-BRÜHL. ·

Expor por miúdo cada um dêstes sistemas - e fazer­ -lhes a crítica minuciosa pondo em relêvo tôdas as lacunas de informação histórica na exposição dos fatos, todo o aprio­ rismo metafísico na sua sistematização arbitrária, �ôdas as deficiências metodológicas a viciarem de antemão as con­ clusões fôra trabalho muito instrutivo mas inevitàvelmente longo, de muito superior às nossas disponibilidades de tempo. Limitar-me-ei ao que os alemães chamam uma crítica de princípi p - principiell - restrita ainda assim ao nosso tema, a explicação do dever - da idéia de obrigação - de imperativo categórico . Querer explicar o dever com o único auxílio dos fatos é uma quimera, uma impossibilidade lógica absoluta . O fato nos diz o que é não o que deve ser . As leis cien­ tíficas - expressão generalizada- dos fatos, nos manifesta1n a realidade tal qual é - sem dizer-nos coisa alguma sôbre o que deve ser. Na expressão feliz de H . PoiNCARÉ� as outras ciências falam em indicativo, - a moral em imperativo. E não há lógica que sej a capaz - ficando só no terreno po­ sitivo dos fatos - de transformar um indicativo em impe ­ rativo . E aí j ?. vêdes a impossibilidade de medir com a mesma craveira a moral e as ciências positivas. E:s tas, na sua finalidade especulativa, não aspiram senão a conhecer os fatos e as leis que regem; na sua finalidade prática a pôr por êste meio as energias da natureza a serviço do homem ; -


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

459

por isto, contentam-se com observar o que é. A moral visa mais alto ; sua r a zão de ser é dirigir a atividade e a vida do ho:rr�em; por isto importa-lhe saber, não só o que é, mas principalmente o que deve ser . A realidade infra-humana. submetida à observação das ciências positivas é regida pela necessidade física, pelo determinismo de leis inquebrantáveis . Uma vez que verifique que a água pura à pressão normal de 76 em de Hg. entra em ebulição a 100°, estou certo que êste fato é e será sem;pre assim . Não há aqui lugar a dever . A água, nas mesmas condições, ferverá sempre a 100°, porque não está em seu poder variar a seu talante a temperatura em que entra em ebulição . A realidade à qual a ética aplica as suas leis é o homem, e precisamente à atividade livre do homem, a esta vontade que, nas mesmas condições, poàe tomar por um caminho ou por outro, restituir-lhe o depósito ou conservá-lo em seu P oder, imprimir a tôda a vida de un1 . homem uma orientação que o leva aos cimos da virtude ou às degradações do vício . Esta vontade só poderá ser diri-­ gida por u�a necessidade moral - por uma obrigação. E esta obrigação imposta a um ser inteligente deve ser racional, a razão deve sentir-se làgicamente ligada, inevitàvelmente sub­ metida ao dever. Dirá um médico a um alcoólico : meu caro, a temperança é a condição de uma vida longa ; o excesso do álcool é punid0 pm; doenças dolorosas que arruínam para sempre o indivíduo e vão tristem.ente repercutir pela sua posteridade a fora . São leis biológicas, cientificamente incontestadas . Bem, retru­ cará o outro, isto é uma necessidade hipotética : se quero vi­ ver muito, devo ser temperante . Prefiro gozar agora dos prazeres do copo ; depois . . . veremos . Quando a vida já não tiver alegrias para mim, quei�aremos com uma bala o cére­ bro já inútil . Mas, meu caro amigo, o senhor não é só, vive na sociedade, a ela deve os frutos de sua atividade, aos seus descendentes uma vida sadia para que êles não venhan1 a ser de pêso aos que depois de nós viverem. Sej amos racio-


460

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

nais; esta é a ordem· das coisas ; a ordem biológica; a origem

social, e é próprio de sêres racionais respeitar a ordem que

lhes revela a razão no estudo das relações essencias entre os sêres .

Não, retrucará o outro, vós não sois coerentes, não sabeis

o que estais dizendo, falais com.o os que crêem em. Deus e

na ética tradicional nêle fundada . Com que direito?

Apelais para a ordem .

Sabeis o que é a. ordem?

Ordem é a fina­

lidade, é a disposição dos meios para o conseguimento de um fim, ordem é a manifestação inconfundível da inteligência.

Em ordem do universo, em ordem dos sêres, física, biológica

ou social, só tem direito de falar quem vê no Cosmos a mani­ festação de uma Inteligência criadora, de uma sabedoria

ordenadora .

Vós ignorais tudo isto .

fara vós, o espetáculo

atual do universo é o resultado fortuito de uma evolução cega,

e desta evolução nós somos os produtos mais aperféiçoados .

Por que nos havemos de sujeitar a êste j ôgo de leis inferio­ res?

Por que não havemos de tentar subtrair-nos a elas,

senão por outro motivo, ao menos pela afirmação magnífica da nossa independência?

Aludistes a esta solidariedade que

prende uns aos outros numa trama complicada de ações e reações recíprocas os individuas de uma sociedade .

E exato .

Mas esta solidariedade é um jato - que eu e vós observa­ mos ; por que pretendeis erigi-lo em direito?

Com que título?

Eu prefiro considerá-la como uma necessidade penosa da

qual devemos esforçar-nos por libertarmo-nos .

Eu prefiro ver

a grandeza da minha vida num esfôrço para emancipar-me,

para ver-me livre de tôdas as peias, sacudir o j ugo de tôdas

as escravidões .

Se a solidariedade, com tudo o que lhe im­ plica de dedicação, sacrifício, benevolência, simpatia - é

umja necessidade fatal - ela se realizará sem o meu concurso

- apesar de tôdas as mi�as oposições .

Se ela requer o concurso livre de todos - é precso que todos sej am obrigados.

Ora, na vossa sociologia positiva - vós conheceis . a solida­

riedade - como um jato - um complexo de relações de depen-


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

461

dência recíproca. Ora, um fato é um fato - e enquanto não saís do vosso positivismo êle não vos dirá mais do que isto ;

em si nenhum fato encerra a idéia de obrigação ou de deveres. · Insensivelmente vós confundis duas espécies de leis, total­

Há a lei-fato, que se contenta de registrar o que se passa, na realidade, em; qualquer ordem - física, biológica ou social . Assim as leis estatísticas se contentam de exprimir em números ou fórmulas a marcha dos aconte­ mente diversas .

'

cim€ntos ou dos costumes de uma coletividade, sem pre-

tensão nenhuma a fundar um direito .

Enquanto não saís

dos vossos métodos positivos, indutivos, experimentais, não podeis falar de outra espécie de lei .

A. lei-direito que pre­

tende não resumir a ordem e_m que elas se devem passar a lei que impõe deveres e traça normas à vida - essa, pela

sua mesma natureza transcende o domínio da ciência ex­

perimental .

Falar em deveres, obrigações, ideal da vida -

com os recursos exclusivos da moral positiva - é uma contradição .

,

Obrigação envolve no seu conceito a idéia de uma

autoridade, de uma vontade superior ao homem.

O homem,

com propriedade, não pode obrigar-se a si mesmo.

Do con­

trário, com a mesma autoridade �om que êle se obriga pode desobrigar-se, e quem pode obrigar-se · e desobrigar-se com igual autoridade, de fato não está obrigado . Todo êste raciocínio, no ponto de vista lógico, é irrepreen­

sível . e inef{pugnável.

Se contra êle se revolta a nossa cons­

ciência e a consciência mesma dos nossos adversários - é

porque mais pode sôbre êles a natureza bem! formada do que a incoerência dos seus sistemas.

�ste protesto - depõe

em favor da sua consciência, mas em desabono de sua lógica.

Aonde leva a fôrça desta lógica vêem-no os mais perspica­ zes e profundos entre os laicistas . dos vulgarizadores

Enquanto a turba-multa

continua ainda

a

falar de j ustiça, de

dever, de consciência - porque estas palavras magníficas

despertam sempre entusiasmos generosos nas almas bem for­

madas - os mestres proclamam coerentemente a incapa-


462

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

cidade irisanável em que se acha a nova moral de dar um fundamento racional ao dever . GuYAU escreveu há tempos um livro que teve um '/.4 de .hora de celebridade intitulado : Ensaio de uma m oral sem obrigação nem sanção. A. FouiLLÉ, que escreveu uma crítica fina de todos os sistemas contem­ porâneos de moral, acaba também êle propondo o seu; mas, forte como crítica destruidora, o seu trabalho é de uma Por fragilidade desconsoladora como esfôrço construtivo . últ1mo confessa abertamente que já não é possível falar de imperativo categórico, mas de um simples optativo; por ou­ tra, já não há deveres mas aspirações vagas . À consciência humana não se pede intimar um jaze o teu dever; mas um oxalá se faça o que cada qual julga melhor . No IV Con­ greSBO de Moral leiga, reunido em Roma, em 1926, em busca de um Código de Moral Universal, Pi.:n. FERRIERE, que presi­ diu o 3. ° Congresso em Gênebra disse : "pode conceber-se um ' código de rr.oral universal, não impôsto mas proposto aos homens, consistindo em leis de higiene social e espiritual, l eis no sentido naturalista, não j urídico" , isto é, leis-fatos, não leis-direito; leis que dizem o que é, não o que deve ser . Isto é a volatilização completa da idéia do dever . A moral reduzida a uma história natural dos costumes do homem, mas sem nenhum caráter normativo de regra orientadora das liberdades. Ora, sabeis o que significa o desaparecimento do dever - um código não impôs to mas p1 ·oposto aos h o� m;ens? Significa a mais completa anarquia dos costumes, a falência absoluta da moral. Significa que ao ladrão não podeis dizer : deves restituir o que não é teu ; ao adúltero : deves guardar a fidelidade dos teus juramentos ; ao homicida deves respeitar a vida dos teus semelhantes ; significa que à torrente im,petuosa avassaladora das paixões humanas, de todos os egoísmos, de tôdas as ambições, de tôdas as luxú­ rias, de tôdas as injustiças, de tôdas ·as opressões e violên­ cias, não podeis levantar no fôro da consciência nenhuma Ao homem que se degrada, que barreira intransponível .


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

463

desce na escala dos instintos indomados a um nível inferior

ao da animalidade, não se pode impor coisa alguma - mas simplesmente propor..

A lógic a implacável da moral leiga j á

n ã o pode formular o imperativo d o dever ; emudece n o inte­ rior das nossas almas o que nelas há de mais nobre : a voz

suprema da consciência que proíbe o mal e manda o bem .

lVnas se se oprime no homem a voz da consciência c omo será possível a vida social?

No dia em que se persuadissem todos

os cidadãos que o dever é uma ilusão, que nada há de obriga­ tório para o hom€m., como conseguir dos seus egoísmos de­

sencadeados as prestações de dedicação e sacrifícios indis­ pensáveis à v.ida em comum?

Pela fôrça, só pela fôrça.

O

que se tirou à consciência, se dará à polícia . Enquanto as ' carabinas do E3tado prevalecerem, haverá uma aparência exterior de ordem social ; no dia em que os individualismos coligados puderem mais que os gendarmes cansados de uma função inglória, será a desordem completa .

O despotismo

ou a anarquia, o esmagamento do indivíduo pela sociedade, ou a revolta contra a sociedade do indivíduo exasperado, eis o para d eiro lógico da moral leiga . Mudemos de cenário e digamos, em duas palavras, qual o verdadeiro e o único fundamento do dever .

O homem, rac:onal, segundo triunfa uma ou outra das

duas fôrças. antagonistas - únicas a regular a atividade do b.omem, quando se lhe apagou na consciência a voz suprema do dever, conhece não só a natureza dos sêres que o cercarn mas também as relações que os ligam .

Antes de tudo, en1

si m'esmo, um complexo de atividades diferentes, vegeta­ tivas, sensitivas, intelectivas, uma j erarquia de faculdades, inferiores umas, superiores outras ;

umas comuns com os

animais, outras próprias e específicas .

O ideal do homcn1

é realizar esta harm1onia, respeitar esta j erarq'll: ia ; dominar corri a razão e a consciência o corpo feito para servir ; desen­ volver na alma tôdas as virtualidades que nela dormem en1


464

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

estado latente . Dêste primeiro olhar da inteligência nascerá todo um código qe moral individual . Mas o homem não é só; cercado de outros homens que devem realizar também êles, a sua finalidade individual, im­ põe-se-lhe o respeito dos direitos alheios . Membro a prin­ cípio da sociedade doméstica, depois da sociedade civil, ambas indispensáveis ao seu desenvolvimento, a razão lhe mostra num complexo de relaçõ·es as condições indispensáveis à conservação e ao desenvolvimento destas coletividades .

O

estudo destas relações necessárias manifesta novas harmo­ nias, um ideal mais vasto, - a que nós chamamos moral social . Tudo isto revela-nos um; plano magnífico - mas ainda não obrigatório . Por êle já vemos o infundado da crítica do extrinsecismo que alguns laicistas formularam contra a mo­ ral tradicional - que êles com olímpico desdém chamam de

teológica. Nesta Irljoral, dizem, os deveres são impostos ao homem de fora, por um decreto arbitrário da divindade. Nada mais pueril do que semelhante concepção de deveres sem nenhuma relação com a natureza do homem . Não; é estu­

dando a natureza, - a nossa - e a dos sêres que nos cercam - que chegamos a conhecer o nosso dever . O conhecimento das leis biológicas e sociológicas - feito com todo o rigor dos métodos positivos, é parte integrante da nossa moral e , neste sentido, todo o trabalho sincero dos nossos adversá­ rios reverte indiscutivelmente em proveito nosso. A diferença está em que êles ficam a meio caminho e nós vamos, sen1 receio, até o têrmo das exigências racionais. �les levantam um edifício e não lhe dão alicerce. :íi:les formulam um pro­ , grama, mas não o podem im;por às consciências, porque mu­ tilaram a realidade total e nesta mutilação suprimiram o que nela é indispensável, o de que não se pode prescindir, o Abso­ -luto, Deus . Esta ordem - que resulta da harmonia das leis estudadas, não é para nós urna coincidêncja fortuita, res:ul­ tado de uma evolução cega ; é uma verdadeira ordem, isto

·


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADID

-

465

é, a expressão de uma inteligência, da inteligência supren1a

e criadora de que todos os sêres inelutàvelmente dependem

tanto na sua natureza quanto na sua existência .

Há no

mundo uma finalidade, há um plano divino � realizar, e dêste

pensamento divino todos os sêres são executores.

Uns, po­

rém, o executam necessàriamente ; as leis da sua natureza

determinam-lhe de um modo i�resistível tôda a sua atividade.

É to do o mundo físico, onde não há livre arbítrio.

Quando

chegamos ao domínio da inteligência, começa a liberdade .

Aos sêres livres se impõe outrossim de um modo mais nobre, mas não menos imperativo, a realização do pensamento cria­

dor. A' lei do homem j á não é uma lei física, mas uma lei moral,

impõe-se com a fôrça de um império divino, mas êste império

deve ser oõedecfdo com a espontaneidade de um ato livre .

Como a luz, se fôra livre, deveria querer iluminar, porque esta é a sua natureza; assim o homem, que de fato é livre; deve querer ser homem, . isto é, realizar todo o ideal de sua natureza, em tôdas as suas exigências individuais e sociais. "O estudo da moralidade reduz-se a esta questão mytafísica : Que será <;la eficácia e da direção do movimento impresso por Deus à criação no momento em que êle atinge o homem? "

(E. GILSON_, S. Th. d 'Aquin, Paris, 1925, p . 1 8 . ) Vêde a que alturas magníficas nos eleva imediatamente

a verdade salvadora ! Quão grande é a nossa dignidade e que

densa de gloriosas responsabilidades a nossa vida !

colaboradores de Deus !

Somos

Em nossas mãos Deus confiou uma

parte da realização do seu pensamento criador .

A mínima

, falta, a traição ao nosso dever, - é de certo rnpdo uma impiedade .

Aqui a moralidade se explicç-t plenamente e

toma um sentido que, fora desta concepção necessária, não

lhe é possível dar .

A. moralidade - é a crüição, isto é, " a

dependência total de Deus compreendida pela criatura quan­ do se torna inteligente. "

(RA, 1928,

p . 142.)

E como esta

dependência é completa e evidente à :r;azão - Deus é o ser

e tudo o que é fora c;lêle, só por liae é - o dever se impõe

·


466

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

à nossa consciência com a plenitude dé

Umtl evidência ful­

gurante e com o caráter infrustrável de um imperativo ca­

tegórico .

Eu não sou o meu único j uiz, nem o árbitro caprl­

choso de minhas ações .

Como recebi de Deus a minha na­

tureza humana, como d':í!rle recebi a minha existência, que

fêz passar esta natureza da ordem dos possíveis ao domínio

das coisas reais, recebi também uma função na vida : atual·

a vontade de Deus contida nesta natureza .

A mínha felici­

dade definitiva se acha essencialmente condicionada pela

fidelidade ao cumprimento da minha função !!a vida, do meu dever.

AsElim, às luzes que iluminam a inteligência se acres­

centa - como veremos, o estímulo das sanções inevitáveis

às energias da vontade .

Isto é inteligível, isto é completo, isto é consolador. Não

tenhamos mêdo de encontrar a Deus .

tle é o Absoluto , é o

Inevitável, o têrmo necessário de todo o sistema de .provas que sati:3faz .

Irapossível desconhecê-lo ou esquecê-lo sem

provocar catástrofes irremediáveis .

Não fôra êle Deus, a

Plenitude do Ser, se em retirando não ficara só a infinita

miséria do nada .

Não se entende o universo físico, na har­

monia de sua ordem, sem a Primeira inteligência, que tudo

concebeu ; não se explicam as belezas e as res�onsabilidades

. do mundo moral sem a Primeira vontade que tudo governa. para a realização de suas altas finalidaçles.

Para a nossa

grandeza, como para a nossa felicidade, o infinito se acha na

perspectiva de todos os nossos horizontes ; no têrmo de tôdas as avenidas do pensamento, de tôdas as aspirações do cora­

ção como de todos os deveres da consciência : Rio, 10-IX-929 .


l\10RAL LEIGA III A moral e a sanção

Com­

Idéia .de Deus - têrmo de tôda demonstração completa . paração do sol . O Q_l.l.e é sancionar . Problema da sanção : _a)

b)

indispensável indispensável

à à

eficácia da lei moral ; própria existência da lei moral .

Diversos �ipos de sanções . Classificação . .Insuficiência das sanções na tu r ais . Insuficiência das sanções socia�s . Insuficiência da consciência .

.•

. Só Deus pode sancionar plenamente a ordem moral . Efiéácia que à lei moral advém das sanções divinas . Acusação de utilitária e interesseira levantada contra a moral ca­ tólica . A graça - sanção da ordem moral - na presente economia da Providência . A.M.D.G. As

professôras do "Sacré-Coeur", 21-XI-929 .


Antes de entrar no assunto, duas palavras : uma de agradecimento, outra de convite . Agradeço-vos antes de tudo a fidelidade com que viestes regularmente assistir às nossas pequeninas reuniões . Não · deixa de ser consolador para um coração sacerdotal ver o . ínterêsse que tornastes pelo estudo de questões, que, áridas em si e abstratas, só apresentam o atrativo austero da verdade, mas desta verdade benfazej a e superior1 cuj o conhecimento mais importa ao homem . Ao obrigado, acrescento um convite . Como sabei�, já costumamos terminar as nossas reuniões com um retiro espi­ ritual, chave de ouro dos trabalhos do ano . Para êstes dias benditos de repouso e de paz, convido-vos com tôda a instância de minha alma . Mais aprovei�rels nestes três que em tôda a série das nossas modestas palestras mensais . E bom conhecer a verdade; mas a que pró, se nos falta a energia de realizá-la . O retiro é o foco criador de energias espirituais. A inteligência se eleva, o ideal se puri­ fica e resplende em tôda a sua beleza, a vontade tempera­ -se na fôrça de resoluções profundas e eficazes . Para a matéria de vossos propósitos recomendo muito particular­ mente o ensino do catecismo . Já vos falei urna vez desta grande obra de apostolado social . A fidelidade e o entu­ siasmo a muitas de�tre vós é já um penhor seguro do pro­ veito que ainda se poderá alcançar . Para o ano, se Deus nos der vida, começaremos desde o princípio a organização desta grande cruzada; cada uma, pois, nestes três dias de recolhimento e de sinceridade com Deus, dê um balanço


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE'

-

469

exato às suas ocupaÇões e à sua generosidade e veja leal­

mente o que é possível fazer por beus, pelas all:np,s dos seus pequeninos que vos foram confiadas .

DEUS É

SANÇÃO DA ORDEM MORAL

"A idéia de Deus, escreveu J. SIMON, é a encruzilhada

onde se encontram tôdas as avenidas do pensamento hu­

mano." Não há aprofundar u� problema, não há querer .

a última palavra de uma questão sem encontrar a solução

suprema, a razão última que condiciona todo o ser, o têrmo final de tôda a demonstração completa .

No mundo da luz, onde o sol é rei e causa suprema,

tudo o que brilha, a êle nos leva.

É a sua luz branca que os

se irisa nos mil cambiantes de tôdas as côres, de todos

esplendores da natureza ."

A púrpura das papoulas e o cetim

delicado dos lírios, a limpidez serena de Uinl olhar ingênuo e o cintilar vivo e metálico dos colêtes dos insetos revelam­ -nos a riqueza admirável que na sua limpidez pura encerra

a luz branca .

·

E do grãozinho· de poeira que cintila como

um brilhante no ar podeis, de ascensão em ascensão, de re­

flexão em reflexão, seguindo a traj etória luminosa, chegar ao supremo esplendor da primeira luz . Assirh Deus no mundo do ser .

Do pequenino átomo

que vibra nos espaços, do pensamento fugaz que perpassa

ligeiro no campo da consciência, podeis, nas asas seguras de unta lógica inflexível, elevar-vos de porquê· em porquê, de

razão suficiente em razão suficiente, até o ser Primeiro, razão suprema e absoluta de tudo o que é .

Assim como ser ne­

nhum pode. existir sem Deus� assim nenhum é, sem rue, plena­ mente inteligível .

Ê o que temos verificado de mtodo particular na ordem

moral .

As noções fundamentais que ela envolve e sem as quais fôra ininteligível, resolverr.v-se por último numa afir-· mação vitoriosa da existência indispensável de Deus .

A


470

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

moralidade supõe conhecido o ideal da vida humana .

Im­

possível orientar inteligentemente a atividade do homem, igno­ rando-lhe os destinos, a finalidade de sua natureza .

E

eis que nos aparece ilielutável o problema da vida futura. Deus como têrmo da nossa perfeição definitiva .

A moral é a ciência do dever. Impossível j ustificar a idéia de obngação estnta de consciência sem apelar para um ser

Superior ao homem e do qual ela dependa absolutamente. Dos

sêres que nos cercam nenhum atinge o santuário misterioso

da consciência para nela proclamar leis infrangíveis .

A si

mesmo, rigorosamente falando, ninguém se obriga .

Se a

fonte última da obrigação fôramos nós mesmos, com o mes ­

mo poder com que nos obr"'gamos, poderíamos lícita e logi­

camente desobrigar-nos. E a lei moral . j á não dominaria os

ind1 víauos, mas seria por êles dominada, isto é, cessaria de ser lei .

O império do dever que ecoa no fundo das nossas

con.:>b.ências ou é a voz soberana de Deus ou não tem ne­

nhum valor moral .

Há ainda uma terceira noção, também ela essencialmen­

te ind ...spensável à ordern m·nral : 8 a idéia de sanção. Demons­ trar-vos que é irr'[)OS3ível sancionar perfeita e eficazmente

a lei da consciênc1a sem · apelar p ara Deus - eis o que vos

proponho nesta última palestra .

Dai-me ainda uma vez a

benevolência da vossa atenção e sêde exigentes no rigor das provas .

Sancionar uma lei é etimolôgicam.ente torná-la santa,

isto é, inviolável ; subministrar à vontade motivos que lhe impe­

çam a tran _gressão, ou que,. depois de transgredida, lhe res­

tituam a integridade da ordem perturbada. É um sistema de

recorr..pensas e de penas montado pelo legislador para defesa

da lei .

A sanção é uma exigência fundamental da j ustiça; é

a

equação final, pela qual clamam todos os sentimentos da


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

47 1

nossa alma, entre o que queremos ser e o que devemos ser, entre a felicidade e a virtude .

Todos irresistivelmente queremos ser felizes ; todo ine�

tàvelmente devemos ser bons .

Como conciliar aos olhos da

inteligência e do coração estas exigências racionais e voli­ tivas

indestrutíveis?

Como

assegurar

aos

bons

a

posse

inamissível da felicidade .e cOimo defender a ordem per­ turbada pelos maus?

Eis em tôda a realidade trágica o

grande problema da sanção moral .

Da sua solução depende tôda a eficácia, tôda a existên­ É tôda

cia mesma do grande imperativo categórico do dever . a o rdem moral que está em j ôgo .

E que pensar de qualque.c

sistema que nos der uma resposta satisfatória às nossas exi­ gências racionais? Antes de tudo a s�a eficácia .

óbvio .

Lei sem sanção é lei pràticamente nula .

Nada mais O legis­

lador que se limitasse a · promulgar um código de prescrições

sociais sem lhe acrescentar U!ll/ código penal seria um ide'á­ logo cuj a ingenuidade passaria os limites permitidos .

É

proibido furtar ; vai o ladrão, apodera-se do que não é seu, e a autoridade contempla impassível e inerte a atuação tran­

qüil a do modo proibido de transferir assim as propriedades. Credes que uma sociedade assim poderia existir por muito tempo? Trahsportai agora a tôda a ordem moral esta indife­ rença suprema ante o dever e a injustiça. Imaginai que o mesmo resultado final igualasse os sacrifícios da virtude e as alegrias ruidosas do vício ; j ulgais porventura que esta con­ vicção da inutildade de todo esfôrço firm�da nas inteligên­ cias seria um estímulo eficaz à fidelidade ao dever ? Onde a lei moral encontraria súditos fiáis, se as consciên­ cias se chegassem a persuadir de que os dois caminhos tão diferentes, o do dever semeado de urzes, o do prazer mar­ chetado de :çosas, levariam à j ustiça niveladora da mesma igualdade definitiva?


/

472

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

Esta convicção, se ela pudera implantar-se realmente

nas consciências, tiraria à obrigação moral tôda a sua eficácia; mais, comprometeria até a sua existência. em última análise a lei moral?

Em que se funda

Na idéia de que vivemos e

agimos num universo ordenado . Nós homens temos uma fina­

lidade, um ideal humano a realizar. Tudo o que destrói ou di­

minui em nós êste ideal, tudo o que inverte as relações essen­ ciais necessárias à conservação da família, da sociedade, do

direito supremo dos outros homens a realizarem também êles os seus destinos, é um mal porque contraria a ordetrn, e a ordem é um bem, é um bem supremo que a nossa cons­

ciênca coloca acima dos nossos caprichos ou dos instintos e desejos desregrados do nosso egoísmo .

Mas quando me

dizeis que a ordem mjOral não tem um4 sanção suficiente e

completa, m;inais pela base todo o fundamento da morali­ Já não há mais ordem; ao universo pouco se ihe dá

dade .

a prática do bem e do mal porque no fim os nívela brutal­

mente ; por o u tra, não há um bem a realizar na atividade

universal das coisas; a ordem é uma ilusão, um� quimera,

e sacrificar-me a esta ordem, uma ingenuidade pueril .

Por qüe impor-me privações e desgostos para observar a

lei suprema da j ustiça e da caridade, se esta lei nunca há

de ser observada comigo, isto é, se à própria natureza é indi­

ferente a realização definitiva da ordem que se m.e pretende

impor?

Sacrificava-me pelo bem, por êle submetia-me por

vêzes ao heroísmo de abnegações profundas e pro'Iongadas na convicção de que o bem fôsse uma realidade, tivesse um

valor supremo, e triunfasse definitivamente na estabilidade de uma esplêndida vitória para a qual eu desejava cooperar com todos os recursos de minha liberdade . sanção, destruis irremediàvelmente todos tos lógicos da moralidade .

Suprimindo a

êstes

fundamen­

O bem j á não é a lei suprema

das coisas; o seu reino definitivo não chegará nunca; êste mundo marcha, mas a sua marcha é inconsciente, é cega, não nos leva a nenhum têrmo que satisfaça a nossa idéia


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

473

de j ustiça; a fidelidade se achará unida com o mal ; e a.

virtude poderá ser desgraçada sem compensações .

Não há

portanto u� ordem real ; esta ordem, em nome da qual se

me impunha o dever, é uma aparência, uma ilusão, um maL

Não há nenhum motivo para que eu a favoreça, para que eu a respeite, para que lhe submeta os meus atos .

Ela não

trabalha para o bem; se eu trabalho para o bem ela me

poderá esmagar definitivamen�e ; a virtude para ela não tem valor .

Que a felicidade se ache no m;al, e a infelicidade no

bem - é uma desordem inadmissível .

Se esta desordem é

real, só me resta uma solução ao · problema da vida .

em mim

Sinto

incoercível o desejo da felicidade : é um fato ; o

melhor caminho para lá chegar, eis o que para mim será o

bem .

Se para êste fim fôr mister conculcar tôdas as leis da /

caridade, da j ustiça, do respeito aos direitos alheios, pouco

se me dá.

Estas leis não estão a serviço do bem.

A luta

selvagem do meu egoísmo contra as fôrças coligadas e cegas que em redor de mim conjuram contra mim será o meio mais eficaz de �e defender contra a suprema injustiça das coisas que não me revoltam definitivamente, nem ante o escândalo do

pecador · feliz que violou a ordem universal em proveito dos

interêsses efêmeros do seu egoís�o, nem ante o escândal o do j usto infeliz que tudo sacrifica a esta ordem e por ela foi

tratado como todos os outros .

·

Como vêdes, moralidade e sanção são indissoluvelmente

solidárias; caindo uma, cai também a outra .

Não só porque

só a sanção oferece à vontade um estímulo eficaz à prática do bem e à fuga do mal, senão também porque a ausência da

sanção destrói, aos olhos da inteligência, os próprios prin­ cípios fundamentais da ordem universal que constituem a base

insubstituível

da

moralidade .

Todo

sistema,

por­

tanto, que n?.o der uma resposta satisfatória a estas exi­

gências racionais acha-se por isto mesmo não só condenado à

mais triste esterilidade prática mas ainda à inevitável con­ tradição lógica que é o ferrête inseparável do êrro .


474

-

A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Cumpre, portanto, sancionar a ordem moral, sob pena

de a destruir .

Os nossos próprios adversários, procurando

aqui ou ali uma sanção que lhes parece suficiente, não fazem

t;enão confirmar esta solidariedade indestrutível .

O que nos

importa agora é percorrer estas diferentes sanções e verifi­

car_,lhes a sua eficácia moral .

Nenhum sistema - coesão de partes solidárias - pode

mostrar-se indiferente diante de u ma ação que tende a des­ truí-lo ou a favorecê-lo . responde uma reação .

A tôcla ação, dizem os físicos, cor­

Agir, portanto, sôbre um sistema, ou

uma ordem solidária de coisas, é esperar naturalmente uma

reação

reação que será favorável a tudo o que se lhe

adapta ou tende a conservá-lo, que será de defesa contra tudo o que tende a destruí-lo. Esta reação, . na ordym moral, estJ. defesa da ordem, chama-se sanção.

Ora, o homem, por sua mesma natureza, acha-se em­ penhado em vários sistemas de ordens diversas . Pelo seu organismo, faz parte do grande sistema físico,

obedece às suas leis, que, seguidas, podem favorecê-lo ; trans­ gredidas, vingar-se duramente. E aí temos um sistema de

sanções naturais. Mais acima, o homem acha-se envolvido num sistema

mais complexo de relações com seus semelhantes ; na vida

em sociedade, por parte da coletividade, os seus atos pode­

rão despertar reações favoráveis ou desagradáveis :

são as

sanções sociais. Internamente, há em nós todo um mundo interior de

realidades psicológicas - idéias, sentimentos, tendências, que

atingem uma complexidade muito superior ao que ordinà­ riamente se crê .

Também aí as nossas ações poderão re­

percutir bem ou mal, mJuitas aprovações que confortam o u

remorsos que pungem .

Finalmente o homem se acha ainda envolvido na orde1n

universal, na que se pode chamar ordem divina .

Tôdas as

ordens inferiores, consideradas acima, não passam de ma-


A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

-

475

nifestações parciais da vontade divina na realização do plano

.criador .

Transgredi-las é portanto insurgir-se contra a von­ , E aí te:mos

tade divina ; submeter-se é colaborar c om elas.

outra fonte de sanções inelutáveis : Deus nao pode ser indi­ ferente à execução de sua vontade soberanamente indepen­

dente e sábia . A o rdem aqui violada será restabelecida e vin­

gada na medida que �le j ulgar j usto : eis o último sistema de

sanções : as sanções divinas.

Destas quatro grandes categorias de sanções, a moral

leiga, por princípio, sistem,àticamente exclui a quarta (é pre­ ciso construir uma moral sem Deus - só com fa tos) .

Ora,

a s 3 classes anteriores não nos podem . absolutamente satis­ fazer as exigências racionais da j ustiça, nem sancionar a moralidade de um modo eficaz e coerente .

As sanções naturais, j á o dissemos, são uma reação d as

leis da natureza contra · os que as transgridem . insistem principalmente os evolucionistas .

Sôbre elas

O homem acha­

-se envolvido numa trama complexa de leis físicas e biológi­

cas,

que . constituem um sistema harmônico

e

ordenado .

Imposs�vel perturbá-lo sem ser punido com um choque em

retôrno,

contra-ofensiva da

neste mundo se paga

ordem

que se vinga . . .

(dizia NAPOLEÃo. )

Tudo

Observar as leis

da ten:Jperança é prolongar as fôrças de uma saúde longa­

mente j ovem . ganismo.

Os excessos de prazeres enfraquecem o or­

A natureza, como castiga inexoràvelmente o vício,

assim recompensa a virtude .

Basta um minuto de reflexão para saltar logo aos olhos

a insuficiência das sanções naturais ; sanções se quiserem

no sentido genérico de reação da ordem natural contra o agente que a pretende perturbar, mas evidentemente inca­ pazes de constituírem o que nós chamamos uma sanção

nwral. A noção mais rudimentar de j ustça exige que a reinte­

gração da ordem moral sej a proporcionada à culpabilidade

ou merecimento do agente ; ora, a natureza é cega, a intenção


476

-

A FORMAÇAO DA PERSONALlDADE

de que depende em grande parte o valor do ato humano

escapa-lhe inteiramente; a natureza não é livre, é portanto in­

capaz de dosar, na j usta proporção, os seus castigos e o s

seus prêmios .

De fato que é o que vemos?

As mais flagrantes inj us­

tiças na distribuição das sanções naturais.

Um organismo

robusto pode impunemente entregar-se por longo tempo a o vício sem ressentir as suas devastações biológicas, um corpo franzino e raquítico com menos culpas é mais flagelado

Saem n� mesma noite de temporal o médico para fazer

um ato de caridade e o bandido para cometer os seus crimes : êste, mais afeito às intempéries, volta são e salvo ; o médico apanha uma pneumonia que o leva para o outro mundo. O terremoto de Lisboa sepultou inúmeros ·cidadãos inofensivos e libertou os presos condenados por grandes delitos .

exemplos poderiam m;ultiplicar-se infinitam€nte .

E

os

Com sin­

ceridade, quem poderia sustentar que os desastres ocasio ­

nados pelos

agentes físicos, que as enfermidades humanas

atingem as suas vítimas na proporção da sua culpabilidade moral?

Não atingem ne� poderiam atingir .

O que a natu­

reza entende é conservar a ordem física, na ordem biológica, é salvar a espécie, em ambos os casos, o que está a cargo da

natureza é a ordem material.

Por uma orientação primitiva,

podemos ainda dizer com mais precisão - que esta ordem material está o serviço do bem, mas não do indivíduo que faz

o bem.

Sem inteligência e sem liberdade - a natureza é

uma coisa, um mecanismo, não é uma pessoa, um agente

moral .

As suas sanções - por isto mesmo, não são nem

podem ser sanções de ordem moral . Nem satisfazem mais as chamadas sanções sociais. Com

êste nome podemos designar os atos da autoridade civil n o

exercício normal d a repressão d o crim€ e a s reações espon­

tâneas de estima ou desprêzo com que o grupo ou a coletivi­ dade se portam diante da virtude e do vício.

Praticai o bem,

dizem-nos, tereis como recompensa a estima, a simpatia de


A Ji'ORMAÇAO DA PERSONALIDADE

-

477

vossos concidadãos; evitai o mal que é mais penoso e duro

para o delinqüente do que a execração pública que estigma­ tiza o vício .

Sanção, se quiserem, em um ou outro caso, j usta e eficaz,

quase sempre, porém insuficiente e quase pelas mesmas ra­

zões que as sanções n�turais .

A opinião pública não atinge

a consciência individual, a intenção de que depende a bon­

dade das nossas ações .

A humildade da virtude sabe ocultar­

-se ; a hipocrisia do vício sabe iludi-la. E que há de mais in­

competente e de mais volúvel que a ventoinha da opinião

pública ?

Non e il mondan romore altro che un jiato

D i vento, ch'or vien quinci ea or _v ien quindi E muta nome perche muta lato.

(Purg . XI,

100-102 . )

A opinião pública hoj e grita hosana e cinco dias depois clatnja crucifige. Olhai elllj tôrno de vós, e vereis se há equa­ ção entre a virtude e a glória?

Quase sempre a grandeza

mural está · em resistir aos desvios e à fascinação momentâ­

nea das paixões populares .

Mais, o rumor das praças ocupa ­

-se com os que se põem em evidência .

A pobre mãe de famí­

lia que passa a sua vida, silenciosa e obscura, heróica talvez

na fidelidade constante aos humldes deveres de cada dia, a

glória ou popularidade a desconhece : dela não se falará nen1 bem nem mal .

Da sanção legal, creio que se me disp.ensará grande luxo

de considerações, tão evidente é a sua insuficiência .

O

gendarme· - e sob êste nome vai tôda a legalidade armada

contra o crime desde o supremo tribunal até o carcereiro,

-

ordem moral ; nos casos mais felizes defenderá a lei civil

-

o gendarme não pode tom-ar sôbre si a defesa j usta de tôda a e quase sempre mal .

Quem rouba uma galinha vai para a

cadeia; quem rouba uma província recebe uma coroa de

louros. Em todos os grandes processos célebres na história, a


478

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

sentença dos contemporâneos foi pela posteridade argüida de injustiça .

�sses ilustres réus poderiam repetir o que nos

lábios de Maria Stuart, uma destas grandes vítimas, pôs

ScHILLER : Ich bier besser als main R uf. (Maria Stuart, ac. III,

se .

,

4.)_

Numa palavra as fôrças sociais, como as potências cós­

micas, não têm meios de atingir a f9nte íntima da morali­ dade ; são incapazes de discernir com infalibilidade o bem e o mal e proporcionar eficazmente os castigos e as recompen­

sas à dose das responsabilidades individuais, e stão suj eitas às m;il influências dos erros e paixões humanas .

A orde1n

moral ainda não está garantida, ainda não se acha satisfeito o nosso sentimento de j ustiça .

Satisfá-lo-á talvez a sanção íntima da consciência, refú­

gio supremo da moral sem D€us? que sim .

A

primeira

vista, parece

A consciência é um fato interior, individ.u al ; atin­

ge o ato livre. na sua fonte, nas suas intenções mais recôndi­

tas .

Não haverá aqui proporção entre a moralidade dos nos ­

sos atos e a intensidade de sua sanção?

Parecem crê-lo os

que afirmam em belas páginas - de uma inspiração certa­

mente elevada - que a única recompensa digna do dever é a consciência de o haver cumprido .

E no entanto um exame mais profundo e sereno, fàcil­

mente nos convencerá do contrário. Como as outras sanções,

as satisfações e os remorsos da consciência são insuficientes como tu tela da ordem moral .

Antes de tudo, ações há que ela não atinge : a última

de tôda a vida humana .

O nosso último ato livre - ao qual

se seguiria por hipótese a extinção completa da consciência, escaparia à sua j urisdição .

Se fôr um crime - um suicídio,

por exemplo, o remorso não o há de punir ; se fôr um ato he..

róico - o soldado que cai varado por uma bala no campo de batalha, o nadador que se atira para salvar uma vítima e

morre dando a vida, a consciência extinta para êle não terá

louvores; o suicídio e o martírio, a cobardia levada à des.:.


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE·

-

479

truição da própria vida, a dedicação levada até a imolução de si mesma - dois extremos na vida moral, ficariam sem sanção . Mais .

As sanções da consciência intensificam-se - no­

tável pardoxo ! - na razão inversa do nosso aperfeiçoamento moral .

O criminoso que multiplica as suas iniqüidades cmno

quem bebe água

(na expressão da Escritura)

terizando a sua consciência . impressiona.

acaba cau­

O que se torna habitual já não

A' voz do remorso à fôrça de reprimida e des­

prezada acaba por e-mudecer ou quase; reina a insensibilidade numa consciência anestesiada pelo cinismo .

O virtuoso, pelo

contrário, quanto mais se esforça por atingir um ideal de san­ tidade, mais sofre da desproporção irremediável entre a per­ feição entrevista e a mesquinhez das suas realizações .

Não

há gritos de dor mais lancinantes como os que sairam dos corações dos santos, das almas místicas, a quem uma visão mais clara da santidade infinita de Deus ilumina, de luzes desconhecidas, as almas vulgares, a fealdade dos nossos des­ vios morais .

E aí tendes esta paradoxal inversão �as san­

ções internas : remorsos mais amargos nas almas que o pro­ gresso no bem torna mais exigentes e severas consigo ; tran­ qüilidade cínica nas consciências endurecidas pela repetição do mal .

E tudo ainda não está dito . As consciências estão tam­ bém suj eitas a mil variações acidentais alheias à ordem da ríloralidade.

O nosso meio i�lterior, o nosso microcosmo, sofre

tôdas as vicissitudes do cosmo externo .

A sensiblidade mais

delicada ou mais embotada depende do sistema nervoso e êste

e�tá

sujeito

caprichosas .

a

influências

fisiológicas

�omplexas

e

Quem ousasse afirmar que as penas e as ale­

grias internas são proporcionadas aos graus de virtude e de vício, não conheceria o coração humano .

A nossa vida inteira

está também ela sujeita à desordem, à irregularidade, às va­ riações acidentais, e onde entram a desordem, e a irregulari-· dade não temos ainda o domínio definitivo da ordem moral.


480

-

A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE I

A consciência, portanto, isto é, a ordem psicológica, como a ordem social e a ordem física, não correspondem nas suas reações aos estados do agente moral .

Sem transcendermos

a ordem natural não conseguimos assegurar de uma ma­ neira eficaz e j usta a felicidade da virtude e o castigo do vício. Um sistema ético que não tiver outros recursos que os exa­ minados até aqui ofende às nossas exigências racionais de juStiça, solapa os fundamentos da ordem, compromete ine� vitàvelmente a vida moral .

É preciso subirmos mais alto .

As considerações feitas j á

nos indicam o s requisitos indispens'áveis a uma sanção para ser verdadeira, suficiente e eficaz .

O princípio que há de

velar pela moralidade deve ser uma inteligência, inteligência infalível que desça até ao fundo das consciências e aí possa discernir, sem possibilidades de êrro, ó grau de responsabili­ dade do agente moral em cada uma de suas ações l_ivres .

In­

teligência infinitamente sábia e santa, superior a tôdas as in­ fluências perturbadoras das paixões, que, no seu amor indefec� tível da j ustiça, não leve os prêmios e castigos além dos méritos e deméritos . Inteligência infinitamente poderosa, os

superior a todos

agentes naturais, físicos, sociais e ll10rais, capaz de os

dominar inteiramente, para que as al� grias e penas que delas nos podem advir não excedam as exigências da recompensa ou da penalidade ; senhora ainda do coração humano para poder nêle assegurar definitivamente o reino do bem, isto é, da felicidade na virtude . Ora, um,a onipotência inteligente e santa, postulada ló­ gicamente para coroar a moralid�de humana - já vós a nomeastes - é Deus .

Só �le pode sancionar j usta e eficaz­

mente as harmonias sublimes do mundo moral .

As sanções

naturais - as leis biológicas, sociais e às vêzes da consciên­ cia _:_ tomam aqui outro relêvo; instrumentos da Providên­ cia que tudo governa, assumem de fato muitas vêzes o ca­ ráter de uma verdadeira sanção . _ Não é, porém, nesta vida

,


A FORMAÇAO DA PERSONALIDADE que Deus assegura a integridade da sua j ustiça .

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481

O reino de

Deus, na nossa bela linguagem: evangélica, é o reino defi­

nitivo da j ustiça e do bem - o reino em que as inevitávcls sanções morais corresponderão às nossas mais profundas as..

pirações de ordem, o reino em que se fará a síntese indisso­

lúvel do que devemos ser com· o que queremos ser, da vir... tu de com a felicidade .

A necessidade destas conclusões ra­

cionais impressionou profundamente o próprio KANT :

Deus

e a vida futura ; · Deus para fazer definitivamente feliz ; a bon­

dade, a imortalidade para assegurar a possibilidade desta

união indestrutível, ao solitário de Konigsberg se afiguram como postulados indeclináveis da moralidade h umana.

E não é só nos seus funda�entos de ordem, nas suas exigências de j ustiça que assim· se garante a lei moral, é também e principalmente na sua eficácia prática.

Aqui a

vitória sôbre os adversários é tão fácil e intuitiva que até

inSistir sôbre ela não séria elegante e generoso .

Por nós temos aqui o grande testemunho da história

que nos mostra, na evolução dos povos, a crise da morali­ dade a coincidir com o entibiamento da vida religiosa .

Tôdas

as vêzes que a idéia de Deus vai empalidecendo nas inteli­

gências, indivíduos e povos rolam para os abismbs ; a lei do dever - que ê a lei do hoiU€m, perde a sua eficácia preser­

vadora; ao espírito de sacrifício e. de dedicação sucede o egoís­ Ino, e as exaltações do egoísmo desencadeado levam direito à anarquia, à dissolução e à morte .

Por nós teríamos o testemunho de tôdas as almas sin�

ceras que só teriam: uma voz para nos dizer que nos mo­

mentos difíceis da vida moral, quando as tentações sacodem

a fragilidade das nossas virtudes, quando a fidelidade ao bem exige heroísmos de mártir, heroísmos ou pela grandeza do

sacrifício ou pela diuturnida_,de obscura das imolações coti­

dianas, mais pode sôbre a nossa consciência o pensamento

de Deus que tôdas as considerações frias, abstratas e esté­ reis de beleza estética ou de solidariedade social .


482

- A FORMAÇAO DA fE�SONALIDADE

Por nós teríamos ainda a confissão explícita dos mais ilustres dentre os nossos advérsários aos quais a fôrça da verdade arrancou depoimentos valiosos de uma imparciali­ dade insuspeita . JuLEs SIMON : "Se a Igrej a se retirasse para o deserto, levando · consigo o seu catecismo e todos os raios da verdade cristã, voltariam à terra todos os horrores do paganismo e da escravidão antiga." RENAN : ·F ora das crenças divinas não vê o meio de dar à humanidade um cate­ cismo moral aceitável. (Avenir de la science, pref . , p. 18.) E . ScHERER : "Saibamos ver as coisas como elas são : a moral, a boa, a verdadeira, a antiga, a imperativa, precisa do Abso­ luto; aspira à transcendência; só em Deus encontra o seu ponto de apoio." .( Ap . A . SERTILLANGES, Les sources, etc., p. 293 . ) Sim ; sem Deus não há ponto de · apoio, nem para o mundo físico, nem para o mundo moral .

Sem: Êle. : a vida

humana não tem Ideal ou o ideal é uma ilusão ; sem Êle não há dever ou o dever é uma palavra vã; sem{ Êle não há sanção e a virtude infeliz se!rll esperanças é um insulto à razão e à dignidade do homem . A moral leiga, pretendendq organizar a nossa atividade, como se Deus não existira, é um:a moral sem ideal, sem dever e sem felicidade, isto é , não é moral ; absurda em teoria, estéril na pràtica. Antes de terminar, · unia resposta a uma objeção que .

j á se fêz à nossa moral cristã e tradicional . Moral in teres­ seira, disse alguém . C'om a esperança do céu, ou o espan­ talho do inferno, vós tirais ao agente moral o segrêdo de

sua fôrça e dignidade . Fazer o bem• por esperança de prê­ mios ou temor de castigos não é nobre . OI bem pelo bem ; O· dever pelo dever . Sair dêsse ideal é degenerar, é pregar uma moral interesseira, utilitária, egoísta . Moral interesseira! Egoísmo ! Egoístas então estas le·· giões de mártires que davam generosamente o seu sangue para salvar a liberdade de suas consciências inabalàvelmente


A FORM.A:ÇAO DA PERSONALIDADE

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483

Egoístas êstes milhares de mJissionários

fiéis ao seu dever .

e . m1ssmnanas que deixam· os seus lares, as suas pátrias, todo o confôrto das grandes civilizações européias para vi­ veremj na pobrezà e no sofrilrrento, sem outra consolação que a de dedicar uma vida inteira à salvação física e moral dos seus irmãos mais desamparados .

Egoístas êstes exércitos

de religiosos e religiosas, cristãos e cristãs de tôdas as catego­ rias que, nos colégios, nos hospitais, no orfanotrófios, nos asilos, não vivem senão para diminuir as devastações do mal e verter uma gôta de . bálsamo sôbre tôdas as misérias que o pecado multiplica na humanidade decaída !

Oh! é

preciso ter uma fronte de bronze para atirar a pecha de egoísta e interesseira a uma moral que inspirou e alimen­ tou os mais belos heroísmos de que se pode gloriar a histó­ ria das nossas civilizações !

E a moral leiga ! irmãs de caridade !

Onde estão os seus mártires e as suas

Por que os seus pregadores não voam nas

asas de seu heroísmo às ilhas perdidas da Polinésia, para civilizar, · sem remuneração, êstes pobres povos primitivos? Por. que não vão enclausurar para sempre os fervores de sua dedicação no túmulo vivo dos nossos leprosários?

Ah ! um

pouco de pudor não destoaria nestes senhdres que ousam tachar de mercenária a mpral que inspirou os mais dedica­ dos heróis ! .

.

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É j usto o movimento de indignação ; mas vamos à se­ renidade das razões e respondamos diretamente à dificul­ dade, nascida da mais radical incompreensão da nossa moral.

Há espírito de mercenário quando se pratica o bem, o dever não pelo dever e pelo bem, mas por um prêmio extrínseco .

que

lhe é

A criança que estuda exclusivalnente porque

mamãe lhe pro�eteu u� bicicleta; o militar que serve à pátria exclusivamente pelo sôldo que se lhe paga .

Mas ima­

ginar o céu como um salário, um sôldo, um doce que se pro­ mete a uma criança indócil é a mais ridícuia e pueril das


484

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A

FORMAÇAO DA PERSONALIDADE

concepções .

O céu - é a perfeição integral, completa e defi­

nitiva da nossa natureza ; nada aí nos é extrínseco e alheio ao nos&o bem : o céu é a nossa inteligência elevada à perfei­ ção da posse definitiva da verdade com exclusão de qualquer �rro, dúvida ou ignorância ; o cáu ' é a vontade inamovlvel­ mente fixa no amor à Bondade Infinita sem risco de desvios lamentáveis ou de amores desordenados ; o céu é a paz supre­ ma e inalterável de tôdas as faculdades a repousarem na posse dos seus objetos realizados de um modo supereminente no· Infinito, que encerra tôdas as perfeições no alto puro de sua simplicidade inefável .

A virtude pela virtude ; a perfeição

pela perfeição : aceitamos a fórmula à qual só nós po,demos dar uma significação racional e efica_z. É nobre e belo trabalhar pela própria perfeição, pela expansão harmoniosa .de tôdas as virtualidades da nossa natureza?

É o que fazemos quando

�rabalhamjos pela posse de Deus, na paz da eterna bem­ -aventurança. "Tôdas as vêzes, diz profundamente S. ToMÁS ,

que uma ordem é instituída em vista de u1n fim, é necessá­

rio que � fidelidade a esta ordem conduza ao fimi, como sair dela sej a excluir-:-se dêste mesmo fim. "

A ordem moral -

orienta a nossa atividade para a perfeição da nossa natureza ; obedecer-lhe é a..tingir esta perfeição; e � posse da perfeição de um ser é a sua suprema felicidade; sair da ordem moral é

pôr-se fora do calJliinho que nos leva aos nossos destinos ; é para

um ser a perda de sua finalidade, de sua razão de ser, é

a sua suprema desgraça .

Se quisermos integrar a grandeza dos planos divinos, acrescentando à ordem natural que estudamos os mistérios

ordem sobrenatural que ·a fé nos revela, diremos que a

verdadeira sanção da ordem mpral está na graça, nesta reali­ �ade inefável que constitui um título à nossa participaç �o

na felicidade definitiva.

Cada ato bom que praticamos au..

menta o nosso tesouro divino, e quando, no último instante da nossa vida, houvermos atingido, com uma fidelidade nun-


ca desmentida, a plenitude da nossa estatur

lnot·nl ,

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mensageira da liberdade e porta da vida. t ra ns 1'orn t u ·ft uu Lo màticamente a graça em glória, como o botüo d Hll.bt'O<'l m em rosa, consumando as harmonias maravilhosas da o ·d n1 moral pela união indissolúvel da virtude com a felicidade. A. M . D. G. Rio, 4-XI-929 .


íNDICE Formação . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .,. . . . . . . . . . . . . . . . 7 16 Escola única 19 . . . . . . ,. . . . . . . . . . . . . . . . . Educação 34 Educação sexual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . 37 Educação social . O direito de educar . . . . . . . . . . . . . . . .. 54 Unidade e dispersão em. pedagogia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 70 Progresso e tradição em pedagogia ,. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Escola nova e pedagogia social .. . . 89 Pedagogia social - I . . 105 Pedagogia Social ·- li . . . . . . . . . . ....... 122 Pedagogia socialista . · t· . . . . . 141 O pensamento social . . . . . . . . . . , . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . ,. . . . 158 Unidade da pedagogia católiêa ,. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 Renascimento da pedagogia católica . . As responsabilidades do educador . 1 193 201 Sôbre o manifesto educacional . . 212 O ensino no Brasil 217 Humanismo e idade moderna . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230 ·:· . . . . . Política educacional . L 238 D.Lscurso na inauguração de uma séde de escotismo . . . . . . . . . . Meditação 245 , 255 Escola leiga - I . 272 Escola leiga - II . 292 Escola leiga - III ( a) . . . . . . . . . . : . ., 311 Escola leiga - III (b) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 331 Ensino do catecismo , . . . . . ., . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 348 Ensino religioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , 364 Leituras - I e II . 382 Leituras - III . . , . . . . . .1 392 Leituras - IV . ,. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • 402 Ação católica e educação . . . . . . . . . . . . ,.. . . . . .1 418 Ação católica no campo escolar . !,{()ral leiga - I . ,._ . . . . . , 433 450 MOral leiga - II 467 MPral leiga - III . .• . . . ., . .

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