Monte Alegre: do açúcar ao patrimônio

Page 1







Lucas Dias Prezotto Orientado por Aline Montagna da Silveira

MONTE ALEGRE: DO AÇÚCAR AO PATRIMÔNIO PROPOSTA DE DIRETRIZES E REQUALIFICAÇÃO

Trabalho Final de Graduação Ênfase em Espaços Abertos FAUrb l UFPel Pelotas, 2018


Agradecimentos Aos meus pais, Jorge e Maria, por proporcionar oportunidades fundamentais para o meu crescimento pessoal e profissional. A minha orientadora Aline e a todos os docentes que contribuíram na construção do arquiteto e urbanista que me torno, por todo o estímulo e paciência ao compartilhar o conhecimento. Aos colegas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas e da School of the Built Environment da London South Bank University, por todo o apoio intelectual e psicológico ao longo dessa jornada. Aos meus amigos, aqueles que me acompanham de perto ou de longe, pelo suporte e carinho que me acolheram inúmeras vezes.


“Foi proferido, em seu melhor feitio, que a preservação engaja o passado em uma conversa com o presente sobre uma preocupação mútua pelo futuro”. (MURTAGH, 1988)



SUMÁRIO INÍCIO .......................................................................... 15 I. INTRODUÇÃO MONTE ALEGRE ..................................................18 USOS E VALORES ............................................. 20 O RIO ........................................................................... 24 ASPECTOS DO BAIRRO ................................. 27 TEMÁTICA ............................................................... 30 METODOLOGIA .................................................... 31 II. APROPRIAÇÕES EMBASAMENTO TEÓRICO ......................... 34 LEGISLAÇÕES ...................................................... 38 REFERÊNCIAS ...................................................... 42 III. ANÁLISES URBANAS O TERRITÓRIO ..................................................... 52 A TIPOLOGIA E O TEMPO ........................... 66 IV. PROPOSIÇÕES PRÉ-SETORIZAÇÃO ........................................ 76 AS DIRETRIZES .................................................... 78 ENCAMINHAMENTOS ................................... 80 ANEXOS .................................................................... 81



LISTA DE ABREVIATURAS CODEPAC - Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo GEO Piracicaba - Geoprocessamento Corporativo da Prefeitura do Município de Piracicaba IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IHGP - Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPPLAP - Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba OJI - OJI Papéis Especiais LTDA VCP - Votorantim Celulose e Papel

13


14

Bairro Monte Alegre, 1917. Fonte: Acervo do CODEPAC


INÍCIO

O presente trabalho apresenta uma proposta de plano de diretrizes para dar subsídios à gestão da poligonal de tombamento do bairro Monte Alegre, localizado no município de Piracicaba, no interior do estado de São Paulo. O tema foi escolhido para o desenvolvimento da primeira etapa do Trabalho Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo. A regulamentação de áreas com bens tombados é um tema complexo e importante, mas ainda pouco difundido e explorado em muitas cidades brasileiras. A relação que a cidade desempenha com essas áreas na maioria das vezes é ineficiente, tanto para o patrimônio, quanto para a população que ali vive. O interesse por este tema foi reforçado durante um estudo desenvolvido dentro do Curso de Arquitetura e Urbanismo para a poligonal do Complexo Rheingantz, área que inclui a antiga Fábrica Rheingantz e Vila Operária, bem como o sítio ferroviário na cidade de Rio Grande/RS. Esse estudo resultou na proposta de um plano de regulamentação para a área e seu entorno, de uma forma a permitir o desenvolvimento dos espaços sem o comprometimento do patrimônio edificado e das áreas de importância ambiental. A partir da análise do território e do material disponível, buscou-se compreender como ocorreu a ocupação do bairro Monte

15


Alegre, envolvendo inicialmente os grandes latifundiários paulistas do século XIX, e posteriormente a Usina Monte Alegre. À essas análises foram incorporadas discussões teóricas e documentos sobre a preservação de bens tombados, como a característica da paisagem cultural, conceito norteador para essa proposta, e as Cartas Patrimoniais pertinentes ao estudo. Além dos conceitos teóricos, o trabalho também apresenta as legislações consideradas relevantes sobre o tema: o artigo 216 da Constituição Federal que define e amplia o conceito de Patrimônio Cultural Brasileiro; o Decreto Lei N° 25 de 1937; as demais leis pertinentes ao objeto de estudo nos âmbitos nacional (IPHAN), estadual (CONDEPHAAT) e municipal (CODEPAC). As obras referenciais escolhidas tratam de temáticas semelhantes, abordando questões relativas a regulamentação de áreas protegidas: o primeiro caso é o das diretrizes implementadas para o conjunto histórico e paisagístico de Jaguarão, no Rio Grande do Sul. Os dados do levantamento de campo e a pesquisa sobre a evolução urbana da cidade possibilitaram distinguir setores morfológicos na área de interesse. Percebeu-se a necessidade de ações diferenciadas para a preservação de cada setor, já que possuem características próprias; o segundo exemplo é o da cidade de mineração de Lota, no Chile. Para

16

solucionar a preservação das edificações industriais remanescentes, a cidade criou um circuito turístico patrimonial que abraça a principal via do local, funcionando como um eixo para o acesso às edificações de interesse. Nesse caso destaca-se a participação maciça da população no processo, já que os usos destinados aos edifícios tombados levaram em consideração a opinião dos moradores; por último, o exemplo de Paranapiacaba, em São Paulo. O próprio Plano Diretor da cidade é o principal instrumento de preservação, uma única lei que possui um conjunto de diretrizes, instrumentos e parâmetros urbanísticos e ambientais específicos à sua realidade. Assim, busca-se identificar setores diferenciados no sítio em estudo, a partir de sua história, configuração morfológica e análise tipológica arquitetônica, elementos urbanos e naturais neles contidos, e também pelas diferentes formas de apropriação do espaço. A caracterização de cada setor encaminhará a elaboração das diretrizes que visam a preservação do conjunto, principal objetivo da segunda etapa desse estudo. Elas servirão para nortear novos projetos propostos para os espaços que serão protegidos e recomendar ações necessárias para a requalificação dos mesmos, de forma a potencializar as “vocações” já existentes dentro da área.


INTRODUÇÃO

Usina Monte Alegre, 2018. Fonte: Acervo do autor


ABA RIO PIRACIC

0 18

100

200


MONTE ALEGRE O bairro Monte Alegre localiza-se na margem esquerda (sul) do Rio Piracicaba, região Leste do município, e está distante cerca de 6 quilômetros do centro da cidade. O acesso principal a área dá-se através da estrada Monte Alegre. É um sítio urbano acidentado, onde a área ocupada do bairro está localizada em um plano inclinado, com a parte mais baixa na margem do Rio Piracicaba. O bairro, anteriormente industrial, vem passando por um processo de transformação nos últimos cinco anos, período onde parte da área urbana e das edificações históricas foram restauradas. Apesar do novo caráter que a área vem adquirindo com estabelecimentos voltados ao comércio, o bairro ainda abriga uma população de aproximadamente 450 pessoas nas unidades residenciais das antigas vilas operárias, implantadas na época da Usina.

Mapa do Bairro (A) Fonte: CODEPAC, adaptado pelo autor. 19


USOS E VALORES

20

A paisagem cultural do bairro Monte Alegre resulta no sítio histórico urbano formado pela antiga usina, vilas operárias e edificações de serviço que foram constituídas na área da antiga Fazenda Monte Alegre, sendo algumas adaptadas em edificações remanescentes, a partir do início do século XX. As terras da Fazenda Monte Alegre passaram, ao longo do seu período de constituição, pela sucessão de inúmeros proprietários, principalmente por uniões matrimoniais ou vendas. Entre eles estão os grandes donos de terras do estado de São Paulo, homens de prestígio político e social, como por exemplo José da Costa Carvalho, o Marquês de Monte Alegre (ELIAS NETO, 2002 ¹). Conforme demonstra Cachioni ² (2006 apud TERCI, 19913), desde o início a fazenda se especializou no cultivo da cana-de-açúcar e produção de açúcar e aguardente. Segundo o levantamento de Torres (1975) 4, no tombo de 1817 constava, em Piracicaba: “264 fazendeiros, sendo 35 senhores de engenhos e 893 escravos. A maioria dos engenhos e ‘fábricas de açúcar’ está à margem esquerda do Rio Piracicaba...”. A formação inicial do patrimônio construído deste sítio institui-se no início do século XIX. Em 1824, foi realizada a unificação das fazendas Monte Alegre e Taquaral, o que originou o Engenho Monte Alegre. Em 1887, incentivados pela Lei imperial n° 1237 de 1870,


Monte Alegre: Fazenda à margem do Rio Piracicaba. Aquarela de Miguel Durra, 1845. Fonte: Acervo do Museu de Arte de São Paulo.

o então proprietário Dr. Costa Silveira e sua esposa Virgínia adquiriram as máquinas necessárias para a transformação do pequeno engenho colonial em um Engenho Central, porém a produção do mesmo ainda era inferior a do Engenho Central de Piracicaba, fundado em 1881 pelo Barão de Resende (TERCI, 1991). Piracicaba manteve constante a produção da lavoura canavieira, mesmo no período de expansão do café no interior do Estado de São Paulo. Esta continuidade, chamada de “tradição da cana-de-açúcar”, proporcionou o desenvolvimento da agroindústria canavieira no início do século XX. Segundo o “Almanaque de Piracicaba de 1900” 5, o açúcar de nossos

engenhos estava ‘entre os melhores do Brasil’. Em todo o município, a produção era de 35 mil arrobas anuais, através de cerca de 80 engenhos. Na década de 1910, Pedro Morganti organizou a Companhia União dos Refinadores e foi iniciada a consolidação e expansão do empreendimento que transformou o Engenho Central na Usina Monte Alegre. O Jornal de Piracicaba, de 04 de agosto de 1908, se referindo ao bairro, mencionou que o Engenho reunia uma população de 900 pessoas e cerca de 200 mais que trabalhavam na fazenda (BALLEIRAS, 2003 6). Segundo Cachioni (2006), a Usina Monte Alegre era uma comunidade rural organizada com aproximadamente 1.709 moradores, da própria Usina, e 1.169 provenientes de outras fazendas do município. Foi então formado o bairro de Monte Alegre, que contava com condições comunitárias de educação, saúde e lazer. Os moradores de Monte Alegre dispunham de armazéns, padaria, farmácia, barbearia, torrefação de café, bar, cinema, entre outros serviços. Segundo Carradore 7 (1996), em 1953 é implantada uma fábrica de papel e celulose junto às instalações da Usina. Por volta de 1960, a Usina Monte Alegre passou por um processo de diluição do seu patrimônio, e em 1971, a família Silva Gordo assume o empre-

21


endimento, que passa a se chamar Indústria de Papel Simão S/A. A desativação da Usina ocorre em 1981, e a partir de 1992, parte das suas instalações passam a ser incorporadas a fábrica de papel, comandada pelo grupo Votorantim. Atualmente a fábrica pertence ao grupo japonês OJI.

1 ELIAS NETO, Cecílio. Memorial de Piracicaba. Almanaque 2002-2003. Fascículos 10 e 11. Piracicaba: IHGP e Tribuna Piracicabana, 2002. 2 CACHIONI, Marcelo; LIMA, Caio. Cartilha do Patrimônio Cultural de Piracicaba. Piracicaba - SP: DPH IPPLAP, 2006. 3 TERCI, Eliana Tadeu. A Agroindústria Canavieira de Piracicaba: Relações de Trabalho e Controle Social 1880 a 1930. Dissertação (Mestrado). PUC São Paulo, São Paulo, 1991. 4 TORRES, M.C.T.M. Aspectos da evolução da propriedade rural em Piracicaba no tempo do Império. Piracicaba: Academia Piracicabana de Letras, 1975. 5 Almanaque de Piracicaba, para 1900. Tipografia Paulista. Piracicaba, SP. 6 BALLEIRAS, Mary Helle Moda. Usina Monte Alegre - um breve histórico do lugar. Manuscrito. 2003. 7 CARRADORE, Hugo P. Monte Alegre. Ilha do Sol. Piracicaba: Shekinah Editora, 1996.

22

Início século XIX

Fundação da fazenda Monte Alegre (início séc. XIX) União das fazendas M. Alegre e Taquaral (1824) Engenho Central do Monte Alegre (após 1870)


Fonte: Acervos OJI e IHGP

Início século XX

União dos Refinadores (1910) Usina M. Alegre (déc.1910) Igreja de S. Pedro (1930)

Metade século XX

Fábrica de papel (1953) Formação do bairro Monte Alegre (déc. 1960)

Final século XX - século XXI

Unidade família S. Gordo (1971) Desativação da Usina (1981) Unidade VCP (1992) OJI (2011)

23


24

Ponte do Morato, data desconhecida. Fonte: Acervo IHGP


O RIO

O rio Piracicaba é o elemento associado ao início da formação urbana do atual município de Piracicaba. Às suas margens, em 1767, foi estabelecido o povoamento que deu origem a cidade. Essa povoação seria um ponto de apoio às embarcações que desciam o rio Tietê, oferecendo retaguarda ao forte de Iguatemi, fronteiriço ao território do Paraguai. Em 1774, a povoação constituiu-se em Freguesia, com uma população estimada em 230 habitantes. Em 1784, Piracicaba foi transferida para a margem esquerda do rio onde os terrenos melhores favoreciam a sua expansão. A fertilidade da terra atraiu muitos fazendeiros para a região. ¹ A relação entre o rio e a população da cidade se manteve presente desde a fundação da povoação, porém ineficaz na preservação desse recurso. Somente na década de 1970 começam a surgir as primeiras ações para promover uma mudança substancial a todo entorno das margens urbanas e centrais do rio Piracicaba. Essas ações tem como objetivo preservar e garantir o caráter público às margens do rio, e atingem seu ápice com o início do Projeto Beira-Rio, em 2001, que propõe intervenções em oito trechos do rio Piracicaba em sua extensão no município. ² Atualmente, as manifestações e interações de lazer e cultura na cidade estão fortemente atreladas ao rio, elemento mar-

25


cante da paisagem urbana. A Rua do Porto, o Engenho Central e o Bairro Monte Alegre são exemplos de áreas localizadas na extensão das margens do rio que abrigam eventos culturais, de gastronomia e atividades ao ar livre para a população. “A relação da cidade de Piracicaba com o

rio de mesmo nome é essencialmente cultural. Isso significa que as variadas manifestações relativas ao famoso corpo d’água – expressas em lugares e construções históricas, em paisagens, na economia e na sociedade, nas artes e no folclore – conformam uma única e ampla relação de identidade.” (Prefeitura do Munic. de Piracicaba, 2003)

Rua do Porto, data desconhecida. Fonte: Acervo IHGP

A apropriação dessas áreas, que inclui o sítio histórico do Monte Alegre, é carregada de significado. São nesses espaços públicos de extrema relevância para a trajetória da cidade que as pessoas se conectam, não só umas com as outras, mas também com a história, debatem, têm lazer e praticam uma vida em sociedade.

1 IPPLAP. Breve histórico de Piracicaba. Disponível em: <http://ipplap.com.br/site/a-cidade/breve -historico-de-piracicaba/>. Acesso em 12/2017. 2 IPPLAP. Piracicaba, o rio e a cidade: ações de reaproximação. Piracicaba, SP: IPPLAP, 2011.

26

Projeto Beira-Rio - Rua do Porto, 2005. Fonte: Cristiano Diehl Neto, Eduardo Martini e Ricardo Hofer.


ASPECTOS DO BAIRRO

Os dados a seguir apresentam informações referentes ao território e população do bairro Monte Alegre, na finalidade de entender e contextualizar a área de estudo. Foram levantados e analisados os dados produzidos pelo Censo 2010 do IBGE. Embora apresente uma área total considerável, é possível afirmar que o bairro não ocupa uma parcela territorial extensa no município de Piracicaba, e além disso, a sua taxa de ocupação é baixa. Referente aos grupos etários, a população do Monte Alegre é majoritariamente jovem adulta, na faixa entre 15 e 64 anos. A densidade populacional é baixa, considerando o fato de que a área ocupada do bairro equivale a aproximadamente 20% da sua área total. A proporção de domicílios desocupados é reduzida e somente 4% da área é destinada aos sistemas de lazer.

IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www. censo2010.ibge.gov.br>. Acesso em 01/2018

27


Mapa das RegiĂľes de Piracicaba (sem escala) - Fonte: GEO Piracicaba, adaptado pelo autor 28


Dados Bairro Monte Alegre Fonte: Censo 2010 IBGE, adaptado pelo autor

Mapa do Zoneamento do MunicĂ­pio de Piracicaba Fonte: GEO Piracicaba, adaptado pelo autor

29


TEMÁTICA

30

O presente trabalho contempla o planejamento urbano com foco na preservação de conjuntos urbanos protegidos pelo seu valor histórico, como é o caso do bairro Monte Alegre na cidade de Piracicaba - SP. A partir da premissa que é de suma importância garantir a integridade do patrimônio que a área resguarda, este estudo norteará a proposta de um plano de diretrizes e seu modo de aplicação. Em termos gerais, objetiva-se contribuir na identificação das principais características que possam embasar o desenvolvimento da legislação de gestão da área protegida.


METODOLOGIA

A metodologia desse estudo consistiu na coleta de dados primários e secundários. Foram utilizados textos, mapas e fotografias que permitiram a compreensão das transformações ocorridas no bairro, e que subsidiaram a elaboração da contextualização histórica da área. A legislação vigente no local foi pesquisada e contraposta ao referencial teórico e aos estudos de caso de interesse. Então, aplicou-se a metodologia encontrada no trabalho “Patrimônio arquitetônico em áreas urbanas: metodologia aplicada nas cidades da Região Sul do RS” ¹ para a caracterização patrimonial da área. De acordo com o trabalho ¹, a partir da tipologia é possível extrair uma base para atribuir valores e critérios de preservação do patrimônio. São necessárias quatro etapas para produzir evidências de aspectos e características do valor patrimonial de uma edificação: 1) Traços morfológicos: a identificação desses traços depende da observação das fachadas urbanas. Cada perfil de quarteirão é analisado para revelar traços estilísticos que amparam a classificação das edificações em “tradicional” ou “não tradicional”. 2) Classificação tipológica: é feita a partir de aspectos históricos da região, hábitos culturais e formas e técnicas de construção. 3) Grau de descaracterização do edifício: classifica a perda de traços estilísticos dos

31


prédios. O grau varia de acordo com a comparação entre o estado atual e original da edificação, ou seja, em sua integridade total. 4) Nível de preservação: atribuição de uma prioridade de preservação, que pode variar de um a três. Os resultados obtidos nas coletas e análises nortearão a setorização e as diretrizes, objetivos conclusivos do estudo. O principal objetivo do trabalho é produzir evidências de aspectos e características patrimoniais para sustentar um plano de diretrizes que faça prevalecer a paisagem cultural do bairro, com proteção da diversidade cultural e incentivo de ações para as necessidades coletivas. Nesta primeira etapa do trabalho, as análises dos estudos de caso e do território levaram a pré-setorização da área e lançamento das categorias das diretrizes, que contemplam: gestão patrimonial, sócio ambiental, de uso e ocupação do solo e de educação patrimonial.

1 JANTZEN, Sylvio; OLIVEIRA, Ana L. C. de; ALMEIDA, Lílian B.; SILVEIRA JUNIOR, Antonio C. P. Architectural Patrimony in Urban Areas: Methodology and case studies of the South of Rio Grande do Sul, Brazil. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

32


APROPRIAÇÕES

Via Comendador Pedro Morganti, 2018. Fonte: Acervo do autor


EMBASAMENTO TEÓRICO

Artigo 216 da Constituição Federal

Define que o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Decreto Lei N° 25 - 1937

Conceitua o patrimônio histórico e artístico nacional: “Conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país cuja a conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.”

Carta de Veneza - 1964

Destaca que a noção de monumento histórico compreende não só a criação isolada, bem como o sítio que dá testemunho ao acontecimento histórico. Além disso, essa noção deve ser associada não somente aos bens monumentais e consagrados, mas também a obras modestas que tenham adquirido significação cultural, representando uma cultura local, através do tempo.

34


Normas de Quito - 1967

As normas ressaltam que todo imóvel público tombado deve cumprir com a sua função social, sendo utilizado de acordo com as necessidades coletivas. Foca-se em uma política de valorização do bem histórico para que este cumpra novas funções, com a concretização da importância do recorte territorial. Para os efeitos da legislação de proteção, são adotadas as áreas de graus específicos para espaços urbanos que ocupam conjuntos monumentais ou de interesse ambiental: “(...) zona de proteção rigorosa, que corresponderá à de maior densidade monumental ou de ambiente; zona de proteção ou respeito, com maior tolerância; zona de proteção da paisagem urbana, a fim de procurar integrá-la com a natureza circundante.”

Declaração de Amsterdam - 1975

Sugere uma política de proteção e conservação do patrimônio integrada. “A reabilitação de bairros antigos deve ser concebida e realizada, tanto quanto possível, sem modificações importantes da composição social dos habitantes, e de uma maneira tal que todas as camadas da sociedade se beneficiem de uma operação financiada por fundos públicos. (...) O patrimônio arquitetônico não sobreviverá a não ser que seja apre-

ciado pelo público e especialmente pelas novas gerações.”

Carta de Nara - 1994

A preservação do patrimônio deve respeitar e proteger a diversidade cultural. Para isso, é preciso que cada patrimônio seja considerado e julgado no contexto cultural ao qual pertença. “A proteção e a valorização da diversidade cultural e patrimonial no nosso mundo devem ser ativamente promovidas como aspectos essenciais do desenvolvimento humano.”

Carta de Nizhny Tagil - 2003

Discute o patrimônio industrial e o desenvolvimento resultante das atividades vinculadas à ele, como habitação, instituições e transporte. “Afirma que os edifícios e as estruturas construídas para as atividades industriais, os processos e os utensílios utilizados, as localidades e as paisagens nas quais se localizavam, assim como todas as outras manifestações, tangíveis e intangíveis, são de uma importância fundamental.”

35


A abordagem desta proposta de plano de diretrizes considera essencial a multidisciplinaridade do patrimônio e pressupõe a integração de conceitos teóricos e documentados que se pautam na preocupação em manter uma unidade para a paisagem cultural do sítio histórico do bairro Monte Alegre. A paisagem cultural é uma categoria que tem como aspecto fundamental a ocorrência do convívio singular entre a natureza, os espaços construídos e ocupados, os modos de produção e as atividades culturais e sociais em uma fração territorial, numa relação complementar entre si, capaz de estabelecer uma identidade que não possa ser conferida por qualquer um deles isoladamente. ¹ A valorização e manutenção de bens tombados e seu entorno são processos que envolvem a participação de múltiplos agentes sociais, além de diferentes legislações, projetos urbanísticos e interesses econômicos em jogo, e ainda a necessidade da limitação ao direito de propriedade em nome do interesse cultural coletivo. Trata-se, na maioria das vezes, de um trabalho sobre parâmetros urbanísticos realizado por órgãos de patrimônio, necessário ao controle das transformações da forma urbana, visando à preservação do patrimônio cultural. ² Assim como foi definido na Carta de Veneza em 1964, edificações não monumen-

36

tais também podem apresentar valor histórico, cultural e arquitetônico. Choay (2011) 3 esclareceu que o peso de uma realidade diretamente associada à um evento histórico pode tornar qualquer edificação representante de uma identidade local ou cultural, conferindo assim um caráter monumental, e portanto, sua preservação é necessária. No entanto, há uma preocupação em relação à esses edifícios de valor histórico expostos ao tempo, pois muitas vezes a falta de usos cotidianos fazem com que eles sejam abandonados. O uso dessas edificações pode aproximar uma população à identidade de sua cidade. Beatriz Kühl 4 destacou que o patrimônio industrial passou a atrair maior atenção na década de 1960 “quando importantes testemunhos arquitetônicos do processo de industrialização foram demolidos, a exemplo da Estação Euston em Londres, destruída em 1962”. Segundo Rufinoni (2009) 5, a preservação desse patrimônio industrial ainda não possui uma prática consolidada: “Cabe ressaltar, contudo, que a ampliação do debate não tem representado, tanto no contexto nacional como internacional, a consolidação de uma efetiva prática de reconhecimento dos valores do patrimônio industrial ou a garantia de seu devido estudo, seleção e preservação. De modo geral, defender a preservação de edifícios ou sítios


industriais de interesse cultural é ainda tarefa muito difícil; o próprio reconhecimento do valor cultural de edifícios ou sítios industriais esbarra em grandes entraves, seja devido às características arquitetônicas da maioria dos edifícios industriais, em geral pouco apreciadas, ou mesmo devido ao caráter de conjunto que não se compreende bem, predominam ainda as atitudes pautadas pela caracterização desses artefatos segundo critérios de funcionalidade e lucro. Dessa forma, prosseguem as demolições e várias intervenções são realizadas como se fossem reformas comuns.” (RUFINONI, 2009)

Em “Intervenções em Centros Urbanos” , Heliana Comin Vargas e Ana Luísa Howard Castilho organizam uma discussão sobre os processos de intervenção em áreas urbanas, e, no tema da preservação urbana, destacam a importância de compreender bem um sítio histórico antes de intervir, pois há uma complexidade nesse contexto, em decorrência da geração de disputas acirradas pelo uso desses espaços: 6

“É necessário compreender os fluxos de toda a ordem (mercadorias, pessoas, veículos informações), conhecer suas origens, destinos, percursos, intensidade, características. Ou seja, entender esta nova dinâmica do urbano e suas inter-relações que pedem

uma nova abordagem e um novo pensamento sobre seus processos para, então, podermos melhor nos aparelhar para enfrentar o planejamento, a gestão e intervenção do espaço urbano neste novo contexto, onde a única certeza que fica é a velocidade da mudança.“ (VARGAS, CASTILHO, 2006)

1 RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC, 2007. 2 MOTTA, Lia. Entorno de bens tombados / [Pesquisa e texto de Lia Motta e Analucia Thompson]. Rio de Janeiro: IPHAN/ DAF/ COPEDOC, 2010. 3 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade / Editora UNESP, 2001w. 4 KÜHL, Beatriz M. “Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de restauro”. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011. 5 RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação e restauro urbano: teoria e prática de intervenção em sítios industriais de interesse cultural. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - FAUUSP. São Paulo, 2009. 336 p. : il. 6 VARGAS, Heliana Comin; CASTILHO, Ana Luisa Howard (Orgs.). Intervenções em centros urbanos. Objetivos, estratégias e resultados. 2ª edição, Barueri, Manole, 2009.

37


LEGISLAÇÕES

O objeto de estudo possui interesse de preservação no âmbito estadual (CONDEPHAAT) e municipal (CODEPAC). O arquiteto Marcelo Cachioni refletiu, na revisão do Plano Diretor do Município de Piracicaba ¹ em 2003, sobre a problemática do patrimônio na cidade: “(...) a cidade apresenta um expressivo patrimônio histórico composto por residências, igrejas, escolas e fábricas especialmente datados a partir de meados do século XIX. A partir da década de 1960, período que intensifica o desenvolvimento econômico e a extensão urbana em Piracicaba, inicia-se um processo de perda deste patrimônio. (...) a implementação de uma política de incentivo a preservação do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico ainda não foi construída e implementada.” (INSTITUTO PÓLIS, 2003)

Em seu depoimento, Cachioni ressalta que as principais dificuldades encontradas desde a criação do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba (CODEPAC) são: ausência de um corpo técnico especializado, fiscalização de obras ineficaz, falta de colaboração das imobiliárias da cidade, falta de incentivo a preservação, atuação profissional que demonstra desinteresse no tema do patrimônio histórico, entre outros.

38


Iniciado em 2001, a Agenda 21 é um processo participativo para desenvolver o Planejamento Estratégico Municipal de Piracicaba. Assim como na Agenda 21, o Plano de Ação Estruturador do Projeto Beira Rio (PAE) ² define que os projetos implantados nas margens do rio Piracicaba devem favorecer atividades de turismo e lazer para a população da cidade e de municípios vizinhos. O PAE divide a orla urbana do rio e seu entorno em oito trechos para projetos futuros. O bairro Monte Alegre está inserido no trecho 7, o qual não possui um plano de ações até o presente trabalho. Uma proposta de diretrizes para preservação do bairro foi contratada pelo município e apresentou encaminhamentos para a área do Monte Alegre em 2012. Esses encaminhamentos foram questionados pelo CONDEPHAAT, que atualmente está no processo de avaliação para o tombamento da área a nível estadual (aberto em 2013), com uma proposta de diretrizes mais rigorosa, em fase de discussão e elaboração, para a poligonal definida (mapa B). O conjunto também foi objeto de estudo de um trabalho final de graduação desenvolvido na UNICAMP em 2012, com a proposta de um centro empresarial para parte do local. Em 2016, foi apresentada uma proposta de implantação de um parque tecnológico na área (não executada até o momento). 3 A lei de uso e ocupação do solo no Pla-

no Diretor do Município de Piracicaba 4 classifica o sítio histórico do bairro Monte Alegre em Zona de Ocupação Controlada por Infra-Estrutura (ZOCIE), a qual é regida pelos seguintes parâmetros urbanísticos:

- CA (coef. de aproveitamento) = 1,4 - TO (taxa de ocupação) = 70% - TP (taxa de permeabilidade) = 10% - Dimensão mínima de lote = 500 m²

Também são aplicados os seguintes instrumentos na zona:

- Estudo de Impacto de Vizinhança; - Zona Especial de Interesse Ambiental; - Plano de intervenção prioritária; - Zona Especial de Interesse Social; - Regularização fundiária.

O Plano Diretor ainda define algumas diretrizes sobre a política de preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico: Art. 17: Para realização das diretrizes, a política de preservação do patrimônio histórico cultural e arquitetônico municipal deverá adotar as seguintes ações estratégicas: I. Garantir a participação da comunidade na política de preservação do patrimônio cultural e arquitetônico do município; II. Desenvolver, estimular e consolidar o po-

39


tencial turístico da área central da cidade, da Rua do Porto, do Bairro Monte Alegre e das margens do Rio Piracicaba, de forma compatível com a preservação de seu patrimônio histórico; III. Assegurar e ampliar as ações de fiscalização com relação ao patrimônio edificado, tombado ou com potencial para preservação; IV. Criar programas especiais de educação patrimonial. (Prefeitura Município de Piracicaba, 2006)

Dentre os bens de interesse da área, consta três tombamentos em âmbito municipal: - Decreto nº 5.458 de 1991 – Capela São Pedro (Bairro Monte Alegre); - Decreto nº 9.516 de 2001 – Colônia Operária do Bairro Monte Alegre (Vilas Heloísa e João de Barro); - Decreto nº 9.755 de 2002 – Imóvel da Avenida Com. Pedro Morganti, nº 4970 (Antiga Escola Estadual Marquês de Monte Alegre); Não consta outros imóveis protegidos por lei em nenhum dos âmbitos (federal, estadual ou municipal) até o momento.

40

1 INSTITUTO PÓLIS. Revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento de Piracicaba: relatório I – leitura técnica e participativa. 2003. 99p. 2 LEME, R. T.; MARTINI, E.; SALIM, M.; BURTSCHER, T. A. J.; ANGELIS, M. Projeto Beira Rio - Plano de Ação Estruturador (PAE). Disponível em: < http://ipplap. com.br/site/projetos-2/projeto-beira-rio>. Acesso em 01/2018. 3 PIRACICABA: Usina de Inovação Monte Alegre. Capivari Online, Capivari, 29 nov. 2016. Disponível em: <http://www.capivarionline.com.br/piracicaba-usinade-inovacao-monte-alegre-sera-lancada-dia-1o-dedezembro>. Acesso em 01/2018. 4 PIRACICABA (Município). Lei Complementar Nº 186, de 10 de Outubro de 2006. Plano Diretor de Desenvolvimento do Município de Piracicaba, Piracicaba, 2006.


0

100

200

Mapa poligonal CONDEPHAAT (B) Fonte: CODEPAC e CONDEPHAAT adaptado pelo autor.

41


REFERÊNCIAS

DIRETRIZES PARA A PRESERVAÇÃO DO CONJUNTO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO DE JAGUARÃO - RS O conjunto histórico e paisagístico de Jaguarão, tombado pelo IPHAN em 2011, conserva um patrimônio sem similar em número e estado de conservação no Rio Grande do Sul, com edificações coloniais, ecléticas, art déco e modernistas. Compreende uma área urbana extremamente bem preservada e íntegra, e suas edificações apresentam importante variação tipológica, nas formas de implantação e nos acabamentos. Para o processo de definição da proposta de diretrizes foram levantados os elementos que caracterizam a cidade e que influenciaram na sua conformação ao longo da ocupação do território, como seus componentes históricos, físicos, assim como as atuais formas de apropriação social e da identificação de “vocações” dos espaços. Desta forma, foi apontado não apenas o que deve ser evitado no sítio, mas também o necessário para a sua requalificação de forma a potencializar essas “vocações” dentro da cidade, contribuindo para a qualidade urbana de Jaguarão. A partir da análise dos dados obtidos no levantamento de campo e da pesquisa sobre a evolução urbana de Jaguarão, percebeu-se a presença de setores morfológicos distintos

42


na área em estudo, que se diferenciam principalmente pelos elementos urbanos e naturais neles contidos, assim como pelas diferentes formas de apropriação do espaço. Estes setores possuem características próprias e demandam ações diferenciadas para a preservação de suas características e para sua requalificação. Os critérios de análise adotados para o estabelecimento de uma setorização da área partiram da premissa de mapear as rupturas e continuidades na leitura do conjunto e as alterações na sua integridade e conservação. A leitura do sítio tem por objetivo a identificação de seu estado atual, através da configuração de usos, integridade e conservação, com o mapeamento das possíveis “vocações” da área. Foram analisados os critérios que maior influencia tiveram no processo de ocupação e desenvolvimento da cidade de Jaguarão, sendo eles: 1. Aspectos históricos – elementos que, historicamente, foram significativos para a ocupação deste território e a conformação da identidade urbana. 2. Aspectos geográficos – os condicionantes da formação e crescimento do tecido urbano, identificados através da análise da topografia do local. 3. Evolução urbana – forma de ocupação urbana.

Cidade de Jaguarão - RS Fonte: Dossiê de tombamento, Prefeitura de Jaguarão - RS

43


4. Traçado urbano – a evolução do sistema viário e as características das vias quanto à configuração, largura, pavimentação e arborização. 5. Referenciais urbanos – identificação dos elementos formadores do espaço urbano de referência para a região, e cuja inserção urbana demande ações diferenciadas para sua preservação: praças, largos, orla, atracadouro, edificações, outros. 6. Eixos visuais e perspectivas – mapeamento dos pontos de interesse visual resultantes do traçado reticulado e da topografia. 7. Bens de interesse - mapeamento de áreas com maior ou menor predominância de bens de interesse cultural com relevância para a compreensão da história da cidade. 8. Implantação – identificação de áreas com predominância das mesmas relações entre edificação e lote, lote e quadra, e quadra e cidade. 9. Gabarito – identificação das áreas com predominância de gabaritos semelhantes. 10. Usos – identificação de áreas com concentração usos semelhantes. 11. Linguagens arquitetônicas - mapeamento de áreas com concentração de bens com características arquitetônicas semelhantes (formando conjuntos). 12. Estado de conservação – identifica-

44

ção de áreas com predominância de estados de conservação distintos, indicando problemas semelhantes e a necessidade de ações específicas para sua requalificação. 13. Estado de caracterização dos imóveis – identificação de áreas de concentração de imóveis com o mesmo estado de caracterização, indicando áreas com maior ou menor pressão por alterações e/ou substituições. Para esta análise foi observada a relação entre o uso atual e as alterações sofridas. 14. Vias de acesso e comunicação – mapeamento dos acessos atuais da cidade, principais vias de circulação, acessos históricos (entre os meios urbano e rural). Esta proposta se destaca pela maneira como a setorização da área foi elaborada, ressaltando as diretrizes urbanas de caracterização dos imóveis. A pré-setorização e o estudo tipológico desse estudo se basearão em aspectos das diretrizes implantadas em Jaguarão.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Dossiê de Tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de Jaguarão. Ministério da Cultura: IPHAN, Porto Alegre, 2010.


PATRIMÔNIO INDUSTRIAL NO CHILE: A CIDADE DE MINERAÇÃO DE LOTA A cidade de Lota está localizada na região de Biobío, no Chile, e apresenta soluções de preservação e revitalização do seu patrimônio industrial com o foco voltado ao turismo. A preocupação com o futuro de Lota tem início com o fechamento das minas de carvão no final do século XX, dando início a um processo de reconversão da cidade, buscando um novo destino ao espaço urbano. O espaço de Lota se ordena em dois setores: Lota Alto e Lota Baixo. No primeiro estavam localizadas a cidade levantada pela companhia de carvão e a indústria mineira; o segundo só surge posteriormente. A área de Lota Alto é organizada por uma via principal (eixo), configurada por amplos volumes de pavilhões, elementos característicos da área, que segue uma sequência de rumos e ondulações como consequência da adaptação da arquitetura às curvas de nível. Tanto o traçado urbano, quanto a disposição das edificações, expressam uma estreita relação com o relevo e com as vistas para o mar. Outro aspecto singular de Lota é seu caráter de povoado inserido dentro do complexo industrial. O fato de pertencer a um

sistema fechado também se manifestava na existência dos pavilhões de moradia coletiva, propriedade da empresa, que, em conjunto com edificações de uso comunitário (mercado, escola, teatro e hospital) originaram uma cidade onde, idealmente, os habitantes viviam protegidos. Após o fechamento das minas buscouse criar novas alternativas de desenvolvimento mediante atividades produtivas e de emprego, através de várias iniciativas como o Plan Integral de Desarollo de Lota, implementado nos anos 1997/98 e que compreendia um numeroso conjunto de iniciativas, organizadas sobre quatro programas básicos: o de reutilização dos edifícios da Empresa Nacional del Carbón; de investimento público focado na melhoria da infraestrutura urbana; no fomento da atividade empresarial e de empregos. Outro plano de destaque foi o Proyecto INNOVA BioBio, realizado entre 2009/2010, com objetivo promover uma dinamização turística da Zona Mineira de Lota. Foi elaborado um profundo estudo de levantamento para identificar as oportunidades e desenvolver um turismo patrimonial mineiro. Para tanto, o estudo abordou quatro dimensões consideradas relevantes: a dimensão patrimonial, econômica, ambiental e de gestão do território patrimonial. Ainda que de forma paralela, esses e todos os outros planos têm contribuído para o esfor-

45


ço de revalorização da paisagem cultural de Lota. Essa proposta se destaca pela forma como foram pensadas as intervenções sobre as instalações industriais em desuso e os elementos de identidade importantes. Dentre as intervenções realizadas, destaca-se o Circuito Turístico Patrimonial que engloba a zona de maior potencial, ou seja, a principal via urbana, os pavilhões, o Parque Lota, espaços públicos e outras edificações de interesse. Além disso, a participação maciça da população, pode ser notada nesse caso. Essa interação possibilitou que se chegasse a denominadores comuns, como por exemplo, a recuperação dos fornos coletivos. Este exemplo de participação da população será utilizado na segunda etapa desse estudo, através de entrevistas com os moradores do bairro Monte Alegre. Além disso, a proposta de diretrizes deverá valorizar o turismo no local, seguindo recomendações da legislação já apresentada.

CRUZ, T. F. S. Intervenções de Restauro em Paranapiacaba: entre teorias e práticas. 2013. 317 p. Tese (Doutorado/ Área de concentração: História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) - FAUUSP. São Paulo, 2013. 317p.

46


DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO PARA A VILA FERROVIÁRIA DE PARANAPIACABA

Cidade de Lota, Chile. Fonte: Lota Sorpredente, programa de rescate patrimonial <http://lotasorprendente.cl/chiflon>

A Vila Ferroviária de Paranapiacaba - localizada no município de Santo André, no Estado de São Paulo - foi tombada pelo IPHAN em 2008. A vila e seu entorno formam uma porção de território de grande importância histórica e ambiental, que registra uma época da influência da cultura inglesa, com destaque para a arquitetura e a tecnologia. Duas povoações cresceram em torno da construção da Ferrovia Santos-Jundiaí: Vila Velha e Vila Martim Smith, que formam a atual Paranapiacaba. Na primeira, ocorreu uma ocupação urbana espontânea, a partir da implantação do canteiro de obras da ferrovia, enquanto a Vila Martin Smith resultou de um plano urbanístico claro e implantação de edifícios padronizados. A área pertencia à Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e foi adquirida pela Prefeitura Municipal de Santo André, em 2002. Localizada na região sudeste do município, no limite entre o Planalto Paulista e a Serra do Mar, a vila integra a região metropolitana de São Paulo. O município possui 55% do seu território em área de mananciais, que compõem o cinturão verde da capital paulista, com vegetação de Mata Atlântica. A estratégia que revelou-se mais ade47


quada ao controle e direcionamento das mudanças e atualizações necessárias à preservação sustentável da paisagem cultural, ao menos para o caso de Paranapiacaba, baseou-se na utilização de instrumentos do planejamento urbano. Todavia, não se trata apenas da prática do planejamento territorial urbano, mas, sobretudo, de sua articulação ao planejamento das atividades econômicas, sociais e culturais a serem desenvolvidas em uma porção de território considerada sítio histórico urbano em área ambientalmente sensível ou, simplesmente, paisagem cultural. Assim foi criada a Lei da ZEIPP – Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba, um instrumento que vem sendo considerado contemporâneo e inovador pelo Ministério das Cidades, exatamente por articular o planejamento urbano às diretrizes de preservação e gestão da paisagem cultural de Paranapiacaba e demais políticas públicas setoriais. A ZEIPP é o plano diretor de Paranapiacaba, ou seja, é o principal instrumento de orientação da política de preservação, desenvolvimento e gestão territorial da paisagem cultural de Paranapiacaba, conciliando o desenvolvimento urbano e econômico da atividade turística, com a conservação e sustentabilidade do patrimônio edificado, natural e imaterial da vila ferroviária, garantindo também a permanência e qualidade de vida do

48

morador. A Vila Ferroviária de Paranapiacaba recebeu, através desta uma única lei, um conjunto de diretrizes, instrumentos e parâmetros urbanísticos e ambientais específicos à sua realidade, mas articulados entre si, contribuindo para a institucionalização de uma política adequada a um conjunto urbano de edificações em madeira com forte presença de mata atlântica preservada. Embora seja uma experiência pontual, a lei municipal possibilitou a articulação vertical de diretrizes para a preservação sustentável de Paranapiacaba entre os órgãos responsáveis pelo tombamento nas três esferas de governo, que comprometeram-se a incorporar e validar juridicamente a normatização criada na lei 9.018/07 por meio de portarias ou inclusão nos processos de tombamento de cada instância. Inicialmente a lei estabelece e pactua conceitos referentes à preservação, conservação, restauração, reparação, manutenção, adaptação e atualização tecnológica, propondo uma nova forma de aprovação dos diversos tipos de intervenção no patrimônio edificado, visando à desburocratização dos processos nos órgãos de preservação. A ZEIPP propõe a divisão da Vila em quatro setores de planejamento urbano (Parte Alta, Parte Baixa, Ferrovia e Rabique), reconhecendo as especificidades urbanas e históricas


Estação da Vila Ferroviária de Paranapiacaba - S. André/ SP. Fonte: Portal IPHAN < http://portal.iphan.gov.br>

de cada parte da Vila. Cria um zoneamento priorizando o uso residencial e definindo áreas para o desenvolvimento das atividades comerciais e turísticas, diminuindo assim os conflitos de vizinhança. O zoneamento fixa o estoque habitacional em 50% dos imóveis públicos da Parte Baixa (cerca de 170 imóveis), ou seja, garante em lei a manutenção do uso residencial. Foram redefinidos também os parâmetros de ocupação dos lotes e seus limites, as

taxas de permeabilidade, os níveis de incomodidade por emissão sonora e as diretrizes para a preservação das edificações e sistema viário, com o objetivo de salvaguardar o conjunto edificado e as relações urbanas que caracterizam a paisagem da Vila. Já que Paranapiacaba conta com um conjunto de cerca de 340 casas somente na Parte Baixa, foram selecionados na lei imóveis representativos de cada tipologia arquitetônica, designados como “Exemplares de Tipo49


logias Residenciais”. O objetivo foi destacar o valor documental e cognitivo do projeto ou construção original, sem que fossem modificados, permitindo assim que nos demais imóveis de uso residencial e comercial fossem realizadas intervenções. Estes exemplares foram destinados à visitação pública e, por isso, passaram a abrigar os espaços expositivos que compõe o roteiro do “Circuito Museológico”, apresentando o diversificado patrimônio de Paranapiacaba. Baseado na concepção de “Museu a Céu Aberto”, a história da Vila, o patrimônio natural, o patrimônio humano e o arquitetônico urbanístico são expostos para os visitantes nesses exemplares tipológicos. Essa proposta se assemelha ao Monte Alegre pelo tipo de patrimônio tratado e também pela sua localização, no mesmo estado (São Paulo) do sítio histórico analisado nesse estudo. Além disso, dará um bom respaldo para as diretrizes a serem elaboradas, especialmente na questão do regime urbanístico que será implementado.

FIGUEIREDO, V. G. B. Desenvolvimento Local Sustentável: os desafios da preservação, do planejamento participativo e da gestão pública em Paranapiacaba. 2011. Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos. CODE 2011 - II Conferência do Desenvolvimento - IPEA.

50


ANÁLISES URBANAS

Vila Heloísa, 2018. Fonte: Acervo do autor


MEIO AMBIENTE Segundo Rodrigues ¹, a vegetação original e predominante do município de Piracicaba é a mata atlântica, um bioma de floresta tropical com formações vegetais heterogêneas e uma diversidade considerável de árvores. Às margens do rio Piracicaba encontra-se a subclasse dessa cobertura denominada “floresta ripária” ². Na situação topográfica predominante das matas ciliares de Piracicaba há a ocorrência de uma elevação altitudinal à medida que se distancia do curso d’água. A política ambiental do município determina a recuperação da qualidade da água, despoluição e restauração das matas ciliares dos rios municipais. “ O futuro ecológico-econômico de Piracicaba está centrado em grande parte nos seguintes fatores: a conservação das águas; o rio cênico (o Piracicaba); a navegação; o reconhecimento dos ecossistemas pelo cidadão através das trilhas e das estradas paisagísticas; a educação e pesquisa ligados à questão ambiental. Nesse futuro os atores serão todos os membros da comunidade, não importando a roupagem, se de pescadores, navegantes, estudantes ou peregrinos.”

Esse estudo estabelece um mosaico ambiental sobre a área do bairro. Esse mosai52

co tem como objetivo contribuir na atuação dos órgãos gestores da área para a promoção de ações de proteção das áreas naturais. Pode-se observar que a maior parte da área circundante ao sítio histórico possui indícios de mata nativa. A preservação ambiental é fundamental para a manutenção da paisagem cultural da área. Área com vegetação nativa

Águas lóticas e lênticas Linhas de drenagem

1 RODRIGUES, Ricardo Ribeiro. A vegetação de Piracicaba e municípios do entorno. Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais. Disponível em: <http://www. ipef.br/publicacoes/ctecnica/nr189.pdf>. Acesso em 01/2018. 2 A vegetação ripária é um tipo de vegetação presente em espaços próximos a corpos d’água (ou zona ripária). Quando assume fisionomia florestal, é chamada floresta ou mata ripária, e inclui vários subtipos, entre eles, a mata ciliar, a mata de galeria e a mata paludosa.


520 m

500 m

520 m

540 m 560 m 580 m 100

200

Estudo Ambiental (C) Fonte: Autor.

53


54


520 m

500 m

520 m

540 m 560 m 580 m 100

200

Mapa Topogrรกfico (D) Fonte: CODEPAC e Blue Marble Geographics, adaptado pelo autor.

55


Espaço Haras

Usina Monte Alegre OJI Papéis Especiais

Casa do Marquês

Capela Monte Alegre

Escola Waldorf Novalis

Condomínio Monte Alegre

Clube recreativo do “Lar dos Velhinhos” de Piracicaba

100 56

200

Caterpillar

Mapa de Usos (E) Fonte: CODEPAC, adaptado pelo autor.


USOS

Industrial Sem uso / Ruína Praça / Campo desportivo Comercial / Outros Institucional Residencial

Esta região da cidade apresenta dois usos predominantes: residencial e industrial. Apesar de afastada do centro da cidade, abriga uma quantia razoável de comércios e serviços, que na maioria das vezes, ocupam as edificações de apoio remanescentes da época da Usina. Essas edificações foram restauradas para a implementação desses novos usos. Entre os usos implementados nas edificações antigas, destaca-se o comercial com restaurantes e empresas relacionadas a produção de eventos, como a Casa do Marquês. Também, algumas instituições tem posse de edificações de valor para o bairro, como por exemplo, o clube recreativo do “Lar dos Velhinhos”, que está instalado nos antigos casarões da fazenda Monte Alegre (área doada a instituição pela última família que residiu na fazenda). Em relação as indústrias, pode-se destacar a fábrica de papéis OJI, implantada junto às antigas instalações da Usina, e a Caterpillar Brasil, que desenvolve ativos de infraestrutura, de energia e de recursos naturais. Nas ruas internas do bairro, quase não se nota a presença de usos diferentes do residencial. Ainda sobre o uso residencial, nota-se o condomínio Monte Alegre (alto padrão), que ocupa uma área considerável do bairro, e foi instalado ao lado do sítio histórico. 57


TRAÇADO URBANO E GABARITO O acesso ao bairro se dá pela Estrada Monte Alegre, a qual resulta na via Comendador Pedro Morganti, avenida principal do bairro. O leito carroçável da avenida tem largura de 12 metros, parte asfaltado e parte com pavimentação em paralelepípedos, e um canteiro central no trecho próximo a sua conexão com o anel viário. Além desta, a Avenida Joaninha Morganti também apresenta leito carroçável mais largo e canteiro central. As ruas mais estreitas do bairro tem largura de 7 a 8 metros. Todas as ruas do bairro são pavimentadas e possuem calçadas estreitas, com largura de no máximo 2 metros. Para a análise do gabarito foi considerado o número de pavimentos, entendendo que em função das tipologias distintas há uma variação de altura entre as edificações fabris e residenciais. Nas tipologias residenciais, as unidades de 1 pavimento predominam no bairro.

GABARITO 1 pavimento 2 pavimentos ou mais TRAÇADO URBANO Ruas largas asfaltadas com fluxo nos dois sentidos Ruas largas em paralelepípedos e fluxo nos dois sentidos Ruas estreitas asfaltadas e fluxo em único sentido Ruas estreitas em paralelepípedos e fluxo único Ruas largas em paralelepípedos e canteiro central. Fluxo em ambos os sentidos

58


Av. Joaninha Morganti

Av. Comendador Pedro Morganti

Rua larga Asfalto

0

100

Rua larga Paralelepípedo

200

Rua larga Paralelepípedo Canteiro central

Anel Viário

Rua estreita Asfalto

Rua estreita Paralelepípedo

Mapa de Gabarito e Alturas (F) Fonte: CODEPAC, adaptado pelo autor.

59


atiertse auR odepípelelaraP

60

atiertse auR otlafsA

agral auR odepípelelaraP lartnec orietnaC

agral auR odepípelelaraP

agral auR otlafsA


Av. Joaninha Morganti

Av. Comendador Pedro Morganti

0

100

200

Anel Viรกrio

Mapa de Gabarito e Alturas (F) Fonte: CODEPAC, adaptado pelo autor.

61


TRAÇADO URBANO - Ruas estreitas - Bem arborizado - Leito carroçável com pav. em paralelepípedos - Calçadas estreitas com mais de um tipo de pavim. - Ruas estreitas - Bem arborizado - Leito carroçável asfaltado - Calçadas estreitas pavimentadas em cimento

Perfil A - 1:200

- Ruas largas - Canteiro central - Bem arborizado - Leito carroçável com pav. em paralelepípedos - Calçadas estreitas com mais de um tipo de pavim.

Perfil B - 1:200

- Ruas largas - Bem arborizado - Leito carroçável com pav. em paralelepípedos - Calçadas estreitas pavimentadas em alvenaria ou cimento Fonte: Autor

62

Perfil C - 1:200


Perfil D - 1:200

Perfil E - 1:200

Fonte: Autor

Perfil F - 1:200 63


64


O bairro Monte Alegre atualmente. Fonte: Acervo do autor

65


A TIPOLOGIA E O TEMPO Área patronal e Usina Primeira edificações no século XIX Transformações ao longo do século XX

Vila Renata Após 1950 Vilas Marisa e Joaninha Entre 1940 e 1950

Capela 1930

0 66

100

200


Vilas Maria Helena e Josefina Entre 1920 e 1930 Vila Heloísa Até 1920

Mapa Períodos de construção (G) Fonte: CODEPAC, adaptado pelo autor.

O patrimônio edificado do sítio histórico é composto pelas edificações de serviço remanescentes da antiga Fazenda Monte Alegre e do núcleo de edificações da antiga Usina Monte Alegre. As primeiras edificações surgiram no final do século XIX na fazenda. Conforme demonstra Cachioni ¹, há a indicação da implantação de um conjunto de edificações de tipologia fabril, sem um planejamento preliminar, no início do século XX. Nessa implantação, utilizou-se a estrutura viária já existente, ampliando a atual Avenida Com. Pedro Morganti. Ainda havia construções remanescentes da fazenda ao longo da via, algumas habitações, equipamentos de uso coletivo, comércios e serviços. Até a década de 1950, em momentos distintos, foram construídas edificações de apoio no bairro: armazém, açougue, farmácia, grupo escolar, biblioteca, clube, cinema, ambulatório, capela católica, entre outros. As edificações que adquiriram maior destaque (mapa H), seja pela sua composição arquitetônica ou forma de implantação, se mantém mais preservadas e menos suscetíveis à demolições. Quatro dessas tipologias se destacam na composição do bairro: a área patronal (com o casarão ocupado pela família Morganti); as instalações da Usina; a Capela de São Pedro; o antigo Grupo Escolar Marquês de Monte Alegre. Na área da Usina, as habitações des-

67


tinadas aos operários foram edificadas em vários momentos. Elas podem ser agrupadas em vilas. Estima-se que ao total houve 14 vilas 2, mas apenas 7 têm edificações remanescentes: Vila Heloísa, Vila Joaninha, Vila João de Barro, Vila Josefina, Vila Maria Helena, Vila Marisa e Vila Renata (mapa H). Atualmente no bairro, percebe-se que os grupos de edificações mais vulneráveis são os das antigas vilas operárias. Dentre as vilas operárias remanescentes, a maior é a Vila Josefina, que originalmente era composta de 87 casas, como uma espécie de “mini bairro”. A integridade do patrimônio desses núcleos é preocupante, pois mesmo nas vilas que possuem amparo pela lei de tombamento municipal, as destruições e intervenções sem critério continuam pelos proprietários dos imóveis preservados. Tendo isso em vista, esse estudo irá analisar apenas essas tipologias habitacionais. 3 1 CACHIONI, Marcelo. Arquitetura Eclética na Cidade de Piracicaba, 2002. 339p. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PUC Campinas, 2002. 2 IPPLAP. Zonas de Zeladoria do Patrimônio Cultural - Piracicaba: IPPLAP, 2013. 3 A tipologia residencial é a mais suscetível de transformação pelos usuários. A abordagem de cadastramento e registro desses bens para fim de preservação já foi adotada na década de 1980 em Pelotas/RS, quando foi realizado o primeiro inventário do Patrimônio Arquitetônico da cidade.

68

0

100

200


VILAS Marisa Renata João de Barro Maria Helena

2

Joaninha Heloísa

4 3

1

Josefina

DESTAQUE

1 2 3 4

Área Patronal Usina Capela Grupo Escolar

Mapa Vilas e Ed. Destaque (H) Fonte: CODEPAC, adaptado pelo autor.

69


70

1. ÁREA PATRONAL

2. USINA

1950 - Fonte: Acervo CODEPAC

Sem data - Fonte: Acervo IHGP

2017 - Fonte: Acervo autor

2016 - Fonte: Acervo Usina de Inovação

A área patronal é um remanescente da Fazenda Monte Alegre. O espaço atualmente é propriedade de uma instituição e foi recentemente reinaugurado com o nome de ‘Clube Beneficente e Recreativo Lar dos Velhinhos de Piracicaba’.

As edificações que configuraram a antiga Usina Monte Alegre foram edificadas em períodos distintos. Desde a desativação da Usina, esses prédios sofrem um processo de deterioração e encontram-se, majoritariamente, na condição de ruína.


3. CAPELA

4. GRUPO ESCOLAR

Sem data - Fonte: Acervo CODEPAC

Sem data - Fonte: Acervo CODEPAC

2015 - Fonte: Paulo Heise

2017 - Fonte: Acervo autor

A Capela São Pedro foi edificada por iniciativa dos Morganti para atender os colonos italianos católicos que moravam no bairro. Nos dias de hoje, a capela é propriedade privada e só abre para o público aos domingos.

O edifício foi construído pelos Morganti para atender os filhos dos funcionários da Usina. Após restaurado, o local foi entitulado “espaço cultural” e locado para eventos privados por um período, mas atualmente encontra-se fechado. 71


ANÁLISE PILOTO Para essa etapa do trabalho, será demonstrado a metodologia aplicada somente em um caso, como uma espécie de estudo piloto. A face de quadra selecionada para a análise piloto está localizada na rua Sérgio Juvenal Magalhães Antunes, na antiga Vila Josefina. Serão demonstradas as quatro análises aplicadas: morfológica, tipológica, atribuição do grau de descaracterização e nível de proteção para as edificações. Na próxima etapa do trabalho, a metodologia será aplicada nos focos de interesse e auxiliará a delimitação dos setores, que conformarão a poligonal de proteção, e suas diretrizes.

MORFOLÓGICA A análise morfológica tem como objetivo estudar a composição plástica das projeções ortogonais das fachadas estudadas no plano vertical. As fachadas são analisadas como um todo e parcialmente, através dos elementos que as compõe. Pode-se observar na fachada analisada (Fachada I) que não há variação de altura entre as edificações, ocorrendo a predominância de proporções horizontais. No que se refere aos materiais de acabamento das edificações, o reboco liso prevalece, sendo o revestimento original.

TIPOLÓGICA Caracterização das fachadas de acordo com as tipologias. Na fachada estudada, foi identificada uma característica comum para as tipologias: corredor lateral. As casas apresentam composição com base e corpo, e cobertura em duas águas com telha cerâmica. É possível identificar apenas uma edificação que não sofreu intervenções significativas nos vãos, pois ainda possui esquadrias (tipo guilhotina) e porta (duas folhas) que aparentam ser originais. Fonte: CODEPAC

72


Fachada I - Rua SĂŠrgio J. M. Antunes - 1:250

Silhueta e linha de força - 1:250

Cheios e vazios - 1:250

Fonte: Autor

Texturas e materiais - 1:250 73


GRAU DE DESCARACTERIZAÇÃO As modificações sem critério variam de acordo com a comparação entre o estado atual e o desenho original da edificação. Os graus de descaracterização identificam as características originais ainda presentes nas edificações e são justificados por: - Grau 1: Descaracterização Leve Acréscimos na fachada; - Grau 2: Descaracterização Média Alterações reversíveis; - Grau 3: Descaract. Profunda Alterações irreversíveis; - Grau 4: Intervenção Máxima Demolições parciais ou totais. NÍVEL Os níveis de preservação das edificações são definidos por elementos da construção que o tornam passível de conservação. Algumas obras possuem um valor cultural e histórico maior do que outras de acordo com seu entorno, tipologia, ornamentos, uso, volumetria, época de construção, entre outros. Como esse estudo piloto analisa apenas 1 fachada, não é possível estabelecer o nível da área nesta etapa. 74


PROPOSIÇÕES

Ruína da Usina, 2018. Fonte: Acervo do autor


PRÉ-SETORIZAÇÃO

Esta etapa do trabalho lança a setorização da poligonal de proteção proposta pelo CONDEPHAAT ¹, levando em consideração os aspectos históricos, os levantamentos, as análises do território e o conhecimento sobre a área. Para a próxima etapa, a metodologia de análise tipológica, demonstrada anteriormente com o estudo piloto, será aplicada efetivamente sobre a área, o que poderá alterar os setores lançados e os limites da poligonal. Os seguintes setores foram identificados: - Setor vermelho: Área patronal, edificações de destaque e primeiras vilas (Heloísa e João de Barro); - Setor amarelo: Área da vila Maria Helena : - Setor azul: Área das vilas operárias (Josefina, Joaninha e Marisa); - Setor roxo: Área da vila Renata; - Setor verde: Campo desportivo. Ainda será proposta uma zona de amortecimento para os setores da poligonal, com o objetivo de barrar a implantação de empreendimentos que desvalorizam o patrimônio e descaracterizam a paisagem do bairro, e também promover a proteção do que resta da cobertura vegetal nativa, principalmente da mata ciliar. 1 O parecer técnico com a poligonal proposta pelo CONDEPHAAT, já mencionada anteriormente, pode ser encontrado nos anexos desse trabalho.

76


0

100

200

Mapa Pré-setorização (I) Fonte: CODEPAC e CONDEPHAAT, adaptado pelo autor.

77


AS DIRETRIZES

As diretrizes adotadas neste estudo são específicas para o desenvolvimento do turismo e preservação do patrimônio do bairro, um território de grande potencial e também fragilidades. A proposta busca equacionar valores culturais, ambientais, sociais e econômicos, preservar a área de permeabilidade do solo existente e inibir a espetacularização e elitização do bairro. Como diretriz geral para a área, propõe-se o enfoque cultural, educacional e de lazer. Tendo como base as considerações preliminares, a proposta de diretrizes será apenas introduzida nesta fase do trabalho. As diretrizes atenderão quatro demandas envolvendo a gestão sócio patrimonial e ambiental:

meio ambiente e pessoas áreas de entorno

patrimônio

educação patrimonial

78


1. Diretrizes para gestão patrimonial Através das guias de desenho urbano. Serão indicadas as direções para o parcelamento e uso do solo, regime urbanístico (recuos, volumes e alturas), intervenções nas fachadas, modificação de revestimentos e colorística, além de outras diretrizes urbanas que devem garantir a preservação da paisagem cultural do bairro. 2. Diretrizes para gestão sócio ambiental Indicação das áreas verdes que devem ser protegidas e das demandas reveladas pela consulta da opinião dos moradores do bairro. A permeabilidade, as áreas verdes e as demandas sociais da área trabalhada compõem os interesses coletivos para a zona. 3. Diretrizes de uso e ocupação do entorno; Sugestão de um zoneamento que compatibiliza a área de influência e, portanto, o regime urbanístico para a preservação da paisagem. 4. Diretrizes para a educação patrimonial. Desenvolvimento de um material que sensibilize a sociedade para uma mudança de atitude: de espectadores da proteção do patrimônio cultural para atores desse processo. Pela educação a comunidade adquire a compreensão e esta propiciará a apreciação e, consequentemente, a proteção. 79


ENCAMINHAMENTOS

80

O trabalho propôs um estudo do bairro Monte Alegre em Piracicaba, SP. A abordagem para compreensão histórica e cultural do local contemplou a pesquisa histórica, o reconhecimento do local através do levantamento de campo e a identificação do estado atual dos instrumentos de preservação dos bens patrimoniais e ambientais. A fundamentação teórica permitiu uma maior compreensão do objeto de estudo, orientando os levantamentos e análises necessários para a sua compreensão. As análises contemplaram questões físicas e ambientais, assim como aspectos sociais do bairro. As particularidades do local orientaram a escolha dos estudos de caso, buscando intervenções que apresentavam semelhanças com o caso de Monte Alegre. As categorias destacadas nesses estudos guiaram as análises morfológicas e tipológicas, e permitiram a identificação de demandas que determinaram o caráter das diretrizes a serem trabalhadas nesse projeto.


ANEXOS

1 Parecer tĂŠcnico com a poligonal proposta pelo CONDEPHAAT. Fonte: CONDEPHAAT

81


2 Decreto nº 9.755 de 2002. Fonte: Prefeitura do Município de Piracicaba

82

3 Decreto nº 9.516 de 2001. Fonte: Prefeitura do Município de Piracicaba


4 Decreto nÂş 5.458 de 1991. Fonte: Prefeitura do MunicĂ­pio de Piracicaba

83



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.