Luciana Camuzzo: tecer a teia ou a cidade subjetiva.

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Luciana Camuzzo: tecer a teia ou a cidade subjetiva

Brasil, artista visual. Bacharel em artes Plásticas, Licenciado em Educação Artística e Mestre pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) São Paulo, Brasil.

Artigo completo recebido a 13 de janeiro e aprovado a 30 de janeiro de 2013.

Resumo: Este artigo pretende abordar o proces-

so de criação de Luciana Camuzzo dando ênfase à série intitulada Teia-jazz. A série, composta por desenhos, produz um campo, enquanto tecido esgarçado e movente. Nos trabalhos fica evidente o enfoque de sua pesquisa: a cidade. Tal ênfase, imprime uma abertura para refletir sobre um modo de vida singular a partir da restauração da ideia de cidade subjetiva. Palavras chave: Luciana Camuzzo / Processo de Criação / Cidade / Diagrama / Subjetividade.

Title: Luciana Camuzzo: weaving the web Abstract: This article aims to address the process

of creation at Luciana Camuzzo, emphasizing the series entitled Teia-jazz. The series, consisting of drawings, produces a field, a fabric. In the works it is evident the focus of her research: the city. That emphasis prints an opening that reflects on a unique way of life, till the restoration of the subjective idea of the city. Keywords: Luciana Camuzzo / Creative process / town / diagram / subjectivity.

Introdução: “Do you know?”

Toda noite, em diversos bares ou pontos de encontros afora, grupos de pessoas se encontram para fazer ou ouvir música. Podem, muitas vezes, serem feitores que não se conhecem e mesmo assim produzir composições profundamente harmonizadas durante sessões de improvisação. Nessas Jams Sessions para além de um “olá”, “boa noite”, “como está” ou “muito prazer” os músicos colocam entre si a pergunta retórica: Do you know? Dela algumas referências e pontos em comum são apresentados de maneira a contribuir para que a improvisação aconteça dentro de parâmetros acessíveis a todos os participantes. A pergunta chave para todo início de uma Jam Session de Jazz pode também servir como início para se pensar o processo de criação de Luciana Camuzzo (n. 1970, Piracicaba, SP), a começar pela referência direta à música que a artista indica no título de seu trabalho: Teia-jazz. Com ele, Camuzzo parece interpelar

Torrezan, Gustavo (2013) “Luciana Camuzzo: tecer a teia ou a cidade subjetiva.” Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539, e-ISSN 2182-8725. Vol. 1 (2): pp. 113-119.

GUSTAVO TORREZAN


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Figura 1. Fragmento de parte de um trabalho de Luciana Camuzzo da série “Teia” (2010) de dimensões variáveis. Fonte: própria.

a si mesma com a pergunta Do you know? no momento que precede seu início de ação diante do suporte onde se propõe a desenhar. Da pergunta, ela parte para um enfrentamento do suporte afim de traçar linhas e abrir caminhos que desbravam um espaço. A artista produz a ação de criar um território a partir de uma vontade sensível de construir um campo através do desenho, ou seja, com a instalação de um emaranhado de linhas produz uma “partitura de improviso” com a qual faz seu jazz. No desenho uma linha não só produz o espaço, mas contribui para o todo que ganha força em favor da grande teia que se propõe a tecer. Como uma construtora, a artista busca traçar um campo como local de trabalho e experimento sensível de uma subjetividade latente. Esgarça as possibilidades de representação dentro do campo da arte e também expande as referencias teóricas e formativas que recebeu durante seu período de formação universitária (cursou um ano da graduação em Artes Plásticas, ECA-USP) ou nas típicas e rigorosas aulas de desenho e pintura à óleo cursadas na sua cidade natal (com o artista Alberto Thomazzi). 1. A tessitura

Luciana Camuzzo durante seu processo criativo coloca-se diante do suporte com o lápis ou bastão de cera seco e começa a marcar algumas linhas, prolongamentos, junções que aos poucos vão criando um emaranhado, uma espécie de tecido tal qual faz uma laboriosa aranha com sua teia. Em suas palavras: Com mãos delicadas, desembaraço lentamente o fio que nasce no meio das minhas costelas, virtual e escarlate. Predestinado aos nós tecidos da mortalha do discurso que agora confecciono para cobrir a pele sensível do meu corpo doloroso nesta passagem. Fio escarlate, cordão de prata quando meus olhos o acompanham ao infinito. Flutuo no ar sem luz. [...]. Flutuo sentada na cadeira, na sala iluminada, exercendo este ofício que tanto me seduz. (Aragem contemporânea, 2010)


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Figuras 2 e 3. Fragmento de parte de um trabalho de Luciana Camuzzo da série “Teia” (2010) de dimensões variáveis. Fonte: própria.


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Com essa ação a artista segue tecendo sua teia, criando linhas que valorizam a fluidez em detrimento da retícula ortogonal, cartesiana, produzindo um campo enquanto tecido esgarçado, movente. Esse modo de fazer da artista confere aquilo que produz a característica de um grande sistema que indica a formulação de conexões que, através da sensação, favorecem a vontade de gerar atravessamentos nos campos criados. Assim, para Camuzzo, tecer é o mesmo que motivar a prática do desenho em favor do procedimento que se objetiva enquanto estratégia expansiva. 2. O procedimento cartográfico

Ao pensarmos o processo de criação, nota-se que a criação do trabalho de arte é a fabricação de uma trama, rede tecida em favor da produção. Um trabalho de arte é então um tecido de conexões que constrói o possível do impossível, que traz a potência da sensação, que dá invenção enquanto movimento da vida em nós, esta que coincide com a mobilidade da própria vida nas coisas (NB: Segundo Deleuze em Lógica do sentido, a arte faz do acontecimento uma sensação, isto é, um universo que não é atual nem virtual, mas é possível estético, que nada mais é que a incorporação do acontecimento numa obra de arte.. Retomando o pensamento a respeito do trabalho de Luciana Camuzzo, o procedimento adotado pela artista coloca-se como a feitura de uma estrutura cartográfica movente. Essa tessitura que gera o trabalho pode ser abordada a partir dos escritos de Deleuze em Lógica da Sensação (2007) como a realização de um processo que sobrepõem planos e não limita o espaço, mas o expande como força e assim cria um campo do experimento sensível. Trata-se então de “um plano de composição, cuja guia não é a ordenação, mas a composição de um bloco de sensações: uma encruzilhada” (Ferraz, 2005: 11), ou melhor, uma plataforma de articulação de forças que introduz o conceito de diagrama como indicado na obra referenciada de Deleuze. Deleuze, em seu livro intitulado Focault, faz uso do conceito de diagrama para pensar as proposituras do outro filósofo que dá nome ao livro. Escreve que, para Focault, a construção da formulação abstrata do Panóptico indica a imposição de uma conduta a uma multiplicidade humana que deve ser tomada como restrita e que se faz através da repartição no espaço-tempo (Deleuze, 1995: 43) de duas variáveis indissoluvelmente ligadas, estando este — o diagrama — em um funcionamento que se dá abstraindo qualquer obstáculo ou atrito. “O Diagrama não é mais o arquivo, auditivo ou visual, é o mapa, a cartografia, co-extensiva a todo o campo social. É uma máquina abstrata. Definindo-se por meio de funções e matérias informes, ele ignora toda distinção de forma entre um conteúdo e uma expressão, entre uma formação discursiva e uma formação


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Figuras 4 e 5. Fragmento de parte de um trabalho de Luciana Camuzzo da série “Teia” (2010) de dimensões variáveis. Fonte: própria.


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não-discursiva” (Deleuze, 1995: 44). Assim Deleuze atribui a ele a característica de uma máquina que apesar de ser muda e cega produz conhecimentos (ou sensações) e indica adiante que todo diagrama não para de misturar matérias e funções de maneira a construir mutações. O Diagrama age para produzir “um novo tipo de realidade, um novo modelo de verdade” (Deleuze, 1995: 45) que desfaz a realidade e as significações dadas, diferencia-se da estrutura, já que suas alianças tecem uma rede flexível e transversal, horizontal, “definem uma prática, um procedimento ou uma estratégia, distintos de toda combinatória, e formam um sistema físico instável, em perpétuo desequilíbrio, em vez de um círculo fechado de troca” (Deleuze, 1995: 45). Assim, o que o procedimento cartográfico que Luciana Camuzzo realiza e estimula, são formas de exterioridade onde se atualizam em relações de força que aparecem em toda conexão de um ponto ao outro. Desta maneira, pode conectar-se ao exterior, ou melhor, à “pontos relativamente livres ou desligados, pontos de criatividade, de mutação, de resistência” (Deleuze, 1995: 53). “Cartografar é acompanhar processos” (Kastrup, 2009) de modo que o procedimento cartográfico de Luciana Camuzzo gera um diagrama que pode ser entendido como uma prática artística onde é produzido um plano de composição aberto, movente, que apresenta e gera a possibilidade de indicar forças que o compõe e que, a partir dele, podem ser atravessadas. 3. A cidade singular

Os “fios soltos do experimental são energias abertas que brotam para um número aberto de possibilidades” diz Helio Oiticica (1972, p.4), indicando a possibilidade de pensarmos aquilo que propõe Gilles Deleuze (1992), que sempre há linhas de fuga que abrem possibilidades. Esse viés apresentado pelo artista serve também para pensar a série Teia-jazz de Camuzzo com a qual a artista constrói linhas de fuga e lança-se ao pensar. Entende-se a partir da filosofia de Deleuze (1992) que modo de pensar é o mesmo que modo de subjetivar. Camuzzo com essa série citada foca naquilo que pode caracterizar como epicentro de sua poética artística: a cidade. Para tanto, busca “recompor” sua singularidade, sua vida como única, o seu eu-emergente (Stern, apud Guattari, 1992) para que possa gerar a “restauração da ‘cidade subjetiva’ que engaja tanto os níveis mais singulares da pessoa quanto os níveis mais coletivos. [...] Re-singularizar as finalidades da atividade humana” (Guattari, 1992: 170) e assim de seus espaços construídos. Com aquilo que até aqui foi indicado, fica evidente que o modo de pensar é semelhante ao modo de subjetivar e, cada pensamento é único, singular. Ideia que cruzada com a busca artística de Camuzzo conclui-se que o foco do seu


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trabalho é a construção de procedimentos cartográficos para a restauração da cidade subjetiva.

Naquilo que Luciana Camuzzo realiza como prática de desenho, ao instaurar o procedimento de tecer essa espécie de teia que funciona como uma cartografia sensível, traz a tona as questões da cidade. Enfoque claro em muitos dos trabalhos produzidos pela artista que associado com o que foi aqui apontado libera uma abertura pela qual é possível refletir sobre como se coloca a busca por uma vida singular a partir da restauração da idéia de cidade subjetiva, onde existe produção de si enquanto modo de habitar a cidade.

Referências Aragem contemporânea (2010) Blog. [Consult. 2013-01-10]. Disponível em <http://www. aragemcontemporanea.blogspot.com. br/2010/07/cabeleira.html Camuzzo, Luciana. Cabeleira (s.d) [Consult. 2013-01-10]. Disponível em <http://www. aragemcontemporanea.blogspot.com. br/2010/07/cabeleira.html> Acesso em 10.01.2013. Deleuze, Gilles (1995) Focault. Trad. Claudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 1995. Deleuze, Gilles (2007) Lógica da Sensação. São Paulo: Zouk., 2007. Deleuze, Gilles; Guattari, Félix (1992) O que é a filosofia? Trad. De Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

Contactar o autor: ghtorrezan@gmail.com

Ferraz, Silvio (1998) Música e repetição: a diferença na composição contemporânea. São Paulo:Educ / FAPESP, 1998. [Consult. 2012-05-20]. Disponível em: <http:// silvioferraz.mus.br/wip.htm> Guattari, Felix (1992) Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34, 1992. Kastrup, Virginia; Passos, Eduardo; Escossia, Liliana da (orgs.) (2009) Pistas do método da cartografia. Porto Alegre: Sulina, 2009. Oiticica. Hélio (s.d) Experimentar o experimental. [Consult. 2012-06-09]. Disponível em: <http://www.itaucultural. org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/ index.cfm?fuseaction=documentos&cod=3 62&tipo=2>

Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539, e-ISSN 2182-8725. Vol. 1 (2): pp. 113-119.

Conclusão: para habitar a cidade


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