Contos dos Altos e Ladeiras: “soltos na buraqueira” e “virados no mói de coentro”

Page 1

Wilson Chiarelli Luciana Borre (Orgs.)

CONTOS DOS ALTOS E LADEIRAS: “soltos na buraqueira” e “virados no mói de coentro”

2018


capa

“O segredo de Olinda”, aquarela, 2017, Leandro Guttemberg da Silva. diagramação e projeto gráfico

China Filho revisão

Maria Betânia e Silva processos de criação em quadrinhos

Alexandre Gomes de Freitas Bianca Laís Gomes da Cunha Evelise Rodrigues da Veiga Pessoa Guilherme Cavalcanti Gomes de Araújo Guilherme Gutemberg Barbosa de Paula Ismael Pena Leandro Guttemberg da Silva Luciane Goncalves de Morais Renato Galindo de Barros Filho Rosalvo Felisberto de Oliveira Filho Taynan Nataly Ayres Wilson Chiarelli catalogação na fonte

Bibliotecária Kalina Ligia França da Silva, CRB4-1408 C763 Contos dos altos e ladeiras : “solto na buraqueira” e “virado no mói de coentro” [recurso eletrônico] / Wilson Chiarelli, Luciana Borre, organizadores. – Recife : Ed. UFPE, 2018.

isbn:

Texto em quadrinhos. Vários autores. ISBN: 978-85-415-1029-5 (online) 1. Histórias em quadrinhos. 2. Patrimônio cultural – Olinda (PE) – Histórias em quadrinhos. 3. Memória coletiva – Pernambuco – Histórias em quadrinhos. 4. Contos brasileiros – Histórias em quadrinhos. 5. Graphic novel – Pernambuco. I. Chiarelli, Wilson (Org.). II. Nunes, Luciana Borre (Org.). 741.5

CDD (23.ed.)

978-85-415-1029-5

UFPE (BC2018-062)


Apresentação A cultura pop está cheia de ícones, muitos deles nascidos e criados nas HQs. Elas nos divertem, nos inspiram e nos transportam para realidades paralelas onde cada traço, personagem e onomatopeia assumem significados múltiplos. Essa linguagem cheia de elementos e provocações aguça a percepção do leitor e lhe permite ampliar o olhar sobre o fato narrado, mas também lhe convida para imaginar mais e mais sobre o que se fala. Com os objetos do Patrimônio Cultural ocorre coisa semelhante. Edificações, tradições, mitos e lendas são também elementos de uma linguagem que constrói um sentido simbólico para além da materialidade dos objetos ou da veracidade das lendas. Trata-se de inserir os objetos culturais em uma rede de sentidos. A leitura dessas linguagens – HQs e patrimônio cultural – é sempre despretensiosa e prazerosa. Por outro lado, a escrita com esses elementos, a atribuição de sentidos provocada pela linguagem das HQs aos elementos do patrimônio cultural, requer uma atenção redobrada de roteiristas e desenhistas. Associar essas duas linguagens no mesmo texto (me perdoe a metalinguagem) é como escrever em duas línguas. É assumir o risco de não ser entendido duplamente. A proposição inicial dos trabalhos aqui reunidos assumiu esse risco. Se propôs a estudantes de Artes Visuais que utilizassem da linguagem das HQs para narrar, de forma livre e descompromissada, causos da memória social de Olinda. Ou ao inverso, elementos do patrimônio cultural, foram o argumento para que desenhistas e roteiristas se apropriassem das técnicas gráficas. Pouco importa a direção em que olhe. Aqui vemos os elementos gráficos apresentando sensações e sensibilidades sobre a memória social do Centro Histórico de Olinda. O resultado é o inusitado das releituras e apropriações que as HQs nos transmitem. Assim como inesperada é a recepção do leitor vai fazer dessas narrativas gráficas. Nessas HQs lendas se atualizam, o passado surge no presente, as ironias e gracejos tomam forma gráfica. Enfim, o que temos aqui são HQs sendo utilizadas para apresentar leituras possíveis dos bens culturais do Centro Histórico de Olinda. Boa leitura e farta imaginação a você leitor. Ricardo de Aguiar Pacheco Dr. em História; Docente do Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal Rural de Pernambuco.

3


Sumário Conto dos Altos e Ladeira: uma graphic novel genuinamente pernambucana wilson chiarelli e luciana borre..............................................................

Vovó Maravilha: será que vale a pena? renato galindo de barros filho.............................................................

Não vi, não voga taynan nataly ayres..............................................................................

O menino que sonhava em ser artista alexandre gomes de freitas....................................................................

Gehena rosalvo felisberto de oliveira filho.......................................................

O segredo de Olinda leandro guttemberg da silva.................................................................

7

11

23

35

47

59


Olinda de Alceu evelise rodrigues da veiga pessoa guilherme gutemberg barbosa de paula..................................................

Governador Félix Machado luciane gonçalves de morais.................................................................

O céu de Olinda bianca laís gomes da cunha...................................................................

Parábola da peste wilson chiarelli.................................................................................

A Boitatá wilson chiarelli.................................................................................

Ana e o mar ismael pena........................................................................................

73

85

97

109

121

131



Wilson Chiarelli · Luciana Borre (Orgs.)

Conto dos Altos e Ladeira: uma graphic novel genuinamente pernambucana Sempre encontramos nas histórias em quadrinhos (HQs) um caminho para vivenciar experiências sensíveis das mais diversas naturezas. Por ser um veículo de comunicação barato, tivemos acesso a títulos de todas as categorias ainda na infância. Isso porque, no percurso da escola, passávamos todos os dias na frente de bancas de jornais. Nos anos 1980, o preconceito em relação aos quadrinhos já havia sido desconstruído e, por vezes, eram até distribuídos alguns exemplares educativos em ações didáticas nas escolas. Pense em um grande evento que gostaríamos de ter participado; uma história de amor; uma aventura; ou uma tenebrosa situação de terror. Pois bem, através dos quadrinhos é possível mergulhar por esses universos. E o melhor, com marcas de sua identidade, pois detalhes que podem enriquecer a narrativa acabam por incorporar características próprias atribuídas pelo leitor. Nesse sentido, aquele ou este personagem, nunca vai ter o timbre de voz que o desagrade. É possível até articular uma trilha sonora. A autonomia dada pelos quadrinhos torna esse tipo de linguagem singular e independente de tantas outras historicamente construídas, como o cinema, teatro, literatura e a música. E não paramos por aí. As HQs ainda oferecem uma série de outros benefícios àqueles que se rendem a sua leitura. Além de estimular a imaginação, podem estreitar o hábito da leitura, diversificar vocabulários e expandir a quantidade de informações sobre os mais diversificados assuntos (VERGUEIRO, 2004)1. Quantos quadrinhos não narraram eventos épicos que muitas vezes estão nos livros didáticos de história? Existem até quadrinhos sobre física mecânica clássica. Acreditem, as HQs podem tratar sobre qualquer assunto. 1 VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Ângela; VERGUEIRO, Waldomiro. Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Editora Contexto, 2004, p. 7-30.

7


contos dos altos e ladeiras “Soltos na buraqueira” e “virados no mói de coentro”

E se narradas de forma clara, podem ser compreendidas por qualquer um – qualquer um mesmo. Seria então as HQs um possível recurso didático para ser usado em sala de aula? Hoje em dia sabemos que sim, sendo a produção autoral desse tipo de linguagem também válida como estratégia pedagógica – algo inimaginável no início do século XX. Devido a essa mudança de perspectiva em relação aos quadrinhos, é que o leitor tem em mãos o presente objeto. Chamaremos ele de graphic novel para atribuir um caráter mais requintado. O mesmo nome cunhado por Will Eisner (1989)2 ao tentar vender alguns de seus originais a um gigante do mercado editorial estadunidense. A nossa graphic novel é resultado de uma experiência, do esforço coletivo de um grupo de quadrinistas independentes vinculados à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Suas páginas são recheadas por dez histórias com enredos fechados ou autocontidos – sem continuações. Cada uma delas tem entre oito e doze páginas, com representações dotadas de traços figurativos que vão desde o realismo ao cartunesco. Elas são assinadas por autores diferentes, sem ligações narrativas entre si. Em comum, apenas o fato de representarem situações ficcionais que se passaram na cidade de Olinda/Pernambuco, em tempos diferentes. As HQs foram desenvolvidas no desdobramento do componente curricular Tópicos em Artes 1: Quadrinhos. Sobre o tema “O Sítio Histórico de Olinda é Irado” os quadrinistas deveriam responder a seguinte problemática: quais tipos de narrativas podem estimular a ideia de pertencimento ao município de Olinda no cidadão olindense? O processo criativo durou cerca de quatro meses e contou com a colaboração de onze artistas. Convictos de que poderiam ressignificar os bens culturais da antiga capital pernambucana, eles abordaram assuntos diversificados, misturando elementos históricos e ficcionais. Previamente, estabelecemos que o público alvo da graphic novel seria formado por adolescentes entre onze e quatorze anos. Sugerimos desconsiderar qualquer cena sobre adultério, furto, matança, nudez, preguiça, ciúmes e inveja. Optamos, então, pela construção de enredos sobre solidariedade, igualdade, superação e respeito. A orientação não tinha o objetivo de suprimir a criatividade dos colaboradores, mas estimular o desenvolvimento de um produto comercial que também pudesse ser destinado para fins pedagógicos. A oficina e seu resultado acabaram por atender as exigências do Plano Municipal de Educação Patrimonial, um documento oficial da Prefeitura de Olinda. Assim, surgiu Conto dos Altos e Ladeiras: Soltos na Buraqueira e Virados no Mói de Coentro, uma graphic novel genuinamente pernambucana. Seu título 2 EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

8


Wilson Chiarelli · Luciana Borre (Orgs.)

faz referência ao espaço físico do Polígono de Tombamento e suas inclinações íngremes, instituído pela Notificação Federal nº 1.155/79. O subtítulo, uma homenagem aos corajosos autores que encararam a difícil missão de ressignificar o Patrimônio Histórico Cultural de Olinda para criar narrativas agradáveis através de uma linguagem acessível ao público mais jovem. Quadrinistas que se encontravam semanalmente no Ateliê 09 – sim, aquele com a porta vermelha que fica próximo ao restaurante Aquarela no Centro de Artes e Comunicação da UFPE – para discutir e produzir histórias em quadrinhos. Mas, não pensem que as narrativas foram criadas apenas a partir da criatividade dos seus autores. Atuamos como verdadeiros pesquisadores, ratos de biblioteca, arquivos e internet. Pesquisadores sedentos por vestígios sólidos que pudessem dar pistas sobre as memórias de Olinda. Artigos, livros, imagens depoimentos orais, essas foram as fontes documentais selecionadas por nossos quadrinistas para contar alguma novidade de encher os olhos. O resultado, vocês podem conferir nas páginas a seguir. Assuntos relacionados aos grandes eventos da história, os membros da elite, anônimos do tempo presente, músicos consagrados, entidades malignas, mitos, epidemias e símbolos da cultura popular. Diversificar os conteúdos foi a forma que encontramos de atingir as múltiplas porções culturais olindenses, e porque não pernambucanas. Uma maneira de rememorar eventos desconhecidos pelos mais jovens e legitimar as vozes de outros tantos que jamais foram registrados, nem mesmo didaticamente. O objetivo é estimular elementos identitários através dos bens culturais do nosso povo, nossa gente, mostrar que não são cafonas e antiquados – que podem ser tão instigantes quanto as culturas estrangeiras. O que não nos impediu de buscar referências no gigantesco universo da indústria cultural. Nesse sentido, em meio aos nossos quadrinhos, há muito da nossa cultura e doses homeopáticas do cinema estadunidense, do mangá, da arte renascentista e da estética underground. Tudo isso porque gostaríamos de representar o Município de Olinda de forma diferente, através de um material que esteja de acordo com as tendências da cultura pop industrial. Que provoque emoções e chame a atenção de diversas tribos, principalmente o público geek – membros aficcionados por quadrinhos, cinema, games, séries e objetos colecionáveis. A ideia é inserir um novo padrão, que possa ser transformado em um grande investimento cultural. Algo que possa ser produzido por nós, com categoria e legitimidade, sem sermos taxados de plagiadores ou perpetuadores de clichês. Algo que com o tempo, possa ser visto com orgulho àqueles que cresceram em contato com esse tipo de narrativa. Seguindo ainda a linha de raciocínio de caráter regionalista, é uma maneira de colocar em evidência os nossos artistas, sem precisar que eles representem símbolos de culturas estrangeiras. Colocar em prática o sonho de Flavio Colin (reconhecido ilustrador e autor de histórias em quadrinhos brasileiro) fazendo

9


contos dos altos e ladeiras “Soltos na buraqueira” e “virados no mói de coentro”

com que a indústria de quadrinhos ganhe fôlego. É preciso dar continuidade à prática através de projetos que mantenham viva a ideia de investir nos quadrinhos com temas regionais. Abusar de nossa diversidade cultural para criar personagens carismáticos que se envolvam em tramas que prendam seus leitores a cada momento ou a cada vinheta. Por fim, gostaríamos de explanar alguns detalhes que podem contribuir para uma melhor relação do leitor com nossa obra. Na verdade, gostaríamos de dizer que a ordem das narrativas na publicação não obedece qualquer tipo de lógica, nem mesmo cronológica. A seleção para sua organização ocorreu de maneira aleatória, ou melhor, sorteada. Assim, cada um pode iniciar a leitura a partir da história que preferir – seja pelo tema, pelo título, estilo ou paleta de cores. Não seguimos um padrão no que diz respeito às fontes dos balões, pois julgamos que cada quadrinista selecionou àquela que melhor se adequasse à estética da sua história – o que realmente facilitou muito o nosso trabalho. E por último, é importante sugerir que as narrativas podem ser acompanhadas por biscoitos, pipocas, pizzas ou aquele lanche de sua preferência. Boa leitura. Wilson Chiarelli3 e Luciana Borre4

3 Wilson Chiarelli é professor de História na rede privada de ensino de Olinda e mestre em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. 4 Luciana Borre é Doutora em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Educação (PUCRS) e professora nos cursos de graduação e pós-graduação em Artes Visuais na Universidade Federal de Pernambuco.

10


Vovรณ Maravilha: serรก que vale a pena? renato galindo de barros filho


12


13


14


15


16


17


18


19


20


21



NĂŁo vi, nĂŁo voga taynan nataly ayres


24


25


26


27


28


29


30


31


32


33



O menino que sonhava em ser artista alexandre gomes de freitas


36


37


38


39


40


41


42


43


44


45



Gehena rosalvo flisberto de oliveira filho


48


49


50


51


52


53


54


55


56


57


58


O segredo de Olinda leandro guttemberg da silva


60


61


62


63


64


65


66


67


68


69


70


71



Olinda de Alceu evelise rodrigues da veiga pessoa guilherme gutemberg barbosa de paula


74


75


76


77


78


79


80


81


82


83



Governador FÊlix Machado luciane gonçalves de morais


86


87


88


89


90


91


92


93


94


95



O cĂŠu de Olinda bianca laĂ­s gomes da cunha


98


99


100


101


102


103


104


105


106


107



Parรกbola da peste wilson chiarelli


110


111


112


113


114


115


116


117


118


119



A Boitatรก wilson chiarelli


122


123


124


125


126


127


128


129



Ana e o mar ismael pena


132


133


134


135


136


137


138



Composto em tipografia Open Sans Corpo 10, entrelinha 12 Formato 16x22cm 140 pรกginas

140


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.