Sem Mandamentos Conversas de Estágio em Artes Visuais, Dança e Teatro
Luciana Borre Maria Betânia e Silva Eduardo Romero (Orgs.)
Sem Mandamentos Conversas de Estรกgio em Artes Visuais, Danรงa e Teatro
2018
Reitor Prof. Anísio Brasileiro de Freitas Dourado Vice-Reitora Profa. Florisbela de Arruda Camara e Siqueira Campos Diretor do Centro de Artes e Comunicação Prof. Walter Franklin Marques Correia Chefe do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística Profa. Renata Wilner Coordenadora do Curso de Artes Visuais Profa. Luciana Borre Nunes Diretor da Editora da Universidade Federal de Pernambuco Lourival Holanda Editor Chefe da Editora da Universidade Federal de Pernambuco Eduardo Cesar Maia Revisão Profa. Luciana Borre Nunes Profa. Maria Betânia e Silva Prof. Eduardo Romero Lopes Barbosa Capa e Diagramação Prof. Eduardo Romero Lopes Barbosa Catalogação na fonte: Bibliotecária Kalina Ligia França da Silva, CRB4-1408
Sumário 06 Ações Pedagógicas em Artes Visuais, Dança e Teatro Luciana Borre, Maria Betânia e Silva e Eduardo Romero 12 A Ponte e o Vão Annaline Curado e turma de Fundamentos da Arte Educação 2017 54 Práticas Pedagógicas de Teatro no Ensino Fundamental: um Relato de Experiência de Estágio Diego Rafael Ferreira de Melo Cavalcanti e Marianne Tezza Consentino 62 Lançamento: Primeiras Impressões e Experiências na Docência João Victor Pinto Baía 73 Um Caminho para as Artes Visuais na Escola Julia Cecilia Jota Queiroz Barbosa e Thaynan de Oliveira Sales 89 Diários de Estágio: Relatos e Percepções da Prática Docente Ingrid Borba de Souza Domingos, Lizandra Santos da Silva e Luciana Borre 99 Laboratório de Artes: Práticas de Experimentação Artística na Educação Infantil Niara Mackert Pascoal
112 Ah, estranho! Rosalvo Felisberto de Oliveira Filho e Jonatas Ferreira da Silva 124 “Inventário Curumim”: Sociedade-Cultura-Identidade-Arte-Educação Ziel dos Santos Mendes 137 Inquietações da Experiência Docente em Rede Pública Giselle Natália Izidoro Silva 152 Holocausto, Artes e Liberdade: Experiências de Mediação na Exposição “Meninas do Quarto 28” Marco Cézar de Oliveira Brito Filho 163 Linha: Imersão Poética e Práticas de Mediação Cultural Jacilene Borba e Luciana Borre 171 Experiências com Mediação Cultural Mariah Cysneiros da Silva 183 Mediações Culturais no Museu Cais do Sertão Silvia Ferreira de Oliveira 188 A Narração de Histórias como Essência Poética e Metodológica para Mediar a Arte que Sinto: do Salvador Dalí e de Seu Bigode Artista Adélia Oliveira
198 Os Desafios e Resistência do Ensino de Teatro: A Experiência do Estágio de Observação na Escola Municipal de Artes João Pernambuco/Recife Ellis Regina Albuquerque de Souza e Igor de Almeida Silva 204 Reverberações da Prática Pedagógica: a Importância do Estágio na Formação do Professor de Teatro e a Conexão com o Processo Criativo na Sala de Aula Diego Rafael F. de Melo Cavalvanti e Igor de Almeida Silva 210 Monitoria e Estágio Curricular: Reflexões sobre o Processo Formativo de um Arte/Educador no Curso de Licenciatura em Dança/UFPE José Roberto do Nascimento Junior e Gabriela Santos Cavalcante Santana 217 Transgressão e Experiências em Mediação no Instituto de Arte Contemporânea/ IAC Pedro Henrique Barbosa da Silva 224 Arte e Escola: uma história em quadrinhos Thaik Santos e Jonatas Ferreira
Ações Pedagógicas em Artes Visuais, Dança e Teatro Luciana Borre Maria Betânia e Silva Eduardo Romero
“Professoras dóceis”, Ingrid Borba (2018). Toalha em algodão cru bordada.
Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos De rostos serenos, de palavras soltas Eu quero a rua toda parecendo louca Com gente gritando e se abraçando ao sol Hoje eu quero ver a bola da criança livre Quero ver os sonhos todos nas janelas Quero ver vocês andando por aí Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse Eu até desculpo o que você falou Eu quero ver meu coração no seu sorriso E no olho da tarde a primeira luz Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto Eu quero um carnaval no engarrafamento E que dez mil estrelas vão riscando o céu Buscando a sua casa no amanhecer Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada Rasgar a noite escura como um lampião Eu vou fazer seresta na sua calçada Eu vou fazer misérias no seu coração Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua Pra escrever a música sem pretensão Eu quero que as buzinas toquem flauta-doce E que triunfe a força da imaginação Sem Mandamentos (2004), Oswaldo Montenegro.
Os mandamentos existem, vocês acreditem ou não. Não só existem como contribuem de maneira significativa na construção da identidade profissional docente. São preceitos apreendidos nas experiências cotidianas e nas relações escolares que são reafirmados sem muitas dúvidas e que persistem em nossas ações pedagógicas. Possivelmente, damo-nos conta apenas quando alguém resolve romper com a lógica estabelecida e, por isso, as relações de ensino e de aprendizagem têm o potencial de revelação daqueles mandamentos que nos constituem.
Certo dia, escutamos o relato de uma professora que, envergonhada, confessou-nos que não tinha lido um livro sequer durante sua licença maternidade. Por algum motivo, a jovem colega, consternou-se pela suposta “falha” em sua trajetória como educadora. Afinal, como exigir leitura de seus estudantes sem uma conduta similar? De algum lugar em sua trajetória a professora consolidou o preceito de que educadoras/es não podem se afastar dos livros e que há um quantitativo mínimo de leitura para que sua atuação seja legitimada e para que também possa exigir a mesma ação de seus estudantes, dando-lhes “bons exemplos de moral”. Em outra situação, uma estudante comentou que estava sofrendo assédio na escola em que estagiava. Para “resolver” a situação, impedindo a continuidade dos episódios de intimidação, deixou de vestir alguns tipos de roupas para não “provocar maliciosamente” os olhares dos adolescentes das turmas em que ensinava. Afinal, quais seriam as condutas e posturas adequadas a uma profissional da educação? O “bom exemplo” também pesou em suas atitudes que, para “não humilhar uma criança - adolescente - achada em culpa”, resolveu trocar seu vestuário para evitar situações de constrangimento. Qual voz de comando exerceu maior grau de sujeição? A toalha bordada “Professoras Dóceis” (2018), de Ingrid Borba é uma releitura de um documento encontrado no livro O Ensino Normal de Pernambuco (1922 a 1926), escrito pelo 7
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médico e professor Ulisses Pernambucano. O documento, escrito na década de 1920, mostra as normas de conduta para o exercício da profissão de normalista. Ingrid Borba encontrou este registro nos arquivos das inúmeras mulheres professoras de sua família, percebendo-se imersa nestes tipos de mandamentos questionou: quais destes códigos ainda fazem parte da formação de professoras/es? Como os preceitos de docilidade, bondade e doação se sobrepõem aos aspectos da profissionalização das/os professores na contemporaneidade? Quais destes mandamentos ainda permeiam as atuações pedagógicas e a quem podem interessar? As perguntas ampliaram-se, afetando nossas rememorações e instigando-nos a protagonizar a construção de novos possíveis “mandamentos” sobre o fazer pedagógico em Artes Visuais, Dança e Teatro. Sendo assim, ao apresentarmos os 18 artigos oriundos dos estágios curriculares obrigatórios, realizados em 2017 na Universidade Federal de Pernambuco, buscamos caminhos de reinvenção e ressignificação das relações de ensino/aprendizagem, instituindo-nos como possíveis “sem mandamentos”. A cada encontro de orientação e compartilhamento de experiências de estágios em campos formais e não formais de ensino percebíamos que as/os estudantes identificavam preceitos consolidados sobre o fazer pedagógico e exercitavam a prática da dúvida. Jaci Borba, por exemplo, problematizou o distanciamento entre artista e público ao abrir-se
para a interferência dos visitantes em seu processo de criação com linhas e bordados. Ingrid Borba e Lizandra Santos deixaram conteúdos preestabelecidos de lado – mandamento difícil de romper em um contexto de subjetivação capitalística – para focar suas ações pedagógicas nas produções das/os estudantes como youtubers. Tornando-se “poeta que dança pela rua” e “escrevendo a música sem pretensão” a professora Annaline Curado Piccolo presenteou-nos com um novo mandamento “A ponte e o vão”, uma narrativa visual que desloca olhares sobre as metodologias de ensino em artes, priorizando as relações que conectam sonhos e experiências de vida. Diego Cavalcanti e Marianne Consentino rememoram criticamente as contradições e os desafios vivenciados no campo de estágio e as possíveis estratégias de superação docente, ressaltando o quanto é essencial uma postura questionadora e um posicionamento crítico na escolha da metodologia diante da realidade do grupo de estudantes com o qual se trabalha. Utilizando-se do dispositivo do diário de bordo para registro de suas observações docentes João Baía, em seu campo de estágio, exercita a dilatação do olhar para o cotidiano escolar. Destaca como uma de suas aprendizagens a percepção de que a dinâmica de uma sala de aula exige uma flexibilidade que nem sempre é planejada previamente, reforçando assim, que mandamentos antecipadamente estabelecidos e ditados como regras a serem seguidas precisam ser problematizados. 8
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Nesse sentido, a aprendizagem da atuação docente também ocorre na própria ação de observação in loco com os desafios, a organização do ensino/aprendizagem, a administração do tempo, a (re)construção das relações interpessoais no campo de atuação. Esse exercício foi considerado imprescindível por Julia Barbosa e Thaynan Sales para quem começa a buscar o caminho da docência. Os momentos de estágio são experiências de laboratório do aprender, do ser, do fazer docente. Assim, registra Niara Pascoal que a mistura de medo, receio de não conseguir e sentimento de incapacidade diante dos desafios e responsabilidades fazem parte de uma complexa sensação vivenciada no chão da escola. Diante disso, a autora ressalta que os processos de aprendizagem vão além do desenvolvimento cognitivo englobando os sentidos, sensações e emoções. Lidar com as frustrações e abrir mão da inventividade para contornar acontecimentos inesperados que não estavam previstos nos planejamentos das aulas, são os questionamentos de Ingrid Domingos, Lizandra Silva e Luciana Borre. Neste relato, a experiência de estágio docência é percebida como uma ação híbrida, onde diversos aspectos e particularidades devem ser exercitados no dia a dia da do professor. A identificação das necessidades individuais e pedagógicas das crianças bem como a adaptação e o planejamento das aulas, procedimentos e atividades, foram destacadas por
Rosalvo Filho e Jonatas da Silva como desafios fundamentais para a formação de um futuro professor de arte. Assim, evoluções nas esferas, críticas, pessoais, técnicas e artísticas são etapas imprescindíveis para o desenvolvimento integral do sujeito. Os encontros e compartilhamentos das experiências e vivências dos estágios durante a formação dos estudantes para a docência em arte também são fundamentais para o fortalecimento do grupo, para a ampliação das reflexões e práticas de criação artística, para a solução de problemas e dificuldades identificadas no espaço educativo. Assim, Ziel Mendes evidencia a partilha de desejos, anseios, expectativas e reflexões sobre a importância desse momento em sua formação como docente, por acreditar que a construção do saber se dá pelo acúmulo e ressignificação das experiências e vivências humanas. O/a estagiário/a e o/a professor/a, em seu campo de atuação, muitas vezes se depara com situações de violência, de agressão física, moral, psicológica. As lacunas existentes na formação de base dos seres humanos para o respeito, o afeto e o cuidado com o outro se tornam cada vez mais evidentes. Nesse sentido, Giselle Silva relata sua experiência destacando o quanto é reconfortante ter o reconhecimento e valorização do seu trabalho e fazer parte de um pequeno pedaço da construção social individual de um ser. Por sua vez, Marco Filho registra a experiência agregada, no campo de estágio, 9
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como elemento engrandecedor para a formação docente em Artes Visuais que vai além da compreensão do como relacionar-se com o público, mas também envolve, entre outros, aspectos referentes à gestão de equipamentos culturais. Imergindo poeticamente em processo de criação artística docente Jaci Borba e Luciana Borre mergulham em percursos introspectivos que investigam os limites, impasses, impulsos pessoais nas relações interpessoais buscando compreender-se na abertura ao outro que se apresenta no cotidiano do espaço educativo, ampliando o reconhecimento do/a professor/a enquanto sujeito que se forma e reforma continuamente. Mariah Silva investe na reflexão das experiências como docente e mediadora no âmbito da educação não formal, ou melhor, na mediação em espaços culturais. A Galeria Capibaribe do Centro de Artes e Comunicação da UFPE é o locus para tal proposições, no que diz respeito à relação de ensino/aprendizado dentro e fora das galerias de arte e museus, revelando a importância do artista e de todos que trabalham nesses espaços. A importância do núcleo educativo nos museus no exercício de mediação e nas ações educativas, são as preocupações de Silvia Oliveira. Em suas reflexões, o papel do professor como facilitador do acesso ao conhecimento, deve levar em consideração a bagagem, as vivências e as experiências do educador. Adelia Oliveira relata a imersão pessoal enquanto mediadora de arte, revelando ex-
periencias singulares, a partir da contação de histórias como estratégia de aproximação dos fundamentos da arte, da vida e das lembrança pessoais dos envolvidos no processo de ensino/aprendizado. A importância da linguagem teatral nas instituições escolares públicas são os questionamentos de Elis Souza e Igor Silva. Aqui eles ressaltam a importância de desenvolver um trabalho de qualidade no ãmbito da práxis do teatro na educação. Diego Cavalvanti e Igor Silva relatam a busca da maturidade enquanto educadores nas práticas do conhecimento do teatro em sala de aula, assim como lidar com as frustrações e a descoberta do poder de adaptação diante dos imprevistos nas atividades e nas ações docentes. A monitoria e o estágio curricular no processo formativo do arte-educador no curso de licenciatura em dança/UFPE são postos lado a lado nas reflexões de José Júnior e Gabriela Santana. Questionamentos tais como: que educador desejamos ser? Como a monitoria nas disciplinas de graduação podem ser auxiliares no desenvolvimento a formação docente? Essas perguntas são problematizadas pelos discentes na prática do estágio docência. Pedro Silva numa narrativa intimista, revela como sua experiência como arte/educador/mediador no Instituto de Arte Contemporânea- UFPE, foi importante para sua futura formação docente, além de perceber a importância dos espaços expositivos artísticos. 10
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Por fim, no último artigo que compõe essa coletânea, Thaik Santos e Jonatas Ferreira levam a linguagem das histórias em quadrinhos como conteúdo para a prática docente em artes. Portanto, como pode-se perceber, conversas não se encerram, parecem nunca ter fim... pois uma conversa puxa uma outra, que puxa outras tantas mais... Esta publicação e seus 18 artigos, evidenciam a partir do diálogos/conversas, algo fundamental no exercício da docência: os fatos cotidianos das salas de aulas que se estabelecem em níveis e situações distintas, sejam elas tensas ou carregadas de afetos, nos momentos de esgotamento físico/mental ou na euforia de uma atividade desbravadora. Assim, as conversas de estágio que reúnem experiências e reflexões acerca da prática docente, é posta em perspectiva pelo olhar dos futuros e jovens professores.
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A Ponte e o VĂŁo Annaline Curado
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Práticas Pedagógicas de Teatro no Ensino Fundamental: um Relato de Experiência de Estágio Diego Rafael Ferreira de Melo Cavalcanti Marianne Tezza Consentino
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Cora Coralina
Este artigo busca refletir sobre a relação com o estágio curricular realizado no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, no primeiro semestre de 2017, no sexto ano do ensino fundamental. Por meio de relatórios, de observação e de leituras, rememoramos e assim consideramos criticamente as contradições e os desafios vivenciados no campo de estágio e as possíveis estratégias de superação, levando em consideração a realidade social e geográfica onde a escola se encontra. O CAp, como é conhecido o colégio, se localiza no bairro da Varzéa, dentro do campus da Universidade, na cidade do Recife. Esse bairro, majoritariamente residencial, possui uma grande população de baixa renda. O Colégio, apesar de público, tem sua seleção feita a partir de uma prova escrita e esse foi o primeiro ano que o sistema de cotas fez parte dessa triagem. Sintomaticamente, percebemos que o acesso da população periférica é tolhido devido a este tipo de seleção.
Desta forma, o Colégio de Aplicação abriga grande quantidade de alunos de outras regiões do Recife e de realidades sociais distintas. Por ser uma referência de ensino e ter altos índices de aprovação no vestibular, o que é muito valorizado para o modelo de educação que temos, a procura é tão ampla por parte daqueles que têm condições de bancar uma escola particular. O CAp, além de ser um colégio conceituado, também é tradicional. Foi fundado em 1958 e atendia a antiga Faculdade de Filosofia. Hoje ele faz parte do Centro de Educação e atende os acadêmicos das diversas licenciaturas em suas habilitações. O campo de atuação inclui a elaboração de novas técnicas pedagógicas e educacionais e os objetivos de seu Projeto Político Pedagógico Institucional se direciona para um local privilegiado na formação continuada e na aplicação de conceitos e teorias educacionais. De forma que teríamos um ambiente educacional modelo. O Colégio possui uma infraestrutura
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exemplar. Laboratórios bem conservados e estruturados, para várias disciplinas e não só para informática, como na maioria das escolas estaduais e municipais; salas especiais para o ensino de arte e de outras matérias; uma quadra que conta, dentre outras coisas, com uma cabine de som; espaços atrelados ao bom uso e devidos materiais necessários para o funcionamento pleno dessas dependências. O Colégio de Aplicação tem uma infraestrutura bem potente em relação à realidade educacional da cidade e isso com certeza o coloca, novamente, em outro patamar. O Colégio conta com um corpo docente bem preparado e atuante, que em sua maioria se adequa à sua proposta e busca uma performance conforme suas exigências. Muito parecido com a relação que os discentes têm com a Instituição. São visíveis o respeito pedagógico instaurado e a consciência geral de que tudo aquilo é muito enriquecedor para os envolvidos. Estando claro que, em sua maioria, essas pessoas querem dar o seu melhor para a manutenção desse status e, principalmente, para a busca de uma excelência em ensino. Como já foi dito, o PPPI (Projeto Político Pedagógico Institucional) prioriza a formação continuada e um ambiente de práticas pedagógicas aplicadas atreladas ao funcionamento pleno das funções de uma escola. Este projeto dialoga bastante com Paulo Freire e tem como um de seus objetivos: apropriação do conhecimento como instrumento fundamental para a compreensão do mundo, sendo uma condição essencial para o exercício pleno da cidada-
nia. A autodeterminação, pensar e viver com o senso crítico, fazer interferências, levantar hipóteses, testar e avaliar. O sistema de avaliação divide-se em bimestres, sendo quatro ao todo. A cada bimestre o aluno é avaliado em diferentes níveis buscando a realização integral do plano de ensino de cada disciplina. Em teatro, essa avaliação é continuada, não sendo obrigatória a aplicação de uma prova para verificação dos assuntos ensinados. No próprio programa da disciplina Teatro podemos verificar as metas, a metodologia e a abordagem que a professora pretende utilizar ao longo do ano escolar. Na ementa, a professora discorre acerca da disciplina: seus objetivos e seus conteúdos. A disciplina Teatro possui 80 horas anuais, sendo duas horas semanais em aulas geminadas. Na turma que acompanhei como estagiário, as aulas aconteciam todas as segundas-feiras, às 7h20. Um horário propício para se trabalhar corpo e conseguir uma atenção e concentração melhor dos estudantes, pois os mesmos estão, supostamente, descansados e mais predispostos para as atividades propostas. A metodologia articula a tríade apreciar-contextualizar-produzir, embasada pela abordagem metodológica triangular de Ana Mae Barbosa, uma das principais referências no ensino de arte no Brasil. Sobre a tríade a autora diz que (…) não (…) apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve.
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Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário e é conteúdo. Como conteúdo, Arte representa o melhor trabalho do ser humano. (BARBOSA, 1996, p. 4)
Barbosa discorre a respeito de sua abordagem e é muito certeira ao falar do ambiente básico para uma boa fruição da arte no âmbito escolar e dialoga com Freire ao afirmar que é preciso respeitar a realidade do grupo sempre. Logo, (...) um currículo que interligasse o fazer artístico, a história da arte e a análise da obra de arte que estaria se organizando de maneira que a criança, suas necessidades, seus interesses e seu desenvolvimento estariam sendo respeitados e, ao mesmo tempo, estaria sendo respeitada a matéria a ser aprendida, seus valores, sua estrutura e sua contribuição específica para a cultura. (BARBOSA, 1999, p.35)
Essa definição abarca o sentido dessa proposta e traduz a forma como ela é utilizada em sala de aula pela professora de Teatro do CAp. Como vimos, a abordagem triangular permite o respeito à matéria estudada e seus valores, instaurando um ambiente propício para o Teatro cumprir suas funções como disciplina de arte, deixando de servir como um simples instrumento. Sonia Kramer (apud DESGRANGES, 2006, p.21) afirma que “para ser educativa, a arte precisa ser arte e não arte educativa”. E é a partir dessa prerrogativa que o drama chega neste processo de ensino/aprendizagem no CAp. O drama como método de ensino ficou
conhecido na segunda metade do século XX na Inglaterra e chegou ao Brasil por meio de Beatriz Ângela Vieira Cabral, que dialoga com Barbosa quando diz: “Esta visão do drama é intensificada, na esfera do ensino, pela constatação do impacto das formas dramáticas no cotidiano da criança – por meio da televisão, das propagandas, fotografias, ou das interações sociais” (CABRAL, 2006, p.11). O drama é mais que um método de ensinar teatro, é o próprio fazer teatral sendo pedagógico e transformador. O drama como método de ensino, eixo
curricular e /ou tema gerador constitui-se atualmente numa subárea do fazer teatral e está baseado num processo contínuo de exploração de formas e conteúdos relacionados com um determinado foco de investigação. (CABRAL, 2006, p.12)
Em suas conceituações a respeito do drama, Beatriz Cabral (2006) o define como
uma forma essencial de comportamento em todas as culturas, [que] permite explorar questões e problemas centrais à condição humana, e [que] oferece ao indivíduo a oportunidade de definir e clarificar sua própria cultura. É uma atividade criativa em grupo, na qual os participantes se comportam como se estivessem em outra situação ou lugar, sendo eles próprios ou outras pessoas. (CABRAL, 2006, p.11)
O drama dialoga com as indagações e os desejos de Paulo Freire, o educador que embasa todo Projeto Político Pedagógico do Colégio. O drama não é um assunto engessado e muito menos as formas como ele é trabalhado, pois está desvinculado de um texto dramático prévio ou de um script, fazendo com que os 56
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conteúdos sejam dinamizados e desmecanizados. O drama utiliza as próprias vivências dos estudantes como um mote pedagógico, como defende Freire: A partir da relação do homem com a
realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e dos homens com os homens, desafiado e respondendo ao desafio. (FREIRE, 2002, p.51)
Discutiremos questões específicas sobre as aulas de teatro no CAp depois que tivermos uma maior consciência do funcionamento global do Colégio, com base nas relações didáticas, sociais e pedagógicas que este tem com todos os envolvidos no ambiente escolar. Como também, nas possibilidades de atividades extracurriculares e nos eventos e festividades, considerando as atividades do conselho de classe. O Aplicação é reconhecido como um Colégio que tem um diálogo constante com os pais. Tem um departamento que cuida da saúde mental de seus estudantes, sendo necessário um acompanhamento dos responsáveis, em alguns casos. Esse departamento entra em contato com esses responsáveis para melhorar a comunicação das partes que envolvem a educação dos jovens, visando um envolvimento mais amplo com a vida do estudante, para assim poder ampará-lo da melhor forma. O conselho de classe, que acontece ao final
de todos os bimestres, tem as funções de aumentar e melhorar o diálogo entre os estudantes, os professores e as demais partes do Colégio. Num primeiro momento, é lido um relatório feito pelos alunos sobre os professores. Esses estudantes anteriormente conversam sobre suas impressões do professor, da aula, dos conteúdos e preparam esse relatório para cada educador. Dada as constatações, os professores dialogam com esses estudantes e tentam equilibrar as críticas e os elogios sempre se embasando em teorias e práticas metodológicas. Num segundo momento, os alunos saem do conselho e os professores começam a discutir sobre cada integrante da referida turma, em particular. E desse prognóstico surgem as inquietações, os problemas, as soluções e os caminhos que melhor se encaixam naquela realidade. Os outros departamentos pedagógicos do Colégio absorvem essas informações e fazem o que estão ao seu alcance para melhorar o aproveitamento do discente. Esse conselho tem o papel de aproximar as diversas partes que compõem a instituição e é uma ferramenta importantíssima na construção de um ambiente escolar mais democrático. O diálogo com os pais também acontece em reunião de pais bimestralmente, onde mais uma vez a escola se coloca como um ponto de intersecção entre a realidade social daquele estudante e a vida escolar do mesmo, levando sempre em consideração as nuances que fazem parte da estrutura desse estudante como um todo. 57
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A comunidade escolar é muito movida pelas festividades que acontecem ao longo do ano escolar. Durante as épocas comemorativas, como Natal, São João ou Páscoa, sempre são feitos trabalhos relacionados àquele período comemorativo: Autos de Natal, Paixão de Cristo, quadrilhas e encenações diversas, ligando mais uma vez a realidade com a educação. Todavia, diferentemente de muitas outras escolas, o Aplicação não cobra do professor de artes um produto para cada data festiva como sendo essa a única função do Teatro na escola. Voltando à estrutura das aulas de Teatro que observamos, percebemos uma estruturação e uma coesão muito forte em tudo que a professora fazia. É incrível, para um primeiro estágio, ter esse tipo de relação com a prática teatral no ensino fundamental. Apesar de grande parte das crianças não terem tido um acesso à linguagem teatral anteriormente, elas se apropriaram com facilidade dos jogos teatrais e dramáticos propostos, dos relatórios, do fazer teatral por completo. A professora sempre pedia, ao final da aula, a feitura de protocolos por dois estudantes, que eram lidos no começo do encontro seguinte. Nesse protocolo, eles deviam contar o que houve na aula de uma forma não convencional, mas sistematizando os acontecimentos e sensações daquela experiência. Um dos dias mais inspiradores foi quando vimos um dos estudantes apresentar seu protocolo de uma forma extremamente teatral, com criação de personagens e de um
local fictício. Ele interpretou um repórter de algum jornal local, que além de dar as notícias mais comentadas do momento, falava sobre a grande aula de teatro que havia acontecido na semana anterior. O que mais nos chamou a atenção nesse relatório, em particular, foi a desenvoltura que o estudante, mesmo sem contato prévio com o teatro, mostrou. Mostrar é uma palavra que define bem, pois ele o fez sem medo. Depois dos protocolos, a professora fazia regularmente um aquecimento voltado para a concentração e consciência corporal das crianças e iniciava jogos teatrais que serviam a esse propósito, mas que iam além, dando suporte para o trabalho teatral em outras camadas, como a interpretação. Para inserir o drama, a professora primeiramente buscou nos textos de Adriana Falcão (2013) um pretexto, uma provocação que fosse dar gás à criatividade e impulsionar o trabalho artístico por meio de indagações orgânicas. Questionamentos que faziam parte do cotidiano daquelas crianças, que elas traziam com o passar das aulas. Os estudantes compraram a ideia de imediato. Da definição da palavra medo, que Falcão traz no seu livro “Pequeno dicionário de palavras ao vento” (2013), a professora assumiu uma personagem. Ela era uma guia de acampamento e os alunos eram os acampados, todos estavam numa cabana no meio da floresta quando ouviram um barulho muito alto. E assim, trazendo na narrativa ideias de local e de ações foi desenvolvendo-se, a partir do 58
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improviso com os estudantes em sala de aula, uma dramaturgia, um enredo. Essa narrativa foi se desdobrando ao passar das aulas. Descobria-se que o barulho veio de um monstro que batia na porta daquela cabana. Foi quando um dos alunos logo assumiu esse papel. Para dar continuidade à cena, a professora pediu que os estudantes dessem sugestões e a opção que teve mais aceitação passou a ser parte do roteiro. Um dos discentes sugeriu que prendessem o monstro e assim terminava a história que foi criada coletivamente. Em um segundo momento, a docente separou a turma em três grupos e pediu que eles dessem nome a essa cena e que ensaiassem, cada um a sua história, desenvolvida a partir da primeira cena que foi criada por todos. A postura da professora em sala de aula é outra coisa que nos chamou bastante atenção. Ela evita se posicionar acerca dos questionamentos que surgem na sala, dando vazão à visão das crianças, dando espaço para elas se exporem e dessa maneira rever criticamente suas opiniões preconceituosas ou simplistas sobre uma miríade de assuntos, tanto no que diz respeito ao teatro, como no que diz respeito aos temas sociais que surgiram durante o processo. Essa postura da professora tira o peso da responsabilidade do professor como formador de opiniões e o coloca num lugar muito mais eficiente e prazeroso, o de questionador. Gostamos de dialogar com Paulo Freire quando ele discorre sobre a Pedagogia da Pergunta
e de como esse lugar é desconcertante, mas necessário, para um avanço nas relações educacionais. Um dos grandes fantasmas na graduação de um licenciando é justamente sobre a formação dessa postura do professor, sobre como devemos lidar com situações que saiam do nosso controle ou nos tirem da nossa zona de conforto. Sobre isso Freire comenta: Me parece importante observar como há uma relação indubitável entre assombro e pergunta, risco e existência. Radicalmente, a existência humana implica assombro, pergunta e risco. E, por tudo isso, implica ação, transformação. A burocratização implica a adaptação, portanto, com um mínimo de risco, com nenhum assombro e sem perguntas. Então a pedagogia da resposta é uma pedagogia da adaptação e não da criatividade. Não estimula o risco da invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem de negar a própria existência humana. (FREIRE, 1985, p. 27)
Foi realmente ímpar ter tido contato com a realidade teatral na escola nessas circunstâncias. Reconhecemos que o processo se deu dessa maneira por conta da boa estrutura da escola. Da mesma forma, as aulas de estágio, previstas no currículo do curso de Licenciatura em Teatro e que aconteciam todas as terças-feiras à tarde, tiveram um papel fundamental nesse percurso. O incentivo que a professora de Estágio nos dava, com sua postura e com os textos sugeridos para discussão, que foram escolhidos a dedo por ela, caíram como uma luva, mostrando que é possível pensar em prática atrelada à teoria. Toda essa estrutura dá ao estagiário uma sensação de acolhimen59
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to e engrandece a vivência deste. Salume comenta que:
Nesse sentido, um projeto estruturado com uma “espinha dorsal” bem definida facilita as relações fundamentais do trabalho docente e evita um descompasso entre os conteúdos. (...) Falar da relação entre teoria e prática no estágio curricular em teatro abrange a importância do registro e da reflexão sobre essas experiências. Afinal, algumas dificuldades enfrentadas pelos alunos são comuns em diferentes grupos e passíveis de serem minimizadas. Considerando a efemeridade do fazer teatral, o que não é registrado, se perde, se dilui com o tempo. (SALUME, 2011, p. 1-5)
rumos que o teatro pode percorrer nas instituições de ensino. Se tivermos a chance de pôr a mão na massa e aplicar o que nos compete, os resultados são compensadores, nos dão ânimo para continuar indo de encontro à corrente tecnicista e provar a necessidade do teatro no ensino básico. Os contratempos acontecerão em todas as situações, sejam elas facilitadoras, ou não. Tenhamos forças para transformar aquilo que vemos como um impedimento em um degrau para novos desafios!
A partir disso, reconhecemos a necessidade de um registro para um melhor aproveitamento dessa experiência, principalmente no campo teatral. Por ser uma arte efêmera, muito do que fazemos acaba se perdendo nas entrelinhas da memória, mas consideramos importantíssimo passarmos nossas experiências adiante, de modo que nossas barreiras sejam encurtadas. Vimos que é essencial uma postura questionadora e um posicionamento crítico na escolha da metodologia que melhor se encaixa na realidade do grupo com o qual trabalhamos. É também outro grande diferencial a estrutura que o CAp possibilita para o trabalho em artes. Mesmo não sendo essa a realidade da maioria das escolas, é preciso uma postura proativa que contagie os alunos a trabalharem em quaisquer espaços, ocupando as estruturas que temos acesso, independentemente do espaço, a fim de fazer a aula de Teatro acontecer. A perspectiva é positiva em relação aos 60
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Referências BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1999. ____. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1996. CABRAL, Beatriz. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec: Mandacaru, 2006.
LIMA, Maria; PIMENTA, Selma. Estágio e docência diferentes concepções. Revista Poíesis, vol. 3, n. 3 e 4, 2005/2006, pp.5-24. SALUME, Célida. A formação do professor de teatro: relações entre teoria e prática no estágio curricular. In VI Reunião Científica da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA de PESQUISA e PÓS-GRADUAÇÃO em ARTES CÊNICAS, 2011, Porto Alegre. Memória Abrace Digital, 2011.
CORALINA, Cora. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. São Paulo: Global Gaia, 2007. DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro provocação e dialogismo. São Paulo Hucitec, 2006. FALCÃO, Adriana. Pequeno ddicionário de palavras ao vento. São Paulo: ed.Salamandra, 2013. FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro Paz e Terra, 2002. ____. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro Paz e Terra, 2005. FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 61
Lançamento: Primeiras Impressões e Experiências na Docência João Victor Pinto Baía
Primeira Observação Lá de volta outra vez. Foi essa a sensação de iniciar o estágio no Ensino Fundamental na mesma escola que eu havia estudado toda a vida, mas agora retornava em outra posição, não como estudante, mas sim como estagiário. A professora supervisora desse colégio foi minha professora de artes no meu terceiro ano de Ensino Médio, e agora se tornou minha professora supervisora do estágio 1 (estágio destinado ao Ensino Fundamental, assim organizado pelo curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPE), e como já a conhecia, as formalidades foram mais simples e o trabalho logo se iniciou. Comecei o primeiro dia de observação e fiquei acompanhando quatro turmas, duas turmas de 9º ano e duas turmas de 8º ano. A primeira turma que observei foi o 9º ano A. Assim que entrei na sala percebi que era uma turma agitada, a professora havia me avisado que eles eram assim. Entramos na sala e eu sentei na cadeira do professor enquanto a professora, em pé, iniciava a aula. Os alunos, desconfiados do “ser estranho” não tiravam os olhos de mim, e constantes perguntas como “quem é ele?” apareciam. A professora explicou que eu era o estagiário e o que eu faria naquela turma, que passaria um tempo fazendo a observação e, posteriormente, iniciaria o
período de regência. A primeira aula se iniciou com uma explicação sobre a avaliação, a PP (prova parcial) e PU (prova de unidade). A professora explicou que a PP seria feita através da entrega das atividades propostas, e a PU seria uma prova escrita. A turma estava utilizando o livro Projeto Radix: Arte, de Beá Meira (2014) e com isso alguns pontos me chamaram a atenção: 1- As aulas eram elaboradas utilizando o livro como suporte, nesse caso o uso do livro estava diretamente relacionado não só com a vivência em sala de aula, mas também com a forma que os estudantes seriam avaliados pela instituição; 2- O livro abrangia mais de uma área das artes, não só as visuais, mas também o teatro, a dança, etc. Nesse caso, a professora adaptava as atividades, focando nas Artes Visuais, pois é seu campo de trabalho, característica esse que se tornou interessante, pois não submetia as aulas totalmente ao livro, mas o utilizava como suporte; Em seguida a professora começou a aula e o assunto foi design. Ela falou sobre o surgimento, sobre as áreas de atuação e apresentou alguns trabalhos. Recomendou também uma série da Netflix, Abstract: The Art of Design, como referência e encerrou a aula.
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A próxima aula foi no 9º ano D. O conteúdo da aula foi o mesmo. Porém, a turma era diferente, observei que eles eram mais calmos, não eram tão agitados quanto a turma anterior. Isso foi interessante, pois foi possível observar que mesmo na mesma idade, as salas se comportam de formas diferentes, tal observação me ajudou posteriormente a formular as atividades que seriam aplicadas em cada turma, apesar de que para a mesma série seria aplicado o mesmo conteúdo. Cada turma se comportava de forma diferente e isso influenciou a forma que eu, como professor, levaria o conteúdo para sala de aula. Nos 8º anos a professora utilizava o livro de Beá Meira (2014). Porém, na versão referente à série. Naquela aula, o conteúdo ministrado foi sobre representações do corpo humano no âmbito do desenho. A aula se iniciou com uma discussão de como eram os desenhos de corpo humano, e em seguida utilizando-se de referências visuais, como Leonardo da Vinci, Manet, e artistas do expressionismo alemão, com o objetivo de abordar as formas de representação do corpo humano no desenho. Em seguida, a professora passou uma atividade prática, envolvendo bonecos articulados de arame. Novamente alguns pontos me chamaram a atenção: 1- Os alunos não desenharam “boneco de palitinhos”, de acordo com a professora, provavelmente, eles teriam feito se ela tivesse mostrado uma foto de algum modelo vivo, ou pedisse para eles desenhassem algum cole-
ga, mas no caso, por ser uma figura diferente eles evitaram o arquétipo do bonequinho de palito e desenharam o boneco articulado com mais volume e detalhes, muitos deles fazendo até o aramado dele; 2- Todos os grupos, não só no 8º B, mas também no 8º ano C, fizeram uma pose no boneco, referente a um meme de internet, algo que me chamou muita atenção, pois mostra como a cultura visual está ligada no ensino de artes e ao colégio, mesmo que de forma indireta. No caso, ela é manifestada naturalmente no desenvolvimento das aulas.
Desenho de um dos estudantes
Penso como Fernando Hernández, em Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho (2000), quando ele afirma que Cultura visual “é o estudo e a decodificação desses produtos culturais midiáticos” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 43). Nesse sentido mostra-se a importância das aulas de Artes Visuais nas escolas, com o propósito de trabalhar esses assuntos, além disso, como diz Hernández (2000, p.45) 63
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“a racionalidade comunicativa considera que, se vivemos numa cultura dominada pela imagem, é importante que os meninos e meninas aprendam a ler e produzir imagens”. Portanto, as aulas de Artes desenvolvidas nos 8º anos e também nos 9º anos estão trabalhando com esses aspectos mais subjetivos do ensino das Artes Visuais, mesmo que de forma indireta com esses conteúdos e devem ser parte do “trabalho” do professor de Artes observar e desenvolver essas percepções com os estudantes. Projeto: Lançamento Lançamento foi um projeto artístico-educacional que se baseou na metodologia autográfica para a sua produção. O projeto tinha como proposta a reflexão sobre a mudança da infância para a vida adulta e como ela é feita no mundo contemporâneo, se utilizando de conceitos de lançamento proposto por Carter e McGoldrick (1995). Através dos contínuos processos de mudanças da sociedade, é perceptível a sua modificação não só nas relações entre indivíduos desconhecidos, mas também nas relações mais íntimas familiares. Não só a sociedade como um todo se modifica, mas as relações familiares também. Mas, como vem se dando a entrada na vida adulta hoje? Quais são os parâmetros definidores do ser adulto hoje? É uma tradição nos estudos da família considerar a existência de um ciclo de vida familiar. A ideia é que os relacionamentos familiares vão se modificando conforme cada pessoa vai se movendo ao longo do ciclo de
vida (BORGES; MAGALHÃES, 2009). Um jovem nos dias atuais certamente tem responsabilidades e expectativas diferentes de um jovem de 100 anos atrás, pois é através do passar de gerações que a sociedade se modifica e os conceitos de família também, bem como o papel para cada indivíduo que o compõe. Visto isso, penso como Carter e McGoldrick (1995) quando afirmam que existem fases nos ciclos familiares e que eles se modificam conforme estão instituídos nos diferentes contextos histórico-sociais. O projeto tinha como finalidade uma produção artística coletiva. Para essa produção artística seriam realizadas aulas teóricas e práticas de desenho, bem como de conceitos referentes ao desenho acadêmico e versões mais contemporâneas, como o cartoon, o concept art, quadrinhos, mangá, etc. O objetivo era expandir o repertorio técnico e teórico do estudante para ao final das aulas realizarem uma produção referente ao tema. A produção final deveria ser um trabalho que utilizasse das técnicas ensinadas ao longo das aulas, e que dialogasse com o tema proposto, ou seja, uma produção que aborde os momentos pessoais de cada um sobre os pequenos momentos em que, ao longo da infância e adolescência, foram sendo introduzidas ao mundo adulto. Ao final da produção, as obras seriam organizadas com o intuito de posteriormente, haver a produção de um livro para a sua divulgação. O projeto foi pensando e aplicado em turmas referentes ao 8º e 9º anos do Ensino Fundamental. 64
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Organização das Aulas Após completar seis semanas de observação, acompanhando cada aula de Artes Visuais com um professor com formação específica, várias dúvidas que surgiram começaram a ser, não explicadas, mas demonstradas na prática. A primeira coisa que surgiu em nossas cabeças como educadores: “essas aulas vão ser melhores, ou iguais às outras aulas de Artes?” A professora constantemente chegou em sala, organizou a turma (de 8° ou 9° ano) e iniciou a aula, muitas vezes lendo o texto introdutório do capítulo do livro de Béa Meira (2014) ou utilizando imagens e vídeo no projetor para chamar a atenção dos estudantes. De qualquer forma, as aulas sempre se relacionavam com o livro, ou seja, com o material trabalhado e escolhido para as aulas. Apesar de eu ter uma visão diferente de aula (prefiro não utilizar tanto um livro como suporte principal de aula), os livros de Béa Meira (2014) se mostravam diferentes em sua apresentação, pois muitas vezes eles traziam olhares diferentes sobre assuntos comuns na aula de artes. Segundo, por abordar os temas, que em geral não focam um movimento específico, mas sim os trazem diversos conteúdos relacionados ao tema, como, por exemplo, trazer o movimento impressionista e surrealista ao trabalhar com Design ou relacionar o movimento futurista com a representação do movimento do corpo na pintura e na escultura. Nesse sentido, busquei não dividir os conteúdos que
seriam trabalhados em sala em formatos de “caixas”, separados entre si, sem se relacionarem. Essas discussões se relacionam com o pensamento de Hernandez (2000) ao falar sobre Cultura Visual. Creio que um dos principais papeis do Arte/Educador seja justamente criar reflexões sobre a imagem, e sua dinâmica com o espectador e nesse sentido a importância de não só o professor trazer isso, mas também em seu material trazer essas reflexões, mesmo que de forma indireta. Por isso, não nos enganamos e pensamos (sabemos) que não vemos o que queremos ver, mas sim aquilo que nos fazem ver, o que descentra a preocupação por produzir significados e a desloca para indagar a origem - os caminhos de apropriação de sentido – a partir dos quais viemos aprendendo a construir os significados; o que nos leva a explorar as fontes das quais se nutre não apenas nossa maneira de ver/olhar, mas os significados que fazemos nossos, e que formam parte de outros relatos e referências culturais (HERNÁNDEZ, 2000, p.34).
Portanto, tive como objetivo, ao iniciar a regência, manter o “padrão” de aula com a qual os estudantes já estavam acostumados, ou seja, utilizando o livro, fazendo referência às imagens abordadas e gerando discussões acerca dos conteúdos propostos para as turmas. Tinha como objetivo também manter a forma de avaliação utilizada pela professora anteriormente, ou seja, com as atividades realizadas na sala e sugeridas pelo livro. Porém, ao fazer essa relação, busquei criar uma dinâmica entre os conteúdos que seriam abordados no meu projeto, de forma que se configurasse em algo “novo” para as turmas. 65
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Regência A primeira aula que ministrei já tinha os conteúdos organizados e aulas previamente planejadas assim como meus outros colegas que estavam estagiando, porém, algo bastante interessante ocorreu comigo. Pelo fato de eu acompanhar quatro turmas diferentes, tive a experiência de planejar as aulas que seriam regidas e aplicar em turmas diferentes, experiência que me aproximou mais do ambiente escolar como um professor do que como estagiário em questões práticas da docência. Tal experiência configurou-se da seguinte forma na prática: tanto as turmas do 9º ano quanto as do 8º ano tiveram seus conteúdos divididos em dois módulos. Para o 9º ano seriam trabalhados os seguintes temas: “Publicidade” e “Narrativas Visuais” e para o 8º ano foram divididas as temáticas: “Corpo em Movimento” e “Arte em Narrativa”. Basicamente a primeira aula, tanto do 9º ano quanto do 8º foram assuntos relativamente pequenos em comparação aos outros. Isso foi bom, pois meu objetivo em si era tentar me acostumar com as turmas e fazer as turmas se acostumarem comigo. Iniciei a minha primeira aula no 9º ano A, como já havia observado anteriormente. Essa turma era muito agitada, eram estudantes que se distraíam em brincadeiras ou tinham as aulas constantemente preenchidas com zumbidos de conversas paralelas, não que fosse algo inesperado, já que é algo bem típico para turmas dessa idade. Portanto, me concentrei em todo momento chamar a atenção deles e
fazer com que eles participarem ao máximo, com discussões e perguntas dirigidas. Percebi, posteriormente, que especificamente nessa turma, o ato de parar a aula e ler uma parte do livro não era uma dinâmica interessante, pois havia um problema de que muitos não tinham ou não levavam o livro para a aula e o ato de ler, por si só, gerava distração. Portanto, mudei a estratégia com aquela turma, procurei trazer mais imagens e vídeos (os vídeos tiveram resultado muito positivo na turma, eles tinham mais interesse e participavam mais), mas de forma que o conteúdo não fosse diferenciado do 9º ano D. O 9º ano D, por sua vez, era muito mais “calmo”, a atenção não era algo difícil de conseguir com essa turma e dessa forma, consegui abordar os conteúdos programados sem grandes modificações. De qualquer forma, trabalhar com o 9º ano foi algo muito positivo. A maioria dos estudantes tinha estudado nesse colégio no ano anterior e já era uma turma bastante unida e acostumada com o colégio. O conteúdo trabalhado com as turmas dos 9º anos, buscava trabalhar as “novas” mídias e os novos formatos de arte, especialmente as digitais, algo muito interessante, visto que nem todos os estudantes brasileiros têm a oportunidade de estudar esses temas nas escolas. No caso dessas turmas, abordamos primeiramente a Publicidade enquanto ferramenta de expressão, não só isso como também relacionando sempre a publicidade com outras expressões mais consagradas no meio acadêmico, fazendo relação de sua origem 66
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com o Dadaísmo e abordando artistas como Kurt Schwitters. Com o objetivo de desassociar o conceito, muitas vezes estabelecido na dinâmica escolar de que o hoje e o ontem enquanto termo histórico/social/artístico não está relacionado com o agora, com o que se vê. Foram trabalhadas também questões referentes a esse campo de estudo (a publicidade), como os conceitos de Slogan, Logo e Jingle. Ao final da primeira aula foi feita uma atividade prática de desenho. Nessa atividade eles deveriam desenhar um logo de um produto (fictício ou não), e em seguida desenhar o objeto propriamente dito, com o objetivo de desenvolver o desenho de observação.
Desenho de uma empresa fictícia de viagens
Posteriormente, foi desenvolvia uma atividade em grupo com a turma, para ser apresentada duas aulas depois, na qual cada grupo deveria produzir e apresentar (presencialmente ou com um vídeo) um jingle sobre
um produto inventado. O objetivo dessa atividade era trabalhar outros campos além das Artes Visuais, procurando outras visibilidades. Tal atividade inicialmente não fazia parte do conteúdo programado, mas surgiu através da observação dos interesses dos 9º anos, que no caso foi o interesse por assuntos além do tradicional desenho. Entretanto, voltando aos objetivos iniciais, as aulas posteriores foram direcionadas a isso. Foram trabalhados: a questão da narrativa visual, mais especificamente a narrativa em histórias em quadrinhos (compreendendo tanto o tradicional HQ americano quanto o Mangá japonês); o desenho animado e tipos de animação (como a animação tradicional, a digital e o stop motion); a direção de arte e suas funções. Os aspectos interessantes que surgiram nessas aulas foram, principalmente, o interesse que as turmas tinham sempre que viam algo que muitos gostavam, como por exemplo, ao abordar o mangá e sua origem e popularidade no ocidente, levei mangás como Akira e Neon Genesis Evangelion e houve situações em que vários estudantes se espantaram, pois aquilo que eles viam em casa, ou seja, fora da escola, estava em sala de aula. Essas aulas culminaram na aula de encerramento com uma oficina de criação, cujo objetivo era organizar as turmas em grupos para que eles desenvolvessem um roteiro e esboços de um quadrinho, ou uma animação (do tipo que eles escolhessem) de tema livre, aplicando assim as técnicas e conceitos desenvolvidos anteriormente em sala de aula. Os 67
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grupos apresentaram seus trabalhos posteriormente, após as férias de julho.
Exemplares de produções dos estudantes
Paralelo a isso, foram realizadas aulas em duas turmas de 8º ano, essas aulas ocorriam após o intervalo, seguida das aulas do 9º ano. Foi interessante observar e reparar nas diferenças que existiam/ existem entre uma turma de 8º ano e uma de 9º ano, especialmente, na questão da maturidade e comportamento. Apesar de terem um ano de diferença. Essa diferença de idade, entretanto, não dificultou o desenvolvimento das aulas, aliás, acredito que o projeto inicial tenha sido melhor aplicado nas turmas de 8º ano, visto que eles estavam trabalhando o desenho em seu conteúdo anual.
Na primeira aula foi trabalhada a representação do corpo na escultura e na pintura ao longo da história, foi observado como ela era feita no neoclassicismo e até mesmo no expressionismo alemão e no futurismo. Além da aula expositiva, ao final de cada aula era feita uma atividade prática, algo que ocorreu também no 9º ano, porém foi planejado muito mais tempo para essas atividades com relação ao 8º ano, pois acredito que nessa fase do desenvolvimento do estudante foi crucial as atividades práticas, apesar de não desassociar das teóricas.
Estudante em momento de produção em sala de aula
O interessante das duas turmas de 8º ano era a sua curiosidade, especialmente, quando eram abordados temas diferentes ou técnicas que se distinguissem das que eles estavam habituados. Como, por exemplo, ao levar a performance e a arte corporal, como expressão artística que utiliza o corpo como ferramenta artística. As duas turmas ficaram 68
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interessadas ao observar as vídeo performances e consequentemente, ao observar isso, foi desenvolvida uma atividade de performance, em sala, ou usando quaisquer outros espaços da escola. O objetivo, semelhante ao 9º ano, foi desenvolver outras noções de expressões artísticas, diferentes do desenho e da pintura. Porém, seguindo a linha de conteúdos, foram realizadas aulas sobre Arte e Narrativa, ou seja, o registro da história utilizando o suporte artístico para isso. E novamente, foram abordadas diversas correntes artísticas que trabalhavam esse tipo de registro, tanto o registro fiel da história, quanto o ideal e até mesmo o registro da mitologia, do fantástico, como o Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, por exemplo. Nesse momento foi trabalhado o tema principal do projeto, o Lançamento, e o tema foi abordado de uma forma mais “informal”. Por se tratar de um tema muito pessoal, eu quis dar esse caráter com as turmas, portanto, prendi a atenção das duas turmas e contei uma história minha, da vez que meu pai levou meu irmão e eu para andarmos nas ruas de Recife, quando tínhamos por volta dos 11 anos, idade semelhante à da turma, e expliquei o quão chato tinha sido para mim e para meu irmão, sair cedo de casa, de ônibus, sem um objetivo naquele dia (fora o simples ato de andar e explorar a cidade), e nosso pai falando o nome de cada rua, e pedido para nós memorizarmos, algo que não aconteceu. Porém o objetivo do nosso pai não era aprender a andar na cidade sozinhos, de fato,
mas sim um ato simbólico de dizer que não éramos mais crianças e deveríamos aprender a andar sozinhos na cidade. Ao terminar a história, eu incentivei cada um a escrever em uma folha uma história e fazer um desenho sobre esse dia, a fim de falar sobre ele na última aula. A última aula por sua vez se culminou em algo mais espontâneo, pedi para a turma afastar as cadeiras para que sentássemos em círculo no chão e em seguida pedi para que cada um apresentasse a sua história e seu desenho. Alguns ficaram com vergonha de apresentar ou de mostrar só o desenho, mas queriam contar a história. Pedi que fizessem isso como forma de se conhecerem mais, já que, naturalmente em uma sala de aula, nem sempre todos conversam com todos, mas aquele momento se mostrou proveitoso. Uma aluna, ao apresentar, contou a vez em que foi para o Marco Zero (ponto turístico da cidade) e viu vários adolescentes fazendo coisas erradas, que os pais dela ensinaram que ela não deveria fazer e ela teve essa consciência e reconheceu o papel de seus pais e o amor deles por ela e dessa forma, ela desenhou aquele momento. Outra estudante contou que anos atrás ela sentia que as festas de aniversário dela eram muito infantis e pediu aos pais para ter um DJ na festa e mostrou um desenho daquele momento, e não só isso, como outros colegas lembraram daquele momento, pois estavam lá também. Um menino mostrou a vez em que o tio dele deixou ele segurar o volante do carro e dirigir um pou69
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co, apesar de não ser recomendado para uma criança. Histórias assim foram compartilhadas na turma e se tornaram presentes, tanto na vida de quem viveu, quanto na vida de quem passava por experiências semelhantes.
Ações pedagógicas em sala de aula
Ações pedagógicas em sala de aula
Por fim, antes de finalizar a aula, levei para a sala um pequeno cavalete, com o qual demonstrei uma técnica de pintura de tinta encáustica. Utilizei giz de cera e uma vela para aquela atividade, com o objetivo de fazer uma pintura coletiva com a turma, com o foco de demonstrar algo diferente, visto que tanto no período de observação quando no de regência, percebi o constante interesse das turmas em ver algo que fugisse do padrão.
Considerações Finais Finalizei a regência tanto nas turmas de 9º ano quanto as de 8º ano. Ao final dessa experiência do Estágio 1, percebi vários fatores que vão colaborar na minha vida profissional. Um deles é a relação de trabalhar com mais de uma turma, que apesar de se ter a ideia de como seria feito, somente na prática se percebe a relação de como uma turma se comporta, em relação à outra, e a tentativa (nem sempre bem-sucedida) de se adaptar a cada situação. Percebi que apesar de haver um grande planejamento por parte de nós professores, a dinâmica de uma sala de aula exige uma flexibilidade que nem sempre é planejada previamente. Ao pensar em um projeto ou uma grande programação, em geral, pensamos que o que realmente é importante e vai impactar na sala será o que culminará no final. Porém, 70
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nem sempre isso ocorre, como no caso do 9º ano, que optei por não trabalhar especificamente a temática do projeto Lançamento, pois percebi que eles deveriam ter mais liberdade para o trabalho final e não deveriam se limitar aquela temática. Entretanto, com as turmas de 8º ano foi diferente, o projeto se aplicou perfeitamente e pude observar como turmas que já trabalham com um professor com formação na área estão mais preparadas para determinadas atividades do que outras. Percebi também que, às vezes, é necessário mudar de estratégia e procurar outras abordagens ao trabalhar com uma turma, mesmo que isso não mude em outra. Como aconteceu com o 9º ano A, no qual evitei trabalhar diretamente com o livro, diferentemente do 9º D, em que o uso continuou constante. Por fim, muitas vezes a própria experiência em sala e a normalidade das situações se tornam significantes, tanto para os estudantes quanto para os professores. Acredito que o maior Lançamento que ocorreu nessa experiência tenha sido a minha, de ser projetado para não só uma, mas quatro turmas e ter tido a convivência com cada particularidade que um adolescente proporciona.
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Um Caminho para as Artes Visuais na Escola Julia Cecilia Jota Queiroz Barbosa Thaynan de Oliveira Sales
Descaminhos/Temendo Nas orientações de estágio supervisionado algumas palavras e questionamentos da orientadora falaram mais alto, calaram, unindo vários questionamentos, algo que matura entre o doce e espinhoso: “quais as suas motivações? O que lhe incomoda nas suas observações? Por que lhe incomoda?” A partir dessas e de outras aberturas, vários incômodos, de fato, ressaltaram. Quando se começa a ser professora? A partir de que se origina? Da necessidade financeira? De um sistema que impulsiona? Quando nos questionamos sobre isso a resposta era pronta e muito simples: não, nunca nos imaginamos professoras! A arte veio primeiro. Primeiro como uma ponta de iceberg do qual conhecíamos, principalmente, as cores, a artesania e os movimentos legitimados pela história. E agora? Como encarar uma sala de aula regular do ensino fundamental? O que nos move? A necessidade do diploma? Como enquadrar a arte numa disciplina formal na escola, agora que entendemos a arte como algo em constante expansão? Eram tantas as dúvidas, tantas as questões que uma paralisação frente ao autoembate se tornou inevitável. Parecia ser mais fácil quando estávamos apenas den-
tro de uma sala de aula como alunas. E foi numa madrugada de uma semana de pensamentos, questionamentos que um longo desabafo jorrou, e jorrou misturado a uma culpabilização diante da incapacidade de gerar algo academicamente aceitável, um rancor por julgar-nos procrastinadoras e uma esperança de que a arte cubra essas falhas como um descaminho necessário para um autoentendimento. Sabemos que sempre haverá a fresta onde a vida infiltra, mas de qualquer forma gostaríamos de ser as professoras dos questionamentos do dia a dia. Gostaríamos de organizar nossas aulas de acordo com as conversas dos alunos, de infiltrar nos corações para entender o que pesa, o que dói, o que deseja e conversar, ouvi-los com o julgamento sempre voltado para a potencialidade de cada um, de instrumentalizá-los à reflexão crítica. Não sabíamos como fazer. Todos esses anseios e inquietações antecederam o percurso da prática de regência. Misturado a esse processo, a ebulição política vigente, com impeachment, greves, paralisações, protestos e ainda intempéries climáticas que impediram a frequência de várias aulas. Apesar de todos os percalços e receios, e por qualquer que tenha sido a motivação, muitas
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outras perguntas surgiram, ampliando em nós os caminhos e suas possibilidades. O Caminho se faz ao Caminhar/Observando O período de observação iniciado nos apresentou a um alunado em plena efervescência, com todas as questões próprias de jovens entre 13 e 15 anos que estão encerrando o ciclo do Ensino Fundamental. Todos os excessos de informações patentes em suas extroversões, conversas, risadas e música acima do limite recomendável, todas as questões em caixa alta, e uma leve aura de prematura sapiência de quem consegue tirar conclusões das confusões presentes neste mundo. Foram trinta alunos do 9º Ano A do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, colégio que reúne por suas características certa “elite intelectual”. Alunos que passaram em provas de admissão e conquistaram o privilégio de um professorado com nível de doutorado, mas que tem que lidar com algumas limitações orçamentárias e físicas como as que ocorrem nos prédios das Ciências Humanas da Universidade. Quanta responsabilidade a nossa! Acompanhando esse grupo de 30 alunos pelo segundo ano consecutivo, desde o 8º ano, tivemos a professora, do componente curricular Arte, que nos mostrou a cada encontro uma força descomunal diante do desafio de ser Coordenadora de uma escola desse porte e ao mesmo tempo ter um afeto genuíno frente à arte e, principalmente, aos alunos. É um tanto difícil descrever a admira-
ção que ela despertou em nós, pelo seu equilíbrio entre firmeza e doçura, a presteza nos desempenhos de suas funções e a compreensão de nossas dúvidas e confusões. Uma dedicação que só supomos ser advinda de um amor que se reflete, principalmente, em cada ex-aluno que ao visitar ao colégio manifesta um bem querer para além de uma mera relação professor-aluno. Costumamos comentar que não podíamos ter caído em melhores mãos! Estávamos muito bem acolhidas, o que foi fundamental nesse processo. A professora nos guiou com muita paciência e entusiasmo em explicar as dinâmicas da escola e da turma, os projetos pedagógicos, como era o comportamento de cada aluno em sua disciplina, as dificuldades que cada um possuía nos mínimos detalhes, como se davam as reuniões de conselho prognóstico no qual pudemos participar de duas destas reuniões. No Conselho Prognóstico cada professor manifestava sua opinião sobre a turma e especificamente sobre o desempenho do aluno em sua disciplina, e assim os alunos eram avaliados em conjunto, por todos os professores, e não isoladamente em cada disciplina. São monitorados globalmente os pontos fortes e os não tão fortes assim, e ao final dos comentários sobre cada aluno, se necessário, é proposta uma atitude tomada por algum dos professores que se voluntaria, geralmente, a ter uma conversa individual. Não pudemos deixar de desejar que todas as escolas tivessem um procedimento assim, pois o aluno é continuamente diagnosti74
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cado, e não apenas ao fim do semestre como ocorre em outras escolas, apenas com uma nota avaliativa, obtendo um retorno mais rápido e possibilitando uma recuperação de desempenho mais eficaz, caso seja necessário. Pra que isso seja possível há da parte dos professores uma avaliação constante no que diz respeito aos objetivos alcançados em sala de aula por cada um que compõe a turma. Não são notas, são anotações que acompanham a trajetória do aluno, abrangendo desde a entrega de exercícios propostos ao comportamento do aluno, seu envolvimento, participação e interação com a disciplina. Em geral, são constantemente observados nas pequenas coisas, como o caso do aluno cujo conceito estrito de que a arte válida é apenas aquela que reproduz fielmente a realidade e que o impedia de se permitir arriscar a desenhar qualquer outra coisa que fugisse desse padrão estético. Ou do aluno que através das frequentes perguntas a respeito de coisas mínimas, foi percebida a necessidade de um reforço em sua autonomia. Observando esse cuidado nas avaliações, outras perguntas surgiram: de que forma alcançar isso se não com um olhar apurado? Mas, isso seria derivado de um “dom” de um “verdadeiro professor” ou de uma pedagogia instituída? Como seria a formação na educação pública se essas políticas/práticas pedagógicas fossem realmente incentivadas nas escolas? Se ao menos todas as crianças que passam por escolas tivessem esse nível de atenção, de cuidado, como seriam as sociedades?
É perceptível o reflexo do direcionamento pedagógico no Colégio de Aplicação em diversas atividades que participamos, como por exemplo, a implantação do projeto de bilinguismo, onde aulas de outras matérias além de Língua Estrangeira são ministradas em outro idioma. Nosso primeiro sentimento ao saber que estaríamos entrando em uma sala de aula, fazer a observação de uma aula de artes em outra língua, foi de pavor. Para nós, esse seria mais um obstáculo dos milhares de outros que teríamos pela frente. E, mais uma vez, fomos surpreendidas. Nossa observação se deu quase que integralmente na língua francesa, já que Artes Visuais é uma das que participam do projeto. E o mais interessante é que conseguimos compreender o conteúdo da disciplina dada em quase sua totalidade, pois a Professora teve o cuidado de nos explicar o conteúdo antes e depois de cada aula, além de que parte das intervenções dos alunos foram em português. O direcionamento pedagógico também se reflete nas organizações de eventos e aulas de campo, onde pudemos participar tanto da visita à Aliança Francesa na Semana de Bilinguismo, quanto à Caixa Cultural onde pudemos apreciar a exposição do Álbum Jazz de Matisse justamente quando um dos assuntos trabalhados em sala de aula era o Fauvismo. Ou seja, tudo isso deriva primeiramente de uma intenção em propiciar o melhor aproveitamento dos recursos e fruto de um planejamento cuidadoso. Além do Conselho Prognóstico, partici75
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pamos do Conselho de Classe, no qual se reúnem professores e alunos para que haja avaliação e sugestões cruzadas e, assim como no Conselho Prognóstico, são sugeridas soluções para as divergências apresentadas. Talvez ainda não tenhamos o parâmetro necessário e, certamente, os próprios alunos, talvez, também não consigam definir a importância de ter sua voz numa assembleia, de ter suas opiniões levadas em consideração. Mas, cremos que apenas o fato da presença dos alunos em um conselho, onde eles podem ser ouvidos e podem expressar seus questionamentos é de uma importância imensurável e de um enriquecimento mútuo impressionante. Construindo um Caminho/Planejando A partir das observações, de algumas conversas ouvidas na sala de aula, e do momento político que enfrentamos, foi muito nítida a vontade de abordar temas voltados a arte política. Diante da falta de diálogo vigente, e das trocas de acusações entre esquerda e direita, foi um tanto irresistível buscar algo que construísse uma ponte ainda que tangente, mais provocar e simbolizar do que propriamente afirmar algo. E foi através da conversa com uma pessoa querida, mas de posicionamento político contrário ao nosso que surgiu a frase: “diga sua utopia e me dirás quem és”. Afinal, a nossa intenção mesmo que de forma completamente diversa, ainda era a vontade de termos uma sociedade mais justa, onde pudéssemos viver com mais harmonia. Essa foi à tônica que norteou o planeja-
mento das nossas aulas, e levamos muito tempo divagando, pesquisando artistas contemporâneos, mas nada parecia se encaixar com o andamento da turma e com o nosso olhar, até que a professora nos convocou para a realidade. Com todas as paralisações, o conteúdo do ano letivo estava se comprometendo e se passássemos a segunda unidade com um conteúdo alheio ao programa, iria ser prejudicial a todo o plano pedagógico recomendável. Voltamos, então, ao programa e eram duas vanguardas históricas previstas no plano original: Cubismo e Futurismo. Seriam dez aulas de duas horas cada, sendo cinco para cada parte da turma, que era dividida em duas, na quinta-feira um grupo de 15 e na sexta-feira o outro grupo, com o mesmo conteúdo. Ao primeiro olhar, não se encaixaria em nada do que vínhamos pensando durante nossas observações, e foi a partir daí que os questionamentos lançados a nós pelas professoras, de estágio e supervisora, que começaram a borbulhar ideias em nossas mentes. Como conectar arte política com manifestações artísticas de mais de um século atrás? Como fazer uma aula atraente para os alunos e que ainda represente algo para nós como professoras? Voltamos à professora de estágio sem um planejamento e totalmente inseguras sobre como começar. Então, novas perguntas foram feitas: baseadas no que vocês observaram dos alunos o que pode ser conectado ao Cubismo? O que exatamente vocês gostariam que seus alunos experienciassem? Como trazer esse conhecimento de uma forma 76
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significativa para os alunos? As motivações iniciais, a Arte Política e a utopia, foram a chave. Pois, a arte não se separa da vida, assim como a política. É política em suas relações e são as relações aquilo que perpassa toda nossa existência e nos afeta tanto no que escolhemos quanto naquilo que nos é submetido. Portanto, não há como alguém que se expressa artisticamente não refletir a política no seu tempo, mesmo a negação da realidade é uma postura política, e a partir daí iniciamos uma nova forma de pensar o Cubismo e o Futurismo. Como uma iniciativa estética traduz os anseios de uma época? Partindo desse princípio nos debruçamos sobre o que nos falava o Cubismo: fragmentação, desconstrução, reconstrução, apresentação de diversos pontos de vista sobre o mesmo plano... Diversos pontos de vista? Daí originou-se a pergunta que norteou a primeira aula: qual a importância de vermos algo sob diferentes ângulos? Com essa pergunta buscamos mesclar referências mais contemporâneas e obras e artistas do movimento Cubista, incentivá-los a captar a pesquisa estética que estava sendo feita, quando o valor do realismo já estava se deteriorando, e buscar mostrar que ainda que inconscientemente o artista sempre investiga, sempre pergunta em busca de respostas. O exercício proposto desde a primeira aula foi o do autorretrato, e logo veio a ideia do “autorretrato coletivo”, como uma forma de exercitar a convivência em harmonia, uma das nossas utopias favoritas.
Na primeira aula planejamos apresentar o conteúdo do Cubismo Analítico e provocá-los a fazer um autorretrato “cubista ao ponto do retratado se tornar irreconhecível”. Para isso, pedimos que os alunos tirassem várias selfies, ou que se utilizassem de fotos que já possuíam, e que eles desconstruíssem essas fotos. Pedimos que eles tornassem o seu autorretrato realista em um autorretrato cubista, e que trouxessem a imagem impressa para a segunda aula. Na segunda aula, focaríamos no Cubismo Sintético e a pergunta seria: como representar os seus “ângulos internos”? Para isso, convocamos os estudantes a fazerem uma espécie de “dossiê” pessoal, reunindo várias imagens, pequenos objetos que representassem algo para cada um deles, fazendo o link com a assemblage do Cubismo Sintético, mas já com a intenção daquele retrato coletivo, embora ainda não revelado para os alunos. Para a terceira aula iniciaríamos a estética Futurista, as pesquisas a respeito da representação de som e movimento. Mas, antes de mostrarmos as imagens das obras do período, proporíamos um exercício para instigá-los à experimentação da representação bidimensional de aspectos imateriais. Na quarta aula, planejamos a apresentação do Manifesto Futurista para debate em sala de aula, questionando-os sobre as opiniões a respeito dos tópicos apresentados naquele manifesto: Concordam? Discordam? Por quê? Acreditam que alguma dessas propostas do manifesto se cumpriu? É importante pensar 77
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no futuro? Esses seriam os ganchos para conversarmos um pouco sobre utopias, conceitos, exemplos, e o exercício proposto era que em grupos de cinco estudantes eles redigissem de uma a cinco utopias/soluções sociais para algum problema coletivo que os toca. A quinta aula foi pensada para ser uma grande mão na massa, aproveitando os grupos de cinco colegas da aula anterior. Cada um desses grupos fez um grande “mutante” sobre um grande papel, onde foi composto o híbrido dos cinco alunos, junto com todas as informações colhidas no dossiê de cada um deles. A ideia por trás desse exercício foi o seriado Sense8 (Senseight), no qual oito protagonistas tem uma “conexão” interna, e podem acessar sensações, habilidades e realidades da vida do outro. Simbolicamente a convivência em harmonia requer aceitação e valorização do outro, requer um nível de simbiose onde todos os aspectos de uma comunidade sejam respeitados ou transformados para que todos usufruam da existência da melhor forma possível. Não temos pretensão de mudar a vida de nenhum dos nossos alunos, temos sim a modesta intenção de transformar o mundo, e quem sabe com algumas perguntas e provocações nessas mentes não surgirá uma ideia que melhorará tanto a vida que, realmente, um mundo mais justo seja viável? Acreditamos que de fato não há caminho mais fértil para este intuito do que a arte.
Caminhando/Regência Chegamos à regência com um pouco mais de tranquilidade, pois nosso plano de aula tinha sido aprovado. Porém, essa tranquilidade durou pouco tempo, apenas até o momento em que entramos na sala de aula e nos demos conta de que a turma estava de fato sob nossa responsabilidade, e que tudo que tínhamos planejado iria ser executado naquele momento. Esse foi o instante em que nos olhamos e inevitavelmente um dos nossos primeiros questionamentos nesse processo veio à tona novamente: “Viramos professoras?”. 1as Aulas: Introdução ao Cubismo e Cubismo Analítico Aos poucos, os alunos foram entrando em sala, se acomodando, com um misto de olhares ansiosos e desconfiados, apesar de já serem acostumados com estagiários em outras disciplinas, e junto a eles a supervisora do estágio, que de longe e entre olhares nos dava a segurança de que não estávamos tão sozinhas quanto parecia. Os alunos se acomodaram e ela nos apresentou a turma. Chegou o momento da nossa aula! Com todo nosso nervosismo e ansiedade, nos apresentamos à turma. Expomos um breve relato da nossa experiência como alunas graduandas do Curso de Artes Visuais da UFPE e o porquê de estarmos ali com eles. Pedimos que eles se apresentassem e que falassem um pouco do que significa arte para eles. Do que eles gostam na arte e do que não gostam, e o que se sentissem à vontade para falar sobre. E 78
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como em todas as aulas, eles foram extremamente abertos e participativos. Apresentaram-se a nós e falaram, brevemente, das coisas que eles gostam na arte, seja uma pintura, uma música, etc. Falaram também das coisas que eles não gostam muito de fazer nas aulas de artes da professora supervisora, que observava tudo no fundo da sala e se espantava quando ouvia de alguns alunos que não gostavam de fazer certas atividades que eram realizadas com eles, apesar de participarem de todas elas de forma muito espontânea e sem demonstrar rejeição em nenhum momento. Após esse momento de conhecimento mútuo, iniciamos nossa aula apresentando a eles um vídeo-clipe “Like a Rolling Stone” da banda Rolling Stones e começamos a questioná-los a respeito da estética e da narrativa utilizada naquele vídeo. O vídeo mostra várias imagens distorcidas em vários ângulos ao mesmo tempo, e a partir desse ponto começamos a extrair deles a ideia dos diversos ângulos de uma mesma imagem e o que acharam dessa estética. A princípio, alguns alunos afirmaram que não gostaram, que o vídeo chegou a “dar dor de cabeça”, e que se incomodaram um pouco com essa estética das imagens distorcidas. Mas, para o nosso alívio naquele momento, começaram a surgir alguns pontos interessantes, onde os alunos começaram a descrever a história que o vídeo transmitia, ainda que um pouco confusos, mas se dispuseram a relatar sobre o que acharam das imagens com uma
estética diferente das que estão acostumados a ver. A partir das afirmações e perguntas que eles fizeram, continuamos a colocar em prática o planejado e a abordar o Cubismo com perguntas. Nossa intenção era que eles falassem o que já sabiam sobre, o que já tinham ouvido falar em algum outro momento, se conheciam alguma obra de arte que fizesse relação com as imagens representadas no vídeo-clip, se conheciam algo da história do Cubismo, e a partir das informações que eles trouxeram, introduzimos o conteúdo histórico. Apresentamos a história do movimento através de uma explanação oral. Mas, também apresentando imagens através de apresentação multimídia contendo desde as pesquisas geométricas de Cézanne e as diversas obras produzidas naquele período e dando ênfase nas rupturas da obra Demoiselles D’Avignon, estimulando a fala sobre Pablo Picasso e possíveis estranhamentos sobre as obras. Mencionamos as diferentes fases do movimento, mas na primeira aula focamos apenas no Cubismo Analítico, pois queríamos trabalhar as duas fases bem detalhadamente, algo que não seria possível em apenas uma aula. Durante a apresentação das imagens, pedimos que eles fizessem uma leitura dessas obras, dissessem o que eles estavam vendo naquelas imagens, as figurações, as cores, o que remetia e o que parecia representar para eles naquele momento, e eles não se abstiveram de falar. A cada imagem que eles analisavam, nós como mediadoras fazíamos a relação com 79
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o Cubismo e pedíamos que eles também fizessem, apontando o que era cubista nas obras e o que isso remetia a eles. Após a intervenção da turma e as leituras das obras, continuamos com a apresentação das imagens, mas agora com artistas brasileiros que também foram influenciados pelo movimento, conforme planejado pela professora supervisora, que nos mostrou o quanto é fundamental mostrar a repercussão das vanguardas históricas nos artistas nacionais. Tarsila do Amaral e Vicente do Rêgo Monteiro foram os nossos escolhidos, pois refletiram em diversas obras a influência cubista. Seguindo novamente a sugestão de Fabiana, apresentamos uma das principais obras do movimento, Guernica. Trouxemos a imagem do quadro e a primeira impressão que os alunos tiveram foi de uma imagem sombria, triste, macabra, totalmente diferente das imagens vistas anteriormente, e logo ficaram curiosos quando começamos a contar a história daquela obra. Apresentamos também uma animação que “mergulha” no quadro, chamada Guernica 3D, onde os estudantes puderam apreciar maiores detalhes. À medida em que os questionamos sobre a pintura, e também expúnhamos nossos conhecimentos, aparentemente, a obra passava a fazer mais sentido para eles. Chegamos ao final da nossa primeira aula, e até aquele momento tudo tinha saído como o planejado. Os alunos participaram de todos os momentos, o que nos deu confiança. Após termos ministrado todo o conteúdo e a
aula já se aproximar do final, propomos para eles a primeira atividade do autorretrato. Pedimos as selfies com a temática cubista e a resposta à pergunta: “Qual a importância de prestarmos atenção aos diversos ângulos de algo?”. A resposta deveria ser escrita, mas isso não foi reforçado, a intenção maior era o debate em sala, o gancho para as próximas aulas/perguntas. Os alunos começaram a sair e o alívio foi predominante em nós naquele momento. Olhamo-nos com a sensação de dever cumprido, e de fato tinha sido. A aula ocorreu exatamente como o planejado. Tudo funcionou como estava no papel, e estávamos felizes antes mesmo de ouvir o que a professora tinha para nos dizer. A professora nos elogiou. Tudo que precisávamos ouvir naquele momento. E para nós, bastava apenas repetir exatamente do mesmo jeito na próxima turma que não haveria o que temer. Ledo engano! A mesmíssima aula sobre o Cubismo para o segundo grupo foi totalmente diferente, e, talvez, essa tenha sido a nossa maior lição até o momento. Entramos em sala confiantes, pois a aula com o primeiro grupo ocorreu da melhor maneira possível, e esse foi o nosso erro. Os alunos, simplesmente, não participaram da aula, com algumas exceções. A maioria aparentava cansaço em suas expressões, pois vinham de uma semana cheia de atividades na escola, o que foi totalmente compreensível de nossa parte. Porém, não estávamos preparadas para isso. Estávamos preparadas para uma aula 80
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como a primeira, e não fizemos nenhum planejamento para caso ocorresse o contrário. Os alunos não participaram, não trouxeram opiniões, não questionaram, não falaram, não interagiram, e resultou em uma aula mais curta e sem muito entusiasmo de ambas as partes. Liberamos a turma 30 minutos antes do horário, o que nos deixou completamente frustradas e perdidas. Encerramos a aula sem uma resposta para nós mesmas. Como pode a mesma aula, para a mesma turma (outro grupo, mas da mesma turma), o mesmo conteúdo e didática sair tão diferente uma da outra? O que fizemos de errado? O que deixamos de fazer? Como explicar para a professora, que nos observava no fundo da sala, o motivo de ter liberado os alunos 30 minutos mais cedo, algo que não poderíamos fazer em outras escolas? Naquele momento de tantas dúvidas e frustração, a professora nos deu o alento e a lição que precisávamos não só para aquele momento, mas para a vida. Ela nos mostrou com toda a sua delicadeza e sensatez o nosso erro. Jamais poderíamos entrar naquela aula tão confiantes de que tudo sairia da mesma forma, afinal, são alunos da mesma turma, mas não são os mesmos. Ela nos mostrou que sempre precisamos entrar na sala de aula, seja ela qual for, com plano A, B, C e D. A experiência que ela tinha e que nós estagiárias ainda não temos, fez toda a diferença naquele momento. Talvez, se isso tivesse acontecido na primeira aula, estaríamos mais preparadas, inclusive psicolo-
gicamente. Fomos para casa com ainda mais perguntas em vez de respostas. 2as Aulas: Cubismo Sintético e Influências do Cubismo na Atualidade Uma semana se passou e chegou a segunda aula. Pensávamos que estaríamos mais tranquilas, mas foi apenas mais um engano nosso. Nosso objetivo era falar sobre mais desdobramentos cubistas e suas dimensões, aprofundando o conhecimento sobre a fase sintética cubista, já que na primeira aula não tínhamos focado nela, apresentando obras contemporâneas que foram influenciadas pelo movimento. Apreciamos os conceitos desenvolvidos pelos alunos a partir das explanações da aula anterior. Fizemos uso de imagens de obras cubistas da fase sintética, juntamente com a explicação oral sobre o desenvolvimento dessas pesquisas artísticas e quais materiais eram utilizados nas obras. Para fazer relação com artistas contemporâneos, escolhemos obras do artista Miguel Angel Belinchón, um grafiteiro que faz imagens contemporâneas, com traços realistas e cubistas ao mesmo tempo, e um catálogo de moda da Loja Riachuello, cedido pela professora supervisora, que faz referência à obras cubistas, seguidas de questionamentos a respeito da opinião deles sobre o porquê do Cubismo ter marcado época. Pedimos as respostas da pergunta que deixamos na aula passada, sobre a importância de ver os diversos ângulos de algo, para fazer conexões com as imagens e fomentar o 81
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debate sobre algumas das respostas trazidas por eles. Pensamos em fazer a exposição dos autorretratos com selfies sobre a mesa, com todos em volta, mas apenas um aluno trouxe a imagem impressa, todos os outros trouxeram a imagem em pen drives ou celular, e resolvemos colocar no datashow para que todos pudessem ver. E foi um momento de muita descontração, porque algumas imagens ficaram muito engraçadas e os próprios alunos brincavam com suas fotos. Fizemos algumas perguntas a respeito do processo criativo, de como se deu a produção e sobre o resultado, se existiu uma autodescoberta física suscitada pelo exercício. Questionamos a respeito da representatividade do autorretrato produzido, se eles se sentiam ou não representados por aquela imagem fragmentada deles, e questioná-los a respeito de como seria a representatividade dos ângulos “internos” deles. Queríamos ouvi-los naquele momento. Para impulsioná-los à resposta, exibimos um vídeo-montagem feito sobre a música “Reconvexo”, que fala sobre várias pessoas, várias referências dentro de um só ser. Após o vídeo, colocamos algumas questões para serem refletidas ao assistir. Provocamos a reflexão sobre o que os representa, quais as influências que eles sofrem para se construírem como seres humanos. Levantamos o questionamento sobre as imagens selecionadas no vídeo e a relação que essas imagens têm com a música e o conhecimento da biografia do com-
positor. Depois da reflexão, propomos o segundo exercício: formular tópicos sobre os aspectos que os formam “internamente”. Suas influências, seus afetos, seus gostos, seus desgostos, uma pessoa, um lugar, ou qualquer coisa que fosse uma referência para eles, e que fizesse parte da sua construção de vida. Pedimos que começassem em sala a anotar em um papel tudo que os influenciam como um todo, e que esse exercício fosse feito durante toda a semana. Pedimos um “dossiê” sobre suas vidas. Uma fotografia, um recorte de livro, um desenho, ou qualquer coisa que seja parte deles, para que eles trouxessem na aula seguinte. Aula concluída e mais uma sensação de dever cumprido. A aula fluiu como prevíamos, como tínhamos planejado, e estávamos bastante satisfeitas com o resultado. Mas, ainda não tinha acabado, faltava o segundo grupo no outro dia. Ficamos apreensivas, pois não queríamos que acontecesse nenhum imprevisto novamente. Aflitas e ansiosas, era o nosso estado de espírito naquele momento. Na segunda aula com o segundo grupo, a despeito dos nossos receios, eles corresponderam de uma maneira completamente diferente da primeira aula. Interagiram, participaram, trouxeram suas opiniões com questionamentos, trouxeram as atividades solicitadas na aula anterior, compartilharam as imagens dos autorretratos, a resposta da pergunta que deixamos para casa, participaram em tudo. E como a participação dos alunos influi nas aulas! A aula não é feita apenas pelo 82
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professor. É um erro pensar dessa forma. Tudo ocorreu bem, como no grupo anterior. Porém, ao finalizar a aula, um pouco antes dos alunos saírem, a professora supervisora de nosso estágio nos pediu para ficar após a aula na sala com quatro alunos que não tinham feito a atividade do autorretrato, pois ela já conhecia o histórico de alguns deles e achou melhor conversarmos para que essa atividade não ficasse pendente. Os alunos explicaram o motivo pelo qual não realizaram a atividade e se comprometeram de trazer na próxima aula. E chegamos ao final de mais uma aula. Alcançamos nossos objetivos para com a turma até aqui. 3as e 4as Aulas: Introdução ao Futurismo, Manifesto Futurista e Futuro Utópico Após duas semanas de feriados, imprensados, festas juninas e greves gerais, no limiar do encerramento do período letivo, tivemos que solicitar através da professora supervisora ao professor de música que cedesse seus horários da outra metade da turma por dois dias para que pudéssemos ministrar aulas para todos os alunos da turma, para conseguirmos concluir todos os conteúdos planejados. Pudemos perceber o quanto é desgastante para o professor quando a turma é grande. Para nós foi uma exceção, mas sabemos que assim é em grande parte das instituições de ensino, muitas vezes com mais de 30 alunos por turma e não pudemos deixar de notar a demanda de energia, e como o rendimento do que poderia ser trabalhado em uma aula cai
bastante. Nesta penúltima aula, antes das férias, precisamos trabalhar em apenas um dia o conteúdo de duas aulas distintas sobre Futurismo. Iniciamos com o panorama histórico, principais pesquisas estéticas e artistas. Fizemos um pequeno paralelo com o Cubismo, mostramos a proximidade de suas datas iniciais e fizemos considerações sobre a similaridade estética. Também exibimos imagens no datashow, buscando da turma suas apreciações e considerações a respeito do tema. Por termos solicitado que eles trouxessem as imagens do “dossiê” que solicitamos, os alunos estavam muito ansiosos, tivemos dificuldades em conversar sobre o tema da aula, pois a todo momento eles nos perguntavam algo a respeito mais do trabalho que iríamos executar do que sobre o conteúdo da aula. Some-se a essa ansiedade a euforia do fim das aulas e, ao mesmo tempo, o enfado de assimilar mais um conteúdo. Resumindo a aula foi bem caótica. E, de certa forma, nos fez perder um pouco do roteiro que tínhamos planejado. Iniciamos a segunda aula do dia exibindo o Manifesto Futurista no telão e pedimos que cada um dos alunos prestasse atenção nas colocações que mais os chamasse atenção e que alguns dos alunos lessem em voz alta um dos parágrafos exibidos. Ao término da leitura iniciamos um debate sobre os pontos que eles consideraram mais chocantes do manifesto, mas infelizmente com pouca adesão da parte dos meninos. A conversa generalizada estava 83
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bastante elevada e a professora supervisora precisou intervir ao menos três vezes. Mas, ainda assim pudemos ouvi-los e deixar a pergunta gancho para a terceira aula do dia: qual a importância de pensarmos o futuro coletivo, o futuro da nossa sociedade? Da pergunta conectamos ao assunto da utopia. A maioria dos alunos já tinha um conhecimento conciso a respeito do tema e pudemos finalmente falar do que se tratava o nosso trabalho da última aula, o nosso projeto do “ser coletivo”, o Senseight que devido à divisão da turma, tornou-se Sensix. Cada um desse ser coletivo iria de certa forma “defender” a utopia que eles formulariam juntos. Aos grupos solicitamos que juntos elaborassem uma utopia que poderia ser mirabolante, mas viável, para a melhoria da sociedade. O barulho nessa parte da aula foi inevitável, pois em cada uma das mesas seis alunos precisavam conversar entre si para chegarem a um consenso a respeito da utopia do grupo. Poderiam abordar saúde, educação, bem-estar, infraestrutura ou lazer e abordaram desde questões ecológicas a financeiras passando principalmente pela educação. Para nossa felicidade as respostas foram tão impressionantes como esperávamos que fosse. E para nosso lamento nosso tempo era curto demais para que explorássemos tanta riqueza de informações. Ao término da aula, ficamos na sala com a professora supervisora para preparar os cartazes para a aula do dia seguinte. Utilizamos folhas de Papel 40 quilos que tinha no estoque
de materiais da escola e fita adesiva. Colamos duas folhas por mesa, para que ficasse grande o suficiente para a atividade final. Contamos com o auxílio da professora, que nos deu algumas breves orientações para a última aula, mas dentro do que ela já tinha orientado durante todo esse processo construtivo. 5as Aulas: Utopia e Trabalho final Enfim, conseguimos chegar à nossa última aula, onde os alunos colocariam em prática o trabalho pensado durante todo esse período. O dia começou mais leve, pois estávamos chegando ao fim de um ciclo, mas bastante ansiosas pelo que nos esperava: uma aula prática com os trinta alunos. Como administrar e concluir tudo em duas horas? Mais um desafio para nós. Tentamos abrir a sala um pouco mais cedo para deixarmos as mesas e os materiais já prontos para uso, mas infelizmente não foi possível, pois a sala estava ocupada por outra turma. Quando os alunos começaram a entrar em sala com seus materiais e com toda sua euforia, ainda estávamos nos organizando, e um dos alunos percebeu e se ofereceu para ajudar a organizar os materiais, o que nos salvou de um atraso maior naquele momento. Os alunos começaram a se organizar nas mesas, mas sem dar muita atenção aos direcionamentos que estávamos dando para o início da atividade. Então, resolvemos passar de mesa em mesa, onde cada uma tinha em média seis alunos, para explicar a atividade, já que a explicação, no geral, não estava fun84
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cionando naquele momento. E deu certo, para nosso alívio momentâneo. Espalhamos as folhas, lápis de cor, canetas hidrocor, giz de cera, colas, tesouras, colas coloridas, e deixamos as tintas e pincéis nas estantes para quem quisesse utilizar, pois as mesas já estavam cheias de materiais. Somando tudo isso as diversas imagens impressas que os alunos tinham trazido para fazer a colagem. Porém, mais uma vez, a atividade fugiu um pouco do que tínhamos planejado. O projeto do “ser coletivo”, na prática, não funcionou muito com os alunos. Ao passar nas mesas para dar as instruções da atividade, eles questionaram e pediram para representar uma imagem relacionada à ideia utópica e que os representassem, ao invés de obrigatoriamente fazerem um “ser” que os representassem. As ideias deles foram fluindo e os primeiros desenhos começaram a surgir. Notamos rapidamente que alguns grupos se destacaram mais do que os outros no empenho para fazer a atividade. Enquanto alguns grupos ainda estavam discutindo como fariam, outros já estavam na metade da produção. Um grupo em específico fez um excelente trabalho, tanto na produção como na coletividade. Pintaram uma árvore, do tamanho da folha, e colaram as fotografias deles de acordo com o período. As fotos deles quando crianças na raiz e foram subindo a árvore de acordo com as idades e os acontecimentos. Na parte de cima, nas folhas, eles colaram várias fotografias deles juntos na escola, nos passeios, nos
intervalos, nas brincadeiras, etc. A produção ficou incrível, e mais incrível ainda foi a dedicação deles como grupo em realizar a atividade. Outro grupo, que também se dedicou bastante, apesar de não ter conseguido finalizar o trabalho no tempo de aula, tentou representar através do desenho a ideia utópica deles, que envolvia casas ecológicas e sustentáveis. Outro grupo também representou através do desenho sua ideia utópica, que foram escolas suficientes e com qualidade para todos. Desenharam um colégio do tamanho da folha, colaram o símbolo do CAP e as imagens deles em várias situações do cotidiano escolar. Também se empenharam bastante no desenvolvimento da produção. O quarto grupo, que apesar de ter muitas imagens impressas, demorou um pouco mais para desenvolver a ideia coletiva. Eles encontraram um pouco de dificuldade em achar uma imagem que representasse todos ao mesmo tempo e demoraram também a recortar as imagens, mas no final da aula, o trabalho estava bem avançado. O quinto grupo foi o único que não conseguiu desenvolver praticamente nada durante a aula. Eles passaram todo o tempo conversando e discutindo sobre o que representar, com certa dispersão de alguns alunos, e no final não colocaram em prática nada do que tinha sido discutido. Eles começaram a desenvolver quando a aula estava no final, o que foi uma pena, pois todos os outros grupos, mesmo não finalizando totalmente a produção, conse85
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guiram desenvolver uma boa parte da atividade. No desenrolar das produções, foi incrível ver a disponibilidade, a participação e o espírito de coletividade deles durante toda a aula. Tivemos dificuldade em meio a tanta euforia, a tanto barulho, mas no final foi impressionante ver os trabalhos, que aparentemente tinham fugido do planejado, mas que acabou saindo melhor do que tínhamos pensado para eles. O resultado pareceu ser muito satisfatório no final das contas, para ambas as partes. A última aula estava chegando ao fim, e o sentimento de dever cumprido aumentava em nós. Como finalizar a aula? Com algumas palavras de agradecimento ou deixando as palavras para a professora supervisora? Não deu tempo nem de pensar, os alunos encerraram por nós. Quando a aula enfim acabou, eles saíram correndo da sala felizes por mais um ciclo que estava se encerrando. E nós, felizes como eles. Após organizar alguns materiais que os alunos esqueceram sobre a mesa, a professora nos deu um longo abraço, finalizando nossa passagem em sua disciplina com palavras de agradecimento e nos parabenizando por tudo que tinha sido feito. Que alegria e que alívio! Encerramos nossa regência, apesar de tanta dificuldade encontrada, de uma forma bastante enriquecedora. Acreditamos que foi enriquecedora para ambas as partes. Porém, ainda faltava uma etapa desse ciclo, que seria tão difícil quanto as outras, a avaliação. Como avaliar um aluno? Como descrever todo um semestre em um parecer? Mais dúvidas foram
surgindo para nós. Avaliações Como foi relatado mais acima, as avaliações são feitas continuamente, através do acompanhamento dia a dia de cada um dos alunos, suas posturas, sua participação, comprometimento com a matéria e as devoluções dos exercícios solicitados. A professora supervisora nos mostrou sua planilha de acompanhamento da turma, onde ela acrescentava as aulas, os exercícios pedidos e o desenvolvimento dos alunos a cada etapa. Na avaliação final tivemos que buscar da memória quais alunos tinham trazido os trabalhos pedidos, como cada um se portou durante as aulas, e definitivamente, se não estivéssemos em dupla seria impossível lembrar todos eles. Tudo isso se deu por não termos registrado esse acompanhamento a cada aula. Então, escrevemos os pareceres de cada um dos alunos, um pequeno resumo do desempenho ao longo do período da nossa regência para enviarmos à supervisora e chegarmos no Conselho de Classe com uma visão mais apurada do desempenho da turma em geral. A avaliação nos fez compreender o quanto é difícil acompanhar o passo a passo de um aluno durante um semestre letivo. O quanto é difícil avaliar seu desempenho, quando se tem diversos fatores envolvidos. Foi extremamente difícil. Participamos de todas as etapas que um professor passa, mas a avaliação é um processo mais delicado do que imaginávamos, 86
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mas que foi uma das experiências mais ricas de todo esse processo. No Conselho, onde são expostos os pareceres, e no qual os alunos avaliam os professores e são avaliados, nossos alunos também tinham uma avaliação sobre nós, sucinta e positiva, não pudemos deixar de sorrir ao saber que apesar de todos os nossos receios, angústias e inseguranças foi uma experiência rica e significativa para eles, mas, principalmente, para nós. Considerações Finais Como foi difícil chegar até aqui. Quantos medos, quantas dúvidas, quantos receios compartilhados com nossas professoras, que souberam nos acalmar e nos apontar o direcionamento certo, no momento certo. Esse estágio não poderia ter sido de uma forma melhor, apesar de todos os contratempos, que não foram poucos. Encontramos no caminho a dificuldade do tempo, que foi um dos nossos maiores problemas nesse período de estágio. Tivemos que correr contra o tempo, e corremos para finalizar nosso cronograma sem prejudicar nosso planejamento, que era o mais importante naquele momento. Encontramos problemas de paralisações, chuvas, e os diversos feriados que, coincidentemente, caíram nos dias de nossas aulas. Foi, realmente, difícil cumprir nosso cronograma. Aprendemos que as experiências de quem vive na linha de frente na lida da escola são imprescindíveis para quem começa a bus-
car o caminho da docência. O apoio, os direcionamentos das professoras supervisora e de estágio foram essenciais em todos os momentos, sem eles não conseguiríamos chegar aos nossos objetivos, ou sequer defini-los. A elas, nosso agradecimento em todos os sentidos. Do nosso caminhar, ficou a impressão que um semestre é muito pouco para assimilarmos tantas informações. Deixamos a sugestão ao Curso, ou aos cursos de licenciatura, que haja um programa de voluntariado para os discentes, nos quais possamos ingressar como aluno - auxiliar, ou aluno - observador para participarmos do cotidiano de uma sala de aula, de preferência que possa efetivamente auxiliar os professores em seus processos com uma turma. Para que enquanto alunos-observadores vejam que pontos são importantes de ser trabalhados, qual a utilidade de uma chamada, de um acompanhamento diário do desenvolvimento de cada aluno. Sabemos que isso varia de escola a escola, e nem imaginamos de que forma isso poderia ser inserido numa grade curricular do Curso, mas aproveitamos o mote para registrar essa nossa pequena utopia. E como grande utopia desejamos que nossas perguntas nos retorne com respostas positivas. Que possamos apreciar a educação artística como a grande potência que ela é. Que se expanda e seja valorizada, e não mais relegada a planos inferiores como se tratasse de um conhecimento ao qual podemos optar em não ter. Não. Arte é essencial para lidarmos com as complexidades das sociedades, é 87
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essencial como autoconhecimento, é essencial para a construção de uma convivência humana harmônica. E porque não, para tornar reais as utopias.
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Diários de Estágio: Relatos e Percepções da Prática Docente Ingrid Borba de Souza Pinto Domingos Lizandra Santos da Silva Luciana Borre
O primeiro encontro Todo mundo de crachá artesanal, respiração “bem calma”, coração na goela... Chegando à sala de artes o primeiro contato que tivemos com a professora do 7º ano A foi um simpático e breve diálogo: apresentamos-nos e ela falou sobre o assunto que iria abordar no dia. Não demorou muito e os estudantes começaram a chegar, um a um, depois alguns grupos de três, quatro; o último menino que chegou parecia bem contente, abriu a porta devagar, deu bom dia, puxou a bolsa de carrinho e sentou depois da professora dar a permissão diante do pedido: “com licença, posso entrar?” Foi, então, que a nossa jornada de fato começou. As duas primeiras semanas de observação no Colégio de Aplicação da UFPE trouxeram espanto, questionamentos, dúvidas e incertezas em relação ao desenvolvimento da atividade de estágio do curso de Artes Visuais. Em termos de organização administrativa a instituição funciona muito bem, tão bem que as deficiências existentes não são percebidas a princípio. As primeiras impressões, neste caso, são de espanto e admiração ao ver uma turma bem organizada, sala equipada com muitos e diversos materiais de arte, alunos
participativos e colaborativos até mesmo em situações de imprevisto. Todos esses fatores aliados aos julgamentos que temos em relação ao ambiente escolar e o constante sentimento de afirmação de que as artes são importantes no currículo escolar fazem com que o que está em desacordo, de fato, não seja visto. No decorrer dos primeiros dias observamos a professora ministrando aulas com conteúdos dos fundamentos da linguagem visual na forma de aulas expositivas com exercícios práticos ao final de cada aula. Tudo correu bem, se o planejado fosse esse: exposição do conteúdo, atividades, recolhimento dos materiais. Porém, os estudantes em vários momentos se mostraram curiosos por assuntos transversais àqueles citados. Em uma aula alguns estudantes geraram um pequeno debate sobre “roupas esquisitas” usadas no século XIX pelas mulheres a partir da pintura “Um domingo em La Grande Jatte” de George Seurat. O objetivo da imagem era tratar da perspectiva na composição, mas esse objetivo não foi compreendido, pois os estudantes queriam saber por que as mulheres se vestiam com roupas tão engraçadas. Esse questionamento logo foi cortado porque o conteúdo pré-estabelecido era considerado mais importante.
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Em nossas reflexões acreditamos que aprendizagens significativas seriam geradas a partir de uma explanação rica dos conteúdos, levando em consideração o que os alunos já conhecem e também o que lhes aguça curiosidade, trazendo um contexto teórico e referencial mais nítido e embasado com a prática. A situação relatada anteriormente é o ponto de partida dos nossos questionamentos como alunas estagiárias no CAp. Refletimos sobre a contextualização das referências do material que está sendo trabalhado e sobre a importância de informar de quem se trata as imagens que estão sendo trazidas, não como um mero instrumento de demonstração de práticas, mas como um meio de comunicação e interação com o mundo. Em outro momento, um estudante comentou que havia assistido um tutorial no youtube onde ensinavam como fazer fotos com perspectivas e que havia softwares de edição que ajudavam na manipulação das imagens. Frequentemente os alunos trouxeram à tona suas curiosidades e sugestões de meios que usam no dia a dia, como vídeos, ferramentas tecnológicas e até outras vivências. Os assuntos do seu cotidiano e interesses pessoais estariam ficando de fora da sala de aula? Não acompanhamos o primeiro dia de aula da turma, mas acreditamos que uma avaliação diagnóstica poderia ajudar a sondar o perfil da turma e, assim, os professores poderiam interagir e considerar o repertório do grupo, facilitando o processo de aprendizagem de acordo com a realidade deles. Segun-
do Hernández (2000) a escola é uma instituição (não a única) no qual este conhecimento crítico sobre o cotidiano pode ser adquirido. A arte não visa potencializar apenas habilidades manuais, ela fomenta e ajuda a fortalecer as capacidades de discernimento, compreensão e imaginação em relação a si, e ao meio, o conhecimento artístico tem como característica a utilização frequente de estratégias de compreensão. O mesmo autor ainda apresenta a seguinte consideração: Mas o que é apresentado no papel vai ser levado pelas pessoas à escola, será incluído no horário escolar e oferecido aos alunos, em forma de conhecimento relevante para interpretar aspectos da realidade (passada e presente) e de seus próprios olhares sobre esses aspectos da experiência humana (HERNANDEZ, 2000, p.42).
Acreditamos na importância de auxiliar no desdobramento da capacidade crítica e criativa dos estudantes. É interessante que eles possam construir uma linguagem artística através de múltiplas leituras e visões do mundo e, assim, possam ir organizando suas próprias percepções e ideias. Para além dos elementos de demonstração técnica, as imagens trazidas para sala precisam cercar o aluno dentro de um contexto social e histórico para que haja uma conexão e envolvimento entre o que se aprende e o que se aplica e se leva para a vida. Para nós, o encorajamento é o que frutifica a aprendizagem como um caminho de mãos dadas, não uma seta indicando por onde e como se deve ir. 90
Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. Rubem Alves (2004)
Entre youtubers e professores Conhecer o outro e a si mesmo é algo fundamental na nossa formação enquanto sujeitos. Fomos impactadas por Carlos Rodrigues Brandão (1991) quando disse: “ninguém escapa da educação”. Isso nos chamou a atenção e nos fez rememorar uma de nossas professoras no primário. Ela costumava dizer: “tem gente que escapa fedendo”. De fato, ninguém escapa. Na vida, são várias as “educações” que recebemos em diversos âmbitos e contextos. Ao chegarmos no ambiente pedagógico não somos uma folha em branco pronta para ser preenchida com conteúdos que, por muitas vezes, não falam de nós e para nós. Chegamos cheios de espaços a serem permeados e descobertos, mas também já temos o nosso próprio descobrimento de gostos, paixões, afinidades. Nessas semanas de observação pude-
mos ver, na prática, o que Brandão (1991) afirma. João², 12 anos de idade, sabia fazer vários tipos de formatos figurativos com origami. Ficamos Impressionadas. Quisemos entender como se fazia o origami e intrometemo-nos: “nunca consegui fazer um Tsuru, como faz essa arara? Posso ver você fazendo pra tentar aprender?” O estudante afirmou com a cabeça que sim e continuou fazendo sua ararinha, mas atento para nos explicar com detalhes os procedimentos. Perguntamos onde ele aprendeu e ele respondeu: “na internet, tutorial do youtube... Faz tempo isso”. Isabela, 12 anos, queria ser chefe de cozinha e já possuía um canal do youtube, que conta com significativa visualização e quantidade de vídeos considerável. Aprendeu a cozinhar através de livros e com os pais. Já teve a oportunidade de cozinhar com um chefe de cozinha pernambucano que possui um programa numa emissora local. Numa conversa entre os exercícios de pinturas a estudante falou com propriedade sobre o que gosta de cozinhar e ensinar nos vídeos e sobre a ideia de ter um restaurante. “Vocês gostam de pizza de sardinha? Sei fazer sardinha de panela, vê lá num dos vídeos do canal”. Existe um perfil individual que traz junto um arsenal de informações que não se deve desprezar durante o processo educacional. Educar é um processo aditivo, o professor é um ampliador de horizontes, não exatamente o criador deles. Rubem Alves, poeta, escritor e pedagogo brasileiro, defende uma educação que esteja linkada à vida dos alunos e, junto 91
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com isso, defende a necessidade de trabalhar a afetividade através do contato profundo com o olhar de cada um. Com uma linguagem muito sensível e poética, ele fala da importância de se trabalhar o olhar dos estudantes a fim de se abrirem janelas para a contemplação da alegria. A educação tem como passo inicial em sua natureza, ensinar a ver. É através do olhar e do observar as coisas que as crianças estabelecem contato com a magia do mundo (ALVES, 2004).
troca, um achado, um jogo que ganha e cede, pensamos em como é importante o espaço para que o aluno se sinta protagonista e de como nós, professores podemos aprender com eles. Hernández (2011), em “a Cultura Visual como Convite à deslocalização do olhar” convidou-nos a pensar: nesse contexto, qual o nosso papel enquanto professoras em processo de formação? “Vocês não são todo mundo” “Professora, todo mundo quer voltar para a sala e desenhar a foto!” (disse um dos alunos com expressão de insatisfação e impaciência) “Mas vocês não são todo mundo!” (resposta da professora)
Portfólios produzidos pelos estudantes durante as aulas de arte Fotos acervo pessoal, 2017
Durante as aulas de artes vários estudantes demonstraram suas “bagagens de conhecimento” que extrapolam o conteúdo da aula. Inicialmente pensamos que as condições sociais favoráveis daqueles estudantes propiciavam esse tipo de experiência. Em virtude disso, investimos na educação do olhar e de tudo que absorvemos como novo componente para o discurso do nosso “ver” como uma
O dia da atividade de desenho de paisagem trouxe várias reflexões derradeiras sobre como iríamos conduzir nossas atividades de regência. Após um mês observando a turma, conversando com os alunos e com a nossa professora supervisora, já havíamos notado e nos questionado sobre o papel do professor, o lugar de certa passividade ao qual os estudantes acabam sendo submetidos e de como os conteúdos podem ser maçantes e pouco significativos. A conversa citada nos fez perceber que as técnicas artísticas previstas para o ano letivo do 7°A já não representavam tanta novidade para os estudantes. Eles estavam familiarizados com as técnicas, desenho e aquarela, e 92
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realizavam a atividade com certa automatização e desinteresse. Os estudantes demonstravam a vontade de permear campos que já os interessavam, mas também queriam descobrir - ou redescobrir - novas técnicas e formas de se fazer e discutir arte. Eles conheciam artistas, frequentaram exposições e conheciam até mesmo algumas técnicas para criação de efeitos no desenho e na pintura porque possuem o hábito de assistir tutoriais no youtube. Diante de um rico repertório visual e de vivências no campo das Artes Visuais significativas, como nós, estudantes estagiárias, poderíamos contribuir para a formação desses estudantes? Muitas foram as conversas até chegarmos ao conceito/vivência de “ressignificação”. Ressignificação seria o ponto de partida para nossas práticas pedagógicas e para aquilo que os estudantes já conheciam e viviam cotidianamente. Gostaríamos de observar e criar novos significados, não apenas reformulando tudo a partir do que já temos, como também formulando conceitos e conhecendo o processo de transformação com o passar do tempo, para “explorar e avançar na compreensão de como nos relacionamos e aprendemos a ser com aquilo que vemos e pelo qual somos vistos” (HERNÁNDEZ, 2011, p.32). Escolhemos a fotografia como ponto de partida para nossas aulas onde buscamos ampliar os significados das imagens e apresentar diferentes conteúdos de arte. Privilegiamos algo que os estudantes constantemente utilizam: as câmeras de seus celulares e a rede
social Instagram. Tínhamos os seguintes objetivos: - Trabalhar com a fotografia sob a ótica da construção de identidades; - Apresentar as possíveis relações entre o analógico e o digital; - Compreender a transição tecnológica e os processos históricos da fotografia; - Desenvolver a socialização e o trabalho em equipe, estimulando a confiança e a amizade entre os estudantes; - Provocar reflexões sobre gênero, focando no feminino e na representatividade da mulher na arte. No quadro, abaixo, apresentamos o planejamento diário das aulas:
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Regência: janelas abertas e surpresas Passado o período de observação, anotações e muita conversa pós-aula, iniciou-se o nosso período de regência. Tudo estava planejado: conhecíamos os estudantes, reconhecemos o perfil da turma, diagnosticamos neles alguns aspectos do cotidiano e a curiosidade por assuntos transversais, vivenciamos as conversas em grupo, as músicas. Preparamos nossas aulas com cuidado, e por que não dizer, carinho. Precisamos nos ater, de uma forma ou de outra, ao que foi dado nas aulas anteriores às nossas para não fugir do conteúdo que foi programado no plano de ensino da turma. Mas, agora era hora da regência e nossos corações estavam batendo rápido. Reger é uma palavra forte, bem sonora, bonita. Segundo o dicionário, dentre os significados: “ser professor de”, “ensinar, professar”. E dentro de “professar” mora outro significado: “dedicar”. Dedicar é um verbo de caminho, e essa parece ter sido a nossa viagem no estágio: abrir caminhos. Os deles e os nossos. E como quem rege uma orquestra, começamos. Observamos cada músico tocando um instrumento diferente, com tons e sons diferentes, mas que convergiam para uma mesma música. Embora tudo parecesse claro para nós, teríamos de estar prontas para lidar com possíveis imprevistos e desenvolver a paciência e a flexibilidade que a docência demanda. O mundo mágico da Fotografia Rememoramos o conteúdo “Composi-
ção”, um assunto já abordado em sala, mas desta vez, ligado à fotografia. Foi aí que uma janela com uma cortininha de vento soprado pareceu se abrir. Ao começarmos com um “quem aqui gosta de foto?” Percebemos um arsenal de mãos se estendendo em meio a olhos bem abertos disparando: “eu! Eu adoro”. Reconhecemos o interesse deles pela imagem, especificamente pela fotografia e como a identificação com o tema estudado despertou curiosidade e vontade por aprender. É o sentir-se presente, inserido, ativo no meio-espaço-tempo. Isso nos reforçou o que Fernando Hernández (2000) aborda sobre a arte que instiga e ajuda o fortalecimento da imaginação relacionada a si e ao meio. Instigados é o termo que podemos usar para definir a reação da turma durante as aulas que seguiram. Trabalhamos fotografia como meio para abordar a construção de suas identidades e para ressignificar uma prática tão habitual em suas vidas. Apresentamos artistas, levamos câmeras analógicas e rolos de filme, e pedimos para que eles tirassem fotos que revelassem um pouco de si. Alguns comentários dos estudantes foram: ___Professora, eu acho que a fotografia analógica demonstra mais cuidado com a fotografia… Porque assim… Você precisa revelar e cuidar. O celular você pode perder, pode quebrar, pode ser roubado. ___Nossa, professora! Que louca essa mulher! Fica por aí tirando foto dela e de todo mundo em todo lugar! ___Mas será que ela não é muito diferente de nós, hoje? Tirando várias selfies por aí? O que vocês acham?
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Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro ___Professora, a imagem retrata tudo que existe, mas não necessariamente tudo, porque um unicórnio não existe e a gente vê! ___A câmera escura é errado professora! A pessoa que fez isso tinha preguiça de desenhar! ___As fotos de Francesca Woodman não me surpreendem… São estranhas. Tudo que você faz em arte, você coloca um pouco de si. ___O que aprendemos aula passada? Alguém se lembra? ___Aprendemos sobre fotógrafas depressivas.
Questões de gênero
Produções dos alunos do 7º ano Intervenção na fotografia Fotos acervo pessoal 2017.
Modelo de câmera análogica Vivitar levada como exemplo em sala de aula Foto acervo pessoal 2017
Ver no rosto dos estudantes a satisfação em pegar uma câmera analógica foi um dos pontos mais felizes da nossa regência, pois nos fez sentir, de fato, mediadoras na construção do conhecimento: “nossa, essa é mais pesada que essa!”; “Professora, quantas câmeras você coleciona?”; “Professora, ainda não peguei... Pede para ela me passar”.
Nosso trabalho sobre a produção de identidades estendeu-se para as relações interpessoais e de como nos comportamos em respeito ao outro. Diante disso, seguimos no intuito de abordar questões de gênero, especificamente sobre o feminino, apresentando artistas mulheres como referências. No nosso plano de aula estava prevista a solicitação de uma pesquisa no final das aulas, a fim de gerar uma troca e pequenos debates entre o que foi apresentado e as influências e curiosidades dos alunos. Pretendíamos abordar este assunto de forma muito sutil, de modo a verificar a visão dos alunos sobre o tema, o que vem sendo trabalhado sobre isso dentro do colégio e como os alunos encaram as questões de gênero. No caso da nossa prática, utilizamos como referência a autora Linda Nochlin em seu texto: “Por que não houve grandes mulheres artis95
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tas?” (1971). Procuramos trabalhar a questão da invisibilidade da mulher na história da arte e, por esse motivo, trouxemos apenas referências femininas e um pouco de suas narrativas pessoais para serem trabalhadas em sala de aula. Nosso intuito era abordar algumas reflexões teóricas e práticas e nos baseamo no livro “Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista” (2001) de Guacira Louro. A partir da temática autorretrato, pedimos que fizessem uma pesquisa sobre artistas mulheres que trabalhassem esse mesmo segmento e a resposta foi mais surpreendente do que esperávamos. Grande parte dos alunos, sobretudo meninos, trouxe artistas e fizeram observações muito pertinentes acerca da mulher na arte, da representatividade e de como uma desconstrução do olhar histórico era necessária. Em suas falas: ___Eu trouxe Frida! ___Eu trouxe essa outra, preciso ler o nome dela... ___Eu trouxe a Tarsila! Ela foi muito importante pro modernismo, acho que é importante que ela seja mulher, porque tinha muitos homens, ela foi tipo revolucionária. ___Professora, eu pesquisei sobre Anita Malfatti, ela também foi revolucionária, foi a primeira mulher do modernismo a fazer uma exposição no Brasil. Foi muito importante pras mulheres, ela foi meio que desprezada pelo Monteiro Lobato que escreveu algumas coisas chatas sobre ela, acho que foi numa revista ou foi num jornal. Eu acho que ela representa bem a figura da mulher como artista, foi como uma resistência.
A experiência do “não” ou “eu nunca mais vou fazer isso” Penúltima aula de estágio e havíamos planejado uma atividade em grupo chamada “fotografia cega”. A atividade consistiu em formar grupos de cinco estudantes, onde três estavam com vendas e dois estavam sem vendas nos olhos. Os dois participantes do grupo que estavam sem venda guiaram e dirigiram as fotografias dos colegas vendados. Sob um tempo de 30 minutos, eles fizeram uma série de 10 fotos com o tema “Meus limites na escola”. Os objetivos maiores desta atividade eram: a interação em grupo por meio da confiança, o desenvolvimento de outras percepções além do olhar, revisar os conteúdos de composição fotográfica (enquadramento, angulação e iluminação), conhecer alguns processos de montagem de exposição e curadoria. A agitação tomou conta da sala! Todos estavam empolgados com o fato de que podiam circular livremente pela sala, tão livre que alguns começaram a subir nas mesas, nas bancas, revirar a sala de artes, correr e até brigar. De repente um grito: “AAAAAAAAAAAAAA”, um susto, o coração no pé e o estômago doendo de tanto nervosismo. Para, respira, toma força “Gente, vocês não estão levando a sério”. O que fazer agora? Paramos a atividade para tranquilizá-los e depois retomamos. Cada grupo fez sua curadoria de fotos e apresentou sua série. O tema “meus limites na escola” foi retratado com fotografias que representavam vandalismo, atividades que não podem ser feitas na escola, e os limites 96
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dos alunos deficientes que teoricamente não podem realizar certas atividades. O momento foi oportuno para fazermos uma avaliação. Alguns relataram que, em alguns momentos, não se entendiam como grupo e que tiveram dificuldade de fazer a atividade no ambiente fechado da sala. Aproveitamos o momento para chamar a atenção do comportamento durante a atividade que quase nos matou de nervoso. Nossa supervisora disse: “aproveitem tudo que deu errado. Que bom que deu errado! Assim vocês podem avaliar, reformular, e tentar de novo”. Por fim, solicitamos que cada grupo trouxesse suas fotos impressas na próxima aula para expor no colégio.
ventivas. A afetividade e a preocupação com o outro também. A experiência de estágio foi muito híbrida, um conjunto de vários aspectos, cada um em particular, apontando para uma estrada que só está iniciando.
A experiência como professoras As experiências mais significativas como professoras foram: a) a da flexibilidade de aprender em conjunto com os alunos e entender o quanto somos capazes de compartilhar e interagir; b) o entendimento que construímos enquanto seres ainda em formação, desenvolvendo nossas práticas docentes para a vida. Estamos em constante processo evolutivo e a troca de experiências foi fundamental nas etapas do ensino. Demos importância ao que os alunos têm como conhecimento prévio, suas vivências e suas curiosidades. Não existem impossibilidades ou irrelevância num caminho de aprendizagem. Tudo é válido e mutável. Lidar com as frustrações foi um ponto muito importante também, pois algumas coisas não saíram como desejamos. Não ter o controle de tudo nos fez mais humanas e in97
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Referências ALVES, Rubem. Gaiolas ou Asas: a arte do voo ou a busca da alegria de aprender. Porto: Editora Asas, 2004. BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. A Imagem no Ensino da Arte: anos 1980 e os novos tempos. Perspectiva: São Paulo, 2010. HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Tradução Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 2000. MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.). Educação da cultura visual: conceitos e contextos. Santa Maria: Editora da UFSM, 2011. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. RODRIGUES BRANDÃO, Carlos. O Que é Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
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Laboratório de Artes: Práticas de Experimentação Artística na Educação Infantil Niara Mackert Pascoal
Adaptação do projeto: do olhar à prática Estava bem aflita ao começar o estágio na escola pública municipal de Recife, já que o período letivo começara um mês antes das aulas da Universidade. Era uma mistura de medo, receio de não conseguir terminar e sentimento de incapacidade diante dos desafios e responsabilidades que viriam. Meu projeto inicial tratava sobre bullying, discriminação e identidade, tema que a escola estava trabalhando com os alunos no mês anterior a minha chegada. Vi nessa coincidência de temas uma excelente oportunidade para aplicar meu projeto de maneira efetiva. Comecei a observação e já no segundo dia de aula notei que as crianças podiam ter mais de mim, afinal, a “função do profissional em arte na educação não é simplesmente ministrar aulas fragmentadas de arte, mas, sobretudo de organizar um espaço de cultura que possibilite a ampliação das expressões e das linguagens da criança” (PILLOTTO, 2012 p.1). Mudei todo o meu projeto para algo totalmente inverso. Dediquei-me a escrever e planejar aulas essencialmente práticas, que estimulassem a liberdade criativa e que permitissem experimentação das artes em diversos suportes e através de variadas formas. Nasceu então, a partir do meu olhar sobre aquela tur-
ma de 14 alunos, o Laboratório de Artes: projeto de imersão em práxis artística. Trabalhar práticas artísticas com crianças de quatro e cinco anos pode ser assustador. Sujeira e bagunça foram questões que não tiveram peso na minha decisão pelo projeto. Não estava com medo de errar ou de perder o controle de alguma situação, pois percebi que os alunos precisavam dessa oportunidade de manipulação de materiais expressivos. Estavam travados e eram condicionados a práticas de desenhos e pinturas fechadas, onde misturar as tintas e pintar fora da linha era considerado errado. Desenhos fotocopiados eram muito comuns e inclusive, estavam condicionados à prática da alfabetização, quando, muitas vezes, eram “enfeites” ao lado das atividades de escrever as letras ou ligar palavras às figuras. Esse tipo de prática, limitante, fazia com que muitas delas tivessem receio de expressar sua imaginação. “Ao interromper, na sua infância, o desenvolvimento da linguagem gráfico-plástica, foram fixadas formas padronizadas como a casinha, a árvore com maçãs [...] organizando-se um repertório reduzido de formas que chamamos de estereótipos” (CUNHA, 2004, p. 09). Era muito comum que, como forma de estimular a criatividade dos alunos, a professora
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cobrasse elementos visuais que julgasse importantes na composição, como também questionasse sobre os desenhos e, a partir disso, fizesse correções, por exemplo: como no desenho da família, que uma criança desenhou alguém que não morava em sua casa e a professora pediu que apagasse. Esse tipo de prática despertou em mim a necessidade de expandir a voz criativa a essas crianças, de estimular a sujeira, bagunça, desordem e a apresentar novas formas de fazer, outras coisas para ver. Na Educação Infantil as crianças pode-
rão identificar e nomear os diferentes modos de produção em Artes Visuais como também os gêneros da pintura. Para tanto, é fundamental que eles/as possam explorá-los gradativamente nas suas produções artísticas, assim, processualmente, vão conhecendo e sistematizando esse conhecimento (RECIFE, 2015, p. 74).
O projeto contemplou, dentre as diversas expressões artísticas, gravura, pintura, estamparia, modelagem em argila e desenho. Combinados a esses conceitos, estudo de cores e misturas de tintas. É de ressaltar que o professor deve ofe-
suportes deve partir da experimentação, isto é, exploração sensorial e avançar para o uso consciente das suas qualidades expressivas, favorecendo o processo de criação” (RECIFE, 2015, p.73). A escolha dos conceitos e materiais foi totalmente influenciada pelas necessidades observadas em relação a práticas de arte e estímulo de criatividade. Os objetivos do projeto eram, portanto, estimular a expressão, permitir o toque, o conhecer de novas tintas e novas formas de fazer arte, aumentar o repertório visual dos alunos e despertar, de certa forma, o interesse pela arte, pois a criança, “brincando com tintas, cores, pinceis, rolos, água, explora não apenas o mundo material e cultural à sua volta como também expressa e comunica sensações, sentimentos, fantasias, sonhos, ideias, através de imagens e palavras” (RICHTER, 2004, p. 57).
recer para seu aluno a maior diversificação possível de materiais, fornecendo suportes, técnicas, bem como desafios que venham favorecer o crescimento de seu aluno, além de ter consciência de que um ambiente estimulante depende desses fatores colocados, permitindo a exploração de novos conhecimentos (PALMEIRA, 2014, p.8).
Todas as aulas foram adaptações da técnica e permitiam maior liberdade de expressão dos alunos. Levando materiais e formas diferentes de fazer, “o uso desses meios e 100
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Reflexões críticas na escola e questionamento da criticidade do projeto Desenvolvi um projeto que não contemplava momentos específicos de reflexão crítica com as crianças, por perceber que a escola já trabalhava certos conceitos. Identidade e bullying são temas contemplados durante o ano todo na escola, de acordo com a coordenação. E, além disso, certas conversas e frases das crianças demonstraram certa maturidade em relação a alguns assuntos, como: “Tem nada a ver que o rosa é de menina, né?” - questionou uma das meninas da mesa. A outra prontamente respondeu: “É, o rosa pode ser de menino também, e essa cor, e essa…” - apontando aos lápis da mesa. Apesar de não contemplar nos planos de aula pausa para reflexão, como isso acontecia de forma natural, não me surpreendi com assuntos relacionados a feio/bonito, certo/errado, de menino/ de menina, o que demonstrava a aproximação da criança a esses conceitos, e também, “é a partir deste momento que ela esbarra com determinados preconceitos produzidos acerca da arte, seja nas práticas sociais ou nas práticas pedagógicas, em que o conceito de estética ganha tão somente a dimensão de “belo”, de “bonito”” (FERREIRA, 2007, p.2017). Primeiras impressões da escola Minha primeira impressão da escola foi como a de estar em casa. Tudo muito acolhedor, apesar da estrutura física precária. Era pequena, possuía apenas cinco salas, sem refeitório ou biblioteca. As salas possuíam ar
condicionado que, segundo informações da coordenação, foram doados. Comportavam uma média de 16 alunos. A sala da turma que acompanhei, o grupo IV-B, ficava logo à frente da secretaria. Nela, as crianças eram dispostas em grupos de quatro mesas e quatro alunos, que sentavam livremente onde queriam, geralmente, as meninas se agrupavam em um conjunto e os meninos em outro. Preparei meu projeto para o espaço da sala de aula, já que outros espaços não eram muito viáveis. A professora o aceitou sem nenhuma ressalva ou sugestão. Percebi que ela tinha certo apreço por atividades de artes e se interessava pelo assunto. Período de observação e afetividade com as crianças Minha aproximação imediata foi com a coordenadora da escola, que estava auxiliando no processo de documentação do estágio. No primeiro dia de observação me senti um pisca-pisca, pois chamava a atenção das crianças. Todas curiosas em saber quem era a tia que sentava lá no fundo da sala. Após a apresentação da professora, posicionei-me no lugar onde fiquei durante toda a observação. Já no primeiro dia eles foram se aproximando (duas alunas, inclusive, olharam para mim e disseram: “te amo, tia”). Uma semana depois já estávamos amigos. O primeiro fato que me chamou atenção foi a decoração da sala de aula e da escola. Diferentemente da maioria que eu conhecia, não era cheia de personagens e imagens 101
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midiáticas “simplesmente” decorativas, o que me fez recordar do texto de Susana Rangel, Cenários da Educação Infantil (CUNHA,2005, p.177), que fala sobre a construção de “sujeitos infantis” através das referências imagéticas desses cenários e a instauração de modelos binários de existência. Pelo contrário, o que percebi na escola foram as produções dos alunos, as atividades que fazem, representações deles mesmos, o que achei muito interessante e estimulador. Não só na decoração da escola, mas também percebi que muito da aula e das ações da professora são baseadas nas experiências particulares dos alunos, somadas a estímulos visuais e contextualização de determinado assunto.
Cotidiano na escola durante o estágio. Registro da autora.
“O aniversário da Ninoca” foi o tema trabalhado no meu primeiro dia na escola. Após os “rituais” de entrada e concentração
(todos os dias, as crianças cantavam músicas para concentração antes de entrarem e faziam orações, no pátio da escola), a professora leu essa história para os alunos. Usou um livro interativo e cheio de recursos visuais, que posteriormente foram retomados na construção de um cartaz sobre a história lida. Todos fizeram juntos, com lápis, canetinhas e papéis recortados. A última parte da aula, no entanto, foi sobre o aniversário deles e a experiência que tinham sobre seus aniversários. Achei muito interessante, pois quando um estudante realiza uma atividade vinculada ao conhecimento artístico, […] delineia e fortalece sua identidade em relação às capacidades de discernir, valorizar, interpretar, compreender, representar, imaginar, etc. o que lhe cerca e também a si mesmo (HERNÁNDEZ, 2000, p.42).
“Meu Aniversário” foi a produção individual da aula, quando eles colocaram em suas produções: imaginação, sua realidade e seus sonhos. Foi a parte mais expressiva e alegre do dia. E alguns questionamentos me chamaram a atenção durante essa atividade. Tia, é pra fazer do meu jeito, né? foi o momento em que notei certa liberdade criativa, quando a professora respondeu-lhe que sim. Essa liberdade não era, contudo, algo solto como livre expressão, vez ou outra a professora, ao ver as produções, orientava a colocar determinados elementos como balões, bolo, convidados. Isso tornou-se, com o tempo, restritivo, visto que muitas vezes eles eram condicionados a desenhar de certo jeito e colocar elementos 102
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dentro de suas produções que eram “sugeridos” pela professora. Em uma outra aula, o tema foi uma música do lobo mau. A professora escreveu a letra na lousa e fez a orientação das letras e sons, para estimular a leitura. Logo após, eles compuseram um cartaz que tinha colado o desenho da cabeça do lobo mau, hora de fazer, então, o corpo. Usando tinta especial de pintura a dedo, a professora passava tinta na mão de cada um e eles faziam as partes do corpo do lobo. Cada um fez uma parte, sendo que a professora sempre perguntava qual parte estava faltando.
Cotidiano na escola durante o estágio. Registro da autora
Em seguida, cada um pegou seu caderno e “escreveu” o nome, procedimento que se repete diariamente antes de fazer outras atividades no caderno. Nessa hora, vários são “guiados” pela professora, por apresentarem dificuldades. Quando terminaram de escrever,
foi hora de desenhar o lobo sozinho e pintar com tinta, agora com os dedos somente. Um fato que percebi nesse momento foi muito importante para meu período de regência. Após isso, busquei perceber aspectos que eram “insuficientes” nos conteúdos já trabalhados pela professora, com o propósito de programar outras atividades. Nessa dinâmica de pintar com os dedos, as tintas foram colocadas em papeis, que eram colocados nos centros das mesas e a tinta era compartilhada entre as crianças. Eles foram orientados repetidamente para que não misturassem as cores – verde, amarelo, azul, vermelho, preto e branco – e limpassem o dedo toda vez que trocassem de cor. Eis que uma criança misturou duas das cores, azul e branco. A reação do restante da turma foi unânime em se levantar e ir até lá ver o que tinha saído. “Tia, Bruno misturou as cores”, “nossa, Bruno1 misturou azul com branco”. Foi uma fascinação ao ver o resultado e ao mesmo tempo algo ainda mais inusitado ocorreu, quando elas começaram a falar que a pintura do Bruno estava feia, só pelo fato de ele ter misturado. Os cadernos estavam na mesa em que eu sentara e eles vinham olhar e falavam: “olha tia, como o de Bruno “tá” feio, ele misturou tudo”. Instintivamente, sem muito refletir por ser pega de surpresa, respondi-lhes que o do Bruno apenas estava diferente e que era bonito igual aos outros. Penso que “é fundamental que as crianças vivenciem seu desejo explo1 Bruno é um nome fictício.
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ratório gestual e matérico, portanto, é inadequado controlar seus ímpetos desbravatórios com exercícios de preenchimento de formas ou com redução da quantidade de tintas e colas, ou fornecendo apenas folhas de tamanho reduzido” (CUNHA, 2004, p.21). E usei esse momento em especial, para propor uma das aulas da regência. Com a Páscoa chegando, os preparativos para a comemoração da escola também se iniciaram. A recepção dos alunos foi feita com a história de Jesus. Notavelmente a escola segue a ideologia católica, com orações todas as manhãs e muitas falas relacionadas a isso. A professora contou porque se comemora a Páscoa. Logo após entrarem na sala, depois do tempo de recolher os cadernos e ver as tarefas, ela entregou-lhes dois pedaços de papel retangulares, explicou o que era retângulo, usando como exemplos a porta e o armário. Esses dois pedaços fariam surgir uma cruz no caderno deles, que eles montaram e colaram. Depois disso deveriam desenhar Jesus nessa cruz e pintar. No momento de pintar Jesus, uma aluna perguntou para a professora qual cor usaria. “Jesus é da cor da gente, olhe tua cor e pinte da mesma cor”. Achei muito interessante a fala da professora de aproximar o contexto à vida das crianças, como vejo no texto de Hernández, “a cultura visual contribui para que os indivíduos fixem as representações sobre si mesmos e sobre o mundo e sobre seus modos de pensar-se” (HERNÁNDEZ, 2000, p.52) o que considero de muita importância no âmbito educacional. O fim da aula foi o re-
creio e depois brincar com quebra-cabeças. Durante as primeiras aulas da observação eu achei interessante o fato de a professora “guiar” os alunos na hora de desenhar ou pintar. Julguei precipitadamente que seria uma alternativa à livre expressão e desenho livre. Com o passar das atividades, notei que esse direcionamento era muito restritivo, principalmente em relação à criatividade das crianças. Foi aí que percebi que o fazer imagens e o uso das imagens não eram pensados com propósitos além de auxiliar na concentração ou na fixação de uma palavra e um número. “No cotidiano da prática, a leitura de imagens, nessa fase, possibilita alimentar e amadurecer a construção da expressão da criança, como parte de um percurso a ser percorrido na aprendizagem do desenho e das diversas modalidades das Artes Visuais” (RECIFE, 2015, p.73). O “olhar [...] impregnado de marcas culturais e biográficas” (HERNÁNDEZ, 2011, p.33) não era livre e, portanto, não havia uma reflexão sobre a imagem e muito menos sobre os efeitos que a imagem causava nas crianças. Muitas vezes notei crianças que simplesmente não queriam desenhar ou pintar e só o faziam porque senão “ficariam sem recreio”. Em contraponto, notei que o aspecto biográfico e de aproximação à realidade deles era presente, apesar de tímido, e reflexões críticas eram constantes nas aulas. Faça “seu aniversário” e “vamos conhecer um animal que temos aqui no Zoológico de Dois Irmãos” são duas falas que demonstram que a profes104
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sora se interessa por aproximar o conteúdo dos estudantes. Concordo com Hernández, quando diz que certas ações continuam presentes nas escolas atuais, apesar de “inadequadas” e “quando as imagens entram nela, fazem-no, principalmente, por sua utilidade pedagógica (porque permitem fixar o sentido das palavras nos métodos de leitura ou ilustrar moralmente o dever dos alunos)” (HERNÁNDEZ, 2011, p. 42). Desenhos fotocopiados são muito comuns: peixes, índios, etc. Sinto falta de um: vocês já viram um índio? Sabiam que aqui pertinho de nós existem aldeias indígenas? Vocês sabem como os índios se vestem e seus hábitos? Não somente como forma de sondagem dos conhecimentos dos alunos, mas como forma de estimular o uso das imagens e também a formação de imagens nas crianças. Usar a cultura visual que, “além de falar a partir de outro lugar da arte - e de outras práticas de visualização também impulsiona a realização de projetos e práticas geradas como processos de indagação” (HERNÁNDEZ, 2011, p.43). Não sozinha, a meu ver, mas apoiada na práxis e em “colocar a mão na massa”, que julgo extremamente importante para o desenvolvimento das crianças, seja física ou cognitivamente. Foi a partir daí, que meu projeto se afirmou. Regência: acertos e imprevistos pelo caminho O tema da minha primeira aula foi Estamparia. Logo que entrei na sala com tintas e rolinhos percebi que eles ficaram muito ani-
mados, motivando-me ainda mais. “Olha, hoje a gente vai pintar”. Comecei a aula mostrando tecidos e perguntando o que eram aqueles desenhos. Levei tecidos estampados por mim com elementos abstratos e que fugiam do repertório deles. Passavam a mão, cheiravam e amassavam. “Tia, isso é um pano cheiro de flores, olha” expliquei-lhes então o que era uma estampa, mostrando em suas próprias roupas (nem todos iam de uniforme) e logo após, o que era estamparia. Mostrei-lhes então, a referência visual da aula, Iza do Amparo em seu ateliê e diversas estampas feitas por ela. Iza é uma artista que há muito tempo trabalha com estamparia a partir de materiais que vêm de diversas adaptações, como estampar com raiz de bananeira e carimbos feitos com sola de sapato, peças de computador, etc. Suas produções são bem coloridas e preenchidas com diversos motivos diferentes, o que chamou muito a atenção das crianças. Quem quer aprender a fazer uma estampa? Questionei. Todos disseram que sim, empolgados. Antes de fazermos os carimbos, apresentei os materiais e como iríamos fazer. Partimos então, para a confecção dos carimbos a partir de EVA e lápis, para formar sulcos. Quando todos terminaram foi a hora de carimbar. Passei de mesa em mesa, levando tintas para que eles passassem nos carimbos (através de rolinhos) e fossem carimbando no papel. “Olha, tia! O que saiu, que bonito!” e mais surpresas sobre o que eles mesmos faziam.
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Cotidiano na escola durante o estágio. Registro da autora.
A segunda parte da aula foi a impressão dos carimbos (feitos de novo, em outros formatos) em pano e com tinta para tecido para composição de estampa coletiva. Voltei para casa satisfeita com a organização e com os acertos em relação ao planejamento da aula e, também, com o interesse dos outros professores e da diretora em saber o que eu estava fazendo. Essas ideias de estamparia foram usadas pela escola, posteriormente, na “Semana da Família”, a partir de oficinas que ministrei, para as professoras, sobre algumas técnicas. A segunda aula teve como assunto o pontilhismo. Programei pintura a partir de hastes flexíveis e tinta guache.
Na mesma organização da aula anterior, primeiramente mostrei a referência visual da aula, O Pinheiro em St Tropez, de Paul Signac, pintor francês neo-impressionista, que ajudou a desenvolver o estilo pontilhismo. Essa obra, colorida a partir de cores primárias, basicamente, mostrava a paisagem de um pinheiro. Para a parte prática, os alunos fariam duas pinturas, uma individual e uma coletiva (em cartolina). Sugeri que fizessem um esboço antes, por achar que ficaria mais fácil a pintura. No primeiro trabalho, estavam animados e aplicando os conceitos dos pontinhos de maneira natural. Na segunda parte, para minha surpresa, alguns alunos não queriam mais pintar com pontinhos e falei que poderiam, então, pintar de outro jeito, como quisessem. Além disso, diferente do planejamento, não conseguimos chegar a um acordo em relação à temática da pintura coletiva e as crianças ficaram divididas entre pinturas abstratas - com pontinhos espalhados, simplesmente – e formas ou objetos reconhecíveis. A próxima aula, a mais esperada do planejamento para mim, foi a de experimentação das cores. Aquela que eu planejei baseada no fato descrito anteriormente durante a observação. Programei um inicial questionamento sobre cores primárias e sobre a mistura das cores e a experimentação com os dedos e tinta apropriada. Novamente a presença das tintas em sala já era motivo de euforia. Levei papéis pintados com as tintas que seriam misturadas e questionei quais cores seriam formadas. 106
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Cotidiano na escola durante o estágio. Registro da autora.
Coloquei então, porções de tinta nos potinhos e entreguei-lhes para que misturassem com os dedos e fossem testando no papel. Choveu mágica. “Tia, olha a cor que eu fiz!”, “A gente fez mágica, olha”, “Nossa, deu laranja” e outras expressões foram exatamente o que eu esperava da experiência. Ao final da experimentação com todas as cores que planejei, mostrei-lhes os papéis de novo e questionei quais cores saíram. Retomamos os conceitos durante as aulas seguintes. Neste momento de vida, terão muita importância para a criança suas experiências semióticas, isto é, a oportunidade de agir, representar, transitar em diferentes códigos e linguagens. É buscar estratégias de resoluções singulares na própria singularidade do meio simbólico (RICHTER, 2004, p.56).
As aulas que se seguiram foram respectivamente: 1- Pintura Abstrata - pintura com balões e tinta guache e pintura em tela com tinta acrílica, com referência visual de Iberê Camargo, pintor, gravurista e professor brasileiro, que abusava de texturas e pintava quadros bem expressivos; 2- Argila – modelagem em argila com referencial de Mestre Vitalino, artesão Pernambuco que é famoso por retratar cenas regionais em barro; 3- Fazendo tinta – produção de tinta a partir de argilas; 4- Girassóis – pintura baseada em “Os Girassóis” de Van Gogh, pintor holandês pós-impressionista, usando folhas; 5- Gravura – adaptação da técnica de monotipia com referencial de Tomie Ohtake, artista plástica japonesa naturalizada brasileira, que trabalhava, dentre outros suportes, com gravura; 6- Desenho Mágico com giz de cera e tinta nanquim. As dificuldades que encontrei para trabalhar práticas em artes com as crianças na sala foram muito poucas e na realidade, foram mais em decorrência de certa “cobrança” da moça que cuidava da limpeza da escola. Tive que levar instrumentos e limpar as mesas para deixá-las da forma que estavam antes das atividades. Algumas vezes não quiseram fazer com pontinhos ou preferiram misturar tudo no papel em vez de delimitarem formas de girassóis. Julgo totalmente natural essa necessidade de subversão e penso que se o projeto fosse mais longo, a imersão das crianças em arte seria ainda maior. Várias vezes indaguei sobre o que era arte, o que conheciam por arte, se conhe107
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ciam museus ou se já tinham visto quadros e obras de arte em algum lugar, pois “o papel da arte na educação é grandemente afetado pelo modo como o professor e o aluno vêem o papel da arte fora da escola” (BARBOSA, 1975 apud FERRAZ e FUSARI, 1999, p. 16). Eles passaram a conhecer um pouquinho da arte através dos conceitos que trabalhamos, mas ainda sinto necessidade neles de explorar o espaço fora da escola, como visitar museus e galerias, assunto que discuti com a professora e percebi interesse dela em levá-los. O sentimento que construo de minha regência é o de necessidade. Necessidade de ter coragem, de levar, buscar a arte e o fazer artístico com as crianças na escola. Colocar a mão na massa, sujar, rir, tocar e estranhar, gostar e expandir o visual e o palpável em sala de aula e também, quando possível, fora dela. Conclusão do projeto, avaliação dos alunos e da experiência docente Foram muito marcantes para mim todos os momentos que estive dentro da escola, todo reconhecimento que tive deles, o carinho e a admiração que senti enquanto estava ali. Fui muito bem acolhida, não só minha presença, mas o que eu levava: a arte. Em minha despedida, as palavras da diretora ao me agradecer só confirmaram os objetivos que eu pretendia com o projeto: “nós, às vezes, queremos fazer, mas nos sentimos perdidas, não sabemos muito bem. E sua contribuição nos trouxe muito.” Tem como fazer, tem como entrar na escola e mudar algumas coisas, SIM.
Cada um de nós, futuros professores, carrega uma sementinha de mudança, uma faísca diferencial para melhorar o mundo da sala de aula. E eu saio com a certeza de que as outras professoras perceberam isso.
Questionar verdades no âmbito educacional, ampliar as discussões sobre as políticas de representação exercidas nas escolas legitimando diferentes olhares para um mesmo acontecimento e combater um currículo escolar cristalizado e hegemônico são atribuições do campo reflexivo e político da cultura visual (BORRE, 2014, p. 7).
Os alunos, para minha surpresa, lembraram da maioria dos conceitos que trouxe. Fiz uma avaliação/conversa com eles na penúltima vez que estive na escola e foi muito gratificante ver os olhinhos brilhando, reconhecendo seus trabalhos e lembrando como tinham sido feitos e alguns conceitos. Meu último dia foi no “Dia da Família”, quando a escola fez uma oficina de estamparia para os pais com o uso de carimbos que produzi. E foi surpresa –novamente - para mim o interesse dos pais e como eles gostaram da oficina e dos trabalhos que as crianças haviam feito (montei uma exposição dos trabalhos na sala de aula). O que levarei do estágio para minha formação é a importância do fazer. Não só mostrar, não só refletir. Mas, fazer, sentir, tocar, experimentar. Não precisa ser perfeito, não precisa ter mil conceitos em volta, não precisa necessariamente tratar de assuntos e temas polêmicos, não precisa necessariamente questionar tudo, só o que falta, o que pode trazer sorri108
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sos para as crianças. Simplicidade foi o que eu levei para a escola e foi através dela que eu consegui essa maravilhosa experiência. Com copos de plástico, tinta guache e papel temos um mundo de possibilidades. Temos campos a explorar, diferentes formas de fazer ou, às vezes, até fazer do avesso. Porque elas, as crianças, precisam de nós. Precisam se apaixonar assim como nós somos apaixonados por arte. E a gente pode fazer isso de forma bem simples.
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Ah, estranho! Rosalvo Felisberto de Oliveira Filho Jonatas Ferreira da Silva
O seguinte projeto foi realizado em uma escola da rede Municipal do Recife (Pernambuco), com a turma do grupo 5 (alunos entre 5 e 6 anos de idade), sendo realizado nos períodos de 28 de março a 17 de abril (período de observação) e 2 de maio à 26 de maio (período de regência) de 2017 e teve como objetivo principal desenvolver, através do desenvolvimento da metodologia artográfica, o conceito do estranho e do feio no âmbito das artes visuais. O indivíduo é um ser polivalente que está sujeito a diversas situações cotidianas bem como a inúmeras interações com a sociedade e o ambiente. Essas interações proporcionam várias possibilidades para o comportamento humano diante da relação com indivíduos com as mais diversas características físicas, psicológicas e sociais. Sendo assim, é correto dizer que o contato com indivíduos considerados fora do padrão culturalmente pré-estabelecido pode resultar em uma reação de estranhamento. Segundo Hall (2005), as mudanças estruturais na sociedade estão trazendo questionamentos quanto às ancoragens sociais e culturais, estando, dessa forma, as identidades modernas descentradas. Sendo assim, objetivamos conscientizar os alunos da possibilidade de se defrontar com os mais diversos indivíduos dos mais variados
aspectos físicos e comportamentais. Por se tratar de um trabalho que buscou abordar as três esferas da abordagem artográfica (o professor atuando como artista e pesquisador) esse trabalho foi desenvolvido para se adaptar a várias faixas etárias. Um dos paradigmas tratados pelo projeto foi o de considerar o público como ser ativo no processo da realização das atividades e fazê-lo participante do processo e da construção desses elementos culturais. Este entendimento de protagonismo é compreendido na esfera artística contemporânea, dialogando com a ideia de Hall (2005), já que, a questão da identidade não seria vista como um parâmetro rígido e que permitiria aos indivíduos estarem em constante construção do processo identitário a partir da interação com a cultura e sociedade. Tema e justificativa do projeto O dramaturgo Brecht desenvolveu o conceito de estranhamento relacionado a abordagem teatral, porém este pode ser extrapolado para o campo das artes visuais já que o estranhamento é tratado como uma abordagem conceitual que objetiva trazer o estranho aplicada a uma situação cotidiana. Através deste ponto de vista questionamos os padrões socialmente desejáveis e objetivamos incitar a reflexão para questionar a exploração
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de novas possibilidades de se tratar a questão da identidade e de sua relação com a sociedade. As temáticas que este projeto aborda foram voltadas para a exploração do conceito de elementos estranhos aos padrões normalizados pela sociedade bem como a importância da reflexão e exploração desses elementos. É importante ressaltar que esses elementos influenciam na formação do indivíduo não apenas com relação ao caráter social como também psicológico e cognitivo. Como diz Irwin (2013), é importante trazer práticas aos alunos e através dessas práticas, proporcionar experimentações diferentes, já que essas experimentações aumentam a compreensão das atividades humanas, através de meios artísticos. Ao gerar uma compreensão ampliada desses processos, possibilita-se também novas leituras e uma maior gama de representações sobre o ambiente sócio cultural em que os alunos estão inseridos. Com relação à escolha da abordagem artográfica para a aplicação do projeto, esta surgiu da necessidade de unir uma proposta pedagógica que precisa de sistematização, porém não pode ser hegemônica às experiências investigativas e artísticas também envolvidas no processo. Segundo Hernández (2013), existe na experiência com artes visuais a necessidade de explorar propostas que permitam representar a realidade através de formas que as metodologias tradicionais não são as mais indicadas para a realização. A aplicação de uma metodologia que difere dos procedimentos positivistas e hegemônicos tem como ob-
jetivo permitir que fenômenos mais fluidos e complexos, dotados de significações artísticas e pessoais, sejam estudados. A experiência artística envolve diretamente a experiência humana que é um fenômeno que não deve ser visto apenas através da esfera objetivista. É importante afirmar que a metodologia artográfica alcança objetivos pedagógicos mesmo seguindo uma estratégia que difere das tradicionais. Ela possibilita, segundo Eça (2013), uma maneira diferente de entender as narrativas, principalmente através de leitura de imagens. A artografia busca, desta forma, observar e fazer leituras do que não é óbvio ou necessariamente objetivo. Também cabe a ressalva de que a contemporaneidade trouxe a possibilidade do contato com inúmeras representações imagéticas em uma velocidade extremamente rápida, sendo necessário que os alunos consigam refletir sobre essas imagens. Segundo Martins (2013), as imagens estão intimamente ligadas com o tempo e o contexto nos quais foram produzidas, se faz importante, dessa forma, que essas imagens sejam compreendidas através de uma reflexão crítica que leve em consideração o meio em que foram produzidas bem como o meio em que os alunos estão inseridos. O ensino da arte proporciona aos alunos não apenas a visão crítica, como também o desenvolvimento desta e sua interação com o cotidiano, já que proporciona a aplicação desses conhecimentos no mundo em que vive (TOURINHO, 2013). 113
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O acompanhamento A acolhida que nos foi dada desde o primeiro dia de observação foi excelente. Conversamos um pouco com a professora que alertou que nossa presença atrapalharia a atenção dos alunos já que seria uma novidade. Ela ainda comentou da dificuldade de ter um aluno especial na sala de aula, e que a mãe não acreditava que ele tinha alguma deficiência. Depois da conversa a professora começou a aula pegando alguns bambolês de cores diferentes e levou os alunos para o pátio, chegando lá eles ficaram sentados e encostados na parede. Então, a professora começou perguntando a cor dos bambolês a cada resposta ela colocava os bambolê no chão até que todos estivessem no chão, começou uma brincadeira que consistia que as crianças pulassem dentro e fora dos bambolês. Segundo Hernández (2000) é importante colocar o aprender da criança em contexto com suas vivências, fato este que ficou bem representado quando várias habilidades foram trabalhadas em uma atividade realizada fora da sala de aula. O estudante com necessidades especiais se destacou na brincadeira ao ficar disperso mais que os outros e agredindo a todos. A professora tinha que lidar com a turma e ao entrar na sala comentou, “ele precisa de um acompanhamento individual na sala”. Ao entrar na sala a professora escreveu as vogais no quadro e pediu que as crianças encontrassem as vogais em livros que ela distribuiu para cada aluno. Nós ajudamos cortando as vogais que as crianças achavam nos livros e, também, colan-
do nos cadernos, depois de terminar as crianças replicavam as vogais no caderno. Segundo Hernández (2000, p.35), “a arte tem uma relação importante entre os olhares e as representações culturais bem como a trajetória que as crianças percorrem na realização desta”. O professor tem um papel importante como guia desta trajetória e justamente este foi o maior desafio e objetivo de nosso papel como estagiários. Desde o período de observação um fato que chamou nossa atenção foi a falta de motricidade fina das crianças para a realização de algumas tarefas. A empunhadura do lápis, o desenho de figuras geométricas e a escrita do nome eram exemplos claros desta situação (Fig 1). Inicialmente os alunos se incomodaram e tiveram bastante dificuldade em realizar desenhos, no final ficaram frustrados com os resultados de suas produções.
Desenho realizado por aluno durante o período de observação. Fotografia do acervo dos autores
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Monteiro (2010, p.45) ao falar sobre o desenho infantil observa que “existe por parte do adulto uma necessidade de que a criança produza elementos figurativos”. Ao não conseguir representar seus desenhos de maneira “realista” a criança estaria se considerando abaixo dos padrões esperados causando dessa forma o sentimento de frustração quando defrontados com o resultado final da tarefa. Outro fato que nos chamou atenção foi o discurso das crianças com relação a pessoas de características físicas diferentes, deficientes físicos, pessoas idosas e LGBTs. Estes eram constantemente associados a ideia de feio, estranho bem como a ideia do mal. As relações formadas entre as imagens e os que são alcançados por elas são fatores importantes a serem levados em consideração principalmente em um ambiente escolar formado por várias histórias individuais complexas e que possuem em comum a constante troca que fazem com a cultura visual. Levando-se em conta o caráter de valorização do aspecto sócio construtivista na educação, no qual é relevante o meio em que o educando está inserido, deixa-se claro que o papel do arte/educador vai além de realizar a leitura da imagem. É necessário, segundo Hernández (2011, p. 37) “que o educando passe por uma reflexão da importância daquelas imagens no seu contexto, bem como de que forma estas o estão afetando”. Durante o período de observação nos deparamos frequentemente com declarações das crianças a respeito de imagens que produ-
ziam ou que eram exibidas como referências. No entanto, quando questionados sobre o porquê de exprimirem aquela opinião, demonstravam grande dificuldade em argumentar e declararam, na grande maioria das vezes, seguir a opinião de pares adultos. Exemplos de discursos associados a conceitos pré-estabelecidos e produzidos estavam constantemente ligados à diversidade. Os alunos associavam pessoas idosas a bruxas e a concepção de que o feio representa o mau. Um dos alunos chegou a afirmar que não gostava de um dos estagiários, pois este usava cabelos longos e segundo sua concepção, homens não poderiam usar cabelos longos, porém, quando perguntado sobre o porquê de afirmar isso, não sabia argumentar. A iniciativa de provocar reflexão nos educandos é de fato um aspecto necessário dentro do ensino das artes (HERNÁNDEZ, 2011). Constatamos durante a observação das atividades das crianças que sua relação e até mesmo opinião sobre as referências imagéticas se dava na maioria das vezes por uma repetição de opiniões e muito pouco refletia o aspecto de representação da individualidade. Há de se considerar que os pares são importantes na participação desse relacionamento da criança com a imagem, já que podem ser considerados como elementos inseridos no meio social dos educandos, porém a arte/ educação deve ir além dessas interferências e buscar, como afirma Hernández (2011) que a criança se aproprie de um sentido e que busque as origens de sua relação com as imagens. 115
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Vale ressaltar também a agressividade que ficou marcante durante o período em que a turma foi acompanhada. Os alunos agrediam uns aos outros constantemente, verbalmente e fisicamente, até mesmo durante o período de aula, fato comentado constantemente pelos professores e funcionários da escola. Quando questionados sobre as possíveis causas desse comportamento, as relações familiares conturbadas eram os principais aspectos apontados. A regência Tendo em conta o que foi percebido durante o período de observação estabelecemos como principal objetivo reconhecer e discutir o conceito de estranho e feio no âmbito das artes visuais. Era necessário também empregar esses conceitos em situações cotidianas e refletir sobre as consequências desta aplicação para o desenvolvimento individual e social, bem como organizar o raciocínio crítico sobre o tema tratado. Além disso, construir um diálogo entre estes conceitos com as situações vividas no cotidiano, agregando dessa forma valor real ao exercício crítico. Segundo Vigotsky (1998, p. 177) “as artes não poderiam ser explicadas tendo como referência apenas a vida privada exigindo que sua compreensão parta da interpretação que envolve a esfera da vida social”. Dessa forma, é importante que as crianças não apenas reflitam sobre as imagens que consomem, como também sobre as que estão produzindo. Objetivamos também que os alunos se
posicionassem criticamente e se expressassem artisticamente com relação ao tema do estranho e do feio no âmbito das artes visuais. Era necessário também fazer com que os alunos interagissem com os materiais que seriam utilizados nas atividades (referências imagéticas, lápis grafite, lápis de cor, tintas, revistas, dentre outros) e a partir de sua interação com esses, criar produções artísticas que dialogassem com o tema central do projeto. Além de tudo era ideal que os alunos compreendessem e refletissem sobre os resultados alcançados, para que desenvolvessem suas próprias considerações e pensamento crítico e não simplesmente reproduzissem opiniões de seus pares. Procedimentos Além da exposição oral dos conceitos, era sempre estimulada a discussão sobre os temas abordados (Fig 2) de forma a elucidá-los e trazê-los para a realidade dos alunos, buscando estimular a reflexão crítica sobre o tema para em seguida trabalhar esses conceitos com produções visuais.
Aula sobre o feio e o estranho na arte Fotografia do acervo dos autores
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Era necessário que os alunos observassem as várias possibilidades que as identidades individuais podem assumir e que “vários aspectos interagem para formá-las, bem como para transformá-las constantemente e nem sempre o resultado final deve estar dentro dos padrões socialmente preconizados” (HALL, 2005, p. 15). Utilizamos imagens de pessoas com padrões de beleza “diferenciadas” e levando em conta os parâmetros sociais, assim como obras de arte de diversos artistas que abordam o tema (a exemplo de Goya, Van Gogh, Picasso e Tim Burton), para trabalhar os conceitos de feio e estranho, intencionando que o público alvo desenvolva aceitação da pluralidade da sociedade. Dessa forma, além de aprender sobre os artistas citados, os alunos desenvolveram reflexões sobre a presença do feio em suas obras bem como a relação que podiam fazer com seu cotidiano. A realização de atividades práticas envolvendo a participação ativa dos educandos proporciona além do melhor entendimento dos conceitos a aplicação em situações cotidianas. Sendo estas, fundamentalmente, procedidas por uma análise crítica dos exercícios que proporciona a reflexão dos alunos sobre os assuntos debatidos e praticados (Fig 3 e Fig 4). Vale ressaltar que conceitos técnicos como o desenho de figuras geométricas, técnica de colagem, empunhadura correta do lápis foram passados aos alunos e avaliados de forma individual, notando-se um avanço quanto à aplicação dessas técnicas. Atividades como representações imagéticas dos conceitos estimulavam o desenvolvimento
individual e a construção do saber assim como também incitavam a participação do indivíduo no desenvolvimento do raciocínio e reflexão coletivos. Além de trabalhar o conceito, pretendíamos aplicá-lo através de leitura de imagens, que foi um dos temas discutidos com os alunos em sala e, apesar da tenra idade, mostraram um entendimento sobre como fazer a leitura e sobre o que era importante para fazê-la e ainda estimulando a produção artística dos alunos no desenhos, pinturas, colagens e modelagens.
Experimentação com tinta Fotografia do acervo dos autores
Discussão sobre os trabalhos realizados na aula sobre Tim Burton Fotografia do acervo dos autores
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Com relação à avaliação, inicialmente, era realizado um diagnóstico do conhecimento dos estudantes em relação aos conceitos a serem abordados. Partindo-se da análise diagnóstica, eram apresentados oralmente os conceitos e, só então, debatidos com os envolvidos para estabelecimento da construção do conhecimento. Perguntamos, “o que você acha feio?”, uma das respostas foi que pessoas velhas eram feias. Então baseados nessa resposta continuamos, “porque eles são feios?”. As respostas demonstravam que elas relacionavam pessoas velhas com bruxas(maldade), daí continuamos “porque pessoas idosas sao bruxas/más?” “todo mundo que é idoso é mau?”. Após o debate, atividades práticas serviram para constatar a forma como esses conceitos foram construídos e as reflexões geradas a cerca destes. O envolvimento e o interesse demonstrados durante todas as etapas também serviram de referências avaliativas do processo. Aspectos específicos como, criação de formas artísticas, relacionar o trabalho produzido com os temas trabalhados em sala, reflexionar sobre a produção artística própria, foram elementos importantes a serem considerados. Os educandos também foram avaliados individualmente através da oralidade no momento da produção e realização das atividades. É importante ressaltar que todo esse processo foi registrado através de um relatório descritivo sobre o desenvolvimento dos alunos ao longo do período do estágio, sendo este relatório entregue à escola. Segundo Monteiro (2010, p. 53) “os
desenhos produzidos pelas crianças seriam a linguagem através da qual suas realidades são representadas” e “esta linguagem está intimamente ligada a processos de construções sociais e históricos”. Como as condições ambientais são importantes para o processo é correto dizer que a escola pode interferir na qualidade da produção artística infantil e elementos como materiais, contexto, relação com os pares, devem ser levado em consideração ao se estudar a produção das crianças e ao realizar um trabalho de reflexão sobre estas produções. Considerações sobre o desenvolvimento das atividades Houve inicialmente a preocupação em diagnosticar os conhecimentos dos alunos sobre a temática do feio e do estranho, em seus entendimentos. Um dos principais fatores atestados durante o período de observação foi a utilização destes termos para qualificar trabalhos artísticos ou imagens que os desagradavam esteticamente, muitas vezes estabelecendo juízo de valor a esses trabalhos. Perguntamos aos alunos o que eles achavam feio e o porquê de acharem aquilo. As falas dos alunos diziam respeito a elementos considerados fora dos padrões sociais ideais (Homens com cabelos longos, idosos, deficientes, tipos de vestimentas, dentre outros). Porém, os argumentos não representavam opiniões de caráter individual, mas sim reprodução de considerações levantadas pelos pares. Algumas das falas das crianças que nós notamos 118
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foram “Pessoas velhas são feias”, “é errado menino ter cabelo grande”, “velhas parecem bruxas”. Notamos, ao longo da realização das aulas, que houve uma mudança de comportamento das crianças. Após entrar em contato com referências imagéticas de diversos artistas que utilizavam elementos do feio e do estranho em suas obras, as crianças passaram a reconsiderar sua opinião sobre estabelecer juízo de valor com relação a um padrão de beleza que diverge do estabelecido socialmente. Um dos alunos afirmou que “aprendeu que nem todo gigante é mal, por ser diferente”. Ele estava se referindo à obra de Francisco de Goya, denominada “O Colosso” (Fig 5).
Outra aluna fez uma observação sobre uma obra de Picasso “Essa mulher é diferente porque ela é muito colorida, mas é linda”, referindo-se a obra “A mulher que chora” (Fig 6).
“Mulher que chora” Pablo Picasso
“O colosso” Francisco de Goya
Notamos, então, que houve uma mudança no comportamento das crianças e o estabelecimento de um raciocínio crítico individual sobre as referências imagéticas com as quais entravam em contato. Uma segunda preocupação levantada durante o período de observação foi a dificuldade das crianças ao realizar trabalhos práticos. Dois fatores chamaram atenção com 119
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relação a esta questão. O primeiro e principal, pois era observado na maioria das crianças, sendo também uma queixa que partia das próprias, era a dificuldade com relação a coordenação das ações (dificuldade de empunhadura do lápis ou dificuldade em desenhar objetos geométricos) o que causava desconforto para os alunos quando defrontados com as atividades práticas. O segundo fator era a preocupação de algumas crianças em fazer algo considerado “bonito”, a preocupação em alcançar um padrão considerado ideal para o resultado final, sendo motivo inclusive de alguns desistirem de realizar as atividades, pois não se achavam capazes de alcançar esse padrão. Esse fato pode ser exemplificado através da situação no momento em que pedimos aos alunos que desenhassem algo que eles achavam feio e um dos alunos queria desistir da atividade já que queria desenhar uma baleia azul mas “não sabia desenhar uma bonita”. A cultura visual, quando se refere à educação, pode se articular como um cruzamento de relatos em rizoma (sem uma ordem pré-estabelecida) que permite indagar sobre as maneiras culturais de olhar e seus efeitos sobre cada um de nós. Por isso, não nos enganamos e pensamos (sabemos) que não vemos o que queremos ver, mas sim aquilo que os fazem ver, o que descentra a preocupação por produzir significados e a desloca para indagar a origem. (HERNÁNDEZ, 2011, p. 34)
Com base nisso as duas questões foram tratadas de forma individual com os alunos, através da realização de instruções sobre empunhadura do lápis e desenho de figuras geométricas. Além disso, houve conversas com os
alunos para estimular a expressão individual e a realização das tarefas sem a preocupação de alcançar um padrão considerado como ideal para os trabalhos. Notamos que os alunos alcançaram bons resultados sentindo-se mais seguros e confortáveis para a realização das atividades tanto nas questões técnicas quanto na questão da expressão individual. Segundo Gardner (1997) as crianças passam por uma fase fundamental da expressão artística justamente neste período da infância, justificando assim a importância de estimular suas produções e fazê-las confortáveis em realizá-las. A experimentação com diversos materiais (Fig 7, Fig 8 e Fig 9) também foi um dos objetivos alcançados através das aulas. As crianças mostraram interesse em conhecer as possibilidades dos materiais utilizados (grafite, lápis de cor, giz de cera, tinta guache, massa de modelar, cola, cartolinas) sendo inclusive parte das atividades dedicadas a conversar com a turma sobre esses materiais. Vale ressaltar que essa experimentação é inclusive um fator preconizado nos Parâmetros Curriculares Nacionais, quando dizem que “é possível desenvolver a percepção, bem como a imaginação, sensibilidade, emoção e reflexão ao interagir com diferentes instrumentos e materiais artísticos” (BRASIL, 1998, p.37). Outro fator alcançado ao longo das aulas foi a capacidade das crianças de relacionarem os trabalhos que estavam sendo realizados com a temática que estava sendo tratada ao longo do desenvolvimento do projeto. As crianças entendiam que estavam tratando so120
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bre artistas e imagens que dialogavam sobre o estranho e o feio e passavam esses elementos para os seus trabalhos. Uma das atividades em que essa questão ficou mais clara foi durante a aula sobre Tim Burton em que os alunos fizeram questão de modelar formas anatômicas bastante expressionistas que dialogavam com os personagens e as obras do artista que haviam sido apresentadas (Fig 10 e Fig 11).
Experimentação com tinta e giz de cera Fotografia do acervo dos autores
Experimentação com tinta Fotografia do acervo dos autores
Experimentação com massa de modelar Fotografia do acervo dos autores
Releitura com massa de modelar baseada nos personagens de Tim Burton Fotografia do acervo dos autores
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projeto pedagógico uma influência fundamental para o desenvolvimento das três esferas. O desenvolvimento do projeto pedagógico influenciou na nossa produção artística de forma a originar um novo projeto baseado nas vivências e produções que foram possibilitadas pelo desenvolvimento do mesmo no ambiente escolar. Trata-se da criação de uma página no Facebook que foi alimentada com desenhos e tirinhas que dialogavam com a estética do estranho e do grotesco com o objetivo futuro de gerar uma publicação gráfica.
Releitura com massa de modelar baseada nos personagens de Tim Burton Fotografia do acervo dos autores
É importante notar que a evolução que constatamos, ao longo das aulas, foi possível porque em nenhum momento o projeto foi tratado como fechado. Uma das características de sua realização foi justamente incluir as necessidades dos alunos (sejam elas didáticas, pessoais, sociais) aos procedimentos realizados, o que tornou o trajeto pedagógico ainda mais interessante tanto para os estagiários quanto para os educandos. Nossa produção artística baseia-se na metodologia artográfica que enxerga o sujeito nas esferas do artista, pesquisador e professor, sendo todo o trajeto desenvolvido pelo
Considerações finais Evoluções nas esferas, críticas, pessoais, técnicas e artísticas foram alcançadas e as crianças passaram a se sentir mais confortáveis e seguras para declarar suas opiniões pessoais bem como para realizar as atividades e se expressar artisticamente de maneira a respeitar suas individualidades. É necessário ponderar que essa evolução só foi possível através de uma observação das necessidades dos educandos e da adaptação do projeto pedagógico com relação a estas. Pode-se dizer também que o desenvolvimento deste projeto foi essencial para nosso desenvolvimento já que a identificação das necessidades individuais e pedagógicas das crianças bem como a adaptação do projeto e o planejamento das aulas, procedimentos e atividades, são desafios fundamentais para a formação de um futuro arte/educador.
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“Inventário Curumim”: Sociedade-Cultura-Identidade-Arte-Educação Ziel dos Santos Mendes
Estava na aldeia mandaram me chamar! (2x)1 Caboquinho da aldeia êhá! (2x)
Caro leitor, eu e você, talvez, possamos descobrir até a conclusão deste texto os motivos que me levaram fazer o curso de Licenciatura em Artes Visuais. Por meio de relatos e reflexões sobre meu 1º estágio Curricular partilho desejos, anseios, expectativas e reflexões sobre a importância desse momento na minha formação como docente. Por acreditar que a construção do saber se dá pelo acúmulo e ressignificação das experiências e vivências humanas, iniciarei este diálogo falando um pouco sobre mim. Em seguida tratarei sobre o locus no qual desenvolvi o estágio. Posteriormente, sobre o período de observação, desenvolvimento e aplicação do projeto Inventário Curumim em uma escola da rede pública de ensino em Recife/PE. Um pouco sobre mim... Nasci e passei toda a minha infância e parte de minha adolescência entre o meu povo, os Karapotós2. Minha escolarização se deu nas instituições de ensino público, escola 1 Fragmento de um dos cantos presentes nos rituais do povo Karapotó. 2 Povo indígena do agreste Alagoano.
municipal, estadual, Instituto Federal, e agora pela Universidade Federal. Todos esses momentos contribuíram na construção de fragmentos que constituem como sou. Em minha comunidade vivi sob os resquícios da colonização, transitando ora nos rituais indígenas ora nas práticas da igreja católica. Durante minha escolarização, experienciei todos os aspectos e problemáticas presentes nas instituições de ensino pública. Ou seja, instituições sem nenhuma estrutura física, sistema totalmente sucateado, falta de professores, merenda, etc. O que isso me proporcionou? Ver o mundo sob a ótica dos marginalizados, da realidade em que vive a maioria que é vista como minoria. O irônico é que da mesma forma como uma semente fértil pode germinar mesmo estando em um solo escasso, por apenas sentir o frescor do orvalho em noites escuras, e mesmo sendo árdua sua luta para permanecer viva – nascer, ocupar e delimitar espaço, precisei apenas encontrar uma pessoa, sentir o frescor de apenas uma gota d’água, para entender, compreender e viver o poder transformador da educação pela arte.
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Durante o primeiro ano, dos quatro que fiz o curso técnico em informática integrado ao ensino médio no Instituto Federal de Alagoas – IFAL campus Arapiraca, tive a oportunidade de ter um professor de artes formado na área, o qual ovaciono ao registrar seu nome: Judivan José Lopes. Durante esse curto período de tempo, um ano, tendo uma aula de 50mim por semana, Judivan por meio do ensino da arte possibilitou minha autopercepção como sujeito político. Mesmo tendo artes como disciplina apenas no primeiro ano e fazendo o curso técnico na área de informática acabei passando os três anos posteriores pesquisando e produzindo Arte através de bolsas e programas fomentados pelo Instituto Federal. Em 2012 Participei do grupo de produção Artístico Lambe-Lambe Digital. Em paralelo, no mesmo ano fui bolsista PIBIC realizando a pesquisa Vídeo Arte: Poética de efeitos. Posteriormente, em 2014, meu último no IFAL, no qual conclui o curso de técnico em informática, fui bolsista do projeto de extensão CriArtVírus, o qual produzi intervenções artísticas urbanas de teor crítico-social capazes de abordar por meio de produções estéticas contemporâneas os problemas que mais atingia a população de Arapiraca e regiões circunvizinhas. Essas experiências contribuíram para a ampliação do meu olhar sobre o espaço no qual ocupava e, ainda, sobre a importância e consequências dessa ocupação. A partir de então, surgiu em mim a vontade de partilhar. A necessidade de tornar-me
um disseminador de gotas d’água, para que outras sementes pudessem também germinar e ocupar um lugar no espaço e se enxergarem como fatores determinantes do mesmo. É esse, talvez, o fator que me fez deixar minha casa, família, meu povo, para fazer o curso de Licenciatura em Artes Visuais na UFPE. Hoje, encontro-me na metade do curso e vejo-me lutando para permanecer nele. Contudo, criei, ainda mesmo que não muito profundas, algumas raízes que me fazem resistir e permanecer lutando. Uma dessas raízes foi poder ter a primeira experiência como docente em Artes Visuais, a partir da regência do primeiro estágio curricular. Esse momento foi incrível, marcado por expectativas, anseios, nervosismo, superação, decepções, alegria, apreender/aprender, exaustão, amor, saudade e vontade de continuar. Lócus do Estágio Realizei o estágio curricular obrigatório no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco com educandos da turma do 6º ano. Fundado em março de 1958 para funcionar junto à Faculdade de Filosofia como um laboratório experimental, hoje é vinculado ao Centro de Educação da UFPE, atendendo aos acadêmicos das diversas licenciaturas, em suas habilitações. Segundo informações disponíveis na página online do Colégio no site da Universidade Federal de Pernambuco, seu campo de atuação inclui a elaboração de novas técnicas 125
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pedagógicas e educacionais, a fim de serem repassadas as instituições de ensino ligadas as redes estaduais, municipais e privadas. Desta forma, não foi surpresa me deparar como uma instituição diferenciada, um exemplo em qualidade, gestão e organização educacional. Período de Observação: “é uma escola muito engraçada, tinha ateliê de arte, não faltava nada...” Desconhecia, até iniciar o estágio, o Colégio de Aplicação. No primeiro contato lembrei da música A casa (1980) de Toquinho e Vinícius de Moraes. O fato deve ter ocorrido devido as minhas experiências em instituições com outro perfil organizacional e de estrutura física. Não que essas não possam ter boas condições, mas sabemos, infelizmente, o quão é difícil à realidade da maioria das escolas públicas. Assim, registrei no caderno de anotações: É uma escola muito engraçada Tem ateliê de Arte, não falta nada. Meninos só em uma mesa podia não Meninos e meninas juntos, sem segregação. A professora ensina com muito esmero Todos aprendem ninguém tira zero.
Desta forma, logo de imediato, mesmo diante do desconhecido, senti que estava sobre um terreno sólido e que muito tinha a compartilhar e apreender para futuramente aplicar em minhas regências como docente em artes visuais. Um dos fatores que colaborou para esse sentimento foi ter uma professora
comprometida e competente. Como há ateliê de arte no CAp, as aulas de arte são ministradas nele. A turma é dividia em grupos de cinco alunos, constituídos de meninos e meninas. Não são permitidos grupos só com meninas ou vice-versa. Essa estruturação da turma foi algo que achei interessante de certa forma impactante, pois ouvi uma das alunas da turma falar que não queria ir, pois a mãe dela não permitia que ficasse perto dos meninos. Vi nesta situação a necessidade/importância de se trabalhar gênero e sexualidade com a turma. Também pensei: a professora ao estruturar a turma desta forma já está indiretamente contribuindo na inserção dos educandos nesse campo? Outro aspecto interessante foi saber a abordagem didática pedagógica da professora supervisora, pois ela se debruça sobre a Gestalt, tendo como base as contribuições teóricas de Howard Gardner. Ela não aplica a metodologia da Abordagem Triangular difundida por Ana Mae Barbosa por acreditar que esta pode ser eficiente e eficaz se trabalhada nas séries iniciais da educação básica. As primeiras atividades propostas pela professora foram de caráter diagnóstico: desenhos expressivos utilizando lápis de cor, hidrocor e lápis de cera e além de executar dinâmicas. Essas ações lhe possibilitam entender o repertório e habilidades plásticas no campo das artes visuais dos educandos. Ao ler o texto “A Arte na Educação para a Compreensão da Cultura Visual”, de Hernán126
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dez (2000) comecei a refletir sobre uma situação em sala de aula na qual a professora pediu que todos fizessem um desenho de observação de um objeto utilitário presente no cotidiano de suas famílias. Durante a explicação da atividade ela pegou uma carranca e muitos indagaram sobre o que era tal personagem e como ele era feio. Talvez, por motivo metodológico ou por não ter escutado, as indagações passaram despercebidas à professora. A partir daí entendi e compreendi a importância de se abordar a cultura visual no ensino das artes visuais que, para Hernandez (2000) significa expor os estudantes não só ao conhecimento formal, conceitual e prático em relação às Artes, mas também à sua consideração como parte da cultura visual de diferentes povos e sociedades. A partir disso comecei a pensar sobre as possibilidades dos temas que poderia abordar na elaboração do projeto para ser desenvolvido durante o período de regência. Também aliei minhas leituras com a indicação de “Desdobrando ou Ensinando: Sobre o Treinamento Ideal de Habilidades Artísticas”, de Howard Gardner (1999), indicado pela professora supervisora. No texto, Gardner aborda duas visões antagônicas sobre a forma ideal de desenvolver o talento artístico: A primeira pode ser denominada perspectiva do “desdobramento” ou “natural”. A criança é vista como uma semente que, em bora pequena e frágil, contém dentro de si todos os “germes” necessários para a virtuosidade artística. O papel do naturalista ou jardineiro que cuida da semente é principalmente pre-
ventiva. [...] a segunda pode ser denominada abordagem de “treinamento”, “diretiva” ou de “habilidade” (GARDNER, 1999, p. 179).
Ainda sobre os estágios de desenvolvimento das crianças, Gardner afirma: Os primeiros anos de vida constituem
um momento de desenvolvimento natural de competência artística. E durante esse período a abordagem de desenrolar, de dar rédeas plenas ao desenvolvimento natural parece indicada. Durante a primeira infância, no entanto, um tipo mais ativo de intervenção e requerido. Exercícios rígidos não são necessários, mas sim receitas que deem a criança ferramentas para atingir efeitos que ela desejar, que abram em vez de fechar possibilidades. Ela deveria ter algumas perguntas para fazer e algumas formas de tentar respondê-las, e uma familiaridade incipiente com padrões e com crítica (GARDNER, 1999, p. 185).
Ao levar em consideração a faixa etária e que todos da turma apresentavam o mesmo estágio de desenvolvimento psicomotor, ficou claro durante as observações que a professora concorda com o autor, desta forma, atendo-se sob a perspectiva intervencionista/diretiva. Em suas aulas, as práticas artísticas são orientadas e perguntas são lançadas aos educandos, incitando-os à crítica. Outro aspecto observado na abordagem metodológica é a oportunidade de experimentação de materiais diversos no uso de produção artística pelos educandos. Segundo a própria professora esse é um momento importante para que os educandos possam experimentar materiais diferentes em suas produções. Durante o período de observação foi visto dentre os materiais usados pelos alunos: lápis de cor, 127
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hidrocor, giz de cera, anilina, lixa, tinta guache e água sanitária. O método avaliativo aplicado era processual, ou seja, é resultante da análise do desempenho das habilidades e competências artísticas de cada educando na realização das atividades propostas, e, ainda, levava em consideração a frequência e a participação em sala. Um instrumento utilizado por ela, auxiliador no processo de avaliação, foi a criação de pastas pelos educandos nas quais os mesmos guardavam todas as suas produções. O interessante desse instrumento foi que, além de garantir o auxílio no acompanhamento avaliativo individual de cada educando, proporcionou que os próprios realizassem a autoavaliação e acompanhamento de seus progressos no aprimoramento técnico artístico.
Pastas dos educandos: Instrumento avaliativo desenvolvido pela professora. Arquivo do autor
Algo que me impactou durante o período de observação foi poder ter participado do conselho de classe e observar a turma em outra aula, a de música. Esses dois momentos
me proporcionaram uma das coisas mais lindas de se ver no campo da educação, ver crianças autônomas, com forte caráter crítico e uma abordagem sobre o conceito de empatia que levarei comigo para sempre. No conselho, os alunos apresentaram uma carta – que leram para todos os presentes – de caráter avaliativa de todos os seus docentes. Na carta encontravam-se todos os pontos positivos e negativos avaliados por eles do desempenho de cada professor e, ainda, algumas propostas a serem tomadas por eles para a melhoria de suas didáticas. Todos os professores ouviram e, posteriormente, fizeram suas considerações de forma totalmente respeitosa e ética. Falando sobre a abordagem feita pela professora de música sobre o conceito de apatia fiquei totalmente surpreso e feliz por ter vivenciado tal momento. Durante a aula, a professora perguntou aos educandos se eles estavam vendo como o pátio estava. Este, o pátio, encontrava-se totalmente sujo. Falou que aquela situação era consequência da apatia por aquele espaço e pelos demais usuários do mesmo, e, ainda, deles próprios, afirmando que todos eram responsáveis pela sujeira do lugar. A fala da professora me fez refletir sobre aquele lugar e os inseridos nele. Então, lembrei da afirmação de Dulce Maria Sampaio ao abordar as problemáticas do contexto educacional: Percebi que a realidade educacional é uma só, tanto na zona rural como na cidade, na escola publica quanto na escola de iniciativa privada. A crise
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Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro da educação é a mesma que assola a sociedade em todo o planeta: a crise da consciência dos valores humanos, dos sentimentos e ideais (SAMPAIO, 2007, p. 22).
Foi nesse momento que percebi a grande educadora que ela era. Fazer com que os educandos enxergassem o espaço e nele se vissem como responsáveis foi uma forma de educar para a cidadania. Ainda com Dulce Maria Sampaio, penso que: A educação exerce um papel fundamental no
resgate do seu real significado: puxar para fora. Colocar para fora todo o potencial interno no desenvolvimento dos valores humanos. Garante a reflexão sobre o resgate da unção do educador na construção de uma educação de qualidade que ajude as pessoas a se cultivarem como seres humanos e a serem responsáveis pelo organismo social e sua transformação (SAMPAIO, 2007, p. 23).
Foi a partir desta aula que comecei a ter pistas do papel que poderia desempenhar ali. Qual seria minha contribuição na educação daquelas crianças? Essa intervenção da professora me fez passar uma semana pensando sobre o conceito de apatia e sobre as consequências que ela traz a sociedade atualmente. E ainda, sobre a ausência de harmonia entre os cidadãos que a compõe, pessoas preconceituosas, autoritárias e egocêntricas. Foi durante essa reflexão que tive a certeza que o projeto Inventário Curumim seria uma oportunidade de se trabalhar e aprofundar esse conceito, já que o mesmo abordava as temáticas identidade e cultura, com ênfase nas culturas indígenas. Apoiado por uma abor-
dagem autobiográfica e na metodologia A/R/ tográfica finalizei o projeto e esperei ansiosamente para desenvolvê-lo durante minha regência. Um pouco sobre o Projeto “Inventário Curumim” Falo de minha infância, lugar em que nasci, de meu povo, de onde eu vim e estou, como aquilo que me identifico e, talvez, sobre aquilo que eu sou. Desta forma, Inventário Curumim debruçou-se se sobre a construção de narrativas referentes às infâncias pós-modernas abordando a temática da Identidade: territórios fluídos por meio de uma narrativa autobiográfica marcada pela tríade Cultura indígena-Catolicismo-Cultura urbana e como correlatos o conceito de Sociedade e Cultura. Desenvolvi o projeto através da A/R/tografia “na qual o saber, fazer e realizar se fundem e se dispersam, configurando-se como mestiça, híbrida” (DIAS, 2013, p. 25), e ainda, “capaz de ampliar a compreensão dos indivíduos” (IRWIN, 2013. p. 28), almejei provocar e estimular a acuidade sensível do olhar reflexivo do público – alunos do 6º ano do ensino fundamental – sobre o que é ser indígena brasileiro na pós-modernidade. Na tentativa de estabelecer um paralelo entre experimentação/produção artística e reflexão, tive como objetivos: discutir sobre os conceitos de Identidade, Sociedade e Cultura, tendo como enfoque as culturas indígenas na pós-modernidade a partir de um recorte sobre o povo Karapotó. Além disso, construir narrati129
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vas poéticas, imagéticas e narrativas por meio das linguagens: desenho, pintura e colagem, performance e instalação que apresentassem a pluralidade de reflexões, compreensões, entendimentos e indagações dos educandos sobre tal vivência e dos conceitos trabalhados. Falando sobre o Período de Regência Acordei cedo, dei uma revisada no plano de aula e conversei com uma colega para confirmar que chegaria um pouco mais cedo no Colégio de Aplicação. Era o dia tão esperado, 23 de maio de 2017, início de minha regência. Após ser muito bem recepcionado pela professora supervisora, e com aquele friozinho na barriga, pedi a atenção dos educandos e me apresentei de forma mais objetiva e falei sobre o que iríamos partilhar desde aquele momento até o total de cinco aulas, onde concluiria a carga horária de minha regência. Após os esclarecimentos iniciais falei da temática que iríamos abordar durante a aula: o que é cultura e sociedade? Trabalhei os conceitos de Cultura e Sociedade fazendo um recorte sobre a diversidade cultural indígena do Brasil a partir de uma perspectiva dialógica, reflexiva e prática. Também abordei todas as demais temáticas durante minha regência por meio de diálogo e tentei sempre diagnosticar o entendimento dos educandos a respeito desses conceitos. Após a escuta das falas da maioria, percebi que eles já tinham um prévio conhecimento sobre o que significa cultura e socie-
dade. Entretanto, almejando ampliar esse conhecimento partilharmos juntos novos saberes com o vídeo “O que é Cultura?” Durante a exibição um dos educandos perguntou o que era Umbanda, ao ver essa palavra aparecer entre outras que representavam aspectos culturais presentes na cultura brasileira. Foi uma pergunta importante, assim como ele ninguém sabia o que era/significava de fato aquela palavra. Esse foi um momento ímpar, pois aproveitei a presença de minha colega para que ela explicasse. Foi um momento de aprendizagens e quebra de alguns preconceitos. Ao fazer relação desta pergunta com as culturas indígenas questionei o que eles sabiam ou entendiam sobre, se existia uma ou inúmeras culturas indígenas? Depois da escuta de falas, tais como: “índio mora em oca, andam pelado, moram na floresta...” vi a cara de surpresa de todos quando falei que eu era indígena. Após o momento de surpresa, perguntas e alguns esclarecimentos sobre mim e meu povo, exibi outro vídeo: “Os Indígenas – Raízes do Brasil #1”. Antes de iniciar a parte prática, pedi como atividade de casa, com o objetivo de provocar mais reflexão sobre o que tínhamos trabalhado em aula, a produção escrita individual de cinco frases que exemplifiquem vivências dos mesmos com a violência, machismo, preconceito, discriminação étnica racial e orientação sexual. Como atividades prática e artística correlata a temática foi realizada a produção de 130
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uma colagem coletiva, a partir de recortes, feitas por todos os educandos, de imagens de revistas que pudessem expressar a compreensão e entendimento da turma da diversidade cultural de povos indígenas que existem na sociedade brasileira. Em seguida, foram colados em um grande círculo. O que me impactou durante o desenvolvimento da atividade foi um estudante comentando a imagem de uma mulher com o fenótipo afro e que apesar dela apresentar aquelas características, poderia ser sim uma mulher indígena. E outro um recorte de um homem que da cabeça dele saiam indígenas, e falou que estava se sentindo na mesma situação. Nesse momento fiquei muito feliz e emocionado, pois percebi que tinha atingido os objetivos da aula. Na segunda aula, sentindo-me menos nervoso, trabalhei o tema “o que é identidade?” A aula teve como objetivo abordar o conceito de identidade atrelada ao entendimento do processo de formação das identidades indígenas na pós-modernidade, tendo como referência o povo Karapotó. Antes de iniciar a abordagem, retomei os conceitos da aula anterior, promovendo um debate a partir dos relatos sobre a atividade proposta para casa e, somente a partir de então, adentramos no conceito de identidade. Comecei fazendo a pergunta: o que vocês sabem ou entendem sobre identidade? E entre as falas, uma educanda falou: “identidade é como a gente se sente e se vê no mundo”.
Resultado da atividade proposta. Registro do autor.
Nesta hora lembrei minhas leituras de Maffesoli (1998) e perguntei: “e você se vê sempre a mesma pessoa? Praticando as mesmas coisas? Se comportando da mesma maneira em diferentes lugares?” Todos ficaram eufóricos para contribuir no diálogo. Estava apenas almejando que eles refletissem sobre suas próprias identidades. Então, comecei a falar um pouco sobre mim, da relação onde nasci, o lugar em que estou e 131
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o que isso muda em mim e como me vejo em Recife e quando estou entre meu povo. Posteriormente, pedi para que fizessem duplas e que essas se observassem durante um minuto. Depois solicitei que ficassem de costas um para o outro e, um de cada vez, iria falar como estava o colega naquele dia. Após esse processo de observação perguntei se eles conheciam o Nanquim. Todos responderam que não. Expliquei a atividade que iríamos fazer: produção experimental de autorretratos com nanquim. Queria possibilitar a eles a experimentação de novos materiais no processo de produção artística e ainda, trabalhar a descoberta de suas identidades. Para desenvolver a atividade apresentei a produção do artista de um colega do curso de Artes Visuais. Selecionei uma de suas pinturas para apresentá-la.
Artur Bezerra, 2016, nanquim.
Educandos produzindo seus autorretratos. Registro do autor.
Exemplares da produção. Registro do autor.
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A aula foi um sucesso. Todos os educandos afirmaram o entendimento, mesmo que introdutório, sobre o que é identidade e ainda, desenvolveram com excelência a atividade proposta. A partir da terceira aula abordei a temática da Performance e Instalação como forma de expressão de arte na contemporaneidade. A seleção específica de caráter mais aprofundado dessas duas linguagens se deu pelo meu contato mais intenso e intimidade que tenho com elas, consequentemente, por acreditar que são potências latentes ao abordar política, intervenção, ocupação e (auto) percepção e, ainda, pela ausência delas no ensino de arte, principalmente, nas instituições públicas de ensino. Desta forma, tive como objetivo conhecer, entender e compreender as linguagens Performance e Instalação como forma de expressões artísticas de caráter crítico sociopolítico cultural presentes no cenário da Arte Contemporânea. O que me surpreendeu ao trabalhar essas linguagens foi a dificuldade encontrada no entendimento e compreensão dos educandos sobre esses conceitos, me vi um pouco perdido. Apesar de ter questionado, provocado, aplicado o jogo “A máquina” e dançarmos o Toré, dança presente nos rituais Karapotó, durante a primeira aula era perceptível que eles não tinham entendido e compreendido os conceitos. Foi então que perguntei se todos tinham acesso à internet. Todos responderam
que sim. Então, solicitei que todos pesquisassem cinco performances e cinco instalações e seus respectivos autores/artistas e ano da produção para apresentarem na aula seguinte. Essa atividade foi a chave principal no processo de ensino aprendizagem dos educandos. No início da quarta aula passei recolhendo e conversando individualmente sobre a pesquisa feita, perguntando se a pesquisa tinha auxiliado no entendimento do que eram aquelas linguagens, que aspectos chamaram a atenção durante a seleção, se eles tinham encontrado alguma performance estranha, etc. Foi importante desenvolver esta ação de pesquisa. Muitas referências foram relatadas, muitas que nem foram selecionadas por eles, principalmente após a mostra videográfica com as seguintes produções: performance de Marina Abramovic, The “Artist is Present” (2010); pintor norte-americano Jackson Pollock no processo de produção de suas pinturas em 1952; instalações “6 milhas de fio” (1942) de Marcel Duchamp, “Volátil” (2013) de Cildo Meireles e “Inventário Curumim” (2016) de minha produção. Continuando... Na quinta aula foram recordados os conceitos e apresentado de forma mais aprofundada a produção “Inventário Curumim”, onde mais uma vez relacionei com tudo o que já havíamos trabalhado objetivando proporcionar o entendimento e compreensão do processo criativo e conceitual resultante de um objeto artístico/produção cultural a partir da 133
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mostra e explanação, de forma relacional com todas as temáticas abordadas e trabalhadas. Como atividade prática iniciou-se a produção da releitura da instalação “Inventário Curumim”, começando pela produção do círculo de areia presente na mesma por meio de pinturas abstratas utilizando pigmentos extraídos da argila. A produção das pinturas foi referenciada pelo processo criativo de Pollock. Todos os educandos pintaram ao som de jazz e trabalhando a expressividade e movimentos corporais.
Educandos no processo de produção da pintura. Registros do autor.
Os educandos adoraram poder experimentar o pigmento da argila como tinta e participar do processo de criação artística semelhante ao que Pollok produziu. Durante a atividade, perceberam que naquele momento eles eram a arte. Um dos educandos falou que ele estava se sentindo como o próprio pincel. Essa fala me proporcionou tranquilidade. Tinha alcançado o objetivo da aula? Pensei e sorri.
A Sexta Aula Com tudo planejado para concluir o projeto na sexta aula tinha como objetivo finalizar a produção da releitura da instalação “Inventário Curumim” e compartilhá-la com todo o Colégio de Aplicação. E ainda, promover avaliação e autoavaliação dos educandos sobre todo o processo de desenvolvimento do projeto. Infelizmente, a aula não ocorreu, pois a professora supervisora ausentou-se por motivos médicos. Concordamos com uma reposição da aula, mas ficamos sabendo que não haveria possibilidade de concluir o projeto, pois o bimestre já estava finalizado. Metodologia e Ações de Avaliação O processo de avaliação aplicada durante a execução do projeto foi a avaliação formativa, esta que pode ser utilizada nos diferentes processos de ensino-aprendizagem, sua análise é realizada levando em consideração os aspectos: utilidade; viabilidade; exatidão e justiça, os quais foram citados por Thereza Penna Firme na “Conferência a Avaliação Hoje: Perspectivas e Tendências” (1994) (PUNHAGUI e SOUZA apud FIRME,1994). Outro aspecto importante para a escolha deste caminho foi a configuração de seu caráter, este exemplificado no texto “Avaliar Para Aprender: a construção de uma realidade” de Giovana Chimentáo Punhagui e Nadia Aparecida de Souza (2011): A avaliação formativa é desenvolvida sob a
perspectiva do avaliar para aprender, desta forma, considera todas as práticas e atividades avaliativas, trabalhadas pelos docente/tutores e aplicadas aos edu-
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Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro candos/aprendizes, como instrumentos possibilitadores do ensino e aprendizagem, essa de caráter recíproco. Sendo assim, a utilidade presente na avalição formativa é seu caráter integrador, processual e contínua. Ambos os lados se veem juntos no processo, não há barreira entre o ensino e aprendizagem. Os docentes/tutores refletem continuamente sobre suas práticas e têm o papel de deslocar o olhar de aprendizes/educandos para seus pontos positivos/fortes, a fim de reparar seus pontos negativos e não de classificá-los por meio de notas gerando exclusão (PUNHAGUI; SOUZA, 2011, p. 12).
Desta forma, a avaliação foi realizada durante todo processo de desenvolvimento do projeto seguindo a aplicação de métodos que diagnostiquem o desempenho individual e coletivo dos educandos e o meu como docente. Desta forma, o projeto seguiu estes indicativos: a) Análise da participação individual e coletiva direta nas rodas de diálogos sobre os conteúdos trabalhados; b) Observações da qualidade participativa por meio escuta da articulação das falas individuais dos educandos a respeito dos respectivos temas abordados; c) Promoção de autoavaliação dos educandos levando em consideração a frequência, participação e produção durante o desenvolvimento do projeto; d) Realização das atividades artísticas propostas e consequentemente a entrega das obras imagéticas resultantes.
no mundo. É nessa relação de ser-viver que nascem as sociedades, culturas, identidades e a Arte. Não sei se alguém já afirmou algo parecido. Se já, espero um dia encontrá-lo. Sob esse olhar foi que Inventário Curumim caracterizou-se como um entremeio resultante da obtenção e partilha de conhecimentos, ampliação da percepção dos envolvidos como seres sinestésicos, estéticos, portadores de senso crítico, políticos e autônomos. Sabe o que aprendi nesse viver o primeiro estágio? Confesso que não sei, ainda estou e continuarei aprendendo. O contato com a arte, como artista e futuro docente está ampliando o meu viver.
Considerações Finais Sabe em que momento surgi como educador? A partir do momento em que percebi que o ato de viver é por si só uma ação educativa. Talvez, a luz geradora seja enxergarmos a potência do caráter de vivermos e sermos 135
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Referências COLÉGIO DE APLICAÇÃO- UFPE. Disponível em: <https://www.ufpe.br/cap/>. Acesso em 23 de maio de 2017.
SAMPAIO, Dulce Moreira. A pedagogia do ser: educação dos sentimentos e dos valores humanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007
DIAS, Belidson. A/R/tografia como metodologia e pedagogia em Artes: uma introdução. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Orgs.). Pesquisa Educacional Baseada em Arte: A/R/tografia. Santa Maria: Ed. da UFMS, 2013. p. 21-26. GARDNER, Howard. Arte, mente e cérebro: uma abordagem cognitiva da criatividade. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: ArtMed, 2000. IRWIN, Rita. A/R/tografia. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Orgs.). Pesquisa Educacional Baseada em Arte: A/R/tografia. Santa Maria: Ed. da UFMS, 2013, p. 27-35. MAFFESOLI, M. O tempo das tribos. São Paulo: Forense Universitária, 1998. PUNHAGUI, Giovana Chimentáo; SOUZA, Nadia Aparecida de. Avaliar para Aprender: a construção de uma realidade. Revista Est. Aval. Educ., São Paulo, v.22, n.49, p.209-232, mai/ ago 2011. 136
Inquietações da Experiência Docente em Rede Pública Giselle Natália Izidoro Silva A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica, a produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde dialogicidade. O pensar certo, por isso, é dialógico e não polêmico. Paulo Freire
O período de observação e suas surpresas A escola que escolhi estagiar foi uma escola pública que se localiza em Jaboatão dos Guararapes, cidade onde moro e onde concluí metade de meu terceiro ano do Ensino Médio, no período da noite. A escola é bem central e fica perto da delegacia principal e metrô da cidade. No dia em que fui me apresentar à secretaria e dizer meu interesse em fazer estágio, me foi avisado que alguns professores poderiam não gostar de ter uma estudante observando as aulas dos mesmos, ainda assim mostrei interesse em ficar na escola. Disse que minha disponibilidade seria apenas um dia na semana, se possível poderia ficar o dia todo. As turmas que fiquei para o estágio foram o 2° A manhã e 2° E tarde. Em meu primeiro dia de observação me senti bastante deslocada, com receio, pois antes de conseguir chegar a essa escola, tentei o estágio em outra escola pública de Jaboatão, mas a professora que seria minha supervisora
entrou de licença na primeira semana que fui observar e precisei procurar por outro local. Temia que acontecesse o mesmo e eu acabasse perdendo o estágio, o que não aconteceu. Logo no primeiro dia, chegando à sala dos professores fiquei aguardando a professora de artes do período da manhã. Falei com alguns professores que estavam naquele momento me apresentando, eles me informaram que quando ela chegasse me avisariam. Depois de um tempo aguardando-a, ela entrou na sala e um dos professores me apresentou como estagiária de artes. A professora me olhou e depois de um momento, logo retrucou em tom irônico: “ela vai ver o que dou em artes, não sei como alguém quer ser professor hoje em dia”. A professora foi bastante simpática, me falou o que sentia verdadeiramente, pelo menos foi o que percebi, naquele momento onde tivemos um primeiro contato. Disse que era formada em Pedagogia e não sabia por que
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era apta a ensinar artes quando na verdade não sabia absolutamente nada do assunto. Desabafou também dizendo com olhar cansado que estava desanimada demais em relação às aulas, e que nunca fez prática alguma, que apenas passava perguntas diretas, e não fazia nunca perguntas subjetivas, pois não iria ler o que eles escrevessem mesmo. Falou dos alunos com muito desdém, que eles não queriam nada com a vida, que se não dissesse as páginas exatas das atividades eles não achariam respostas, e que os estudantes nunca levavam os livros, foi uma fala muito desmotivadora e que me passou todo o desânimo de sala de aula que ela estava sentindo no momento. Perguntei sobre o cronograma dos conteúdos, e a professora me informou que utilizava apenas o livro como norteador para os conteúdos passados durante o ano. Depois de ter me apresentado e tido essa conversa, fui até a sala do 2° ano “A” me apresentar a turma e observar o que seria meu primeiro contato. Era aula de português no primeiro horário, entrei na sala, me apresentei aos alunos, dizendo que era estagiária, estudante de artes pela Universidade Federal de Pernambuco, e que passaria um período junto com eles devido a uma disciplina que estava cursando naquele momento, observando-os e regendo aulas. Houve certo estranhamento já que eles nunca haviam tido essa vivência. A turma tinha cerca de 40 estudantes. A professora de português foi bastante simpática e acolhedora me fazendo ficar à vontade. Nesse mesmo dia, depois da aula de
português, veio a aula de filosofia, a professora teve uma conversa aberta, na frente da turma, estava sentada no meio dos alunos logo a frente observando sua aula. A docente falou que a turma em que eu estava naquele momento era a melhor da escola e começou um discurso sobre o sistema político justificando o porquê de professores, de rede pública em sua maioria, serem desmotivados e etc. Falou também para que eu não perdesse a esperança sobre isso, parecia que estava adivinhando o que eu havia conversado num primeiro momento com a professora de arte. A aula do dia seria sobre estética, percebi o incômodo na professora até que ela perguntou se eu gostaria de falar algo, disse que não, pois estava ali para observar e não tinha nada a acrescentar no momento. Ela tentou explicar o assunto por um tempo, foi interrompida algumas vezes por conversas paralelas dos discentes e desistiu de passar o conteúdo justificando explicar na próxima aula. Falou que se sentia com medo já que havia uma estudante de artes na sala e qualquer coisa que ela falasse errado eu poderia retrucar negando ou coisas do tipo. Falei com ela dizendo para que não se sentisse intimidada já que não estava ali para julgar a metodologia de ensino ou coisa do tipo e que poderíamos aprender juntas, ela ficou mais tranquila, mas ainda assim não deu a aula toda. Durante todas as aulas, percebi que os estudantes não têm voz, e não existem debates, ou qualquer pergunta direta que seja, 138
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os assuntos são passados massivamente, com conceitos prontos fazendo-os engolir goela abaixo o que lhes é dito. Esse fato realmente me incomodou, e decidi a partir dali, que em minhas aulas, haveria debates. Iria priorizar que os discentes externassem suas opiniões sejam quais fossem para se exercitar o respeito à fala do outro, a escuta e a dialética que é muito importante no crescimento juvenil, como formadora de uma opinião crítico-reflexiva. E claro, pensei também em práticas já que eles nunca haviam tido essa experiência antes. Pensei em experimentações com Collage e Stencil, iria focar nessas duas técnicas artísticas para trabalhar em cima de uma temática que estava construindo. Logo, no primeiro dia já comecei a refletir sobre o planejamento do projeto que aplicaria em minha regência. Sobre o ocorrido na aula de filosofia me veio em mente um texto lido na disciplina de Estágio 2. Paulo Freire (2014) diz que quando um docente entra em uma sala de aula deve ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que se tem de ensinar não de transferir conhecimento. O que a professora fez foi reproduzir conceitos, impondo sua opinião como verdade absoluta e não ouvindo o que os discentes tinham a falar, que por sinal daria um bom debate dentro de sala. Já na sala de aula em determinado momento, percebi que havia um estudante com problema de presença, observado nas duas primeiras aulas com os comentários de pro-
fessoras distintas. Cheguei até o estudante e perguntei o porque dele faltar tanto, o mesmo me falou que trabalha no jovem aprendiz e tenta conciliar a escola, o que é bem difícil e por isso tem faltado tanto. Quando perguntei se valia a pena, em tom sério me respondeu, “preciso ajudar financeiramente minha família... Que não tem muita condição, acabo ficando cansado, não tem o que fazer...” Em determinados momentos diferentes, duas alunas chegaram para me falar coisas pessoais de suas vidas, uma delas me falou que sonha em estudar Direito, mas que tem medo de não passar no vestibular por não se sentir preparada, e outra queria fazer Jornalismo. Lembrei-me do que haviam me dito sobre os estudantes não quererem nada com a vida e depois de apenas algumas horas observando, eu percebi não só a vontade de querer algo com a vida, mas a existência de grandes sonhos e uma luta pela vida... Paulo Freire (2014) me ajuda a entender que nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Ele evidencia que não há prática docente verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético. No recreio conheci alguns estudantes. Vi aquela euforia adolescente e eles me acharam estranha, dizendo que eu parecia mais outra aluna que uma professora. Ouvi coisas 139
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que pareciam expectativas, como “espero que você seja melhor que essa professora, ela só passa perguntas do livro e corrige o caderno”. O que não seria uma mentira, já que a própria professora havia me falado o mesmo. Depois do recreio, a professora chegou na sala, escreveu algumas perguntas do livro no quadro e pediu para que respondessem. Fez isso, tanto em sociologia quanto em artes, além de pedir para corrigir todos os cadernos já que todas atividades valiam nota. A professora me falou que se não valer nota, eles não se interessam em fazer nada. Os alunos pareciam desmotivados, incomodados e com tédio, percebi também que muitos copiavam a atividade do colega sem nem ao menos ler o que estava escrito, afinal, percebi que o que vale mais é a atividade feita que o conteúdo em si. Esse acontecimento me lembra que muitas propostas de escolarização mantêm ainda uma forte estrutura fordista, no sentido de que seu modo de funcionamento se assemelha ao da cadeia de montagem de uma grande fábrica. Assim, os alunos/as se posicionam de forma fixa em sua carteira e diante deles/as vão passando diferentes matérias e professores/as a um determinado ritmo. A única coisa a que os/as estudantes aspiram é acabar o quanto antes seus deveres e desse modo conseguir uma recompensa extrínseca, como uma determinada nota ou um determinado conceito. O que tem de menos importância nessa situação é o sentido, a utilidade e o domínio real do que devem aprender (SANTOMÉ,
1995). No período da tarde, conheci a outra professora de artes que também foi bastante simpática comigo, formada em Pedagogia assim como a docente da manhã. Observando a aula de Educação Física, o professor na sala falava sobre o uso de drogas e o mal que fazia para o corpo humano quando o mesmo praticava esportes, quando um aluno ao fundo levantou a mão e comentou “oxe professor, comer e fazer sexo lombrado é massa!” Toda turma riu, o professor ficou sem jeito e ao mesmo tempo não conseguiu reagir ao comentário retomando o assunto da aula e encerrando-a. Nas conversas da sala dos professores, percebi que no período da tarde existe uma problemática séria de tráfico de drogas e o uso das mesmas dentro da escola. A escola estava cheia de cartazes sobre o efeito de drogas como maconha, pó, uso de anabolizantes e etc. Soube que os cartazes que estavam espalhados eram fruto de um projeto feito para conscientização dos males. No meu segundo dia de observação fui procurar pelo PPPI (Projeto Político Pedagógico Institucional) da escola. Fiquei aguardando enquanto a coordenadora pedagógica me avisou de antemão que estava desatualizado. No intervalo de espera, uma secretária me indagou: “você é de pedagogia?” Respondi que não, que estava no curso de Artes Visuais, licenciatura, logo em tom de tristeza e rapidamente ela disse: “escolhesse logo uma área em extinção...” Não sabia o que falar, dei um riso meio sem graça, ela mudou de assunto, 140
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começou a falar dos acontecimentos cotidianos dela, de como não havia gostado do episódio da novela do dia anterior, assunto que não domino absolutamente nada, então apenas me fiz ouvidos. Isso foi o tempo para que achassem e me entregassem o PPPI. Peguei-o e fui ler em sala de aula. Várias citações me chamaram atenção no decorrer da leitura do PPPI, sendo uma delas:
Assim sendo, propõe-se um modelo de educação alicerçado nos princípios da cidadania plena: Compromisso com a ética, a equidade, a solidariedade e respeito à diversidade. Premissas pedagógicas: Aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer.
O que estava escrito não passava de pura hipocrisia, diante de todos acontecimentos, comentários e conversas tidas até então. O PPPI era bem curto, com umas 16 páginas. Alguns autores eram familiares devido a algumas disciplinas cursadas na universidade, tais como Saviani, Ilma Passos, Paulo Freire, etc. Nos objetivos específicos existiam projetos que foram vivenciados, tais como projeto sobre a consciência negra, sobre a cultura indígena e diversidade cultural. As propostas pedagógicas são divididas por áreas e modalidades de ensino. Artes está na proposta pedagógica da área de linguagens, códigos e suas tecnologias, não há um projeto específico para essa área. Nesse dia, peguei o livro de Artes da escola pela primeira vez, dei uma olhada e percebi que ele trata não apenas das Artes Visuais, mas também da música e o teatro, o livro se chama “Arte em interação” da editora IBEP (FRENDA;
GUSMÃO; BOZZANO, 2008) é volume único, ou seja, é utilizado nos três anos do Ensino Médio. Vi que alguns estudantes da sala desrespeitam o professor como se fosse nada, respondendo com grosseria ou ignorando-os. Fiquei incomodada vendo as situações. À tarde desse mesmo dia foi a vez da turma do 2° “E”. Assim que cheguei notei uma movimentação diferente do que estava na semana passada, muitos estudantes na porta da sala se amontoando, cochichando entre si, procurei saber o que estava acontecendo e me disseram que havia adolescentes fumando maconha no banheiro. A professora que iria dar aula nesse horário ainda não havia chegado. Então, juntamente com eles fiquei na frente da porta observando a movimentação de toda escola. Depois de um breve tempo, vi três homens fardados andando em direção ao banheiro onde estavam os jovens, eram da polícia civil, a diretora havia chamado a polícia civil. A polícia entrou no banheiro e fechou a porta, não consegui ouvir ou ver nada depois que eles entraram. Estava bem pasma, nunca havia visto algo do tipo acontecer. Depois de um bom tempo, a polícia mais uns quatro jovens, que estavam algemados, saíram do banheiro e foram em direção à secretaria da escola, um dos jovens, era estudante da sala onde eu estava. A professora de inglês entrou na sala sem saber ainda o que estava acontecendo, os alunos alvoroçados contaram o acontecido e ela se mostrou pasma também, mas precisava passar o conteúdo... 141
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Depois da aula de inglês, a coordenadora geral chamou a turma, juntamente com todas as turmas da escola para se reunir no auditório. Havia um grupo do DPCA (Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente). Eles eram do programa de prevenção legal da polícia civil do estado de Pernambuco e fizeram uma palestra sobre o uso de drogas e suas consequências para adolescentes. Ao final, uma das responsáveis do DPCA se colocou, e em um momento de sua fala afirmou: “se você for preso, você vai virar “mulherzinha” lá dentro, não é brincadeira não!” Nesse dia, voltei para casa com a cabeça cheia de pensamentos e um turbilhão de sentimentos, refletindo sobre tudo que vi, vivenciei e ouvi em apenas dois dias de estágio.
Imagem retirada da agenda onde relatava todos acontecimentos do dia
Em meu terceiro dia, soube que a professora conseguiu ir para secretaria, através de uma modificação feita na GRE (Gerência Regional de Educação). Conseguiu sair de sala de aula. Depois da palestra que houve do DPCA, ainda aconteceram mais duas palestras sobre a temática. Houve a palestra do grupo Desafio Jovem que é uma ONG, que ajuda dependen-
tes de drogas a sair desse lado obscuro. Nesse dia era o período da tarde e eu estava sentada na sala aguardando outro professor chegar, afinal era aula vaga, a coordenadora havia ido chamar a turma que estava jogando dominó, e olhou para mim e disse em alto tom “venha, não fique aí sozinha com eles não!” Todos eles olharam para ela, pedi para que ela fosse indo na frente e um dos alunos sentados à mesa falou: “ela fala como se a gente fosse um tipo de marginal, né vei?!” O pior de tudo, é que ele estava certo, a coordenadora havia falado num tom de desmerecimento tão tremendo que todos só entenderiam isso. Na palestra desse dia houve muito desrespeito à fala do outro apesar dos vários pedidos dos professores. Alguns estudantes queimaram papel no fundo do auditório atrapalhando a fala do palestrante, alunos/as saíam no meio da fala, gritos e conversas paralelas. Apesar de tudo isso, o palestrante fez um depoimento muito forte que foi ouvido com atenção por alguns, inclusive por mim. Muitas coisas aconteceram em meu período de observação, uma delas foi uma “brincadeira” onde um estudante chamou outra de “escrava Isaura” mandando ela voltar para a senzala. Nesse dia também descobri que um estudante da manhã e outra da tarde desenham, avisei que traria meus desenhos quando pudesse para que eles conhecessem minha produção artística. Nesse ponto já havia criado vínculos com as duas turmas, levei meus desenhos, todos gostaram bastante, alguns não gostaram 142
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por acharem “diferentes demais”, indagaram e foi mais um motivo para conversar e conhecer melhor todos/as. Nos dois horários, os/as estudantes se mostram animados com o início de minhas aulas, confesso que fiquei nervosa com as expectativas colocadas em mim, mas acreditava que seria uma boa troca de vivências, afinal, seria minha primeira experiência com Ensino Médio. Assim, fui observando. Os dias foram passando e toda conjuntura de problemáticas pairava em minha cabeça. Dei-me conta de que não seria uma salvadora do mundo para esses adolescentes, mas que eu poderia trazer um projeto que poderia ser muito enriquecedor para todos, também soube que não poderia abarcar todas as questões que vinham me inquietando nesse período da observação, por se tratar de profundidade e que iria focar em apenas um assunto fazendo com que esse assunto desencadeasse discussões sobre as demais problemáticas. Desde o primeiro momento que pisei na escola até o último dia em que fiquei sofri assédios sexuais, seja por olhares, cantadas faladas, gritos de “linda”, e etc. pelos estudantes, que não eram de minha turma, que o tempo inteiro me confundiam com alguém que poderiam ter algum outro contato senão a relação professora/aluna/o. Sentia-me sufocada o tempo inteiro quando isso acontecia. Em um dia uma aluna de outra turma veio pedir meu número para um amigo. Do primeiro andar enquanto eu andava no andar de baixo, em todos os momen-
tos tentava colocar os estudantes em seus lugares reafirmando o tempo todo que era uma docente que exigia respeito e que estava ali apenas para um propósito, fazer meu estágio. Esses assédios eram extremamente cansativos e difíceis de lidar. Exausta de tudo isso, em um dado momento cheguei na coordenação perguntando, “o que fazer quando um estudante solta gracinha pra você?!” A resposta que ouvi de outra mulher foi “ah, minha filha... Quem manda você ser linda?” Rindo e pensando que estava me “elogiando” só fez reafirmar a rua sem saída em quem me encontrava. Além desses assédios, existia o fato de eu ter que reafirmar o tempo inteiro a importância da arte no currículo escolar, seja por conversas com professores que já vinham com uma visão estereotipada do que é uma estudante universitária de artes: a “viajada”, a “diferentona”, que “não quer nada com a vida”, “relaxada”, “que não estuda”. Todas essas problemáticas, quando juntas me deixavam exaustas, não havia como ficar alheia a tudo que me acontecia e a tudo que eu observava. Tudo isso foi um ponto de partida de reflexões para meu projeto. Todo o peso de um mundo estava sendo carregado por mim, sozinha, remando contra essa maré de coisas que vinham com toda intensidade todos os dias em que estava na escola, mas apesar de tudo, eu estava caminhando nessa longa estrada, apesar de todas as dificuldades tentei me manter forte. É como dizem, você não sabe a força que tem 143
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até a sua única alternativa: é ser forte.
Eugenia Loli – Obligatory Frida
A regência
Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Paulo Freire
Meu período de observação havia acabado e, finalmente, a hora da regência havia chegado. Os estudantes se mostravam ainda mais ansiosos para as aulas. Decidi trabalhar com gênero e sexualidade,
questionar o machismo cotidiano e problematizar as próprias ações de estudantes dentro da escola, usando como referência principalmente as minhas experiências vivenciadas nos dias que estava na escola. A partir dessas discussões iria trazer para a prática a collage, consegui doações de revistas, tanto da escola, como com pessoas conhecidas, comprei doze tesouras para emprestar a todos, folhas A4, e levei umas A3 que tinha em casa, juntamente com uma cola grande. Preparei slides para levar, com estatísticas, propagandas machistas e imagens diversas para instigar a discussão que havia pensado. Falei com a diretora uma semana antes para reservar o auditório, pois queria que a aula acontecesse lá, além de ser um espaço amplo, tem uma acústica melhor que as das salas de aula. Separei também o retroprojetor com antecedência. Falei com a professora para ver a possibilidade de ficar dando as duas aulas seguidas no período da manhã, pegaria as de sociologia e artes e faria delas duas aulas de artes, por um lado foi muito bom por que teria mais tempo. A professora foi compreensiva me apoiando em minhas decisões. Tudo que eu pensava sobre as aulas, conversava com ela, discutia a importância de trazer essa questão para dentro de sala, e expliquei os motivos de não fazer as aulas dentro da sala de aula normal. Tudo o que falava era ouvido com atenção, discutido e apoiado. Neste dia, levei todos os materiais, organizei tudo com antecedência e chamei a turma para minha, então, primeira aula. No 144
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primeiro momento, me apresentei novamente a eles/as, compartilhando minha metodologia de ensino que se caracterizava por aulas reflexivas, com discussões, que iria ouvi-los, independente do que eles teriam a dizer sobre determinado assunto, prezando o respeito à fala do outro.Informei também que teríamos momentos de práticas. Apresentei meu processo avaliativo que consiste no envolvimento de cada um com as temáticas apresentadas, as atividades escritas que iria passar, as práticas, organização e limpeza ao final de todas atividades. Segundo Hernandéz (2000), a avaliação formativa é aquela que se supõe que deveria estar na base de todo processo avaliador. Sua finalidade não é controlar e qualificar os estudantes, mas sim ajudá-los a progredir no caminho do conhecimento, a partir do ensino que se ministra e das formas de trabalho utilizadas em sala de aula. A avaliação formativa implica, para os professores, uma tarefa de ajuste constante entre o processo de ensino e o de aprendizagem, para ir-se adequando à evolução dos alunos para estabelecer novas pautas de ação em relação às evidências sobre sua aprendizagem. Para minha primeira aula, baseei-me em minha primeira experiência com estágio, onde foi trabalhado o conceito de metáfora para se chegar ao conceito de collage. Depois de ter explicado o conceito, apresentei algumas imagens perguntando o que eles achavam e o que viam tanto objetivamente quanto subjetivamente. Nesse momento, em que pedi
para que falassem, havia um clima estranho pairando sobre a sala, era um estranhamento, eles não se sentiam à vontade para falar o que acharam, estavam com uma cara de “como assim o que EU acho dessa imagem?! É realmente para falar?!” Depois de alguns exemplos e tentando instigá-los a fala, consegui uma discussão sobre gênero, sobre o lugar que a mulher ocupa na sociedade, sobre a construção do gênero no meio social, sobre os assédios sofridos por mim na escola, sempre tendo uma conversa aberta com eles. Além também de abarcar questões de como o machismo afetava particularmente cada um. Sobre trazer a questão dos assédios sexuais meu objetivo maior era levar esse assunto com eles para pensar ações cotidianas problematizando e refletindo sobre as mesmas, a partir dessa proposição, o objetivo de toda aprendizagem é estabelecer processos de inferência e transferência entre os conhecimentos que já se possui e os novos problemas-situações apresentados a quem aprende (HERNANDÉZ, 2000). Ainda sobre tal ação um dos objetivos da educação para a compreensão é que os estudantes sejam capazes de transferir o que aprendem a outras situações e problemas, além de ajudá-los a desenvolver sua própria identidade na medida em que questionam sua visão etnocêntrica e egocêntrica e ao se depararem com experiências de pessoas distantes (e diferentes) no tempo e no espaço. Depois dessa conversa propus uma prática com a collage, entregando tesouras, cola 145
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e revistas, todos ficaram muito animados e foi, realmente, prazeroso proporcionar uma atividade prática. O brilho nos olhos e a animação de todos eram perceptíveis, todos produziram. Ao final, pedi uma atividade para que fizessem e me entregassem na próxima aula. A atividade consistia na escrita de um texto com no mínimo 30 linhas sobre como o machismo os afetava diretamente e cotidianamente. Meus objetivos ao trabalhar com gênero e sexualidade eram os seguintes: • Pensar reflexivamente questões de gênero e sexualidade no meio social. • Compreender o conceito de collage. • Experimentar a prática e o fazer artístico com collage. • Desenvolver escrita pessoal crítica e reflexiva sobre a temática. • Reflexão sobre agressão. • Compreender o conceito de stencil • Experimentação prática do stencil Em todos os momentos tentei respeitar o conhecimento prévio e experiência dos educandos, trazendo Paulo Freire (2014) para pensar o professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente a sua sintaxe e sua prosódia. O professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de rebeldia legítima, tanto quando o professor que se exime do cumprimento de seu dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do edu-
cando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. No período da tarde, eu teria apenas os cinquenta minutos, a não ser que acertasse com a professora responsável da aula seguinte a minha, para que cedesse seu tempo de aula ou coisa do tipo. Os discentes da tarde se mostraram tão ansiosos com as aulas que propuseram um lanche coletivo uma semana antes. Concordei. Também nesse dia, na hora do almoço, corri para minha casa, que é basicamente perto da escola para organizar as comidinhas que havia prometido levar. À tarde procurei a professora da aula seguinte a minha para ver se havia disponibilidade de me ceder a aula do dia, o que foi concordado sem muitos problemas. A aula teve o mesmo andamento que no período da manhã, os alunos se mostraram muito animados e foi muito bom chegar na escola e ver que muitos também trouxeram o que haviam prometido. Então, havia muitas comidas, brigadeiros, refrigerantes, sucos, saco de pão, mortadela, queijo, etc. Em um determinado momento da aula, no momento da prática, dois alunos de outra turma, se posicionavam em frente a uma janela que há na lateral do auditório quando pediram em bom tom de voz o meu número de WhatsApp a uma aluna da sala. Foi quando mais uma vez fiz o que sempre fazia, ou ignorava ou respondia colocando o estudante no lugar, dessa vez, ignorei, uma estudante da turma fez o papel de dizer “Respeita a professora!”, utilizei o exemplo compartilhando com a turma no mesmo momento. 146
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O diferencial entre o período da manhã com a tarde é que houve esse lanche coletivo, a aula estava acontecendo no terceiro horário, e já estávamos ao final quando tocou para o recreio e os alunos propuseram terminar a atividade em sala enquanto faziam o lanche que haviam trazido. Concordei e fiquei na minha mesa, organizando as coisas, meu celular estava do meu lado e era meu único norteador de horário. Num momento percebi que meu celular já não estava lá. De início eu não me preocupei, pensei que havia deixado em alguma banca, apesar de lembrar que estava do meu lado, depois de um tempo de procura, acionei aos alunos, depois a professora, e quando me dei conta, eu havia sido furtada. Fui furtada em meu primeiro dia de regência depois de passar horas com todos aqueles estudantes. Todos se mostraram surpresos e começou uma busca pelo celular que havia sido furtado, a diretora foi acionada e imediatamente foi para a sala, ameaçando os alunos dizendo que iria chamar a polícia já que a delegacia fica ao lado, caso meu celular não aparecesse. Trancou os estudantes dentro da sala em que estávamos. Meu coração batia forte, minha mente não acreditava no que estava acontecendo, a cada momento fui ficando mais e mais nervosa. A professora se mostrou decepcionada e o tempo inteiro falava que estava muito chateada pelo que fizeram comigo. Depois de um breve tempo de procura, a diretora me chama num canto e disse que falou que iria chamar a polícia apenas para
intimidá-los, pois a polícia não viria para um caso assim a não ser que houvesse suspeitos. Pediu que eu dissesse aos estudantes que era uma opção minha que a polícia não viesse para não prejudicar ninguém e ela não passar de mentirosa tirando toda credibilidade de sua palavra. Fui até a sala e falei exatamente o que ela havia recomendado, tive que ouvir respostas como: “mas professora, chame a polícia, que coisa!” A solução que foi me dada, foi “revistar” bolsa por bolsa de cada um, o que me foi bastante constrangedor, já que era o nosso primeiro contato na regência. Um estudante de outra turma havia entrado na sala no horário em que isso ocorreu e me disse que os dois jovens que estavam na janela que soltaram gracinha para mim eram suspeitos, e lá fomos nós atrás deles também. Os mesmos se mostraram extremamente agressivos e fui quase xingada por eles por pedirem que abrissem suas bolsas. Nesse momento, eu só queria apenas desaparecer daquele espaço. Com nenhum resultado dessa busca invasiva e constrangedora pelas bolsas de cada um, deu a hora de largar e muitos foram embora. Vendo a situação em que me encontrava, fui para um canto no pátio perto do auditório, sentei e desabei, chorei, solucei. Estudantes foram chegando e me vendo, a professora titular também chegou e todos que estavam fazendo um tipo de plateia a minha volta me falavam coisas de consolo, pegaram água, disseram que era “um vacilo, já que eu fiz “de tudo por eles”. Estava exposta, não mais como ser docente, mas como a pessoa crua, Giselle, 147
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se mostrava ali, desesperada, quebrada e sem saber o que fazer. Eu me pergunto, em qual texto da academia tem algum manual sobre como reagir depois que se é furtada, dentro de sala de aula, no seu primeiro dia de estágio? Passei um bom tempo lá, todos tiveram que ir, me recompus e tive que ir até a delegacia, fazer o B.O. Na delegacia ainda ouvi: “Mas você é professora? Tão nova? Depois tome cuidado nas roupas que você veste!” Neste dia, estava com um kimono florido e um vestido longo branco. Foi um dia que me fez repensar minhas escolhas. Depois desse ocorrido, pensei seriamente até em desistir do estágio curricular 2. Meu psicológico estava bastante afetado, minha saúde mental não estava mais centrada, tudo estava descontrolado, desestabilizado. Compartilhei a experiência com a turma que estava cursando o componente curricular Estágio 2. Todos lamentaram a situação e a professora orientadora na UFPE ainda mais, dando palavras de apoio e uma solução onde eu poderia trazer essa questão para trabalhar em sala de aula. Tentei me recompor de alguma forma durante a semana que havia se passado. Ao mesmo tempo em que já estava quase sem forças, pensava que não poderia desistir dessa forma, que já havia criado laços nesse tempo e não queria perder todo tempo investido nisso. Juntamente com a turma, pensei em atividades para trabalhar a agressão na arte para poder discutir sobre o ocorrido, buscando ver
o que eles tinham a dizer sobre e o que achavam. Na segunda semana foi um dia bastante difícil, ainda estava fragilizada com o ocorrido e foi difícil encarar todos que já sabiam do que havia acontecido. Nesse dia, o computador do retroprojetor da escola estava com defeito e eu tive de ir até minha casa pegar meu notebook para passar o slide que havia feito. Na sala dos professores, logo quando cheguei de manhã cedo, muitos professores me davam suas palavras de consolação e lamento em relação ao que aconteceu. Um deles comentou: “escola pública é assim mesmo, você sabe qual a classe desses meninos né? Não querendo desmerecer ninguém”. Estava ansiosa e com vontade de chorar naquela manhã. Assim, como em todos os dias que estive na escola, o assédio continuava presente, tanto explicitamente quanto os mais sutis, que em minha opinião são os piores por não haver como responder. Naquela terça-feira, eu estava com a ferida ainda muito aberta. A coordenadora pedagógica veio fazer seu comentário também e o que ela me disse foi o seguinte “é daqui pra pior, se preocupe não, minha filha! ” Depois que me organizei a diretora avisou que não haveria aula, pois estava ocorrendo o conselho de classe. A falta de comunicação presente na escola me fazia sentir no meio de um tornado, não se sabia o que esperar, todos os dias era uma problemática diferente. Houve um dia, por exemplo, que tive que tirar um estudante do banheiro masculino por estar fumando maconha, durante a aula e con148
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sequentemente atrapalhou a aula. Outro dia também mandei um aluno que estava gazeando minha aula para sala, com um grupo de amigos e passando por eles ouvi de um deles “mas é linda, viu!” e tive que voltar para ter um enfrentamento com ele, expondo a situação e exigindo respeito. Na aula sobre agressão da arte, trouxe a artista Artemisia Gentileschi, do barroco que foi violentada e tem em suas obras muitas expressões do que seriam seus gritos de revolta, e a performance de Marina Abramovic, Rythim 0, fazendo uma leitura visual da obra e questionando o que aquelas obras diziam de cada um deles. Discutimos sobre o conceito de agressão e coloquei em minha fala que o acontecido foi um ato de agressão para mim, questionando-os sobre o que se compreendia quando o assunto era esse. Hernandéz (2000) diz que conhecer também pode ser o processo de examinar a realidade de uma maneira questionadora e de construir visões e versões não só diante da realidade presente, mas também diante de outros problemas e circunstâncias. Fiz uma dinâmica sobre preconceitos, que a partir dela tentei mediar uma discussão de como lidar com isso e o que sentimos quando alguém é intolerante e preconceituoso conosco. Escrevi em pedaços de papeis palavras como “me abrace, sorria para mim, me ignore, me isole, etc.” colei na testa dos estudantes e pedi para que eles interagissem diante da ação que estava escrita na testa do colega. Todos das duas turmas participaram e se divertiram bastante.
Sobre a atividade escrita que pedi muitos não fizeram, outros copiaram de sites pela internet e dos poucos que fizeram, alguns me chamaram atenção, sendo um deles estudante da tarde que estava envolvido no ocorrido quando a polícia civil foi até o banheiro apreender os jovens que estavam fumando maconha. Foi um bom exercício que me fez refletir sobre o processo da docência e pensar sobre como responderia a uma questão tão difícil.
Registro das aulas.
Experimentei também a prática do stencil. Levei tintas, pedaços de bucha, papel e pedi para que trouxessem camisas. A maioria se envolveu bastante por nunca ter tido contato com práticas desse tipo antes e minhas aulas passaram a ter muito respeito pela maioria. Assim, quando alguns atrapalhavam a aula, havia estudantes que diziam “peraí, pô! 149
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A gente nunca teve oportunidade de ter uma aula como essa, vamos aproveitar” ou dizerem que fui a melhor professora que tiveram, que aquele período foi o único período que tiveram aula de verdade.
que o professor possa explicar e introduzir os estudantes no mundo social e físico e ajuda-lo a construir por eles mesmos uma infraestrutura epistemológica para interpretar os fenômenos com os quais se relacionam. Esta seria, em última instância, a finalidade de uma arte na educação para compreensão visual (HERNANDÉZ, 2000).
Algumas produções dos estudantes. Registro da autora.
Essas coisas me fizeram bem, pois é reconfortante saber que fiz parte de um pequeno pedaço da construção social individual de um ser. Um professor que tenha presente essa perspectiva concebe o conhecimento como produzido culturalmente e reconhece a necessidade de construir seus próprios critérios para avaliar a qualidade desse conhecimento. Esse processo de atribuição de sentido supõe
Algumas produções dos estudantes. Registro da autora.
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Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014. FRENDA, Perla; GUSMÃO, Tatiane Cristina; BOZZANO, Hugo Luis Brabosa. Arte em interação. São Paulo: Editora IBEP, 2008. HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. LIBÂNEO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. Democratização da Escola Pública- a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992. MELO, Édina Souza de; e BASTOS, Wagner Gonçalves. Avaliação escolar como processo de construção de conhecimento. Est Aval Educ, São Paulo, v.23, n.52 p.180-203 maio/ago. 2012. SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadau da (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995, p.159-177. VEIGA, Ilma. Ensinar: uma atividade complexa e laboriosa. Campinas, SP: Papirus, 2006.
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Holocausto, Artes e Liberdade: Experiências de Mediação na Exposição “Meninas do Quarto 28” Marco Cézar de Oliveira Brito Filho
Este artigo tem o objetivo de apresentar uma experiência em mediação na Galeria Janete Costa com a exposição “As Meninas do Quarto 28”. Experiência vivenciada por meio do Estágio Curricular em Artes Visuais IV da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Como suporte teórico, foram utilizados materiais que tratam da mediação em espaços culturais, além de temáticas relacionadas às artes visuais e vivências em espaços não formais. A construção do saber mediante práticas artísticas descontrói e/ou reconstrói pensamentos e ideologias que afetam os indivíduos em múltiplos sentidos. Acreditar que a arte comunica através de rastros, pinturas, fotografias, depoimentos e performances, por exemplo, revela que o expectador, bem como o artista, conflua seu lado subjetivo e interpretativo na recepção das obras de arte pruzindo diversos pensamentos. Através deste meu ponto de vista, crio uma ponte com o que o teórico Tolstoi afirmou a respeito da condição da arte como um elemento que afeta e comunica os indivíduos:
A atividade da arte se baseia na capacidade que as pessoas têm de ser contagiadas pelos sentimentos de outras pessoas. [...] A arte começa quando um homem, com o propósito de comunicar aos outros um sentimento que ele experimentou certa vez, o in-
voca novamente dentro de si e o expressa por certos sinais exteriores (TOLSTOI, 2002, p. 74-75).
Ainda na mesma linha de pensamento, Barbosa (2009, p. 21) afirma que “por meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação para aprender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada”. Diante disso, ambos os pensamentos mencionados se assemelham, pois a questão da arte como elemento comunicador e de aprendizado permite ao expectador conhecer realidades desconhecidas, ou não, e desenvolver criticidade através da leitura de obras. A partir deste preâmbulo que discute a função da atividade da arte, adentrarei no campo específico da minha experiência, a que diz respeito este artigo. Como forma de obtenção de grau como licenciado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), devemos cumprir uma carga horária referente aos estágios. Neste componente curricular, Estágio IV, devemos fazer observações e regências de ações educativas em museus, galerias ou espaços culturais, trabalhando com a mediação
Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro
nesses locais, além de conhecer, a gestão da equipe que faz a administração e o educativo. O espaço e a exposição, primeiras impressões O espaço que escolhi para fazer minha experiência foi a Galeria Janete Costa. O motivo desta escolha se deu por dois motivos: a vontade de conhecer um pouco mais aquele espaço no qual só havia presenciado, desde então, como público espontâneo e por morar próximo à Galeria. Esta última fica no Parque Dona Lindu, um equipamento cultural bastante visitado por turistas e autóctones. A equipe que faz a gestão do equipamento é formada por profissionais de formação na área cultural. Na ocasião, tive o prazer de conhecer o diretor do espaço, a coordenadora de ações educativas, além da equipe da administração do espaço e dos educadores que faziam as etapas de mediação da Galeria.
Entrada da Galeria Janete Costa Foto: Fernando Silva/PCR Recife (PE)
Acredito que antes de adentrar nas especificidades da experiência na galeria deve-se haver uma contextualização sobre o cenário da mediação como mola propulsora do conhecimento e experiência. Entender o papel do mediador no processo educativo é crucial pelas pontes que este profissional cria. Diante disso, Lisboa (2004, p.32) teoriza: “o mediador cultural estabelece uma ponte entre a fonte criativa – o artista, e aquele a quem é dirigida a obra de arte – o público-alvo. O mediador interfere e direciona a forma como a obra de arte chega ao conhecimento do público”. Entendendo este esquema, torna-se nítido de que forma este profissional passa a atuar nos espaços culturais, o qual serve como uma “ponte” conforme Lisboa mostra. Acredito que o mediador, na medida do possível, deve fazer parte de toda a construção da exposição de uma determinada instituição, conversando com a equipe curatorial e os artistas envolvidos no projeto, além de estudar e criar possíveis atividades que possam ser realizadas como uma etapa educativa ao mediar. Essa bagagem é transformadora para o mediador pela quantidade de experiências absorvidas e que deverão ser direcionadas e passadas para o público, na medida em que este último apareça ou não disponível para o processo da mediação. Diante disso Coutinho (2013, p. 154) declara: Se pensamos no público, é preciso buscar identificar e situar quem é este público. Abrir, por esta via, um complexo campo de pesquisa, pois o público não é uma entidade abstrata. Se buscamos ampliar o acesso desse público aos bens culturais, é necessá-
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Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro rio reposicionar nossa ação e refletir sobre as nossas próprias concepções de arte e de cultura e sobre as concepções que norteiam os projetos educativos das instituições.
A partir deste breve referencial, adentrarei, então, nas questões experienciais vivenciadas, porém, antes, vamos analisar o título deste trabalho. Ao lermos o título deste artigo, pensamos: O que é o Holocausto, as Artes e a Liberdade têm a ver com essa experiência? A resposta: tudo! Durante o período em que fiquei na Galeria, a exposição que havia inaugurado em meados do mês de agosto foi “As Meninas do Quarto 28”, muito envolvente, forte e sentimental. O título da exposição faz menção a um grupo de 60 meninas (entre 12 e 14 anos) que foram separadas de seus pais e foram levadas para o campo de concentração chamado Theresienstad, na Tchecoslováquia. Só lembrando que o cenário histórico-político da história das garotas foi no período da Segunda Guerra Mundial. Na época, a arte foi um elemento que levou para as meninas um ideal de liberdade em meio ao caos absoluto que ocorrera durante aquele período. A utilização de desenhos e colagens foi levada até as meninas pela artista plástica e precursora da arte terapia, Friedl Dicker-Brandeis, prisioneira judia no campo de Theresienstad, com auxílio de cuidadores. O quarto 28 era um dos aposentos de um dos prédios do campo de concentração em Theresienstad e, conforme já explanado, essas meninas viveram separadas dos pais, porém, a arte foi utilizada como plataforma libertária
e de esperança, logo o título deste artigo se justifica por esse apelo encontrado. O comitê curatorial é formado por Dodi Chansky, Karen Zolko e Roberta Sundfeld. Esta última, tive o prazer de conhecer e, em breve, dissertarei um pouco sobre a experiência. Vale ressaltar que esta exposição foi baseada no livro da escritora alemã, Hannelore Brenner.
Cartaz da exposição “Meninas do Quarto 28” Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Relato de experiência e iniciação ao processo de mediação na Galeria A escolha do espaço se deu por motivo de proximidade do local em que moro e por ter curiosidade de conhecer como se dá a prática educativa e mediadora no local. A primeira coisa que fiz foi entrar em contato com a gestão da instituição e, com isso, tive o contato com a coordenadora do educativo da Galeria, que teve muita atenção na minha recepção e 154
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por me apresentar ao grupo de profissionais que trabalham juntamente com ela no espaço. Como forma de apresentação, ela me falou aspectos gerais da Galeria, além de equipe da gestão, da exposição que estava ocorrendo e, por fim, do funcionamento do equipamento cultural em questão. Com isso, me apresentei, disse quem eu era e o que pretendia fazer. Eu deveria cumprir uma carga horária na Galeria, fazendo parte da equipe de educadores que fazem a mediação no espaço, bem como aplicar alguma atividade na etapa educativa da instituição. A coordenadora aceitou e, no dia posterior, já começaria a atuar no espaço. Lembrando que levei, nesse primeiro momento, uma carta de aceite feito pela Universidade para que houvesse a formalização do meu estágio na Janete Costa. O primeiro dia foi bem intenso. Como não sabia de muita coisa da exposição, para que o meu processo de aprendizado ocorresse bem, a coordenadora me disponibilizou uma série de arquivos em pdf que falam sobre Mediação Cultural, além de documentários, vídeos e, até mesmo, livros que adentram o conteúdo trazido na exposição “Meninas do Quarto 28”. Ainda, neste dia, me pus no lugar de público espontâneo e participei, como ouvinte, das mediações dos educadores da Galeria para que eu sentisse a forma como eles fazem as pontes entre a exposição e o público. Diante disso, trago a afirmação de Vergara (2011, p. 180): Entende-se também como espaço de mediação o envolvimento de todo museu, todos os pro-
fissionais da instituição, buscando formar uma política única de construção de sentidos; do cuidado com o acolhimento de diversos olhares, públicos e temporalidades.
Através da leitura deste autor, pude enxergar este excerto na minha vivência na Galeria. Uma instituição bem articulada para com o atendimento ao público, bem como na própria gestão do espaço que diariamente é visitado por muitas pessoas. Além do mais, concluí, com as palavras de Vergara, a importância da comunicação e da relação entre os envolvidos do espaço de mediação, quando me coloquei em dois lugares: como futuro educador daquele recinto, entendendo a prática de gestão ali trabalhada, e como público, ao entender como se dão as mediações da instituição e práticas educativas. Continuando a explanação da experiência, em um caderno, anotei tudo o que os educadores falavam e, ao mesmo tempo, observava a recepção do público perante a mediação. Nesse dia, um grupo em que me infiltrei foi de alunos do Ensino Médio de uma escola pública da cidade do Recife e ficou claro que nem todos que estavam ali prestavam atenção na mediação. Alguns observavam o espaço por nunca terem entrado numa Galeria como aquela, outros não se interessavam pelo que viam e, diante disso, faziam deboches e risadas sem contexto. Porém, grande parte do grupo que observava prestava atenção na mediação dos educadores. No dia posterior, recebi a camisa ofi155
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cial da exposição. Naquela hora, fiquei com as pernas bambas, pois teria que, a partir disso, mediar. Porém, fiquei um pouco mais tranquilo, pois a coordenadora havia me falado que os educadores da Janete Costa quase nunca mediavam sozinhos um grupo grande, sempre havia auxílio de outro(s) educador(es). Como nos dias de semana recebíamos muitos grupos de Escola, sempre havia um revezamento entre os educadores na maneira que quando um grupo chegava em torno de 50 alunos, por exemplo, eram divididos em dois grupos e cada grupo ficaria com 2 educadores, um dando suporte ao outro.
A minha experiência da mediação foi feita através de dois tipos: com grupos de escola e público espontâneo. No primeiro, escolas marcavam mediações1 na própria Galeria durante a semana e eu pude mostrar, mesmo com as incertezas, uma desenvoltura para atender aquele determinado tipo de público juntamente com os educadores.
Momentos da exposição “Meninas do Quarto 28” Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 24/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Recepção de estudantes para mediação (projeto-escola) Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 30/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE) 1 O projeto da exposição “Meninas do Quarto 28” tinha como característica a liberação de ônibus para que pudessem levar alunos de várias escolas públicas, para conhecer a exposição. Cada dia, era em torno de dois a três ônibus que faziam esse percurso durante a semana para levar os alunos para conhecer a exposição e a Galeria como consequência.
Já no segundo tipo de mediação, com o público espontâneo, era um pouco diferente. Pude observar que as pessoas que chegavam para participar da mediação, muitas vezes, estavam com o intuito de saber um pouco sobre a exposição, pois viram em algum determinado local ou através de alguma conversa. Acho que um fator que chamou muito a atenEm sua maioria, eram escolas localizadas na Região Metropolitana do Recife.
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ção do púbico estava relacionado ao fato de que a expo traz uma temática muito polêmica e histórica (os campos de concentração e os massacres trazidos na Segunda Guerra Mundial). Porém, é bom explanar que nem sempre o público espontâneo, que chegava à Galeria para conhecê-la, tinha o intuito de visitar a exposição. Percebi que a maioria das pessoas que chegavam àquele reduto, aos sábados e domingos, por exemplo, eram visitantes do parque e frequentadores da praia ali próxima. Indagações a respeito de valores para entrada eram muito frequentes, pois muitas pessoas perguntavam se para entrar naquele espaço tinha que pagar; quando eu falava que sim, o sorriso no rosto aparecia. É importante ressaltar também que, muitas das vezes, criávamos caminhos para que a compreensão a respeito da história das meninas se concretizasse e gerasse a reflexão por parte do público através da forma que ali apresentávamos. Como as obras estavam dispostas de forma circular na Galeria, podíamos começar tanto por um lado quanto por outro para que a mediação ocorresse, invertendo as ordens, porém o entendimento não iria se esvair. Acredito que um dos momentos que mais me chamou atenção durante esse percurso foi quando uma das curadoras da exposição, Roberta Sundfeld, teve uma conversa com o corpo de educadores e gestão da Galeria. Nesse momento, pudemos dar um feedback das realizações, dúvidas, probabilidades e soluções para a demanda que a exposição
estava trazendo. Pude, então, explanar de maneira sucinta o que achava da exposição e, muitas das vezes, as responsáveis puderam dar toques de como melhor receber o público. Dessa forma, tentei criar as pontes que citei anteriormente, fazendo com que esse público se sentisse à vontade em participar e compreender as questões trazidas na exposição. Por fim, nas etapas das mediações, levávamos os grupos com os quais havíamos feito as mediações para uma segunda etapa. A etapa da proposta educativa que será detalhada a seguir. A proposta educativa A realização das propostas educativas foi, para mim, o fechamento dos ciclos da mediação que ali construí. A compreensão acerca de como os educadores constroem a sua mediação foi muito agregador, sem falar nos teóricos que pude estudar e que estão dispostos no corpo deste artigo, para uma melhor performance na hora de mediar. Com isso, explanarei as propostas educativas pelas quais fiz parte, durante a minha vivência até então apresentada na Galeria Janete Costa. A internacional exposição, “Meninas do Quarto 28”, possui de forma itinerante, a proposta de aplicação pelo corpo educativo, dois formatos de práticas educativas: a primeira está relacionada a produção de uma bandeira e uma outra utilizando o cartão postal. Na primeira prática supracitada, foi desenvolvida a temática da união utilizando a rememoração de uma bandeira construída pelas “Meninas do 157
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Quarto 28” a intitulada Ma’agal, que do hebraico significa “círculo e perfeição”.
Ma’agal Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 24/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Logo, esta proposta trazia a reflexão da relação da união que as meninas tiveram que ter na tentativa de superação daquele mundo de caos que viviam, fazendo com que o público participante da oficina pudesse construir com tintas guache e tecido, o que os representam unidos.
Produções artísticas – prática educativa I – atividade da bandeira Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 26/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Produções artísticas – prática educativa I – atividade da bandeira Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 26/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Pode-se ver que os resultados foram os mais variados e se percebem características imagéticas que refletem os grupos2 participantes dessa intervenção artística-pedagógica. Já na segunda prática pedagógica, a escrita e o desenho foram as atividades realizadas, se subsidiando nas sobreviventes do quarto 28, ainda vivas, e segundo a imagem a seguir que mostra onde atualmente elas residem.
A proposta da construção da bandeira, conforme a própria produção da exposição, ocorria somente para os participantes que vinham conjuntos ao projeto-escola, durante a semana. 2
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Mapa das sobreviventes - “Meninas do Quarto 28” Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 24/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Os participantes desta oficina deveriam escrever mensagens de apoio, superação, agradecimentos e menções, sendo assim, fazendo homenagens às sobreviventes pelas suas trajetórias. Além disso, nos foi passado que essas cartas depois iriam ser reunidas e enviadas pela produção da exposição para cada uma das sobreviventes. A seguir, as apresentações de algumas dessas produções tornam-se evidenciadas. Emocionante!
Produções artísticas – prática educativa II – atividade do cartão-postal Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 26/08/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
É importante mencionar que os grupos de educadores da Galeria Janete Costa poderiam propor alguma atividade, porém, essas propostas só poderiam ser aplicadas aos sábados à tarde, sempre com a temática relacionada com a exposição vigente. Em uma das semanas, propus a minha oficina com o auxílio dos educadores da instituição. Além da aprovação do diretor da Galeria e da coordenadora do educativo. Ou seja, no geral, fiz parte de três oficinas, sendo esta última idealizada por mim, intitulada, “Colorindo com Papéis”, que remontou aos participantes a técnica artística utilizada com meninas do quarto 28 pela sua professora, Friedl. A seguir, pode-se observar o banner digital que foi divulgado na fanpage (Facebook) da Galeria.
Banner divulgação para web “Colorindo com papéis” Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 07/09/2017 Recife (PE)
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A estratégia de ação se deu da seguinte forma: após a mediação prévia da exposição, os participantes deveriam desenhar, em seus papéis, algo que lhes remontassem à exposição ou a algo que representasse a liberdade. A partir disso, ao invés de eles pintarem totalmente os desenhos feitos, deveriam colorir com colagens os desenhos produzidos. Os materiais utilizados foram: papéis coloridos, cola, tesoura, lápis e borracha.
Momentos de produção – prática educativa III – “Colorindo com Papéis” Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 09/09/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Produções - “Colorindo com Papéis” Foto: Marco Cézar Filho (Acervo Pessoal) - 09/09/2017 Galeria Janete Costa, Recife (PE)
Como referencial imagético, além das próprias ideologias e pormenores trazidos na exposição, apresentei ao grupo algumas obras da Tomie Ohtake (*1913 - †2015), uma artista plástica japonesa naturalizada brasileira que utiliza muito em seu processo criativo, cores e colagens. Além disso, algumas obras com colagens de artistas que marcaram a história da arte como, por exemplo, Georges Braque3 (*1882 - †1963), Pablo Picasso4 (*1881 - †1973) e Henri Matisse5 (*1869 - †1954).
Após isso, houve um compartilhamento dessas produções no próprio grupo para que cada um pudesse explanar um pouco do seu processo de criação. 3 Violino e Jornal (1912). 4 Violino (1912). 5 O Palhaço (1943).
Imagens utilizadas para a construção do referencial “Violino e Jornal” de Braques, “Violino” de Picasso e “O Palhaço” de Matisse.
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Foi extremamente frutífera a recepção do público para com esses referenciais, pois os indivíduos puderam desenvolver suas poéticas e construções visuais a partir das imagens da exposição, das anteriormente apresentadas por mim e pelos gostos pessoais. Acredito que mesmo não levando referencial teórico externo à exposição, a proposta educativa ocorreria de uma maneira diferente, mas não pormenorizada. Por estarmos em ambientes acadêmicos onde a prática precisa se basear em algum teórico para explicar as nossas pesquisas, é relevante mencionar que seria outra possibilidade construir uma proposta que utilizasse, somente a exposição como recurso de referência. Refletindo esse questionamento trago, novamente, Vergara (2011, p. 181), pois este contempla que O espaço do acontecimento artístico está carregado de textos e temporalidades de que se experimenta pelos sentidos no tempo presente e as múltiplas camadas de narrativas e vontades utópicas que encarnam os discursos artísticos quando transformados em geografia de ações e fluxos de perceptos e afetos.
Ou seja, através do jogo entre certeza e incerteza que passamos a compreender melhor e a perguntar a respeito da ocorrência das experiências pelas quais passamos. Logo, reafirmo que reavaliar a prática educativa e de mediação perante o estudo das variantes que ocorrem durante o processo faz com que consigamos compreender as várias maneiras que podemos atuar neste âmbito, desde a própria prática e teoria até a avaliação dos resultados obtidos no processo.
Considerações finais Em todos os projetos que construo e faço parte, o que vale é a experiência que pude agregar. Esse estágio muito me engrandeceu como futuro professor de Artes Visuais, pois a compreensão acerca de temáticas de mediação e, além disso, o trabalho com o público através de oficinas educativas, me proporcionou entender de que forma esses indivíduos se relacionam com a prática de visitação em museus e galerias. Além do mais, o conhecimento da minha parte a respeito da gestão de um equipamento cultural da cidade do Recife, que é a Galeria Janete Costa, pôde corroborar no entendimento de como devem ser desenvolvidas as atividades dentro deste ambiente de educação não formal. A prática da avaliação durante todo o percurso foi de suma importância. Sem a ajuda de pessoas que puderam me aconselhar e ajudar a definir certos métodos e propostas da minha vivência dentro da Galeria, não conseguiria compreender da melhor maneira possível os ensinamentos absorvidos e a prática que pude realizar. Foi ótimo ter conhecido pessoas que trabalham com a arte da mediação e que lutam para que a visibilidade cultural, artística e educacional do nosso Estado possa permitir o acesso da sociedade a esses bens de uma maneira mais simples e atenciosa. Atitudes como essas, irei levar como bagagem para minhas próximas andanças no mundo da arte.
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Referências COUTINHO, Rejane Coutinho. A formação de educadores como mediadores culturais. In: ARANHA, Carmen Sylvia Guimarães (Org.); CANTON, Katia (Org.). Espaços da mediação: a arte e seus públicos. Simpósio Internacional Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais, 2., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: Museu da Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. 2013.
In: ARANHA, Carmen Sylvia (Org.); CANTON, Katia (Org.). Espaços da Mediação. I Seminário Internacional - Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais. 1ed. São Paulo: PGEHA/MAC USP, 2011. p. 177-199.
BARBOSA, Ana Mae. Mediação cultural é social. In: BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos; COUTINHO, Rejane Galvão (Org). Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009. LISBOA, Ana. Construção de uma metodologia para mediação: uma experiência no Instituto de Arte Contemporânea da UFPE. In: MEDEIROS, Maria Beatriz de (Org.). Arte em pesquisa: especificidades. Ensino e Aprendizagem da Arte; Linguagens Visuais. - Brasília: DF.: Editora da Pós-graduação em Arte da Universidade de Brasília, 2004. TOLSTOI, Leon. O que é arte. Tradução Bete Torili. São Paulo: Ediouro, 2002. VERGARA, Luiz Guilherme de Barros Falcão. Espaço de Mediações entre utopias - escrita e inscrições labiríntica de temporalidades: jogos + rituais = simbólico. Desafios político-pedagógicos das idéias e invenções de Hélio Oiticica. 162
Linha: Imersão Poética e Práticas de Mediação Cultural Jacilene Borba Luciana Borre
Este artigo pretende descrever e interpretar criticamente a função da mediação cultural e do papel do mediador a partir da experiência de imersão artística “Linha”, ocorrida no ateliê 7 do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre os dias 26 de setembro a 31 de outubro de 2017. Para isto, está incluso no presente texto algumas inquietações e fundamentações que surgiram durante este processo de pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso e Prática docente, que toma como ponto de partida a seguinte pergunta: como os diálogos com os visitantes do ateliê podem interferir no meu processo de criação com linhas sobre como viver o feminino? Como aconteceram as interferências no nível de ritmo de trabalho e reconfigurações no processo criativo? Neste processo poético trabalhei com bordados – linhas, agulhas, tesouras, bastidor – a partir de narrativas de vida das/os visitantes. Nesta proposta o ateliê ficou aberto ao público nas terças-feiras durante os turnos manhã e tarde, como espaço de interação com a artista e com o próprio ambiente do ateliê. Se antes se tratava de um espaço com mesas e cavaletes para as aulas de desenho e pintura, para a imersão “Linha” ele recebeu aromas de ervas e linhas coloridas, mas isto descreverei
com mais detalhes no decorrer desta narrativa. Organizo este artigo da seguinte maneira: (1) descrevo algumas partes do processo de criação poética e mediação cultural como atividade relacionada ao estágio curricular obrigatório em artes visuais - ambientes não formais de ensino; (2) apresento um relato de experiência vivida como material que instiga reflexões e; (3) discorro sobre o viés de pesquisa narrativa como parte de meu Trabalho de Conclusão de Curso. Processos de Mediação Cultural em “Linha” Para dar início aos trabalhos foi feito um convite ao público. As pessoas poderiam ir até o ateliê e lá foram oferecidos chá e conversas. Nesta proposta, os/as visitantes poderiam levar, se assim desejassem, uma peça de roupa ou retalho de pano e uma história pessoal para contar. Deveriam confiar ao meu processo de criação esta história e esta peça de roupa ou retalho. Assim, criaram vínculos entre artista, ateliê e público. E para, além disso, uma experiência sobre narrativas e possíveis influências no processo criativo. Após o convite feito e à espera do público espontâneo a percepção da relação entre a proposta da pesquisa e as diferentes aborda-
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gens para uma possível mediação cultural foram se estreitando. A mediação foi direcionada a partir das minhas experiências em visitas a exposições em espaços de museus e galerias, nas quais não houve mediação criada e executada pelo/a artista ou não houve a presença do/a artista no decorrer da exposição dialogando diretamente com o público. Concebi, então, a experiência de imersão no ateliê também como uma experiência de mediação, além disso, presença (ou ausência) do público compõe esta obra e esta pesquisa, que se constitui por uma natureza narrativa e relacional. Assim, me dispus a apresentar o espaço do ateliê aos visitantes, ao passo que eu também estava passando por um processo de reconhecimento daquele local e do meu processo de criação. Pensei no perfil do meu público que se formou por passantes, alunos, professores e outros funcionários do Centro de Artes e Comunicação. Perguntei-me para quem estava mediando e qual o foco desta mediação, estava exposta ao acaso, logo também às diferentes demandas do público. Para Rejane Coutinho (2013, p.154) “abrir este campo minado das práticas artísticas, temos que ser cautelosos. Na condição de agentes mediadores, neste contexto, cabe então nos perguntar: para quem fazemos a mediação? Qual o foco prioritário deste trabalho?” Pensando nesta colocação de Rejane Coutinho percebo o quanto eu também estava exposta, enquanto agente mediador, às minhas diferentes demandas, minhas dúvidas quan-
to ao processo criativo, minhas variações de humor, minha menor ou maior disponibilidade para receber as pessoas no ateliê a depender do horário e etc., entre outras questões, que me fizeram refletir sobre como poderia mediar a imersão “Linha” também para mim. Ocupar os espaços de artista proponente da imersão, pesquisadora do meu processo criativo, mediadora e, muitas vezes, público do ateliê. Em alguns momentos ocorria apenas estar no ambiente, observar as transformações promovidas e me deixar surpreender por essas transformações. Neste caso, o meu foco prioritário na elaboração desta mediação está ligado diretamente à minha pergunta de pesquisa e consiste em criar caminhos para que o meu processo de criação flua com o ambiente, com a presença dos/as visitantes e com as interferências destes elementos. Observando continuamente como as minhas criações podem ser afetadas (ou não) por essas relações. Sobre o funcionamento da mediação cultural Ana Lisboa (2005, p. 309) afirma que: A mediação cultural funciona como uma ponte, um elo entre o artista, sua obra e o público a que se dirige. O artista é a pessoa que falará do seu trabalho, que detém as verdades de um processo vivido. É uma necessidade, no atual momento histórico, a tomada de consciência destas questões que surgiram há algum tempo e vêm sendo abordadas cada vez mais.
Ana Lisboa enfatiza a ideia de uma vivência compartilhada entre os artistas e o público. Esta ideia instigou a minha criação poética, no entanto, percebi que precisava ir um 164
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pouco além, pois esta experiência poética dependia, principalmente, da ação do público. Diversas vezes me peguei perguntando: e se ninguém aparecesse no ateliê? E se estivesse sozinha diante de uma proposta que clamava a presença do outro? Na ausência deste outro tramaria o crochet sobre as ausências? Faria do ateliê um imenso bastidor e bordaria poéticas sobre as malhas do vazio? Eram muitas possibilidades dentro do acaso. Relato de Experiência Vivida como Material que Instiga Reflexões A primeira provocação da pesquisa, no que diz respeito à experimentação com o bordado sob a interferência “do outro”, surgiu a partir do relato de uma das visitantes do ateliê, ela me entregou uma peça de roupa, uma blusa preta, e me contou o quanto aquela peça é querida por ela. Lamentou o fato de não a usar mais. Daí em diante nossa conversa tomou vários rumos, porém com uma linha conectiva muito clara entre os assuntos: a maternidade. O parto e as transformações de ser mulher e mãe. De estar conectada em seu cotidiano com arquétipos de mulheres fortes, arquétipos de deusas. A mulher dona das suas escolhas e que por isso mesmo muitas vezes é vista como um ser egoísta, por não atender aos moldes sociais da mulher permanentemente doadora de si. Por essas nossas confissões que circularam no âmbito da quebra de normas sociais impostas para as mulheres, é que resolvi na minha intervenção bordada representar seios.
Pois em uma fresta da nossa conversa acerca do feminino comentamos, brevemente, sobre como os mamilos femininos marcando a roupa provoca discussões sobre a imoralidade atribuída ao corpo da mulher. Sobre como os seios femininos ferem, julgados por essa norma, os olhos e o ambiente. Instigada pela poética de Rosana Pauli1 no decidi falar sobre tudo isso bordando sobre a blusa confiada a mim, pontiagudos seios, vermelhos seios sob a blusa preta. Minha visitante e companheira de chá daquela tarde no ateliê foi a provocadora das reflexões que agora começam aos poucos a serem expostas. É importante reforçar que toda a pesquisa ainda se encontra em processo e, sem dúvidas, muitas outras questões irão surgir.
Primeiros bordados, 2017, Arquivo Pessoal 1 Rosana Paulino é uma artista brasileira. Doutora em artes visuais pela escola de comunicações e artes da universidade de São Paulo, ECA-USP. Sua produção está ligada a questões sociais, étnica e de gênero. Dentre várias obras com reconhecimento nacional e internacional está a série “bastidores” em que a artista transfere imagens de mulheres negras para tecidos presos em bastidores de bordado, e aplica linhas sobre algumas partes dos corpos dessas mulheres retratadas.
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“Linha” é aqui, nesta perspectiva, o que conecta o ateliê, a artista e o público. É também o que conecta este estudo sobre o processo criativo com as narrativas apresentadas e a minha busca por consciência com relação ao meu processo criativo. Aborda “fins de linhas” e “fios de meada”, enlaça pessoas e ervas. Explicita os vínculos entre discursos, olhares, texturas, sabores e aromas e reconecta as minhas memórias da infância na maceração dos banhos-de-cheiro, chás curativos, e nas agoações feitas em casa. Traz essas memórias da minha educação familiar para o agora. “Linha” é mais que o título e o fio condutor desta pesquisa. Uma linha polissêmica que tem, aos poucos, dado conta de uma artista e de uma pesquisa em seus primeiros passos. Caminhos da Pesquisa Narrativa Esta investigação poética apresenta um viés de pesquisa narrativa, pois privilegia o relato de experiências vividas como fonte de conhecimentos significativos. Sobre as narrativas Soárez (2015, p.7) amplia: a experiência vivida, o lugar habitado e o tempo transitado na cultura contemporânea começam a disputar seu lugar na conversação pública como enunciações legítimas, agora visíveis, legíveis e que se podem escutar. Esta inscrição dos discursos de experiência e de vida no debate público e especializado que promovem as pesquisas narrativas habilitam a esperança de políticas de subjetividade, conhecimento e vida cotidiana alternativas, e o desdobramento da imaginação do pensamento social e cultural.
Um dos pontos do método narrativo é o ressurgimento do sujeito. Produzindo sentidos, vários, sobre a vida. Põe-se o proble-
matizador como protagonista das problematizações. Reestruturam-se vínculos para que estes diálogos sejam cada vez mais horizontalizados, para que as fronteiras entre quem pesquisa e traz a narrativa e quem recebe esta narrativa sejam cada vez mais turvas e menos identificáveis. A narrativa é o que identifica e estrutura este trabalho de pesquisa. O narrar e o narrar-se estão presentes polissêmicos e plurais escapando das racionalidades das categorias científicas ortodoxas (SOÁREZ, 2015). Souza; Martins; Tourinho (2015, p. 8) ampliam estas noções ao afirmarem que:
As narrativas podem denunciar, compartilhar e/ou mudar modos de produção cultural e social, pois ao desvelar momentos, imagens e visualidades de suas trajetórias, os indivíduos reorganizam a própria história criando laços de significados e coerência para eventos e acontecimentos marcantes ou, ainda, para aqueles que permanecem encobertos justamente porque não foram visitados com um olhar escrutinador e sensível.
Esta relação de si com sua história para a narrativa não está dissociada do contexto de quem narra. Por isso, descreverei alguns aspectos da ambientação do ateliê que tem relação direta com minha maneira de ser e estar no mundo. Acredito que os aromas, texturas e sabores têm forte influência no meu estado de humor, por isso quis adequar meu ambiente para bem acolher os relatos de vida dos visitantes. Era como se a entrada e a permanência no ateliê estivessem protegidas pelos aromas e sabores para maior confiança/acolhimento na troca de confidências. 166
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Levei arruda, alecrim e manjericão roxo. Fiz uma água-de-cheiro com essas ervas. Varri forte o chão (precisava mesmo ser varrido), colori com algumas linhas o lugar, acendi a vela do difusor e gotejei ali um pouco de essência de cravo-da-índia. Fiz o chá de canela e cascas de maçã, depositei o chá numa garrafa térmica. Cobri a mesa com alguns metros de pano, algodão puro. Também sobre a mesa um pequeno pote com tampa contendo biscoitos. Um ritual que se estabeleceu e se complexificou dia após dia. No começo a ordem das coisas se resumia na compra das ervas no dia anterior, para tê-las ainda frescas, era também feita a escolha e compra das ervas para o chá. Esta ordem se tornou um pouco turva na medida em que os dias se passaram, eu e o ateliê nos tornamos cada vez mais íntimos. O dia de ocupá-lo, de imergir e de conversar com as pessoas naquele espaço foram limitados às terças-feiras. No entanto, com a necessidade de organizar algumas coisas sempre no dia anterior acabei tendo que passar rapidamente no ateliê fora do previsto. Em alguns momentos ocupei-o sem a intencionalidade disso. Nos dias que seguiram essa prática se repetiu. A necessidade real da limpeza e organização do ateliê para a prática de imersão artística que ali seguiria também contribuiu para esses encontros extras com aquele espaço. A intimidade foi se instalando sutilmente e se estendendo para outros dias e horários na semana. Mas, voltemos um pouco nessa história.
Permita-me ir contando. É que em alguns momentos dessa escrita posso ir adiantando ou voltando um pouco na história, isso se dá por causa desta que escreve. As palavras chegam e eu escrevo, depois vou percebendo as lacunas da escrita do que estou relatando. Então, vamos tentar achar um começo, tudo bem? Não será tarefa fácil, pois achar um “fio da meada” de todos esses sentimentos/confusões que me trouxeram até aqui, para esse ateliê e para essa escrita é, para mim, algo de uma evocação do passado que pode desenfrear, escorregar, e não contar do hoje, dados os sentimentos que residem lá no tal passado. Em outros momentos posso desatar a escrever do hoje, o que também pode ser escorregadio. O que também pode não nos ajudar. Busquemos, então, um equilíbrio que não sei se iremos encontrar. Já te agradeço por estar comigo até aqui, nessa “Linha” escrita e lida. É bom saber que você estará aí e que vamos ter esse momento nosso. Você está me ajudando nisso, espero que o que vou te contar nessa breve história te sirva como um abraço de agradecimento. Então, sigamos. Por volta dos meus dez ou doze anos aprendi alguns pontos de crochet e isso foi incrível! Antes o desenho era meu brinquedo, eu passava umas boas horas desenhando e mergulhando nas criações e colorindo os desenhos até cansar, eu cansava pouco. Mas, quando esta técnica chegou na minha vida outras texturas também chegaram com ela, outra experiência tátil. Eu queria criar um mundo do crochet. Aprendi uns pontos básicos e de167
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pois fui me desafiando e fugindo dos gráficos contidos em revistas especializadas na técnica. Fui me aventurando na confecção de algumas peças de roupas para mim. Comecei a vender pequenas toucas de crochet para os/ as colegas da escola. Depois me aventurei no bordado. Mas isso tudo foi ficando para trás na medida em que a vida foi escorrendo para outros lados, eu já não criava mais peças em crochet e o bordado estava abandonado nos primeiros pontos, já fazia alguns anos. Minha entrada na universidade no curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPE no ano de 2014 me fez recuperar aos poucos estes laços com as linhas e agulhas. O contato com amigas que confeccionam trabalhos com linhas me fez retomar algumas dessas práticas e a descoberta das possibilidades poéticas da linha me fez integrar mais esta técnica às minhas criações artísticas.
Chá de abertura, 2017. Arquivo pessoal.
Neste primeiro dia queria mesmo estar invisível no ateliê2 (apesar de ter feito a chamada para que as pessoas viessem), me veio um misto de querer e não querer ver gente, e isso me incomodou um pouco. Mas, era apenas eu sendo o eu que sou e isto cabe também no que caracteriza meu processo de criação. Respirei fundo e me coloquei ali deitada sobe uma esteira no chão do ateliê. Era quente, ventilação pouca. Poderia ficar ótima ali por algumas horas, mas como me manter ali o dia todo? Como criar naquele espaço que ecoava todos os passos dados no CAC? A proximidade com o restaurante, o tilintar dos garfos. Certas horas eu não podia ouvir nenhum ruído de música que saía do pequeno aparelho de som que eu havia levado, nesses momentos as risadas, passos, e tilintares de talheres soavam mais alto. Sou eu quem não consegue criar nada nesse barulho? No calor? Ou eu quem nesse dia não tive humor para tanto? Muitas perguntas. O fato é que descobri que este processo pedia um pouco de quietude. Neste dia entraram no ateliê 2 apenas quatro pessoas, três delas apressadas como se tivessem entrado na sala errada, tão apressadas em colocar e tirar as cabeças na porta que mal pude desejar um bom dia ou boa tarde. No final deste primeiro dia de imersão é que finalmente recebo uma visitante com uma blusa para bordar e muitas histórias para contar. É sobre a narrativa trazida por ela que descrevi anteriormente neste artigo. Nos encontros seguintes com “Linha” o processo de criação pediu a mudança do ateliê, fui então para o ateliê 7 e lá fiquei até o 168
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dia 31 de outubro. Mais arejado, iluminado, silencioso. Considerei mais receptivo ao trabalho que estava propondo. E as ideias sobre como trabalhar com as linhas sobre as narrativas posteriores fluíram com mais facilidade. Percebo que o próprio processo de criação mostrou e mostra os caminhos a serem percorridos. Incluindo a criação da mediação cultural dentro da imersão. Palavras Finais O trabalho de imersão poética “Linha” ainda não está finalizado. As atividades relacionadas ao estágio curricular obrigatório foram cumpridas, no entanto, a pesquisa está na sua fase inicial. São, ao todo, quatro narrativas, seis peças para trabalhar com as linhas, estando uma peça em processo de finalização e cinco peças ainda não iniciadas. Significa dizer que por este motivo as reflexões mais aprofundadas sobre cada narrativa não foram apresentadas neste artigo. Estas reflexões se alinham ao tempo da criação de cada peça e a escrita da pesquisa tem caminhado aos passos deste ritmo criativo. Um ritmo pessoal que não está dissociado do meu cotidiano, dos meus afetos e das relações que tenho estabelecido com o conteúdo de cada narrativa trazida pelos visitantes do ateliê.
Divulgação da imersão linha nas redes sociais.
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Referências COUTINHO, Rejane. A formação de educadores como mediadores culturais. In: ARANHA, Carmen; CANTON, Katia. Espaços da Mediação: A arte e seus públicos. São Paulo: Museu de arte contemporânea da Universidade de São Paulo, 2013, p.151-1164. LISBOA, Ana. O artista, o processo criativo e a mediação cultural. In: MARTINS, Fátima Alice; COSTA, Luis Edgar; MONTEIRO, Rosana Horio. Cultura visual e desafios da pesquisa em artes. Goiana: Associação Nacional dos pesquisadores em Artes Plásticas ANPAP. 2005, p.302-311. SOÁREZ, Daniel H. Investigação narrativa: outras formas de conhecer. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene; SOUZA, Elizeu Clementino. Pesquisa Narrativa: interfaces entre histórias de vida, arte e educação. Buenos Aires: Editora UFSM, 2016, p.5-7. SOUZA, Elizeu Clementino; MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. Entrelaçamentos entre histórias de vida, arte e educação. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene; SOUZA, Elizeu Clementino. Pesquisa Narrativa: interfaces entre histórias de vida, arte e educação. Salvador-Goiânia: Editora UFSM 2016, p. 8-15.
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Experiências com Mediação Cultural Mariah Cysneiros da Silva
Este artigo tem como objetivo relatar alguns aspectos das experiências iniciais como docente/mediador no âmbito da educação não formal, mais objetivamente, mediação em espaço cultural. Estas vivências se deram dentro da Galeria Capibaribe e atenderam as demandas da disciplina de Estágio IV, do curso de Licenciatura em Artes Visuais, da Universidade Federal de Pernambuco. Alguns questionamentos e proposições pertinentes, no que diz respeito à educação dentro e fora da galeria de Arte, são explicitados a fim de uma melhor compreensão do processo de ensino-aprendizagem, que ocorre dentro destes espaços tão férteis. A importância do artista e de todos que compõem o corpo das galerias de arte e museus, para o processo de apreciação e compreensão da obra de arte pelo público, é discutida com o propósito de fortalecer o trabalho em conjunto. A Educação no seu sentido mais amplo está inserida no seio da sociedade. Ela acontece em todos os âmbitos. Pautada no velho ditado “o mundo é quem te ensina”, afirmo que os primeiros conhecimentos do ser humano são obtidos em sua observação acerca do que o rodeia e a troca de saberes que se dão no dia a dia. Estes conhecimentos adquiridos ao longo da vida são importantes, todavia, a educa-
ção atinge outras instâncias quando o homem passa a sistematizar o conhecimento adquirido, dando início aos conhecimentos científicos. A Educação pode ser categorizada em três definições: a educação informal, educação formal e a educação não formal. A educação informal é justamente a que se dá diretamente entre as pessoas na sociedade, em seu dia a dia. Corroborando com tal afirmação, segundo a definição de Gohn: “A educação informal é aquela que se aprende ‘no mundo da vida’, via processos de compartilhamentos de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas do cotidiano” (GHON, 2010, p. 16). A educação formal é a que ocorre nas instituições de ensino, na escola, na universidade. Neste tipo de educação prevalece o aprendizado dos conteúdos curriculares. Apenas a educação formal não supre as demandas da formação integral (macro educacional) do indivíduo. É preciso ir além para que se tenha êxito na formação integral dos indivíduos na sociedade. Devemos instigá-los a serem críticos, valorizando os seus saberes, respeitando a individualidade de cada um. A educação não formal ocorre em espaços e lugares outros como museus, galerias, workshops, oficinas, etc. Através de mostras e exposições em espaços culturais, há uma
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maleabilidade na escolha dos temas a serem abordados. A educação não formal em todos os seus vieses, resiste e perpassa os tempos a partir de mudanças de necessidades sociais. Assim, é importante ressaltar que a educação em sua forma integral necessita que a educação informal, a educação formal e a educação não formal caminhem de mãos dadas, de forma que ambas contribuam para a formação integral do cidadão. A importância na promoção de projetos que propiciem uma maior interação entre educação formal e educação não formal, se faz necessária. Incluindo aulas de campo, que permitam aos alunos visitarem com mais frequência os espaços culturais (museus e galerias), promovendo uma maior interação entre teoria e prática. Da mesma forma, a educação não formal pode estabelecer relações dentro das instituições de ensino, através de oficinas e cursos de extensão. Desta forma têm-se uma maior aproximação entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos que são necessários e inerentes ao homem, frutos de sua aprendizagem com relação as suas experiências ao longo da vida, que por algum motivo de força maior, são excluídos de forma descarada e indiscriminada. Baseando-se nos conceitos abordados acerca de educação informal, educação formal e educação não formal, podemos pensar que não há dicotomia entre ser professor e mediador, ou seja, quer dentro da sala de aula (educação formal), quer dentro de museus e galerias
(educação não formal), o professor e mediador precisa ser agente a incitar, a problematizar, a questionar, levando em consideração os saberes advindos do público. Portanto, em ambos os espaços, o processo de ensino-aprendizagem é potencializado, se mediado por profissionais da área de educação. Sabemos que na prática, o panorama dos mediadores em espaços culturais (museus e galerias de arte) é constituído por estagiários, que sequer, tem a formação do 3º grau completa e que são provenientes das mais variadas áreas científicas. Vale destacar o quanto é de fundamental importância uma coordenação especializada nestes espaços. O que difere a educação em instituições de ensino, da educação em espaços culturais, é a dinâmica na qual se constituem. Enquanto numa o processo de ensino-aprendizagem dar-se-á de forma sistemática e contínua, na outra se configura com públicos variados e num curto espaço de tempo. Nas visitas guiadas, com grupos segmentados, em espaços culturais e museus, torna-se possível desenvolver uma atividade prática/pedagógica condizente com a especificidade apresentada por cada grupo, estabelecendo assim uma maneira mais sistemática de mediar. As atividades, neste caso, são pensadas de modo a se adequar, em termos de abordagem, linguagem, entre outros, as necessidades e maturidade do espectador, com critérios específicos para isto, idade, realidade social, acessibilidade e outros indicadores. Em todas as três instâncias (informal, formal 172
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e não formal) é preciso trabalhar “revolvendo a terra”, “podando as arestas”, causando a exposição e enfrentamento das mazelas sociais, só assim, de fato, poderemos ter êxito, gerando maior possibilidade de construção de uma educação integral. Comungando com tais argumentos, segundo Ghanem e Trilla:
na base de propostas como as anteriores, que combinam o formal, o não formal e o informal, é a vontade de configurar um sistema educacional que facilite ao máximo que cada indivíduo possa traçar seu itinerário educacional de acordo com sua situação, suas necessidades e seus interesses. Para tanto, o sistema tem de ser aberto, flexível, evolutivo, rico em quantidade e diversidade de ofertas e meios educacionais. E um sistema educacional só poderá sê-lo se realmente incorporar o setor não formal e valorizar o informal (GHANEM; TRILLA, 2008, p. 53).
Mediação Cultural Ao abordar a mediação cultural nos vem de imediato a associação com museus e espaços culturais. Porém, é preciso entender que a mediação pode e deve ser feita também em outros locais de aprendizagem, como por exemplo, em instituições de ensino (ensino formal e não formal). Todavia, tomarei como foco os espaços culturais e museus, para fazer uma maior imersão sobre “mediação”, já que o presente artigo se debruça nas minhas experiências, dentro da Galeria Capibaribe, no Centro de Artes e Comunicação, da Universidade Federal de Pernambuco. Os espaços culturais e públicos são um celeiro importante, na compreensão do indivíduo como protagonista e parte integrante do mundo que o rodeia. Em comparação com a
sala de aula, nos museus, dar-se-á uma mediação com o auxílio dos artefatos, que ali estão presentes, tais como, documentos históricos, objetos de arte, utensílios próprios de uma determinada época ou etnia, entre outros. Nesse sentido, os mecanismos tanto de mediação quanto de montagem da exposição, em tempos atuais, sugerem uma dinâmica completamente diferente da tradicional, na qual o “mediador” muitas vezes explana um texto decorado, ensaiado ou quando apenas repassa conteúdos sem instigar e respeitar os valores advindos do espectador. Mais degradante ainda é quando o papel do mediador fica restrito aquele do “tira dúvidas” ou do que está apto a dar informações diversas, de contextos variados, exemplos: onde fica o banheiro, a saída, entre outros. Reforçando tais afirmações, em uma citação de Pedrosa, na Obra de Vergara, se enfatiza que: Diferentemente do antigo museu, do museu tradicional que guarda, em suas salas, as obras-primas do passado, o de hoje é, sobretudo, uma casa de experiências. É um paralaboratório. É dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte experimental, invenção (PEDROSA, 1995 apud VERGARA, 2011, p. 180).
No âmbito das Artes Visuais, podemos dizer que é muito importante a participação mediadora do artista, tanto com o público, como também com os mediadores da exposição. Há casos extraordinários em que o artista expõe o seu fazer artístico ao público. Enquanto ocorre a visita guiada, o artista está presente na Galeria produzindo sua arte, res173
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pondendo a questionamentos, demonstrando a técnica, o processo de criação, a sua relação com a materialidade dos objetos. Exemplo desta metodologia de trabalho, à vista do público, ocorreu numa exposição feita por Renato Valle, no IAC, Instituto de Arte Contemporânea, em 2005. O artista discute a importância do desenho no processo artístico. A coordenadora do IAC na época, especificava bem a experiência de Renato Valle, em mostrar o processo artístico acontecendo e sendo revelado, ao afirmar que: Desta forma, não se pretende discutir só a obra acabada e, sim, ver o artista trabalhando, como ele raciocina, quais as maneiras com que soluciona seus problemas, como também entender seu processo de criação. Ver e contemplar a obra se fazendo, bem diferente de ouvir a descrição do artista, o que se fala ou se escreveu da obra pronta. O projeto do artista era um, no percurso foi se modificando. A poiese trabalha com o processo de instauração da obra de um ser que existe num contexto. Percebe-se as escolhas que o artista fez no percurso do construir e do destruir (LISBOA, 2005, p. 307).
Alguns defendem que a Obra de Arte fala por si só, há controvérsias com relação a esta afirmativa. Que a Obra, em si, possui um caráter intrínseco pedagógico, é inegável. Temos que ter ponderação ao refletir sobre tal afirmação. A Obra de Arte fala por si só, porém, a mesma não dispensa discussão, conversa e reflexão, acerca do que ela desvela. O fato da Obra de Arte, carregar consigo cargas estruturais, estéticas, emocionais, históricas, entre outras, sua “fala”, por assim dizer, não é redundante, não encerra a interpretação, ao
contrário, serve de patamar para que inúmeras interpretações e óticas se fundam e venham ou não à tona. Neste processo entre o espectador e a Obra de Arte ocorrem jogos de relação e interpretação, muito peculiar a cada indivíduo, cada experiência é única. Quando os sentidos são aguçados: audição, visão, tato, olfato ou paladar, através do campo da subjetividade, ocorre uma conversa entre obra e espectador. É neste sentido que devemos ter cuidado com a ética e a estética. Segundo Vergara:
O entrelaçamento entre sensível e simbólico, consciência poética e histórica, subjetividade e compartilhamento, compõem a ética do cuidado com as múltiplas temporalidades que nasce das mudanças de paradigmas entre utopias modernas e pós-modernas. É no espaço de mediação que se definem as redobras do compartilhamento do tempo de múltiplas narrativas em processo de conscientização e pertencimento (VERGARA, 2011, p. 189).
Diante destes aspectos, podemos afirmar que, torna-se de suma importância, em qualquer Galeria de Arte ou Museu, a presença de um mediador. A condição crucial do mediador, não é impor as suas referências culturais, mas de potencializar a experiência entre Obra e expectador, através da sugestão ao diálogo, respeitando os diversos saberes que ali se constituem. Fazer uma boa mediação requer que se tenha também a prática de escutar o outro, valorizar o que ele tem a indagar e a dizer, se permitir ser envolvido nestes questionamentos, robustecendo o próprio “banco cultural”. É levar a sério todas as verdades, estabele174
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cendo um diálogo plural, tendo ciência de que não há uma única conclusão, há inúmeras possibilidades de reflexão, enfim, não há um resultado x, cada indivíduo vai prover as suas impressões mediante a experiência. Exposição Presenças de Anita A Exposição Presenças de Anita foi uma proposta de Maria do Carmo de Siqueira Nino, artista (fotógrafa) e também professora do curso de graduação, na Licenciatura em Artes Visuais, pela Universidade Federal de Pernambuco. A mesma traz como referência para a exposição a carta que Monteiro Lobato escreve a Anita Malfatti e que completou cem anos, no dia 20 de dezembro de 2017. O escritor Monteiro Lobato, mais conhecido por seus contos e fábulas infantis, com ênfase as histórias do “Sítio do pica-pau Amarelo”, também produziu obras literárias com conteúdo adulto, tais como: A negrinha, A onda verde, Mundo da Lua, O Escândalo do petróleo e do Ferro, O Minotauro, entre outros. Além de escritor, era crítico de Arte, no jornal O Estado de São Paulo no início do século XX. Anita Malfatti, filha de italiano e norte-americana, havia ido a Europa estudar artes plásticas. O movimento Modernista, que eclodia naquele continente e que viria causar rupturas com os parâmetros de arte vigentes, trazia novos contextos acerca da representação por meio de diversos âmbitos das artes, ou seja, na literatura, na música, nas artes plásticas, entre outros. Estes novos conceitos de arte, dos quais
Anita Malfatti (Figura 1) era adepta, em nada agradava a Monteiro Lobato, que os repudiava e se dizia contra aos estrangeirismos. Porém, ambas as partes estavam à procura de um caráter nacional, afinal, a arte pura, clássica, defendida por Lobato, também havia sido internalizada através da Missão Artística Francesa no Brasil, que introduziu o ensino superior e fortaleceu o Neoclassicismo. A tendência a se valorizar o que vem de fora é um problema real, causado pela submissão cultural da nação colonizada.
Monteiro Lobato, 1882-1948 / Anita Malfatti, 18891964
Recém chegada da Europa, Anita Malfatti, precursora do movimento Modernista, se reúne com um grupo de artistas da vanguarda e organiza uma Exposição de Pintura no dia 12 de dezembro de 1917. Em um artigo publicado por Monteiro Lobato, datado no dia 20 de dezembro de 1917, que tinha inicialmente como título: “A propósito da Exposição de Anita Malfatti”, o crítico se debruça de forma incisiva 175
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ao movimento Modernista e faz críticas tanto ao movimento, como a artista Anita Malfatti. A carta é contundente para Anita Malfatti e traz consequências desastrosas para a artista. No artigo, Monteiro Lobato expõe resquícios de uma sociedade patriarcal, da falta de tolerância e de pudor. Sem rodeios, o escritor dispara uma avalanche de conceitos, que confirma o quanto à sociedade moderna tem suas bases em sistemas hegemônicos e hierárquicos. O autor, em nome da lei do paternalismo, se acha no direito e dever de orientar Anita Malfatti, de reconduzi-la ao caminho correto e de emitir juízo de valor, com relação ao movimento Modernista. A reforçar, na sociedade contemporânea a noção da lei do pai ainda é muito forte. Naquele momento, com o peso que tinha como crítico, Monteiro Lobato transtorna a vida de Anita Malfatti, no âmbito familiar e no profissional, pois muitos quadros da sua Exposição de Pinturas foram devolvidos pela burguesia paulistana. A carta do crítico de arte incita a população acanhada paulistana contra a artista. Anita Malfatti chega a sofrer uma tentativa de agressão. A carta de Monteiro Lobato faz com que Anita Malfatti não siga adiante e interfere em seu processo criativo. Monteiro Lobato a coloca no epicentro da Semana de Arte Moderna de 1922. Monteiro Lobato foi infeliz ao comparar produções artísticas do movimento Modernista, que se expressava através da reprodução distorcida da realidade, com atividades feitas com pessoas psicologicamente afetadas.
Afirmou que estas últimas são legítimas, são verdadeiras, por se tratarem realmente de produções de mentes perturbadas, enquanto as obras artísticas do modernismo, eram esvaziadas, em instituições públicas e sob especulação da imprensa e dos críticos, não representavam absolutamente nada. Segundo Monteiro Lobato, o espectador, o artista, o crítico, a imprensa, queriam dar sentido, ao que não tinha sentido algum. Neste caso, esse tipo de arte se resumiria a mistificação. Por conta destes pontos de vista de Lobato, a carta endereçada a Anita Malfatti se consolida ao longo do tempo com o título de “Paranóia ou Mistificação”. Maria do Carmo Nino, curadora da Exposição Presenças de Anita, utilizou as questões de gênero, nacionalistas, hegemônicas, trazidas por Lobato e tão atuais em nossa sociedade contemporânea, para incitar dez artistas mulheres, convidadas a produzirem reações a esta carta, através de suas linguagens artísticas. As artistas convidadas foram (da esquerda para a direita, de cima para baixo): Ríkia Amaral, Luciana Dantas, Késia Duarte, Ângela Agra, Beatriz Brenner, Mitsy Queiroz, Madalena Zaccara, professora no curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPE, Roberta Guimarães, Guilhermina Velicastelo e Ana Lisboa, também professora no curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPE, inclusive da disciplina de Estágio IV, durante o período de 2017.2. Portanto, a exposição configurou-se de modo coletivo. 176
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De maneira individual, as artistas foram orientadas a produzirem a partir de suas histórias, de forma livre, uma produção artística visual. Além da produção da imagem, tiveram que escolher uma frase autoral ou de algum autor, não de cunho explicativo, mas que funcionasse como outra imagem. A Exposição Presenças de Anita trouxe a relação do verbal e do não verbal. A exposição também contou com um espaço de interação para o público, “A linha do Horizonte”. A proposta de Maria do Carmo Nino, em promover este espaço onde o público pôde intervir, foi a de aguçar nas pessoas a sensação do futuro, o que se quer alcançar, o inalcançável. Neste espaço, qualquer pessoa pôde se colocar. O encontro com as artistas Antes que eu iniciasse as minhas experiências com mediação na Galeria Capibaribe, houve através da disciplina de Estágio IV, a
promoção do encontro com a curadora da Exposição Presenças de Anita, Maria do Carmo de Siqueira Nino com algumas das dez artistas convidadas: Ana Lisboa, Ângela Agra, Beatriz Brenner, Guilhermina Velicastelo, Madalena Zaccara, Mitsy Queiroz e Roberta Guimarães. Cada uma dessas artistas, de forma oral, apresentou suas propostas, tanto com relação à técnica trabalhada, bem como da poética individual e intrínseca que trabalharam. Inúmeras reações a partir dos lugares delas hoje, no tempo e no espaço, foram suscitadas, a exemplo, Beatriz Brenner que utilizou uma colagem que já existia e os temas vieram depois. A partir de recortes a montagem foi estruturada exclusivamente para a exposição. Diante do seu processo, foram elencadas imagens que tivessem relação com o que ela sentiria se recebesse a carta de algum Monteiro da vida. A parte escrita do seu trabalho surgiu num desentendimento familiar. Outra artista com trabalho forte foi Mitsy Queiroz. A artista se diz dona de um olhar inquietante, admite que as mudanças ocorrem de forma difícil. Sua poética se robustece através do pensamento sobre o ato de caminhar, o desequilíbrio que o caminhar proporciona ao corpo, a guinada e o enfrentamento do corpo. Em sua técnica, utilizou a fotografia analógica, através da inversão da película. Os contrastes dos tons rubros do seu trabalho aparecem pela falta do controle com a escala de vermelho que a artista utiliza. Mitsy Queiroz gosta da possibilidade experimental e a abertura do não controle de tudo. 177
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A artista afirma que procura o desfocado, os subterfúgios e que o acaso também opere. A técnica que utiliza requer um processo longo, demorado, com o tempo, ocorre no período de latência. A fotografia acontece no pós.
Figura 3 - Mitsy Queiroz Sem título, 2017 Fotografia, inversão da película 35mm redscall Galeria Capibaribe, Recife (PE)
Experiências com mediação cultural na Exposição Presenças de Anita Através da disciplina de Estágio IV, pude exercer a prática em mediação cultural, dentro de uma Galeria de Arte. Durante o período de 2017.2, mediei a Exposição Presenças de Anita, na Galeria Capibaribe, Centro de Artes e Comunicação (CAC), na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para nos prepararmos para a mediação, dentro do âmbito da educação não formal, ao longo da disciplina, foram lidos diversos textos, acerca de como fazer uma boa mediação, dentro das galerias e espaços culturais.
A Exposição Presenças de Anita teve a sua abertura no dia 11 de setembro de 2017 às 12h e seu período de visitação inicial, seria do dia 12 de setembro a 03 de outubro de 2017, sendo posteriormente prorrogada para a data 03 de novembro de 2017. As minhas experiências com mediação cultural na Galeria Capibaribe se iniciaram logo após o encontro com as artistas que fizeram parte desta exposição. O meu primeiro encontro com a Galeria Capibaribe foi no dia 19 de setembro de 2017 e as minhas vivências com a dinâmica diferenciada que a mediação exige se findaram no dia 25 de outubro de 2017. Foram cumpridas 40 horas de mediação dentro da galeria. A culminância do meu processo foi um dia anterior ao término do meu estágio, quando eu consegui levar um grupo de alunos da Escola Estadual Tomé Gibson, que se situa na periferia do Recife, no bairro da Guabiraba – PE. A princípio, foi estabelecido dedicar algumas horas iniciais do meu estágio para a observação do espaço físico, para me relacionar de forma mais estreita com as obras, os textos e as artistas, para pesquisar alguns aspectos de como a Galeria é gerida e o principal, para a observação do perfil predominante, do público espontâneo que frequenta a Galeria Capibaribe. Foram necessários uns três dias para entrar em conexão com esses aspectos e por fim, me aventurar a mediar com mais segurança. Neste período foram observados alguns aspectos importantes para a construção de es178
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tratégias, que me fizessem fluir para próximo do público. Nos primeiros momentos, observei que a galeria se situa com sua porta principal de acesso voltada para o hall de passagem dos estudantes, funcionários e visitantes do Centro de Artes e Comunicação. Por este fator, a maior parte do público que entra na Galeria Capibaribe está de passagem rápida, demonstra que na maioria das vezes tem compromissos, como: horário de aula, de expediente, entre outros. Quando não são estes aspectos, se apresentam casos constantes de pessoas que adentram a Galeria Capibaribe para se refrescar no ar-condicionado, atender o celular de forma mais reservada e tranquila (por conta do silêncio do ambiente), conversar em grupinhos, apenas tirar fotos e várias outras situações atípicas. Diante destas situações, tornou-se difícil me aproximar do público e várias inquietações começaram a pairar. Eu tinha que de alguma maneira chegar até aquelas pessoas, até mesmo aquelas que não estavam interessadas. Senti a necessidade de agir de alguma forma, tanto para proporcionar conhecimentos próprios, como aos frequentadores da exposição. Queria fazer-lhes entender que aquele era um espaço de troca de conhecimento, onde muito mais que se refrescar no ar-condicionado, poderia se vivenciar experiências riquíssimas. Em consonância com tais sensações, concordo com Lisboa ao citar que: “o espaço convida a ação e antes da ação a imaginação trabalha” (BACHELAR, 1998 apud LISBOA, 2005, p. 303). A partir de tais inquietações pensei numa es-
tratégia para desenvolver algum tipo de diálogo. Em minhas horas dentro da galeria, quando não estava circulando, comecei a me posicionar próximo ao caderno de assinaturas, que era colocado propositalmente junto à porta de entrada e saída, para que o visitante inevitavelmente passasse junto a ele. Comecei a fazer mediação, abordando de forma sutil, antes que assinassem no caderno. Um por um, grupo por grupo, ficava sempre na expectativa de atender o maior número de pessoas possível. Iniciava um diálogo e algumas questões eram suscitadas. A maioria correspondia aos meus estímulos e dia a dia meus conhecimentos iam se ampliando. Todavia, em determinado momento, senti a necessidade de fazer uma mediação com um grupo específico e de elaborar um planejamento de uma atividade pedagógica. As leituras e pesquisas se intensificaram acerca do que eu queria me debruçar durante a visita guiada. Correndo contra o tempo, entrei em contato com a gestora da Escola Tomé Gibson e obtive de imediato um posicionamento positivo, porém marcamos para quinze dias depois, por conta da burocracia para pleitear a condução. Visita guiada com alunos do 9º ano e 1º ano da Escola Estadual Tomé Gibson A visita guiada com os alunos da Escola Tomé Gibson ocorreu no dia 24/10/2017. Durante a mediação cultural houve a participação de dois mediadores, também alunos 179
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do curso de Artes Visuais da UFPE. Ambos me apoiaram e participaram de forma efetiva. Os principais objetivos da mediação cultural na Exposição Presenças de Anita foram: o estudo da arte e a percepção dos seus significados e sentidos, a análise de como a arte nos toca e quais os significados que podemos atribuir a ela, principalmente na sociedade contemporânea, o aumento do repertório cultural por meio da mediação cultural e da nutrição da estética, a compreensão (nem passiva, nem vingativa) do passado, da tomada de consciência e da autoestima, o reconhecimento da pluralidade e expressões artísticas, o entendimento das relações entre as produções artísticas, seu contexto e sua identidade cultural e a abordagem das linguagens artísticas contemporâneas, onde foram apresentados e trazidos como referência, os trabalhos das artistas que participaram da exposição. Vale ressaltar que a construção do meu projeto para uma mediação cultural mais estruturada teve como referência a atuação do mediador Emerson Pontes, durante o evento ‘Encontro Gente Arteira com o professor Educador’ em Tomie Ohtake, na Caixa Cultural do Recife. Emerson Pontes, em sua mediação neste encontro, utilizou como norte a Proposta Triangular, desenvolvida pela arte educadora Ana Mae Barbosa. A Proposta Triangular tem como propósito incitar a desenvolver a capacidade de análise crítica da obra de arte. O processo desta abordagem tem como base, métodos de descrição e análise na interpretação e avaliação
da obra, em busca de seus significados, levando em consideração, a questão estética representada na arte. Através do tripé em que se constitui a Proposta Triangular, “Ler, Fazer e Contextualizar”, tem-se a possibilidade de ampliar o repertório cultural do visitante e a possibilidade do êxito em seu potencial artístico. No primeiro momento junto aos estudantes, foi apresentado o espaço (Centro de Artes e Comunicação) onde se situa a Galeria Capibaribe. Sua arquitetura, os cursos que se situam neste centro e a importância da Galeria Capibaribe, como um espaço de troca de conhecimento, que contempla o curso de Licenciatura em Artes Visuais e áreas afins, bem como a todos os transeuntes do centro. Após breve explanação, os estudantes puderam apreciar as obras por 20 minutos. Durante este percurso, foram distribuídas fichas enumeradas de 1 a 10 aos alunos de forma aleatória. Após a apreciação, foi formado um grande círculo e os dez estudantes do grupo que estavam com as fichas enumeradas, se explanaram acerca do que compreenderam da exposição ou de algumas obras de arte. A ordem das apresentações seguiu a dos números que constavam nas fichas. Em seguida, houve a leitura de algumas das produções artísticas, onde foram expostos aspectos estéticos, tais como, contrastes de cores, movimento, a poética, a técnica, os materiais utilizados, entre outros. Foi analisada a produção artística individual das artistas Ana Lisboa, Guilhermina Velicastelo e Roberta 180
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Guimarães. Durante a leitura das referidas obras, acontecimentos inesperados surgiram, pois à medida que se falava das artistas escolhidas, questionamentos foram se evidenciando. Os estudantes trouxeram os contextos trabalhados, para fatos atuais, como por exemplo, o caso da exposição do MAM, onde houve a performance do coreógrafo Wagner Schwartz, contendo nudez artística e sugerindo a participação dos visitantes. A polêmica surgiu e tomou conta das redes sociais pela participação de uma criança. As críticas acusaram o museu de incentivo a pedofilia. Uma aluna que participou da visita guiada na Exposição Presenças de Anita, perguntou de forma direta e objetiva, ao mediador o que ele achava do fato. Para estimular um momento de catarse, a fim de provocar os alunos a despertarem as emoções contidas e omitidas, foi desenvolvida uma atividade pedagógica, para se expressarem de forma verbal ou não verbal, ou seja, através do desenho ou da escrita expressar suas sensações, mediante ao que estava sendo evolvido. Em quatro folhas de papel 40 kg, de cor branca, que foram postas no expositor, os estudantes expressaram em grupo e de forma livre o que compreendiam sobre crítica, machismo, entre outros temas que se referem à relações hierárquicas. No último momento com os estudantes houve a contextualização acerca da interferência social nos processos criativos, dando ênfase à sociedade patriarcal e ao machismo.
Os alunos puderam, dentro da oralidade, expor as dificuldades encontradas ao realizarem a tarefa anterior, quais as limitações externas que interferiram ou não no processo de criação, quais as limitações internalizadas como, por exemplo, a dificuldade de desenhar, e como lidam com isto, quais as condições favoráveis de liberdade, oferecidas durante o processo de mediação, entre outros questionamentos.
Alunos do 9º e 1º ano da Escola Tomé Gibson
Com o término das minhas atividades como mediadora, um dia após receber os alunos da Escola Estadual Tomé Gibson, houve a sensação do dever cumprido, a riqueza experiencial deste processo, a sensação de incompletude e o desejo de saber mais.
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Referências BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: Ed. C/arte, 1998. COSTA, Luis Edegar; MARTINS, Alice Fátima; MONTEIRO, Rosana Horio. Cultura visual e os desafios da pesquisa em artes, v. 2. O artista, o processo criativo e a mediação cultural. Goiânia – GO: Faculdade de Artes Visuais/UFG, ANPAP, 2005, p. 302-311. GHANEM, Elie; TRILLA, Jaume; ARANTES, Valéria Amorim. Educação formal e não formal. São Paulo – SP: Summus, 2008. GOHN, Maria da Glória. Educação formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo, SP: Cortez, 2010. PALAVRAS, Outras. Disponível em: <http://outraspalavras.net/brasil/paranoia-ou-mistificacao/ >. Acesso em 08 de novembro, 2017. VERGARA, Luiz Guilherme. Espaços de Mediação entre utopias – escritas e inscrições labirínticas de temporalidades: jogos + rituais = simbólico. Desafios políticos-pedagógicos das invenções de Hélio Oiticica. São Paulo – SP: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, PGEHA, 2011, p. 177-199.
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Mediações Culturais no Museu Cais do Sertão Silvia Ferreira de Oliveira
Resistir é ter uma enorme vontade de continuar existindo. Só existe no mundo, efetivamente, aquele que resiste a toda perversidade de tempo e de espaço. Resistir é afirmar duas vezes a presença no mundo. (Autor desconhecido)
Minha trilha como mediadora cultural teve por base a mediação dialógica, assim como o respeito às experiências vividas de cada pessoa que tive contato. E este artigo tem por objetivo relatar as experiências e reflexões vividas no Museu Cais do Sertão, mais especificamente no mês de Setembro de 2017, pelo 4º estágio obrigatório no curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPE. “Quer ir mais eu? Bora!”
Acervo pessoal, 2017
“Quando vocês escutam a palavra ‘sertão’ o que vem na cabeça de vocês?” “Seca!”; “Gado morto!”; “Falta de água!”; “Miséria!”; “Deserto!”; “Cacto!”; “Luiz Gonzaga!”; “Forró!”; “Lampião!” É assim que muitas das vezes começam as mediações no Cais do Sertão. São essas palavras que vão nos nortear durante o diálogo com o grupo. Este primeiro momento chamamos de “acolhimento”. Logo após, seguimos para uma sala chamada “Sertãomundo” onde é exibido o curta “Um Dia no Sertão”. Passado o tempo do curta, dividimos o grupo em dois (normalmente se agenda 50) e cada educador segue para um território temático do museu e começa sua mediação. No Cais do Sertão temos muita liberdade e autonomia para mediar e elaborar nossas atividades. A equipe é formada por educadores das áreas de Turismo (3 pessoas), História (3 pessoas), Artes (Eu), Museologia (1 pessoa) e Música (2 pessoas), fazendo com que nosso repertório ganhe muito mais conteúdo por estar sempre dialogando e trocando conhecimento. Apesar de sermos de áreas diferentes, nossa interação como equipe é o que faz nosso educativo ser reconhecido. Aprendi muitas das coisas que sei sobre mediação com ajuda dos outros educadores,
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coordenadores e lendo por conta própria textos e livros sobre o tema. Basicamente minha formação como mediadora foi autônoma, já que comecei a mediar no museu quando eu ainda estava no 4º período do curso de Artes. Passei a conhecer conceitos de coisas que já fazia na prática e tudo começou a fazer muito mais sentido para mim.
Acervo pessoal, 2017
“A Vida do Viajante”
Acervo pessoal, 2017
Creio que o frio na barriga e a ansiedade sejam bons sintomas para um mediador antes de receber o grupo. Isso mostra que estamos em constantes mudanças e aperfeiçoamento. Cada mediação é diferente da outra, mesmo que seja no mesmo dia. Mas, que isso, não seja confundido com falta de confiança. Demorei muito tempo para me ver como mediadora, mas depois me via como protagonista do ato. Eu não preciso saber de tudo e explicar tudo o que sei, eu preciso conhecer quem está ali naquele momento; para quem irei mediar; o que aquelas pessoas precisam saber. Fazer o melhor com o que sei de uma maneira que todos os públicos possam ser alcançados. Por exemplo, não posso perguntar como é a casa/lar de um grupo de pessoas que moram na rua sem ter a sensibilidade de fazer as perguntas e colocações certas. Ou falar sobre estados para crianças que ainda não entendem a dimensão espacial sem ter a sensibilidade de explicar direitinho e aproximá-las com o cotidiano (o mesmo se aplica com o tempo, sempre tento aproximar com a idade delas, dos pais, das avós, etc.). Mediar é algo complexo, que requer atenção e renovação de ideias/repertórios. É se desmontar para montar em conjunto. No dia a dia, andando pela exposição, leio e releio textos, palavras e imagens. Quando se tem em mente de que precisam ver o mundo com outros olhos todos os dias, podemos achar coisas inéditas no nosso percorrer na cidade, no ônibus, nas pessoas, etc. Isso se aplica à exposição, que não foi dado o nome à toa de “Mundo do Sertão”. 184
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Tive diversas experiências que foram me moldando para ser o que estou sendo agora. Já atendi grupo de cegos, surdos, criancinhas, adolescentes, CAPS, professores, universitários, cursos técnicos, idosos. Meu foco? Acessibilidade. Acessibilidade? Acessibilidade cultural, ampla, só ocorrerá quando as instituições considerarem diferentes culturas em suas programações. (WILDER, 2010, p.75)
Em muitos lugares a acessibilidade é levada em consideração apenas no âmbito físico-motor. Nas minhas práticas de mediação sempre procurei ser o mais acessível que conseguia ou até onde o espaço me permitia. Segundo Sassaki (2002), podemos identificar 6 tipos de acessibilidades: • Atitudinal – Percepção do outro, sem discriminação ou preconceitos; • Arquitetônica – Eliminação de barreiras ambientais físicas nos espaços; • Comunicacional – Eliminação de barreiras comunicacionais interpessoais; • Instrumental – Superação de barreiras nos instrumentos, utensílios de estudo, trabalho, de lazer e recreação; • Metodológica/Pedagógica - Ausência de barreiras nas metodologias e técnicas de estudo; • Programática - Eliminação de barreiras presentes nas políticas públicas (leis, decretos, portarias, normas, regulamentos, entre outros).
Acervo Cais do Sertão, 2017
Acredito que a acessibilidade social, cultural e física, além dos outros pontos já citados acima, seja o papel de qualquer educador que esteja engajado e em busca de uma verdadeira ética de trabalho com a sociedade. Como diz Paulo Freire: o inacabamento, de que nos tornamos conscientes, nos fez seres éticos. O respeito à autonomia e à educação e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros (FREIRE, 2017, p.58).
Conclusão Um museu funciona como um jogo de quebra-cabeça, unindo espaço e tempo, bem como pessoas de diferentes trajetórias e histórias. Que no final, nos mostra um grande mosaico de possibilidades. Parafraseando Guarnieri (2010) um museu, sem reconhecimento do público, não é efetivamente um museu/instituição. A importância do núcleo educativo, da 185
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mediação e das ações educativas é justamente humanizar e aproximar as pessoas para serem parte de algo maior. O papel do educador é de facilitar esse acesso, pois cada um traz consigo sua bagagem, vivência e experiência. Reforçando de que não somos nós, educadores, que fazemos algo acontecer efetivamente. Abrimos, sim, portas e janelas. E tudo aquilo que for necessário para uma melhor imersão dos protagonistas da história: o público.
Registros
Mediação para estudantes surdos da Escola Estadual Barbosa Lima - Acervo pessoal, 2017
Caixa das Palavras Geradoras – Instrumento de Mediação - Acervo pessoal, 2017
“A Grande Família” Acervo pessoal, 2017
Como a mediação é muito além do núcleo educativo, deixo registradas as equipes envolvidas em todo esse trabalho de mediação: Serviços Gerais, Segurança, Bombeiro, Operações/ Técnica, Museologia, Recepção, Administrativo e Gestão. Todos mediaram com suas respectivas funções, pois não há corpo sem membros.
Bornal da acessibilidade para cegos, sendo utilizado com crianças - Acervo pessoal, 2017
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Bibliografia BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009. BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2017. KIRST, Adriane Cristine; SILVA, Maria Cristina da Rosa Fonseca da. Quando o público cego vai ao Museu de Arte. [Disponível em: http://coral.ufsm.br/lav/ noticias1_arquivos/publico_cego.pdf WILDER, Gabriela Suzana. Inclusão social e cultural: Arte contemporânea e educação em museus. São Paulo: Editora Unesp, 2010. ________________ Museus: emoção e aprendizagem. Disponível em:http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/museus-emocao-e-aprendizagem [acesso em 12/09/2017] _____________ O que é acessibilidade? Disponível em: http://www.unoesc.edu.br/atendimento/definicao
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A Narração de Histórias como Essência Poética e Metodológica para Mediar a Arte que Sinto: do Salvador Dalí e de Seu Bigode Artista Adélia Oliveira
Este artigo ilustra a imersão pessoal diante da possibilidade de mediar arte, buscando trocas de experiencias singulares, fazendo referência ao componente curricular Estágio 4, do curso de Licenciatura em Artes Visuais/ UFPE, pautada em pesquisas voltadas para o universo dos ambientes de educação não formal, disciplina realizada no ano de 2017. Com esta oportunidade, apresento memórias afetivas e leituras pessoais sobre metodologias, conceitos e conhecimentos sobre a história das artes e do quanto os movimentos são como espelhos sociais de seus em nosso tempo. Revelo que, por diversas provocações, fiz o exercício de me reconhecer como arte/educadora e, principalmente, identificar o que sobra em mim de concreto, de estético e poético após o afunilamento entre o que absorvi do universo acadêmico e o que sou fora dele. Ao longo da formação em Licenciatura, diante de questões acerca de reconhecimento pessoal, profissional e reflexões sobre a minha profissão, motivei-me então a investigar, na prática, a articulação entre o meu fazer artístico “apalavrado” e a arte das imagens. Eis o meu fazer e sentir arte/educação. Para esta pesquisa, torno evidente o processo e as motivações de construção de uma metodologia artística-criativa-poética que tem como resultado a possi-
bilidade de mediar conhecimento sobre arte, através da Contação e criação de Histórias. O começo do ERA UMA VEZ... Fui, quando ainda criança, participante de cursos oferecidos em instituições não formais. Nestes espaços, tive o primeiro contato com a arte/educação. De forma plural, criança, aprendendo, experimentando e criando, sem perceber possibilidades futuras de interesse profissional ou pesquisas acadêmicas. Participei de encontros sobre tapeçaria, confeitaria, pintura em tela, pintura em tecido e desenho livre. Os cursos eram oferecidos por educadores sociais que residiam na própria comunidade em que eu morava. Nenhum educador tinha formação acadêmica específica em Artes. Suas experiências é que os tornavam mestres em seus respectivos fazeres. Uma coisa que sempre lembro quando penso em ser professora, mediadora entre saberes é de que, em todo começo de aula, quando se apresentavam, estes mestres se envaideciam de seus ofícios muitas vezes caseiros, muitas vezes herdados de familiares ou senhores e senhoras amigos de suas famílias. Talvez por isso eu tenha tanto interesse em saber sobre os primeiros contatos com arte que cada ser carrega em suas histórias e me-
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mórias. Talvez por isso tenha tanto interesse em propostas sensíveis e participativas referentes à Arte/Educação. Talvez por isso meu olhar e ouvidos sejam tão afetados por pesquisas ou narrativas que envolvam vidas que se transformam pela arte. Refletindo sobre estes estímulos, não tenho dúvidas de que, por ter partilhado destes espaços, hoje sou estudante de um curso de licenciatura sobre arte. E que, academicamente, me contempla as ideias que ampliam luz sobre o ser mediador atento a troca cultural, de valorização ao pertencimento e apropriação do entendimento sobre peculiaridades de cada história e momento. Antes de ingressar num curso específico de Artes Visuais, após o Ensino Médio, dediquei-me a Pedagogia e como suporte obrigatório da formação, precisei realizar estágios curriculares em variadas instituições. Novamente busquei a vida pulsante e criativa das ONGs. Porém, agora, com olhar mais maduro e cheio de experiências do tempo de educanda, pude conhecer outro jeito de ser reflexo da educação, o ser educador proponente de ações. A educação contemplada por uma ONG é um processo educacional organizado fora da lógica do sistema regular de ensino. Segue um currículo definido a partir da vontade e das necessidades das pessoas envolvidas. Possuem planejamento, projetos pedagógicos, profissionais experientes em suas áreas de ação e podem compreender programas educacionais que ofereçam alfabetização de adultos, educação básica para crianças fora da escola, competências para a vida, compe-
tências para o trabalho e cultura em geral. Nestas experiências de condução de mediação entre educação e realidade social, tive a oportunidade de ser estagiária do curso de Pedagogia no ano de 2007, em uma instituição também próxima de minha casa chamada ISMEP (Instituto Social das Medianeiras da Paz). Lá, fiz pela primeira vez oficina sobre Contação de Histórias com uma educadora/ narradora. Ela é fundadora de escola comunitária chamada CEPOMA (Centro de Educação Popular Mailde Araújo) no bairro de Brasília Teimosa. Sua formação para educadores, que tivessem interesse pelas artes e narrativas, foi acolhida pelo ISMEP e por várias instituições educacionais na comunidade do Bode, bairro do Pina, cidade do Recife, região metropolitana, local onde moro até os dias atuais. Ela foi quem me apresentou o universo encantador e particular de um profissional que faz da palavra sua arte e pesquisa, obra e vida. Foi ela também que norteou meus passos ao mercado de trabalho nesta área, me indicou para pleitear uma vaga de estágio que futuramente alcançaria, em uma Instituição privada nomeada por Instituto Peró (que significa criança em Tupi-guarani) e é mantida pelo Shopping Guararapes em Jaboatão dos Guararapes. Aquela educadora/narradaora apareceu em minha vida como fada madrinha aparece em diversas histórias. Ajudou-me com a escolha da história “teste” para a seleção, ajudou a confeccionar os objetos para esta história com elementos que faziam parte de minha poética pessoal e estética. Contou-me 189
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e me ouviu narrar para observar meus medos e espontaneidades. Organizou meus horários e a minha passagem para ida e volta da seleção. Ela foi minha fada madrinha! Fui ao teste com toda a energia positiva dela e crença. Fui escolhida. Voltei direto para a casa dela. Ela me recebeu de sorriso muito largo e com abraço nos olhos. Hoje, depois de 10 anos, ainda procuro por ela para ouvir histórias narradas com carinho, alegria e alma. Entendo hoje porque ela me incentivou tanto a contar a história festa no céu, este conto popular que levei para as crianças do Peró, era a minha própria história de vida. Eu era a tartaruga que mesmo não sendo convidada para festas no céu, não desistia. Eu era a tartaruga que estava saindo de um lugar pobre de oportunidades para onde os pássaros, os bichos de asas nobres, os animais escolhidos e privilegiados estavam. A festa no céu foi minha lição primeira como adulta. Foi com ela que entendi que por mais impossível que pareçam as possibilidades, tentar é sempre possível. Foi ela que me ensinou que as histórias nos encontram, nos ensinam, nos melhoram como seres humanos. T rabalhando no Peró, a coordenadora da biblioteca, me incentivou e me inscreveu em vários cursos sobre a arte de narrar histórias. Criou grupos focais de troca de histórias e mediação de leitura com alunos e mães destes no espaço da biblioteca em que trabalhávamos. A biblioteca era cheia de vida, a comunidade frequentava bastante, os funcionários do shopping ficavam curiosos com as novidades
e propostas, passaram também a frequentar e se associar à biblioteca. Assim, minha vida como um livro foi seguindo com capítulos sempre cheios de aprendizado e muitas trocas de vida. A coordenadora da biblioteca, como uma grande sábia e coberta de sensibilidades, foi me regando a cada dia. Indicou-me músicas, filmes, livros, autores, ilustradores, artistas visuais. Eu absorvia feliz da vida por reconhecer em cada pedaço de palavra uma possibilidade de ser profissional destas áreas. Foi com ela que aprendi a ter sonhos. Saía do trabalho sempre pensando: E se fosse possível ... Aconteceu que um dia... Já muito longe das terras do Peró, encontrei e enveredei por pesquisas sobre mediação de leitura, arte/educação, arteterapia, cultura popular, brinquedos e brincadeiras, fotografia até chegar finalmente ao curso de Licenciatura em Artes Visuais que ligou todas as minhas sinapses e experiências. Atrelada a estas investigações, a narrativa de histórias já preenchia totalmente minha experiência profissional e sem notar, fui absorvendo a ideia de possuir duas vidas em sonho, a de ser Arte/ educadora e Narradora de histórias. Estimulada pelo conhecimento e reflexão sobre a prática de se educar através das artes, fui questionando e entendendo muitas forças destas duas vidas. Muitas vezes perguntei: a narração de histórias tem potencial para as Artes Visuais? Quais são e como eu percebo sua força em minhas práticas arte/educativas? Inserir a narrativa de histórias em planejamentos e meto190
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dologia do ensino das Artes Visuais é possível? Onde estas linguagens se inter-relacionam? Passei todos os anos do curso de Licenciatura tentando encontrar um fazer pedagógico pertinente a uma revelação de mim mesma. Quem sou eu artisticamente? Como posso ajudar o outro a encontrar interesse pelas artes? Obtive resposta através de duas Arte/Educadoras, minhas professoras, Ana Lisboa e Maria Betânia e Silva. As duas conseguiram unir tudo que estava desconectado em minha própria história. Consegui costurar-me. Ganhei uma vida só e esta é a minha própria! Com Betânia, encontro minha história de narração como projeto de pesquisa e com Ana Lisboa encontro a linha, o fio condutor destas relações. Palavra-Imagem! Encontro com Ana Lisboa um ecossistema onde a palavra imaginada é acolhida com condições favoráveis para se desenvolver e se fortalecer diante da tamanha fonte infinita de nutrição. Contar histórias da Arte. Eis meu eu encontrado e fortalecido dentro e fora da memória e universidade. E quando não se esperava... A chance se embala como um presente! Mergulhada no segundo período do ano de 2017 do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco, estando como educanda no componente curricular Estágio obrigatório 4, pude na oportunidade, contar com a colaboração e experiências da educadora Ana Lisboa. Nos diálogos em sala de aula, nas explanações e debates
sobre projetos, textos, métodos, experiências diferentes em várias instituições do Recife, de partes do Brasil e do mundo pude perceber a grandiosa e variada oportunidade que um mediador de arte possui como ferramenta, possibilidade de criação. Para além, também encontro seu entusiasmo em incentivar pesquisas pessoais, autorais que caminhem para uma busca autêntica e feliz como primazia de qualquer estágio. Ana Lisboa estimula uma presença e proposta de trabalho voltada para que na dependência da formalização você encontre a sua independência. O que sonhar? O que criar? Como criar? Que história contar? Como desprender o olhar da concreta realidade para agarrar a coragem de criar, imaginar possibilidades? Tudo isso estava bem ao meu redor. Enquanto estudava. Para quem mesmo pesquisar? Sentindo-me pequenina, indaguei minhas imagens internas na tentativa de encontrar força e ideias para poder enxergar e reativar vontades além das pedras dos dias que seguiam no semestre de aulas. O que criar ou acreditar? Dentre as imagens acessadas, esta não saía de meus dizeres humanísticos e processo criativo:
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Salvador Dalí (1904–1994) Menino geopolítico observando o nascimento do novo homem 1943 - Òleo sobre tela, 45,5 cm x 50 cm
É assim, então, que me reencontro. Simbolicamente e sentimentalmente tento acreditar neste nascimento de um novo tempo. E como representatividade de desejo e crença, fui adentrando em pesquisas sobre as obras e poética do artista visual Salvador Dalí. Procurei por muitos dias alguma instituição que estivesse com exposições ou apesentasse alguma obra para focar meu trabalho de mediação para a disciplina. Não encontrando, já ia desistindo do Salvador Dalí e de tentar acompanhar as aulas, burocracias, trabalhos... Quando encontro esta chamada de reportagem na internet: “Exumação encontra o bigode de Salvador Dalí intacto”. Depois de muitos dias com noticias que me silenciavam, meu sorriso encontrou vastidão. Não parece coisa de história fantástica ou de pescador um bigode que sempre teve
vida própria mesmo morando no rosto de um homem e que, além disso, ainda vive? Não tive mais dúvida. É essa a história da arte que me pertence! A que ressignifica o ser e a vida. Estas que eu escolho contar! As que narram histórias peculiares que só cabem na grandeza da Arte. E foi assim que me enxerguei novamente com muita vontade de juntar a Narração de Histórias com mediação cultural nas aulas de Ana Lisboa! Sem que eu percebesse, em meu subconsciente, era a voz dela quem dizia: - encontra nos sonhos quem é você menina... Salvador Dalí e seu bigode dividiram a mesma vida até o fim. Mas, como essa história acabou de começar, conto ela antes do fim, tim tim por tim tim! Assim nasceu o projeto que teve como proposta vivenciar e experimentar a arte-educação através da mediação cultural, artística, de saberes sobre artes, em espaços não formais apresentando a essência do movimento Surrealista e o artista Salvador Dalí para o público infantil e juvenil utilizando a “Contação de Histórias” como suporte, poética e metodologia. A proposta de apresentação performática possui formato de narrativa oral com uma história sobre o artista plástico Salvador Dalí e a filosofia do movimento surrealista do qual fez parte da primeira metade do séc. 20, até o fim de sua vida. Dalí, neste projeto, dará espaço para seu icônico bigode nos revelar o surrealismo e ideias de construção social. A história 192
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narrada é uma escrita autoral com colaboração de sonhos que entram como intervenções do bigode nos sonhos do pintor. Os sonhos são de narradores de histórias tais como Mariane Bigio, Fátima Pinheiro, Carminha Moraes, Vinícius Souza. A narrativa tem formato de conto, e diz sobre um bigode brincante e “treloso”, fazendo referências à cultura local de Recife e a cultura popular de Pernambuco, com seus bonecos de mamulengo, rimas e contos de brincar. A graça, a rima e poesia popular permeiam a contextualização entre o surrealismo e nossa realidade. Uma história criada para falar da importância e fundamental necessidade dos sonhos, pois em tempos de iminência da negação da realidade, a criatividade se preenche de imaginário. Como mediadora, contadora de histórias, ofereço esta contribuição no acreditar, além de conceber as ideias a fim de fomentar acesso ao conhecimento acerca das Artes Visuais. O conto criado: Salvador que era Dalí é também de todo lugar. Uma história inventada e vivida para não desacreditar nos sonhos dos dias O menino Salvador já chegou na terra pra ser de todo canto. Eu mesma acho isso muito interessante. Vejam bem, ele está nessa história aqui, mas seu sobrenome é Dalí. E Dalí é sempre jeito de todo mundo dizer sobre coisas que são dali e daqui...
Foi bem assim que chegou no mundo o menino que era Salvador e Dalí. E assim o menino foi crescendo, se acostumando em estar e ser da boca do povo, se acostumando em ser de todo lugar. Não se sabe ao certo se é por isso. Mas, o menino desde pequeno já gostava das formas do mundo poder pintar e desenhar. Quando ficou rapaz seu pai dizia:- Pare de pintar menino e vá trabalhar! Sua mãe dizia: - Pare de brincar de desenhar menino e vá estudar! Dalí parava de desenhar na hora, mas logo, logo voltava. Pintar e desenhar era mesmo a coisa que o menino mais gostava. E assim o tempo passou... O mesmo tempo que passa pra todos nós. Dalí lutou pela sua vontade e seus pais finalmente entenderam que ARTE, era o que ele precisava de muito, estudar! Salvador ficou feliz. Viajou pra longe de casa e aprendia muitas coisas da vida. Só tinha uma coisa mesmo que Dalí não entendia ... É que bem no meio de sua cara Enquanto ele crescia Entre o nariz e a boca Uma coisa ele via - isso é coisa de rapaz ! todo dia lhe diziam -OXENTE , é um bigode! de repente lhe nascia. Quando o tal bigode chegou, veio junto também muita coisa espantada. Quanto mais o bigode crescia, mais dos sonhos Dalí não 193
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acordava. É que o bigode dos sonhos de noite ou de dia participava. Teve um sonho que o menino teve com o bigode criando perna e correndo, outro com o bigode pulando corda e outro com ele virando bola rolando ao vento. Sonhou com o bigode brincando no parque e atrapalhando todo mundo que tava na fila. O bigode viajando em garupa de jumento, tu acreditas? Teve um dia que sonhou com uma moça bem burlesca, que invés de ter bigode perto da boca tinha era na sobrancelha. Sonhou também que seu bigode, virava telhado de casa torta, que ficava em cima de uma ribanceira e só tinha metade da porta. Outro dia também sonhou, que seu bigode enquanto ele se olhava no espelho, saía da sua cara, tomava banho e cantava no chuveiro. Olhe, teve tanto sonho, tantas outras coisas, que numa história só eu não consigo contar. Mas, o sonho mais importante, vou agora narrar. Foi quando Dalí já tava bem grande, já velho numa noite que se danava. Numa noite quase acordando ele jurou de pé junto que ouviu o que seu bigode sozinho falava... Sem boca, mas com palavra dita, seu bigode bem lhe dizia: - Apareço no seu sonho e nunca vou deixar de trelar, que é pra você entender que pra toda tristeza na vida, em boa graça tu vai me achar. Pra voltar a sorrir é só tu dormir, deitar e sonhar. É de sonho que a gente vive menino. E por eles teremos sempre histórias pra no outro dia contar! E assim dizem que naquela noite, o menino que já era homem feito acordou. E que
dalí por diante, de ser menino e de seus sonhos, o Salvador nunca mais se afastou. O bigode passou a ser o seu melhor e fiel amigo. Vivia todo tempo estampado na cara, até enfeite, o Salvador, menino homem, de vez em quando lhe dava! De florzinha ou arrepiado como num susto, todo mundo conheceu seu bigode. E até hoje tem gente que usa ou como estilo ou como mote. Essa história é de verdade, mas parece brincadeira O bigode do Dalí passou com ele a vida inteira Hoje vive num museu, Diz que é dele, meu e teu A vontade de sonhar acordado, nessa vida de arte videira. FIM A Pesquisa ... Procurando embasamento teórico sobre meu fazer e pesquisa, encontro o livro Tópicos Utópicos da pesquisadora em Artes, Ana Mae Barbosa. Nesta literatura, Ana Mae dialoga sobre o entendimento de seus estudos sobre a área e altera sua proposta para o sentido de abordagem. Como abordagem, Ana Mae afirma que, a triangulação significa etapas de apropriação. E que ver, fazer e contextualizar eixos principais de sua abordagem, não se fundamentam nos conteúdos, mas no que fica registrado para cada um, no contato com a arte. A Abordagem Triangular orienta, primeiramente, esta pesquisa porque abre caminhos para outras formas de pensamento, as 194
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quais possibilitam diversas práticas. Envolve e carrega significados entre a superfície e o profundo. Cada um, seguindo o movimento sobre as histórias pessoais e sociais trazidas pelas artes, conhece e é capaz de fruir e refletir-se em expressão. Na abordagem triangular foi possível perceber a narração de histórias não só como atividade com potencial artístico, mas sim como arte, expressão artística capaz e eficaz na produção de conhecimento, infinita contribuidora acerca da cultura do mundo e da linguagem das Artes Visuais. Organizando um caminho sensível de elaboração e pesquisa, Ana Mae chama de abordagem triangular as etapas de leitura de uma obra de arte (ver), a criação (experiência do sentir- fazer) e a identificação (dar sentido), contextualizar. Estes fundem o diálogo entre o que o passado de história nos conta sobre nossa realidade, a experiência do tempo e o momento fugaz e interesse e o reconhecimento destes conhecimentos para a vida . A educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da arte e tornar as crianças conscientes da produção humana de alta qualidade são uma forma de prepará-las para compreender e avaliar todo tipo de imagem, conscientizando-as de que estão aprendendo com estas imagens (BARBOSA, 2014, p. 17).
Segundo a abordagem, a construção do conhecimento em Artes, acontece quando há a interligação entre a informação, experimentação e codificação. Ana Mae propõe que o ensino de arte seja elaborado a partir de três ações básicas:
Ler obras de Arte: Consiste na descoberta da capacidade crítica dos alunos. Aqui, a Arte não se reduz ao certo ou errado, considera a pertinência, o esclarecimento e a abrangência. O objeto de interpretação é a obra e não o artista. Fazer Arte: Consiste em estimular o fazer artístico, trabalhando a releitura, não como cópia, mas, como interpretação, transformação e criação. Contextualizar: Consiste em relacionar a História da Arte com outras áreas do conhecimento. Estabelecer relações das obras de arte com o mundo ao redor, pensar sobre a obra de arte de forma ampla, social, biológica, psicológica, ecológica, antropológica, pois contextualizar não é só contar a história da vida do artista que fez a obra. Refletindo sobre o que diz Ana Mae, referenciando suas pesquisas na linguagem que utilizo como proposta de mediação, a oralidade, entendo que saber ler imagens em nossa sociedade contemporânea é fundamental para entender a diferença entre estímulos imagéticos artísticos e estímulos de imagens que recebemos de forma inconsciente e acrítica. Encontro, então, complementação, empenho na pesquisa e outros benefícios para a fundamentação deste projeto no livro Como um romance, do Pedagogo francês Daniel Pennac, que escreve sobre mediação de leituras e afirma que “o ato de contar histórias é próprio do ser humano, e o professor pode apropriar-se dessa característica e transformar a contação em um importantíssimo recurso de formação 195
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do leitores de livros, imagens e mundo” (PENNAC, 1993, p. 124). Com isto, conhecer estes olhares me fez procurar um caminhar de oportunidade vivencial e de sensibilização através das histórias e das artes visuais. Construí assimilando estas motivações, uma sinapse possível para união entre o que sou fora e dentro da academia. Identifiquei correspondência em cada uma das etapas fortalecidas nas pesquisas sobre a abordagem triangular. Foram elas: Sobre ler obras de arte: Ao ouvir uma história também passamos por esta etapa, pois, ampliamos nosso olhar e criamos uma impressão imagética carregada de nosso repertório pessoal e de mundo. Quando apreciamos uma história, observamos, lemos uma determinada situação ampliando nossa criação de referenciais importantes ao desenvolvimento da capacidade criadora criativa, observamos dentro de nós o que a história reverbera independente do autor ou de quem nos narra. Sobre o fazer: Se criamos, ilustramos ou recontamos uma história estaremos aproveitando a possibilidade de metaforizar, reconstruir, adaptar, ressignificar nossas próprias histórias ou a de outros próximos a nós. Nunca será igual a qualquer outra, pois, sempre nos colocaremos em algum espaço ou vírgula. Sobre o contextualizar: A narrativa de histórias traz o universo particular a qualquer humano em qualquer idade. Diz respeito ao seu desenvolvimento harmonioso e em todos os aspectos: emocional, racional, corporal e espiritual. Trata-se de como viver. Ambienta,
socializa, individualiza, compartilha, significa. Considerações Finais Podemos dizer que a arte de narrar e a arte/educação fazem parte do mesmo ecossistema, diante destas associações. Ambas estimulam expressão e conhecimento revelando novos universos internos. Manifestam encontros e identificações para gerar movimentos em cada pedaço de espaço e tempo. Processo que se fundamenta em filosofias de trabalho que buscam compartilhar os saberes científicos, históricos e emocionais sobre Artes Visuais aproximando e unindo a afetividade, criatividade, alfabetização imagética, ampliação de repertório imagético através da palavra ouvida e “imaginada”. A experiência de levar a história sobre um artista reconhecível para alguns e para outros, desconhecido, em uma linguagem adequada ao local e cultura das crianças e adolescentes envolvidos foi transformadora e de muita proximidade. A sensação que tive foi de ter desenterrado uma botija de ouro. Como só agora pude saber disso? Acredito que a pesquisa comunicou e estabeleceu relações de afeto com as pessoas. A contação de histórias, mas que uma estratégia neste projeto, aproximou fundamentos das artes da vida e lembrança de muitas pessoas. Mediar arte é mediar autonomia. Que assim como o bigode do Dalí, esta experiência esteja viva e bem guardada na experiência de cada um. 196
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Referências BARBOSA, Ana Mae. Arte / Educação: O pensamento de Ana Mae Barbosa. Disponível em: <https://www.scribd.com/doc/186766181/ Arte-Educacao-O-Pensamento-de-Ana-Mae-Barbosa>. Acessado em 10 de outubro de 2017. ________. Tópicos utópicos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2014.
Paulo: Paz e Terra, 1996. PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. RICHTER, Sandra. Infância e imaginação: o papel da arte na educação infantil. In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002.
BARBOSA, Ana Mae. Ensino da arte: memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008. DALÍ, Salvador. Exumação encontra bigode de Salvador Dalí intacto. Disponível em: https:// brasil.elpais.com/brasil/2017/07/21/cultura/1500616779_353229.html Acessado em 12 de setembro de 2017. SCHMITT, Eva. Mediação artística enquanto arte? Arte enquanto mediação artística? Ou: por que, às vezes, arte e mediação artística são a mesma coisa. Disponível em: http:// www.ccba.org.br/noticiais/noticia/id/47/ mediacao-artistica-enquanto-arte-arte-enquanto-mediacao-artistica?html Acessado 12 de setembro de 2017. COLI, Jorge. O que é arte? São Paulo: Brasiliense, 1998. FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São 197
Os Desafios e Resistências do Ensino de Teatro: A Experiência do Estágio de Observação na Escola Municipal de Artes João Pernambuco - Recife Ellis Regina Albuquerque de Souza Igor de Almeida Silva
A disciplina Estágio Curricular Supervisionado em Ensino de Teatro 3, oferecida no 7º período do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), contempla o estágio curricular supervisionado de observação em Teatro na educação em turmas de Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos (EJA), espaços pedagógicos não formais, educação especial, terceira idade e/ ou contextos empresariais, terapêuticos e de saúde. Componente curricular busca promover uma aproximação da práxis do Teatro na Educação, nos espaços citados acima, assim como compreender as distintas relações no interior dos espaços pedagógicos, saberes e competências necessários ao exercício profissional do docente de teatro. O campo escolhido para apreciação do estágio de observação do componente Estágio Curricular Supervisionado em Ensino de Teatro 3 foi a Escola Municipal de Artes João Pernambuco – EMAJPE que, diferentemente de outras escolas municipais de educação, é voltada especificamente para o ensino das Artes. Sobre o ensino do teatro na rede pública, Carmela Soares diz: Ensinar teatro na escola pública é uma
atitude paradoxal de amor e ódio, de prazer e desprazer, de vida e morte, de luz e sombra, de possibilidades e impossibilidades. Vivemos neste mundo completo de relações, muitas vezes com o sentimento de impotência diante de tanto. O que fazer? Autoquestionamento, reflexão, vontade, ação, ritmo, humildade, reconhecimento, autoestima, fé, esperança e amor à vida são a solução (SOARES, 2006, p. 99).
A EMAJPE surgiu em 1987, na Praça da Várzea, como iniciativa de um grupo de músicos que ensinava teoria musical e prática de instrumentos a pessoas interessadas da comunidade. Em fevereiro de 1991, após a desapropriação de um casarão nas proximidades da Praça da Várzea, a comunidade e os professores de música solicitaram à prefeitura a criação de um espaço voltado para o ensino das artes, especificamente da música. Assim, em 1991, a EMAJPE foi inaugurada com o intuito de ser uma escola modelo no ensino de artes, referência para que outras unidades surgissem no futuro (o que não aconteceu até o presente momento). Em relação ao ensino do teatro na EMAJPE, ele não aconteceu de maneira imediata à inauguração da escola. Contudo, não existe registro do período preciso de início das atividades teatrais na instituição.
Conversas de Estágio Artes Visuais, Dança e Teatro
Um mapeamento da EMAJPE A Escola Municipal de Artes João Pernambuco conta com cinco salas para aulas de música, 16 cabines acústicas de ensaio (música), três salas de dança (com espelho e piso de madeira, geralmente, utilizadas pelos alunos e professores de teatro), uma cozinha, uma sala de artes visuais (que atende ao curso de teatro), uma biblioteca (que também serve como sala de aula) e um teatro. A escola conta com 38 professores, sendo 25 estagiários regentes da UFPE; destes, dois são estagiários regentes de teatro. Outros profissionais: um gestor e um vice, três coordenadores pedagógicos (um de música, um de teatro e uma coordenação pedagógica geral), um assistente de direção, uma secretária, uma auxiliar de serviços gerais – terceirizados. No primeiro semestre de 2017, 2.018 alunos foram matriculados nos cursos da EMAJPE, totalizando 63 turmas nos três turnos. Nos cursos de teatro, as referências são as seguintes: 298 alunos matriculados, dispostos em duas turmas de teatro infantil, duas turmas do curso profissionalizante em teatro e três turmas da oficina de teatro. A maioria dos estudantes reside na Várzea (bairro onde está localizado a EMAJPE) e bairros vizinhos, mas a escola também atende estudantes de outras cidades da Região Metropolitana do Recife. A situação socioeconômica dos discentes é bem variada, tendo alunos em diferentes níveis socioeconômicos. Assim, a instituição conta com um espaço de diversidade social, econômica, intelectual e geracio-
nal. A EMAJPE tem um número de evasão escolar considerável, segundo relatórios da direção escolar. Os fatores que podem contribuir para esse quadro é a falta de investimento do poder público no ensino de artes, e na escola em si, única do seu tipo na rede pública municipal. Essa realidade traz consigo desafios ainda maiores que os já existentes no ensino escolar da rede pública: É possível ensinar teatro dentro da escola pública? Se nos basearmos em um modelo ideal, com condições ideais de recursos, espaço e tempo para objetivar esta ação, vamos afirmar de antemão que não. Não é possível. No entanto, se trabalharmos dentro do campo das possibilidades, podemos dizer que sim. A escola, dentre outros espaços, pode e deve ser um local onde a educação se encontra atrelada à criação e à vida (SOARES, 2006, p. 100).
O Estágio de Observação Formada em licenciatura plena em educação artística, com habilitação em artes cênicas (1987.2) pela UFPE, e com especialização em ensino do teatro também pela UFPE, uma docente da instituição trabalha como professora de Teatro na EMAJPE desde 1996. Observo as aulas de Maquiagem e História do Teatro Mundial da professora supervisora. As disciplinas eram ministradas nas segundas e quartas à noite, respectivamente, para a turma do primeiro período do curso de teatro da Escola Municipal de Artes João Pernambuco (2017.1). A professora referida realizou aulas expositivas, com a participação efetiva dos dis199
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centes. Na disciplina de Maquiagem teve-se o primeiro momento com o conteúdo dito teórico para em seguida os alunos terem a vivência prática, especificando temáticas diferentes, exemplo: claro e escuro, realismo/naturalismo, expressionismo, animais, etc. Os alunos utilizavam seus materiais, solicitados no começo da disciplina, assim como materiais disponibilizados pela escola. Salientamos que a professora sempre atentava para a importância de se ter o seu próprio material, pois, além de ser um cuidado consigo mesmo, era um dos critérios de avaliação. Conforme Patrice Pavis,
Embasada em referenciais como Constantin Stanislavki, Bertolt Brecht, Augusto Boal, Margot Berthold, Patrice Pavis, entre outros, a professora conduziu suas aulas ao longo do semestre de maneira segura, mesmo em momentos difíceis (de adaptações em relação ao espaço físico, didático ou humano). Percebe-se seu respeito e comprometimento ao local de trabalho e, principalmente, ao teatro; assim como o desejo de que esse sentimento de compromisso se expanda e atinja os próprios alunos, em suas relações mútuas e atitudes em sala de aula. Afinal,
No teatro, a maquiagem assume um relevo particular, visto ser o último toque dos preparativos do rosto do ator e porque contém uma série de informações. [...] Se a limitássemos à função banal de embelezamento dos traços naturais, poder-se-ia ter certeza de ela ser tão velha quanto o mundo do teatro (PAVIS, 2011, p. 231).
O teatro é uma arma. Uma arma muito eficiente. Por isso, é necessário lutar por ele. Por isso, as classes dominantes permanentemente tentam apropriar-se do teatro e utilizá-lo como instrumento de dominação. [...] Mas o teatro pode igualmente ser uma arma de liberação. Para isso, é necessário criar as formas teatrais correspondentes. É necessário transformar (BOAL, 2013, p. 13).
Na segunda disciplina observada, História do Teatro Mundial, teoria e prática também caminharam juntas. Um dos instrumentos de avaliação foram os seminários, realizados em grupos. Momento de expandir ainda mais os conhecimentos, perceber curiosidades de cada assunto apresentado, etc. Os conteúdos perpassaram diversos locais de se fazer teatro ao redor do mundo. Para auxiliar nesse processo, os alunos poderiam utilizar televisão, vídeo e som. O trabalho de pesquisa das equipes ao se apresentarem, além das atitudes dos colegas que presenciavam os seminários, também era critério de avaliação para a docente.
Os Discentes A classe observada era a de alunos do primeiro período do curso básico em teatro, que tem como proposta uma visão global da arte teatral. A grade de horário desta turma organiza-se da seguinte maneira: Interpretação 1, Voz 1, Elementos Visuais da Cena – Maquiagem e História Mundial do Teatro. Observamos a turma em duas disciplinas distintas: Elementos Visuais da Cena – Maquiagem e História Mundial do Teatro. Em sua maioria, a turma observada era formada por jovens e adultos com idade aproximada entre 18 e 54 anos. Vale salientar 200
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que a maior parte dessas pessoas estuda e/ ou trabalha ao longo do dia, reservando assim o turno da noite para as aulas na EMAJPE. Além disso, possuem um perfil muito eclético, tendo como característica principal a mistura de idades, classes sociais e diversos níveis de contato com a arte teatral. Um dos principais desafios no trabalho em sala de aula foi o de desfazer visões estereotipadas e redutoras acerca da atividade teatral por parte considerável do corpo discente. Vigora entre muitos alunos a crença de que o trabalho teatral restringe-se ao momento da representação sob o palco e ao encontro com a plateia, dissociando a vivência pedagógica em sala de aula do acontecimento teatral como um todo. Persiste também a compreensão dicotômica de que teoria e prática se encontram em instâncias separadas no campo das Artes, sem possibilidade de relação. Fora isso, a falta de espírito de grupo, o olhar excessivo voltado para si mesmo, acarretou dispersão durante as aulas, provocando grande incômodo entre professora e estagiários. No entanto, fui surpreendida no final da experiência do estágio de observação. A turma dispersa que observamos no início das aulas mostrou-se capaz de focar e de se dedicar a um exercício teatral apresentado na mostra de teatro da EMAJPE, A PORTA ABERTA. Desde a preparação aos ensaios, eles se mostraram muito comprometidos com o trabalho que iriam apresentar à escola e aos seus convidados, uma turma totalmente diferente daquela que demonstrava pouco interesse nas
questões teóricas do teatro, recebendo, inclusive, uma avaliação positiva do grupo escolar. Dessa forma, eles foram aos poucos aquecendo a noção de teatro e abrindo-se às possibilidades da cena. Conclusão Após alguns meses de observação da Escola Municipal de Artes João Pernambuco, percebo a importância desta instituição para o ensino das linguagens lá oferecidas atualmente (dança, teatro, música), além de todo seu histórico de luta e resistência. Estagiar na EMAJPE é deparar-se com a realidade de muitos textos estudados na graduação de Licenciatura em Teatro, em que é ressaltada a necessidade de se colocar, ativamente, como protagonista da sua arte, do que te move e, principalmente, do enfrentamento das dificuldades, de diversas ordens, que podem aparecer ao longo da nossa trajetória profissional. Finalizo este texto com questionamentos e reflexões que desejo amadurecer ao longo da minha trajetória profissional e de futuros projetos de pesquisa. Espero conseguir mostrar aos meus alunos a importância do espaço onde eles estudam; a importância de conhecer a linguagem teatral, ainda mais em uma instituição escolar pública. Assim como anseio conseguir desenvolver um trabalho de qualidade, em que a base será o diálogo para se chegar a acordos e interações artísticas e pedagógicas. Acredito que teatro pode educar, “se entendemos por educar a descoberta 201
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e utilização de formas e meios de apoio para o desenvolvimento do ser humano em direção à vida autônoma e consequente, para a sociedade de que seja membro” (LOPES, 1989, p. 22). Uma última observação sobre a EMAJPE: uma troca mais próxima entre a comunidade do entorno da escola também se faz necessária, pois a relação existente é de respeito, porém de pouca procura. A população local só utiliza o espaço físico para projetos pessoais, paralelos aos cursos e atividades oferecidas pela instituição, havendo pouca ou nenhuma integração, de fato, entre escola e comunidade. Percebo o quanto isso poderia (e ainda pode ser) ter sido enriquecido por meio do teatro, justamente por se tratar de uma arte em si mesma política, como afirma Denis Guénoun: “O teatro é, portanto, uma atividade intrinsecamente política. Não em razão do que aí é mostrado ou debatido – embora tudo esteja ligado – mas, de maneira originaria, antes de qualquer conteúdo, pelo fato, pela natureza da reunião que o estabelece” (2003, p. 15). Por meio desse autor, vê-se o quanto o teatro é necessário (2012) para o processo de formação destes alunos, enquanto cidadãos e artistas.
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Referências BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013. GUÉNOUN, Denis. A exibição das palavras: uma ideia (política) do teatro. Trad. Fátima Saadi. Rio de Janeiro: Teatro do Pequeno Gesto, 2003. ______. O teatro é necessário? Trad. Fátima Saadi. São Paulo: Perspectiva, 2012. HORNBROOK, David. Education in Drama: casting the dramatic curriculum. London; New York: Falmer, 1991. (Texto traduzido por Luís Augusto Reis, para uso em sala de aula) LOPES, Joana. Pega Teatro. Campinas, SP: Papirus, 1989. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Trad. sob a direção de Maria Lúcia Pereira e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2011. SOARES, Carmela. Teatro na escola pública: uma situação de jogo. In: TAVARES, Renan (Org.). Entre coxias e recreios: recortes da produção carioca sobre ensino do teatro. São Caetano do Sul, SP: Yendis, 2006, p. 97-112.
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Reverberações da Prática Pedagógica: A Importância do Estágio na Formação do Professor de Teatro e a Conexão com o Processo Criativo na Sala de Aula Diego Rafael F. de Melo Cavalvanti Igor de Almeida Silva
Não sabemos o que se passa conosco, isso é o que se passa conosco. José Ortega y Gasset
Neste artigo, pretendo investigar quais elementos construíram meu conhecimento como futuro professor de teatro durante o estágio de regência no Colégio de Aplicação (CAp) da UFPE. Este estágio consiste em uma prática docente vinculada à disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Ensino de Teatro 2, que foi realizada no segundo semestre de 2017. O estágio curricular é obrigatório e ocupa, no curso de Teatro, dois anos da graduação, dividido em quatro disciplinas que se concentram em experiências de observação e regência em contextos de ensino formal no primeiro ano e de ensino não formal no segundo ano. Aqui, pretende-se descrever e analisar minha experiência de estágio de regência na educação formal. Como o fio de Ariadne, que ajudou Teseu a sair do labirinto, senti que o processo me incentivou a buscar um lugar de professor. Costurando as experiências que vivi em sala de aula às formas que lidei com a teo-
ria aplicada; o meu jeito de conduzir a aula e de passar os conteúdos a uma postura que, com certeza, vai reverberar no meu percurso profissional. Por meio de relatos dos próprios estudantes, retirados dos protocolos que eles escreveram ao longo das aulas, poderei demonstrar a construção de conceitos teatrais que eram aprendidos em sala de aula, quando eu relacionava nossos jogos ao puro fazer teatral. Os protocolos aqui expostos fazem parte de um acervo pessoal que não será nem transcrito por completo, nem seus autores terão os nomes revelados. Como primeiro exemplo, um dos alunos relatou as conexões estabelecidas entre as aulas e a prática teatral: Rafael nesse semestre fez algumas brincadeiras conosco, como a do coro, especialistas, variações da plateia, “alongamento grego”, guerra de titãs contra Atena e Apolo para defender o Monte Olimpo etc. E sempre soube nos explicar o significado, o porquê de termos feito aquilo, e fazendo um vínculo sempre com o teatro. (PROTOCOLO, 2017).
Podemos perceber a criação de um vocabulário teatral e também a relação que é estabelecida em todos os momentos da aula com as artes cênicas. Por meio dos protocolos
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dos estudantes podemos verificar a criatividade, o desenvolvimento de habilidades e as sensações que as aulas causaram neles. Maria Lucia Pupo aponta para a importância de registros diversos dos processos pedagógicos e artísticos que acontecem durante a aula de teatro. Atividades ricas que se perdem na efemeridade do tempo e da memória de quem estava presente, caso esses registros não aconteçam:
Para que uma prática teatral – coordenada por si ou por outrem – seja terreno propício para a produção de novos conhecimentos, uma condição básica se coloca para aquele que a examina: ser capaz de formular questões sobre ela. Solicitar ao estudante a formulação de uma pergunta sobre uma prática ou sobre um tema particular [...] um processo teatral reúne em seu âmago um sem-número de fenômenos – visíveis e invisíveis – de natureza diversa. Captá-los implica recorrer às modalidades as mais variadas de registro (PUPO, 2015, p. 84).
O protocolo é um mecanismo para reflexão dos conteúdos vistos e das práticas pedagógicas vividas. Ajuda na sistematização e organização das ideias, das sensações e, principalmente, da relação que estabeleceu, ou não, por meio dos jogos e das demais atividades em sala de aula: “Ao se dar conta que ao escrever ele elucida questões para si mesmo – e, consequentemente, também para o outro – nosso estudante começa paulatinamente a descobrir o prazer da metáfora e a satisfação contida no ato de burilar o texto” (PUPO, 2015, p. 86). O CAp fica dentro do campus da UFPE, na Cidade Universitária, bairro de Recife, e é
anexo ao Centro de Educação. Tem como princípio pedagógico o pensamento de Paulo Freire. Em seu Projeto Político-Pedagógico, expõe uma postura consciente acerca do funcionamento de uma escola: relações interpessoais, entre alunos, professores, familiares, funcionários, estagiários; relações geográficas, sociais, ideológicas etc. Desde o primeiro semestre deste ano, quando observei os estudantes do 6º ano A, nas aulas de Teatro, percebi muitas nuances pedagógicas que surgiram do próprio processo teatral, chamando atenção para uma postura em sala de aula atenta ao aluno e que é necessária ao professor de teatro. Nas aulas, aparecem questões de diversas ordens. Cabe ao professor cultivar uma escuta e uma sensibilidade para essas questões; relacioná-las ao universo teatral e questionar os alunos, levando-os a construir suas próprias conexões. Assim, compartilhando conhecimentos próprios da arte teatral atrelados às práticas em sala de aula e conduzindo as questões que surgem, o professor cria um ambiente autônomo e potencializador para o estudante. Conhecer o espaço emocional próprio e o espaço compartilhado é um passo necessário, anterior a qualquer intenção de transformação. É importante explorar nossa experiência, aprender a reconhecer e aceitar as emoções tais como são, tanto em nós mesmos como nos outros. Para que isso aconteça, a primeira coisa a fazer é prestar atenção. Estar atento é estar aberto à consciência. Como relatei acima, no curso de Licen205
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ciatura em Teatro da UFPE, existem quatro disciplinas voltadas à prática pedagógica. As duas primeiras são destinadas, consecutivamente, à observação e à regência na educação básica formal. Eu trabalhei com o grupo 01 do 6º ano A; ao todo, quinze estudantes. Conheci as particularidades da turma e as práticas pedagógicas da professora. No segundo semestre de 2017, regi as aulas e efetivei um plano de regência com base no que acompanhei e no que quis propor. O plano da disciplina tem o Teatro Grego como conteúdo programado para o último bimestre e esse assunto me impulsionou a trabalhar, principalmente, a metodologia do Drama na Educação com os estudantes – pela fluidez e efetividade dessa metodologia para essa faixa etária. Traço relações entre a Yoga e os mitos gregos, já que me proponho também a trabalhar a consciência corporal, de forma a relacionar nossos aquecimentos com o conteúdo do bimestre. Sobre o Drama na Educação, Beatriz Cabral afirma que “O drama como método de ensino, eixo curricular e /ou tema gerador constitui-se atualmente numa subárea do fazer teatral e está baseado num processo contínuo de exploração de formas e conteúdos relacionados com um determinado foco de investigação” (CABRAL, 2006, p.12) Como uma metodologia que se propõe a compartilhar, experimentar, criar e relacionar, o drama presenteou nosso processo com momentos de muita força cênica e inspiração. Por meio de improvisos, os estudantes tam-
bém conseguiram atingir um nível de entrega muito grande para a idade deles. Ainda sobre a potencialidade do Drama na Educação, Delfim Ribeiro traz um apanhado de fatos que reafirma a importância dessa metodologia:
A incorporação de conceitos e processos teatrais no campo epistemológico do drama na educação, juntamente com a evolução da própria arte teatral e do concomitante desenvolvimento do drama aplicado, promovido, só para dar dois exemplos, pelo Fórum Teatro de Augusto Boal e pelo Sociodrama de Jacob Moreno, acrescentada ainda das propostas curriculares baseadas no texto promovidas por David Hornbrook nos anos 90, enriqueceram extraordinariamente o campo curricular e a didática do drama na educação. (RIBEIRO, 2011, p. 97)
Em um dos protocolos, um aluno relata sua interpretação do Jogo do especialista, que consiste, basicamente, em representar um especialista em algo – no nosso caso, usamos elementos da mitologia grega – e convencer a plateia de que está dando uma palestra; só que, enquanto a palestra acontece, o especialista vai se enfurecendo até atingir um ápice de fúria, no qual ele para, olha para a plateia e se desculpa logo em seguida: “Aprendemos também sobre os Deuses gregos, teve até uma atividade que quando o professor batia palma era para ficar com raiva e três (palmas) para se desculpar com a plateia” (Protocolo, 2017). Por meio de jogos dramáticos e teatrais propus a criação de cenas em trios sobre os mitos gregos e as relações que pudessem surgir dessa temática. Depois da apresentação dessas cenas para a plateia, abri uma discussão sobre os pontos fortes e fracos e sobre o 206
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que poderia ser mudado, fazendo com que os estudantes dirigissem as cenas dos colegas, estimulando o respeito e a escuta. A Yoga e a respiração entram como um mecanismo potencializador do processo criativo, levando a turma a um estado de entrega e concentração mais efetivo. Dispersão e euforia são características marcantes do grupo; por isso, a necessidade de um trabalho corporal intenso. Depois comecei a trabalhar o conceito de coro e corifeu por intermédio de jogos físicos. Em seguida, trabalhei na criação de cenas. Ao aplicar essa metodologia pretendi aproximar a turma do fazer teatral, pois acredito que vivenciar as experiências que o Teatro proporciona implica num grande ganho tanto para quem quer continuar nesse universo quanto para quem não quer, visto que tais práticas reverberam em inúmeros aspectos da vida. Criando, dirigindo e encenando pequenas cenas que contem a relação de cada trio com o tema proposto, os estudantes vão se apropriar da linguagem teatral naturalmente. De forma orgânica, vão entender conceitos básicos que vieram dos gregos e que fazem parte do teatro até hoje, principalmente, a dinâmica do coro e do corifeu. As crianças têm entre dez e onze anos e são parte da primeira turma com alunos cotistas. O que requer certa atenção dos professores e coordenadores da escola. Na busca de acolher esses estudantes de realidades socioeconômicas diversas, o Colégio está sempre
articulando estratégias para que todos desenvolvam suas potencialidades. A sala é unida, porém, as relações ainda me parecem superficiais – é o primeiro ano deles juntos. Eles são engajados e afetuosos; por isso, mais abertos aos jogos propostos. Todavia, a perda de foco é uma constante. Como são crianças, os alunos estão sempre se distraindo ou perturbando a concentração uns dos outros. Por sinal, são vistos, nos conselhos de classe, como uma turma que necessita sempre ser chamada a atenção pelos professores, pois, além das dificuldades de aprendizagem, devido à carência de uma boa base, eles também conversam bastante e estão sempre dispersos. Na disciplina de Teatro, a conversa e a dispersão são bem evidentes, a ponto de a professora ter que parar a explicação inúmeras vezes para pedir silêncio, porém a defasagem da educação anterior não é latente, visto ser este o primeiro contato de muitos com a linguagem teatral. O que, de certo modo, equaliza a turma e faz crescer o interesse pela disciplina. A turma tem certa facilidade de dispersão, o que afeta a presença dos estudantes. Além de uma pluralidade social que, de certa forma, também influencia nas relações dos estudantes. Muitos deles fazem corpo mole, o que é um desafio para a metodologia do drama. E o ar-condicionado faz um barulho muito alto, dificultando a comunicação. Foi impressionante ver uma turma tão dispersa se entregar aos jogos e participar com 207
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colocações pertinentes nas aulas; ver que, ao final, todos estavam se sentindo mais seguros durante os jogos, criando e elaborando – tanto cenas quanto comentários – de forma consciente. Os estudantes se envolveram, produziram conhecimentos valorosos e me ensinaram mais do que tudo, ao estabelecer essa relação horizontal, na qual a troca de conhecimento é o cerne da relação pedagógica. Foi uma experiência única, que me aproximou da realidade escolar. Assim, percebi que a organização e o afeto são fundamentais nessa profissão. Vou levar comigo o aprendizado dos momentos difíceis; a maturidade que ganhei ao rever coisas em sala de aula e ao lidar com as frustrações que surgiam; o poder de adaptação que conquistei ao refazer meus planos. Esses conhecimentos – essa experiência que ganhei – foram frutos de um estágio acompanhado por pessoas competentes, e que foi aproveitado plenamente. Tenho certeza de que essa formação inicial refletirá fortemente, durante alguns anos, no meu perfil como professor e profissional de teatro. Ao dividir o que sei e ao aprender a observar/ouvir as situações e falas que surgiam, ganhei em perspectiva e em força de vontade.
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Referências CABRAL, Beatriz. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec: Mandacaru, 2006.
RIBEIRO, Delfim. As convenções dramáticas como instrumento estético-pedagógico. São Paulo: Instituto Piaget, 2011.
DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar: práticas dramáticas e formação. Tradução: Cássia Raquel da Silveira. São Paulo: Cosac e Naify, 2009.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978.
HEATHCOTE, D.; BOLTON, J. Drama for learning: Dorothy Heathcote’s Mantle of the Expert approach to education. Portsmouth, NH: Heinemann Press, 1994. HORNBROOK, David. Education in drama: casting the dramatic curriculum. London; New York: Falmer, 1991. JAPIASSU, Ricardo Ottoni Vaz. Metodologias do ensino de teatro. Campina, SP: Papirus, 2001. LÓPEZ, Felix. Problemas afetivos e a conduta na sala de aula. In: Coll, C. Marchesi, A; Palacios, J. Desenvolvimento psicológico e educação. Vol. 3. Porto Alegre: Artmed, 2004. PUPO, Maria Lucia. Para alimentar o desejo de teatro. São Paulo: Hucitec, 2015. 209
Monitoria e Estágio Curricular: Reflexões sobre o Processo Formativo de um Arte-Educador no Curso de Licenciatura em Dança/UFPE José Roberto do Nascimento Junior Gabriela Santos Cavalcante Santana
O objetivo deste trabalho é iniciar uma reflexão acerca do meu processo de formação como arte-educador. Durante a graduação em Dança da UFPE, muitos questionamentos me vieram à cabeça. Sigo me perguntando: que professor de dança, arte-educador, artista-docente eu quero ser? Como a monitoria me auxiliou no desenvolvimento como docente? O que ela afetou meu desempenho acadêmico como aluno do curso? O interesse pelo tema foi instigado por leituras e discussões nas cadeiras de Fundamentos da Arte-educação, Metodologias do Ensino da Dança e especialmente nas disciplinas de Estágio Curricular, bem como das provocações feitas pelos professores do curso. Atualmente, tenho pensado no curso de licenciatura como a formação inicial do professor, o estágio como oportunidade de pesquisa e como a monitoria me colocou num (entre) lugar fluido entre docência e discência. Em minhas experiências, como monitor, pude conhecer turmas diferentes, trabalhar junto a alguns docentes e acompanhar distintos componentes curriculares da Licenciatura em Dança da UFPE, inclusive sendo pioneiro ao inaugurar a monitoria nas disciplinas de estágio curricular daquele curso.
Organizando a monitoria As atividades de monitoria já são citadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB no 9.394/96. Os discentes da educação superior poderão ser aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas respectivas instituições, exercendo funções de monitoria, de acordo com seu rendimento e seu plano de estudos. (BRASIL, 1996, Art.84). A Universidade Federal de Pernambuco regulamenta as suas atividades de monitoria dos seus discentes através da Pró-reioria de Assuntos Acadêmicos PROACAD, de acordo com o seu Programa Institucional, a Monitoria é um espaço de aprendizagem, proporcionado aos alunos dos cursos de graduação, visando o aperfeiçoamento do seu processo de formação e a melhoria da qualidade do ensino (EDITAL N° 01/2017 - PROACAD PROGRAMA INSTITU-
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CIONAL DE MONITORIA 2017.1). Cada departamento possui um professor efetivo do quadro que exerce a função de Coordenador de Monitoria. Junto com o professor-orientador regente da disciplina, ele é encarregado de organizar as documentações, procedimentos e prazos relacionados à monitoria. Segundo esta mesma regulamentação da universidade, o aluno monitor tem três atividades principais a realizar: executar o plano de atividades apresentado pelo professor orientador e cumprir uma carga horária semanal de 12 horas, durante a vigência da monitoria; Participar das atividades organizadas pela coordenação de monitoria do Departamento/ Área/Núcleo; Apresentar, no final de cada período de monitoria, relatório final das atividades desenvolvidas para o professor-orientador. (EDITAL N° 01/2017 - PROACAD PROGRAMA-1/ INSTITUCIONAL DE MONITORIA 2017.1). Fluindo entre discência e docência Durante cada monitoria eu pude experimentar atividades diversas das rotinas de um professor universitário. Mesmo com uma grande experiência docente anterior na educação básica, foi possível desenvolver um amplo aprendizado, especialmente nas monitorias de Estágio Curricular em Ensino de Dança. Pude participar de todas as etapas da disciplina: planejamento, metodologia e avaliação. Especialmente junto à Professora Gabriela Santana, em reuniões periódicas, pude desempenhar um papel efetivo na monitoria na qual discutia o andamento do plano de cur-
so, sempre reajustando quando necessário e pensando o planejamento das aulas de forma que me fosse permitido atuar de alguma forma, intervindo, apoiando, sugerindo. Realizamos durante todo o semestre discussões sobre o processo avaliativo dos alunos; auxiliei na logística das atividades em sala de aula, materiais, estratégias metodológicas; prestei auxílio aos estudantes, troca de experiências, saberes, aplicando o que foi adquirido como docente e discente. Este espaço híbrido me proporcionou enxergar o processo de ensino-aprendizagem com dois olhares simultâneos. Pimenta (1999) afirma que num processo de formação inicial de um professor, neste caso um curso de licenciatura, muitos alunos já possuem experiência docente prévia, já ministram aulas e atuam em ambientes escolares diversos. A autora afirma, porém, que é necessário que um estudante graduando, um professor em formação, mude sua perspectiva a partir deste momento. Eles ainda não se “identificam como professores, na medida em que olham o ser professor e a escola do ponto de vista do aluno” (p. 20). Sempre visualizei a arte e a dança sob a ótica de um aluno, a monitoria, principalmente, nas disciplinas de Estágio Curricular, foi para mim, então, o momento da virada: a forma de construir minha “identidade docente” e me enxergar como professor. Tudo começou a ficar claro a partir das orientações com os alunos da turma. Eu conseguia realizar atendimentos individualizados aos alunos com certa frequência de forma 211
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virtual pela internet ou telefone, também de forma presencial, assistindo-os nas demandas por material e orientações para avaliações. Tive a oportunidade de monitorar quatro turmas distintas e elas foram bem receptivas à colaboração da monitoria. Como diria Freire (1996, p.11) “não há docência sem discência”. Ao mesmo tempo em que eu era aluno do curso, era também de certa forma “professor”, numa dinâmica fluida entre estas duas esferas. Foi ficando cada vez mais evidente também a relação indissociável entre teoria e prática que deveria existir em minha atuação pedagógica. Esta era uma discussão predominante nas aulas durante as monitorias de Arte-educação e de estágio curricular. Como o próprio Freire (1996) reiteraria, a teoria poderia virar “bla bla blá” e a prática puro ativismo. Tenho aprendido que um processo de falar, ler e escrever sobre a dança que eu faço, alimenta meu fazer dança, que por sua vez gera argumentos e pensamentos que me fazem voltar à teoria, sempre neste ciclo de retroalimentação. Em cursos de formação de professores, como as licenciaturas, é muito comum que os profissionais em educação caiam na armadilha de criar ilusões. Um destas seria a ilusão do saber-fazer (HOUSSAYE apud PIMENTA, 1999). É claro que os saberes da experiência têm um demasiado valor na prática de um professor, entretanto, muito alunos em formação docente pensam que por saberem fazer já estão aptos ao “fazer-saber”, a ensinar outras pessoas o seu saber-fazer. Pimenta (1999: 26) então,
provoca: “pra que serve seu saber, se ele não instrumentaliza sua prática?” Desta forma, muitas vezes os alunos se mostravam resistentes a atuar no campo de estágio. Aqueles momentos de suporte aos alunos também proporcionaram uma exigência maior para comigo como aluno do curso. Era a disciplina que eu mais me dedicava , pois sentia a necessidade de estar o mais seguro possível para responder os questionamentos da professora e dos alunos. Lia os textos, fazia uma preparação para as aulas – enquanto eu ensinava, eu também pesquisava. Volto às ideias freirianas e repito o mestre: “Não existe ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando” (FREIRE, 1996, p.16). Isso acabou refletindo no meu desempenho geral nas outras disciplinas, melhorando meu rendimento e, por consequência, minhas notas. E nesse meio tempo, foi importante também pensar na minha atuação como docente na escola. Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. (FREIRE, 1996, p.22). Passei a questionar esta minha “identidade docente” já citada anteriormente e hoje tenho repensado questões na minha prática com turmas de Ensino Fundamental, por exemplo, em relação a relacionamento professor-aluno, sobre o desenvolvimento de aulas de dança num espaço formal e sobre a sua “burocratização”, e também se quero ser professor do ensino superior. 212
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Estágio Curricular: formando-me um arte-educador Ter sido monitor destas disciplinas e ter me debruçado sobre processos artístico-docentes foi fundamental para resolver um grande conflito que eu carregava durante a graduação em Dança. Quando comecei o curso em 2014, acabei me distanciado de certas atividades. Atualmente, não tenho feito aulas de dança, fora da universidade, tampouco participado de algum grupo ou companhia. Foi uma opção me afastar para me dedicar à graduação. Durante certo tempo, isto se constituiu como uma angústia em pensar que não estaria ocupando um lugar como artista. Foi no desenvolvimento das monitorias, em especial do Estágio Curricular que tudo começou a ficar mais brando em relação a tal angústia de não me sentir artista. A disciplina proporcionava aos alunos e também a mim obviamente uma reflexão sobre a (desnecessária) dicotomia professor x artista. Marques (2011, p. 67) tem me ajudado a voltar a me sentir artista. Comungo da sua ideia de que o professor pode “também atuar como artista e o artista como professor numa mesma atividade”. Esta interface entre arte e educação proporcionada pelas aulas da disciplina acabaram me levando a pensar sobre minha formação como professor, como bailarino, enfim, como artista-docente. Gostaria que alguém criasse um neologismo que desse conta deste novo significado. Quando converso novamente com Marques (2011, p. 121) e me é dito por ela sobre
“a possibilidade da sala de aula transformar-se em espaço cênico”, tudo passa a ter um novo sentido. Sendo assim, passo a pensar no caráter transdisciplinar que a própria dança já tem por si só, cheia de camadas que se sobrepõe de maneira (mais ou menos) harmônica, em que podem habitar certamente a arte e a educação. Ela descreve ainda outra possibilidade de atuação deste professor/artista de forma que no ambiente escolar. Um trabalho artístico desenvolvido na escola não seja eventualmente educativo, e sim, um trabalho artístico-educativo. O artista-docente passa a ser então uma fonte de conhecimento em/através da arte e não somente uma ponte entre o aluno e o mundo da arte (MARQUES, 2011, p.121). A monitoria me fez perceber que ser um professor e antes de tudo ser pesquisador, especialmente no ensino superior exige esforço, dedicação e acima de tudo muito estudo. Para se tornar pesquisador, um docente “aprendiz de pesquisador” deve aprofundar seus conhecimentos sobre sua área de estudo. Ele deve conhecer, então, o que tem sido produzido na área de interesse de duas pesquisas e, sobretudo, um pesquisador deve ser criterioso para distinguir as pesquisas, de fato, relevantes das “pseudopesquisas”, das “pesquisas de mentirinha” e das “pesquisas de brincadeira” (SAVIANI, 2003, p; 58). Neste momento pude também perceber o estágio como uma oportunidade de pesquisa. Eu pude constatar, entretanto, durante as atividades de monitoria, um grande pro213
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cesso de “burocratização”. Consegui, todavia, dedicar bastante tempo a estes protocolos formais, uma vez que estas disciplinas exigem uma demanda grande de papéis: formulários, modelos de relatório parcial e final, memorial de integralização, carta de apresentação de estagiário, plano de atividades, modelos de inventário, fichas de acompanhamento e avaliação do supervisor. Um grande e exaustivo exercício de preencher e entregar documentos que comprime o espaço de estudo e pesquisa do monitor juntos aos professores orientadores. Esta universidade tem como obrigação pensar o processo de ensino-aprendizagem sempre em três esferas: ensino, pesquisa e extensão. Durante a realização das monitorias, no semestre letivo 2017.1, fiquei responsável em acompanhar a professora Gabriela Santana na concepção, elaboração e execução do evento acadêmico Conversas de Estágio do curso de Licenciatura em Dança. Anualmente o Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da UFPE realiza este seminário permitindo um espaço de partilha entre docentes, discentes e convidados numa tentativa de motivar os alunos para o estágio, bem como utilizar os momentos dos estágios como uma oportunidade de aproximação entre o que é feito, pensado e vivido no ensino superior daquilo que é feito, pensado e vivido na educação básica. Uma experiência agradável e peculiar proporcionada pelas disciplinas de Estágio Curricular em Ensino de Dança foi a possibilidade
de visualizar os processos de ensino aprendizagem sob três pontos de vista distintos. Eu pude cursar como aluno quatro disciplinas de estágio e ser monitor duas vezes. Todavia, foi bastante interessante receber outros alunos do curso em minhas turmas na escola em que trabalho lecionando aulas de dança para alunos de 6o a 9o ano do Ensino Fundamental em uma escola pública municipal da Rede de Ensino de Igarassu-PE. Eu pude receber quatro estagiários e ser supervisor de seus respectivos estágios, em um formato de cooperação para o desenvolvimento das aulas. Muitas vezes nosso exercício docente (de pensar o planejamento, desenvolvimento e resultados das aulas) é bastante solitário. A presença de outros alunos realizando seus estágios de observação e regência permitiu um compartilhamento extremamente rico sobre todo o processo de ensino-aprendizagem. Os alunos e a gestão os receberam muito bem e, aparentemente, houve uma boa integração entre todos. Poder ter alguém com quem partilhar angústias, desenvolver estratégias de aula e elaborar reflexões sobre a minha prática foram as maiores contribuições que os estágios supervisionados me proporcionaram como professor supervisor, como monitor e como aluno. Considerações Finais Depois de finalizado o curso de graduação nesta Licenciatura, posso reiterar a contribuição para minha formação docente que as monitorias proporcionaram. Como a própria 214
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PROACAD sugere, as atividades de monitoria devem “possibilitar o aprofundamento teórico e o desenvolvimento de habilidades de caráter pedagógico do aluno” (EDITAL N° 01/2017 - PROACAD PROGRAMA INSTITUCIONAL DE MONITORIA 2017.1). Após quatro anos na UFPE, sinto-me confortável em dizer que toda a experiência foi reveladora e fascinante. A revelação vem no sentido de que nunca me identifiquei como professor de adultos. Tenho meu maior tempo de docência ministrando aulas para crianças e adolescentes. Consigo perceber um embrião de novas competências no meu fazer docente em relação e este novo tipo de alunado e os desafios maiores de lidar com ele. O fascínio vem pelo próprio caráter híbrido das monitorias que me fizeram zelar pelo aprendizado dos meus “monitorados” como se eu mesmo como aluno estivesse aprendendo, em um exercício de humildade, alteridade e cuidado.
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Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. LDB - Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI No. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. D.O. U. de 23 de dezembro de 1996. MARQUES, Isabel A. Ensino de dança hoje: textos e contextos. 6a ed. São Paulo Cortez, 2011. PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: identidades e saberes na docência. In: ______. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999, p. 15-34. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 36ª ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 2003. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. EDITAL N° 01/2017 - PROACAD PROGRAMA INSTITUCIONAL DE MONITORIA 2017.1. Disponível em: https://www.ufpe.br/ proacad/images/apoio_academico/monitoria/Edital_01_Monitoria_2017.1.pdf
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Transgressão e Experiências em Mediação no Instituto de Arte Contemporânea/IAC Pedro Henrique Barbosa da Silva
O presente artigo tem como finalidade abordar o período da exposição “Eclesiastes”, do artista Walter Alves, que esteve no instituto de Arte Contemporânea/IAC/Recife, na qual, a experiência como mediador foi pré-requisito para a aprovação no componente curricular Estágio 4. Será relatado o processo de montagem da exposição, o conhecimento da temática e suas implicações no campo museológico e escolar. Desta forma, será demonstrado no decorrer deste trabalho, experiências pedagógicas que envolvem o campo da arte-educação. No ano letivo de 2017.2, deu-se início a disciplina de estágio 4 que contempla os espaços museais, galerias e etc. No início da disciplina, nos foi apresentado o cronograma, como também o questionamento de qual espaço realizaríamos o estágio obrigatório. Deste modo, todos fizeram suas escolhas, a qual optei pelo local que trabalho, o Instituto de Arte Contemporânea- IAC. A exposição que foi montada, no Instituto, é de um artista ainda pouco conhecido, com a proposta de algumas telas, que se assemelhavam a quadros abstratos. Inicialmente, três alunos ficariam responsáveis para o período de mediação, mas posteriormente, o qua-
dro de mediadores foi alterado para quatro. Walter Alves e Eclesiastes: um desafio para o público “¹Palavras do Eclesiástes, filho de Davi, rei de Jerusalém. ²Vaidade de vaidades, disse o Eclesiástes; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. ³Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” 10Não há nada de novo debaixo do sol, e ninguém pode dizer: Eis aqui está uma coisa nova...”
O artista Walter José Alves é paulista, nascido na cidade de Santo André/SP, radicado em Recife/PE. Formado em Psicologia, exerce a profissão, além de dividir o tempo com outras atividades em diversos campos, inclusive, nas artes, como autodidata. Ao todo, a exposição possuía treze telas de variadas proporções, com a temática que envolvia diversos aspectos da vida do artista. Trazendo uma gama de matérias, o artista usou desde papeis 100% algodão, tintas acrílicas, pastel seco, até detergente líquido, mostrando sua versatilidade no uso de técnicas e materiais. A exposição Eclesiastes abordou aspectos de sua vida, onde os três elementos água, papel e pigmento, promovem uma experiência
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estética simples e, ao mesmo tempo, árdua. Com isso, o artista procurou trazer uma pesquisa mais aprofundada sobre as propriedades dos materiais e a ampla gama de texturas e técnicas necessárias (Figura 1). Nesse sentido, suas obras são representações do sentido de mundo que carrega. Uma imagem “é uma camada de mundo que se sobrepõe ao “eu” e é absorvida como um elemento do mundo interiorizado em forma de ego”, como ressalta o artista. Walter não se considera artista, se intitulando artesão. Pela minha própria perspectiva, considero-o artista, onde sua sensação de incompletude, até nas obras finalizadas, demonstram o espírito artístico de inquietação. Junto com mais dois mediadores, acompanhei o processo de montagem, escolha das obras, entrevista com o artista e conceito da exposição, onde todos os momentos foram de grande importância para a mediação. Dentre os assuntos discutidos enquanto fazíamos a montagem da exposição, conversamos sobre “o que é arte?”. Muitos foram os pontos expostos e, consequentemente, muitos teóricos foram citados. Sobre a legitimação do que é arte, ou não, Bourdieu descreve bem sobre esse assunto, na qual se familiariza com os pensamentos do criador de Eclesiastes. Evidentemente quando se trata de obras em um museu, é fácil reconhece-las. Por quê? O museu é como uma igreja: é um lugar sagrado, a fronteira entre o sagrado e o profano está demarcada. Expondo um urinol ou uma roda de bicicleta em um museu, Duchamp se satisfez em recordar que uma obra de arte é uma obra que está exposta em um museu. Por
que sabem vocês que é uma obra de arte? Porque está exposta em um museu (BOURDIEU, 2010, p. 27-28).
Desta maneira, a obra trouxe um caráter indagador quanto a sua legitimação. Ela é uma obra tradicional (quadro), que se assemelha a uma pintura abstrata, porém, seu contexto nos conecta a um mundo que transcende todos os conceitos clássicos, evocando-nos uma atmosfera condensada de sensações e impressões.
Figura 1 - INTENSO 2 Pastel seco sobre papel aguado. 25,0x 76,0. 2016.
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Apesar desta afirmativa trazer milhões de questionamentos é importante esclarecer que retrata um ponto de vista muito compartilhado ainda hoje na contemporaneidade, mas que pode servir de impulso para a reflexão e legitimação “do que é arte”. Com a premissa de expurgar seus desejos reprimidos e manifestar, através da arte, seus sentimentos sobre o corpo e valores estéticos, o artista aborda o íntimo, no qual, as palavras não alcançam. Com quadros expressivos e de grande intensidade pictórica, agregando valores sociais, principalmente, ligados ao corpo, expressando sua principal inspiração para criação de suas obras. Em “Eclesiastes” os elementos Pigmento, Água e Papel são utilizados de uma forma diferente, resultando em explosões de cores, que exprimem emoções e sentimentos. No processo, o suporte, papel, é embebido em água com os pigmentos lançados ao acaso, como consequência de manifestação viva de cores. O cenário da arte na contemporaneidade contextualiza um fazer artístico, no qual a vida do artista está presente em sua arte, sendo assim: a importância da obra está expressa não apenas no seu objeto final, mas, sobretudo, no processo. Pulsante e despretensioso, assim, se configura o trabalho de Walter José Alves, situado na dicotomia que há entre o existir simples em um mundo onde “tudo debaixo do sol é vaidade”. O Artesão-Artista, como prefere ser chamado, busca em seu fazer artístico não se
submeter à pretensão “vaidosa” de um resultado esperado e programado, mas mergulha na contemplação do processo que caminha ao inesperado. Assim como acontece muitas vezes na vida, onde não há controle sobre condições e resultados. Se o público não vai ao museu, o museu vai ao público Antes de adentrarmos acerca dos processos de mediação, que ocorreram neste período no IAC, é pertinente trazer uma reflexão a respeito do que seria o “mediar” como ressalta a arte educadora Ana Mae Barbosa, em conjunto com Rejane Galvão Coutinho, em seu livro “Arte Educação como Mediação Cultural e Social”. O conceito de educação como mediação vem sendo construído ao longo dos séculos. Sócrates falava da educação como parturição das ideias. Podemos, por aproximação, dizer que o professor assistia, mediava o parto. Rousseau, John Dewey, Vygotsky e muitos outros atribuíam à natureza, ao sujeito ou ao grupo social o encargo da aprendizagem, funcionando o professor como organizador, estimulador, questionador, aglutinador. O professor mediador é tudo isso (BARBOSA; COUTINHO, 2009, p.13).
A partir desta fala, pode-se entender que o mediador é aquele que “media” um processo entre o indivíduo/grupo, para algo, seja de que natureza for. Com isso, nós mediadores entendemos a importância do nosso trabalho, pois somos como um ponto de luz para aqueles que gostariam de aprofundar seus conhecimentos a respeito de uma obra/artista. 219
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Assim, com a exposição borbulhando, saímos em busca de escolas que gostariam de adentrar no mundo de Walter. Dentre as escolas convidadas, a Escola Municipal Padre Antônio Henrique, foi o início do nosso desafio. Localizada na Rua Viscondessa do Livramento, Derby, tem como o diferencial atender crianças e jovens surdos, com deficiência aditiva, síndrome de down, deficiente físico e deficiente visual. Também atendem as crianças para a Educação Infantil, e do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental, como também, Educação de Jovens e Adultos - (EJA). De alguma forma, sentíamos que seria uma experiência inigualável, e que a troca com esses alunos seria de grande importância. Por incompatibilidade de cronograma letivo das crianças especiais, não foi possível realizar nossas atividades, mas, contrapondo essa situação, a gestora da instituição sugeriu-nos que a mediação fosse aplicada com as crianças da educação infantil. A escola é dividida entre o ensino infantil e fundamental, ambos em prédios distintos, pois devido a experiências negativas, a gestão escolar percebeu que seria melhor para a segurança dos menores esse “distanciamento”. Aceitamos a proposta e a partir deste momento, iniciamos um estudo de como seria possível levar a exposição, ou uma parte dela, para as crianças. A dúvida que pairou por algum momento na elaboração da mediação, era de: como elas conseguiriam compreender o contexto da exposição e o teor das suas obras, já que se tratava de algo tão pessoal e tão profundo? Após
diversas sugestões, chegamos ao consenso de levar a ludicidade que é tão presente no meio infantil. Criamos, então, a história chamada “O menino que não podia usar rosa”, retratando a história do artista, que passou por esta situação na infância, culminando em um dos aspectos envolvidos na elaboração dos trabalhos expostos. Com a construção da história, levando um dos quadros pertencentes a série, no dia 15 de setembro de 2017 demos início a mediação na escola. Ao chegar no local, nos apresentamos e fomos apresentados, trazendo sorrisos e curiosidade no rosto de cada criança presente.
Figura 2 - Realização da atividade na Escola Municipal Padre Antônio Henrique, 2017
Depois de contarmos a história, pedimos que os professores responsáveis de cada turma fizessem grupos entre 3 a 5 alunos (figura 2). Usamos a pedagogia freiriana, pois trouxemos o universo de cada aluno para o contexto da exposição. Com isso, a pedagogia libertado220
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ra foi nosso norteador para conseguirmos um efetivo entendimento. A Pedagogia Libertadora proposta por
Paulo Freire objetiva a transformação da prática social das classes populares. Seu principal intento é conduzir o povo para uma consciência mais clara dos fatos vividos e, para que isso ocorra, trabalham com a alfabetização de adultos. Na metodologia de Paulo Freire, alunos e professores dialogam em condições de igualdade, desafiados por situações-problemas que devem compreender e solucionar. A Pedagogia Libertária, por sua vez, resume-se na importância dada a experiências de autogestão, não-diretividade e autonomia vivenciadas por grupos de alunos e seus professores. Acreditam na independência teórica e metodológica, livres de amarras sociais. (GRINSPUM, 2010, p.33)
Num outro momento, recebemos a Escola Técnica Estadual José Alencar Gomes da Silva, localizada no Janga – Paulista, onde cerca de 100 alunos lotaram os espaços do instituto. Foi uma experiência expressiva, onde os alunos puderam transitar no DEC e tiveram mediação com os mediadores de museologia e de teatro. Muitos foram os questionamentos dos alunos, principalmente, sobre obras que estavam nos expositores, já que retratavam as genitálias femininas e masculinas. O artista foi solícito em todos os momentos, esclarecendo todos que estavam presentes, no que diz respeito a idealização de tais obras. Ao fim da mediação, pedi que tirássemos uma foto (figura 3) no jardim do instituto, registrando esse momento importante de vivência e troca de culturas.
Figura 3 - Parte da turma ensino médio da Escola Técnica Estadual José Alencar Gomes da Silva, ao fim da mediação no IAC.
Após a conclusão desse período na escola e no museu, senti o dever cumprido, como arte-educador. Além de sorrisos no rosto das crianças e jovens, pude observar o olhar de agradecimento por parte dos gestores e educadores. A experiência como arte educador/mediador no IAC, foi algo muito importante para minha formação como docente, além disso, o meu olhar em relação aos espaços artísticos, mudou. Na medida em que fui trabalhando com a montagem e as mediações na exposição, interagindo com o público, com os demais monitores, com o artista e com os alunos das escolas públicas, percebi o quão era importante esse momento de troca de aprendizagens e experiência. Ao fim do estágio, foi imprescindível a presença do artista, assim como as dos demais trabalhadores do IAC, na construção de todo 221
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o processo de trabalho. Walter acreditou em nós, na nossa capacidade, nos confiou suas obras, assim como nos dirigiu a responsabilidade de criar seu texto curatorial. Como estudante de artes e futuro docente, percebi que possibilitar aos alunos um espaço de fala e de escuta, acreditar no que ele pensa/faz, é algo primordial para um trabalho bem-sucedido. Assim, tentei seguir tais preceitos, no momento da mediação no IAC e na escola. Diante disso, acredito que o falar é importante, mas ouvir é necessário, pois “a alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria” (FREIRE, 1996, p. 16).
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Referências BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/Educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009. BOURDIEU, Pierre. El sentido social del gusto: elementos para una sociología de la cultura. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2010. FREIRE, Paulo. A pedagogia da libertação. São Paulo: UNESP, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GRINSPUM, Denise. Educação para o patrimônio: museu de arte e escola, responsabilidade compartilhada na formação de públicos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000.
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Arte e Escola: uma história em quadrinhos Thaik Santos e Jonatas Ferreira
Como toda boa história, o início deve ser interessante, mas, justamente por isso, ele se torna a parte mais difícil. Pensamos seriamente em começar com o clássico “era uma vez”, mas nosso Estágio 2, disciplina obrigatória do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPE, no Ensino Médio, não teve nada de
clássico, nem se tratando da forma de narrar situações. Nós, Thaik Santos e Jonatas Ferreira, sob a orientação da Profa. Maria Betânia e Silva, decidimos levar a linguagem das Histórias em Quadrinhos para a sala de aula de artes de uma escola da rede pública estadual. Essa, em questão, a Escola de Referência em Ensino Médio Diário de Pernambuco, localizada no bairro do Engenho do Meio, bem próxima da universidade, quando não se tem que ir caminhando até ela em baixo do sol de meio dia.
O início disso tudo se dá no projeto em sua mais bela teoria, quando colocamos no papel o que desejávamos trabalhar e como planejaríamos isso. Nosso objetivo era favorecer a construção de uma consciência de que na arte contemporânea as linhagens artísticas, em muitos casos, fogem da obviedade clássica, sendo possível compor uma narrativa visual através dos quadrinhos e fazer desta produção uma obra de afirmação identitária diante da problematização da realidade escolar.
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As horas de observação foram essenciais para fecharmos a ideia do projeto, pois nos deparamos com inúmeros problemas no que se referia ao estímulo dos alunos e credibilidade da escola perante os mesmos. Em nenhuma das turmas a disciplina de artes era ministrada por um profissional com tal formação, pois os professores eram remanejados por critério de afinidade diante da área em questão. Isso nos foi repassado pela coordenadora pedagógica, uma figura entusiasmada com a nossa presença e projeto.
Acolhemos e fomos acolhidos por uma professora de Letras que ministrava as aulas de artes para os primeiros anos B e D. As turmas nitidamente tinham em comum o desinteresse com as aulas e por isso era rotineiro ver alunos cochilando ou com fones de ouvido em meio às aulas. Passamos por esse período de observação tão entediados quanto os alunos, pois as aulas eram nitidamente desnorteadas no que se refere às artes. Muitas horas preenchidas com filmes, que não tinham coerência com os assuntos que a professora tentava relacionar. Foram semanas difíceis, tardes cansativas de terças e quintas e que só nos faziam ansiar pelo momento de reger as aulas.
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Assumimos nossa identidade secreta de professores e nos surpreendemos com o assédio que sofremos de maneira naturalizada por todos na escola, mas que beirava o extremismo. Convites para fumar maconha, por exemplo, foram contornados com respostas irônicas como “E a gente tem cara de que faz isso?”, enquanto as abordagens de cunho sexual nos levavam a rebater com um bom humor munido de seriedade em afirmações. O diálogo foi nosso maior amigo. Buscamos falar de igual para igual a todo o momento, como argumentava Freire (2002, p.116). O diálogo é, portanto, o indispensável caminho, diz Jaspers, não somente nas questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eu mesmo quando os demais também chegam a ser eles mesmos.
As tentativas de intimidação e contestação de autoridade foram sempre contorna-
das com uma metodologia super horizontal. Na prática em si, nosso plano de atividades contemplou, em sete aulas para cada turma, conceitos básicos de composição, incentivo a expressão através do desenho, criação de personagens e narrativa. Todas as aulas deveriam culminar em um trabalho final, a produção de uma história em quadrinhos. A todo o momento incentivamos que tais histórias tivessem relação com o cotidiano deles dentro da escola, expandido a consciência crítica, como explica Freire (2002, p.113): A consciência crítica é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações casuais e circunstanciais. A consciência ingênua (pelo contrário) se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar.
Uma das estratégias que adotamos devido a constatações feitas na observação foi de deslocar o ambiente da aula para outras possibilidades dentro da escola. Sendo assim, 226
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demos aulas na biblioteca, com grandes mesas que direcionavam e favoreciam os trabalhos em equipes, e aulas no laboratório de áudio e vídeo, por ser climatizado e bem mais espaçoso do que a sala de aula e por possibilitar a organização das cadeiras em círculo.
Aula de desenho. Modelo vivo com a professora supervisora.
As duas turmas também apresentaram diferenças. O primeiro ano B foi uma turma mais numerosa e de atenção mais dispersa. Em compensação, na turma D nós tínhamos alguns estudantes que de tão “rebeldes” desequilibravam a turma toda em muitos momentos. Acreditamos que podemos resumir, bem genericamente, que somando as duas turmas, 40% dos estudantes nos levaram a sério. Mas não encaramos essa análise como negativa ou reflexo apenas do nosso desempenho. Isso nos fica claro quando recordamos que em vários momentos ouvimos que “Arte não reprova ninguém!” ou “Se a gente tirar nota baixa a recuperação vai ser pintar um bonequinho ou dançar até o chão!”
Com essas turmas, nós aplicamos 14 horas de regência deste projeto e outras 6 horas dedicadas a dinâmicas que culminavam em conversas e reflexões que não estavam necessariamente ligadas ao trabalho de produção dos quadrinhos, mas ainda assim, todas giravam em torno deles assumirem o lugar de fala de parte essencial da escola e sobre pensarem o que eles podem mudar desta realidade para contribuir com o aprendizado e uma nova postura. Essas atividades foram solicitadas pela coordenadora pedagógica, pois segundo ela, o entusiasmo daqueles estimados 40% já fugia da rotina apática a qual a instituição havia assumido como natural, bem como essas ações davam um novo fôlego ao ambiente. Obviamente isso ocorria através das dinâmicas pertinentes ao nosso domínio na área das artes, mas ainda assim foram 6 horas desafiadoras e fizemos destas complementares ao trabalho que estávamos focando como objetivo geral da nossa atuação e do nosso projeto. Barbosa (2003, p.18) conseguiu definir esta responsabilidade diante desta situação: Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada.
Mas, como nas histórias em quadrinhos nem sempre os finais são felizes, nosso objetivo, o qual tínhamos como sendo o principal método avaliativo, foi sabotado com os problemas em torno do cumprimento de horários 227
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das aulas, algo constatado desde as observações. Enquanto professores da escola, mesmo que estagiários, nos deparamos com esta questão e não nos restou muito que fazer. As aulas planejadas para 50 minutos foram atropeladas e algumas chegaram a ter de fato 20 minutos, devido ao atraso do toque do sinal, a evasão antes do término e a falta de controle da circulação no pátio. Passamos a avaliar o envolvimento nas aulas e dinâmicas e acolhemos as atividades de criação de personagens como principal atividade prática. Sendo assim, aprendemos a nos adaptar. Constatamos que as incoerências administrativas da escola servem de combustível para a aparente rebeldia, que se apresentou de formas criativas em muitos casos.
Exemplar de produção. Registro dos autores.
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Referências BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2003. ____. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
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Organizadores Luciana Borre Professora dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco. Professora no Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPE/UFPB. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da UFG (2014). Mestre em Educação pela PUCRS (2008); especialista em Gestão e Planejamento Escolar pela PUCRS (2006) e graduada em Pedagogia pela UFRGS (2004). Maria Betânia e Silva Dra em Educação pela UFMG. Mestre em Educação pela UFPE. Graduada em Artes Plásticas pela UFPE. Professora da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPE/UFPB. Eduardo Romero Doutor e Mestre em Antropologia Cultural pela UFPE e especialista no Ensino de História da Arte pela UFRPE. Professor Adjunto do Departamento Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco – Centro de Artes e Comunicação. Coordena o Ateliê Experimental de Fotografia do curso de Artes Visuais/CAC/UFPE e o Grupo de Pesquisa Symbolismum - Estudos sobre Imaginário e Complexidade.