Revista Tunel - Edição Especial Pandemia

Ilustração: Luciana Ruiz de Vilhena

Informações

Lixo contaminado Pesquisa analisa percurso de materiais descartados

Tragédia humana Lições de pandemias sobre saúde, sociedade e política

comunicação entre você e a ciência

PÁG.

06

18 26

PÁG.

Vírus expõe fragilidades para a divulgação científica

PÁG.

Infectadas

edição #1 - 2018 volume 4/ nº1/ 2020

0612 Divulgação científica

“Verdadeira infecção é a desinformação”

Luisa Massarani (Fiocruz) é convidada para refletir sobre pontos críticos da pandemia

Destaque

Pandemia: os (des)encontros dos discursos político e científico

22 26 O entrelaçar de vozes sobre a divulgação científica

Ciência e Comunidade

Memória

Dois olhares sobre a pandemia: aversão à velhice e solidariedade

Tragédias mais que sanitárias

Grandes pandemias fazem emergir questões sociais e políticas que precisam ser repensadas

3842 Pesquisas refletem os efeitos da COVID-19

Tecnologia

Pesquisas se apoiam na tecnologia, mas carecem de recursos Falta de investimento é um dos desafios encontrados

Ciência e Comunidade

Para onde esse ônibus vai?

Projetos pesquisam a demanda dos usuários do transporte público na pandemia

16 18 Eu faço Ciência

Máscaras faciais e respiradores: NÓS fazemos

Servidores do CEFET-MG no combate ao novo coronavírus

Ciência e Comunidade

Quanto lixo tem no seu delivery?

Problemas na destinação -

3034 dos resíduos sólidos são ampliados pela pandemia

Tecnologia e Inovação

Ciência em Casa

Netiqueta: a relação professor-aluno como foco

Casa ou escritório? COVID-19 impulsa teletrabalho

As peculiaridades do Ensino a Distância (EaD) e do Ensino Remoto Emergencial (ERE)

Pesquisadores discutem as mudanças dos paradigmas profissionais

4648 Dica do Pesquisador

“Mata 99,9% dos vírus e bactérias”; será?!

Pesquisador alerta para riscos de manipulação de produtos químicos

Descomplicado

Vacina:

Pesquisadoras explicam tipos, etapas de produção, tempo para testagem e importância da imunização

comunicação entre você e a ciência

EXPEDIENTE

Projeto Gráfico Luciana Ruiz de Vilhena

Diretor-Geral Prof. Flávio Antônio dos Santos Vice-Diretora Profa. Maria Celeste Monteiro de Souza Costa Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Conrado de Souza Rodrigues Coordenadora de Divulgação Científica e Tecnológica Sônia Miranda de Oliveira Secretário de Comunicação Social Luiz Eduardo Pacheco Conselho Editorial Conrado de Souza Rodrigues Flávia Pereira Dias Menezes Gilberto Todescato Telini Sônia Miranda de Oliveira Editores-chefes Flávia Dias – MTB 9.167/MG Gilberto Todescato Telini - MTB 18.351/MG Projeto Editorial Flávia Dias

Equipe de Jornalismo André Luiz Silva Andréa Santiago Diogo Tognolo Flávia Dias Gilberto Todescato Telini Nívia Rodrigues Organizadores Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação – DPPG Coordenação de Divulgação Científica e Tecnológica - CGDCT Secretaria de Comunicação Social – SECOM Apoio Fundação de Apoio à Educação e Desenvolvimento Tecnológico – Fundação CEFETMinas Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG Contatos www.periodicos.cefetmg.br dct@dppg.cefetmg.br redacao@cefetmg.br

Diagramação Luciana Ruiz de Vilhena

Av. Amazonas, 5.253 – Nova Suíça – Belo Horizonte/MG CEP: 30421-169 / Tel: (31) 3319-7110 www.cefetmg.br

04

“Infodemia” é adoecimento e também chance de cura para divulgação científica Divulgar ciência sempre foi um grande desafio e a pandemia do novo coronavírus contribuiu apenas para evidenciar esse fato. Há mais de um ano, a Unicef vem alertando: “A verdadeira infecção é a desinformação”, parte de um esforço global para combater discursos antivacinas que preocupam autoridades sanitárias ao redor do mundo. Este ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou o termo “Infodemia”, em referência à velocidade de transmissão de desinformações, informações falsas, mitos e rumores sobre a pandemia. Especulações, notícias falsas sobre curas e as teorias de conspiração sobre o vírus estão concorrendo, nesse cenário, com informações idôneas e corretas sobre a COVID-19.

Em meio ao caos da pandemia, a divulgação científica se tornou urgente, especialmente no combate à desinformação, e evidenciou a importância do relacionamento entre cientistas e meios de comunicação, afinal, tão importante quanto produzir ciência, é divulgá-la, em uma linguagem acessível e nos canais acessados pela população em geral. A informação científica séria e ao alcance das pessoas está na linha de frente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), exemplo de iniciativa de divulgação científica durante a pandemia no país. A entidade, referência nacional em saúde pública, serve como fonte para os veículos de comunicação e produz conteúdo para dialogar diretamente com a sociedade sobre o novo coronavírus. Por esse motivo, a Túnel conversou com a jornalista de ciência e pesquisadora da divulgação científica Luisa Massarani.

Para falar sobre a “Infodemia” e os discursos científicos e políticos que atravessam a expressão durante a pandemia, conversamos com a analista do discurso e professora do CEFET-MG, Giani David Silva. O objetivo é mostrar as barreiras enfrentadas pela divulgação científica no país em função de divergências dos discursos de autoridades políticas e de cientistas, um desencontro que gera ainda mais dúvidas na população sobre o vírus e não contribui em nada para o enfrentamento coletivo dessa crise sanitária sem precedentes.

Não apenas a divulgação científica vem provando ser um antídoto contra o vírus, mas também a atuação contínua das universidades públicas, onde a maior parte das pesquisas são produzidas no país. Na pandemia, os pesquisadores se conectaram ainda mais com a sociedade em busca de soluções para amenizar os estragos provocados pela COVID-19. Por isso, não poderíamos deixar de ressaltar nessa edição especial sobre a pandemia ações contínuas de servidores do CEFET-MG que estão fazendo diferença nesse cenário.

Na seção “Ciência e Comunidade”, privilegiamos os trabalhos sobre os problemas na destinação dos resíduos sólidos, ampliados pela pandemia, especialmente do lixo contaminado; duas pesquisas que refletem sobre a velhice e solidariedade diante da COVID-19; e projetos que tratam da demanda dos usuários do transporte público durante o período de isolamento social.

Na seção “Eu faço ciência”, demos destaque aos servidores que estão produzindo máscaras faciais e respiradores para hospitais públicos. Na seção “Memória”, resgatamos a história e os significados das grandes pandemias atravessadas pelo mundo. Nessa edição, a “Dica do pesquisador” é sobre os riscos na manipulação de produtos químicos que podem combater o coronavírus. Também estamos “Descomplicando” as vacinas, trazendo dados sobre tipos, etapas de produção, tempo para testagens e importância da imunização.

Enfim, esperamos com esse número especial da Túnel trazer reflexões abrangentes sobre a pandemia, período em que a ciência ganhou protagonismo, mas que também trouxe diversos desafios para a divulgação científica, que vão das fake news aos discursos políticos. Queremos também reforçar a importância das instituições produtoras de ciência no país, especialmente a universidade pública, que não tem medido esforços para transformar conhecimento em soluções práticas para melhoria de vida da população durante esse período. Boa leitura!

Flávia Dias e Gilberto Todescato Telini (editores-chefes)

05

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

06

“VERDADEIRA INFECÇÃO É A

DESINFORMAÇÃO”* Pandemia revela urgência da relação entre produtores e divulgadores de ciência; Luisa Massarani (Fiocruz) é convidada da Túnel para refletir sobre pontos críticos e emergentes a respeito do tema

07

Gilberto Todescato Telini Divulgar ciência em tempos de pandemia é, ao mesmo tempo, essencial e desafiador. Se, por um lado, a sociedade demanda informação de qualidade, por outro, jornalistas precisam trabalhar dobrado para produzir conteúdo sério e responsável e desmentir boatos e inverdades.

E o novo coronavírus é apenas mais um dos diversos percalços enfrentados hoje pela ciência, cuja credibilidade vem sendo questionada.

Movimentos antivacina, pessoas que se sentem especialistas com um celular na mão e a velocidade de transmissão de fake news em redes sociais são apenas alguns dos indícios de que a verdadeira infecção é a desinformação, como bem destacou a Unicef em 2019*.

Na outra ponta, jornalistas precisam lidar com a resistência de cientistas, transformar a linguagem técnica em um discurso inteligível à população em geral e adequar os canais de comunicação à divulgação científica; dessa

maneira, os centros de pesquisa estão aprendendo, aos poucos, a apresentar dados para a sociedade.

Na interseção entre o pesquisador e o público, estão os jornalistas de ciência, profissionais que atuam na fronteira do conhecimento, parafraseando o redator de ciência americano Steve Mirsky. São eles que buscam diálogos entre a academia e a sociedade, preservando os limites entre as áreas e ampliando o debate sobre temas de interesse coletivo. Esse é o trabalho da jornalista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Luisa Massarani, que, entre diversos artigos sobre o tema publicados e uma conversa com a Túnel, ajuda a lançar luz sobre um tema atual e urgente para a ciência: divulgação.

O vírus da desinformação O mundo, ou parte dele, aguarda uma imunização eficiente contra o novo coronavírus. Enquanto isso, diversas pessoas em diferentes países relutam em receber doses contra o sarampo, doença que havia sido controlada, mas voltou a

08

crescer rapidamente na Europa e nos Estados Unidos. O Brasil, segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (setembro 2020), enfrenta surto da doença nas suas cinco regiões. Só neste ano, foram notificados 15.492 casos e uma campanha indiscriminada de vacinação de pessoas entre 20 e 49 anos está em vigor desde março, prorrogada diversas vezes pela baixa adesão.

O movimento antivacina é global e levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar que a recusa à vacinação quando ela está disponível é uma das dez maiores ameaças à saúde no mundo.

Para esse mal, apenas a informação pode auxiliar, inclusive pensando em uma futura vacina contra o novo coronavírus. “Os profissionais de divulgação científica têm um papel fundamental em promover uma conscientização da importância da vacinação, especialmente em um contexto de pandemia, no qual já se sinalizam alguns ruídos importantes que podem trazer desinformação e Em artigo recente publicado confusão”, destaca Luisa Massarani. nos Cadernos de Saúde Pública, Luisa Massarani e dois Mídia e Ciência colegas investigaram o debate sobre imunização em redes “Paciente-expert”: esse é o termo empregado por sociais e traçaram possíveis profissionais de saúde a pacientes que se informam razões para o aumento do discurso antivacina. por conta própria. Com um celular na mão, eles se Suposta correlação entre preparações vacinais e sentem instruídos e podem opor resistência às males de causa pouco esclarecida, minimização orientações profissionais. Estudos apontam que da gravidade de doenças infecciosas, defesa das usuários da Internet afirmam saber filtrar liberdades civis e luta contra corporações informações por meio de fontes e da linguagem farmacêuticas estão entre elas.

Luisa Massarani, por Peter Illiciev

09

científica, mas, na prática, a maioria se limita a abrir apenas os primeiros resultados da busca e raramente lembram onde acessaram a suposta informação científica. Esse comportamento também está presente nos estudos de Luisa Massarani.

Aqui, mais uma vez, a informação de qualidade, vinda de fontes confiáveis e divulgada em canais de grande alcance, pode amenizar essa situação.

Para isso, os cientistas precisam estar dispostos a colaborar com os jornalistas. “Os diferentes meios de comunicação de massa são uma das principais fontes de informações sobre temas de ciência e tecnologia para a população em geral.

Além disso, há estudos que mostram que a chamada ‘medialização da ciência’ também beneficia a própria ciência. Em outras palavras, não se trata de cientistas ‘fazerem um favor’ em dar entrevista a jornalistas, mas fazer parte de um processo mais amplo de cultura científica.

Um aspecto relacionado a isto se trata de entender melhor a cultura jornalística. Infelizmente, por um lado, vários meios de comunicação de massa trabalham com um cronograma muito curto. Por outro lado, os jornalistas também precisam fazer a sua parte: fazer perguntas

relevantes e objetivas, que permitam que cientistas respondam de forma mais ágil”, explica Luisa Massarani.

Um mito, inclusive, que ela faz questão de desmentir em coluna para o Observatório da Imprensa, é o de que jornalistas não cobrem temas de ciência ou não há interesse dos veículos sobre o assunto.

Em estudo publicado, a pesquisadora concluiu que os assuntos sobre ciência são temas de matérias de jornais e de TV, mesmo em programas de grande audiência que não possuem editoria especializada no assunto.

Entre jovens e redes sociais O interesse por temas de ciência e tecnologia é maior entre jovens de 15 a 24 anos do que a média brasileira. O assunto, inclusive, desperta mais curiosidade do que esportes e arte nessa faixa etária. Os dados são do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) de 2019.

10

Esses jovens escolhem como fontes confiáveis de informação professores (50%), médicos (37,2%) e universidades e institutos públicos de pesquisa (36,7%). Acessam conteúdos sobre ciência e tecnologia no Google, YouTube, WhatsApp e Facebook, nessa ordem. Curiosamente, os dois últimos são apontados por eles como maiores difusores de notícias falsas.

Crise de credibilidade Em quatro anos (2015-2019), caiu de 54% para 31% a porcentagem de indivíduos que consideram que Ciência e Tecnologia só trazem benefícios para a humanidade. Esse dado é reflexo também de uma realidade global. No mundo, 73% das pessoas desconfiam da ciência.

Os dados são do CGEE e da organização britânica Wellcome Trust, respectivamente.

A pesquisa é do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia

Mas, se por um lado, a guerra contra o conhecimento científico parece vencida, por outro, a pandemia pode acenar para tempos melhores. Pesquisa inédita do IDEA Big Data no Brasil, divulgada em maio deste ano, apontou que 76% dos entrevistados declararam interesse em ouvir opinião, conselhos e especialistas qualificados, como cientistas e pesquisadores.

Ou seja, o grande desafio daqui para frente é manter essa credibilidade provisória, investindo nos pontos tratados aqui: combater as fake news, estreitar a relação jornalista-cientista e investir em novas linguagens e plataformas, principalmente para os jovens leitores, maiores interessados em ciência.

em Comunicação Pública da C i ê n c i a e T e c n o l o g i a (INCT-CPCT), 2019.

Com os dados em mãos, Luisa Massarani vem coordenando o grupo de pesquisa “Divulgação científica no enfrentamento das fake news durante a pandemia da COVID-19: análise e produção de materiais para as mídias sociais”. O objetivo é falar na linguagem e nos canais acessados por esses jovens, enfatizando a produção no YouTube e tomando os cuidados com as redes sociais, “principais fontes de fake news”, aponta a coordenadora do projeto.

Como desmentir boatos 1 – Proporcione a informação científica; 2 – use conteúdos claros e que possam ser compartilhados; 3 – cite fontes independentes e confiáveis; 4 – se existir, ressalte que há consenso científico (e que a ciência evolui); 5 – seja amável, natural e humilde; 6 – crie uma narrativa criativa; 7 – chame a atenção para as falácias; 8 – titule com os fatos (não com a desinformação); 9 – lembre que sua audiência é o público geral (não o negacionista radical).

Fonte: Timothy Caufield (Presidente de Pesquisa em Leis e Políticas de Saúde do Canadá)

11

DESTAQUE

PANDEMIA: OS (DES)ENCONTROS DOS

DISCURSOS POLÍTICO E CIENTÍFICO

O entrelaçar de vozes sobre a divulgação científica; analista do discurso fala sobre a infodemia

12

Flávia Dias A divulgação da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) tem se tornado, cada vez mais, necessária, importante, crucial e urgente em todo o mundo. Com a pandemia da COVID-19, essa necessidade se tornou ainda mais evidente, já que as pessoas precisam conhecer o vírus, as formas de transmissão, as causas e as consequências da doença, as formas de tratamento, enfim, todas as informações relativas ao novo coronavírus. No entanto, é imprescindível que a linguagem utilizada seja acessível, simples e clara, para atingir o público em geral. Nesse sentido, o grande desafio da divulgação científica no Brasil tem sido não apenas informar a população de forma satisfatória sobre o vírus, mas combater a desinformação, em um momento em que até mesmo o Governo Federal, na figura do presidente Jair Bolsonaro, promove ações contrárias às recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e aos estudos científicos sobre a doença.

De certa forma, a pandemia fez a sociedade perceber a importância da produção científica, uma vez que os pesquisadores é que podem encontrar soluções para a doença por meio de estudos que afetam diretamente a vida das pessoas. A partir das descobertas realizadas pelos cientistas, os divulgadores e comunicadores se dedicam a difundir informações sobre vacinas, formas de transmissão do vírus, sintomas, tratamentos, entre outros temas relacionados à COVID-19. Dessa maneira, a divulgação científica

13

é fundamental, já que realiza uma “ponte” entre o conhecimento produzido pelos cientistas e a população em geral, de forma compreensível.

a pesquisadora Giani explica, a mídia jornalística faz com que o discurso científico ecoe para diferentes camadas da sociedade, traduzindo e comentando as descobertas, os avanços e os desafios da ciência. “Mesmo que conheçamos seus limites, o jornalismo pode ser de grande contribuição em momentos de crise, pautando temas importantes e dando voz a autoridades que podem ajudar a esclarecer a população. No entanto, quando ocorre um movimento paralelo de descredibilização da ciência, vemos um efeito em cascata que desemboca na descredibilização do discurso de divulgação científica e do discurso jornalístico. Dessa forma, é importante que a mídia jornalística, ao mesmo tempo em que resista, ‘prove’ a inveracidade daquelas informações que têm por objetivo colocar em dúvida a ciência e desestabilizar ainda mais a sociedade. Sendo assim, em um esforço conjunto e contínuo, pode-se buscar reverter o efeito maléfico das informações pseudocientíficas”, pontua.

A OMS empregou o termo “infodemia” para nomear as informações falsas, mitos e rumores sobre a pandemia. Especulações e notícias incorretas sobre curas e até mesmo teorias da conspiração sobre o vírus estão concorrendo, nesse cenário, com informações idôneas, corretas e necessárias. Diante de tudo isso, quem perde é a população. Para a analista do discurso, professora do CEFET-MG Giani David Silva, pode-se perceber, principalmente pelas redes sociais, a constituição de uma arena discursiva na qual diferentes versões sobre fatos relacionados à pandemia se confrontam, e muitas delas sem nenhum respaldo científico. “Em um momento de crise sanitária mundial, lidar com as falsas informações pode ser tão ou mais grave do que a desinformação.

Essas informações, ao contradizerem ou negarem os estudos Do ponto de vista discursivo, Nesse contexto, temos os epidemiológicos atuais, negacionistas que, em esvaziam o discurso negar consensos históricos, um primeiro momento, científico e o destituem de científicos e sociais é buscar de consideram o coronavírus seu espaço de autoridade. forma retórica estabelecer uma uma fraude, ou seja, transferir as Em curto prazo, corremos controvérsia que não deveria tentam responsabilidades pela o risco de que uma parte existir.” (Giani David Silva) contenção e amenização da da nossa população fique sem referência do valor da ciência, descrente de pandemia para terceiros. De acordo com Giani, o sua importância, e que seja conduzida por discurso negacionista, seja em relação ao ‘achismos’ e crenças, tendo uma avaliação desenvolvimento científico, ou a fatos sociais, distorcida da realidade, logo correndo muito posiciona seus adeptos em um lugar de conforto, mais riscos do que o necessário em um quadro em que não é necessário lidar com o novo, com de pandemia. Em longo prazo, a formação o diferente. Para ela, representa um retrocesso cidadã e educativa da divulgação científica pode às conquistas da sociedade e um grande perigo perder ainda mais espaço e limitar, para muitos, ao ser convocado por forças políticas “Do ponto a compreensão dos fenômenos que nos de vista discursivo, negar consensos históricos, cercam”, explica. científicos e sociais é buscar de forma retórica estabelecer uma controvérsia que não deveria A circulação das informações imprecisas é existir. Argumentos falaciosos, inconsistentes, absorvida muito rapidamente, mudando o buscam captar o outro pelas suas crenças e comportamento das pessoas, que, com isso, valores, e são validados por meio do seu podem se sentir ansiosas, deprimidas, compartilhamento e difusão, gerando um efeito sobrecarregadas e emocionalmente exaustas. de consenso, um novo consenso. Politicamente, Grande responsável pela disseminação das esse fato pode contribuir para que adeptos a informações para o público em geral, a mídia esse discurso cheguem ao poder e transformem possui papel fundamental e concorre com as o que seria apenas uma retórica em políticas notícias falsas e desinformações que circulam públicas que visem diminuir a importância da socialmente, sobretudo nas redes sociais. Como educação e da ciência”, conclui Giani.

14

Como combater a infodemia de COVID-19?

Confie na OMS Identifique as evidências Evite as fake news Apoie a ciência aberta Verifique se a informação realmente faz sentido, mesmo que seja de uma fonte segura e já tenha sido compartilhada Denuncie os rumores prejudiciais Proteja a privacidade Abra os dados (de qualidade) Se você não tem como confirmar a fonte da informação, sua utilidade, ou se já foi compartilhada antes, é melhor não compartilhar Confirme se a informação já foi compartilhada antes por outras pessoas Participe de conversas sociais com responsabilidade Continue a colaborar Compartilhe informações com responsabilidade Confirme a fonte, sobretudo em conversas no WhatsApp Se a informação não for confirmada, é melhor não compartilhar Continue aprendendo *Fonte: OPAS/OMS

Fontes confiáveis sobre a COVID-19: Portal exclusivo da OPAS/OMS sobre a COVID-19 Portal exclusivo da OMS sobre a COVID-19 Orientações e últimas pesquisas sobre a COVID-19 nas Américas (OPAS/OMS) Vitrines do Conhecimento do BIREME/OPAS/OMS sobre a COVID-19

15

*Fonte: OPAS/OMS

MÁSCARAS FACIAIS E RESPIRADORES: NÓS FAZEMOS

Servidores do CEFET-MG produzem máscaras e respiradores para ajudar no combate ao novo coronavírus

16

Flávia Dias

A produção de máscaras faciais começou, em um primeiro momento, para atender a demanda da esposa e amigas enfermeiras que não haviam recebido o Equipamento de Proteção Individual (EPI) e corriam risco de contrair o novo coronavírus em seus trabalhos. “Sinceramente, achava que era uma questão de tempo até que os hospitais recebessem esse tipo de equipamento. Os dias foram passando, e as pessoas começaram a me procurar com a mesma queixa: falta de EPI”, conta Diego Nascimento, engenheiro mecânico da Superintendência de Infraestrutura do CEFET-MG. Pensando em dar suporte para que os profissionais de saúde pudessem trabalhar de forma segura e sabendo da deficiência enfrentada pelo sistema de saúde, os técnicos administrativos Diego Nascimento e Ana Rute Ribeiro desenvolveram o projeto “Produção de máscaras de proteção do tipo face shield e construção de respiradores de baixo custo utilizando impressão 3D”. Percebendo que o problema da falta de máscaras não iria ser solucionado no tempo que precisava, Diego começou a fabricar as máscaras com recursos próprios e a doá-las. Logo, começou a receber ajuda com os materiais necessários para a confecção, sendo que já fabricou em torno de 350 unidades. Sua meta, porém, é produzir mil unidades.

A iniciativa de Diego para ajudar no combate ao novo coronavírus não parou por aí. Ele construiu um respirador de baixo custo utilizando impressão 3D, a partir de modelos disponíveis em plataformas open source (termo utilizado para designar código aberto, código fonte de um software de utilização livre). O respirador tem cerca de 2% do custo de um respirador importado. “Ele poderá atuar no tratamento de casos mais simples da COVID-19, transporte de pacientes, treinamentos e fins didáticos”, destaca.

Com a falta de equipamentos desse tipo, possibilidade de colapso da rede de saúde pública e dependência tecnológica internacional, Diego sentiu que era dever das universidades públicas propor alternativas para a crise. “Dessa forma, eu, que sou fruto de um sistema de ensino público e componho o quadro de servidores de uma instituição de ensino público, resolvi encarar o desafio de desenvolver um equipamento de baixo custo e de código aberto para disponibilizar para comunidade como uma alternativa ao enfrentamento à COVID-19”, pontua.

Assim, o engenheiro começou a pesquisar diversas iniciativas com outros pesquisadores e construíram o primeiro protótipo, que se encontra em fase documental para testes em hospitais.

“Estamos buscando registro em comitê de ética e pesquisa para os testes hospitalares. Os resultados laboratoriais se mostraram promissores”, explica Diego. A meta é produzir três respiradores. A distribuição será feita com base em uma comunidade estabelecida pela rede social WhatsApp, a qual reúne produtores de máscara em Minas Gerais, e também por indicação de profissionais de saúde.

17

CIÊNCIA E COMUNIDADE

18

QUANTO LIXO TEM NO SEU

DELIVERY? Problemas na destinação dos resíduos sólidos são ampliados pela pandemia; projeto do CEFET-MG quer analisar para onde vai o material contaminado jogado no lixo

19

Diogo Tognolo Para parte da população, a pandemia da COVID-19 e as medidas de isolamento social trouxeram grandes mudanças na rotina: ficar mais tempo (ou todo o tempo) em casa, não precisar se deslocar para o trabalho, pedir delivery em vez de ir até um restaurante. Essas mudanças impactam diretamente na produção de lixo: já reparou quantas embalagens descartáveis vêm naquele pedido de hamburger que você fez pelo aplicativo?

Um levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostrou que, no mês de maio, houve um aumento de 28% na coleta de resíduos recicláveis no Brasil.

No geral, a produção de lixo doméstico e a limpeza pública diminuíram 9% no mesmo mês, o que pode ser explicado pela retração econômica (com menos dinheiro, as pessoas consomem menos e produzem menos lixo) ou pelo não deslocamento de trabalhadores para as capitais (ficando em casa, diminui o lixo coletado nos grandes centro urbanos). Mas, dentro de cada residência, houve uma mudança no perfil dos resíduos sólidos que geramos: menos orgânicos e mais embalagens.

Esse não seria um problema tão grande se a coleta seletiva fosse realizada de forma eficaz no Brasil e esses resíduos tivessem destinação adequada. Mas não é o que acontece e, no período de pandemia, ficou

pior ainda. Em Belo Horizonte, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) interrompeu a coleta seletiva porta a porta, para evitar o manuseio dos resíduos durante a triagem do material reciclável.

A pandemia só evidencia problemas maiores na gestão e destinação dos resíduos sólidos no Brasil. Para a professora Gisele Vidal Vimeiro, do Departamento de Ciência e Tecnologia Ambiental do CEFET-MG (campus Nova Suíça – Belo Horizonte), o país enfrenta grandes desafios na área, principalmente na coleta seletiva dos materiais recicláveis, a reinserção desses materiais na cadeia produtiva e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

Quem concorda com ela é o professor Sérgio de Freitas, do Departamento de Engenharia Civil e Meio Ambiente do campus Curvelo. Para ele, o maior problema no país é a gestão de coleta e destinação final. “Dos 5.500 municípios brasileiros, em 3.500 a destinação final dos resíduos é o lixão”, afirma. Ele cita como problemas também o aumento do consumismo e a obsolescência planejada, que geram mais resíduos jogados fora. No contexto da pandemia, Sérgio retoma os dados da Abrelpe, que mostram uma pequena diminuição na quantidade de resíduos sólidos nas grandes cidades, mas um aumento na geração de lixo das famílias.

“Não é só pedir comida por delivery, ao fazer comida em casa e comprar no varejo, também trazemos embalagens

20

para casa que são jogadas no aterro sanitário”, explica.

As soluções para estes problemas são complexas e evidenciam um longo descaso do poder público. Gisele lembra que a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi promulgada há dez anos, pela Lei nº 12.305/2010, mas, apesar de alguns avanços conquistados, muitos de seus princípios e objetivos ainda precisam se tornar realidade. “A lei veio trazer luz ao tema, propondo uma série de elementos, como a hierarquização da gestão dos resíduos (não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos), a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a gestão integrada dos resíduos sólidos”.

Para Sérgio, as soluções passam por uma responsabilidade compartilhada entre os agentes (governo, empresas, catadores e população). Ele afirma ainda a necessidade de novos modelos de gestão pelo governo e a cobrança de uma logística reversa por parte das empresas, em que os resíduos gerados por produtos obsoletos delas tenham que voltar para o fabricante, que dará destinação adequada.

O professor defende ainda a criatividade: “Precisamos de novas formas de pensar os resíduos”. Mas, se serve de alento, ele relata algumas mudanças de hábito, ainda que pequenas e individuais, impulsionadas pela quarentena: a compostagem, criação de

hortas comunitárias e compras a granel. Soluções pequenas, mas que podem ser o caminho para se repensar nossas relações com o consumo e o descarte.

Para onde vai o vírus?

Uma máscara descartável jogada em via pública trouxe uma inquietação para o professor Chan Kou Wha, do campus Nova Suíça: isso poderia representar um risco para os trabalhadores da limpeza?

O que acontece com essa máscara (e com o vírus) depois que ela é descartada? O estalo deu origem ao projeto “A trajetória do material contaminado pelo COVID-19: da educação ambiental aos detalhes geotécnicos do aterro sanitário”, desenvolvido por Chan e outros professores e alunos dos Departamentos de Engenharia de Transportes e de Química do CEFET-MG.

A iniciativa reúne pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento (geotécnica, engenharia sanitária e ambiental, química e microbiologia) e trabalha em várias frentes: divulgação de informações em um perfil no Instagram e em um site, realização de lives sobre sustentabilidade e aterros sanitários, e uma análise de mapas de rotas de coleta de Resíduos Sólidos Domésticos na Região Metropolitana de Belo Horizonte e dados sobre os casos e óbitos por coronavírus.

“Com os mapas e informações, estamos analisando e identificando a trajetória de materiais (contaminados ou não) que são gerados nas residências”, explica o professor.

Uma das preocupações é que esses materiais contaminem os solos e lençóis d’água, ao terem como destinação os aterros sanitários. Para isso, o projeto lança mão da geotecnia ambiental.

Como explica Chan, a geotecnia é uma área da Engenharia Civil que trata os solos e as rochas como materiais de construção, tendo sido observados os cuidados ambientais. “Podemos citar diversas obras geotécnicas, como barragens, túneis, estradas, fundações e aterros sanitários”, enumera. São nos aterros que está o foco do projeto, espaço de grandes problemas para o meio ambiente. “Os aterros sanitários são empreendimentos que possuem características de barreiras para proteger o subsolo e água subterrânea, além disso tratam da coleta de gases, drenagem de chorume e lixiviados”, afirma o professor. “Portanto, são estruturas importantes que podem contribuir para a proteção das áreas onde os resíduos são dispostos”. Entre os objetivos do projeto está a avaliação de um aterro sanitário na cidade de Sabará (MG), a fim de ver se as condições geotécnicas do local são adequadas para prevenir a contaminação do lençol d’água.

Geração de resíduos sólidos no Brasil 2010 – 71 milhões de toneladas

10% aumento

2018 – 79 milhões de toneladas Destinação inadequada (lixões e aterros)

29,5 milhões, de 79 milhões de toneladas (37%) em 3.500 dos 5.500 municípios brasileiros (63%) Fonte: Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe)

21

DOIS OLHARES SOBRE A PANDEMIA: AVERSÃO À VELHICE E

SOLIDARIEDADE

Pesquisas refletem os efeitos da COVID-19 para os velhos e a ampliação do termo solidariedade e suas formas de manifestações

22

Flávia Dias O Brasil possui mais de 28 milhões de pessoas acima de 65 anos, número que representa 13% da população do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população dessa faixa etária, até então invisibilizada, virou o centro das atenções com a pandemia do novo coronavírus.

Isso porque são essas pessoas as mais vulneráveis ao contágio da COVID-19, o que tem gerado uma discussão sobre o lugar do velho na sociedade. “Uma dura sentença de morte?”

Esse é o viés das pesquisas realizadas pela professora do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas do CEFET-MG Raquel Barreto, que estuda a velhice na contemporaneidade. “A pandemia trouxe à tona um lado perverso dessa questão, na medida em que esses sujeitos, ao serem os representantes mais significativos do grupo de risco, passaram a sofrer com manifestações de preconceito e violência simbólica. Por isso, falar de uma sentença de uma morte nos pareceu tão adequado”, explica. A motivação para tratar esse tema surgiu da necessidade de se manter a discussão viva, já que o envelhecimento é uma realidade que pertence a todos. “A negação da velhice – tão presente na nossa sociedade contemporânea – nos impede de pensar no que realmente esses sujeitos representam, como, por exemplo, seu lugar de história e memória social”, afirma.

A pesquisadora adota o termo “velho” em detrimento de “idoso” porque, para ela, a palavra “idoso” “é uma forma politicamente correta (ou mesmo higiênica) de falarmos sobre os nossos velhos. A velhice, como parte

23

inerente da vida, infelizmente é significada por nós como algo ruim do que queremos nos afastar. Sofremos com os padrões de beleza e jovialidade frequentemente divulgados nas mais diversas mídias: alimente-se bem, pratique exercícios, viaje muito, faça procedimentos estéticos...

Nossa, é exaustivo só de pensar! São regras para afastar a indesejada velhice”, detalha Raquel.

Diante desse contexto, os estudos da pesquisadora abordam o atendimento médico na pandemia, algo que nem todos podem ter acesso, sobretudo os velhos. Raquel destaca alguns casos noticiados pela mídia, como, por exemplo, a falta de respiradores para os acometidos pela doença na Itália, quando se privilegiou os mais jovens, ou a quantidade de casas de repouso e asilos em todo mundo onde muitos moradores perderam a vida após contraírem o vírus.

“Idoso é uma forma politicamente correta (ou mesmo higiênica) de falarmos sobre os nossos velhos. A velhice, como parte inerente da vida, infelizmente é significada por nós como algo ruim do que queremos nos afastar” (Raquel Barreto) Acesse o artigo completo "COVID-19: Uma dura sentença de morte":

(Res)significando a solidariedade, movimento além da pandemia Além das mortes ocasionadas pela pandemia, o Brasil se viu envolvido em uma crise econômica sem precedentes, já que comércios foram obrigados a fechar as portas, o que aumentou o desemprego... Diante dessa situação, mobilizações de pessoas e entidades surgiram no intuito de ajudar por meio da solidariedade.

Nesse sentido, surge a pesquisa da professora do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas do CEFET-MG Lilian Bambirra, que objetiva ampliar o olhar sobre a questão. “Esse termo [solidariedade] vem sendo muito utilizado e tratado de forma recorrente pela mídia. Observamos, no entanto, que a ênfase recai sobre as doações em dinheiro e aspectos mais óbvios”, ressalta.

24

A pesquisadora trouxe um olhar mais micro sobre a solidariedade, sendo que a ideia é mostrar que a iniciativa pode e deve ser realizada todos os dias, independente da pandemia. “Essa sim reflete a empatia e, menos óbvia para alguns, pode ser despertada”, reflete Lilian. Dessa forma, a pesquisadora utiliza o termo “ressignificação” para ampliar a forma de entender e despertar a sociedade para uma prática solidária focada no micro. “Demonstrar que, muitas vezes, a ajuda que podemos ofertar está bem perto, às vezes dentro das nossas próprias casas, com familiares, amigos, professores, alunos. Quantas vezes pessoas próximas a nós estão precisando de nossa solidariedade e sequer sabemos ou prestamos atenção?”, pontua Lilian.

Para a pesquisadora, a solidariedade pode e deve existir para além do midiático; nesse sentido, ressignificar a solidariedade passa por realizar ações solidárias que não são e não serão notícia, mas que são fundamentais para uma sociedade mais humana. “Acredito que algumas ações vão continuar e espero que as pessoas estejam mais conscientes de que a solidariedade não precisa da pandemia para existir. Para aqueles que acharem que a solidariedade acaba com a pandemia, precisam encontrar outro nome para a prática de suas ações. Isso porque a solidariedade da qual falamos deve acontecer sempre, diariamente, e o seu verdadeiro despertar não é causa e nem consequência da pandemia, mas sim um princípio que seria a forma em que os sujeitos, ligados por uma intersubjetividade, praticam a cooperação com o princípio de preservarem a liberdade, a integridade física e o respeito pela vida”, conclui.

“A solidariedade deve acontecer sempre, diariamente, e o seu verdadeiro despertar não é causa e nem consequência da pandemia, mas sim um princípio que seria a forma em que os sujeitos, ligados por uma intersubjetividade, praticam a cooperação com o princípio de preservarem a liberdade, a integridade física e o respeito pela vida” (Lilian Bambirra) Acesse o artigo completo “(Re)significação da solidariedade em tempos de confinamento: Algumas reflexões”.

25

TRAGÉDIAS MAIS QUE

SANITÁRIAS As grandes pandemias exigem uma reorganização de práticas

e protocolos de saúde e, ao mesmo tempo, fazem emergir questões sociais e políticas que precisam ser repensadas Nívia Rodrigues 1348: início da Peste Negra na Europa, que dizimou, segundo estimativas, um quarto da população europeia à época. 1918: Gripe Espanhola, que matou 50 milhões de pessoas em todo o mundo. 2020: COVID-19, que atingiu em setembro um milhão de mortos. Esses três episódios marcam a humanidade, mas e agora? Como sociedade, estamos no caminho certo frente à pandemia? O que há de comum entre essas tragédias? O que aprendemos com isso?

As dúvidas são muitas e entre as certezas, uma se destaca: a abrangência de uma pandemia extrapola o campo da saúde. A maneira complexa com que a sociedade age varia conforme o tempo e o espaço, promovendo diferentes leituras, ações e respostas ao longo da história. “Depende do grau de coesão comunitária, de legitimidade de quem estava à frente do processo, da correlação com outros fatores (guerras, acesso a alimentos etc.) e, claro, há um aspecto não humano nessa questão: a doença. Se há algo em comum que possa ser dito, é que tragédias sanitárias dificilmente ficam limitadas aos aspectos médicos ou higiênicos; são eventos sociais e, como tais, tornam-se tragédias políticas, econômicas, culturais”, explica o professor do Departamento de História do CEFET-MG James William Goodwin Junior.

26

IP

9

LA E

27

NE

GR

ES

PA N

HO

TE

GR

8:

A

2 0 2 0: C OVID-1

191

13

: 8 4

S E P

Se em alguns contextos a sociedade pode fortalecer os processos científicos de observação, pesquisa e explicação de calamidades sanitárias, pode também enfraquecer estruturas de saúde e o trabalho dos cientistas que identificam formas de redução de contágio e de cura. No segundo caso, a resposta social vem cercada de estereótipos e legitimação de preconceitos. Só para citar alguns exemplos, durante a Gripe Espanhola de 1918, foram difundidas poções milagrosas; desde 1962, mesmo após a extinção da internação compulsória, perdura o isolamento social imposto aos portadores de hanseníase; no início da década de 80, as informações distorcidas sobre a Aids reforçaram o preconceito contra homossexuais; em 2020, o uso político do termo “vírus chinês”, em associação à COVID-19, contribuiu para espalhar preconceito contra os nascidos e descendentes daquele país.

Segundo o professor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia do CEFET-MG Bráulio Chaves, o negacionismo é muito presente na ciência moderna. “No caso atual, é um fenômeno anterior à pandemia, que tem elos políticos nítidos com a onda conservadora que se observa no Brasil e em escala global e inclui a ascensão de movimentos políticos de extrema-direita, inflados pelas redes sociais digitais”, avalia. O professor explica que, em saúde pública, os posicionamentos dos governos são fundamentais, pois balizam a agenda de atuação em grande escala. São campanhas, estruturas de saúde, monitoramento dos dados, planejamento e execução de ações de redução dos impactos, ações sociais específicas que contribuem para o entendimento, tanto do papel individual, como do todo durante a pandemia.

Curiosidades sobre doenças e curas ao longo da história:*

Na Grécia Clássica, o doente poderia escolher se seria tratado por prática mágico-religiosa ou pela medicina. Caso escolhesse o sacerdote, deitava e aguardava a cura pelo método de incubação em um espaço específico do templo (ábaton). Se a escolha fosse por médico, os discípulos de Hipócrates liam as marcas no corpo e na alma deixadas a partir da experiência vivida pela pessoa e receitavam uma dieta.

O uso da água ao longo da história reflete a desigualdade social no acesso a esse bem natural. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA) são 35 milhões de pessoas no Brasil sem água tratada. O País tem 86% de casas com acesso a rede de abastecimento, mas as perdas (que chegam a 37%) e as crises hídricas privam ainda mais a população de acesso ao bem.

28

E, diante de guerras ideológicas e da desinformação, os grupos mais fragilizados são os que mais sofrem. A estrutura social e econômica amplia as desigualdades em situações de crise, inclusive por atingir de forma mais violenta as populações periféricas e resvalando, por exemplo, na precarização do trabalho. Como cobrar daqueles que têm acesso restrito a água, lavar as mãos frequentemente e por, pelo menos, 20 segundos?

“Hoje, estudiosos(as) tratam as condições de vida de imensas parcelas da população desprovidas de água limpa e sistema de esgoto, como uma ‘crise sanitária’; porém, isso não gera o mesmo tipo de resposta, a mesma concentração de esforços que doenças extraordinárias”, compara James.

Nesse sentido, é importante olhar o passado e fazer diferentes projeções para o presente e para o futuro. “Esses acontecimentos trazem diversas experiências. É fundamental perceber os recortes da COVID-19, que ela não segue no Brasil um percurso democrático, como alguns poderiam cogitar no começo. É importante ver a pandemia não como a origem, mas como fenômeno social que potencializa mazelas que precisam ser superadas na sociedade brasileira”, finaliza Bráulio.

Legislações publicadas em 1707 orientavam agentes religiosos, médicos, cirurgiões, barbeiros e boticários. Nas Minas Gerais do Brasil Colônia, os atendimentos de saúde eram feitos por médicos formados e profissionais práticos e esses documentos determinavam que, aos domingos, não poderiam curar ferida, lançar ventosa ou fazer o cabelo antes da missa.

O 2° Barão do Lavradio identificou 40 epidemias no Rio de Janeiro entre os anos de 1830 a 1870. Febre amarela e cólera-morbo foram as que mais fizeram vítimas. Aparecem também doenças “catarraes” e “moléstias do aparelho cérebro-espinhal”. Em vários momentos, o tráfico de seres humanos foi apontado como causa das epidemias. “...os africanos importados, vindo propagar estas moléstias no seio das famílias para cujo serviço eram comprados", escreveu.

Durante a escravidão, as condições desumanas de trabalho, alimentação e higiene reduziam a expectativa de vida da população negra escravizada, que sofria com as feridas e com enfermidades, como anemia, diarreia e doenças respiratórias.

Os que mais sofriam com as epidemias eram os escravizados, os pobres e os indigentes. * Fonte: livro: Na saúde e na doença: história, crises e epidemias - Reflexões da História Econômica na época da COVID-19

29

30

NETIQUETA: A RELAÇÃO

PROFESSOR-ALUNO COMO FOCO

As peculiaridades do Ensino a Distância (EaD) e do Ensino Remoto Emergencial (ERE) levantam questões sobre a transmissão do conteúdo didático e sobre o convívio em ambiente diferente do convencional

Nívia Rodrigues A pandemia chegou e com ela inseguranças e incertezas quanto àquilo que nós tínhamos de mais seguro. Na Educação não foi diferente. Há mais de 200 anos, o modelo de ensino tradicional seguia o que conhecemos hoje ou, pelo menos, o que conhecíamos de forma dominante antes da chegada do novo coronavírus: aulas presenciais e salas organizadas com alunos em filas paralelas mesmo com o ensino a distância (EaD) sendo a modalidade que mais crescia antes da COVID-19, segundo dados do censo realizado em 2019 pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).

Embora tenha aproximações com a EaD, como o uso das tecnologias digitais, o Ensino Remoto Emergencial (ERE)

adotado pelo CEFET-MG e por outras instituições foi criado para preencher a lacuna deixada pelo isolamento social. O ERE trabalha na perspectiva da relação professor-estudante tendo a tecnologia como meio, não como fim. Algo que agrega didaticamente, mas não substitui o professor, a experiência, o convívio e o desenvolvimento coletivo. “Em se tratando de concepções de educação, não se pode perder de vista a perspectiva da formação integral e integrada em contexto presencial”, avalia a professora do Departamento de Educação do CEFET-MG, Maria Adélia da Costa.

Nesse novo cenário, a exclusão digital, devido às barreiras econômicas e de acessibilidade para pessoas com deficiência (PcD), é apontada

31

como um dos principais desafios a serem superados.

Somando-se a isso, o Grupo de Pesquisa em Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVACEFET-MG), em 2017, levantou as dificuldades enfrentadas nos cursos técnicos a distância ofertados pelo CEFET-MG, o que dá uma amostra do que também pode afligir os participantes do ensino emergencial em 2020. Para os estudantes, falta de adaptação à metodologia e de tempo para estudar e participar do curso, acúmulo de trabalho e de atividades propostas pelos docentes; para os professores, falta de domínio das tecnologias digitais e de uma formação para lecionar na modalidade a distância.

Angústias e medos podem tomar conta em situações

adversas e novas como esta e, para superá-los, o respeito mútuo é um importante requisito. “Quando a comunicação acontece em um ambiente virtual, o cuidado em como se expressar fica maior do que nos encontros presenciais, para que todos entendam perfeitamente o que foi dito, com objetividade e clareza. Os professores precisam manter a empatia e usar da comunicação não violenta, respeitosa e profissional”, enumera a professora do Departamento de Educação e líder do grupo AVACEFET-MG, Márcia Grossi. Ela destaca ainda orientações sobre propriedade intelectual, direitos autorais e direito de imagem, tanto de estudantes, como dos professores. “O que precisamos é de bom senso, empatia e respeito ao outro sempre”, completa.

Para Adélia, deixar os estudantes confortáveis, definir regras e estratégias, fazer um contrato pedagógico e, claro, manter uma boa conversa são caminhos para se manter a boa convivência no ambiente virtual. Para os alunos, é preciso estimulá-los a processos de autoavaliação, compreendendo a importância e a responsabilidade da aprendizagem ativa.

inserção das tecnologias digitais nos cursos presenciais.

No CEFET-MG, mais especificamente, com os professores se habituando ao ensino on-line, o futuro aponta para um currículo integrado na Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio (EPTNM), proporcionando o desenvolvimento de projetos interdisciplinares em todos os campi.

Ensinamentos

Márcia complementa que o CEFET-MG já oferta três cursos a distância há mais de dez anos e, atualmente, com dez polos, o que mostra uma tendência de crescimento na oferta de vagas para cursos ofertados a distância, além da incorporação das tecnologias digitais aos poucos nas rotinas das práticas pedagógicas.

“A pandemia deixará muitos aprendizados – bons e ruins.

Mas, talvez, uma das boas lições que possamos registrar seja a interferência nos projetos de futuro da educação”, vislumbra Maria Adélia. Para a professora, um caminho sem volta após a pandemia é a

Entenda: Ensino a Distância e Ensino Remoto Emergencial Legislação: EaD - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/96, art. 80)

ERE - não é regulamentado por Lei por ser uma medida emergencial

Dinâmica de ensino: EaD: mediação entre o professor e o aluno feita por um tutor

ERE: professor é o único responsável pela aprendizagem do aluno

Público: EaD: organizada para alunos adultos que tenham autonomia e disciplina

ERE: mais abrangente quanto ao público

Ensino:

ERE: mescla atividades síncronas (professores e alunos conectados em tempo real), assíncronas (professor “deposita” o material no ambiente virtual) e assíncronas interativas (material é “depositado” em plataformas específicas)

EaD: material é “depositado” em ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e disponibilizado conforme cronograma

32

Boas práticas no ERE “O uso de plataformas específicas tem possibilitado muita interação com os alunos. Criei subgrupos no Microsoft Teams*, passei as atividades e fui conversando individualmente. Com o Jamboard*, eles puderam colocar as discussões das aulas no quadro e visualizar o conteúdo. Essas ferramentas nos aproximam dos alunos porque, estando em uma chamada única, ficamos sem noção se eles estão acompanhando e entendendo o conteúdo. A dinâmica foi interessante para que eu compreendesse a sala e como estou chegando até eles.” * Microsoft Teams integração de chat, chamada de vídeo, compartilhamento e arquivo de dados e Jambord, quadro a ser preenchido de forma colaborativa Ana Cecília Estevão – professora do Departamento de Engenharia Civil e Meio Ambiente (campus Curvelo)

“Em uma das experiências, os alunos do curso técnico em Química foram desafiados a elaborar um procedimento operacional padrão (POP) em que, normalmente, descreveriam uma técnica básica executada dentro do laboratório. No ERE, foram desafiados a preparar um café em casa e descrever, com detalhes e rigor técnico, o procedimento cotidiano de extração e filtração. A proposta busca explorar os recursos domésticos para desenvolver habilidades técnicas da área de Química, mesmo longe dos laboratórios”.

Janice Rocha – professora do Departamento de Química (BH)

33

CIÊNCIA EM CASA

34

CASA

OU ESCRITร RIO? COVID-19 IMPULSIONA TELETRABALHO NO BRASIL Pesquisadores do CEFET-MG discutem as mudanรงas dos paradigmas profissionais decorrentes do trabalho remoto

35

Andréa Santiago Desde março de 2020, o novo coronavírus (COVID-19) “obrigou” uma migração para o regime remoto de trabalho (home office ou teletrabalho) em todo o mundo. No Brasil, conforme dados do estudo “O teletrabalho no setor público e privado na pandemia: potencial versus evolução e desagregação do efetivo”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em junho, 24,7% dos trabalhadores do setor público e 8% do setor privado atuaram a partir de suas residências.

Na análise do psicólogo e professor Admardo Gomes Júnior, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (DCSA) do CEFET-MG, a experiência para o trabalhador pode ser positiva ou negativa, a depender dos recursos materiais e imateriais que ele possua para vivenciá-la. “É absolutamente diferente a vivência de um(a) trabalhador(a) que precisa dividir com seus familiares poucos metros quadrados em casa, computador, mesa, etc., de um(a) outro(a) que desfruta de um ambiente de trabalho exclusivo para si, com tudo que precisa para realizar seu serviço”, explica.

Os recursos simbólicos e emocionais também são relevantes.

Conforme o pesquisador, para algumas pessoas, ficar em casa pode significar paz e felicidade de estar mais tempo junto aos seus; para outros, o isolamento pode significar

solidão, estresse prejuízos.

e

outros

Questões de gênero também “entram nessa conta”. Segundo dados de 2018 do IBGE, antes da pandemia, em média, mulheres gastavam o dobro de horas semanais que homens em atividades com dependentes e a casa, 21,3 horas para elas e 10,9 horas para eles. Uma diferença que foi ampliada com a pandemia, conforme ressalta a professora e pesquisadora no Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (DCSA) do CEFET-MG, Ludmila de Vasconcelos Machado Guimarães.

Mulheres com situação econômica privilegiada, por exemplo, dispensaram suas auxiliares e acumularam as tarefas domésticas e os cuidados com filhos e as atividades laborais. O que não mudou foi a cobrança em manter a produtividade, mas agora sem o apoio de creches, escolas e outros suportes. Mediante o entrave, a alternativa encontrada por muitas pesquisadoras tem sido trabalhar nas madrugadas.

Apesar dos esforços, dados divulgados pela Revista de Ensinos Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mostram que, no segundo trimestre de 2020, apenas 28% dos artigos submetidos foram produzidos por mulheres.

A situação, ressalta a professora Ludmila de Vasconcelos, é ainda pior para as mulheres vulneráveis socialmente e que seguiram trabalhando presencialmente. Ao retornarem às

36

Acesse o texto “Pandemia reduz submissões de artigos acadêmicos assinados por mulheres”, por Márcia Rangel Cândido e Luiz Augusto Campos.

suas casas, muitas vezes sem apoio masculino, precisam encontrar tempo para cuidarem dos filhos, já que agora eles não estão indo para as escolas ou creches.

Como manter a saúde mental trabalhando remotamente?

Diante de um cenário com tantos desafios, quais cuidados o trabalhador remoto precisa adotar para se manter saudável? A professora Ludmila de Vasconcelos reforça que, antes de apontar “caminhos”, é preciso ponderar questões como as condições de moradia do trabalhador, sua personalidade, contexto de vida etc.

Entretanto, considerando um cenário privilegiado, seguir algumas recomendações podem auxiliá-lo, como, por exemplo, ter uma rotina de sono, alimentação e descanso.

Também é fundamental que ele reserve um tempo para se afastar das atividades laborais, tomar sol e realizar atividades físicas. Adotando esses cuidados, quando possível, o colaborador pode evitar problemas decorrentes do isolamento, como estresse e ansiedade.

O Governo Federal também demonstra interesse. No dia 31 de julho deste ano, publicou a Instrução Normativa nº 65, que trata sobre trabalho remoto na Administração Federal, com implementação facultativa aos órgãos e entidades. A economia de recursos foi uma das motivações. No mês de agosto, por exemplo, o Ministério da Economia divulgou que houve uma economia de R$ 466,4 milhões entre abril e junho com o novo regime de trabalho.

Na análise do professor Admardo Gomes, antes de pensarmos em futuro para o trabalho remoto no pós-pandemia, é fundamental reconhecer que vários são os desafios enfrentados pelo Brasil na atualidade, em aspectos culturais, tecnológicos, educacionais e políticos. “A ‘dobradinha’ neoliberalismo e teletrabalho pode ser a ‘pá de terra’ final sobre o trabalho com a mínima qualidade.

Temos que ter em mente que o teletrabalho em si não é nem bom, nem é ruim. O que será bom ou ruim é o uso que se fará dele”, analisou o professor.

Mundo pós-pandemia: vamos continuar em casa?

E quando o isolamento deixar de ser necessário? No âmbito público, os indicativos são de que essa modalidade de trabalho veio para ficar, como no caso da Prefeitura de São Paulo, que instituiu de maneira permanente a prática do teletrabalho.

37

TECNOLOGIA

Print enviado pelo professor do Programa desenvolvido por professores do CEFET-MG que permite a visualização da estrutura 3D de uma proteína

PESQUISAS

SE APOIAM NA TECNOLOGIA, MAS CARECEM DE RECURSOS 38

Falta de investimento é um dos desafios encontrados pelos pesquisadores brasileiros na busca por soluções de combate à COVID-19 Andréa Santiago

Em todo o mundo, a tecnologia têm sido uma importante aliada dos cientistas no combate à pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19). Uma pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em junho de 2020, a partir de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostra que, no Brasil, foram realizados 845 ensaios clínicos sobre medicamentos relacionados à COVID-19. Os estudos sobre prevenção e outros tratamentos também são consideráveis, 663 no total, incluindo pesquisas sobre ventilação pulmonar e plasma de pessoas curadas.

Uma dedicação que traz resultados, como o que foi alcançado por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a startup Nanox Intelligent Materials, eles criaram um tecido capaz de eliminar o novo coronavírus da superfície em apenas dois minutos.

No CEFET-MG, o uso da tecnologia também tem sido aliado em muitas das pesquisas e projetos de extensão, como a pesquisa de mapeamento das mutações do novo coronavírus, conduzida pelo professor Wedson Gomes Júnior, doutor em Biotecnologia, e o estudante do curso Técnico em Informática Guilherme Carvalho, do campus Varginha.

Em outra investigação, sob a coordenação do professor Herbert Raush, pesquisadores do campus Varginha usam a computação para identificar os medicamentos já existentes para tratamento de outras doenças, mas que possuem potencial para amenizar os efeitos da infecção pelo novo coronavírus.

Respostas sobre potenciais fármacos também são buscadas pelos pesquisadores do Departamento de Informática, Gestão e Design do campus Divinópolis, em parceria com a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Com uso da

39

computação, são analisados mais de 13,5 mil compostos, entre medicamentos já aprovados e disponíveis no mercado e medicamentos ainda em fase de testes, para identificar quais são mais propensos a agir no tratamento da COVID-19.

A utilização da tecnologia no desenvolvimento de fármacos, explica o coordenador da pesquisa, professor Eduardo Habib, contribui para a diminuição do tempo e o custo de todo o processo. “A triagem virtual demonstra como possíveis medicamentos se ligam a alvos de interesse farmacológico antes mesmo de sua síntese.

Dessa forma, apenas as moléculas mais promissoras passam por ensaios biológicos e, se houver sucesso nessa etapa, prosseguem para as próximas etapas”, detalha o pesquisador.

Desafios Apesar de todo o empenho, os dados trazidos pelo Ipea em relação a investimentos do Governo Federal na área de tecnologia não são animadores, em especial se comparados aos de outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, em 2020, investiram nesta área U$ 6,1 bilhões de dólares, o equivalente a 4,1% do orçamento federal. Em contrapartida, no Brasil, o aporte foi R$ 0,47 bilhões de reais, o que corresponde a 1,8% do nosso orçamento.

Ainda segundo o Ipea, no Brasil, ao contrário de Reino Unido, Canadá e Alemanha, não há um grupo científico de assessoramento ao governo, além da inexistência de um mecanismo de aprovação rápida de projetos de pesquisa e inovação relacionados à COVID-19.

Os reflexos dessas limitações podem ser percebidos por quem atua na área de pesquisa. “No começo da pandemia, vimos pesquisadores que estavam fazendo o sequenciamento do coronavírus e perderam a bolsa”, cita o professor Eduardo Habib.

40

Outro desafio citado pelo pesquisador é o custo de licença dos softwares utilizados na triagem virtual. Segundo ele, as empresas que produzem esses programas chegam a cobrar mais de R$30 mil por ano pela utilização em um único computador; um custo fora da realidade da maior parte das universidades brasileiras. “Existem softwares gratuitos, mas não são fáceis de utilizar e não realizam todo o processo, sendo necessário utilizar vários softwares combinados. Como esse processo é feito de forma manual, ele é propenso a erros”, explica.

Investimentos em Ciência e Tecnologia No site do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), uma das principais iniciativas no combate à pandemia citada pelo órgão é a “RedeVírus MCTI”, um comitê que integra especialistas, representantes de governo, agências de fomento do Ministério e universidades com o objetivo de traçar estratégias de enfrentamento à pandemia e a outros temas, como Inteligência Artificial e Internet das Coisas.

Em relação aos investimentos feitos nessa Rede, conforme uma matéria publicada no dia 19 de maio, a pasta destinou R$ 20 milhões para iniciativas como desenvolvimento de kits de diagnóstico, vacinas e tecnologias para seleção de medicamentos.

Em outra matéria, também publicada no dia 19 de maio, os investimentos feitos pelo MCTIC são os seguintes: R$ 100 milhões no enfrentamento da COVID-19, uma chamada pública na área da saúde no valor de R$ 50 milhões e sete encomendas tecnológicas no valor total de R$ 50 milhões, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública do MCTIC. Acesse a página da “RedeVírus MCTI” :

41

42

PARA ONDE ESSE

ÔNIBUS VAI?

Projetos do Departamento de Engenharia de Transportes pesquisam a demanda dos usuários do transporte público na pandemia e procuram soluções para as tarifas

43

Diogo Tognolo Desde março, pesquisadores do Departamento de Engenharia de Transportes do CEFET-MG (DET) estão investigando a situação do transporte público frente à pandemia da COVID-19: o que mudou no comportamento dos usuários e como as políticas públicas podem ser pensadas no futuro para suprir as perdas ocasionadas pelo período de isolamento social?

As análises fazem parte de dois projetos desenvolvidos na Instituição. No primeiro deles, “Mensuração do isolamento social do COVID-19 a partir de modelos de demanda de transporte”, coordenado pelo professor André Guerra, o objetivo é entender a adesão às medidas de isolamento a partir de dados da demanda dos usuários do transporte público. As pessoas estão usando menos o ônibus? Os deslocamentos são menores em outros horários? O que mudou na rotina?

Para chegar a essas respostas, os pesquisadores

utilizaram dados dos sistemas de bilhetagem eletrônica e rastreamento da frota disponibilizados pela Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) e pelo Consórcio Operacional do Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus do Município de Belo Horizonte (Transfácil).

O resultado mais imediato observado foi a grande queda da demanda logo no início do período de isolamento social: houve uma taxa de decréscimo média de 12% ao dia entre os dias 11 e 26 de março. Neste último dia, cerca de 240 mil passageiros circularam nos ônibus, menos de 25% da demanda normal. Ao longo do tempo, no entanto, gradativamente a demanda tem voltado a subir, evidenciando, segundo o professor Renato Ribeiro, um relaxamento do isolamento social. “As pessoas estão voltando a viver a cidade”, afirma. O professor destaca, no entanto, que mesmo com a reabertura dos serviços na cidade de Belo Horizonte, a demanda não voltou integralmente.

Os estudos também evidenciaram a relação entre diferentes públicos com o transporte coletivo. Pela metodologia utilizada, os pesquisadores conseguiram estratificar os diferentes tipos de usuário a partir do tipo de cartão que eles usam (como os idosos, as pessoas com deficiência e os trabalhadores de empresas que fornecem vale-transporte), algo inédito em pesquisas brasileiras sobre o atual momento. Pelos dados, eles observaram que o grupo que mais reduziu as viagens foram os idosos. “Eles estão saindo menos e em horários diferentes do habitual – já era comum que estes

44

usuários evitassem o horário de pico, mas agora estão reduzindo o espaço de tempo de viagem: saindo mais tarde e voltando mais cedo”, explica Renato.

No geral, os comportamentos de todos os usuários mudaram drasticamente com a pandemia. Os números de viagens que as pessoas fazem por dia diminuíram e os tipos de deslocamentos modificaram. “Não temos comparação disso com qualquer outro momento histórico para traçar novas diretrizes para o transporte público”, afirma o professor. “As pesquisas anteriores não conseguem mais explicar os deslocamentos urbanos”. Antes, estimava-se que cerca de 70% dos deslocamentos eram por motivos obrigatórios, como trabalho e escola. Os 30% de deslocamentos eventuais passaram a ter mais peso no dia-a-dia do transporte público e planejar as linhas e frequências tornou-se mais complexo.

Pensar no gerenciamento do transporte público e nas políticas públicas para auxiliá-lo é objetivo de outro projeto desenvolvido no DET: “Estudo dos impactos das políticas de isolamento social na receita do Transporte Público e elaboração de propostas para mitigá-los”. Renato Ribeiro afirma que, diferente de outros países, em

muitas cidades brasileiras, quem custeia o serviço de transporte é a tarifa. Se a demanda cai, como está acontecendo na pandemia, a receita diminui e as empresas poderão adotar duas saídas: aumento da tarifa ou redução na qualidade do serviço. Ao final da pesquisa, os professores querem propor novas políticas públicas para gestão do transporte.

De início, os pesquisadores pensam na necessidade de novas formas de remuneração do serviço e um pacto com a sociedade: “Tornar a gestão mais transparente, compartilhando dados e informações com o usuário do serviço”. Renato cita ainda a necessidade de melhorar a produtividade do transporte coletivo criando, por exemplo, mais corredores exclusivos.

“Após a pandemia, muita coisa pode mudar na forma de encarar a gestão do transporte público”, afirma Renato. “A primeira posição que a gente tem que repensar é na forma de custeio desse serviço: precisamos de uma tarifa mais barata para o usuário”. Pelos impactos econômicos da pandemia, um aumento na tarifa pode impulsionar a exclusão social. “Não ter como se deslocar pela cidade agrava a exclusão”.

45

DICA DO

PESQUISADOR

“MATA 99,9% DOS VÍRUS E BACTÉRIAS”;

SERÁ?!

Mais que marketing e eficiência na limpeza, pesquisador alerta para riscos de manipulação de produtos químicos

46

André Luiz Silva Antes do início da pandemia causada pelo novo coronavírus, a decisão para comprar um produto de limpeza, de higiene, ou para lavar roupas, passava pelo preço (é claro!), rendimento e eficiência do produto. Na dúvida, era pegar uma caixa de sabão em pó, por exemplo, e ler suas promessas fáceis: “com oxigênio ativo”, “poder das enzimas”, “com amaciante encapsulado”, “com bicarbonato de sódio” e por aí vai...

Até ficarmos convencidos (ou seduzidos) por suas qualidades.

Fato é que com a disseminação da COVID-19 mundo afora e, consequentemente, a necessidade de redobrar a atenção com higiene e limpeza, as marcas, cada vez mais, têm explorado e enfatizado a ação de seus produtos no combate a vírus e bactérias.

Em junho, por exemplo, a Tixan-Ypê redesenhou as embalagens do seu sabão em

pó, colocando nelas uma ilustração que se assemelhava à figura do vírus da SARS-CoV-2, que transmite o novo coronavírus. Embora o novo rótulo não mencionasse a COVID-19, nele dizia que o produto era efetivo na quebra da capa de gordura do vírus, o que foi motivo para o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) pedir a suspensão do novo rótulo, após processo instaurado pela Univeler, fabricante do Omo. Mais que rótulos, slogans e frases de efeito, Carlos Henrique Zacchi, doutor em Química, explica que há muitos produtos eficazes no combate ao coronavírus (álcool, sabão, água sanitária, alvejante, limpador multiuso com cloro etc.), mas a diferença está na finalidade e no local onde o produto pode ser usado, por exemplo, para limpeza de ambientes, maçanetas, pisos, higiene das mãos.

O especialista, que é professor nos cursos técnicos e na

graduação do campus Nova Suíça (BH) do CEFET-MG, ressalta os cuidados no manuseio de certos produtos e faz um alerta: “Nunca se deve misturar diferentes tipos de produtos com o intuito de ‘potencializar a eficiência’, pois isso pode gerar gases tóxicos para o manipulador, provocando irritações e intoxicação; é muito importante ainda manusear esses produtos em locais abertos e arejados”.

Outra dica do professor é sempre seguir as recomendações de uso do produto. “A água sanitária é feita a partir da diluição do hipoclorito de sódio (NaClO), essa solução da forma que é vendida não deve ser usada diretamente na higienização”, explica. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deve-se diluir duas colheres e meia de sopa de água sanitária em 1 litro de água, para um uso seguro e satisfatório.

Diferenças entre produtos de limpeza doméstica

Limpador:

limpa a superfície, mas não têm ação comprovada no combate a bactérias, vírus e fungos.

Sanitizante: reduz os microrganismos “a níveis seguros”, segundo o Ministério da Saúde.

Desinfetante: Elimina todos os microrganismos patogênicos.

* Tanto os sanitizantes, quanto os desinfetantes têm que obter registro da Anvisa.

Como sei se um produto é regular?

Uma primeira maneira é acessar a seção “Consulte produtos” no site da Anvisa. Outra forma é ler se o rótulo do produto contém número de registro, nome e CNPJ da fabricante, autorização de funcionamento na Anvisa, endereço, orientações de uso e cuidados.

47

DESCOMPLICADO

48

VACINA: VÁRIAS ANÁLISES CIENTÍFICAS USADAS PARA INDUZIR NEUTRALIZAÇÃO DE AGENTES CAUSADOS DE DOENÇAS

Enquanto o mundo aguarda imunizante contra novo coronavírus, Túnel esclarece com pesquisadoras etapas para produção de vacinas, tempo de duração dos testes, tipos e importância da vacinação Gilberto Todescato Telini Por que está demorando tanto a vacina contra o novo coronavírus? Por que a Rússia já está vacinando a população e o resto do mundo não?

Por que devo me vacinar? As dúvidas sobre esse produto científico têm ficado mais frequentes, afinal ele pode ser a única alternativa para a superação da grave crise sanitária enfrentada pelo mundo. A Túnel conversou sobre o assunto com as pesquisadoras Marianna Martins Drumond (Departamento de Ciências Biológicas do CEFET-MG) e Pamela Mancha-Agresti (professora titular da FAMINAS-BH).

O que acontece com o organismo quando ele recebe a dose de uma vacina?

A vacina contém informação do organismo que é

o causador da doença. Essa informação é reconhecida pelas células do sistema imunológico de quem recebe a vacina (hospedeiro). As células do hospedeiro entendem que aquela informação não é própria do organismo, que é algo externo, e precisam “protegê-lo.” Essa proteção se baseia na produção de anticorpos específicos contra aquela “informação”. Existem células que literalmente se lembram daquela “informação” e, toda vez que têm contato com ela, já sabem o que fazer para proteger o organismo, garantindo que a pessoa não desenvolva a doença. Isso é o que chamamos de resposta imune e, nesse caso, ela é altamente específica, ou seja, aquele anticorpo só atua contra aquela informação específica, se for uma informação um pouquinho diferente, já não serve e aí o organismo tem que fazer todo o

49

processo novamente (da produção de anticorpos e diferenciação das células de memória).

Quanto tempo, em média, leva entre o início das pesquisas e a aplicação em massa das doses de uma nova vacina?

Depende muito, em média, leva uma década do início à última fase (IV). Com o desenvolvimento de novas ferramentas tecnológicas, o prazo tem sido reduzido. É importante observar toda a parte burocrática da produção de uma nova vacina, as questões de registro (que, no Brasil, são feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa) e de produção. Depois da vacina “pronta”, ela precisa ser produzida em larga escala e, normalmente, quem faz isso são grandes empresas, geralmente farmacêuticas. Este processo, de “passar” a informação científica para a produção em larga escala (transferência), dependendo do caso, pode levar anos. A vacina contra a Caxumba, a mais rápida a ser desenvolvida e distribuída, levou quatro anos! Já a vacina contra a malária (que ainda está na fase de pesquisa) está sendo desenvolvida há mais de 100 anos!

Quais são os riscos de uma vacina que não cumpra todas as etapas de desenvolvimento? É praticamente impossível que uma vacina seja distribuída sem que apresente os resultados de todas as fases experimentais previstas (pelo menos no Brasil), até porque ela precisa ser registrada nos órgãos reguladores e, para isso, apresentar os resultados de validação do seu uso. O que gera controvérsia é que alguns países possuem uma legislação diferente e que permite a utilização de vacinas sem o cumprimento de todas as etapas (como é o caso da Rússia).

Além disso, todas as vacinas são monitoradas por um longo período. Durante o monitoramento, o que pode acontecer é um resultado não satisfatório de determinada vacina, gerando, por exemplo, efeitos colaterais de longo prazo ou em grupos específicos de pacientes.

Nesse caso, ela pode ser retirada do mercado ou substituída por outra mais promissora. Mas isso não quer dizer que essa vacina não tenha

passado por todas as etapas e fases previstas.

Agora, digamos que, hipoteticamente, uma vacina não passou por todas as fases que deveria. Os “efeitos” podem ser desde uma ineficácia até reações adversas graves, como agravamento de doenças pré-existentes e desenvolvimento de novas, por exemplo.

Quem realiza a fiscalização das vacinas?

Todas as vacinas são fiscalizadas, aqui no Brasil, pela Anvisa, mas é importante deixar claro que cada país apresenta seu órgão regulador. Vamos citar os casos específicos de vacinas contra Sars-CoV-2 que estão sendo testadas no Brasil.

Uma produzida pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e outra pela China, ambas com formulações diferentes. As instituições envolvidas enviam amostras para o país e os parceiros nacionais (Fiocruz e Instituto Butantã, respectivamente) fazem todos os testes internamente, com o intuito de garantir a segurança, eficácia e eficiência em estudo. Tudo isso sob a regulação da Anvisa. Ou seja, o processo é totalmente monitorado e fiscalizado em todas as etapas e níveis. É importante lembrar que todos os voluntários envolvidos nesses testes clínicos são obrigatoriamente monitorados por um prazo mínimo de um ano após receberem a vacina, de maneira que se possa avaliar sua ação, tanto do ponto de vista dos benefícios e eficácia, quanto dos possíveis efeitos colaterais que poderiam acometer a população testada.

Qual a importância, para o indivíduo e para a sociedade, da vacinação?

Para o indivíduo, a importância está em garantir que o seu organismo esteja preparado para se defender quando entrar em contato com o agente causador de determinada doença. Para a sociedade, quanto maior o número de indivíduos protegidos, por meio da vacinação, menor a disseminação do agente causador da doença, consequentemente, menos pessoas infectadas.

Isso ocorre porque as pessoas vacinadas, protegidas contra esse agente, funcionam como uma barreira de proteção e, dessa forma, pessoas que não tiveram condições de se vacinar têm menos chances de se contagiar. Assim, a sociedade como um todo é beneficiada.

50

51

Da esquerda para a direita, Marianna Martins Drumond (CEFET-MG) e Pamela Mancha-Agresti ( FAMINAS-BH).

Etapas para a fabricação de uma vacina Pesquisa do alvo vacinal: Estudo do material genético do organismo causador da doença, por meio de ferramentas computacionais (Bioinformática).

Objetivo: Avaliar se a “parte” do organismo analisado pode ser candidata à vacina.

Fase 0 (zero) ou ensaios pré-clínicos: Envolve testes in vitro (cultura de células) e in vivo com diferentes grupos animais, de camundongos a coelhos e chimpanzés (primatas não humanos).

Fase I ou testes clínicos : Realizados em humanos, residentes em áreas não endêmicas (sem surto da doença), que não tiveram contato com agente causador da doença.

Objetivo: segurança da vacina – produção de resposta imune (anticorpos) em uma população sem riscos.

Fase II ou “desafio”: Testes em pessoas não imunes (IIa) e pessoas vacinadas (IIb). Voluntários entram em contato com agente causador da doença e são monitorados em laboratório.

Objetivo: imunogenicidade da vacina (capacidade de proteção do indivíduo).

Fase III : Testes em número maior de voluntários, mas ainda pequeno, de diferentes áreas endêmicas (com grande circulação do vírus causador da doença), focando nos grupos de risco.

Objetivo: Eficácia da vacina.

Fase IV: Testes em comunidades inteiras.

Objetivo: eficácia, segurança, tolerabilidade (se causa efeitos colaterais e quais são), aceitação e estratégias de vacinação.

52

Tipos de vacina Vacina de organismo atenuado : formada por um organismo vivo (geralmente um vírus) “enfraquecido” em laboratório e incapaz de causar a doença. Exemplos: Febre amarela, Sarampo e Tuberculose.

Vacina de organismo morto (inativado): o organismo causador da doença é morto ou inativado pela ação do calor ou de produtos químicos. A vantagem desse tipo de vacina é que ela pode ser administrada em pessoas com pouca imunidade (pacientes em tratamento contra o câncer, por exemplo) e em crianças. Exemplo: Hepatite A, Raiva e Gripe.

Vacinas toxoides (acelulares): não envolvem organismos propriamente ditos, mas substâncias produzidas por um tipo de bactérias (Gram-positivas) que geram exotoxinas. Essas substâncias são recuperadas e inativadas em laboratório e, quando administradas, fornecem resposta imunológica.

Exemplos: Tétano e Difteria.

Vacinas com proteínas recombinantes : neste tipo, como é o caso da vacina contra a Hepatite B, estudos mostraram que existe uma proteína na superfície do micro-organismo, que é reconhecida pelas células do hospedeiro. Por meio das técnicas de manipulação do DNA, o gene (que é a parte que contém a informação dessa proteína, lá no DNA) é “copiado” e colocado em outro organismo (uma levedura, que é um tipo de fungo, por exemplo) e essa levedura produz a proteína que será reconhecida pelo hospedeiro (a pessoa que tomar a vacina).

Vacinas de DNA: assim como as vacinas de proteínas recombinantes, também são baseadas nas técnicas do DNA. A grande diferença entre as duas é que, enquanto na vacina de proteínas recombinantes outro micro-organismo é utilizado pra produzir a “unidade” de interesse (por exemplo, a levedura), na vacina de DNA, quem produz essa proteína é o próprio hospedeiro, ou seja, as próprias células da pessoa que recebeu a vacina serão responsáveis por produzir a “informação” que será reconhecida pelos mecanismos de defesa do organismo.

Ainda não há vacinas desse tipo aprovadas para uso em humanos, mas já há algumas para uso animal.

53