Raiz transeunte

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SEMC/LAB2021 Projeto contemplado pelo Edital Nº 04/2021 Seleção de Propostas de Projetos Culturais Destinados a atender a Lei Aldir Blanc.


RAIZ TRANSEUNTE



Prefácio de Cristian Lopes


www.facebook.com/Arrebol-Coletivo arrebolcoletivo@gmail.com (67) 99824-3409 e 98449-4898

Coordenação Editorial FERNANDA EBLING LUCIANO SERAFIM ROSANA ZANELATTO SANTOS WELLINGTON FURTADO RAMOS Desenhos de capa e miolo Projeto gráfico LUCIANO SERAFIM Impressão e acabamento ARREBOL COLETIVO

Serafim, Luciano Raiz transeunte / Luciano Serafim. — 2a ed. — Dourados: Arrebol Coletivo, 2013. ISBN 978-85-69560-01-2 1. Poesia brasileira I. Lopes, Cristian II. Título. CDD-869.91 Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia: Literatura brasileira 869.91


Para celebrar o encontro com Fernanda Ebling, Marielle Duarte, Patrick Vieira de Sousa e Renata Medeiros; o reencontro com Cristina Andrade e Devydd Teixeira, e a permanência fortalecida com Deborah Migueis Martins, raízes sempre.



Sumário Prefácio ........................................................................ 09 Cristian Lopes RAIZ TRANSEUNTE medos ............................................................................ 13 sombra .......................................................................... 14 Filosofia de almanaque .............................................. 15 efeito .............................................................................. 16 viver .............................................................................. 17 esses grilos ..................................................................... 18 Correria ........................................................................ 19 Bucólica ........................................................................ 20 escapuliu ...................................................................... 21 Biscoito recheado ........................................................ 22 Descompassos ............................................................ 23 punhado de sal ............................................................ 24 ai, quem me dera ........................................................ 25 raiz transeunte ............................................................. 26 AMOR? Ó AS IDEIA... ¿Amor!! ......................................................................... 31 tava de boa .................................................................. 32 o amor tudo pode ........................................................ 33 há poemas .................................................................... 34 Inveja ............................................................................ 34


minh’alma chafurda ................................................... 36 almejo ............................................................................ 37 olhe ................................................................................ 38 obturações escuras ....................................................... 39 teus silêncios ................................................................. 40 Ciúme ........................................................................... 41 Salamê minguê ............................................................ 42 Primordial ..................................................................... 43 Disputa ......................................................................... 44 linguajar ....................................................................... 45 libélulas ........................................................................ 46 afagos nos orifícios ...................................................... 47 Pirofagia ....................................................................... 48 quem há de nos julgar e punir? .................................. 49 Conselho de vó ............................................................ 50 mão na bunda ............................................................. 51 Carne tenra .................................................................. 52 curvas no Mundaú ...................................................... 53 Dialeto .......................................................................... 56 nossas culpas todas tolas ............................................ 57 Amor ............................................................................. 58 desarvorado ................................................................. 59 o que é, o que é? .......................................................... 60 por um fio ..................................................................... 61 jaz o amor .................................................................... 62 morrer de amor ........................................................... 63 Luciano Serafim .................................................................... 65 Catálogo Arrebol Coletivo ................................................... 67


Prefácio Cristian Lopes* Ainda que criemos raízes, todos somos transeuntes – ou deveríamos ser. Com um título provocativo, que imediatamente nos desperta a curiosidade para o que pode ser fixo, permanente e, simultaneamente, passageiro, transitório, Luciano Serafim, mais que poeta, um pensador das alteridades e dos contrastes, nos oferece um diálogo com a ausência, um retrato do efêmero, sem, com isto, perder o seu lirismo característico. Por meio de uma linguagem formal-coloquial, tem-se como resultado versos híbridos, cujos motes vêm ao encontro de sentimentos próprios do ser humano, a saber: a paixão, o medo, o amor, a inveja, a vida, etc., propiciandonos, (des)pretensiosamente, reflexões existenciais que nos movem na busca do desconhecido. Trata-se, portanto, de uma poesia capaz de nos transportar para a essência do provisório, para o centro da liquidez do nosso tempo. Raiz transeunte revela-se um título e uma obra abissal e, paradoxalmente, prazerosa de ler. Um livro potente por transgredir o que está posto, estabelecido, seja pelo seu conteúdo que aponta para o “entre” (dois seres, duas situações), para a fronteira, tomando esta como espaço de passagens, de expectativas, onde algo se reelabora e se refaz, seja pela

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sua forma de produção, edição e publicação de modo independente. Estou a falar de uma obra cheia de significados, realizada com mestria, que designa, demonstra, representa, interpela, suplica, insinua e ressoa silenciosamente ao leitor contemporâneo que anseia pelo diferente, pelo heterogêneo, pelo excêntrico: “mais rio / menos lago / mais canto / menos grito / mais gente / menos mito”. Como não se identificar? Não creio enganar-me dizendo que o leitor moderno será, em alguma medida, provocado por estes versos, pois, como disse, todos somos transeuntes. * Especialista em Estudos Literários (UEMS) e Mestrando em Literatura e Práticas Culturais (UFGD).

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RAIZ TRANSEUNTE



medo do mundo medo de si medo do mundo em si medo de si no mundo medo mudo medo de se...

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uma sombra me assombra — sobra ou soma de mim?

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ser mais pássaro menos pedra mais ponte menos muro mais rio menos lago mais canto menos grito mais gente menos mito

FILOSOFIA DE ALMANAQUE

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rarefeito ar o que é feito de nós não surte efeito no círculo polar

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descobrir a esta altura que viver é como empinar pipas: tem-se a linha nas mãos, mas não se pode controlar os ventos

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esses grilos que aí estão azucrinando seus ouvidinhos todos acabarão no bico de um passarinho

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sonhou que se perdera nas ruas do bairro e ao acordar viu: estava passando GENTE a pé, de carro, moto, bicicleta uma procissão passaram cavalo boi cachorro passando como num filme lagarta passeando na árvore passarinhos (pra onde?) a chuva passou os dias passados tudo escorrendo nesta tela pela janela passava a VIDA pulsando CORRERIA

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à tarde, passeando pela praça, sentiu que algo despencou no seu ombro pensou que fosse a constelação de Andrômeda mas era apenas bosta de passarinho

BUCÓLICA

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bem-te-vi mal me viu

escapuliu

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morrer de raiva renascer de riso

BISCOITO RECHEADO

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meus passos não alcançam minha pressa as preces não expressam minhas crenças

DESCOMPASSOS

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à beira do precipício à margem dos escrúpulos qualquer semelhança não é mera coincidência meu sangue é impuro fel ¿ meu suor avinagrado desagrada-te as narinas? t’aqui, ó: um punhado de sal nos seus olhos pra temperar sua vidinha vil!

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tanto ai quem me dera que nem sei, viu

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tremulam na tarde a saber dos ventos teus cabelos são folhas sois árvore de sementes pré-históricas raiz transeunte

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AMOR? ó as ideia...



quem quiser ser salvo pelo amor arrisque-se de peito aberto num tiroteio; dizem: o amor é bala perdida em céu de boca à boca de uma noite no verão e quem não teme as turbulências do amor salte dum avião; asseguram: o amor é paraquedas rasgado sob nuvens tempestuosas, tempestuoso ele próprio — correspondido ou não

¿ AMOR !!

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tava de boa na vida — o meu amor me chifrou

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tenta-se sobreviver e se descobre borboleta em tempestade formiga na enxurrada o amor tudo pode o amor fode tudo

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há poemas enfeitados com flores e desafetos jantares regados a licores e insetos casamentos baseados em rancores e fetos

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teu sorriso me fere como uma mordida

INVEJA

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sempre que teus olhos chovem minh’alma chafurda

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canto por nossas almas ermas enfermas almejo te alvejar com balas 3-oitão te sepultar sob salvas de canhão te olvidar como a bolhas de sabão

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não se olhe no espelho olhe nos meus olhos

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o amor se achega como um cachorro serelepe abanando o rabinho lambendo ganindo mordendo queria arrancá-lo da minha vida como quem extrai um dente cariado latejam gengivas mucosas seca o pus a dentística restaura tudo com porcelana só o amor deixa obturações escuras

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teus silêncios me aviltam mais que um grito me agridem mais que um soco um escarro

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tua língua passeia por outro céu outros lábios outras glandes fela outros idiomas

CIÚME

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chegar ao céu no fim da amarelinha após livrar-se das pedradas pelo caminho nunca experimentei pera uva maçã teus lábios conheço bem o gosto do fel no girar da cirandinha todo cisne vira pato feio

SALAMÊ MINGUÊ

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todos os seres sabem mentir e devorar

PRIMORDIAL

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— Eu também sei magoar!

DISPUTA

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linguajar beijar de língua morder as feridas xingar

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teus dedos: libélulas na minha pele

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teve beijos tapas mordidas lambidas cuspidas choro riso griiiiiiiiiiiiiiitooooooooo geeeeeeeemiiiiiido medo fogos de artifício afagos nos orifícios

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há palavras e pessoas que são doses de gasolina cuspidas no fogo: nos incendeiam para sempre

PIROFAGIA

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quisera eu permanecer à deriva ao largo das tuas ilhas imune às tuas pestes a salvo das intempéries com que atiças as víboras aos nossos calcanhares quem há de nos julgar e punir? quando?

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como tudo na vida, pro amor é dar que passa

CONSELHO DE VÓ

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o amor é uma mão na bunda nos momentos mais inesperados assusta mas deixa a alma massageada

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antes de ele descer do carro na esquina do Love Story ao lhe entregar a nota de vintão percebeu: o guri tinha olhos de bezerro em abatedouro

CARNE TENRA

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curvas no Mundaú lavamos roupas mas não limpamos a alma “cadê tua caçolinha, Auxiliadora?” “ficou na barranca embaixo do pé de ingá” “e o teu cabaço?” “jangadeiro arrombou” “ai, tu me mata de vergonha”

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“pega Severino pra esfolar capar e jogar pras piranha comer” pela ponte passa carreta com cana caminhonete carro de boi boiada embaixo, escorrem peixes jangadas sabão em pó água sanitária cadáver baleado da ponte salta molecada “cadê Zezim?” rachou a cabeça no lajedo

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a inocência? a cheia levou enfeitadinha de baronesas pra nunca mais valei meu Padim Ciço nossa senhora Iemanjá

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quisera eu subverter as tuas sintaxes ¿ mas como, se ainda nem desvendei teu idioma! melhor me acovardar: não dar ouvidos aos teus alardes não dar alardes aos teus ouvidos falar como quem cala calar como quem fala

DIALETO

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a lua farta de poetas e profetas inspira punhetas de moleques ajoelhados perante suas bermudas arriadas oremos por suas seivas, bálsamo para nossas culpas todas tolas

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a palmada que inflama a teimosia o tabefe que acende a lascívia o murro que incita à desforra

AMOR

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quando você for um desses ventos que revolvem folhas de árvores e livros e der de cara com minhas portas e páginas abertas entre sem parcimônias sem cerimônias mesmo que ao partir me deixe desarvorado livre

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o tubarão que te devora uma perna na primeira tarde do verão o que é, o que é? quando se esvai te deixa mais dilacerado que andorinha engolida por turbina de avião

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tua voz no outro lado da linha convoca meu sangue a correr mais rápido e me dá calafrios como se a vida estivesse sempre em ponta de pica por um fio

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entre a dispersão da poeira e a comunhão da lama jaz o amor em coma

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bora morrer de amores porque hoje a vida tá foda

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Luciano Serafim Nasceu em Maceió (AL), no dia 2 de maio de 1977. Viveu até a adolescência entre Fleixeiras e Messias, zona da mata alagoana. Mora em Dourados (MS) desde 1994, onde cursou Letras pela Universidade Federal da Grande Dourados. Integrante do Grupo Literário Arandu; colaborou com diversos jornais e revistas. Além deste Raiz transeunte (2013), publicou também os livros Eu, entre nós (poemas, 2002), Outro dia a gente sai (contos, 2003), Mordendo as lábias (poemas, 2006), Curumim de aslfalto (infanto-juvenil, 2008) e Sururu com Coca-Cola (poemas, 2016). Escreve, muito esporadicamente, o blog: www.mordendoaslabias.wordpress.com

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SEMC/LAB2021 Projeto contemplado pelo Edital Nº 04/2021 Seleção de Propostas de Projetos Culturais Destinados a atender a Lei Aldir Blanc.



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