EDUCAÇÃO SEXUAL I - Virgindade VIRGINDADE O que passa pela cabeça de muitos garotos que ficam falando para a namorada “prova que me ama!” ou “assim vou ter que procurar outra menina!” Esse é um comportamento que, desde cedo, os rapazes tem com as moças, muito mais para provarem para si e para os colegas que são HOMENS, do que por pura vontade mesmo. Por outro lado, as garotas acabam cedendo com medo de perder o namorado – mas morrendo de medo de pai e mãe descobrir. “Prenda as suas cabras que o meu bode está solto!” – sendo assim, os garotos são incentivados a transa, ao contrário das meninas, que não são bem vistas caso transem com os garotos. Não é assim que acontece? O que é o hímen na virgindade? O hímen é uma pele fininha que se localiza na entrada da vagina. O que teoricamente diz ser a mulher virgem. O hímen não é o mesmo para todas as mulheres – existem vários tipos de hímens. Todas trazem no meio um buraquinho que é por onde sai a menstruação e a secreção vaginal. Nascer com o hímen tapado, sem esse buraquinho, é raro. Como é raríssimo nascer sem o hímen. Mas é possível. O hímen mais comum é o anular (além de outros tipos), e quando ocorre a penetração do pênis na vagina ele se rompe, sangrando. O que significa que a mulher deixou de ser virgem. Mas nem sempre acontece assim. Há um tipo de hímen – o complacente – por exemplo, que devido a sua estrutura, tipo um elástico, ele não se rompe da primeira vez. E com isso, não vai haver a necessidade de sangramento na primeira transa. E é nessa questão simples que, por falta de informação, muitos problemas passam a acontecer. Se a mulher não sangrar, o homem já acha que ela não era mais virgem. E como vimos, não tem nada que ver. Ela podia perfeitamente ser virgem e por ter um hímen complacente, elástico, ao retirar o pênis ele volta ao que era antes, sem sangrar. Mas não é só isso. Alguém questiona a virgindade masculina? Muito pelo contrário, é valorizado o homem de mais experiência. No entanto, a virgindade feminina é esperada por mundo: dos pais aos garotos, que, muitas vezes se sentem donos das garotas. Como se ele, por ser o namorado ou “ficante” tivesse o direito de ser o primeiro. É importante que os dois sejam muito responsáveis e sempre tenham um comportamento preventivo. E o que significa isso? Quando ocorrer a transa, não esquecer da camisinha.
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Para os garotos: ninguém tem que provar que é homem transando. Cada um tem um tempo. Para as garotas: espere o momento certo. E, se tiver alguma dúvida, espere um pouco. E não faça nada contra vontade. E esse recado serve também para os garotos. (Lúcia Ribeiro )
EDUCAÇÃO SEXUAL 2 - Masturbação MASTURBAÇÃO Masturbação é o nome que se dá à brincadeira que homens e mulheres – rapazes, moças, crianças ou velhos – fazem com seus órgãos sexuais, por vontade própria, para obter prazer. Essa brincadeira, que popularmente os garotos chamam de "tocar punheta" e as meninas de "tocar siririca", é feita acariciando-se o órgão sexual, manipulando-o ou ainda esfregando-o contra colchão, cobertas, travesseiros ou almofadas. O modo de fazer depende de cada um. Cada pessoa aprende e pratica a forma que lhe dá mais prazer. Na maioria das vezes, os homens se masturbam com as mãos, com um movimento de vaivém do pênis, enquanto as mulheres se masturbam com os dedos no clitóris ou ainda esfregando uma coxa contra a outra. Há muita desinformação sobre este assunto. Muita gente diz, por aí, que "vicia", que causa doença ou ainda que a pessoa que se masturba pode perder o interesse pelo sexo. Hoje sabemos que a masturbação não causa doença de nenhum tipo. Ela faz parte do desenvolvimento da sexualidade de todos nós. E mais ainda: propicia que cada um descubra, em parte, o próprio prazer. Não é pelo fato de urna pessoa se masturbar que vai perder o interesse pelo sexo ou ficar "viciada". A maioria de homens e mulheres se masturba e não tem problemas por isso. Homens e mulheres que se masturbam, mesmo que casados, conhecem o próprio corpo bem melhor do que outros que nunca vivenciaram essa experiência. Com isso, a chance de terem uma vida sexual mais integrada será bem melhor. Falando nos casados, é bom lembrar que a masturbação não é somente um comportamento dos solteiros. Boa parte de casais se masturba como uma forma de lidar com o desejo sexual diferente de cada um. E não há nada de errado nisso. Ou ainda se masturbam simultaneamente, tentando assim proporcionar um ao outro sensações muito gostosas. E ainda... - A masturbação faz acabar com o esperma? Não, porque os homens não nascem com uma quantidade "x" de esperma. É uma produção contínua.
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- Se um rapaz às vezes se masturba junto com o amigo, ou com outros colegas, acontecendo até de um tocar no outro, isso significa que ele seja homossexual (bicha)? Também não. É bastante comum o "campeonato de ejaculação" no banheiro, principalmente do colégio: rapazes ficam querendo ver quem ejacula mais rápido, quem ejacula mais longe ou ainda quem "segura mais". Isso tudo faz parte do processo de descoberta do indivíduo e não significa que ele tenha interesse sexual pelo amigo ou colegas. Brincadeiras diferentes (é claro!) acontecem com as moças e nem por isso elas são homossexuais. - A moça pode perder a virgindade masturbando-se? É bastante difícil, porque normalmente as moças se masturbam manipulando o clitóris. É preciso ter cuidado com os objetos pontiagudos, porque, estes sim, são perigosos e machucam. - Qual é a idade em que uma pessoa deve começara se masturbar e qual é a freqüência certa? Não existe uma idade certa. As pesquisas na área da sexologia mostram que ela é menos freqüente na infância e na idade adulta e que ocorre mais na adolescência e na velhice. Mas está presente na vida toda. Cada indivíduo tem um "relógio" interno muito próprio e um prazer muito individual que decide o que lhe é apropriado. Por isso, a freqüência normal vai depender do ritmo "ideal" para cada um. Outras coisas que não são verdade: - Todo mundo percebe quando uma pessoa se masturba. - Faz crescer os peitos dos homens. - Só os solteiros se masturbam (já vimos que não é bem assim). - O homem fica fraco. - Masturbação dá espinha. - Provoca esterilidade.
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA A gravidez na adolescência é, de uma forma geral, encarada com bastante dificuldade. Dificuldade essa que passa não só pelas moças (mais até do que pelos rapazes), como pelos seus pais. As adolescentes engravidam e isso é um fato. Só que a maioria dessas jovens raramente tem algum conhecimento do seu próprio corpo ou dos métodos anticoncepcionais. E a gravidez acontece por um descuido.
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Essa questão é um desafio social e não só um problema exclusivo da adolescente que, normalmente, fica muito sozinha nesse período, pois o companheiro, também adolescente, muitas vezes se afasta; os pais, em alguns casos, culpam apenas as moças – tirando a culpa (quando se encara assim) dos rapazes. Inclusive, desde cedo, a prática sexual para os homens é reforçada: "Prenda suas cabras que o meu bode está solto". E solto, sem o risco de engravidar numa transa, a barra pesa para o lado da moça, quando aparece uma gravidez indesejada. Uma das características dos jovens é o pensamento mágico. Como assim? É aquela sensação de que "comigo não vai acontecer" ou "quando menos esperava, aconteceu". É preciso ficar claro para todos nós que a adolescente não pode assumir o risco social de uma gravidez não pensada, planejada. Mas com esse pensamento mágico a que me referi há pouco, ela não relaciona a atividade sexual com a possibilidade de engravidar e, por isso, na maioria dos casos, a gravidez acontece inesperadamente. Além da falta de informação, há uma outra parcela que engravida para agredir a família ou se ver livre dos pais ou, ainda, por carência afetiva. E daí troca o "colo" pelo "dar colo"; troca a brincadeira de boneca por um brincar mais concreto: uma criança. Só que é importante deixar claro que essas jovens não têm consciência disso. Mas quando a garota "se perde", as famílias providenciam logo, de preferência com urgência, um casamento para que tudo se resolva. E resolve. Aparentemente. Mas será que resolve situação? Será que era isso que ambos queriam? Será que eles estão felizes? Parece que isso não importa muito; ouvir o(a) filho(a) não importa muito ou não importa tanto se comparado ao que "os outros vão dizer". Uma outra atitude que é bastante freqüente é a moça ser colocada fora de casa, como punição. E a gente sabe que algumas dessas moças, sem ter para onde ir, vão cair na prostituição. O rapaz, em contrapartida, é valorizado. Tal como deve ser uma cultura machista como a nossa. Com isso, é bastante comum encontrarmos rapazes que, como uma forma de defesa, duvidam dos sentimentos da garota ou mesmo que o filho seja seu: "Acho que não é meu". Ou: "Mas quem me garante, ela dava bola para todo mundo". Passada a negação, vem a fase da acusação: "Mas você dizia que tomava remédio!". Ou: "Como deixou que isso acontecesse?!". Se esquecem que a sexualidade deve ser uma responsabilidade de ambos. Envolver-se sexualmente, além dos sentimentos ou tesão, é envolver-se com a consciência de que o ato sexual pode resultar numa gravidez. Por isso, é importante se prevenir e ter conhecimento de todas as formas de prevenção da gravidez, quando a mesma não é desejada. O diálogo, o procurar entender o que se passa na cabeça desses jovens e a verdade de
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sentimentos são substituídos por agressões e acusações mútuas. No entanto, cabe a todos juntar os pedaços; é preciso apoio da família, dos amigos e professores para que eles possam se sentir inteiros. E que possam reconstituir aquele vínculo forte que os unia antes da gravidez. É necessário um sentimento de responsabilidade mútua para que possam receber bem o bebê. Se assim o desejarem.
EDUCAÇÃO SEXUAL 4 - Pênis: O tamanho faz a diferença? [Lúcia Ribeiro] PÊNIS: O TAMANHO FAZ A DIFERENÇA? Uma das preocupações mais freqüentes dos homens em relação à própria sexualidade é saber se o pênis está dentro do padrão da normalidade. Essa preocupação se torna bastante comum, se pensarmos nesse contexto machista em que vivemos, onde há um endeusamento do pênis não como prazer sexual, mas apenas como desempenho. A sexualidade masculina é muito reduzida ao pênis, corno se as outras formas de expressão do sexo, tais como beijos, toques e carícias, também não tivessem suas respostas satisfatórias. Grande parte dos homens ainda encara o romantismo da sexualidade, por exemplo, como sendo "coisa de mulher". Eu vejo, nas minhas relações de amizade, que muitos amigos têm medo de se envolver mais profundamente com a mulher, achando que vai ficar "dependente" ou "na mão dela". E isso não é coisa para homem, dizem. Quanta bobagem! Será que é muito difícil perceber que uma relação só pode dar certo quando se tem troca? Nas conversas que ouço, nas cartas e e-mails que recebo, nas aulas que dou ou nos bate-papos informais, percebo que há, por parte de muitos homens (e muitos mesmo!), uma nítida diferenciação entre eles e o seu pênis. É como se ele (homem) fosse uma pessoa e o seu pênis outra. Como um "amigo" que não pode "deixá-lo na mão". Vocês já notaram inclusive que muitos homens se referem ao pênis usando nomes? É o Joãozinho, o Pedrinho, o Zezinho ou mesmo outro nome que cada um acha que é a "cara" do seu. Normalmente as mulheres se referem ao corpo como "meu corpo", enquanto os homens se referem ao pênis como "ele" – uma outra pessoa distanciada do seu corpo, a não parte integrante dele.
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Até mesmo os garotos, os meninos, quando querem agredir ou mostrar a sua masculinidade, seguram no pênis e dizem: "Aqui, ó!". Dificilmente você terá visto a mesma atitude feita por uma mulher – porque, acredito, a sua sexualidade está no corpo todo e não somente em algo que está entre as pernas. Dentro desse contexto, é bastante fácil entender, então, por que é que muitos homens ficam com a moral "lá embaixo" quando o pênis não tem uma ereção na hora da relação. Normalmente dizem: "Não sei o que aconteceu. Isso nunca me aconteceu antes". Para esses homens, é sempre a primeira vez! Não quero dizer com isso que não seja uma experiência desagradável, mas o que temos que pensar é que uma experiência sexual vai muito mais além do fato de um pênis ficar duro ou mesmo de uma penetração. No entanto, por dificuldades de lidar com essas questões com naturalidade é que muitos homens vão se fechando e, como conseqüência, podem começar a ter problemas sexuais-psicológicos bem mais profundos e sérios. O tamanho do pênis não tem relação com a capacidade de ter ou proporcionar prazer. Não existem pessoas de tamanhos e formas diferentes? Igualzinho acontece com o pênis. Mas é importante deixar claro que não e pelo fato de um homem ser alto que ele terá necessariamente um pênis maior. Ou mesmo os baixinhos terem pênis menores. O tamanho do pênis é determinado geneticamente, assim como a altura ou outras características do indivíduo, tais como: cor da pele, dos olhos etc. Assim como também não é verdade que dá para saber o tamanho do pênis pelo tamanho do nariz ou do pé. Tudo isso é besteira! A gente sabe que a vagina é um órgão elástico e, sendo assim, se ajusta ao pênis seja ele pequeno ou grande. E importante saber que a sensibilidade do canal da vagina é muito baixa, com isso um pênis maior ou menor pouca diferença faz. O prazer da mulher é conseguido, principalmente, pela estimulação do clitóris. A capacidade para produzir estimulação independe do tamanho do pênis. Não há como aumentar o tamanho do pênis. Não há cirurgia, tratamento ou remédio que dê jeito. Nem um santo milagre. Pra terminar: O meu primo, que tem a mesma idade que eu, tem o pênis maior que o meu. Sendo que, por exemplo, as pernas dele são menores que as minhas. (Marcos, Duque de Caxias - RJ).
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Uma pessoa é diferente da outra e tem um desenvolvimento também diferente. Não é pelo fato de o seu primo ter a mesma idade que você que ele deva ter a mesma estrutura do seu corpo. Ou ainda, que por ter pernas menores, o pênis tenha que ser menor também. Você mesmo pode testemunhar: cada um é um mesmo! Acredito que a pessoa deva se preocupar com outras características e potencialidades que, mais tarde, verá que são muito mais importantes. Como por exemplo, a capacidade de amar e cuidar.
Abortos espontâneos [Entrevista] Nossa segunda entrevista foi feita também pelo Dr. Drausio Varella: Entrevistado: Dr. Mario Burlacchini é médico, especialista em Medicina Fetal, e assistente do
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo.
Abortos espontâneos Depois de um atraso menstrual, algumas mulheres perdem sangue e acham que finalmente menstruaram. Estavam enganadas. Na verdade, tinham engravidado e estavam eliminando o embrião recém-formado. Depois, engravidam novamente, levam a gestação a termo, muitas vezes sem saber que tiveram um abortamento silencioso, que não deixou seqüelas. De certo modo, parece haver uma espécie de seleção natural associada ao abortamento espontâneo, especialmente se ocorreu até a oitava semana da gravidez. Em torno de 60% dos casos, os embriões apresentavam alguma malformação ou alteração genética e foram eliminados naturalmente. Há mulheres, no entanto, que apresentam abortamentos sucessivos, o que pode abalá-las emocionalmente e interferir no relacionamento do casal. Muitas são as causas que explicam
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essa interrupção espontânea da gravidez. Embora em alguns casos seja impossível determinálas, para a grande maioria existe tratamento. Conceito de abortamento Drauzio – Qual o conceito médico que define um episódio de abortamento? Mario Burlacchini – Considera-se abortamento a interrupção da gravidez até a 20ª, 22ª semana, ou seja, até o quinto mês de gestação. Além disso, é preciso que o feto esteja pesando menos de 500 gramas para definir o episódio como aborto espontâneo ou provocado. Drauzio – Vamos imaginar que a gravidez seja interrompida na 15ª semana e o feto ultrapasse os 500 gramas. Embora isso seja quase impossível de acontecer, o episódio ainda seria definido como abortamento? Mario Burlacchini – É muito difícil um feto normal pesar mais de 500 gramas nessa fase da gravidez, a não ser que apresente um aumento de peso patológico, como ocorre nos casos de hidropsia, por exemplo. De qualquer modo, só é considerado abortamento se o feto não ultrapassar os 500 gramas. Drauzio – A partir de 20, 22 semanas e 500 gramas de peso, como se classifica a interrupção da gravidez? Mario Burlacchini – Entre a 22ª e a 36ª semana de gravidez, concentra-se a faixa de prematuridade. Nesse caso, a interrupção da gravidez é considerada parto prematuro que pode ser espontâneo ou eletivo e iatrogênico, quando o médico precisa interromper a gestação por algum motivo especial. Patologia freqüente Drauzio – Os abortamentos espontâneos são muito mais freqüentes do que se imagina, porque existem aqueles que são silenciosos e contrariam o conceito geral de que ocorrem depois de dois ou três meses de gravidez, quando a mulher tem um sangramento importante. Mario Burlacchini – O aborto é uma patologia muito freqüente no ser humano. Desde o momento em que a mulher percebe que está grávida, ou seja, em que tem um atraso menstrual e o teste de gravidez dá positivo, a taxa de abortamento fica em torno de 15%. No entanto, se considerarmos período anterior ao teste positivo, porque demora algumas semanas para isso acontecer, esses números podem chegar a 30% ou 40%. Drauzio – Quer dizer que se considerarmos o total de gestações a partir do momento em que ocorre e fecundação, de 30% a 40% terminam em abortamento espontâneo? Por quê? Mario Burlacchini - As causas são muito variáveis. Para boa porcentagem dos abortos, em torno de 30% ou 40%, não se consegue definir nenhuma etiologia, nenhuma causa específica. Para os 60% restantes, é possível identificar a causa, em geral considerando o momento em que ocorreu o abortamento, se foi precoce ou mais tardio. Drauzio – Poderiamos dizer que existiria, durante a gestação, uma espécie de seleção
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natural e que esse número expressivo de mulheres que perde espontaneamente os filhos seria sinal de gestações inadequadas e de fetos malformados? Mario Burlacchini – Com certeza, a seleção natural existe e esse é um argumento que utilizamos para consolar o casal diante da decepção da gravidez interrompida. Quanto mais precoce o aborto, maior a possibilidade de o feto não estar bem formado. Estudos mostram que em 60% das gestações que não ultrapassam a oitava semana, há alguma alteração genética, principalmente cromossômica, como a que está presente na síndrome de Down, por exemplo. Drauzio – Os abortamentos são mais comuns em que fase da vida reprodutiva? Mario Burlacchini – São mais comuns principalmente acima dos 35 anos da mulher. É também nessa faixa etária que aumenta a possibilidade de malformações e anomalias fetais que levam ao abortamento espontâneo. Drauzio – Há alguma relação com a idade paterna? Mario Burlacchini – Não há nenhum estudo que comprove haver relação entre abortamento espontâneo e a idade paterna. Atualmente, alguns estudos levantam a suspeita de que a idade paterna possa estar relacionada com malformação fetal, principalmente com displasia esquelética, ou seja, malformação de ossos e do tamanho do tórax. Abortamentos habituais Drauzio – O que diferencia o abortamento esporádico do habitual? Mario Burlacchini – O abortamento pode ser esporádico. A mulher engravida e sofre um abortamento, mas depois tem duas ou três gestações normais. Para ser classificada como abortadora habitual, precisa ter três ou mais abortos sucessivos, os chamados de abortos de repetição, e é uma paciente que merece ser investigada. No passado, só se pensava em estudar essas pacientes depois do terceiro episódio. Hoje, com o desenvolvimento da medicina, achase muito cruel esperar que ocorram três abortos para começar a investigação. Por isso se preconiza que, havendo disponibilidade de exames, a pesquisa comece depois do segundo aborto sucessivo. Em se tratando de saúde pública, porém, isso não é fácil de realizar e a investigação das causas de abortamento começa, em geral, depois de três ou mais abortamentos. Drauzio – Bem no início da gravidez, podem ocorrer abortamentos silenciosos difíceis de serem identificados. A menstruação ocorre depois de uns dias, às vezes, uma ou duas semanas depois da data prevista e o fato é interpretado como atraso menstrual e não como abortamento espontâneo. Mario Burlacchini – Em geral, esses abortamentos não são diagnosticados. São abortos subclínicos, muito precoces, e não há como comprovar que realmente ocorreram. Atualmente se acredita que sejam ligados à linha imunológica, à rejeição do hospedeiro contra o antígeno, ou seja, imunologicamente a mulher rejeita a gravidez porque o embrião é um corpo novo que se instala no organismo materno, que o reconhece como estranho e provoca sua eliminação.
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Drauzio – Em medicina, existe uma analogia entre gravidez e tumor maligno, porque o feto não é igual à mãe. Na verdade, se retirarmos um fragmento de pele de um bebê recémnascido e o enxertarmos na mãe, ela rejeitará a pele do filho. Como, então, o feto consegue crescer no interior de um organismo diferente sob o ponto de vista imunológico sem ocorrer rejeição? Mario Burlacchini – No momento da implantação do embrião, certos linfócitos e macrófagos do sistema imunológico são ativados. De um lado, são ativadas células que potencializam a resposta imunológica (linfócitos T helper ou auxiliadores) e de outro, o próprio embrião produz fatores supressores que vão estimular a produção de células imunologicamente competentes, capazes de bloquear a resposta da mãe contra o embrião. Do balanço entre esses mecanismos de ações opostas, resulta o sucesso ou o fracasso da gestação. Drauzio – Qual é o procedimento para investigar a causa de três abortamentos consecutivos numa mulher? Mario Burlacchini – A primeira medida é inteirar-se da época em que ocorreu o abortamento, que é considerado precoce até a 12ª semana de gravidez, e tardio entre a 12ª e a 20ª semana. Se foi precoce, as principais causas são as genéticas, as infecciosas ou as imunológicas. Já os mais tardios estão relacionados com a dificuldade de expansão, de crescimento do útero, como as malformações uterinas e a incompetência cervical, isto é, a incapacidade de manter o colo do útero fechado para levar a gravidez a termo. Nos abortamentos precoces, o casal passa por uma avaliação genética para verificar se há casos de malformação e de problemas genéticos na família e pode ser pedido o cariótipo do casal. Drauzio – Você poderia explicar o que é cariótipo? Mario Burlacchini – Cariótipo é o mapa dos cromossomos. Homens e mulherestêm 23 pares de cromossomos. Quando há abortamentos habituais, é comum encontrar no casal o que chamamos de translocação balanceada, ou seja, existe a mudança de posição de algum cromossomo, que é transferido de forma não balanceada para o filho. Isso acontece em 3%, 4% dos casais abortadores habituais que só ficam sabendo do fato quando ocorrem os abortamentos. Drauzio – Na gravidez que ultrapassa 10 ou 12 semanas, as causas de aborto mecânicas e anatômicas passam a ser as mais importantes? Mario Burlacchini – É claro que não existe uma parede separando as doze primeiras semanas das subseqüentes, mas usamos essa data como referência. Em geral, os abortos mais tardios estão relacionados com malformações uterinas, como o útero didelfo (dois úteros formados por dois cornos uterinos e dois colos), o útero bicorno (dois corpos uterinos em um só colo), o útero septado (com um fenda na cavidade uterina) e incompetência cervical. Drauzio – Essa diversidade de formas uterinas são variações anatômicas encontradas com freqüência? Mario Burlacchini – Principalmente o útero bicorno é muito freqüente.
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Alterações imunológicas Drauzio – Quais são as possibilidades de resolver o problema de um casal com alterações cromossômicas, uma vez que não se pode mudar a genética? Mario Burlacchini – A alteração cromossômica é a mais complicada de todas. Se o casal tem translocação balanceada, o risco de transmiti-la de forma não balanceada para o feto é de 25%. É um índice elevado, uma vez que em cada quatro gestações uma apresentará a alteração. Como não há tratamento que consiga modificar a genética, a única saída é partir para a fertilização assistida com a doação de oócitos ou de espermatozóides, dependendo do lado que venha o problema. Drauzio – Qual a conduta quando o aborto ocorre por alteração imunológica, ou seja, a mãe elimina o feto porque o reconhece como um corpo estranho? Mario Burlacchini – Esse tipo de aborto se chama alo-imune, e o problema deve ser identificado e tratado antes de a mulher engravidar. A genotipagem, ou seja, a pesquisa genética, mostra se há compatibilidade entre marido e mulher. Quanto maior for a compatibilidade genética, maior o risco de aborto. O ideal é que os dois sejam bastante incompatíveis. Drauzio – Esse é um conceito muito importante. Você poderia repeti-lo? Mario Burlacchini – Fazendo a genotipagem, identifica-se o grau de compatibilidade entre o homem e a mulher. Quanto maior o número de alelos compatíveis, maior o risco de abortamento. Alelos incompatíveis diminuem a possibilidade de abortos. Drauzio – Exatamente o contrário do que se deseja nos transplantes. Mario Burlacchini – É exatamente o contrário do que se deseja nos transplantes. Em vista disso, o tratamento consiste em sensibilizar a mãe com os antígenos do marido, por meio da infusão de leucócitos paternos antes da gravidez, para que ela crie anticorpos e reconheça o embrião quando for implantado em seu útero, já que ele carrega características genéticas do pai. Essa é a causa alo-imune da reação antígeno-hospedeiro. A outra causa imunológica de abortamento é a auto-imune, ou seja, a mulher começa a produzir anticorpos contra si própria. Não é necessário que um corpo estranho se instale dentro dela para desencadear a reação. É o caso da chamada síndrome antifosfolípedes. Existem também as trombofilias, alterações imunológicas muito valorizadas atualmente, e que podem ser tratadas no caso das abortadoras habituais. Causas infecciosas Drauzio – Quais são as causas infecciosas de abortamento? Mário Burlacchini – Embora algumas infecções sejam consideradas como causa de abortamento habitual, é muito difícil uma paciente ter três abortos provocados pela mesma infecção. Veja o que acontece com a toxoplasmose, por exemplo, uma infecção que pode ser transmitida da mãe para o feto e que, na fase aguda, quando acontece muito precocemente, leva ao abortamento. No entanto, se a mulher já contraiu essa doença numa gravidez,
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provavelmente ela não se repetirá na gestação seguinte. Algumas infecções vaginais, como a clamídea e a vaginose bacteriana, também podem ser causa de abortamento, mas tratadas de forma adequada deixam de representar problema. Drauzio – Que cuidados a mulher grávida deve ter para não pegar toxoplasmose? Mario Burlacchini – De preferência antes de engravidar, a mulher deve consultar o obstetra ou ginecologista para uma avaliação pré-concepcional e colher algumas sorologias para infecções como toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus. Exceção feita ao citomégalo, se houve contato prévio com os agentes dessas patologias, ela está protegida. Se não houve, contra a rubéola existe vacina. Contra a toxoplasmose não existe, mas há como prevenir o contágio. Os primeiros cuidados se referem à alimentação. Carnes mal cozidas, verduras cruas e mal lavadas, sanduíches preparados sem a devida higiene não devem fazer parte do cardápio. Ovo cru e casca de ovo, que muitas pessoas comem porque acreditam que tem cálcio e faz bem para os ossos, podem representar também uma fonte de transmissão da doença. É aconselhável, ainda, que a pessoa use luvas quando manipula carnes que podem estar contaminadas. O mais importante, porém, é evitar o contato com gatos, porque eles são os grandes transmissores da toxoplasmose. Em São Paulo, alguns anos atrás, ocorreram casos da doença adquirida na areia dos parques infantis, onde gatos eliminam dejetos durante a noite liberando o agente transmissor da toxoplasmose. No dia seguinte, não só as crianças, mas todas as pessoas que mexiam nos tanques de areia contaminada adquiriam a infecção. Drauzio – Quando você diz que se deve evitar o contato com gatos, está se referindo também ao gatinho de estimação? Mario Burlacchini – Também ao gatinho de estimação. Se a pessoa vai manipular material que contenha fezes ou urina de seu gato, deve pelo menos usar luvas porque as mãos podem ter pequenas escoriações que servem de porta de entrada para a contaminação. Drauzio – E os pombos, também representam perigo na transmissão da toxoplasmose? Mario Burlacchini – Acredita-se que o pombo também seja transmissor dessa doença, mas não é tão importante quanto o gato. Na verdade, se não existissem gatos, provavelmente não teríamos toxoplasmose. Talvez o pombo adquira o toxoplasma porque cisca nos lugares em que o gato liberou o agente infectante. Anomalias anatômicas Drauzio – Em relação às variações anatômicas, qual a conduta mais indicada para evitar o abortamento? Mario Burlacchini – Inicialmente nós sempre tentamos evitar a cirurgia. Se de um lado ela visa à correção de uma anomalia para o útero expandir-se, por outro pode criar um fator de dificuldade para manter a gravidez e até mesmo para a mulher engravidar. São as aderências que aparecem no local do corte onde se forma a cicatriz. Por isso, é preferível que ela engravide e comece o pré-natal precocemente, pois existem substâncias que facilitam o relaxamento uterino para que ele cresça sem problemas. A
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progesterona, por exemplo, é um bio-relaxante fácil de administrar que favorece a distensão da fibra muscular uterina e prolonga a gravidez. Nos casos em que o colo do útero dá sinais de incompetência cervical, ou seja, de que não é capaz de se manter fechado até o final da gravidez, a indicação é uma cirurgia simples chamada circlagem realizada no terceiro mês (12ª, 13ª, 14ª semana). Por via vaginal, são dados pontos no colo do útero para fixá-lo até o final da gestação, quando os pontos são tirados e a mulher entra em trabalho de parto espontâneo. Perfil psicológico Drauzio – Dizem que mulheres mais estressadas e com problemas de ansiedade estariam mais propensas a abortamentos espontâneos. O que existe de científico nisso? Mario Burlacchini – Pacientes abortadoras de repetição ou habituais têm um perfil de estresse acentuado. Na verdade, trata-se de um circulo vicioso: a mulher fica ansiosa porque teme não conseguir levar a gravidez a termo e isso acarreta dificuldades de manter a gravidez e até mesmo de engravidar. A gente sabe que a mente comanda o corpo dentro de certos limites. Se a paciente começa o pré-natal muito ansiosa, com muito medo e muito negativismo, vai desencadear fenômenos biopsíquicos que podem levá-la a novo abortamento. Por isso, o atendimento da paciente abortadora habitual precisa ser multidisciplinar. Ginecologista, obstetra, geneticista, assim como o laboratório e os profissionais que nele trabalham são fundamentais no acompanhamento dessas pacientes. O apoio psicológico também é muito importante e deve incluir o casal e não só a mulher. É preciso que ela se tranqüilize, tenha confiança no tratamento proposto e esteja disposta a segui-lo direitinho. Não adianta o médico prescrever a medicação, se ela não acredita que seguir o tratamento vai ajudá-la. Drauzio - Falamos do impacto do psiquismo na gravidez. Agora vamos falar do impacto causado pela repetição dos abortos na psicologia da mulher e na vida do casal que quer ter filhos? Mario Burlacchini – Não existem estatísticas a respeito do número de mulheres abortadoras habituais que desistem de engravidar, mas são muitas. O abortamento repetido pode levar a problemas familiares e até mesmo à separação do casal. A impossibilidade de ter filhos leva a uma frustração muito grande, uma vez que está arraigada nas pessoas a tradição de casar, ter filhos, criá-los. Às vezes, a mulher nos procura sozinha e percebe-se que ela está sofrendo pressões por não conseguir engravidar, embora nem sempre seja a causadora do problema. Nas clínicas de esterilidade, não é raro o homem recusar-se a ser avaliado, temendo ser a causa do problema. Drauzio – O homem sempre acha que a causa está na mulher? Mario Burlacchini – Na grande maioria das vezes, acha. A situação ainda é pior para as pacientes que engravidam e não mantêm a gravidez, porque fica patente que ele é capaz de engravidá-la e é ela que não consegue manter a gravidez. Muitos casais chegam ansiosos. Felizmente, no local onde exerço mais o acompanhamento de
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gestantes com abortamento, temos um serviço de psicologia competente, acostumado a lidar com o casal com esse problema ou com qualquer outro que surja na gravidez. Acompanhamento médico Drauzio – A mulher com abortamentos freqüentes que tipo de médico deve procurar? Mario Burlacchini – Inicialmente deve procurar o seu ginecologista que com certeza vai recorrer a outros profissionais. O geneticista fará uma avaliação do casal e, se for localizado algum problema genético, providenciará um encaminhamento para os setores apropriados ou até mesmo para o setor de esterilidade, de reprodução humana para fazer uma fertilização invitro, se for essa a opção. Sob o ponto de vista imunológico, o ginecologista e o obstetra precisarão também de orientações hematológicas, porque os aspectos imunes mexem com a via sangüínea provocando infartos e tromboses que repercutem durante a gravidez. No caso de malformações, acredito que um ginecologista com experiência seja capaz de lidar com o problema. Hoje, existem médicos que se especializam numa linha específica de abortamento e que podem dar suporte ao ginecologista. Site www.hcnet.usp.br Postado por Bioclone às 16:30 Marcadores: Aborto, Aparelho Reprodutor, Dr. Drausio Varella, Embriologia, Entrevistas, Reprodução
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