Do r aVo l t aPa r aEn c o n t r a rEl e n e
Au t o r ad eQu a n d oEuOl h a rP r aVo c êeS e g u n d aCh a n c eP a r aAma r
Cena Extra Esta cena foi escrita para fazer parte do livro quando ele ainda estava sendo finalizado. Mas resolvi não incluí–la porque acabava com um dos eternos mistérios da história. Mas resolvi que não só a Elene, mas os leitores também mereciam saber o que aconteceu com Dora. Assim vocês entenderão também quem são os Campbell, os antepassados da Luiza e quem sabe isso esclareça um pouco suas teorias sobre a história.
Dora Volta Para Encontrar Elene Havia chegado um boato da fronteira de que escoceses estavam novamente passando para as terras do conde. Isso não era novidade para ninguém, eles sempre passavam para o lado de cá, geralmente em grupos pequenos para não gerar preocupação e hostilidade. O mercado próximo à fronteira era o mais diversificado, desde que o conde fingira não estar vendo as trocas entre ingleses e escoceses. Desde que voltaram da corte, o conde e a condessa estavam agindo normalmente, ao menos na concepção deles. Estavam conseguindo criar os filhos sem grandes perigos, mas Jordan era muito protetor. As crianças ainda não podiam ir muito longe de Havenford, assim como Elene. Não podiam fingir que a guerra havia sido há tanto tempo, afinal o castelo ainda estava tendo partes reconstruídas. – Milorde, temos uma questão aqui fora – disse Rey, entrando no gabinete do conde no segundo andar. – Tem escoceses nas terras do castelo! – disse Morey, empurrando Rey ao passar rapidamente. – Mandamos os arqueiros? – Esperem! – Jordan pulou de pé e correu para a janela, mas daquele ângulo não via nada. – Quantos são? Os habitantes já estão entrando no castelo? Prepararam os arqueiros? Antes de Morey começar, Rey tomou a frente e disse numa voz tediosa. – São uns dez, milorde. E tem mulheres. Jordan se virou e lançou um olhar fulminante para Morey que cruzou os braços e bufou. O tempo passava e ele não mudava. – O que eles querem aqui? – perguntou o conde, retornando para o seu lugar. – Não devemos admitir essas pessoas aqui. Garanto que vieram em nome daquele bastardo do clã de malditos que toma conta das terras após a fronteira – reiterou Morey. – Enviaram um mensageiro, ele não deu nada escrito. Só um recado, apresentando... – dizia Rey. – Minha irmã! – Elene passou a mil pelo corredor, com Erin tentando alcança–la. O grito dela foi tão alto que era impossível o castelo inteiro não ter escutado. – Mas que... – o conde deixou o gabinete e partiu correndo no encalço dela, com seus cavaleiros o seguindo. – Quem foi que contou a ela? – Morey perguntou a Rey. – Ora essa, quem... Ela é a condessa, já aprendeu a ter informantes em sua própria casa. – Você disse a Erin – acusou Morey. – Ela estava perto... – murmurou Rey.
O conde desceu o pátio correndo, mas ele nunca vira sua esposa ir tão rápido, ela era uma borrão verde e vermelho, por causa do vestido e do cabelo que se soltou do penteado. – Elene! Volte aqui imediatamente! – ele gritou, mas ela não era exatamente obediente. Para sorte do coração do conde, hoje era um dia de portões fechados ou tinha certeza que ela ia continuar correndo colina abaixo e depois dispararia pelo campo sozinha. – Elene, pelo amor de Deus – ele disse, assim que a alcançou. Ela estava recostada contra o enorme portão com a testa encostada na madeira e as duas mãos apoiadas, quando ele chegou bem perto algumas lágrimas já tinham descido por sua face. – É mentira, não é? Minha irmã está morta há anos – ela disse baixo, sua voz saindo fina e embargada. O conde afastou–a da madeira e trouxe–a para seus braços, ela escondeu o rosto contra a túnica dele e Jordan sentiu seus ombros darem leves tremidas entre seus braços. – Ela partiu naquele dia, não quis me explicar o que aconteceu, eu era muito nova para entender, mas eu sabia mesmo assim. Era a única chance dela, não haveria outra, nosso tutor não precisava de duas Montforth para ficar com tudo, só de uma. A mais nova e mais boba que não o desafiaria. Ele a matou e ela não fugiu, mas eu não posso aceitar isso. Jordan não conseguia vê–la chorar, senti–la estremecer entre seus braços era doloroso demais, faria qualquer coisa para alegrá–la. Talvez se houvesse um exército escocês esperando do lado de fora do seu castelo, ele daria um jeito de negociar da mesma forma. – Vamos fazer o seguinte, você vai voltar comigo para o castelo e se recompor, tenho certeza que prefere aparecer bem para a visita. E eu vou mandar escoltarem os visitantes e veremos se sua irmã também sabe fazer uns feitiços. Quem sabe ela usou isso e se saiu bem. Ela levantou a cabeça e o observou por uns segundos. – E se não for ela? – Vamos ver o que eles querem e mandá–los de volta para suas terras. Elene assentiu e o conde abaixou a cabeça, beijando levemente sua testa e depois sobre seus olhos, enquanto secava as lágrimas dela com os dedos. Estranhamente, todas as pessoas que deviam estar ali trabalhando haviam se afastado e fingiam ser invisíveis. Rey estava atrás de uma pilastra e Morey abaixado atrás de alguns barris, fingindo que havia algo em sua bota. Eles voltaram para o castelo, Elene foi lavar o rosto e recompor seu penteado. – Rey, pegue alguns homens, desça lá e avise que estamos os aguardando. Eles devem guardar suas armas e seguir direto até aqui – instruiu o conde. – Mas milorde! – disse Morey, se adiantando. – Não conhece essa gente! Podem ser comparsas daquele maldito! Por acaso se esqueceu dele? – Morey apontou para o próprio rosto, mas estava lembrando ao conde onde ficava aquela cicatriz que atravessava sua bochecha, sua orelha e se escondia pelo seu cabelo. Jordan lhe lançou um olhar duro, ele lembrava muito bem como e quem lhe causara aquela cicatriz que por muito tempo o fez esconder um dos lados da face até que ela fechasse e o tempo a suavizasse. Mas por Elene, ele enfrentaria aquele homem de novo e dessa vez não haveria guerreiros dos dois lados para impedir que eles matassem um ao outro. – Não esqueci, eu quem encaro meu reflexo, Morey. Mas isso é por minha esposa. Afinal, do que você está com medo? Rey se virou e foi correndo chamar alguns homens para atenderem a ordem. Cold apareceu, já vestido e armado e ficou esperando a condessa voltar.
O grupo de visitantes estava à beira da floresta, longe o suficiente da pequena cidade para não serem atacados e também da colina do castelo, para não serem considerados ameaças e levarem uma flechada de aviso. Todo bom escocês que visitava aquelas terras sabia que nunca devia passar rente à colina, pois os arqueiros de Havenford eram treinados acertando alvos lá de cima. Foi difícil para os escoceses ficarem quietos e de armas abaixadas quando viram os cavaleiros com as cores de Havenford se aproximando, era instintivo, todos sabiam o tamanho do perigo que corriam ali. Depois da guerra contra os Golwin, a fama dos cavaleiros de Havenford foi reforçada, penetrando bem nas terras baixas e chegando até as altas montanhas escocesas. Eles não estavam acostumados com aquele tipo de poder bélico em um enfrentamento entre famílias, em suas terras as coisas eram um pouco diferentes, mas não menos sanguinárias. Do mesmo jeito que o conde tinha um motivo muito forte para abrir as portas do seu castelo para desconhecidos que geralmente eram inimigos, os visitantes também tinham um para ter se arriscado e ido até lá. Os cavalos dos escoceses entraram em duplas pelo pátio de Havenford, os homens olhavam em volta, atentos a qualquer ameaça e surpresos por estarem sendo recebidos ali. Eram cinco pares de belos cavalos montanheses, acostumados a andar por terreno acidentado. Havia duas mulheres, uma lady seguindo a frente e ao lado de um homem que devia ser importante, mas não sabiam de quem se tratava. Atrás deles seguiam sete guerreiros e a acompanhante. O conde aguardava a frente das grandes portas principais do castelo, a condessa havia acabado de se juntar a eles e seus cavaleiros estavam em volta, atentos, mas com as espadas guardadas. Jordan trocara de roupa, colocando um gibão enfeitado com as cores do brasão dos Warrington e Elene colocara uma sobreveste que combinava com o que ele trajava. Ao menos eles não iam insultar ninguém com falta de respeito. O grupo por si também colocara as melhores roupas que trouxeram para viagem e se limparam em um dos finos afluentes do rio, esperando causar uma boa impressão e provar sua boa-fé. Todos pararam no pátio interno, o homem à frente do grupo desmontou e ajudou a mulher que retirou o capuz e a capa, exibindo uma longa e grossa cabeleira de cor vermelho escuro, muito bem trançada e enfeitada. – Elene! – ela saiu correndo assim que se livrou da pesada capa. Dora ultrapassou os homens e atravessou o pátio interno do castelo. Elene desceu os degraus correndo e se jogou nos braços da irmã, começando a chorar junto com ela. Bem, as formalidades já estavam completamente estragadas. Mas pelo menos dissipou a tensão, quase deu para ouvir o suspiro de alívio coletivo. Agora ninguém mais ia matar ninguém ali. – Onde diabos você estava, sabe o que eu passei achando que aquele maldito tinha matado você e o seu escocês? – disse Elene, balançando a irmã. – Meu Deus, como você se atreve a ficar maior do que eu! – gritou Dora, deixando que a irmã mais nova a balançasse o quanto quisesse.
A diferença de altura não chegava a cinco centímetros, mas após ser apontada, era fácil de ser notada. Dora tinha uma constituição um pouco mais delicada e apesar das camadas de tecido esconderem, o formato de seus corpos era muito parecido. Mas enquanto Elene tinha o cabelo num tom de vermelho mais chamativo e quente, Dora tinha ondas vermelho escuras e densas. Ambas tinham olhos verdes, da mesma cor, do mesmo formato, idênticos como se fossem gêmeas. E nenhuma das duas tinha modos de uma lady humilde e comportada. – Como soube? – Elene perguntou, apertando as mãos dela. – Por causa da guerra que houve aqui. Quando a história chegou lá nas terras altas da Escócia, eu soube que a lady Elene, a tal ninfa da floresta com cabelos vermelhos como fogo e olhos verdes como a relva, só podia ser você. Eu já havia perdido as esperanças! Erold disse que você havia fugido e morrido. – Quando ele disse isso? – Elene gritou, horrorizada. – Quando meu marido o emboscou numa taberna. Para saber alguma coisa, preciso que alguém desça aqui para me conseguir notícias, há anos soube que titia morreu e você não estava mais no convento. Erold disse que você morreu. Aquele maldito... – Ele insinuava a mesma coisa sobre você toda vez que podia – murmurou Elene. – Mas você demorou tanto. – Me perdoe, me perdoe por tudo, eu só precisava vir vê–la. Eu nunca devia tê–la deixado, mesmo que fossemos morrer na viagem, eu devia tê–la levado. Mas era tão complicado na época, meu bem. Meu marido teve de lutar para conseguir seu clã de volta, foi difícil... Você era muito pequena e titia ainda estava viva para acolhê–la. Entre Erold e um bando de guerreiros inimigos, caso fossemos capturados, ele ainda era melhor. Dora irrompeu em lágrimas de culpa e remorso, mas também de alívio por ver a irmã viva. O marido dela deu um passo em sua direção, mas parou, apertando as mãos. Ao menos Jordan tinha um companheiro na aflição de ver alguém que ele amava tanto sofrer a sua frente. – Creio que já nos conhecemos – disse o conde ao marido de Dora. Diarmad Campbell era tão alto quanto Jordan, mas ao contrário da figura loira do conde, ele tinha cabelos curtos e negros, mas olhos azuis como um dia de inverno sem nuvens, só que sem nenhuma frieza. Era um guerreiro, só de olhar dava para ver. Mas não estava com a mão na espada agora. Nesses últimos minutos havia finalmente aceitado que agora algo o unia a um homem que já foi seu inimigo. Não por escolha pessoal de nenhum deles, mas no passado, eles simplesmente estiveram em lados opostos. E ambos carregavam até hoje as marcas físicas daquele dia. – Deve ter percebido que não trabalho mais para aquele bastardo – disse Diarmad, com asco na voz. – Fico contente, seria muito difícil aceitar que a irmã de Elene estava vivendo sob as graças daquele homem – respondeu o conde. Diarmad não conseguiu evitar olhar o rosto do conde, ele havia o visto quando o corte foi feito e sempre se perguntou o que havia acontecido. Agora via que a cicatriz em seu rosto havia se curado muito bem e estava suavizada pelo tempo. Ele devia ter uma boa curandeira e de mãos habilidosas. Porque havia sido um ferimento que o mataria ou deixaria uma marca.
– Aquele homem foi o motivo da minha desgraça. Eu nunca devia tê–lo impedido de matar aquele bastardo naquele dia maldito. Peço desculpas pelo transtorno que causei naquela época. Espero que pelo bem delas seja possível deixar o passado no passado – declarou Diarmad. – Recomeçamos bem, estamos concordando em alguma coisa – respondeu Jordan, sabendo que se não fosse Elene, ele nunca teria sido capaz de deixar o passado esquecido. – Concordamos em muitas, você se casou com a irmã de minha Dora. A única aflição dela que eu jamais pude remediar. Nada que eu fizesse adiantava e eu perdi uma parte de minha esposa quando aquele maldito disse que lady Elene havia sido estuprada e assassinada cruelmente na estrada – ele disse com certa amargura, lembrando de como foi difícil na época que Dora soube disso. Jordan sentiu um calafrio percorrer todo o seu corpo e engoliu a saliva que por um momento pareceu uma bola de areia e pedras. Sua esposa quase havia acabado assim, só de lembrar disso ele se sentia mal. – Pelo que Elene diz, ela acreditava na morte da irmã há anos – disse o conde, lembrando–se como isso também a perturbava. – Eu devia ter checado por aqui, mas era tão perigoso que nunca cogitamos. Afinal, como ela viria parar nessas terras? – Fugindo – respondeu o conde. – Foi assim que a encontrei. – Sabia que encontrei a minha esposa na mesma situação? A verdade é que ela não fugiu comigo, eu quem a capturei e a obriguei a me acompanhar antes que outra pessoa o fizesse. – Parece que vamos descobrir muitas coisas em comum – Jordan lhe cedeu um sorriso. Diarmad correspondeu, sentindo–se mais aliviado, pois o gesto de aceitação precisava partir do conde. – E este é meu marido, o conde de Havenford, como sei que já ouviu falar – disse Elene, indicando–o com a mão e fazendo uma apresentação completamente inadequada. – Eu o chamo de Devan na maior parte do tempo. – Por todos os santos! Como foi que você virou condessa de Havenford? Você sabe a fama que esse lugar tem lá na Escócia? – E como foi que você virou a esposa do líder de um clã de um local que eu nem sabia que existia? – Eis o motivo. Este é meu marido, Diarmad Campbell. Ele tem vários irmãos, é uma verdadeira bagunça. E são todos parecidos, foi um inferno para distinguir um dos outros. Jordan e Diarmad trocaram olhares, mas ambos decidiram ignorar mais uma vez qualquer esquisitice que a esposa estivesse fazendo. E olha que Dora se limitava a comportamentos inadequados. Imagine só quando o conde começasse a contar ao recém– descoberto concunhado sobre todas as loucuras que sua esposa, muito moderna, inventava. – Sua esposa não tem o hábito de enfeitiçar ninguém, não é? – Jordan perguntou baixo a Diarmad. – Imagine só que quando ela chegou lá, a chamavam de feiticeira inglesa. O conde preferiu não comentar isso agora, era um tópico a ser explorado pelos dois quando estivessem menos desajeitados na presença um do outro. Era fácil para eles conversarem sobre elas, porque era o único assunto que tinham. Nenhuma das duas pensou que eles pudessem já se conhecer e tivessem um passado complicado. Eles precisavam se reconciliar e fariam isso muito mais por elas do que pela sua própria disposição. – Então, vamos todos entrar? Está frio e eu gostaria de oferecer–lhes alimento e conhecer melhor minha cunhada – ofereceu o conde.
Com a hostilidade desfeita, os escoceses entregaram seus cavalos para irem descansar e serem alimentados também. Elene logo descobriu que alguns daqueles homens eram também novos parentes, pois eram irmãos de Diarmad. E todos devidamente encantados por sua querida cunhada e prontos para se dedicarem a irmã dela também. Não que o conde fosse deixá–los livres para encher sua esposa de mimos, esse privilégio era só dele. Quando veio espiar o que era toda aquela comoção, Betia quase desmaiou ao ver tantos escoceses entrando no castelo. – Eu fico muito feliz que tenha a encontrado, milorde. Mesmo que sua cabeça tenha corrido perigo – Dora apertava o braço do conde que a acompanhava para dentro do salão. – Acabou que seu coração que sofreu o golpe, mas está fazendo minha irmã muito feliz, ela me disse. Obrigada por cuidar dela. Eu sei o que ainda deve pensar de mim, mas aceite meu agradecimento. – Obrigada por vir. Faltava algo na vida dela e era finalmente saber onde você estava – respondeu o conde, segurando a mão dela sob seu antebraço. Ele a amaldiçoou quando soube que fugiu sem levar a irmã, mas não sabia a história e a vida o ensinara a não julgar tão severamente. Estava feliz por saber que a cunhada vivia e muito bem. Elene estaria completa agora. Era uma pena que aquele castelo não tinha moças solteiras esperando um possível bom partido e também que não fossem preconceituosas. Pois os irmãos de Diarmad podiam ser a festa de qualquer pai cheio de futuras noivas em casa. Todos os cinco que vieram na comitiva ainda eram solteiros, bonitos e com um bom teto a oferecer. Só que seria na Escócia e pode imaginar que isso seria um imenso problema para a maior parte dos pais. – Fico tão agradecida por você tê–la trazido. Não posso descrever minha felicidade por finalmente encontra–la novamente – Elene dizia a Diarmad que parecia bem menos tenso enquanto a acompanhava. – Eu não tomei essa decisão facilmente, entrar nessas terras é muito perigoso, como deve saber... – disse Diarmad, sentando–se a mesa. – Mas você fez por ela – sorriu Elene. – Claro, eu estava planejando a vinda. Mas bem... Ela não conseguiu mais esperar e fugiu. Disse que ia bater aqui com ou sem a minha ajuda, pois tinha que ter certeza que era você e precisava lhe explicar tudo. – Meu Deus, é de família. Ainda tenho muitos anos para impedir fugas... – disse Jordan, massageando um lado da testa, já antevendo a dor de cabeça. – Não vou fugir! – Elene o confortou, tocando seu braço. – Você já pulou da janela... – ele ainda não superara aquele episódio, mal sabia que ela tentara fugir para um lugar onde ele nunca conseguiria trazê–la de volta. – Mas você me pegou – ela sorriu para ele, feliz por não ter dado certo. A refeição seguiu, mas Dora e Elene não estavam dando atenção aos outros, tinham muitas coisas para falar. A irmã mais velha precisava contar tudo que aconteceu desde que fugiu e Elene precisava fazer o mesmo. – Meu Deus! – Dora correu para a porta quando terminaram a refeição e Erin trouxe as crianças. Os gêmeos estavam bem acordados, Helena continuava sonolenta, mas pedia a mãe. – Você teve gêmeos! O boato é mesmo verdade! – ela teve vontade de apertar os sobrinhos, mas não queria assustá–los. – Sim! – ela foi para perto deles. – São os meus garotos – sorriu e os chamou para que se aproximassem da tia.
– Eu também! – Dora se virou, com um sorriso enorme. – No meu terceiro parto, vieram gêmeos! Mas formam um casal e não são idênticos como os seus, parecidos, mas não assim! Chamam-se Isobel e Stephan! Elene franziu a testa e pegou Helena do colo de Erin. – Quantos filhos você tem, Dora? – Seis! – Ah, meu Deus! E como toma conta de todos? – Diarmad tem muitos irmãos, como comentei... Todos ajudam. São muitas crianças lá. Uma pena que não pude trazê–los, era perigoso demais. – Eu quero conhecê–los... – Elene se aproximou para que Dora conhecesse sua filha e apresentou os gêmeos. – Não há a menor chance de você ir à Escócia, não é? – Dora sussurrou para ela. – Não... – Elene embalou o bebê e retornou num sussurro. – Só fugindo. Devan é um amor, mas ele não me deixaria viajar pela Escócia nem se eu o ameaçasse de separação eterna. Ele diria que me prefere viva, mesmo separados. – É... Acho que teria gente demais tentando capturá–la. Já eu, posso voltar. Diarmad e os irmãos são livres para se mover pelo país e agora espero que seja seguro nesse trecho da fronteira. – Por favor, volte! – disse Elene, como se a irmã já estivesse partindo. – Isso eu posso conseguir dele. Vocês poderão cruzar para cá sem serem mortos. – Tudo bem – Dora conquistou Haydan o suficiente para ele aceitar ir no seu colo, mas ao ganhar um gêmeo, tinha que levar os dois. Mas ela estava acostumada ao peso de duas crianças, afinal, eram seis filhos e incontáveis sobrinhos. – Você consegue que o conde converse com os outros lordes para não nos matar e eu consigo que Diarmad me traga mais vezes. Elene suspirou, era bom saber que a irmã estava viva. No fundo de seu coração, não sentia mágoa por ter sido deixada. Naquela época a situação era bem diferente. Só queria que Dora estivesse viva e bem em algum lugar. Mas agora era ruim saber que não haveria uma relação próxima para elas. Ainda estavam em guerra, com a Inglaterra e a Escócia lutando de lados opostos e a distância era muito grande. Não era fácil para os escoceses cruzarem para esse lado, por mais que o conde ordenasse a seus vassalos que não os atacassem. Diarmad certamente seria contra por sua preciosa esposa em risco constante, não só pela viagem, mas pelos desafios que a passagem para Inglaterra representava. E ele tinha sua própria fortaleza e seu povo para cuidar. Além de seus filhos que estariam viajando com eles se os trouxessem. E Elene jamais poderia deixar a proteção de Havenford para ir às montanhas escocesas. Era perigoso demais, ninguém ali se iludia que a derrota dos Golwin na última guerra havia transformado tudo num lindo mar de paz. Muita gente gostaria de capturá–la, dos dois lados da fronteira. E levar seus filhos seria como pedir para ser caçada. – Você tinha que ir tão longe assim? – perguntou Elene, com desanimação na voz. – Você também está um bocado longe de casa, garotinha – devolveu Dora num tom parecido. – Não temos mais uma casa, você sabe. – Aquele maldito, filho de uma porca. Por que ele ainda está vivo? – Ele quase foi morto aqui, mas eu não queria meu marido com as mãos sujas do sangue daquele maldito.
– Bem, eu também não. E você sabe como seria se descobrissem que um líder escocês matou um nobre inglês. Meus garotos gostam de sua considerável liberdade. – Você precisa me contar como acabou se casando com Diarmad. Eu pensava que, bem... Ele era só um fazendeiro ou um cavaleiro capturado. – De certa forma. Eu conto, se você me contar tudo desde que chegou aqui e como esse seu conde caiu de amores. – Minha história começa antes de chegar aqui. – Mesmo? O que você aprontou? Elene olhou para a irmã e sentiu vontade de contar tudo. Mas não, a vida dela tinha dois lados e iria contar o seu. – É mais fácil eu lhe mostrar. Venha, guardo as cartas lá em cima. Numa arca, junto com as do meu marido. Infelizmente, Diarmad não podia ficar muito tempo longe de seu clã e não havia planejado uma estadia longa, a viagem foi mesmo para atender ao pedido desesperado de Dora que precisava ver a irmã e conseguir seu perdão. Era uma culpa que ela levava diariamente e nunca a abandonava, ainda mais quando soube da suposta morte trágica de Elene. A sua vida nunca mais foi a mesma desde aquele dia. Diarmad sofria vendo a tristeza da esposa, ela estava apagada, definhando. Enquanto soube que a irmã estava vivendo com a tia delas por parte do ano e depois protegida no convento, conseguiu viver com a culpa de deixá–la e continuar escondendo de Erold que ainda estava viva. Mas depois que um dos cunhados voltou dizendo que Elene estava presa em Monthill, Diarmad foi obrigado a descer para rapta–la e leva–la para viver com Dora na Escócia. Eles acreditaram que ele havia chegado tarde quando Erold contou da morte e o homem apanhou um bocado enquanto gritava e jurava que era verdade. Na época, ele mesmo havia encomendado a morte, tinha certeza do resultado, os homens voltaram dizendo ter matado todos. Seria uma ótima desculpa para lorde Arrigan. Ele soube da verdade muito antes, mas Diarmad não voltou mais a Inglaterra para saber de Elene, até que as notícias sobre a guerra em Havenford chegaram, junto com todos os inúmeros boatos sobre a nova condessa. As irmãs se veriam mais três vezes, todas por poucos dias. E assim que se acertaram, Jordan e Diarmad provaram ser uma dupla bem engenhosa e conseguiram criar um bom plano. Assim Elene conseguiu conhecer seus sete sobrinhos, porque Dora teria mais um logo após voltar da primeira visita. Ao longo dos anos elas permaneceram trocando cartas esporádicas, porque também não era fácil conseguir que os mensageiros fizessem aquele trajeto entre os dois países.
*** Esta cena é material extra, presente apenas na versão impressa de Cartas do Passado, livro I da série Warrington. É recomendado ler a cena apenas após a leitura completa do livro I e antes de ler As Cartas da Condessa, livro II dos Warrington. Você pode encontrar os e–books à venda na Amazon, iBooks, Kobo, Livraria Cultura e Nook e adquirir o livro impresso na Amazon internacional ou no site da autora. Saiba mais sobre o livro e a autora: www.lucyvargas.net | www.facebook.com/lucyvargasbr