SILENCIÁRIO
NAQUELE DIA EM QUE PALAVRAS SE ENROLAVAM EM MINHA LÍNGUA EU NÃO CONSEGUIA DIZER EU TE AMO LARGO. NAQUELE DIA EM QUE CLAMEI POR JUSTIÇA E COMO UM MILAGRE OUVI EU TE AMO GRANDE FUI O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA. Naquele dia, 2010
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REVISTA SILENCIÁRIO
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Projeto experimental desenvolvido por Ludmilla Nascimento durante a disciplina Gráfica II do curso de Design Gráfico da Universidade Federal do Espírito Santo, sob orientação da professora Heliana Pacheco, no segundo semestre de 2011.
i IÇÃO
ED NESTA
A revista Silenciário busca difundir a obra de Jacinto Fabio Corrêa, poeta carioca que escreve desde 1989 e tem nove livros de poemas publicados, além de fotopoemas e audiopoemas disponíveis na internet. A idéia deste trabalho é abordar boa parte dos assuntos presentes no website de Jacinto numa revista de publicação mensal e grande tiragem. Driblando a limitação de espaço e pensando em futuras edições da revista, o conteúdo destas páginas não reflete o conteúdo integral do website e sim introduz o leitor ao mundo do poeta, através de textos e fotografias.
5 JACINTO, O POETA 6 HISTÓRIAS DE JACINTO 8 OS RECITAIS PODEM DESVENDAR AS POESIAS 10 OBRA COMENTADA
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Fotos: Divulgação
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JACINTO, O POETA
-----------------------------------------O poeta carioca Jacinto Fabio Corrêa, nascido em 1960, surgiu no cenário literário brasileiro em 1989, com a publicação de Entre Dois Invernos, produção independente que anunciava a opção do escritor pela poesia do detalhe, retratando as situações do dia-a-dia. O caos urbano, as chegadas e despedidas amorosas, a potência e a inocência das artes são alguns dos temas que habitam os livros de poesia de Jacinto. Outra particularidade marcante de sua obra é o casamento essencial entre a palavra e o visual - para o poeta, tão importante quanto apresentar os poemas escolhidos é ter a certeza de que eles receberam o tratamento gráfico adequado: “Na verdade, faço mais roteiros do que livros. Conto histórias através de versos e preciso de uma parceria visual”.
Essa proposta de trabalho é marcada principalmente pelo aspecto artesanal dos seus livros, em que cada exemplar é tratado individualmente, por meio de colagens de papéis, metais, madeiras e de acabamentos que se utilizam de cordas ou silk-screen para traduzir o lirismo dos poemas. Além de Entre Dois Invernos, Jacinto já lançou outros oito livros de poesia seguindo essa mesma linha de trabalho, com a criação visual sempre assinada pela designer Heliana Soneghet Pacheco: Cenas Nuas, Jogos Urbanos, O Derrame das Pedras, Pedaços - O Parasempre da Hora, O Di-ário do Trapezista Cego, Poemas Casados, Poemas Caseiros, Poemas Simples e Silenciário. Além disso, em 2008 lançou o DVD “Um diário para dois” e, em 2005, em conjunto com seu irmão, o cantor e compositor e cantor Paulo Corrêa, o CD de música e poesia Sinais Urbanos. Jacinto, que é jornalista e publicitário, atualmente integra o grupo Nós da Poesia, formado ainda pelas poetas Adele Weber, Lila Maia, Maria Dolores Wanderley e Helena Ortiz, e trabalha como diretor de Planejamento e Comunicação do Senac Nacional. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
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a INTO
E JAC D S A I R Ó HIST
BANHO DE MAR EM ICARAÍ
----------------------------------------------------------------= Janeiro sempre me obrigou a sonhar. Era a chance de vencer a minha melancolia e ter a sensação de que a esperança era o melhor caminho para a alegria. Era também o tempo de Hollyday on Ice, de férias na casa da madrinha e de praia – eu não era assim tão fã de praia, mas a cada janeiro acabava conhecendo uma diferente por conta da paixão de meu pai pelo mar. De conhecer o diferente eu era muito fã. Lembro que, sem saber que para lá em breve nos mudaríamos, meu pai levou a mim e a meu irmão à praia de Icaraí. Eu não tinha quase nenhuma informação sobre Niterói, muito menos sobre Icaraí, que deveria ser vizinha de uma tal Ingá e de uma determinada Itaipu. A única conexão que eu podia fazer com todos aqueles nomes é que pareciam formar uma terra roubada de índios. E fiquei sabendo também, durante a discussão de meu pai com minha avó, que a praia de Icaraí não era aconselhável para “banho de mar”. Quanto mais para crianças. Mas só o fato de não ser aconselhável para banho de mar fez de Icaraí um lugar digno de ser conhecido e do qual, provavelmente, eu me tornaria fã.
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Enquanto atravessávamos a baía de Guanabara, numa barcaça para carros – a ponte Rio-Niterói ainda era sonho distante -, meu pai começou a falar que Icaraí era uma praia muito bonita, muito calma, que a gente ia gostar muito. Ele adorava. O “ele adorava” era o seu pedido, elegante, de aderência. Não havia como recusar um pedido de meu pai. Além do mais, Icaraí não era aconselhável para banho de mar e a curiosidade de descobrir o porquê já carimbara o meu passaporte, de livre e espontânea vontade, para a pátria de um senhor chamado Araribóia. Niterói deveria mesmo ser um paraíso invadido pelo homem branco. Antes do primeiro mergulho, a aproximação com o mar e a constatação de um cheiro que me lembrava iodo, criticado pelos banhistas ao lado, que culpavam o prefeito por nada cuidar da praia. Mas eu gostei tanto daquele cheiro de remédio ou planta, não sabia definir, algo que me dava vontade de esfregar na pele.
Fiquei ali, alisando meu corpo com aquela água amarronzada, como que participando de um ritual de cura antes de mergulhar. Eu ouvira na TV que banho de mar era excelente para a saúde. Eu tinha algumas dores para sarar e achei que as águas de Icaraí ajudariam. Seria esse o seu segredo? Mergulhei e, para não perder tempo, abri logo os olhos, vendo quase nada. Era tudo escuro, denso, percebia mais movimentos que corpos. Era esse o seu segredo. Voltei para o Rio certo de que minha avó havia se equivocado. Icaraí era totalmente aconselhável para banho de mar, em especial para crianças inteligentes. E tinha tudo – mistérios, encantamentos e muitas histórias escondidas - para ser uma tentativa de porto feliz para a nova família que meu pai nos daria. Nas águas de Icaraí, ainda moravam os índios sobreviventes do massacre dos homens brancos: por conhecerem
os deuses com certa intimidade, pediram o milagre de se tornarem a sombra dos peixes para de sua terra não saírem. Por isso nada se via com nitidez sob o turvo daquelas águas. Ao voltar do mergulho, sem querer meu pai confirmou a minha teoria: “Pena aqui não ser bom para a pesca. Seria ótimo voltar do trabalho e ficar pescando enquanto os meninos se divertem”. Fingi não ouvir o segredo de meu pai, confessado a uma amiga que, mais tarde, viria a ser minha madrasta, e guardei o segredo de Icaraí, nem a meu irmão contando sobre a descoberta. - - - - - - - - - - - - - - - - - DISPONÍVEL EM JACINTOCORREA.COM.BR Foto: Divulgação
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OS RECITAIS PODEM DESVENDAR AS POESIAS
------------------------------------------------------------------------------------DISPONÍVEL EM JACINTOCORREA.COM.BR Fotos: Divulgação
Até ser convidado pela escritora Olga Borelli para fazer uma apresentação mais longa em São Paulo, em 1999, nunca havia recitado meus poemas em público. Achava que não daria para a coisa. De lá para cá, percebi o prazer infinito de poder, não apenas apresentar as minhas poesias, como também desvendálas: o verso falado, muitas vezes, é melhor assimilado. Outras vezes não, é verdade, fica sendo apenas uma confissão dividida entre livro, mãos e olhos.
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Uma curiosidade: após aceitar o convite da Olga, fiquei dias pensando em como me apresentar a pessoas que nunca haviam ouvido falar de mim. Veio a idéia de escrever um texto poético sobre o meu nascimento, que batizei de “A espécie de anunciação”, que acabou abrindo o meu livro seguinte, Poemas casados. Depois da experiência inicial em São Paulo, meus amigos me cobraram fazer uma apresentação no Rio. Peguei carona em um dos shows de meu irmão, o cantor e compositor Paulo Corrêa, ainda em 1999, abrindo o seu espetáculo com o mesmo minirrecital que fiz na capital paulista. Foi muito legal. Um retorno que eu realmente não esperava. E passei a aceitar com mais regularidade os convites para participar de recitais coletivos. A boa recepção do minirrecital no Rio me levou a montar meu primeiro recital individual, chamado Sete senhas, no ano 2000. Baseado no poema “O tratado dos mágicos”, o recital conta a história de um poeta que sai pelas ruas da cidade espalhando poemas pelos postes para que a pessoa amada não se esqueça. Talvez seja o poema que ainda hoje eu mais goste. Convidei o meu irmão para fazer a trilha e uma participação musical no recital. Pablo Esdras desenhou as “sete senhas” que eu pregava em forma de ilustrações num pano vermelho cravado de botões, cenário criado pela artista plástica Alba D’Almeida. Outra curiosidade: durante o processo e criação do Sete senhas, escrevi o texto poético “A quatro mãos”, como se fosse uma continuação de “A espécie de anunciação”. É sobre São Damasceno, santo padroeiro inventado por poesia, que está sempre presente.
Este texto fecha o livro Poemas casados e é um dos que mais alegrias me trouxe na vida, por eu ter travado, inconscientemente, um diálogo com o Menino Jesus, de Fernando Pessoa. Vale registrar que essa participação do Paulo no Sete senhas acabou inspirando fazermos um CD e espetáculo de música e poesia juntos chamados Sinais urbanos. O espetáculo Sinais urbanos demorou um bom tempo para ser encenado. Tentamos alguns roteiros, com a ajuda do cineasta e músico Luís Alberto Rocha Melo, mas não achávamos o tom. Ficamos de 2001 a 2002 nessa gestação, até que o filho nasceu – e com um subtítulo que explicava tudo: “Itinerário poético-musical dos errantes”. Ou seja, o espetáculo era um retrato da minha poesia e da música do Paulo diante do caos urbano, das tentativas de encontro, dos abandonos, da esperança de vencer: “A um passo do nada, eu vôo” (poema final do livro O derrame das pedras).
Mas antes de apresentá-lo, decidimos que faríamos um CD, gravado ao vivo no estúdio, para deixar registrado o nosso encontro poético-musical. Para ilustrar, utilizamos os desenhos do Pablo Esdras criados para o Sete senhas. As tais voltas que o mundo dá. Atualmente, estou me dedicando à criação de meu segundo recital individual, chamado Um diário para dois, baseado nos livros Poemas caseiros e Poemas simples, lançados em outubro de 2007 Se tudo correr bem, estréio no início de 2008. Bem, tudo isso para dizer que falar poesia é muito diferente de escrever, que é muito diferente de publicar. São emoções particulares que, às vezes, se complementam, às vezes, não. Escrever é uma necessidade íntima, permanente. Publicar é uma necessidade ocasional, muito ligada a sonhar e querer ver o sonho concretizado. Recitar é uma necessidade de explicar ao outro o que escrevi ou publiquei – e também uma necessidade de namorar um pouco a quem me assiste. - - -
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a DA
NTA E M O C A OBR por Jacinto
êa Fabio Corr
ENTRE DOIS INVERNOS: O LIVRO DA ENCANTAÇÃO -----------------------------------------------------O fio condutor de Entre dois invernos são as quatro estações. Começa e termina em invernos e, de forma quase imperceptível, vai se dividindo em capítulos invisíveis demarcados pelas estações. Começo e termino o livro utilizando imagens de bruxa e fada, tentando fazer um contraponto e uma mistura entre bem e mal, amor e desamor, solidão e delicadeza.
Entre dois invernos Rio de Janeiro, 1989 106 páginas, 79 poemas e textos poéticos
DISPONÍVEL EM JACINTOCORREA.COM.BR
Entre dois invernos é um livro de amor a dois, em que as imagens se baseiam também no universo das encantações: além de bruxas apaixonadas, fadas horrorosas, fala muito da relação arte x artista, principalmente com referências ao circo (uma paixão que, em 1999, dez anos depois, escancararia em O diário do trapezista cego. Acho que o poema que sintetiza o livro é “Trapezista”. Para mim, são textos inocentes, profundos, apaixonados, que, embora não tenham um polimento poético, valem pela imensa carga emotiva que carregam. São poemas curtos, quase lamento, quase alegria, mas redondos em sua existência. A maioria pertence aos anos de 1986 a 1988, tendo apenas um de 1982 – o ano de publicação foi 1989. Entre dois invernos traz, também, alguns apontamentos sobre poder, família e escrita. Foi meu primeiro e inesquecível livro. Criá-lo me trouxe um prazer que acredito que jamais conseguirei descrever. Ainda hoje, tantos anos depois, o olho com respeito, mesmo sabendo de sua ingenuidade vestida de pretensa maturidade. Porque é um livro corajoso, aberto, com poemas que falam diretamente ao coração das pessoas, emocionado, falsamente despretensioso, assumidamente numa primeira pessoa do singular em que o leitor pode achar que funciona como um disfarce. Não é. Cem por cento eu. Todos aqueles encontros, partidas, expectativas foram experimentados. E mais: Entre dois invernos, assim como na montagem dos livros posteriores, confirmava a importância que eu dava – e que ainda dou – à seqüência que os poemas devem ter no livro. Na verdade, acho que, mais do que livros, faço roteiros de poesia (nunca escolho os melhores, mas aqueles que se encaixam na idéia central que quero transmitir). - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
PREPARE-SE O CAMINHO É LONGO OS CARROS PASSAM COMO FLECHAS MÃO E CONTRAMÃO OS SINAIS ABREM E FECHAM MEUS OLHOS NÃO OUÇA A VERSÃO INTEGRAL DESTE POEMA. POSICIONE O LEITOR DE QR CODE DO SEU CELULAR SOBRE O CÓDIGO ABAIXO OU COPIE E COLE O LINK NA BARRA DE ENDEREÇOS DO SEU NAVEGADOR.
http://bit.ly/t6hopm