Artigo publicado no livro Juventude em perspectiva: múltiplos enfoques. Organizado por: Eliane Ribeiro; Diógenes Pinheiro; Luiz Carlos Gil Esteve (Org.) Sobre Participação: processos e demandas Luisa Barbosa Pereira e Vanessa Messina1 O presente artigo pretende apresentar alguns comentários e resultados de uma rica pesquisa realizada durante a 2a Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude (2ª CNPPJ), a partir da perspectiva da participação juvenil. Tal pesquisa, coordenada pelas professoras Eliane Ribeiro e Regina Novaes, foi realizada pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO) e contou com uma matriz tanto qualitativa quanto quantitativa, focada principalmente na aplicação de questionários junto aos participantes. Assim, apresentaremos inicialmente uma breve discussão sobre a participação juvenil no Brasil a partir dos anos 90, e a construção da pauta de juventude como resultado disso. Entendemos esse processo, que contou com a atuação de diferentes atores sociais, como fundamental para o avanço recente das políticas públicas de juventude no país. Em seguida, exporemos alguns dados sobre as formas de participação dos jovens presentes na 2a CNPPJ, mostrando que esses são ativistas do movimento social e que mesclam diferentes formas (“novas” e “velhas”) de atuação política. Em seguida procuraremos, a partir da análise de relatórios e documentos do grupo de trabalho 20 (sobre participação e fortalecimento institucional) e da observação participante2, expor o desenvolvimento deste grupo e o “participativo” debate que construiu três propostas finais à plenária de eixo. Por fim, apresentamos algumas considerações gerais que muito mais do que finalizar o debate, apontam para a necessidade de maior discussão e superação de desafios. ParticipAção
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Luisa Barbosa Pereira é formada em Ciências Sociais é doutora em sociologia pelo Programa de Pós-‐graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ. Vanessa Messina é Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-‐graduação em a Educação da Unirio. Ambas participaram da sistematização do texto base a 2 Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude. 2
a
As autoras tiveram a oportunidade de acompanhar o grupo de trabalho 20, referente ao tema participação, na 2 CNPPJ.
Podemos considerar que apenas recentemente a discussão sobre políticas públicas passou a incorporar a opinião da juventude, tanto na elaboração quanto na avaliação das mesmas. Tais reflexões no Brasil são fruto de um logo processo de mobilizações e debates que vêm sendo acumulados principalmente a partir do final dos anos 903. Nesse período no Brasil, como mostra Abramo (2007), o foco das políticas públicas concentrava-se na ideia de tutela e proteção, que vinha fundamentada pelos parâmetros do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990. Não à toa, os serviços e os programas montados pelo Estado e pela sociedade civil adotavam como limite os jovens de até 18 anos, excluindo grande parte da população jovem. O paradigma da “juventude problema” permeava tanto as análises, quanto as políticas públicas de juventude. Foram criados programas, que tinham como foco o jovem excluído. Esses, voltados para controlar e/ou compensar as mazelas que atingiam a juventude brasileira (SPOSITO, 2003). O quadro só deu sinais de mudanças a partir do início dos anos 2000, com uma série de eventos voltados para a participação juvenil e que acumularam decisivamente para a reflexão de políticas de juventude. Um marco desse processo foi a realização do Festival da Juventude em Brasília, na gestão do então governador Cristovão Buarque em 1998. A atividade se configurou como um mosaico de manifestações da juventude brasileira e se consolidou como uma iniciativa, ainda que embrionária, basilar para o debate sobre políticas públicas de juventude, merecendo sempre ser referida e valorizada. Destacam-se ainda as duas edições do Vozes Jovens (2004 e 2005) organizadas pelo Banco Mundial; a criação da Rede Nacional de Organizações de Juventude (RENAJU) e o Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis (Fonajuves); o Diálogo Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis; entre outros encontros e eventos promovidos pela sociedade civil, agências e organizações não-governamentais (MOREIRA, 2011). No âmbito legislativo, devemos citar o trabalho da Frente Parlamentar de Juventude da Câmara dos Deputados que, provocada pelo movimento social, realizou uma Conferência de Juventude (2004); audiências públicas em todo país; e elaborou projetos de lei como o Plano Nacional de Juventude (4.530/2004) e o Estatuto da Juventude (4.529/2004), aprovado apenas no ano de 2012, e tendo como relatora a deputada Manuela D’Avila (PCdoB-RS), uma das deputadas mais jovens do Congresso Nacional. 3
A definição pela Organização das Nações Unidas do Ano Internacional da Juventude, em 1985, foi certamente um impulso fundamental para isso. Além disso o 14º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes em Havana (1997); o “Plano de Ação de Braga para a Juventude” (1998); a Estratégia de Dakar para o Empoderamento da Juventude” (2001), certamente ampliaram o espaço para o debate sobre políticas públicas de juventude.
O avanço nas políticas públicas de juventude é fruto de todo esse fértil processo de discussão, que se materializou no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) com a Lei 11.129, de 30/06/2005 que criou a Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem). Uma referência da consolidação dessa plataforma e da esfera da participação juvenil na construção e avaliação das políticas públicas foi a realização da 1ª Conferência Nacional de Juventude, em 2008. Convocada pelo Conjuve e pela SNJ, a 1a Conferência envolveu cerca de 400 mil participantes em todas as suas etapas, contou com Conferências Municipais, Estaduais, Livres, Consulta aos Povos e Comunidades Tradicionais e culminou na Conferência Nacional, em Brasília, com cerca de 2.500 participantes. A Conferência discutiu e aprovou mais de 70 proposições, sendo 22 eleitas como prioritárias para a política nacional de juventude. Pavimentou também, os caminhos para a aprovação da Emenda Constitucional 65/2010 que inseriu o jovem como sujeito de direito na Constituição Federal, e do Estatuto da Juventude, na Câmara Federal. Três anos após a realização dessa 1a Conferência Nacional, um novo processo de diálogo foi aberto. A 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude (2ª CNPPJ), com o tema consolidar direitos e desenvolver o Brasil, deu mais um importante passo na construção das políticas públicas de juventude através da participação dos jovens. Os jovens da 2a CNPPJ participam do quê? Quando olhamos para os jovens participantes da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude devemos ter a perspectiva de que esses são jovens mais ou menos engajados. A chegada à etapa nacional da Conferência já pressupõe algum nível de militância juvenil. Por isso, a análise desse público não pode ser entendida como parâmetro imediato de comparação à juventude brasileira em geral. Entretanto, esses dados trazem importantes elementos para pensarmos quem são e do quê participam as lideranças juvenis do Brasil. Contrariando as análises que identificam uma menor disposição para a mobilização da juventude na atualidade ou a migração de jovens dos “velhos” movimentos sociais, tais como partidos políticos e entidades de classe, para os “novos” movimentos, ligados às questões identitárias e de reconhecimento, a presente pesquisa indica que tal relação é bem mais complexa e a fronteira entre esses diferentes movimentos, fluida e dinâmica. Brenner e Carrano (2008), fazendo uma crítica à perspectiva de que os jovens de hoje não se interessam por política e por participação social, identificaram que o interesse e a participação desses
na vida pública, mesmo que os contextos sociais e econômicos dificultem, se mantêm. Por mais que alguns autores identifiquem o desencanto de determinados jovens com a chamada “política convencional”, essa política se refere muito mais aos vícios e práticas corruptas e segregadoras, presentes em diferentes espaços da vida pública, do que a participação política em geral. Goulart e Francisco (2007), em pesquisa com jovens brasileiros que participam de programas sociais no Brasil, também mostraram que os jovens atendidos por programas tendem a avaliar de forma mais otimista sua atuação na vida política, para a transformação social. Para 91%, “o jovem pode mudar a política para melhor”. Já para 47% dos que não tem atuação em programas sociais e por isso, carecem de uma experiência mais coletiva em contextos de sociabilidade, a política “é um ambiente contaminado e por conseguinte, o jovem deve buscar outros canais de participação”. Tal cenário, como indica Castro e Abramovay (2009), apesar de evidenciar uma crescente recusa dos jovens à política convencional (ou à distorção dessa política) não significa um apoliticismo e nem mesmo uma ausência de engajamento político (Idem, 2009, p. 34)4. A recusa desses jovens não é necessariamente à participação ou aos movimentos sociais, e sim às práticas consideradas equivocadas nesses espaços de ação coletiva. Segundo informações do Conselho Nacional de Juventude estiveram presentes nesta 2ª CNPPJ um total de 3.000 participantes, entre delegados e demais convidados. Deste total, contabilizou-se a participação de 1.400 delegados credenciados. Os delegados totalizaram 80,6% dos respondentes dos questionários da pesquisa em questão. Os observadores representaram apenas 11,6%, seguidos pelos convidados (6,0%) e pelos não delegados (1,7%), como mostra o gráfico 1. Gráfico 1 – Tipo de participação na 2ª CNPPJ
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Na detalhada pesquisa referente à 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude editada pelo Conselho Nacional de Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude e a Rede de Informação Tecnológica Latino Americana. Os relatórios e publicações desta pesquisa serviram como importante referencial para a elaboração do presente artigo.
A grande maioria dos presentes (84,5%) também afirmou não ter participado da 1a Conferência em 2008, o que revela uma alta renovação do público.
Gráfico 2
Do total dos entrevistados apenas 2,3% não participam de nenhuma associação. Por outro lado, 97,7% já fizeram ou fazem parte de algum grupo ou organização juvenil, como mostra a tabela 1. E ainda, quase a metade dos participantes tem o partido político como principal atividade de participação, totalizando 48,9% (tabela 2). Tabela 1 - Participação em grupos ou organizações – Geral N Válidas Não Participam de nenhum grupo ou organização 19 Participam ou já participaram de algum grupo ou organização 821 Inválidas Não responderam 43
% % Válido 2,2 2,3 93,0 97,7 4,9
Total
883 100,0 Tabela 2 – Grupo dos quais participam Participam
Válidas
Partido Político Grêmio escolar Secundarista Universitário Sindicato ou associações de bairro Grupo ligado à religião Grupo ligado ao meio ambiente ONGs e projetos sociais Não participam de nenhum grupo Total Inválidas Não responderam Total
N 542 178 135 182
% 44,8 14,7 11,2 15,1
% Válid o 48,9 16,1 12,2 16,4
282 251 132 333
23,3 20,8 10,9 27,5
25,5 22,7 11,9 30,1
22 1108 79 1108
1,8
2,0
A filiação partidária desses indivíduos é variada. Entretanto, é possível verificar uma maior identificação com os partidos de esquerda que atuam na composição atual do governo federal, sendo: 40,7% vinculados ao PT; 20,9% ao PCdoB, e 6,9% ao PSB. Estes três são seguidos do PMDB (5,4%), PDT (4,5%), PRB (4,2%), PSDB (3,3%), PR (2,9%), PTB (2,0%) e PHS (1,3%). Todos os outros partidos não ultrapassaram 1,0%, conforme indica a tabela 3. Essa pesquisa nos mostrou também que a grande maioria dos respondentes (92,2%) participa atualmente de algum partido. Tabela 3 - Participação em partidos políticos N % % Válidas PCdoB 115 9,5 válido 20,9 Válidas PP PT 224 18,5 40,7 PRTB PDT 25 2,1 4,5 PSC PMDB 30 2,5 5,4 PTN PSDB 18 1,5 3,3 PAM PSB 38 3,1 6,9 PSL PRB 23 1,9 4,2 PRT PTB 11 ,9 2,0 PCB PR 16 1,3 2,9 PSDC PSOL 3 ,2 ,5 PMN PV 4 ,3 ,7 DEM PHS 7 ,6 1,3 PCR
N 5 3 2 2 3 2 1 2 1 1 1 1
% % ,4 válido,9 ,2 ,5 ,2 ,4 ,2 ,4 ,2 ,5 ,2 ,4 ,1 ,2 ,2 ,4 ,1 ,2 ,1 ,2 ,1 ,2 ,1 ,2
PPS 3 ,2 PPL 4 ,3 Total 551 45,6 Inválidas Não 658 54,4 responderam Total 1209 100,0
,5 ,7 100,0
PJT Outros
1 5
,1 ,4
,2 ,9
Esses participantes, entretanto, não foram eleitos delegados da 2ª CNPPJ apenas por sua atuação partidária. Uma outra tabela mostra que os principais espaços que levaram os respondentes a participar da Conferência foram o movimento estudantil (15,5%), os conselhos de juventude (15,4%) e em seguida o partido político (12,5%).5 Como mostraram Castro e Abramovay (2009), em pesquisa semelhante sobre os participantes da 1a Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, mesmo que existam campos e escolhas relativos às formas de participação, jovens combinam cada vez mais diferentes frentes de atuação, reunindo várias bandeiras (Idem, p. 69). Tal consideração, além de dialogar com a dicotomia entre novas e velhas formas de fazer política, mostrando que essas fronteiras não são rígidas, questiona as perspectivas que consideram, de forma simplista e linear, uma apatia da juventude de hoje. Tabela 4 - Tipo de participação na 2ª CNPPJ Válidas
Participante de movimento estudantil Participante de conselho de juventude, municipal, estadual e nacional Representante de partido político Outro. Qual?6 Gestor de políticas públicas voltadas para a juventude Participante de grupo rural Representante de grupos ou pastorais religiosas Associado a sindicatos Participante da área da cultura, comunicação e informática Representante de grupos indígenas
N 155 154
% % válido 12,8 15,5 12,7 15,4
125 108 106 51 43 40 30 28
10,3 8,9 8,8 4,2 3,6 3,3 2,5 2,3
12,5 10,8 10,6 5,1 4,3 4,0 3,0 2,8
5
Perguntava-se, portanto, de que setores da sociedade os respondentes se consideravam representantes no evento.
6 Importante destacar que uma parte dos respondentes (108) indicou fazer parte de outro movimento. Desta forma, a
partir da leitura criteriosa dos registros efetuados, a equipe de pesquisa procedeu a uma nova categorização onde concluiu que a maior parte destes representantes são oriundos de movimentos sociais e ONGs (28 respondentes). Os representantes de movimentos e órgãos de juventude totalizam 25 pessoas. Identificou-‐se ainda 17 representantes do poder público, 11 da sociedade civil e 24 de movimentos diversos. Duas pessoas tiveram respostas nulas e uma pessoa não respondeu três pessoas
Representante de grupos quilombolas e comunidades 27 2,2 tradicionais Participante de pastorais católicas 22 1,8 Participante de associações de moradores/comunitárias 21 1,7 Participante do movimento negro 20 1,7 Participante de grupo/rede ambientalista 17 1,4 Participante de grupos evangélicos 12 1,0 Participante de grupo de feministas ou de mulheres jovens 12 1,0 Jovem do Projovem 12 1,0 Representante de entidades do movimento LGBT 8 ,7 Participante de grupos hip-hop 7 ,6 Representante de povos de terreiros 4 ,3 Total 1002 82,9 Inválidas Nulas 134 11,1 Não responderam 73 6,0 Total 207 17,1 1209 100,0 Total
2,7 2,2 2,1 2,0 1,7 1,2 1,2 1,2 ,8 ,7 ,4 100,0
Grande parte dos jovens presentes na Conferência já ocupou cargo na gestão pública de políticas de juventude7. Contudo a maioria dos presentes (59,3%) nunca havia participado nem de conselhos nem desses espaços de gestão, como mostra o gráfico 2. Gráfico 2
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A pergunta incluiu também a participação em conselhos de juventude: “Você já ocupou algum cargo na gestão pública ligado à juventude ou em conselho de juventude? “
A participação juvenil e o fortalecimento institucional foram também considerados pelos presentes na 2a Conferência como um dos temas mais interessantes de discussão, ficando atrás apenas do tema “educação fundamental, médio, superior e profissionalizante”.
Gráfico 3 – Tema mais interessante do debate nesta Conferência
Não à toa, a qualidade da educação é vista como o principal problema brasileiro, sendo indicada de forma não induzida por 46,9% dos participantes (tabela 4). Tabela 5- Os três problemas mais graves do Brasil segundo os respondentes Três problemas mais graves do Brasil N % % válido Válidas Qualidade de educação 515 42,6 46,9
Corrupção Violência Fome Desigualdades sociais Pobreza Qualidade da saúde Racismo Desemprego Destruição do meio ambiente Exploração sexual de crianças e adolescentes Sistema de classes sociais Narcotráfico Violência contra mulher Falta de emprego decente Imperialismo Falta de opções culturais Outros Discriminação de deficientes Falta de opções de lazer Falta de opções esportivas Exclusão digital Total de respondentes Inválidas Não responderam Anuladas Total Total
449 391 360 315 199 185 160 115 104
37,1 32,3 29,8 26,1 16,5 15,3 13,2 9,5 8,6
40,9 35,6 32,8 28,7 18,1 16,8 14,6 10,5 9,5
102 8,4 64 5,3 57 4,7 57 4,7 49 4,1 37 3,1 25 2,1 18 1,5 16 1,3 14 1,2 11 0,9 10 0,8 1099 90,9 21 1,7 89 7,4 110 9,1 1209 100,0
9,3 5,8 5,2 5,2 4,5 3,4 2,3 1,6 1,5 1,3 1,0 0,9
Tal fato indica uma relação entre o tema de principal interesse dos presentes na 2a Conferência, como mostrou o gráfico 3, com o que estes indicam como o principal dentre os 3 problemas mais graves do país (tabela 4). A corrupção aparece como o segundo maior problema, apontado por 40,9% dos respondentes, e a violência como o terceiro maior problema (35,6%). Os presentes também indicaram suas prioridades para as políticas públicas de juventude. Assim, percebe-se que o direito à educação (85,1%), ao trabalho (43,8%) e à participação (38,7%) apresentam as maiores frequências junto aos participantes que responderam a esta questão8. 8
Assim como em outras questões que apresentaram múltiplas respostas, a equipe de pesquisa optou por computar os percentuais de representatividade em função do número de respondentes e não do número total de respostas fornecidas. Assim, percebe-‐se que o direito à educação (85,1%), ao trabalho (43,8%) e à participação (38,7%) apresentam as maiores frequências junto aos participantes que responderam a esta questão. Os direitos à comunicação (7,5%), sexuais e reprodutivos (5,1%) e ambientais (4,4%) ocupam as últimas colocações com pequenas diferenças percentuais.
Tabela 6 -‐ Direitos a serem priorizados nas Políticas Públicas de Juventude (%) N % % válido Válidas Direito à educação 939 77,7 85,1 Direito ao trabalho 484 40,0 43,8 Direito à participação 427 35,3 38,7 Direito à saúde 262 21,7 23,7 Direito ao transporte público gratuito 194 16,0 17,6 Direito à segurança 191 15,8 17,3 Direito à cultura 182 15,1 16,5 Direito ao esporte e lazer 133 11,0 12,0 Direito à comunicação 83 6,9 7,5 Direitos sexuais e reprodutivos 56 4,6 5,1 Direitos ambientais 49 4,1 4,4 Outro 18 1,5 1,6 Total de respondentes 1104 91,3 100,0 Inválidas Não respondidas 41 3,4 3,7 Anuladas 64 5,3 5,8 Total 105 8,7 9,5 Total
Na cena da etapa nacional da 2a Conferência de Políticas Públicas de Juventude: GT 20 Participação A discussão no grupo de trabalho (GT) do tema participação foi uma das mais acirradas na etapa nacional desta Conferência, do início ao fim. O debate, que contou com 87 delegados(as), 22 observadores(as) e convidados (as), foi composto essencialmente por conselheiros de juventude (nos níveis municipais, estaduais e federal) e por membros de diferentes movimentos de juventude. Inicialmente, a coordenação do GT encontrou dificuldade em iniciar os trabalhos e foi questionada pela metodologia adotada.9 O impasse atrasou o início do debate, gerou uma indisposição do plenário com a coordenação do GT, acirrou os ânimos e, de certa forma, contaminou também as discussões seguintes. A primeira atividade do GT apresentou as seguintes questões provocadoras: 9
Tal fato levou alguns participantes a se retirarem do debate. O principal questionamento foi relativo a ausência dos coordenadores nas reuniões preparatórias do GT, o que teria gerado um desconhecimento desses sobre a dinâmica a ser adotada.
1. Quais os pontos de participação poderiam possibilitar que a juventude construísse, como ator estratégico, um modelo de desenvolvimento que seja justo, equitativo, sustentável e radicalmente democrático, contemplando todas as diversidades? 2. A reforma política é exigência central hoje, para ampliar e aprofundar a democracia e fortalecer a democracia participativa. Qual a contribuição das organizações jovens para efetivação de uma verdadeira reforma política? 3. De 1988 (nossa última Constituição) para cá, construímos vários canais institucionais de participação como conselhos, conferências, ouvidorias, audiências, consultas públicas, referendos e plebiscitos. Quais os aperfeiçoamentos necessários para assegurar a participação das juventudes nestes espaços? 4. Como ampliar as formas de participação social através das novas mídias e das tecnologias da informação? 5. Quais as contribuições das juventudes na construção de uma política nacional e de um Sistema Nacional de Participação Social? 6. Que outras formas de participação e quais outros atores juvenis podem ampliar a legitimidade dos canais existentes? O debate seguiu tendo como base o texto de referência à etapa nacional da Conferência, com a leitura e os destaques ao documento. Os temas que tiveram maior recorrência no debate foram os relacionados aos conselhos de juventude, nos âmbitos nacional, estaduais e municipais, e a porcentagem da representação juvenil nos conselhos de diferentes áreas. Sobre os conselhos estaduais e municipais, as reivindicações foram muito além da simples implementação. Por mais que muitas cidades (inclusive capitais) e estados ainda não possuam estes conselhos, os jovens presentes no debate defenderam que apenas a sua criação não garantiria, por si só, a sua democracia interna, seu funcionamento, a implementação e a avaliação das políticas públicas de juventude em cada localidade. A ausência de dotação orçamentária, sede própria, autonomia de gestão e transparência nas eleições foram encaradas como problemas centrais. Também questionou-se, em alguns casos, a influência e tutela do executivo tanto nessas eleições quanto na própria gestão dos conselhos. Os presentes reivindicaram ampliação dos conselhos de juventude, com garantia de autonomia e poder a esses, e também aos já existentes.
De acordo com o último mapeamento realizado pelo Conjuve (2010)10 existem no Brasil cerca de 105 conselhos municipais e estaduais de juventude. Deste total, 47% estão localizados na região sudeste, 58% têm composição paritária e 53%, caráter deliberativo. O maior desafio, apontado por 49% dos conselhos, é a falta de orçamento. Em relação ao próprio Conselho Nacional de Juventude muitas críticas foram feitas à sua composição e aos critérios implementados na eleição das entidades que o compõe. Grande parte dos presentes desconhecia a metodologia do processo eleitoral de entidades ao Conjuve e sugeriu propostas para seu aperfeiçoamento. O questionamento à condução da mesa e à dinâmica dos trabalhos continuou sendo recorrente e acabou gerando lentidão aos encaminhamentos finais. Assim, foi articulado um acordo entre as principais lideranças da discussão nos minutos finais do debate e aprovou-se três propostas principais. São elas: 1- Aprovar ainda em 2011 o estatuto da juventude que é uma grande conquista da juventude brasileira. 2- Para reafirmarmos o Conselho Nacional de Juventude, quanto a sua diversidade e representatividade, é necessário incorporar o máximo de movimentos e entidades que tenham suas ações nacionalmente voltadas para a juventude. Os membros da sociedade civil no Conselho Nacional de Juventude serão representantes de entidades e movimentos de caráter nacional, escolhidas em processo seletivo. Configura-se entidades e movimentos de caráter nacional aquelas que atuam no mínimo em 7 (sete) estados ou 3 regiões. Poderão candidatar-se as entidades e movimentos que se enquadrarem em uma das seguintes categorias: a) redes e articulações de juventude que atuem na defesa e promoção dos direitos da juventude (2/3 do Conjuve); b) organizações mistas (com jovens e não-jovens) de caráter sindical, associativa, profissional ou de classe que atuem na defesa e promoção dos direitos da juventude (1/3 do Conjuve).
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Informação obtida no site da Secretaria Nacional de Juventude, disponível em: http://www.juventude.gov.br/conjuve/guia-‐de-‐conselhos-‐de-‐juventude/os-‐conselhos-‐de-‐juventude-‐no-‐brasil Acesso dia 04.07.12 às 14h.
3- Os Conselhos de Juventude no Brasil devem se constituir através das seguintes características/atribuições: a) Representar a juventude e promover melhorias, qualidade de vida e acesso às ações e projetos diversificados; b) Com caráter deliberativo e fiscalizador com cotas de 3/5 de jovens; c) Com atuação especificamente jovem; d) Com obrigatoriedade de inserção juvenil; e) Com alternância de sociedade civil e poder público na presidência; f) Com garantia de espaço de participação nos conselhos municipais de juventude para os estudantes, LGBTs, mulheres, negros, pessoas com deficiência, entidade de bairro, trabalhadores, jovens do campo e de comunidades indígenas, entre diversos outros segmentos juvenis; g) Com sede própria; h) Acompanhado de Fóruns Municipais e/ou Territoriais e demais organizações de suporte/apoio ao conselho; i) Subdividido por conselhos regionais de acordo com o porte do município; j) Cujos membros da sociedade civil sejam eleitos em fóruns específicos de juventude, e não indicados, salvo quando não houver um fórum específico de juventude; k) Com dotação orçamentária específica prevista em LDO/LOA; l) Com prazo de mandato definido por lei; m) Com 3/4 de participação da sociedade civil, contemplando a participação dos povos tradicionais e comunidades indígenas.
As propostas procuraram agregar diferentes opiniões surgidas na discussão e foram aceitas pela ampla maioria dos presentes. As três propostas foram encaminhadas à plenária do eixo 5, que agregou o GT 20 (Participação) e o GT 21 (Fortalecimento Institucional) e foram votadas pelos membros dos dois GTs. A plenária de eixo aprovou as propostas 2 e 3, com 109 e 79 votos respectivamente11. Entretanto a proposta 3, relativa aos conselhos, sofreu alterações, conforme indica o trecho sublinhado abaixo: 11
A proposta do GT 21 aprovada na plenária de eixo foi relativa ao “sistema nacional de financiamento da juventude” e a recebeu 124 fotos. Essa e todas as propostas finais aprovadas na 2 CNPPJ estão disponíveis no site da Secretaria Nacional de Juventude: www.juventude.gov.br
“Os conselhos de Juventude no Brasil devem se constituir através das seguintes características/atribuições: a) Representar a Juventude a promover melhorias, qualidade de vida e acesso às ações e projetos diversificados; b) Com caráter deliberativo e fiscalizador com cotas de 3/5 de jovem; c) Com atuação especificamente jovem entidades que atuem no segmento de juventude; d) Com obrigatoriedade de inserção juvenil; e) Com alternância de sociedade civil e poder público na presidência; f) Com garantia de espaço de participação nos conselhos municipais de juventude para os estudantes, LGBTs, mulheres, negros, pessoas com deficiência, entidade de bairro, trabalhadores, jovens do campo e de comunidades indígenas, quilombolas, de terreiros e povos tradicionais entre diversos outros segmentos juvenis; g) Com sede própria; h) Acompanhado de Fóruns Municipais e/ou Territoriais e demais organizações de suporte/apoio ao conselho; i) Subdividido por conselhos regionais de acordo com o porte do município; j) Cujos membros da sociedade civil sejam eleitos em fóruns, assembleias e outros coletivos específicos de juventude, e não indicados, salvo quando não houver em fórum especifico de juventude; k) Com dotação orçamentária específica prevista em LDO/LOA e no PPA; l) Com prazo de mandato definido por lei e onde ainda não há conselhos, que sejam fomentados e incentivada a criação ; m) Com ¾ de participação da sociedade civil, contemplando a participação dos povos tradicionais e comunidades indígenas.” Essas duas propostas foram também aprovadas na plenária final e constam no documento das 26 propostas da 2a Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude. Importante destacar a preocupação dos jovens presentes na plenária de eixo quanto a inclusão da pauta específica dos povos e comunidades tradicionais. Os relatórios dessa pesquisa indicam que esta foi uma preocupação presente em todos os eixos de demandas. Algumas considerações
O Brasil tem, ao longo dos anos recentes, superado lentamente a perspectiva tutelar que marcou a política de juventude na segunda metade do século XX. Esse progresso é reflexo de um longo processo de discussões e mobilizações que envolveram a participação ativa de diferentes atores sociais: organizações não governamentais; entidades juvenis; parlamentares; gestores e indivíduos das mais diversas áreas de atuação, que tinham uma intercessão na militância pelas políticas públicas de juventude. A criação da SNJ, do Conjuve e a própria realização das duas edições da Conferência Nacional de Juventude são também espelho desse esforço coletivo. Entretanto, apesar dos avanços na esfera da participação juvenil, as discussões no GT 20 da a
2 CNPPJ mostrou que os desafios colocados ainda são muitos. As disparidades regionais, a ausência de conselhos de juventude e a falta de orçamento e autonomia dos conselhos existentes são elementos que demonstram dificuldades à consolidação de uma democracia mais participativa no âmbito da política pública de juventude. Com a apresentação dessa pesquisa pudemos perceber que os jovens presentes na 2a Conferência participam de diferentes movimentos sociais, e em sua ampla maioria, possuem filiação partidária e também, se mostraram atentos aos desafios do Brasil e interessados em sua discussão. Indicaram a qualidade da educação e a corrupção como maiores problemas do país e consideraram que os temas “educação fundamental, médio, superior e profissionalizante” e “participação juvenil e fortalecimento institucional” eram os mais interessantes da CNPPJ. Estes jovens também desejam muito além do que apenas a criação de conselhos de juventude. Mais do que apenas participação, esses anseiam e lutam por poder, para influenciar de fato as políticas
para
jovens
e
não
jovens
brasileiros.
Reivindicam
orçamento,
diversidade,
representatividade e força de decisão. Anseiam por conselhos em todas as cidades, com sede própria e com cotas de 3/5 de jovens em suas composições. Almejam autonomia e empoderamento (!) para que se avance mais nos direitos para os jovens de hoje, sujeitos do tempo presente e atores fundamentais para a “conquista de direitos” e para o “desenvolvimento do Brasil”. Referência Bibliográficas ABRAMO, Helena. Estado da questão no Brasil . In: Juventude e integração sulamericana: caracterizações de situação-tipo e organizações juvenis. Relatório Nacional do Brasil. Rio de Janeiro: Ibase, Pólis, Nov. 2007. BRENNER, Ana Karina; CARRANO, Paulo. Formas e conteúdos da participação de jovens na vida pública. Rio de Janeiro: Observatório Jovem do Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: http://www.
uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=541&Itemid=23.
Acesso
em: 02.06.2012 às 10h. CASTRO Mary; ABRAMOVAY, Miriam. Quebrando Mitos: Juventude, Participação e Políticas. Perfil, percepções e recomendações dos participantes da 1a Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude.– Brasília : RITLA, 2009. GOULART, Gabriela; FRANCISCO, Severino. Adolescente e jovens no Brasil – participação social e política. Brasília: UNICEF, FUNDAÇãO ITAÚ, INSTITUTO AYRTON SENNA, 2007. MOREIRA, D. Políticas Públicas para um novo projeto nacional de desenvolvimento: a experiência dos comunistas. São Paulo: Anita Garibaldi, 2011. SPOSITO, M. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa, 2003.