Mandala garante comida e renda
07.05.2006 A tecnologia é fundamental para a atividade do agricultor. Mas nem sempre ele tem dinheiro para comprar as novidades que aparecem. Agora, você vai conhecer um sistema de produção que, numa área bem pequena e com poucos recursos, consegue garantir comida e renda para o agricultor. A idéia vem da Paraíba. Numa horta, os canteiros são circulares e os aspersores feitos com hastes de cotonetes. Nela não se usa veneno, e o adubo que já vem junto com a água é bem natural. Esterco de patos, gansos e peixes que vivem em um tanque, bem no meio do cultivo. Este é o sistema mandala de produção integrada. Mandala, palavra de origem indiana, é um desenho composto por figuras geométricas concêntricas. Do ponto, de vista religioso, é uma representação do ser humano e do universo. Essa tecnologia pouco convencional tem como objetivo melhorar a qualidade de vida de pequeno agricultores. Gente como senhor Antonio Severo do Santos, que vive em um assentamento em Sapé, a 50 quilômetros de João Pessoa. Antes de construir a mandala, ele vivia como a maioria dos agricultores nordestinos: só plantava na época das chuvas e passava apertado para sustentar a família: mulher e cinco filhas. “Passou a chuva não tinha o que fazer, era esperar o outro inverno de novo. O que plantava na época do inverno guardava para comer no verão, até chegar o outro inverno para plantar de novo. Verdura, fruta, era muito difícil. Tinha que compra na feira um pouquinho só. Não dava, era dois ou três dias por semana e pronto”, disse o agricultor. Dona Lurdes, mulher de senhor Antonio, afirma que hoje a vida está mais fácil, tem mais qualidade: “Come direto verdura, vende e come. A gente tem comido o ano inteiro, melhorou muito”. As coisas começaram a mudar há um ano e meio, quando senhor Antonio conheceu Dr. Willy Pessoa Rodrigues, um administrador de empresas, que depois de passar anos criando projetos para a zona rural do Nordeste, desenvolveu o sistema mandala. “Esse sistema produz alimentação nada mais é do que juntar tecnologias apropriadas a cada realidade, tecnologias sociais, e adequar ao que melhor existe na tecnologia moderna", afirmou o administrador. “A gente fez um curso e nesse curso a gente aprendeu como fazia mandala. E eu fique satisfeito porque está produzindo, é bom para a família e é bom pra gente vender a sobra, que não usa para comer”. A mandala do senhor Antonio ocupa menos de 2 mil metros quadrados. Mas além da alimentação da família, já rende teto de R$ 300 por mês com a venda de excedentes. Dr. Willy explica de onde tirou a idéia de fazer a horta dessa forma: “as pessoas estão acostumadas a buscar grande quantidade de terra para plantar. Termina perdendo tempo, dinheiro e fica muito a desejar os plantios. Então o processo mandala, imagem e
semelhança do grande universo, e o universo são círculos desenhados concentricamente. A partir do círculo central você vai ter nove círculos, que representam os planetas. Difícil de entender? Vamos explicar melhor. A mandala é uma reprodução do nosso Sistema Solar, onde os planetas giram ao redor do sol. Na horta, funciona assim: no centro, representando o sol, fica um reservatório de água. Ao redor dele, nove círculos. “Vamos trilhando um processo modular onde, com baixo custo, você começa a produzir o primeiro círculo. Somente quando ele está produzindo, você passa para o terceiro, para o quarto e assim por diante até chegar o último". Para espalhar suas idéias, dr. Vile criou uma ONG, organização não governamental financiada por empresas e instituições nacionais e estrangeiras. E montou um centro de pesquisa em Cuité, semi-árido paraibano. Aqui, vamos ver como é que funciona o sistema mandala. No centro fica sempre a água e uma bomba pequena bombeia as seis linhas. Essas seis linhas fazem a distribuição dos ciclos. A água pode vir de rios, açudes, poços, e até de carro-pipa. Além de irrigar os canteiros, o tanque serve para a criação de peixes e aves aquáticas. “Alimentando o pato e o marreco, nós alimentamos os peixes e as fezes dos patos alimentam também os peixes, então se faz uma interação permacultural”, disse Dr. Willy. Depois da água, o primeiro círculo também é destinado à criação animal. "Nós estabelecemos uma espécie de curral, onde você cria a vaca, você cria a cabra e você cria as aves de forma geral. Depende da disponibilidade de recurso de cada um. A gente se aloja aqui nesse começo porque é mais perto, o ambiente e a água, fica mais inteligente o processo”, explicou o administrador, que também disse que os próximos círculos vão ser ocupados pela agricultura: "Em uma área dessa de 50 por 50, nós estamos plantando as hortaliças e junto com as hortaliças estamos plantando as fruteiras. E no final das contas, em termos de três ou quatro anos, você tem aqui 450 fruteiras nessa área. Você tem o pomar e algumas hortaliças que estão se adaptando permanecem. Daí você coloca entre os animais e vai fazer outra mandala em outro quarto de hectare". Para ajudar no controle de pragas, galinhas ficam soltas no meio dos canteiros. Elas ciscam e se alimentam de insetos que atacam as plantas. Em resumo, o sistema funciona assim: no centro, fica o reservatório de água. No primeiro círculo, as criações. Nos círculos restantes, horta, pomar, e cultivo de grãos. Além de sistemas de produção, o centro vem desenvolvendo também uma série de equipamentos alternativos, que têm custo bem pequeno, mas facilitam muito a vida do agricultor. Existe uma bomba d’água que não usa motor. Pedalando, o agricultor movimenta aros e roldanas, que levam a água até o sistema de irrigação. A vantagem é que a bicicleta funciona em qualquer lugar, dispensando energia elétrica, óleo diesel, ou gasolina. Sai em R$ 300, aproximadamente. Com as peças, vai se montando com o que já existe, inclusive com o próprio trabalho. E ela dá para irrigar uma área que vai de 500 metros quadrados, até mil metros quadrados. O aspensor de cotonete também sai bem baratinho, leva uma haste e um pedaço de
arame. Basta esquentar a ponta do cotonete, apertar com alicate e preencher com arame. Ele serve de guia na hora de cortar a lateral do cotonete. Depois é entortar a ponta, retirar o arame, e instalar o aspensor na mangueira de irrigação. A lista de equipamentos alternativos e baratos criados aqui no centro é grande. Este é um gotejador feito com garrafa pet. Esse aerador para tanque de piscicultura é movido por um motor velho de geladeira. A vedete do centro é um kit que tem vários equipamentos, todos movidos com o motor de uma moto. O inventor dessa geringonça é senhor Oswaldinor Pereira, que todo mundo conhece como Capitão Neno. Ele diz o que conseguiu instalar para movimentar com o motor da moto. "Mediante as necessidades básicas, no meu lugar, na minha terra, onde eu tinha um sítio e esse sítio não tinha energia elétrica. Deparei-me com a dificuldade todinha, tentando movimentar uma água e assim por diante. Então eu resolvi a próprio modo: olhei para a moto e pensei que ela ia fazer esse trabalho todinho para mim. Então ela bombeia água, que está na minha propriedade, sem precisar também de uma mandioca para fazer um biju, uma palhinhada. Mas aí eu digo, eu preciso mais de coisas, eu preciso arrear uma madeira, fazer uma cancela, fazer uma mesa, assim por diante. A moto, que tem uma serra circular, está aí. Eu tiro o peão da moto, e uso o peão de outra da moto, da mesma qualidade, porque casa moto tem seu peão. Então tem que ser igual dela para não estragar a moto”. Hoje já existem mandalas em quase todos os Estados do Nordeste, em Mato Grosso e em Minas Gerais. A mais antiga, no entanto, está aqui mesmo, na Paraíba, no assentamento Santa Helena, no município de Santa Rita. Antes de conquistar um lote no assentamento, senhor José Cardoso era bóia-fria, trabalhava no corte da cana-de-açúcar. Quando entrou há dez anos no assentamento, seguindo a orientação da Associação dos Agricultores, fez uma dívida no banco para cercar toda a área e criar 44 cabeças de gado, só que de outro dono. Uma espécie de parceria, onde ele entrava com a terra, comida dos animais e o trabalho. Não deu certo, já que com o dinheiro das 44 cabeças de gado não deu nem para comer. Até hoje seu Cardoso não conseguiu quitar a dívida do financiamento, mas depois que a mandala chegou por aqui, a situação melhorou bastante. Ele disse que se interessou a fazer essa horta no esquema da mandala porque achou que dava certo. E que era a última coisa que poderia lhes tirar da dificuldade. No final, afirmou que dá um grandioso rendimento. A mandala de seu Cardoso ocupa apenas 2400 metros quadrados, mas com o sucesso do negócio, ele foi ampliando a área de cultivo. Esse pedaço aqui tem um punhado de mandala, é um canteiro normal. Dá também, serve? "Isso é o que nós chamamos de espinha de peixe. Ao invés do centro, você tem as derivações a partir de linhas. Mas segue o mesmo esquema: abrindo e fechando registros. Então você vai ter uma linha no centro e os canteiros espalhados em volta, como se fosse uma espinha de peixe. E você, com uma bombazinha pequena, como ela não tem potência muito grande para abrir tudo de uma vez, você vai abrindo e fechando com até 28 cotonetes de acordo com o potencial dessa bomba", respondeu Dr. Willy. Nas espinhas de peixe, além das verduras, senhor Cardoso cultiva batata-doce, milho e
feijão, tudo irrigado com os cotonetes abastecidos com a água do riacho que corta a propriedade. Toda a produção tem destino certo: as feiras da região. Uma das feiras é a de Cabedelo, cidade vizinha a João Pessoa. Todo sábado, a família monta duas bancas nela. Quem cuida da venda é Dona Odete, mulher de seu Cardoso, que vende sempre direto para o consumidor porque o lucro é melhor. Segundo eles, se não fosse assim, os outros é que revenderiam e ficariam com o lucro. Os produtos da mandala têm boa saída e engordam a renda da família. Quando senhor Cardoso lidava com o gado dos outros tirava em torno de R$ 2.200 a cada ano e meio e hoje ele tira pelo menos R$ 800 por mês. “Mas é por mês, não é por ano, não”, enfatiza. “Está bom demais, hoje ninguém morre de fome, somos vitoriosos nesse trabalho”. A mandala trouxe esperança até para quem não lida diretamente com ela. Edinalva, uma das filhas de Cardoso, mora em Sapé, cursa o último ano da faculdade de geografia e o computador que usa para os trabalhos da universidade foi comprado parte com o dinheiro de uma bolsa, parte com o dinheiro da mandala. “Eu acredito que a mandala é uma das possibilidades e um dos projetos que dão certo. São vários projetos que podem dar certo, assim que a gente invista neles e que estejam na concepção de que posso melhorar, de que eu posso modificar o meu meio”. Ter uma filha na universidade é a grande alegria de seu Cardoso. “Isso significa um orgulho para mim. Não é porque a pessoa é pobre que não pode ter a filha terminando os ensinos. E aqui acontece isso. E através do quê? Através da mandala”. Dr, Willi diz que pretende chegar a partir da auto-sustentação alimentar da família, buscar a construção da auto-sustentação alimentar do município, dos Estados, do país, contribuindo para isso e chegar até à exportação, de produtos com qualidade, responsabilidade social e exercício da cidadania, e o combate à fome, miséria e à pobreza. "A mandala traz educação, alimentação e respeito. Dignidade, essas coisas", conclui seu Cardoso. O projeto mandala está finalizando uma parceria com a ONU, Organização das Nações Unidas, para levar esse sistema para outras regiões do Brasil e até para outros países.