PREFÁCIO Ás vezes a gente se sente perdido. A gente estava se sentindo perdido durante essa publicação. Nessa horas, a gente se apega ao que dá. Pode ser um amigo, mas pode ser também um álbum de fotos. Pra uns é um livro, pra outros uma música. Acreditamos que a essência desse afeto que geramos por alguns objetos que nos acompanham durante toda uma vida, está na capacidade que eles tem em nos despertar emoções e nos incentivar a tomar movimento. sempre como um refúgio, mesmo que para o nosso imaginário.
de afeto, que retrata a vivência de pessoas com bagagens muito distintas, mas que partilham dos mesmos papéis sociais. Queremos gerar movimento na vida destas e de outras pessoas. Além de contarmos histórias, queremos participar da sua. Somos motivados pelo desejo de igualdade e afeto. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Duis sed iaculis mauris.. Sed porta pulvinar faucibus. Quisque malesuada urna vel ipsum cursus, id fringilla felis efficitur. Tem muita gente do seu lado, e chegou a hora de conhecer algumas
ROBERTA MARIA DE PADUA
Você estuda/trabalha? Se sim, faz o que? Então, atualmente eu estudo na puc, faço design com habilitação em moda. Desde que eu me mudei pro Rio, trabalho mais como freelancer, dentro de design e moda, fazendo projetos de identidade visual, produção de moda e arte.
Nasci em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro. Moro nessa cidade há 03 anos. Vim pra cá, a princípio, por causa da universidade. Estava em um momento da minha vida em que eu tinha uma necessidade de sair de casa, e sair da pressão da minha família.
Você é assumida para seus amigos e familiares ? Eu acho que não existe muito isso de se assumir ou não dentro da minha condição. Uma amiga minha, que é ativista transexual, diz que “a relação do transexual com o homossexual - além de estarmos falando de coisas diferentes, em que um é identidade de gênero e o outro é orientação sexual, está também nessa relação de que o homem gay e a mulher lésbica tem como você “embrulhar para presente”, digamos assim, você tem como dizer para a pessoa disfarçar.
E na minha situação não tem como disfarçar porque a minha identidade de gênero reflete também na minha estética, então isso é visível antes mesmo que eu abra a boca para dizer alguma coisa. Se tivesse como esconder alguma coisa seria da minha família, que não mora comigo, mas a minha família sabe. Algumas, inclusive, não falam comigo por conta disso, outras poucas falam, mas isso também não quer dizer que elas tenham aceitado alguma coisa.
Você tem algum envolvimento com a causa do movimento LGBTI?Se não, por que? Sim, eu acho que antes de mais nada, eu tô envolvida até a cabeça com militância e com tantos outros movimentos que falam de liberdade de gênero entre outras coisas. Mas acredito que em primeiro lugar existem dois tipos de militância: a militância passiva, que é isso de como a minha identidade de gênero é visível pela minha estética sem que eu precise fazer nada, estando em determinados lugares, só isso já é uma militância. Por exemplo, eu só acordei, saí da minha casa e fui andar na rua de manhã e isso gera um ruído para as demais pessoas que estão ali e me entendem como um corpo estranho. Se esse ruído gerar um reflexão nas pessoas, isso já é uma forma de militância. Além disso, eu participo ativamente dessa militância, que está envolvida em movimentos. Dentro da puc por
Como você se identifica na sociedade atual? É muito difícil dizer, porque essa posição varia muito a respeito de que grupo dessa sociedade eu estou. Porque as vezes a gente acaba sendo modificado a partir da perspectiva do outro.
exemplo, eu participo de 03 coletivos: o Madame Satã, um coletivo LGBT, o coletivo Nuvem Negra, que é um coletivo negro e o Coletivo de Mulheres. Eu agora também faço parte do DCE, a minha chapa acabou de ganhar nessas últimas eleições. E enfim, eu vejo também algumas conquistas na minha vida como parte dessa militância. Por exemplo, ser uma das primeiras transexuais a estudar na PUC, isso também é uma militância, porque por muito tempo aquilo foi considerado pra mim e pras demais transexuais um não-lugar. Essa semana inclusive a gente assinou a ata de posse do DCE, sabe, e pra mim assinar isso é uma puta conquista pra mim e pra várias outras pessoas, porque eu sou a primeira mulher transexual a estar no DCE da PUC, e em um lugar de representatividade. E isso reflete em muitas outras vidas.
Se for em relação a gênero, eu me identifico como uma uma mulher, uma mulher trans. Depois de um tempo eu comecei a entender que independente de ser uma mulher trans tendo passabilidade cis ou não, eu acho que é importante esse posicionamento, porque isso também faz parte da minha militância.
O que proporciona o sentimento acolhimento e pertencimento pra você? Eu não eu sei o que poderia gerar, eu vou te dizer o que me gera esse sentimento. Geralmente são os meus amigos, que hoje são a reconstrução da minha família; são as pessoas que me apoiam, me levantam e que construíram quem eu sou. As vezes meus amigos fazem com que as coisas ao meu redor aconteçam da forma mais natural possível, para que eu não tenha muitos constrangimentos e desagrados; que a minha vida fique um pouco mais suave. É onde me sinto amada.
Você quer compartilhar alguma história ou experiência que te marcou enquanto parte da comunidade LGBTI? Fui convidada para um debate na PUC por um dos coletivos para compartilhar a minha história, minhas dores e minha vida. Compartilhei isso com muitas pessoas, as vezes nem por uma necessidade, mas porque a minha militância exige que eu exponha a minha vida para que amanhã ou depois, pessoas como eu não tenham que se expor, passar por tanto constrangimentos. A maior parte do que eu passo todos os dias é porque as pessoas simplesmente não entendem nada sobre meu universo, nunca
discutiram gênero na vida. Eu tava lá pra falar, e eu senti que as pessoas que estavam ali acolheram a minha história de coração aberto, muitos amigos estavam ali. Quando eu fico nervosa falando em público, eu tento olhar pra um rosto familiar, pra poder me ancorar. Eu ia olhando pro rosto dos meus amigos, e tava todo mundo chorando. Aquele dia, tinham umas 200 pessoas no pilotis; aquelas pessoas estarem ali também foi uma articulação desses meus amigos que queriam que eu me sentisse bem, e se sentiram tocados por isso.
Você já se encontrou em situações desagradáveis por ser uma pessoa LGBTI? Situações desagradáveis eu acho que eu passo todos os dias, existem espaços em que eu circulo diariamente, onde essas situações estão minimizadas, e ainda me sinto segura. Por exemplo, minha casa e na PUC. Na faculdade por exemplo, articulo para que esse ambiente seja mais confortável, porque é onde eu estou todos os dias. Tento de inúmeras maneiras conseguir o que a instituição me assegura legalmente, e o que ainda não está dentro da lei, para fazer com que esse ambiente seja o mais agradável possível, com o uso do nome social, entre outras coisas. Só de sair de casa, às vezes já parece um grande evento, porque parece que você chama atenção mais do que todo mundo. Mas não é por causa da sua roupa, nem porque você tá saindo, é porque eu ainda sou vista como um corpo estranho naquele lugar. E aí tem essas coisas do dia a dia, de alguém não acertar o pronome, ou então alguém vir e dizer alguma coisa desagradável sem perceber, por falta de informação mesmo. Uma situação que me prejudicou muito, foi eu ter ter sido demitida do meu trabalho, que eu já estava há quase 02 anos. Passei pela transição dentro desse ambiente, e depois que eu me assumi enquanto uma mulher trans, eu fui “discretamente” sendo posta pra fora; Passando uma série de constrangimentos, comecei a sofrer assédio moral, até que chegou o momento em que eu não tinha mais forças pra ir trabalhar e em seguida eu fui demitida por justa causa. Sem ter um motivo concreto pra isso. Recorri a justiça, mas não tinham ferramentas legais, até porque as provas que eu tinha eram consideradas fracas porque a Constituição Brasileira ainda não entende que existem pessoas transexuais e não atua a nosso favor. Sofri vários problemas financeiros que foram desencadeando em outras coisas, e eu só consegui me manter com ajuda dos meus amigos. Eu tenho que entender que eu tenho sorte, tem gente que passa por coisa muito pior do que eu. Eu consegui furar muitos bloqueios, por estar em um corpo marginalizado, mas estar habitando espaços que são centrais, onde existem essas pessoas que trabalham para que eu tenha uma vida mais tranquila. E eu acho que a militância me muniu no sentido de sofrer, e essa visibilidade que a militância me trouxe me protegeu de certa forma, porque ao mesmo tempo eu fico exposta a outras coisas.
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rase de destaque
Você tem algum objeto de afeto que te traz conforto? Se sim, qual e por que? Eu tenho um batom. Acho que é um objeto de afeto, não sei se é o que traria conforto mas é o que tem muito significado pra mim e para a minha transição. A primeira memória que eu tenho de infância onde talvez a gente pudesse discutir a relação do gênero, o que é a estética feminina e como a gente pode compreendê-la, seria o batom. Quando eu tinha uns 3, 4 anos, eu e minha mãe éramos muito próximas porque por muito tempo fui filha única, e eu lembro que eu sempre ficava vendo ela se arrumar e passando batom, e eu pedia pra passar também.
Lembro que teve uma vez que… ela passou batom em mim. E essa memória ficou, eu era muito nova e eu acho que pra ela estar presente até hoje é porque teve muito significado naquele momento. Tanto por admirar a minha mãe, e todo amor que ela tinha por mim, quanto pela beleza dela. Também por essa relação de amor e afeto, que naquele momento eu entendi que ela só queria fazer a minha vontade e que eu fosse feliz, independente dos males externos. Então eu acho que batom carrega o significado dessa relação e de como isso surgiu na minha vida.
Você acha que uma publicação com relatos de pessoas e registros de empreendimentos LGBTI é relevante para trazer o sentimento de pertencimento? Eu acho super relevante, a gente precisa registrar e trazer visibilidade pra essas pessoas que a sociedade por muito tempo foi empurrando pra margem e foram invisibilizadas de muitas formas a todo tempo; é bom também pra trazer um pouco de informação. Pensar que a gente tem mais de 2016 anos de evolução da humanidade e as pessoas ainda estão começando a pensar sobre transexualidade, gênero agora...
Acho que esses registros de informação, que focam como é a vida de uma pessoa trans, são importantes para que elas não fiquem mais no desconhecido, com esse distanciamento. Se uma pessoa cis ler sobre, ela ainda estará distante porque ela nunca vai saber o que é viver na pele de uma pessoa trans, mas ela vai ter algum dado para poder se orientar a partir disso; acho que isso minimiza os constrangimentos e coisas desagradáveis a que a gente passa no dia a dia. E essas instituições que apoiam a causa trans, como a Casa Nem tem uma relevância porque veio abrindo as portas das universidades para essas pessoas, que muitas vezes não conseguem nem terminar o ensino médio ou fundamental, porque mesmo a escola não está preparada para receber essas pessoas.
A escola ainda não é um lugar de acolhimento, muito pelo contrario. A escola expulsa essas pessoas, e falo não só em relação a quem está lá enquanto aluno, mas também quem está lá enquanto professor e pedagogo. Essas pessoas nunca estiveram preparadas para receber alguém como eu. Saí da escola com grandes traumas, a ponto de quando eu tive que voltar lá para fazer um trabalho da faculdade, entrei e saí de lá chorando porque eu não conseguia estar naquele ambiente, aquilo me trazia recordações muito difíceis e dolorosas. Ano passado, tinham eu e mais uma pessoa trans, que estudavam na PUC. Desde então, entraram mais 3 através desse projeto da Casa da Nem, que é esse pré vestibular. Então não tem nem como dizer que esses trabalhos não são relevantes.