luiz carvalho 2010_autonomia das escolas, retóricas públicas e a agenda na educação - o presente

Page 1

Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa

Sociologia da Educação Prof. Fernando Serra

Autonomia das escolas Retóricas públicas e a agenda na Educação O presente dos contratos de autonomia Autor – Luís Miguel Martins Crespo de Carvalho Lisboa, 18 de Junho de 2010

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Resumo

A autonomia das escolas está presente na agenda pública, seja por via da necessidade de responder perante as agências internacionais que vão modelando o sistema educativo, seja por via dos contratos de autonomia, como caminho para a descentralização dos serviços do Estado. Temos um Estado mobilizador que concerta a delegação de competências, legitimando as suas políticas educativas e temos um Estado regulador, vigilante, que não quer perder o controlo da administração da coisa pública, no caso vertente um bem comum educativo, o serviço público de Educação. São estas questões que lançam a necessidade de percorrer o caminho pelos conceitos de autonomia, como é que ela se concretiza, quais os instrumentos de governação e a sua regulação. As retóricas discursivas são relevantes para melhor se compreender o que está em jogo quando se fala de autonomia das escolas e do seu reforço. É disto que trata este trabalho, realizado a dois andamentos. O primeiro já está explicitado. Quanto ao segundo, percorremos a via sacra legislativa sobre a temática da autonomia e, a breve trecho, fomos realizando comentários de circunstância sobre as práticas da escola, numa atitude consentânea com a de um observador directamente implicado no processo educativo, o autor.

Palavras-chave: Políticas Educativas, Autonomia da escola, Regulação, Gestão escolar, Legislação.

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

2


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

«Todas as ciências e todas as artes exigem, para poder dar bons resultados, noções prévias e hábitos anteriores. Contudo, o que é comum deve aprender-se em comum, e é um grave erro acreditar que cada cidadão seja senhor de si mesmo, porque todos pertencem ao Estado. É essencial saber o que deve ser a educação e o método que convém seguir. Não se sabe, nem de longe, se a educação há-de dirigir-se exclusivamente para as coisas de utilidade real, ou se deve fazer-se dela uma escola de virtude, ou se há-de compreender também as coisas que constituem verdadeiro entretenimento».

Aristóteles, A Política

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

3


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Conceito de autonomia e retóricas públicas sobre a concretização da autonomia

Pequeno intróito

Quando se fala de autonomia das escolas em Portugal estamos perante a prática ancestral de uma débil descentralização, que se repercute plenamente na vida educativa. «Ao contrário da tradição nórdica, a construção dos sistemas educativos dos países do Sul, e em especial no caso português, foi feita de cima para baixo, do nível central para o local. Logo as dificuldades inerentes à construção da autonomia escolar provêm desse processo, em que foi o Estado Central a lançar e a concretizar a rede escolar» Martins (2009, p. 51). O conceito de autonomia surge, bastas vezes, ligado a um conjunto de reformas ou mudanças globais da administração educativa a que se pretende fazer corresponder, regra geral, um reforço das atribuições, competências e recursos dos órgãos de governo da escola. Neste sentido não podemos [devemos] confundir autonomia com autarcia, apesar de «a autonomia das escolas ter por objectivo alcançar o auto-governo, a autonomia financeira, orçamental e administrativa», segundo Martins (2009, p. 51). O contrato de autonomia é o culminar deste processo, regulado pela Portaria 1260/2007, de 26 de Setembro e consignado no Decreto-Lei 115 – A/98, de 4 de Maio [autonomia, administração e gestão da escola pública] e na Lei 24/99, de 22 de Abril [alteração ao decreto-lei 115-A/98], numa primeira fase e ao abrigo do qual só foram subscritos 22 contratos de autonomia. Com o Decreto-Lei 75/2008, de 22 de Abril [autonomia, administração e gestão da escola pública] entrou-se numa segunda fase de transição em que, com a entrada em cena da Parque Escolar, responsável pelo programa de requalificação das escolas da rede pública do Ministério da Educação, a agenda política para o reforço da autonomia das escolas parece entrar na ordem do dia com a propositura 1 de celebração de novos contratos. Teremos que aguardar para ver se esta intenção não esbarra na falta de vontade política e dos parceiros públicos em activar os instrumentos de concretização da autonomia, a exemplo do que aconteceu com o regime jurídico estabelecido em 1998. Pois, «a autonomia e o seu reforço são factores activos de melhoria do serviço público de Educação» Martins (2009, p. 51).

1

já no presente ano lectivo de 2009 - 2010 Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

4


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

O conceito de autonomia

Autonomia versus heteronomia. Esta concepção vê a autonomia como independência, isolamento, onde o sujeito assume o completo poder, controlo em completa oposição ao poder ou poder exercido por outros. Logo, ser autónomo implica uma ausência total de qualquer dependência dos outros. Perceba-se que esta percepção tem pouco de correspondente ao verdadeiro significado de autonomia. O ser humano não é um ser isolado mas «intrinsecamente um ser de relação» e assim «a autonomia acontece quando a gestão das relações que tecem a nossa existência permite a afirmação do sujeito, nomeadamente na concretização de projectos» (Pinto, 1998), citado por Moura (1999, p. 86). Sugere-se também que o conceito de autonomia está ligado à ideia de autogoverno, onde os sujeitos se regulam por regras próprias, não querendo significar que isto seja um sinónimo de indivíduos independentes. «A autonomia é um conceito relacional (somos sempre autónomos de alguém ou de alguma coisa) pelo que a sua acção se exerce num contexto de interdependência e num sistema de relações. A Autonomia é, por isso, uma maneira de gerir, orientar, as diversas dependências em que os indivíduos e os grupos se encontram no seu meio biológico ou social, de acordo com as suas próprias leis.» citando Barroso (1996, p. 17). Já Macedo (1991) afirma que autonomia pressupõe auto-organização, isto é, ao estruturar-se na realização dos objectivos que definem o sistema diferencia-se de outros sistemas com quem está em inter-relação, no sentido da criação da sua própria identidade, constituindo um sistema autónomo. É da inter-relação com os outros que nasce a capacidade de diferenciação e, quantas mais são as trocas de energia, informação e matéria que o sistema estabelece com o meio, maior é a sua riqueza, a sua complexidade e as possibilidades de construção da autonomia. Algo que não é um dado adquirido mas que se vai construindo nessas inter-relações. Também «a autonomia escolar é um processo espacial e territorial, pois trata-se de enraizar a descentralização e a subsidiariedade, não se trata de de um quadro legal, mas uma prática» e «se há uma dimensão territorial e uma organização do efeito de rede, é preciso compreendermos ainda a importância de pôr a autonomia no centro da reorganização do serviço público de Educação» Martins (2009, p. 51). João Barroso coloca a tónica noutro patamar ao considerar que a autonomia de escola envolve duas dimensões, a jurídico-administrativa e a sócio-organizacional, em que a primeira respeita à competência que os órgãos próprios da escola detêm para decidir sobre matérias nas áreas

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

5


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

administrativa, pedagógica e financeira e a segunda consiste no jogo de dependências e interdependências que uma organização estabelece com o seu meio e que definem a sua identidade. Esta concepção, afastada de concepções estruturo-funcionalistas ou deterministas da escola, pressupõe uma escola como tendo uma identidade própria onde os diversos actores interagem entre si e, «se é verdade que existe um sistema, são contudo os diversos actores… que, com as suas possibilidades de escolha, alteram e criam novas regras, ou seja, também contribuem para a alteração do sistema» Moura (1999, p. 86). Lima (2006) constata que no nosso sistema educativo, altamente estruturado e centralizado, em que a imposição de regras aos estabelecimentos na sua dependência é feita através da produção legislativa, haja um cumprimento uniforme das regras, «o actor é o elemento central, aquele que, mesmo em situações mais extremas, conserva sempre um mínimo de liberdade que utilizará para bater o sistema.». A questão da infidelidade normativa por parte das escolas perpassa por esta questão, podendo detectar-se uma reprodução total, parcial ou a não reprodução dos conteúdos normativos e aquela advém do facto de os actores interagirem entre si e serem, regra geral, fiéis aos seus objectivos, interesses e estratégias, o que permite à escola assumir uma identidade dentro do sistema em que está inserida. Barroso, citado por Moura (1999, p. 87), afirma: «a escola não será apenas uma instância hetero-organizada para a reprodução, mas também uma instância auto-organizada para a produção de regras e a tomada de decisões». No contexto de acção, no decorrer das interdependências sistémicas e estruturais, os actores são colocados perante uma situação de constrangimento e de possibilidade, de hetero e de autoregulação. É relevante para a problemática da autonomia a relação articulada dos conceitos de sistema e de actor quando nos referimos à organização escolar e «é com base nesta relação entre, por um lado, os constrangimentos sistémicos e, por outro, os comportamentos estratégicos dos actores, que se torna possível encarar as escolas como refractárias a previsões deterministas, sem que isso as transforme em realidades incompreensíveis», segundo Canário (1996). O regime jurídico da autonomia da escola

2

estabelece o seguinte conceito: é o poder

reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados. No entanto «a autonomia distingue-se da descentralização na medida em que envolve não apenas uma distribuição de competências dentro de um sistema político ou administrativo mas mais

2

Decreto-Lei 43/89, de 3 de Fevereiro Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

6


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

directamente a capacidade de acção dos titulares dessa distribuição» Sousa Fernandes (2005), segundo Barroso (2009, p. 23). Na óptica de Barroso podemos distinguir duas vertentes da autonomia, a autonomia decretada que corresponde a uma definição política e de ordenamento jurídico e administrativo sobre as competências e modos de governo das escolas e a autonomia construída que, dependendo das dinâmicas sociais de cada organização e para além dos constrangimentos político-administrativos, produz formas de regulação autónoma. «Não basta decretar a autonomia, é indispensável garantir a sua construção a partir das comunidades educativas…é um caminho que tem de ser aberto e aproveitado a partir das ideias de responsabilidade e de cidadania» Martins (2009, p. 51). Haverá escolas que variam entre a heteronomia absoluta e a quase completa anomia.

A concretização da autonomia

A descentralização parece ser o conceito-chave sobre o qual assentam as políticas de reforço da autonomia das escolas e, a reboque das teorias neoliberais e do new public management 3, nos países anglo-saxónicos surge um movimento designado por school based management

4

que

pretende dar à escola autonomia para a sua gestão. Ainda que assumindo diferentes formas de transferência de poderes para as escolas, em todos eles implicou um aumento do poder de decisão na escola a nível financeiro, curricular e gestão de recursos e este poder de decisão é agora partilhado ao nível dos órgãos constituídos pelos diversos actores da escola. Convém salientar que este movimento de descentralização tem como finalidade incrementar a prestação de contas, o acesso local ao conhecimento e centrar o processo de mudança na própria escola. Barroso (2009) afirma que o SBM implica «descentralização e desburocratização dos processos de controlo, a partilha de decisões no interior da escola e o aumento da influência dos pais no processo de tomada de decisões na escola». Wohlstetter e Mohrman (1996)

5

referem que esta descentralização deve envolver quatro

vertentes: 1) poder, 2) conhecimento, 3) informação, 4) recompensa. O poder significa a capacidade de tomar decisões que influenciam as práticas, as políticas e as direcções organizacionais. A dimensão do conhecimento permite aos diversos membros da escola perceberem e contribuírem para os resultados da mesma, incluindo este conhecimento o conhecimento técnico 3

a nova administração pública vulgarmente designado de SBM 5 citados por Moura (1999, p. 89) 4

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

7


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

para realizar o trabalho ou proporcionar o serviço, capacidades interpessoais e conhecimentos e práticas administrativas. A dimensão da informação refere-se ao conhecimento que os membros têm acerca da performance da organização e à informação estratégica acerca das políticas mais amplas e sobre o ambiente económico. A vertente da recompensa baseia-se nos resultados da organização e nas contribuições dos seus membros para esses mesmos resultados, sendo esta contribuição dos membros favorecida através da recompensa do trabalho desenvolvido, ajudando a uma participação mais efectiva desses mesmos membros da organização escolar. Há neste modelo uma lógica gestionária, «onde o objectivo é o de aumentar a eficácia e a eficiência da escola reforçando a responsabilidade dos seus órgãos de gestão por uma correcta aplicação dos meios que lhe são atribuídos», Moura (1999, p.89). Em Portugal, a aplicação destas teorias de base neoliberal enformou o modelo de direcção, administração e gestão escolar corporizado no Decreto-lei nº 172/91, de 10 de Maio e refere três elementos essenciais: eficiência dos serviços, prestação de contas e autonomia local da decisão. As lógicas subjacentes a tal desiderato estão em conceitos como privado e mercado, como se verificou na reforma educativa lançada em 1998 por Margaret Tatcher no seu Education Reform Act. Moura (1999, p. 90) referindo-se às perspectivas e tendências da administração escolar recorre a Natércio (1995) que observa haver a necessidade de o serviço público de educação estar atento às necessidades do mercado: «muitas vezes dissociam-se as questões, o funcionamento do mercado por um lado e o funcionamento da sociedade civil no plano da cidadania por outro lado;…o funcionamento do mercado é inerente ao funcionamento da sociedade civil democrática, não dissocio o mercado da democracia e por isso não vejo oposição entre formação para a cidadania e a organização do serviço para o mercado». Noutra perspectiva, Lima (1995) mostra-se desfavorável a esta deriva neoliberal da educação pois considera que esta acentua os valores da concorrência e competição que, ao transpor as ideias do sector privado para o serviço público de educação, pode ser perniciosa dado poder conduzir a uma concepção de cidadão como utente, cliente ou consumidor e, assim, não promover a cidadania, a participação e emancipação do mesmo. O serviço público de educação deve caminhar num sentido diferente do da competitividade, do individualismo e do cálculo custo-benefício. Como não evidenciam, hoje em dia, as políticas levadas a cabo pela tutela da educação com a avaliação de desempenho docente a que agrega os resultados escolares dos alunos, com as avaliações externas das escolas cujos resultados levam a acréscimos nas quotas da avaliação de desempenho, como no fecho indiscriminado de escolas, em especial nas zonas mais desfavorecidas do interior do país e, mais recentemente, com a criação de unidades de gestão que abarcam números próximos dos três mil alunos, com aquilo que se vem designando de mega-agrupamentos Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

8


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

de escolas, a exemplo do que foi feito na área da saúde com as novas unidades de gestão, os agrupamentos de centros de saúde, com os mesmos problemas de dimensão humana e proximidade. Atente-se no que diz Michael Porter quando se refere à educação: «Há uma educação, mais importante do que outra. A mais importante é aquela que suporta a criação de vantagens competitivas na economia. Aquela que não se dedica sobretudo a formar o cidadão mas sobretudo forma uma agência racionalista de cálculo de custo-benefício; é a formação do cidadão da pósmodernidade, individualista e dotado de grande capacidade de cálculo, que constrói a sua própria história de vida ritualizada, de vida de sucesso que exige competição… Eu quero uma escola eficaz, quero uma escola de qualidade, mas através dum padrão de aferição de uma escola democrática com determinados valores, com a recuperação de algumas utopias. Hoje a falta dessas utopias levou-nos a acreditar neste one best way ideológico que seria uma ideologia do privado, da competição, da concorrência». Barroso chama à atenção para os perigos de se ver a gestão como um fim em si mesmo, como um conjunto de princípios que podem ser generalizados, não levando em linha de conta a especificidade das organizações. Assim a gestão deve adequar-se às características organizativas de cada escola, já que a escola é uma organização social onde coabitam pessoas das mais variadas faixas etárias (adultos, crianças, adolescentes, jovens) com fins educativos, cujo produto é o crescimento dos alunos. A escola tem uma forte implantação social, tendo uma finalidade objectiva, concreta e imediata, para as pessoas que vivem ao lado dela. Portanto a autonomia da escola deve ter conta a especificidade da organização escolar, devendo ser construída com base das interacções protagonizadas pelos seus actores, sabendo articular os diferentes interesses em jogo, num equilíbrio de forças entre os diversos detentores de influência. Isto pressupõe a autonomia dos seus actores. Como se realiza, então o reforço das autonomias das escolas? «De um modo geral, pode dizer-se que as políticas de reforço da autonomia das escolas se realizam, normalmente, através de um tríplice movimento, com várias cambiantes e amplitudes: 1) delegação de competências e recursos, 2) individualização de percursos escolares, 3) horizontalização das dependências» Barroso (2009, p. 24). No primeiro ponto assiste-se a um movimento de atribuições, competências e recursos que o estado e as autarquias alocam a uma escola segundo lógicas administrativa, no caso da figura omnipresente do director, profissional quando pensa nas competências técnicas dos professores e comunitária quando apela à participação dos pais e da comunidade local na vida organizacional da escola.

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

9


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

No segundo ponto encara-se a necessidade de, enquadrado por um projecto educativo nacional, a escola construir e promover um projecto educativo próprio, numa adaptação local. No terceiro ponto procura-se uma diminuição da dependência vertical, portanto da administração educativa, segundo uma lógica de incremento das interdependências horizontais no território, em busca da cooperação ou, mesmo, da concorrência. «A autonomia da escola deve entender-se não como uma mera decorrência das questões técnicas de uma reorganização [modernização] administrativa, mas centrar-se numa dimensão política de processo de recomposição do papel do Estado na administração da acção pública e suas formas de governo» Barroso (2009, p. 25). O movimento actual parece ser no sentido do “local school management”. «Temos de compreender que dotar as escolas de uma autonomia autêntica significa contribuir para que a liderança, o projecto educativo, a comunidade escolar e a qualidade se afirmem como indutores de melhores aprendizagens, de melhor desenvolvimento pessoal e social e de mais coesão» Martins (2009, p. 51). É, portanto, fundamental que o Estado invista de forma inequívoca no reforço da autonomia das escolas, aportando benefícios concretos. A autonomia deve ser incentivada e deverá traduzir-se em resultados práticos para quem nela se empenha. Afinal ‘a autonomia aprende-se’, «com o diálogo entre os intervenientes, com a responsabilidade, com a participação, com a proximidade e com a prestação de contas e a avaliação rigorosas e independentes» Martins (2009, p. 52).

A retórica discursiva sobre a autonomia

A retórica discursiva tende a promover a mobilização dos actores sociais para a mudança, mesmo considerando que ela se enquadrar e desenvolver num contexto conservador, de uma administração altamente burocrática e centralizada 6. Temos três momentos marcantes no século XX que tomam a autonomia como valor central do discurso, em 1914 com Sobral Cid que foi Ministro da Instrução Pública e um grande impulsionador da autonomia na escola, depois em 1987 com Roberto Carneiro, então Ministro da Educação, após a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo e, finalmente, em 1996 com Marçal Grilo, também Ministro da Educação. Barroso (2009, pp. 26-27) é da opinião que a autonomia tem sido uma ficção necessária e diz: «a autonomia tem sido uma ficção, na medida em que raramente ultrapassou o discurso político e a sua aplicação esteve sempre longe da concretização efectiva das suas melhores expectativas. Mas

6

modelo napoleónico Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

10


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

ela tem sido uma ‘ficção necessária’ porque é impossível imaginar o funcionamento democrático da organização escolar e a sua adaptação à especificidade dos seus alunos e das comunidades de pertença sem reconhecer às escolas, isto é, aos seus actores e aos seus órgãos de governo, uma efectiva capacidade de definirem normas e regras e tomarem decisões próprias, em diferentes domínios, políticos, administrativos, financeiros e pedagógicos». E continua: «contudo, se adoptarmos uma perspectiva ‘mais cínica’ sobre a natureza e função desta ficção no contexto da estratégia política, podemos dizer que, em Portugal [como em outros países], a autonomia das escolas não se limitou a ser uma ficção, tornando-se muitas vezes numa ‘mistificação’ legal para ‘legitimar’ os objectivos de controlo por parte do governo e da sua administração, do que para ‘libertar’ as escolas e promover a capacidade de decisão dos seus órgãos de gestão». Para esta situação concorrem uma série de factores: 

Uma perspectiva normativa de mudança que determina uma ‘autonomia decretada’ sem curar de promover e garantir condições necessárias à prática de uma ‘autonomia construída’;

Uma lógica aditiva na produção normativa, com a acumulação de normas e dispositivos com princípios, objectivos e procedimentos, bastas vezes contraditórias;

Uma emergência ou desenvolvimento de estruturas intermédias de coordenação [serviços desconcentrados do Ministério da Educação ou agências locais] que deviam apoiar as escolas no processo de devolução de competências resultante do ‘reforço da autonomia’ e assumem, antes, um controlo bastante mais apertado da sua execução.

«No caso da autonomia das escolas não existe só uma contradição entre retórica e prática: ela é sobretudo um mecanismo do discurso pedagógico através do qual, nestes tempos de debilidade para impor normas, o Estado se vê forçado a recorrer ao discurso da ‘autonomia’ para justificar o seu governo da educação» 7 citando Barroso (2009, p.28). Isto revela o paradoxo fundamental do Estado democrático moderno, enunciado por Hans Weiler (1996),: para manter o controlo, o Estado tem de adoptar estratégias que fazem perder a sua legitimidade [como seja a centralização]; em contrapartida, para manter a sua legitimidade, o Estado tem de adoptar medidas que diminuem o seu controlo efectivo [como acontece no caso da descentralização]. Nos últimos anos verifica-se a presença da descentralização, em maior ou menor grau, nas agendas por força da utilidade política, não por questões que se prendam com a sua possível eficácia mas sobretudo como forma de gestão do conflito social e forma de legitimação compensatória.

7

Bolívar (2004) Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

11


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Não será por acaso que se verifica o reforço das formas de avaliação associadas às políticas de descentralização, tentando não perder em ‘autoridade’ aquilo que ganha em ‘legitimidade’.

Instrumentos de governação

Segundo Barroso (2009, p. 25), «as medidas de reforço da autonomia são utilizadas como analisadores das mudanças pretendidas num quadro de modernização administrativa pública, visando a introdução de modalidades pós-burocráticas de gestão escolar» e são um instrumento da acção pública 8. Estes instrumentos determinam, ainda que parcialmente, o comportamento dos diversos actores sociais, os recursos que podem ser utilizados e quem os pode utilizar, como permitem estabilizar formas de acção colectiva, tornar mais previsível e mais visível o comportamento dos ditos actores. Por norma, verifica-se em Portugal e no sector da educação, a criação de instrumentos que põem a tónica mais nos meios e resultados da acção pública do que nos princípios e fins das políticas que a determinam. Os novos instrumentos de acção pública vão no mesmo sentido: «eles têm em comum o facto de proporem formas de regulação pública menos dirigistas, isto é, que têm em consideração as críticas recorrentes feitas aos instrumentos do tipo “command and control”. Neste sentido, propõemse organizar relações políticas diferentes baseadas na comunicação e na concertação, renovando deste modo os fundamentos da sua legitimidade» Barroso (2009, pp. 30-31). Logo surgem associados a processos de contratualização na administração pública, de que os contratos de autonomia são exemplo relevante 9. A noção de contrato aporta uma dupla aplicabilidade, a primeira, como forma de modernização da administração pública em geral e a segunda, como forma de regular as relações no interior da organização escolar, entre os diversos actores e os grupos de interesses que representam. No primeiro caso o contrato tende a representar ‘uma redistribuição programada de poderes no seio da administração pública’, objectivamente com o fito de ‘regenerar a legitimidade política’, reforçar a democracia atenuando a desigualdade da relação entre governantes e governados, e, por sua vez, melhorar a qualidade dos serviços prestados ao público. Assim a contratualização aparece associada ao reforço da autonomia da gestão dos serviços públicos e denota uma preocupação do tipo gestionária. No segundo caso, o contrato abarca uma dimensão sócio-organizacional, pois investe na introdução de práticas de participação e negociação na gestão de interesses no interior das 8

segundo Lascoumes e Le Galès consagrados no regime de autonomia, gestão e administração escolar do Decreto-lei nº 115-A/98, de 4 de Maio 9

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

12


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

organizações, visando a formalização de acordos e compromissos na realização de projectos comuns. Na escola pública a contratualização interna realiza-se com referência ao Projecto Educativo, que deve corresponder à construção social do ‘bem comum’ que fundamenta a prestação do serviço educativo. É esta articulação com o ‘projecto’ que faz com que o ‘contrato’ se inscreva no registo de ‘cooperação’ e não de comando, segundo Zanten (2004), mais do domínio da ‘implicação’ do que da ‘obrigação’, de acordo com Glasman (1999). «A relação contratual oferece aos indivíduos, ou, mais exactamente, aos grupos de indivíduos constituídos, uma maior liberdade de acção, mas em contrapartida exige transparência e possibilidade de avaliação. E a iniciativa individual só é encorajada se ela se inscreve num projecto de conjunto e se procura a sinergia com as iniciativas dos outros. Este dispositivo como forma de ‘promover’ a descentralização da gestão para as escolas é acompanhado quase sempre do aumento das lógicas de avaliação ou regulação externa. O contrato aparece como um instrumento aparentemente eficaz para gerir a ‘autonomia profissional’ dos professores num quadro de crise de regulação burocrática e da emergência de novas formas de governação [governance], substituindo o controlo burocrático pelo autocontrolo, a obrigação dos meios pela obrigação dos resultados, a regulamentação pela avaliação» Barroso (2009, pp. 31-32). As escolas devem estar abertas para a ideia e realização da autonomia, todas elas deverão estar aptas a receber novas responsabilidades [na administração, na pedagogia, na gestão de recursos materiais], levando em linha de conta que a contratualização não é, não deve ser, um conjunto de regras abstractas mas uma conquista e um compromisso permanente. «Importa lançar a semente da emancipação e da autonomia para que possamos superar o paternalismo, a burocratização, o centralismo, a dependência de uma cultura de regulamentos e circulares» Martins (2009, p. 52). Haverá diversos níveis de autonomia que vão depender de um processo complexo de evolução e maturação dos respectivos projectos educativos. A contratualização da autonomia das escolas terá de surgir como instrumento natural da maturidade educativa e de afirmação da qualidade, não numa perspectiva de uniformização. Deverá aquela garantir a autodeterminação da escola e da comunidade educativa, a definição clara dos objectivos sociais e educativos e as consequências do cumprimento ou incumprimento das responsabilidades definidas e assumidas. O

«triângulo

descentralização,

autonomia,

democratização

tem

de

ser

respeitado

escrupulosamente na vida educativa da escola – eis o que não poderá ser esquecido» Martins (2009, p. 53). Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

13


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

A regulação

De acordo com Maroy (2004, pp. 14-15) verifica-se hoje que as principais convergências do projecto

10

vão no sentido da construção de um modelo pós-burocrático de regulação caracterizado

por: 

Uma maior autonomia das escolas;

Um maior equilíbrio entre centralização e descentralização;

Um acréscimo da avaliação externa;

Uma maior promoção da ‘livre escolha da escola’;

Uma maior diversificação da oferta escolar.

Em Portugal foi a visão tecnicista que prevaleceu, reduzindo a autonomia das escolas a uma estratégia para introduzir novas modalidades de gestão. Neste contexto «as alterações são sobretudo retóricas, fruto da ‘contaminação transnacional’, da ‘externalização’ e da ‘ideologia da modernização’ e correspondem a meros arranjos cosméticos, de tipo reactivo, destinados a preservar o essencial dos processos de regulação tradicionais baseados nos modelos burocrático-profissionais» Barroso (2009, p. 35). Subjaz a esta perspectiva uma lógica estritamente econométrica. O percurso de ‘tudo estado’ para ‘tudo mercado’ foi reflexo da influência e aplicação das teorias neoliberais à administração da coisa pública e a crise instalada decorre da falência dessas mesmas teorias, obrigando a Comissão Europeia a tentar definir e regulamentar aquilo que se designa por “serviços de interesse geral”

11

que visam ‘atingir objectivos de serviço público no seio de mercados

abertos e concorrenciais’. «Para conduzir à eficácia, a autonomia das escolas deve servir de suporte a mudanças pedagógicas, pelo que as margens de manobra disponíveis devem ser utilizadas ao serviço das aprendizagens dos alunos» Barroso (2009, p. 40) 12.

10

Changes in regulation modes and social production of inequalities in education systems: a European Comparison, cujo acrónimo é Reguleducnetwork 11 serviços económico e não económico [energia, serviços postais, transportes e telecomunicações, saúde, educação, serviços sociais] 12 citando Meuret (2004), que ainda diz:«os resultados das avaliações realizadas parecem validar as teorias económicas e sociológicas sobre o funcionamento das escolas quando afirmam que a eficácia [considerada como a aptidão para atingir objectivos relacionados com a ‘performance’ média ou de grupos desfavorecidos] supõe que os actores sabem claramente o que lhes é pedido, que eles aderem e que são montados dispositivos de vigilância dos resultados e de incitações à sua melhoria» Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

14


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

A autonomia na legislação portuguesa das últimas quatro décadas e alguns comentários

A Lei 5/73, de 25 de Julho, conhecida como a reforma de Veiga Simão é o prenúncio de uma abertura do ensino visando a sua democratização, como estratégia de desenvolvimento económico e cultural, um aporte que o Estado toma em suas mãos e que implica uma evidente necessidade de democratização da sociedade, efeito não amplamente desejado pelo sistema político vigente. Acontece o 25 de Abril de 1974 e as coisas começam a mudar. “O «Estado dual» (Santos, 1984:17) que se segue à «revolução dos cravos» também se sente na escola, ainda dependente da administração central, mas agora tolhida na sua acção, ao mesmo tempo que, pela legitimidade revolucionária, se ensaia o poder popular ou, pelo menos, se expande a sociedade civil, numa participação política e social sem precedentes, paradoxalmente aliada a transformações políticas predominantemente operadas dos diversos centros de decisão (e de combate político) para as periferias.” 13 Estamos perante uma auto-organização da gestão escolar, a modos de «ensaio autogestionário» (Lima, 1992:232) o que leva a administração a agir por arrastamento, embora aceite a colegialidade das comissões de gestão determina a escolha de um dos docentes para presidente de modo a exercer as funções de representação e controlo das decisões colectivas, por via do DecretoLei 221/74, de 27 de Maio. O conceito de autonomia, nomeadamente a gestionária, é neste período levado ao extremo. O clima nas escolas é de agitação e quase se encontram paralisadas na sua acção instrutiva. Uma nova iniciativa legislativa de normalização da vida nas escolas toma forma no Decreto-Lei 735-A/74, de 21 de Dezembro mas é de imediato contestada pelos sectores mais interventores e radicais das assembleias nas escolas e, até, pelos partidos políticos da esquerda radical. Tenta-se re-deslocar o controlo das decisões e deliberações que está na escola para a tutela do Ministério da Educação. Esta é uma tentativa de normalização democrática da vida das escolas que parece votada ao insucesso, apesar da nova morfologia organizativa e de no seu art. 32º impor aos conselhos directivos a obrigatoriedade de informar os serviços centrais do ministério sobre o conteúdo dos pareceres e propostas das assembleias consultivas que não sejam executados e das razões da sua não execução. No entanto é de referir que a partir da sua publicação aumenta significativamente o número de escolas preparatórias e secundárias com Conselhos Directivos eleitos segundo os processos da democracia representativa.

13

segundo João Formosinho e Joaquim Machado Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

15


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Agora que é promulgada a Constituição da República Portuguesa (1976)

14

a normalização da

educação é tida como uma prioridade pelo I Governo Constitucional, através do Decreto-Lei 769A/76, de 23 de Outubro e aí se mantêm como órgãos de topo da escola o Conselho Directivo, o Conselho Pedagógico e o Conselho Administrativo, definindo-se claramente as regras de constituição e processos eleitorais, sem esquecer as respectivas competências. A regulação do funcionamento dos dois primeiros órgãos é alvo de publicação de duas portarias, a 677/77, de 4 de Novembro para o Conselho directivo e a 679/77, de 8 de Novembro para o Conselho Pedagógico. A este período regulador fica indelevelmente ligado o nome de Sottomayor Cardia. Este também é tido como um atentado à considerada gestão democrática, sempre mobilizando os professores em torno desta causa, instituída pelo diploma de 74,

15

com a agravante de o

presidente do Conselho Pedagógico ser, por inerência, o presidente do Conselho Directivo, de ora em diante e de ser limitado o peso relativo da representação dos alunos na vida da escola. 16 Há uma nova dinâmica de gestão burocrática centralizada da educação e isto não é bom sinal. Novas competências chegam às escolas por causa da profissionalização em serviço pelo que é reformulado o normativo respeitante ao Conselho Pedagógico, com implicações nas atribuições e competências do delegado e subdelegado de grupo, subgrupo ou disciplina, por via do Decreto-Lei 579-TI/79, de 29 de Dezembro, do Decreto-Lei 376/80, de 12 de Setembro e do Despacho 333/80, de 22 de Setembro. A abertura da escola às associações de pais, que já haviam visto consagrado o reconhecimento do direito à cooperação com o Estado na educação dos filhos na Lei 7/77, de 1 de Fevereiro, ainda que de forma algo insípida mas já reveladora da potencialidade dessa cooperação com a comunidade escolar. A autonomia ganha novos contornos, para além dos aspectos relativos à gestão administrativa e financeira de uma escola, pois o seu governo educativo tem parceiros com que deve contar para a definição clara de um Projecto Educativo e o estabelecimento de objectivos educativos na comunidade em que se insere. Percorreu-se um longo caminho até que a Lei de Bases do Sistema Educativo 17 foi publicada a 14 de Outubro de 1986, corporizada na Lei 46/86. Esta reflecte a necessidade premente de termos um sistema educativo enquadrado pela novel constituição, assim como para «clarificar a actual estrutura do sistema escolar e evitar a tomada de

14

adiante designada de constituição o já citado Decreto-Lei 735-A/74 16 da experiência tida nunca esta solução foi a melhor em termos de funcionamento e equidistância dos órgãos, nomeadamente em termos de agenda educativa, na escola 17 adiante designada de lei de bases 15

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

16


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

medidas avulsas,.., bem como proporcionar um quadro estável e que viabilizasse uma reforma global e articulada do sistema educativo». 18 O Ministério da Educação vai reformulando a sua orgânica e desconcentrando serviços, energizando debates em torno de questões como centralização e descentralização, democraticidade da direcção dos estabelecimentos de ensino e da profissionalidade da sua gestão. A lei de bases nos artigos 43º (Princípios gerais) e 45º (Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino) avançam-se os primeiros elementos que ajudarão a definir em concreto o conceito de autonomia da escola (aplicado à escola), sendo de realçar:  Respeito pelas regras de democraticidade e de participação;  Prossecução de objectivos pedagógicos e educativos;  Interligação com a comunidade;  Formas de descentralização e desconcentração de serviços com garantia da necessária eficácia e unidade de acção;  Favorecimento da fixação local dos professores;  Administração e gestão orientam-se pela democraticidade e participação dos implicados no processo educativo;  Prevalência dos critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa;  Órgãos de direcção para os quais são democraticamente eleitos os representantes dos professores, alunos e pessoal não docente;  Órgãos consultivos de apoio e serviços especializados. Como o próprio nome da lei indica estamos perante um quadro de orientações para o sistema educativo que precisa de ser regulado e regulamentado para a prossecução dos seus princípios gerais e organizativos. É de realçar a preocupação com o primado da pedagogia sobre a burocracia, pois este é [e vai tornar-se ainda mais] um dos calcanhares de Aquiles do sistema educativo. A Comissão de Reforma do Sistema Educativo elabora um Projecto Global de Actividades tendo em vista o que pretendia ser «uma reforma global e coerente das estruturas, métodos e conteúdos do sistema». 19 O debate de ideias da reforma sobre administração das escolas extrapola dois vectores que distingue, um de direcção, que se pretende democrática, e o outro de gestão, que se pretende profissional. Esta situação aporta ao mercado novos perfis de formação e oferta educativa na área da Administração Escolar, com várias tipologias

20

chegando também à formação contínua dos

professores. 18 19

Bártolo Paiva Campos citado por João Formosinho Resolução do Conselho de Ministros 8/86, de 22 de Janeiro Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

17


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

O Despacho 301/ME/92, de 11 de Novembro já dava conta desta preocupação formativa quando o programa PRODEP-FORGEST estabelecia que se pretendia «desenvolver uma formação profissional que permita aos docentes a aquisição de conhecimentos e competências teóricas e práticas para: o desempenho de cargos de direcção, administração e gestão das escolas e dos centros de formação contínua dos professores; a participação e animação da vida organizativa da escola». Em questões de autonomia isto parece dar mais margem de manobra aos professores para se integrarem amplamente nos problemas de administração e gestão da escola pública, a par de uma cada vez maior multiplicidade de papéis que começam a ser desempenhados por estes em meio educativo. A consagração da autonomia é feita a partir do Decreto-Lei 43/89, de 3 de Fevereiro o qual estabelece o regime jurídico da autonomia dos estabelecimentos de ensino público, escolas com 2º e 3º ciclos do ensino básico e escolas secundárias, cada uma com as suas especificidades, e em conformidade com a lei de bases. Não será por acaso que o 1º ciclo e o ensino pré-escolar ficam de fora deste regime jurídico. Os avanços nas práticas de autonomia e seu aprofundamento estão dependentes das lideranças das escolas e verificou-se a possibilidade de as escolas ensaiarem «formas de gestão flexível do currículo; definir algumas políticas de alocação de alunos e professores e gestão dos tempos lectivos e de ocupação de espaços; organizar e oferecer actividades de complemento curricular, de animação socioeducativa, de ocupação dos tempos livres ou de desporto escolar; gerir o crédito horário disponível para o exercício de cargos de gestão intermédia e de desenvolvimento de projectos pedagógicos; proceder ao recrutamento de pessoal auxiliar de acção educativa em regime de tarefa ou de contrato a tempo certo; conseguir auto-financiamento e gerir as receitas geradas pela prestação de serviços na escola; adquirir bens e serviços e proceder à execução de certo tipo de obras; estabelecer parcerias entre escolas, nomeadamente para a criação de centros de recursos educativos e centros de formação». 21 A autonomia da escola é corporizada num Projecto Educativo, instrumento de desenvolvimento que deve ser construído com as parcerias de todos os intervenientes no processo educativo. Pode-se considerar que os instrumentos de desenvolvimento da autonomia da escola são o citado Projecto Educativo, que formaliza um plano de desenvolvimento pedagógico, o Plano Anual de Actividades e, principalmente, o Regulamento Interno que deve normativizar as relações entre os diversos intervenientes no processo educativo. Este regime jurídico estabelece que a autonomia se desenvolve nos planos cultural, pedagógico e administrativo, fazendo uma esparsa alusão à gestão financeira.

20 21

disciplinas específicas, cursos superiores especializados, cursos pós-licenciatura e mestrados segundo João Formosinho Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

18


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

O que é pouco, na perspectiva de uma gestão orçamental muito condicionadora, da gestão de recursos humanos que não praticamente não existe e da pouco flexível gestão da oferta educativa, apesar e por causa da rede escolar. Entretanto é publicada a revisão curricular na forma de Decreto-Lei 286/89, de 29 de Agosto e novas movimentações se produzem nas escolas, no âmbito da nova autonomia, com propostas concretas sobre os currículos e novas disciplinas a introduzir como oferta de escola. A publicação do Decreto-Lei 172/91, de 10 de Maio, vem alargar o ordenamento do novo modelo de administração, direcção e gestão das escolas a todas as escolas dos vários níveis de ensino, com uma concepção mais multifacetada da escola que tende a assegurar, à luz da lei de bases, uma intervenção voltada para a comunidade local contextualizada na definição de políticas educativas próprias, assentes nos princípios da democraticidade, da participação, da integração comunitária e da autonomia da escola. Em regime experimental ainda vê saírem diplomas regulamentadores que permitiram às escola uma certa autonomia na gestão do crédito global de horas de redução da componente lectiva a distribuir pelos órgãos e estruturas pedagógicas de gestão intermédia ou na possibilidade de alterarem a composição do Conselho Pedagógico, optando pela organização dos departamentos curriculares. Aparecem diversos programas de intervenção e de sistemas de incentivos à qualidade da educação como o Projecto de Escolas Isoladas, o Programa Educação para todos, vulgo PEPT, o Programa de Educação Intercultural, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, os Centros de recursos e os Centros de Formação de Associação de Escolas. Temos portanto um amplo leque de opções que vão permitir às escolas adoptarem políticas educativas mais integradoras da comunidade local, à medida que se verifica um alargamento da presença dos pais e encarregados de educação em outros órgãos e níveis de ensino. Nesta conjuntura de alterações múltiplas, o Ministério da Educação procura ajustar o seu modelo organizacional às exigências da lei de bases até porque em sede da Comissão de Reforma do Sistema Educativo se centra o debate em torno de questões como a desburocratização da Administração Pública, a aproximação dos serviços às populações e a participação de todos os interessados na gestão. Começou pela desconcentração criando as delegações distritais da Direcção-Geral de Pessoal e, mais tarde, pela criação das Direcções Regionais de Educação, tendo por base um princípio de delegação de competências e descongestionamento dos serviços centrais. «As Direcções Regionais de Educação são serviços desconcentrados que prosseguem, a nível regional, as atribuições do Ministério da Educação em matéria de orientação, coordenação e apoio

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

19


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

aos estabelecimentos de ensino não superior, de gestão dos respectivos recursos humanos, financeiros e materiais e, ainda, de apoio social escolar e apoio à infância». 22 E a descentralização onde pára? Não existem organizações e órgãos locais que não dependam hierarquicamente da administração central e só veremos aparecer os Conselhos Municipais de Educação em 2003 com a publicação do Decreto-Lei 7/2003, de 15 de Janeiro e a elaboração das respectivas Cartas Educativas 23. A Fundação Manuel Leão através do Programa Aves, em 2000, inicia uma colaboração com as escolas, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, no sentido de desenvolver um modelo de avaliação externa das organizações e criar condições de reflexão interna sobre os respectivos resultados. São poucos os exemplos que orientem as escolas no sentido de uma autonomia mais efectiva nas decisões e deliberações que toma e ela é muito relativa. Não há efectivamente descentralização. O Conselho de Acompanhamento e Avaliação

24

do novo regime de administração escolar

produz em 1996 um documento crítico e o Ministério da Educação, em coerência com o Programa de Governo e com o Pacto Educativo para o Futuro, pretende a execução de um programa de reforço da autonomia das escolas, não sem antes solicitar um estudo prévio a João Barroso

25

com base no

Despacho 130/ME/96. Preparava-se o terreno para uma nova lei de gestão e administração das escolas públicas. O Conselho Nacional de Educação, como habitualmente, foi solicitado a emitir parecer sobre o assunto e ele é publicado em forma de Parecer 5/97, onde se realça a necessidade de haver uma distinção clara entre órgãos de direcção e de gestão das escolas, embora ambos devam compor a administração das mesmas. Ao órgão de direcção deverá caber, predominantemente, a formulação de políticas e estratégias ou a sua opção, ao passo que ao órgão de gestão competirá, sobretudo, a implementação dessas políticas e estratégias. A composição do órgão de direcção deve, nos quadros dos princípios de democraticidade e legalidade, ser equilibrada, representativa e legitimada em termos de participação da comunidade educativa e dos representantes da comunidade local. Quanto ao órgão executivo deve ser essencialmente funcional, executivo e orientado por critérios de eficácia e eficiência, com limites de acção claramente definidos, por um lado para que 22

Decreto-Lei 133/93, de 26 de Abril é de notar que para o Concelho de Cascais a respectiva carta educativa tem por base um trabalho realizado em sede do Instituto Superior de Serviço Social, no Centro de Estudos e Investigação Aplicada, datado de Outubro de 2002, portanto anterior à legislação que a regula…não há sinal de actualização do documento no sítio da Câmara Municipal de Cascais 24 Avaliação do Novo Regime de Administração Escolar (Decreto-Lei nº 172/91) 25 Autonomia e Gestão das Escolas, publicado com a chancela do Ministério da Educação 23

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

20


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

não conduzam à confusão entre tarefas de direcção e de gestão e, mais grave ainda, para que não conduzam ao conflito entre órgãos e legitimidades. Apesar de o Governo afirmar o primado dos critérios pedagógicos e científicos, corre-se o risco, afirma-se com preocupação, de o referido primado ser subalternizado por critérios financeiros estreitos e cita-se, de um seu parecer posterior

26

, «as escolas portuguesas precisam de ser mais

livres e de poder respirar maior autonomia, num quadro de crescente responsabilização dos seus vários intervenientes». É neste contexto que é publicado o Decreto-Lei 115-A/98, de 4 de Maio, o novo regime de autonomia, administração e gestão da escola pública, que menos de um ano volvido foi objecto de alterações substantivas pela Lei 24/99, de 22 de Abril. A implementação deste novo regime vem pôr a nu algumas questões de partilha e conflitos de poder, choques de perfis de liderança e, mais grave ainda, conflitos entre os órgãos de topo, pois parece que o Conselho Pedagógico passou a ter um papel mais subalterno e consultivo. As escolas são geridas com base em programas apresentados pelas listas candidatas ao Conselho Executivo, ou Direcção, e não com base em políticas e estratégias definidas em sede de Assembleia de Escola e legitimadas em outras estruturas intermédias, como nos departamentos Curriculares. Está já prevista a figura de contrato de autonomia, «acordo pelo qual a administração educativa aprova» o que lhe é proposto «pelos órgãos de administração e gestão de uma escola ou de um agrupamento de escolas»

27

, mas não parece que se tenha como suficiente para cortar com a lógica

da eficácia administrativa que este sistema centralizado desconcentrado procura face àquilo que deveria ser uma política educativa descentralizada e de maior autonomia, onde teriam uma palavra a dizer organizações e órgãos locais não dependentes da administração central e do Estado. Joga-se aqui com o conceito de territorialização das políticas educativas. Não se encontra disponível qualquer informação sobre eventuais contratos de autonomia realizados pelas escolas, excepto o caso da Escola da Ponte que é, de per si, muito sui generis no espaço e no tempo. Mas aquilo que parece ser ganho em autonomia é, também pelas práticas das escolas, uma maior dependência dos serviços centrais do Ministério da Educação. Qualquer questão de somenos pode levar a escola através dos seus órgãos, nomeadamente o órgão executivo, a questionar a tutela sobre o andamento a dar a um determinado assunto. As escolas trabalham muita vezes sem rede e sem apoio jurídico dos serviços centrais do Ministério da Educação, havendo múltiplas situações, caricatas diga-se, em que do mesmo serviço as respostas a um mesmo assunto colocado em ocasiões diferentes são também elas diferentes quando não antagónicas. 26 27

Parecer 2/2004 do Conselho Nacional de Educação no ponto 1 do art. 46º do novo regime de administração e gestão da escola pública Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

21


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Deste tipo de situações haveria relatos na primeira pessoa que poderiam ilustrar o modus vivendi e o modus faciendi do órgão executivo ou do órgão pedagógico e deixa-se aqui o relato de uma ocorrência que poderia ter um desfecho complicado em sede de tribunal administrativo e, porventura, criminal e cível. Está-se no final do ano lectivo, estão agendadas as reuniões de avaliação e há um professor que está sob a alçada de um processo disciplinar, mantendo este algumas relações de conflitualidade com colegas do grupo disciplinar e com alunos. A presidente do Conselho Executivo convoca uma reunião extraordinária do Conselho Pedagógico, via telefone, para a manhã do dia em que se iniciam as reuniões de avaliação (começam pelas 14.30 horas e numa delas estará o professor visado envolvido), tendo a ordem de trabalhos um único ponto – deliberação sobre a atribuição ou não de notas do 3º período na disciplina do professor citado. Convém notar que a deliberação visa tão-somente apoiar a decisão do órgão executivo. Foram discutidas várias opções em torno da questão de atribuição ou não de classificações assim como da possibilidade de não permitir ao professor que desse as respectivas propostas de notas. Foi feita uma pergunta pelo autor – o professor está suspenso das suas funções? A resposta foi – não! O conselho votou pela não atribuição das classificações propostas pelo professor, pelo que os alunos ficariam com as tinham sido atribuídas no 2º período de avaliação. O autor votou contra e produziu a respectiva declaração de voto, no que foi secundado por outro conselheiro, tendo na altura comentado que a questão poderia tomar contornos de acção de impugnação administrativa desta deliberação e, se essa fosse a intenção do professor, seguir pela via cível e até criminal. A presidente do órgão executivo, após a deliberação deste conselho, passou parte da tarde ao telefone com pelo menos um interlocutor da Direcção Regional de Educação de Lisboa para esclarecer a situação da conformidade legal da deliberação tomada e da sua decisão, obtendo como resposta nada de muito substantivo. O professor não foi impedido de atribuir as suas classificações no primeiro conselho de turma e as coisas foram andando pelo passa a palavra nos outros conselhos de turma. E as coisas ficaram por aqui. Mas como teria sido se tivesse havido impedimento? Ninguém sabe! Estas más práticas reiteradas têm tendência a agravar-se com o passar do tempo, para mal da autonomia como para a boa gestão organizacional e o exemplo citado é anterior à entrada em vigor do novo regime de administração e gestão.

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

22


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

A prestação de contas pelas unidades de gestão escolar à tutela passam pela formalização da avaliação externa conduzida sob a égide da Inspecção-Geral de Educação

28

, enquadrada pela Lei

31/2002, de 20 de Dezembro e que dá início a um período experimental que hoje está no final de um ciclo a rodar por todas as unidades de gestão do universo da escola pública. A intenção está em linha com as políticas

29

desenvolvidas em sede da administração central,

com uma perspectiva de as organizações serem mais transparentes e prestarem contas públicas da sua actividade. No entanto nota-se, pelas práticas, um certo pendor de controlo burocrático centralizado por parte do Ministério da Educação, via IGE que parece vendo o seu papel diminuído quanto ao acompanhamento das escolas para passar a cumprir uma agenda da tutela, ou seja deixar de estar ao serviço da escola para o estar ao sabor da implementação de políticas do ministro, muitas delas de cariz orçamental e financeiro para a conjuntura económica e não estritamente socioeducativas, como para efeitos de classificação das escolas de que começam a resultar os publicados e publicitados rankings das escolas básicas e secundárias. Atente-se na opinião de um ex-inspector da IGE sobre as avaliações externas das escolas, muito formatadas e da qual se exige um relatório devidamente fundamentado, para o facto de os painéis serem uma farsa de participação dos interessados no processo « estamos a falar de painéis que – tendo em conta a sua duração global, o número de questões e o número de participantes que potencialmente implicam – concedem uma média de 33 (trinta e três!) segundos a cada participante/questão/painel, e estamos a partir do princípio absurdo de que a equipa inspectiva não abre a boca, isto é: 33 (trinta e três!) segundos para, apenas ouvindo, “dialogar” e “recolher informação”» 30. Não é de estranhar que grande parte dos relatórios de avaliação externa, subscritos pelas equipas do IGE, revelem altas qualificações para a dimensão Liderança já que compete (?) ao órgão de gestão executiva a organização do processo de visita à escola, isto sem outras considerações à parte, e que seja nas dimensões Resultados e Prestação do Serviço Educativo que aparecem as piores qualificações. Bastas vezes a imagem é tudo! O pretenso avanço em prol da autonomia efectiva da escola, para além da transferência de competências para os municípios ao nível da gestão dos estabelecimentos do ensino pré-escolar e do 1º ciclo, passa agora pela criação de um órgão local, o Conselho Municipal de Educação e de um instrumento de desenvolvimento do parque escolar com base na Carta Educativa com a publicação do Decreto-Lei 7/2003, de 15 de Janeiro.

28 29 30

adiante designada de IGE new public management a consultar em anexo o texto integral Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

23


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Localmente pouco ou nada se sabe deste conselho e está-se a considerar a área de influência do Concelho de Cascais, que tem a sua carta educativa homologada pelo Ministério da Educação. Será assim nos outros concelhos? Qual a influência do conselho municipal de educação nas decisões de política educativa da Câmara Municipal de Cascais e na formulação de propostas dos seus representantes nos órgãos de direcção das escolas? Pessoalmente vi muito pouca visibilidade e influência enquanto presidente do órgão de direcção

31

do agrupamento onde trabalho e vi mais uma perspectiva do pelouro de educação

enquanto participante num órgão daquela escola específica. Não sem razão o debate em torno destas questões da autonomia aponta para um certo sentido de desresponsabilização do Estado pelo sistema público de ensino, apesar de reiteradas afirmações em contrário dos seus responsáveis. Encontramos vários factores que condicionam a capacidade de mobilização das escolas, das autarquias e de outros parceiros locais em torno duma pretensa e pretendida territorialização das políticas educativas, não deixando de colocar sobre a mesa questões de actualidade sociopolítica que se prendem com interferências externas ao desenvolvimento da profissionalidade docente como sejam o modelo e processo de avaliação do desempenho docente

32

, a escola-armazém

de gestão e administração dos estabelecimentos públicos de ensino

34

33

, o modelo

e o Estatuto da Carreira

Docente 35. A saber:  Desinvestimento continuado na escola pública 36;  O crescente predomínio do “modus de reprodução normativa”

37

nas escolas por via da

legislação profusamente emanada pelo Ministério da Educação;  A inexistência de um corpus ético e deontológico na profissão docente, a coberto de uma Ordem ou de qualquer outra organização nacional de índole não sindical;  A heterogeneidade da força de trabalho docente, esmagadoramente feminina;  A multiplicidade de papéis atribuídos aos professores, muito para além dos que são inerentes aos processos educativo e de ensino/aprendizagem na área disciplinar própria;  A perda relevante de autonomia e de prestígio social da profissão docente 38;

31

no período de 2002 a 2007 Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro 33 Proposta de abertura das escolas 12 horas diárias, subscrita pela CONFAP (Confederação das Associações de Pais) e, genericamente, aceite pelo Ministério da Educação 34 Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Janeiro 35 Decreto-Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro 36 atente-se na evolução da percentagem do PIB investido em educação, nos últimos 10 anos (fonte INE) 37 adaptado de Licínio Lima (1992) quanto a perspectivas de análise organizacional em meio escolar, quando propõe o locus de reprodução normativa versus o locus de produção 38 um pouco ao contrário da percepção do público que coloca a profissão docente como uma das que mais confiança lhe merece 32

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

24


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

 A multiplicidade étnica, social e cultural na escola pública, por via da massificação do ensino e da escolarização obrigatória;  O aumento das ocorrências graves em meio escolar relacionadas com a indisciplina e actos contra a liberdade e integridade física das pessoas 39;  A complexidade de contextos de sala de aula, para o que concorrem ritmos de aprendizagens, dificuldades de aprendizagem, necessidades educativas especiais, a socialização e interacções do grupo-turma e as expectativas dos alunos. Estas são palavras adaptadas de Nóvoa (2001): hoje há um excesso de missões dos professores, pede-se demais às escolas [por isso] as escolas valem o que vale a sociedade; Cada vez que a sociedade tem menos capacidade para fazer certas coisas mais sobem as exigências sobre a escola e isto é um paradoxo absolutamente intolerável e tem criado para os professores uma situação insustentável do ponto de vista profissional, submetendo-os a uma crítica pública, submetendo-os a uma violência simbólica nos jornais, sociedade, etc. O momento certo para reler Roldão (2002): as experiências dos professores são pródigas em mudanças ao nível do discurso, das terminologias, daquilo que ironicamente alguns acabam por chamar de “modas”. Isto acontece por três factores: 

Um certo défice de aprofundamento de conceitos que caracteriza a prática dos profissionais e instituições de ensino;

A legitimação que novas terminologias parecem emprestar a velhas práticas;

A lamentável tradição de que, novos ou velhos, os conceitos teóricos com que se trabalha nesta profissão cheguem à praxis quotidiana e sejam apropriados predominantemente através da referência que lhes é feita em normativos legais e não mediante a produção de conhecimento sobre eles, no seio da comunidade profissional docente.

Desta questão é exemplar o que respeita à construção dos Projectos Educativos e Curriculares de Escola, como o que se vem fazendo na Área de Projecto, nomeadamente no ensino básico. As áreas de responsabilidade dos professores são agora mais vastas: do acompanhamento e aconselhamento dos alunos, do ensino em termos multiculturais, ao desenvolvimento de competências cívicas e sociais, integração de alunos com necessidades educativas especiais, aconselhamento profissional dos pais, gestão e liderança partilhada, etc. Apreende-se que a evolução da administração das escolas depende, em muito, da mobilização e do posicionamento que venham a tomar os vários parceiros educativos, nomeadamente os professores. «Logo tem que se criar um conjunto de condições, um conjunto de regras, um conjunto de lógicas de trabalho e criar lógicas de trabalho colectivo dentro das escolas, pois apesar de a 39

Ministério da Educação e Ministério da Administração Interna, Escola Segura – Relatório Anual, Ano Lectivo 2007-2008 Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

25


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

experiência ser importante e de a experiência de cada um só se transformar em conhecimento quando se produz uma análise sistemática das práticas » 40. «As situações pedagógicas são como os momentos da vida: são únicas e não se repetem, logo para elas não há receitas que possam ser guardadas como solução para futuras situações, diz Bento (1989). Este é o novo paradigma de professor. Não só a qualificação para o exercício de funções em administração e gestão, por via de formação especializada ou pelo desempenho de cargos nas escolas, pode não ser suficiente para romper com a lógica burocrático-administrativa se não for possível construir uma agenda do tipo descentralizador e autonómico. «Daí que o programa de reforço da autonomia das escolas, agora abrangendo também a educação pré-escolar e o 1º ciclo do ensino básico, só pode ser coerente com a retórica da territorialização das políticas educativas se, porventura, se fizer acompanhar de mecanismos indispensáveis para a sua concretização, como a alocação de professores a um determinado território, considerado como uma unidade organizacional com órgãos próprios, capaz de formular uma vontade colectiva e projectos consistentes e dotada de um suporte material e administrativo para a sua implementação. Só assim estarão criadas condições essenciais para a criação local de redes e parcerias educativas com vista à diversificação e contextualização das respostas educativas da escola» 41. Falta neste puzzle regulamentar os contratos de autonomia e isso é feito com a publicação da Portaria 1260/2007, de 26 de Setembro onde se anexa uma matriz do contrato-tipo. Não aparenta que a escola tenha grande margem de manobra na negociação deste tipo de contrato

42

, nomeadamente na gestão de recursos humanos, ou seja, na contratação dos docentes

para além das necessidades residuais e pós colocações cíclicas do concurso nacional, a decorrer até ao final do 1º período lectivo e na vertente de gestão financeira, para além de uma maior flexibilidade de gestão orçamental de um orçamento que é incapaz de negociar de igual para igual. Nota-se, uma vez mais, um cariz controlador do Ministério da Educação através da composição da comissão de acompanhamento nacional a qual arbitra questões de litígio na aplicação do contrato de autonomia e é significativo que em ano de publicação da lei se avance com a notícia de assinatura de 22 contratos de autonomia, datada de 10 de Setembro de 2007, coincidente com o início de mais uma ano lectivo, e que só se encontre referência a 6 desses contratos nas várias Direcções Regionais de Educação

43

, considerando-se a excepção que é a Escola da Ponte, já

referenciada. 40

Nóvoa (2001) op. citada segundo João Formosinho 42 esta questão poderia ser objecto de uma análise de conteúdo aos contratos já homologados pelo Ministério da Educação, portanto de um estudo específico 43 2 na região do Alentejo, 2 na região de Lisboa e Vale do Tejo e 2 na região do Algarve 41

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

26


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Os últimos anos na educação são conturbados, são alterações ao Estatuto da Carreira Docente e as novas categorias de professores que dividem a carreira única, a «nova»

44

Avaliação

de Desempenho dos professores com os múltiplos episódios, alguns caricatos, que se desenrolam em várias instâncias, nomeadamente as sindicais, é o novo Estatuto do Aluno e a crescente desautorização da autoridade do professor e, também, um cercear da sua liberdade educativa agora mais voltada para o controlo burocrático do processo ensino/aprendizagem, em prol dos resultados estatísticos que são largamente apregoados como vitórias da novel política educativa. As escolas são inundadas de leis, recomendações, decisões que mal têm tempo para digerir quanto mais apreender e contextualizá-las em cada ambiente escolar. O tempo está nublado. Com a população, que serve, mesmo que contra os professores. Este é o lema. Assim se compreende uma nova revisão do regime de autonomia, administração e gestão da escola pública consagrada no Decreto-Lei 75/2008, de 22 de Abril, onde a figura do Director joga um papel central. A favor de uma liderança personalizada na escola e de um interlocutor mais directo com a tutela. Mas será isto mais autonomia? Ou será uma perda da democraticidade e participação dos interessados na vida e administração e gestão da escola? Várias são as opiniões e pareceres emitidos sobre este novo regime e valerá a pena perceber o que o Conselho Nacional de Educação pensa sobre a questão lendo o seu Parecer 3/2008, de 28 de Fevereiro ou o que Licínio Lima pensa sobre a figura do director ou o reforço da participação das famílias e comunidades na gestão das escolas 45. Do parecer do Conselho Nacional de Educação citam-se somente estes excertos: «Com base na avaliação e na experiência recolhida na aplicação do modelo de direcção e gestão previsto no DL 172/ 91, o CNE não concorda com a articulação que se propõe entre o papel do Conselho Geral na selecção e eleição do seu director e o «procedimento concursal, prévio à eleição», ambos previstos no projecto de diploma. E considera que devem ser evitadas as limitações à actuação do Conselho Geral no processo eleitoral. O texto deveria ser mais claro, antes de remeter a elaboração de regras próprias para portaria do membro do Governo». «Está prevista a tomada de posse do(a) Director(a) «perante o director regional» e não perante o órgão que o elege, o Conselho Geral. Tal perspectiva indicia a desvalorização do órgão de direcção ou a redução da autonomia das escolas e o aumento da sua dependência face aos órgãos da administração regional e central».

44 45

a anterior não foi sequer regulamentada em diversos pontos e, muito menos, objecto de séria avaliação entrevista integral em anexo, via a página da educação Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

27


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

«Do mesmo modo, não se concorda com a possibilidade de cessação do mandato do(a) Director(a) “por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área da educação...”, uma vez que a proposta de normativo já prevê mecanismos bastantes e suficientes para o Conselho Geral fazer cessar a actividade do(a) Director(a), seja na sequência de uma avaliação externa, seja de uma acção inspectiva e de um consequente processo disciplinar. A assunção de que o Conselho Geral é o «órgão de direcção estratégica» não é coerente com estas duas disposições, que contrariam a sua consolidação como órgão responsável e de efectiva «direcção estratégica», responsável aliás pela eleição do(a) Director(a). Além disso, o CNE recomenda que se evitem, a todo o custo, todos os riscos de politização e partidarização dos órgãos de direcção e gestão das escolas». Registe-se uma nota sobre a perspectiva que vem sendo transportada para as escolas em termos de prestação de contas que é a de se correr o risco de estar a avaliar as unidades de gestão escolar tal como se faz numa qualquer organização privada com fins lucrativos, quando a escola pública presta um serviço que não tem como objectivo o ganho financeiro mas a qualidade do processo ensino/aprendizagem e os sucesso escolar e educativo, cujos possíveis indicadores não podem ser estritamente aqueles que reproduzem por via burocrática o sucesso escolar e as classificações em exames externos. Estranhamente é pouco visível a reacção dos sindicatos a esta evolução, para além das considerações gerais sobre o atentado que representa para a gestão democrática das escolas. Registe-se que com a entrada em vigor deste novo regime de autonomia, administração e gestão da escola pública e até à presente data ainda não celebrado qualquer contrato de autonomia o que diz bem da intenção da tutela em ter o controlo apertado nos processos de descentralização e delegação de competências aos órgãos de direcção e gestão. Sem pretender fazer-se uma análise de conteúdo a um contrato específico de autonomia, o da Escola Secundária da Quinta do Marquês

46

, tida como uma escola de referência na Área

Pedagógica 10 e bem colocada no ranking das escolas secundárias, vamos deixar algumas pistas sobre os limites de negociação da autonomia que está em causa na celebração do contrato. Quanto aos objectivos gerais eles são aquilo que a tutela já prescrevera em termos de lei, nem mais nem menos, com um realce para a aplicação do princípio da eficiência. Os seus objectivos operacionais decorrem do Projecto Educativo que estabelece metas e que aqui são formalizadas. As competências reconhecidas à escola demonstram tão só um extrapolar da lei, com pequenas excepções como a que regista a possibilidade de a escola poder recolher apoios financeiros para a concretização de visitas de estudo e outras actividades ou a prestação de

46

o referido contrato pode ser lido em anexo Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

28


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

pequenos serviços realizados no âmbito dos clubes, ateliês e oficinas em funcionamento e arrecadar receitas a inscrever no Orçamento de Compensação em Receita 47. O limite de 26 como número máximo de alunos por turma é uma pequena cedência do Ministério da Educação, se tivermos em conta que o máximo contemplado em lei como sendo de 28 alunos, e se consigna a excepção «salvo situações de ruptura na rede escolar», obviamente uma imposição da tutela. E receber o patrocínio de empresas e outras entidades a troco de publicidade, nos termos da legislação em vigor. Não se vislumbram grandes cometimentos para além do enquadramento legal e daquilo que têm sido as práticas continuadas das escolas na gestão destes processos. Os compromissos que a escola assume vão um pouco mais longe quando se consigna a construção de um pavilhão gimnodesportivo, por ser a única escola do Concelho de Oeiras sem espaço específico para a prática da Educação Física, curricular, e outras actividades de índole desportiva, para além de pequenas obras de remodelação e reconversão de espaços, nomeadamente a de uma sala de aula para um pequeno anfiteatro com condições para ser uma sala de audiovisuais. Quanto aos compromissos do Ministério da Educação passam por colocar a escola em lista de prioridade no Programa de Modernização das Escolas Secundárias e transferir o montante de 60% da poupança produzida com a racionalização e reorganização dos recursos humanos para a escola, tendo em vista o melhorar o rácio aluno/professor e o custo por aluno. Também mostra a intenção de tomar as medidas necessárias para a disponibilização por parte do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas de terrenos contíguos à escola, para a construção do pavilhão multiusos. A conversão em equivalente financeiro de créditos horários remanescentes é, talvez, uma má utilização da autonomia pois tem implicações na organização do trabalho, nomeadamente o docente e está em linha com a pretensão de receber 60% da poupança em recursos humanos. Não se vê grande arrojo e inovação neste contrato de autonomia e que ele implique, para a escola, para além das responsabilidades do Ministério da Educação em manter, preservar e requalificar o seu património edificado ou a edificar, grandes alterações de modelo organizativo e de gestão financeira, pois que da orçamental não se fala. Será este o tipo de contrato possível? Como já se disse seria preciso um estudo

48

sobre a repercussão destes contratos de

autonomia na vida das escolas e não é disto que aqui se trata. 47

fundos próprios da escola este tipo de estudo pode revelar-se complicado pois a matriz que enquadra estes contratos é anterior ao regime estabelecido pelo Decreto-Lei 75/2008 e os novos gestores, o Director, podem não estar na disposição de disponibilizar informação que permitirá estabelecer quadros comparativos sobre a realidade da escola, em tempos diferentes 48

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

29


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

E quanto ao clima na classe dos professores face a estas mudanças em catadupa e “atentados” à sua profissionalidade e independência? Nóvoa (2001) resumiu muito bem a questão: os professores podem e devem exigir duas coisas absolutamente essenciais, uma é calma e tranquilidade para o exercício do seu trabalho, outra, é essencial ter condições de dignidade profissional. À medida que as discrepâncias entre a ordem normativa e jurídica e as ordens das realidades concretas se vão ampliando, coloca-se o problema de se compreender as lógicas de acção que quotidianamente se desenvolvem nas escolas portuguesas 49. Entre a estrutura e a acção devemos encarar a cultura organizacional da escola como um processo de construção. Não nos parece estarem reunidas estas condições para que não se fale de mal-estar generalizado na classe profissional dos professores. Será que a satisfação profissional dos professores é relevante, até para as decisões de carácter político ou económico? «A relevância e o interesse acerca da satisfação profissional dos professores surge pelo facto de a ela aparecerem associadas variáveis tão importantes como a auto-estima, o bem-estar físico e mental, a motivação, o empenho o envolvimento, o stress, a realização profissional dos professores» 50

. «Sabemos de igual modo que sentimentos de insatisfação e mal-estar afectam não só os

professores mas também os alunos, pois o desinvestimento e a falta de motivação dos professores contribui directamente para o desinteresse dos alunos na sala de aula e, consequentemente, para uma menor qualidade do processo ensino-aprendizagem». Este estudo revelou que «os professores apresentam baixos níveis de satisfação profissional, sendo esta justificada predominantemente por factores sociopolíticos» e quem revela maiores índices de satisfação são os professores a meio da carreira e os das áreas de Educação Artística e FísicoMotora. «Quanto maior a satisfação profissional maior a auto-estima dos professores mas também quanto menor a auto-estima menor a satisfação profissional». «A dimensão Alunos, ou seja a Dimensão de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, é aquela que maior impacto tem na variabilidade de registos da auto-estima dos professores». «Ao contrário do que acontece nos EUA onde os professores que sofrem de desgaste tendem a deixar a profissão, em Portugal é grande a probabilidade de esse grupo permanecer nas escolas a leccionar dia-a-dia, anos a fio, desgastadas, desmotivadas, desgastando e desmotivando». «Este desgaste surge como um perigo para as instituições escolares, no sentido em que é um fenómeno dotado de características epidémicas, que tende a acontecer por contágio». 49 50

Lima op. citada Pedro e Peixoto op. citada Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

30


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

O mal-estar da classe docente aporta vastas consequências não só para a sua prática educativa mas igualmente no que respeita à sua saúde e estão aí sinais desta evidência: alienação perante o ensino, desinvestimento no trabalho, absentismo, esgotamento, ansiedade permanente, auto-desvalorização, pedido de aposentação antecipada, exercício da docência a meio tempo, doenças psicossomáticas, recurso a um estilo de docente mais rígido e conservador, neuroses reactivas e depressões. Este o quadro em 2006. Agora a situação tende a agravar-se e veja-se a quantidade de professores que estão a solicitar a reforma mesmo com antecipações ao tempo expectável e com prejuízos financeiros consideráveis, havendo casos de penalizações a rondar os 30 ou mais por cento. Isto não é bom para o sistema educativo e para a qualidade do mesmo, pois os professores mais novos deixam de ser enquadrados e acompanhados pelos mais experientes e há mexidas acentuadas nos quadros das escolas onde se verifica haver quase 50% de professores contratados, após o último concurso nacional. E não é bom para o envolvimento em processos autonómicos e de modelação organizacional.

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

31


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Conclusão – que perspectivas para a autonomia das escola?

Podemos detectar dois traços do Estado em reestruturação: o Estado mobilizador da ‘governança’ [governance] negociada e o Estado regulador, vigilante e controlador 51. E aqui joga-se o futuro das políticas de reforço da autonomia das escolas. «Por muito estimulantes que sejam as teorias e as estratégias de complementaridade dos modelos e da variedade das situações em que podem ser aplicados, está bem para além das soluções técnicas, pois é preciso saber colocar as questões políticas. Isto obriga a ‘pensar a escola a partir de um projecto de sociedade’ e para isso, precisamos de pensar ao contrário do que a vulgata economicista recomenda, ou seja, ‘pensar a partir não dos meios disponíveis, mas das finalidades a atingir’, ou como recomenda Paulo Freire a “problematizar o futuro” sem o considerar como “inexorável”» Barroso (2009, p. 42). O Estado deve continuar a ter um papel preponderante na garantia do direito à educação e sua provisão, reforçando a sua dimensão sociocomunitária, logo tem de continuar a investir na promoção e defesa dos princípios da ‘escola pública’, enquanto garante da aquisição e distribuição equitativa de um bem comum educativo. Dos princípios já enunciados por Maroy (2004, pp. 14-15), que estão hoje nas agendas da autonomia visando um modelo pós-burocrático, destacam-se a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a continuidade dos percursos escolares. São estes que devem servir de suporte ao reforço das políticas de autonomia das escolas. «Estes princípios obrigam a que a escola seja ‘sábia’ para educar [permitindo a emancipação pelo saber], ‘recta para integrar as crianças e jovens na vida social [através da partilha de uma cultura comum] e ‘justa’ [participando na função social de distribuição de competências]» Barroso (2009, p 43). Deixamos algumas questões para reflexão:  O processo global de crescente territorialização das políticas educativas acompanhado de um reforço da autonomia das escolas numa lógica de complementaridades organizativas e organizacionais;  A autonomia das escolas será sempre uma autonomia relativa, condicionada que está pelos poderes da tutela e de superintendência do governo e da administração pública, como pelo poder local, num processo global de descentralização;  A autonomia das escolas não pode ser considerada uma ‘obrigação’, antes sim uma ‘possibilidade’;

51

de acordo com Lascoumes e Le Galès (2004) Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

32


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

 O reforço da autonomia das escolas deve constituir um meio para as mesmas prestarem em melhores condições o serviço público de educação, não é um fim em si mesmo;  A autonomia tem de ser encarado como um investimento nas escolas, pelo que tem custos, baseia-se em compromissos e tem de traduzir-se em benefícios;  A autonomia também se aprende. Em jeito de balanço final devemos salientar os seguintes aspectos:  A autonomia é da escola [na acepção de comunidade educativa] e não da Administração;  A autonomia traduz-se numa transferência, devidamente regulada, de poderes que antes eram posse da Administração Central e Regional para as escolas;  A autonomia reflectirá uma nova identidade de cada escola e uma maior diferenciação das escolas entre si;  A autonomia é um processo de construção da identidade das escolas, ou melhor, é o processo de que as escolas dispõem para marcar o seu espaço de actuação, espaço esse que se alarga ou restringe com a maior ou menor capacidade de as escolas agirem;  As fronteiras do espaço de autonomia das escolas são definidas pela capacidade de decisão/responsabilização que estas forem capazes de tomar/assumir e resultarão, sempre, de uma conquista do espaço de decisão à Administração [quadro político da autonomia];  As escolas devem estar cientes de que as decisões/responsabilidades, seja no quadro sociopolítico da educação ou em qualquer outro, têm sempre de ser tomadas/assumidas;  O grau de autonomia das escolas, pois é de grau que se trata, afere-se pela quantidade e qualidade das decisões que podem tomar, na certeza porém que, se não forem elas a tomá-las, será a Administração a fazê-lo.

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

33


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Referências

Bibliográficas FORMOSINHO, João; FERNANDES, A. Sousa et al. (2005). Administração da educação Lógicas burocráticas e lógicas de mediação, Edições Asa FORMOSINHO, João; FERREIRA, Ilídio e MACHADO, Joaquim (2000). Políticas educativas e autonomia das escolas, Edições Asa LIMA, Licínio (org.) et al. (2006). Compreender a escola - Perspectivas de análise organizacional, Edições Asa MOREIRA, Adriano; BARROSO, João; MARTINS, Guilherme Oliveira et al. (2009). Autonomia das escolas – conferência internacional, Fundação Calouste Gulbenkian SARMENTO, Manuel Jacinto org. (1999). Autonomia da escola, Edições Asa SERGIOVANNI, Thomas J. (2004). Novos caminhos para a liderança escolar, Edições Asa

Legislativas Lei 46/86, de 14 de Outubro [lei de bases do sistema educativo] Decreto-Lei 43/89, de 3 de Fevereiro [regime jurídico da autonomia da escola] Decreto-Lei 115 – A/98, de 4 de Maio [autonomia, administração e gestão da escola pública] Lei 24/99, de 22 de Abril [alteração ao decreto-lei 115-A/98] Lei 31/2002, de 20 de Dezembro [avaliação externa da escola pública] Decreto-Lei 7/2003, de 15 de Janeiro [conselhos municipais de educação] Portaria 1260/2007, de 26 de Setembro [contratos de autonomia na escola pública] Decreto-Lei 75/2008, de 22 de Abril [autonomia, administração e gestão da escola pública]

Internet Portal da Educação, do Ministério da Educação in http://www.min-edu.pt/ (consultado em 5 de Janeiro de 2010) Conselho Nacional de Educação in http://www.cnedu.pt/ (consultado em 29 de Dezembro de 2009) Diário da República Electrónico in http://www.dre.pt/ (consultado em 28 de Dezembro de 2009) Escola Secundária Quinta do Marquês in http://www.esec-qta-marques.rcts.pt/Home.html (consultado em 9 de Janeiro de 2010) Câmara Municipal de Cascais in http://www.cm-cascais.pt/Cascais/Viver/Educacao/ (consultado em 13 de Janeiro de 2010) Contratos de Autonomia no Ministério da Educação in http://www.min-edu.pt/np3/1031.html (consultado em 8 de Janeiro de 2010)

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

34


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Curso

de

verão

-

Administração

das

escolas

no

Portugal

democrático

in

http://www.cursoverao.pt/c_1998/joao.htm (consultado em 8 de Janeiro de 2010) Ensino magazine online in http://www.ensino.eu/home.html (consultado em 15 de Janeiro de 2010) Profblog in http://www.profblog.org/ (consultado em várias datas a partir de 14 de Dezembro de 2009) A Educação do meu umbigo in http://educar.wordpress.com/ (consultado a partir de 14 de Dezembro de 2009) Professores Lusos in http://profslusos.blogspot.com/ (consultado a partir de 14 de Dezembro de 2009) Correntes in http://correntes.blogs.sapo.pt/ (consultado a partir de 14 de Dezembro de 2009) O Portal da Educação in http://www.educare.pt/educare/Educare.aspx (consultado a partir de 14 de Dezembro de 2009) A página da educação in http://www.apagina.pt/?aba=1 (consultado em 13 de Janeiro de 2010)

Electrónicos Parecer nº 3/2008 do Conselho Nacional de Educação, publicado em 28 de Fevereiro Contrato de Autonomia da Escola Secundária Quinta do Marquês, 2007 Carta Educativa do Concelho de Cascais, por Orlando Garcia, Sérgio Mah, et al., 2002 Uma

opinião

de

um

inspector

da

educação,

por

José

Calçada,

2010

in

http://educar.wordpress.com/2010/01/17/opinioes-jose-calcada/ (consultado em 17 de Janeiro de 2010) BARROSO, João (2004). A autonomia das escolas: uma ficção necessária, Revista portuguesa de

Educação,

vol.

17,

02,

pp.

49-83

in

http://translate.google.com/translate?hl=en&langpair=es|pt&u=http://redalyc.uaemex.mx/&client=tmpg (consultado em 9 de Abril de 2010) LEMOS, José Eduardo (1999). A autonomia das escolas, A página da educação 80 (VIII) pp. 57 in http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=80&doc=7669&mid=2 (consultado em 9 de Abril de 2010) LIMA, Licínio (2009) Autonomia, administração e gestão das escolas, A página da educação 186, série II in http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=530&doc=13610&mid=2 (consultado em 9 de Abril de 2010) MAROY, Christian et al. (2004). Changes in regulation modes and social production of inequalities

in

education

systems:

a

European

Comparison,

European

Commission

in

http://cordis.europa.eu/documents/documentlibrary/100123981EN6.pdf (consultado em 9 de Abril de 2010) MOURA, Rui (1999). O conceito de autonomia de escola: algumas reflexões, Educare / Educere, 7 (pp. 85-94), in http://rmoura.tripod.com/autonomia.htm (consultado em 9 de Abril de 2010) Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

35


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

NÓVOA, António (2001). Entrevista para o Programa Salto para o Futuro da TV Brasil, realizada a 13 de Setembro. PEDRO, Neuza e PEIXOTO, Francisco (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico. Análise Psicológica 2 (XXIV) pp. 247-262 RUIVO,

João

(2010).

Autonomia

para

gerir

e

para

gerar

in

http://educar.wordpress.com/2010/02/08/opinioes-joao-ruivo-12/ (consultado em 9 de Abril de 2010)

Fotocópias BARROSO, João (2003). Organização e regulação dos ensinos básico e secundário em Portugal: sentidos de uma evolução, Educação e Sociedade, vol. 24, nº 82, pp. 63-92 BENTO, José Olímpio (1989). Profissionalidade pedagógica e formação de professores. Revista O Professor 36 (3ª), de Janeiro-Fevereiro pp. 3-18 LOPES, Albino, A escola pública portuguesa face à gestão pela qualidade total: entre a burocracia e a gestão política da autonomia – contradições e tendências MACEDO, B. (1991), Projecto educativo de escola: do porquê construí-lo à génese da construção, Inovação 4, pp. 127-139 ROLDÃO, Mª. do Céu (2002). De que falamos quando falamos de competências? Noesis, 61 (pp. 59-62). Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

36


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Anexos Contrato de autonomia da Escola Secundária Quinta do Marquês Uma opinião de um inspector da educação (aposentado) Entrevista a Licínio Lima

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

37


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

38


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

39


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

40


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

41


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

42


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

43


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

44


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

45


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

46


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

47


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

48


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

49


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

UMA OPINIÃO DE UM INSPECTOR DA EDUCAÇÃO (aposentado) A pretexto do caso-de-Fafe (lembram-se dele?), da avaliação e da classificação das Escolas e dos docentes, da(s) autonomia(s), da acção disciplinar – e do mais que adiante se verá, ou Das vantagens da memória 1. Perante o então chamado caso-de-Fafe – lembram-se dele? –, estivemos confrontados com uma questão de fundo, que se prende com a filosofia que subjaz ao tipo de trabalho que a Inspecção-Geral da Educação (IGE) desenvolve: ao contrário da ideia que por vezes se pretende fazer passar, os Inspectores deslocam-se às escolas exclusivamente em consequência das encomendas das suas tutelas, sejam a IGE ou o Ministério! Está-lhes vedado, na prática – e nem sempre assim foi – responder às solicitações das escolas ou poder acompanhá-las em função dessas solicitações; em consequência, não possuem os Inspectores qualquer margem de autonomia para, fundamentadamente, escolher as escolas onde têm necessidade de ir; assim sendo, não está garantida uma presença sistemática dos Inspectores nas escolas, num permanente acompanhamento dialogante, trabalhando com elas e não contra elas, e tão natural quanto a dos alunos, dos docentes ou dos funcionários. É neste sentido que nós afirmamos que as escolas estão abandonadas pela Inspecção! Não defendemos, porque isso não teria qualquer sentido, que os Inspectores trabalhem em roda livre, sem prestar contas a ninguém e sem integração num plano geral de actividades que responda aos objectivos gerais da IGE. Mas, numa altura em que tanto se enche a boca com a “autonomia”, bem gostariam os Inspectores de poder reservar uma parcela do seu tempo (1/4?…1/3?…) para responder ao que as escolas directamente lhes solicitassem. Gostariam, afinal, de ser tratados como sujeitos do seu próprio trabalho e não como meros instrumentos-de-trabalho! Não temos a certeza – porque ninguém pode tê-la – de que, se esta fosse a filosofia de acção da IGE, o caso-de-Fafe não teria pura e simplesmente existido na sua vertente disciplinar interna, mas haveria certamente uma elevada probabilidade de que tal tivesse sucedido: porque a falar é que a gente se entende, certamente teria sido possível matar-a-serpenteno-ovo. (Não falo d’os-ovos-da-Senhora-ex-Ministra, porque essa é eventualmente uma área de actuação do Ministério Público). E não nos venham dizer que esta função de acompanhamento está agora a ser desempenhada por equipas de apoio das DREs, porque o sentido de humor tem limites… O que se passa é que a IGE está a sofrer do sindroma da “new public management”, com as perversões que lhe estão associadas e que hoje até os seus paladinos originais denunciam. 2. Exemplar é o caso das “Avaliações Externas” – sendo desde logo necessário afirmar que elas apenas são possíveis pela imposição aos Inspectores de ritmos e de horários de trabalho chocantes, dignos da revolução industrial do século XIX (bem como pela utilização abusiva dos automóveis dos Inspectores, dos telemóveis dos Inspectores, da internet paga pelos Inspectores, dos seguros da viatura pagos pelos Inspectores e da ausência de um Seguro Profissional de Responsabilidade Civil). Mas não podemos deixar de denunciar a IGE quando esta dá a entender que este trabalho não se enquadra numa encomenda da tutela, antes é consequência de uma solicitação voluntária das escolas, como se todos não soubéssemos que esta solicitação voluntária é, ela sim, consequência do Despacho nº 20131/2008, dos Ministérios das Finanças e da Educação, sobre as implicações da Avaliação Externa na avaliação/classificação dos docentes (implicações que o próprio Conselho Nacional da Educação considera como uma das fragilidades originais do Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

50


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

modelo). E é pelo menos estranho que nos “Objectivos da avaliação externa” não apareça esta ligação umbilical ao Despacho atrás referido – quando sabemos que, por força dele, da avaliação externa resulta uma classificação! É também significativo que esta classificaçãopara-o-SIADAP nunca apareça explícita nos objectivos da avaliação externa assinalados no n.º 14 do “Boletim dos Professores”, da responsabilidade do Ministério da Educação. Como todos sabemos desde pelo menos os finais dos anos cinquenta do passado século – há quem o saiba desde Comenius –, pode existir avaliação sem classificação, mas nunca esta sem aquela. Deve estar cometido à IGE desenvolver prioritariamente a primeira – e de modo ainda mais intensivo, e com sequencialidade, ao serviço da melhoria das escolas –, mas não exclusivamente a segunda –, ao serviço da ex-Ministra da Educação e do SIADAP para docentes. (Aliás, e porque qualquer avaliação tem de ser assumida sem ligeireza e sem pressões, lembramos que o Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino/SIEE, numa “Conferência de Imprensa” realizada em 30 de Outubro de 2007, denunciou a nãoexistência de condições que permitissem aos Inspectores integrar o processo de avaliação do desempenho dos docentes coordenadores – como a tutela pretendia; e que o mesmo Sindicato dirigiu em 11 de Novembro de 2008 uma “Carta Aberta” sobre idêntica matéria ao então Secretário de Estado Adjunto e da Educação). No caso em apreço, porque desagua numa classificação instrumental, a avaliação externa transforma-se num exercício muito arriscado! O duo Maria-de-Lurdes-Rodrigues-&-Sócrates, interessado numa classificação a todo o custo, estava pouco preocupado com o risco do exercício e com a pesada responsabilidade a que submeteu os Inspectores. “A entrevista em painel é o método essencial usado pela equipa de avaliação externa para dialogar com a comunidade educativa e para recolher informação”, diz o documento oficial da IGE sobre a matéria. Mas estamos a falar de painéis que – tendo em conta a sua duração global, o número de questões e o número de participantes que potencialmente implicam – concedem uma média de 33 (trinta e três!) segundos a cada participante/questão/painel, e estamos a partir do princípio absurdo de que a equipa inspectiva não abre a boca, isto é: 33 (trinta e três!) segundos para, apenas ouvindo, “dialogar” e “recolher informação”. É querer meter o Rossio na Betesga! Isto não é um painel – isto é um contra-relógio. No plano científico, painéis deste tipo não podem senão ser classificados, na melhor das hipóteses, como “etnográficos” ou “impressionistas” – mas, em contrapartida, exige-se aos Inspectores que desses painéis resultem relatórios objectivos e afirmativos, com todas as ponderosas consequências que atrás enunciámos. A verdade é que, há alguns anos atrás, a IGE desenvolveu um programa de avaliação integrada das escolas que, pesem embora alguns deméritos, possuía a extraordinária virtude de as não pretender classificar – nem directamente, nem por arrastamento. Aliás, estamos convictos de que foi a sensatez de assumir esta virtude que levou ao seu cancelamento, incapaz como foi de agradar a tutelas amantes de rankings… Na avaliação externa – na classificação das escolas, porque é disso que se trata –, esta lufa-lufa obreirista da Inspecção assenta numa base única: a ex-Senhora Ministra possuía uma agenda política para um ciclo eleitoral de quatro anos e, porque o tempo não é condicionável, condicionou o trabalho da Inspecção não às necessidades das escolas, o que seria excelente, mas à sua agenda própria! Eis o pecado original das avaliações externas, consequência da instrumentalização da IGE pela ex-Senhora Ministra! Vai a nova Ministra permanecer no erro – mesmo após o histórico acordo assinado com os Professores?… Se a ex-Senhora já é “ex” – por que é que a avaliação externa já não é “ex” também?…

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

51


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

3. Falta claramente sentido de equilíbrio à filosofia da IGE. Estamos perante uma InspecçãoGeral da Educação ou uma Inspecção-Geral do Ministério da Educação? (esta pergunta, como é óbvio, não possui idêntica pertinência no que se refere à IGMCTES, dado o particular estatuto de autonomia consagrado para o ensino superior); queremos uma Inspecção do Estado ou uma Inspecção do Governo de turno?; queremos uma Inspecção ao serviço das tutelas ou ao serviço dos estabelecimentos de educação e ensino?; queremos uma Inspecção sob tutela do Governo, ou da Assembleia da República, ou de ambos? Devemos dizer que, numa instituição equilibrada, gozando de autonomia, estas perguntas não fazem qualquer sentido – porque deveria ser possível responder decididamente “sim” a todas, abandonando visões dicotómicas e simplistas sob a capa do “ou (…) ou (…)”. Estas perguntas apenas reforçam a ideia de que, independentemente dos exemplos de circunstância assinalados neste texto, não são de natureza técnica as grandes questões da IGE – antes relevam da filosofia da instituição e das opções de política educativa que a enquadram. 4. Quanto à bondosa tese de que a acção disciplinar da IGE – esse lobo mau que obrigaria as criancinhas a comer a sopa –sofreu um virtuoso decréscimo, bem sabemos que isso pouco tem a ver com a IGE e se deve antes de tudo à transferência legal da competência da instrução para as escolas. Trata-se, aliás, de um autêntico presente envenenado para as escolas e para os docentes, presente embrulhado pelo Ministério em papel de lustro da marca “autonomia”– como o caso-de-Fafe veio demonstrar bem a propósito, logo seguido pelo caso-da-Senhora-Professora-de-uma-Escola-de-Espinho… Tal como nós mesmos havíamos oportunamente previsto, a instrução da acção disciplinar, particularmente da mais relevante, seria naturalmente reencaminhada para a IGE pelas escolas, por força não apenas da ausência nestas de condições que permitam esse exercício, mas também como resultado das novas disposições, cruzadas, assumidas em sede do novo “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas”, por um lado, e, por outro, da lei que “Aprova o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas” – e o reencaminhamento foi exactamente o que sucedeu no caso-deFafe, e no caso de Espinho, ambos exemplares a este título. E, embora a sua existência seja louvável, não é com o apoio do site da IGE, nem com um apoio esforçado e de retaguarda de alguns Inspectores, que se dá um contributo estruturado para a resolução de questões tão complexas e com tão graves implicações. E não vale a pena virem acusar os Inspectores de terem saudades do exercício da acção disciplinar: o SIEE foi o único que, publicamente, na “Carta Aberta” atrás referida, se opôs à tentação da tutela de resolver pela via disciplinar, com ameaça e chantagem nem sequer disfarçadas, problemas ligados ao atribulado processo de avaliação dos docentes! 5. Parece-nos que fica agora mais claro por que devemos ter presentes alguns ensinamentos a pretexto do caso-de-Fafe. O Dr. Almeida Costa, que foi o primeiro InspectorGeral do Ensino – era assim que então se chamava –, dizia que a Inspecção era “a consciência crítica do sistema” educativo, e ainda que, no terreno, devido ao isolamento e às pequeníssimas equipas em que naturalmente somos forçados a trabalhar, “cada Inspector é a Inspecção”. Assim, e ao mesmo tempo que não podemos deixar de usufruir de grande autonomia, recai sobre cada um de nós uma proporcional responsabilidade. Não vivemos de saudades, excepto, como o poeta nos ensina, das “do futuro”. Isto é, saudades de um passado em que um-futuro-começado-a-ser-construído foi interrompido (apenas interrompido…) pelo pensamento único consagrado na desumanização da “new public management” e do SIADAP. Dito de outro modo, aparentemente simplista: continuo com o vício de defender os Inspectores. Seria mais fácil continuar calado, mas não me peçam que Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

52


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

adquira um hábito novo aos 63 anos de idade, nem me argumentem que não podemos “dar tiros nos próprios pés” – quando a pior alienação passa por convencerem-nos que são nossos os pés que afinal são de outros. Preparados para um outro caminhar e para um outro caminho – um caminhar e um caminho que não são os nossos. José Calçada (Docente do ensino liceal/secundário de 1970 a 1982; Inspector da IGE de 1982 a 2009; aposentado há três meses e meio)

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

53


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

54


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

55


Autonomia das escolas – retóricas públicas e a agenda da educação

Mestrado MPA – Administração Pública, especialização em Administração da Educação Edição de 2009 - 2011

56


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.