UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS CAMPUS BELO HORIZONTE FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Aline de Fátima Rodrigues Pinto Beatriz de Cássia Paiva Camila Lorena de Lima Juliana dos Santos Entreportes
O PROFESSOR-REFLEXIVO: Reflexões sobre a inconsistência e a superficialidade do conceito nas reuniões anuais da ANPED
Belo Horizonte Julho - 2010
Aline de Fátima Rodrigues Pinto Beatriz de Cássia Paiva Camila Lorena de Lima Juliana dos Santos Entreportes
O PROFESSOR-REFLEXIVO: Reflexões sobre a inconsistência e a superficialidade do conceito nas reuniões anuais da ANPED
Monografia apresentada à Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais como requisito parcial para conclusão da graduação em Pedagogia. Orientador: Prof. André Márcio Picanço Favacho Interlocutor: Prof. Renata Nunes
Belo Horizonte Julho – 2010
“É preciso começar. Parece que todos sabemos, e até concordamos, com o que deve ser o futuro da profissão docente. Mas temos dificuldade em dar passos concretos nesse sentido.” António Nóvoa, 2009.
RESUMO
A inspiração para a realização deste trabalho se deu através da percepção de que muitas teorias da educação são apropriadas rapidamente e, não surtindo o efeito desejado, são rechaçadas e substituídas por outras. O conceito de professorreflexivo se constituiu como a última concepção ou modelo para a formação de professores, de grande aceitação no Brasil. Contudo, tem sido alvo de severas críticas. O objetivo deste trabalho é pesquisar e mapear como a noção de professorreflexivo se apresentou e apresenta no Brasil, suas implicações e críticas, através da análise dos trabalhos publicados nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), nos anos de 2000 a 2009. Esta é uma pesquisa exploratória de cunho quantitativo e qualitativo tendo como metodologia a análise de periódicos. Ao analisar os dados coletados nos trabalhos, o grupo percebeu a inconsistência da apropriação do conceito, bem como a superficialidade com que se deu sua aplicação prática o que denotou a sua fragilidade. Diante disto, o grupo entende que é necessário criar propostas que retomem os aspectos positivos deste modelo tentando superar suas fragilidades num movimento contrário ao que se tem observado ao longo da história da formação de professores no Brasil.
Palavras-chave: Formação de professores. Epistemologia da prática.
Professor-Reflexivo.
Reflexão.
Reflexividade.
ABSTRACT The inspiration for this work was through the perception that many educational theories are quickly appropriated and not having a positive effect, are repulsed and replaced by others. The concept of reflective teacher was set up as the latest design or model for the teacher training, widely accepted in Brazil. However, it has been the target of severe criticism. The aim of this study is to research and map how the notion of reflective teacher is presented in Brazil, its implications and criticism, through the analysis of papers published in the annual meetings of the Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) in the years 2000 to 2009. This is an exploratory research of quantitative and qualitative hallmark, taking as a method, period analysis. Through this study, the group perceived an inconsistency in the appropriation of the concept, and the superficiality of its practical application, which showed its fragility. According to this, the group believes it is necessary to create proposals to resume the positive aspects of this model trying to overcome its weaknesses in a move contrary to what has been observed throughout the history of teacher education in Brazil.
Keywords: Teacher training. Reflective-Teacher. Reflection. Reflexivity. Epistemology of practice.
LISTA DE GRテ:ICOS
Grテ。fico 1...................................................................................................................36 Grテ。fico 2...................................................................................................................48
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 ....................................................................................................................40
SUMÁRIO 1
INTRODUÇÃO......................................................................................................8
2
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL – UM BREVE HISTÓRICO ..10 2.1
Antecedentes ..............................................................................................10
2.2
Primeiras iniciativas ....................................................................................11
2.3
Crise do Império..........................................................................................12
2.4
Primeiras escolas Normais 1890 a 1932.....................................................13
2.5
Um novo modelo 1930 a 1940 ....................................................................14
2.6
Implantação dos Cursos de Pedagogia 1940 a 1970 .................................15
2.7
A profissionalização 1970-1990 ..................................................................17
2.8
Normal Superior e novo perfil da Pedagogia 1996-2006 ............................18
3
O CONCEITO DE PROFESSOR-REFLEXIVO E SUAS CRÍTICAS...................22
4
A METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................32
5 OS TRABALHOS APRESENTADOS NAS REUNIÕES ANUAIS DA ANPED – CONCEITO, USOS E RESULTADOS.......................................................................36 5.1
Conceituação do Professor-reflexivo nos Trabalhos...................................36
5.2
Usos e Argumentos do Conceito.................................................................40
5.3
Resultados Obtidos em Experiências Empíricas ........................................47
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................51
7
REFERÊNCIAS ..................................................................................................53
8
1 INTRODUÇÃO A partir de 1980, desenvolve-se no cenário internacional um movimento pela profissionalização docente, impulsionado por uma crise de confiança nos profissionais
da
educação,
o
que
Tardif
(2008)
denomina
de
crise
do
profissionalismo1. Neste contexto, D. Schön (1983) desenvolve estudos que se fixam como base para a formulação do conceito de professor-reflexivo. Autores como Zeichner (2002), Perrenoud (2002) e Alarcão (2003) e, posteriormente, o próprio Schön (1992), realizam pesquisas mais específicas a respeito deste conceito. No Brasil, o entendimento do professor como profissional reflexivo difunde-se na década de 1990, tendo uma crescente aceitação no âmbito acadêmico até os anos 2000. Porém, apesar de sua relevância e contribuição para uma nova visão de formação e atuação docente, este modelo de professor é alvo de duras críticas (Pimenta, 2002; Contreras, 2002). Partindo deste pressuposto, tivemos demasiado interesse em investigar por quais razões a temática do professor-reflexivo foi tão criticada no Brasil, apesar de sua importância para a formação/atuação de professores. Com o intuito de compreender este questionamento, o nosso objetivo maior foi o de pesquisar e mapear como a noção de professor-reflexivo se apresentou e apresenta no Brasil, suas implicações e críticas, através da análise dos trabalhos apresentados nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), nos anos de 2000 a 2009. Para melhor delimitar o estudo, selecionamos os trabalhos publicados no Grupo de Trabalho de Formação de Professores (GT08) da referida Associação. Tivemos acesso aos trabalhos através da web site da ANPED2. A fim de se alcançar o objetivo geral, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: descrever um breve histórico da formação de professores no Brasil e caracterizar a forma pela qual se apresenta a temática do professor-reflexivo no Brasil, através dos trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPED, extraindo deles o conceito de professor-reflexivo, os principais argumentos e usos
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Esclarecimentos sobre o conceito no capítulo do referencial teórico. www.anped.org.br
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que revelam a importância desta tendência de formação e os resultados obtidos em experiências empíricas; mapear as críticas à teoria do professor-reflexivo. A metodologia desta pesquisa teve sua inspiração na análise de periódicos, uma vez que irá trabalhar com publicações da área de formação de professores. Esta análise teve como procedimento básico a verificação da ocorrência da temática do professor-reflexivo e interpretação do conceito, do uso, e dos resultados obtidos em experiências empíricas desta temática por parte dos autores dos trabalhos. Para selecionar os trabalhos publicados fizemos uso de alguns critérios. O primeiro deles foi determinar o período de publicação, isto é, trabalhos publicados entre 2000 e 2009. Este critério foi adotado tendo em vista, primeiramente o fato de a publicação na web site acontecer apenas a partir de 2000; em segundo lugar, porque é nesse período que a noção ou conceito de professor aparece em maior volume de trabalhos publicados nos periódicos da Anped. Outro critério, ainda, observado foi a temática dos trabalhos, que, necessariamente, deveria conter elementos relacionados com a noção do professor-reflexivo. Para a verificação desta ocorrência no conteúdo dos trabalhos, observamos título, resumo e referências bibliográficas dos mesmos, a fim de cercar todas as possibilidades de encontrar os trabalhos que fizeram menção ao modelo do professor-reflexivo. Começaremos este trabalho com um breve histórico da formação de professores no Brasil, a fim de perceber todo o percurso que antecedeu o surgimento do professorreflexivo como sendo uma proposta alternativa para a formação docente. Em seguida, apresentaremos as bases teóricas da formulação do conceito bem como as críticas de que foi objeto o professor-reflexivo, no Brasil. No terceiro capítulo, apresentaremos a metodologia utilizada e no quarto capítulo os resultados da pesquisa, para então apresentarmos as conclusões a que o grupo chegou.
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2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL – UM BREVE HISTÓRICO Inicialmente faremos uma contextualização da formação de professores da educação básica, sobretudo as séries iniciais do ensino fundamental, bem como da evolução do conceito de reflexividade no Brasil. Para tanto, nos baseamos em autores atuais, cuja produção permeia a temática da formação de professores como Julio E. D. Pereira, José C. Libâneo, Demerval Saviani, dentre outros. Não é demais alertar ao leitor que até a primeira metade do século XX a escola funcionou como principal meio de difusão dos costumes e ideologias sociais. Mesmo com a difusão das tecnologias de comunicação de massa, a escola não perdeu totalmente seu papel de formar as novas gerações de acordo com as necessidades econômicas e culturais de cada tempo. Sendo assim, a formação de professores também é influenciada, se não determinada, pelos paradigmas sociais.
2.1 Antecedentes
Pode-se dizer que a educação brasileira começa com os jesuítas em 1549 e tinha o objetivo de disseminar a fé católica, ministrava-se o ensino das primeiras letras às crianças, fossem elas filhas de portugueses, órfãos ou índios. Os professores eram os próprios missionários, que haviam estudado em Portugal, sem a pretensão de se tornarem professores primários. Os jesuítas foram expulsos definitivamente do Brasil em 1749. Tal expulsão foi resultado da ação de Marquês de Pombal, que pretendia modernizar a educação portuguesa, bem como a ministrada em seus domínios, cuja ação ficou conhecida como Reforma Pombalina. Isso se deu em 1750 e, desde então a educação deixou de ser gerida e ministrada por clérigos, não se tornando laica, apesar disso. Nessa época, selecionavam-se os mestres através de testes, que permaneceram juntamente com as primeiras iniciativas de formação de professores. A expulsão dos jesuítas tinha o intuito de impedir que jovens estudantes se tornassem apenas religiosos, ignorando o desenvolvimento
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econômico da colônia, posto que os jovens poderiam ter profissões economicamente mais viáveis.3 Em 6/11/1772, através de alvará, são regulamentados os exames a que deviam ser submetidos os professores do ensino elementar em Portugal e nos domínios, antes de ele ter se tornado obrigatório. O Alvará, conforme Tanuri (2000), não evidenciava os conhecimentos que os pretensos professores deveriam apresentar, apenas determinava como os exames deveriam ser aplicados.
2.2 Primeiras iniciativas
Em 1827 uma lei determina a criação de escolas de ensino primário em todas as localidades mais populosas do Império, juntamente foram legalizadas as escolas de ensino mútuo, que acresciam às primeiras letras uma formação para a docência nas primeiras escolas de ensino mútuo – instaladas a partir de 1820 (Bastos, 1997) – a preocupação não era somente de ensinar as primeiras letras, mas de preparar docentes, instruindo-os no domínio do método. Essa foi realmente a primeira forma de preparação de professores, forma exclusivamente prática, sem qualquer base teórica, que aliás seria retomada pelo estabelecimento de “professores adjuntos”. (TANURI, 2000, p. 63)
Nestas instituições os futuros docentes estudavam fundamentos de aritmética e da língua materna, não havendo qualquer preocupação com o caráter didático da docência. À época, a responsabilidade pela educação se dava da seguinte maneira: o governo central se ocupava do ensino em todos os níveis na capital e do superior em todo o império, ficando a cargo das províncias a instrução primária e secundaria, o que demonstra, segundo Tanuri (2000), o caráter elitista da educação daquela época, já que as províncias não dispunham de meios econômicos para manter em bom funcionamento a educação básica.
3
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal foi primeiro ministro de Portugal de 1750 a 1777.
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Foi inaugurada a primeira escola Normal no Rio de Janeiro, em 1835, era regida por um diretor, que também se encarregava das aulas, nas quais eram estudadas as 4 operações, língua nacional, elementos de geografia e princípios de moral cristã. Foi fechada em 1849, tendo formado apenas 14 alunos, dos quais 11 dedicaram-se à docência. A infra-estrutura precária e o fato de os alunos terem que arcar com as despesas de sua formação foram fatores determinantes no insucesso da instituição. Em 1859 foi criada outra escola, com currículo mais abrangente, critérios de seleção mais apurados e a duração do curso foi estendida para três anos. Entre este ano e 1884 foram criadas diversas escolas de formação de professores, com algumas similaridades, como a simplicidade da organização didática – um ou dois professores para todas as disciplinas – e a duração entre dois e três anos, a formação pedagógica se resumia a uma única disciplina (pedagogia ou métodos de ensino), a infra-estrutura era precária, tais fatores contribuíam para a baixa freqüência e reiterados fracassos das instituições, que eram constantemente fechadas, só conseguindo subsistir após o final do Império.
2.3 Crise do Império
A década de 1870 foi marcada por grandes transformações, advindas da obrigatoriedade de instrução primária que propiciou a democratização, bem como maior liberdade de ensino. Sob influência de ideais iluministas apregoou-se a idéia de que a educação propiciaria o desenvolvimento da nação. Experimentaram-se diversos modelos de formação, como a seleção por concursos, nos quais havia mais vagas que candidatos; ou professores adjuntos – auxiliares que acompanhavam os profissionais a fim de se preparar para o ofício. Tais iniciativas foram frustradas pelo desinteresse com relação à profissão, então entre 1879 e 1886 desenvolveram-se projetos para aprimorar as escolas normais qualitativamente e quantitativamente, foi quando se admitiu o elemento feminino (TANURI, 2000). Este, em pouco tempo suplantou em quantidade o masculino, devido à possibilidade de associar a profissão aos afazeres domésticos, à idéia de similaridade entre lecionar e cuidar (atribuição feminina) e ainda, à desvalorização da profissão em relação a outras, que tornava improvável a escolha dos homens pela docência.
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A concepção de ensino que vigorava era a de distinção entre conteúdos escolares e quaisquer outros conhecimentos. O professor deveria possibilitar aos alunos o contato
com
conhecimentos
enciclopédicos,
utilizando
primordialmente
a
memorização e repetição. Ele detinha os conhecimentos e os passava aos alunos. A finalidade da educação era passar à população os conceitos de moralidade vigentes, sendo assim, um dos principais requisitos para investidura no cargo de professor era um atestado de capacidade moral (MINAS GERAIS, 2000).
2.4 Primeiras escolas Normais 1890 a 1932
Os governantes republicanos questionaram o modelo elitista da educação durante o império e promoveram políticas de incentivo à educação ginasial e primária. Além disso, outro fator que impulsionou o desenvolvimento da educação foi o fato de que não havendo mais mão de obra escrava, os imigrantes vieram trabalhar e com eles trouxeram as ideologias educacionais dos países europeus, que possuíam uma população mais culturalmente desenvolvida. A primeira década do século XX foi marcada pela participação do governo central, que se preocupou em reduzir as diferenças educacionais entre os estados, tendo em vista o desequilíbrio financeiro existente entre eles. Após a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918) percebe-se um movimento nacionalista, com criação e manutenção de escolas normais que tinham como objetivo a ampliação da instrução básica, para promover a difusão, sobretudo aos habitantes mais pobres, de conceitos ligados à ordem, higiene e disciplina, tendo em vista reverter o atraso intelectual sob o qual jazia a população. Nas escolas de formação de professores faltavam profissionais capacitados, sobretudo nas disciplinas ligadas à didática, permanecendo a ênfase nos conteúdos que deveriam ser passados aos alunos da educação básica. Em 1921 acontece a organização e uniformização do ensino Normal no país, na Conferência Interestadual de Ensino Primário. O ensino ginasial é ramificado em propedêutico (preparatório para o ensino secundário e posteriormente o superior, de caráter generalista) e profissional, onde se situava o ensino normal.
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Estes acontecimentos antecederam o Manifesto da Educação Nova, e percebia-se a influência das teorias pedagógicas desenvolvidas em outros países e buscava-se desenvolver aqui este conhecimento, como demonstra Araújo (1997): na estratégia de modelar o saber-fazer do trabalho pedagógico dos professores, eram indicadas leituras de revistas nacionais e estrangeiras, resenhas de livros de larga circulação no período e resultados da práxis escolanovista de outros países.(p.740)
2.5 Um novo modelo 1930 a 1940
A revolução de 1930 criou um ambiente propício ao desenvolvimento desta nova linha de pensamento pedagógico. Em 1931 a Associação Brasileira de Educação promoveu uma conferência, com a presença de Getúlio Vargas que solicitou aos educadores presentes que registrassem os preceitos da educação do país. Foram criadas duas correntes, uma conservadora e outra modernista, que apresentou um documento “ao povo e ao governo” que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. MINAS GERAIS (2000) A reforma instituída por Anísio Teixeira, em 1932, equiparou o ensino normal ao secundário (que seria atualmente o ensino médio), no mesmo ano foi publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que defendia a unidade do ensino brasileiro, o abandono do empirismo nas práticas educativas e a apropriação das novas tendências pedagógicas, centradas no aluno, bem como defendia a necessidade de instrução em nível superior para lecionar em qualquer nível. Em 1934 a escola de professores é incorporada à Universidade de São Paulo e em 1935 ocorre o mesmo em relação à Universidade do Distrito Federal, sendo criada a Faculdade de Educação. O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) é criado em 1938 e no ano subseqüente cria-se o primeiro curso de pedagogia na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Conforme Fonseca (2008), o curso de pedagogia não tinha a intenção inicial de formar professores para a educação
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básica4, mas técnicos – administradores escolares, supervisores e inspetores - para atuar no âmbito do ensino secundário ou superior. A obtenção do título de licenciado era facultativa, neste caso, deveriam estudar didática geral e didática especial, pois as outras disciplinas da licenciatura – psicologia educacional, administração escolar, fundamentos biológicos da educação, fundamentos sociológicos da educação, história da educação – já eram contempladas no currículo (FONSECA, 2008 e CRUZ, 2008). Na mesma época começa a ser exigido o curso ginasial como prérequisito para ingresso no curso Normal. Há um movimento de adequação dos currículos às particularidades regionais, como instrumento de fixação do homem no campo. A educação sofre nesta época grande influencia da psicologia, a criança torna-se o centro do processo educativo e são valorizadas as atividades concretas na construção de habilidades básicas e aquisição de conhecimentos formais. O professor deveria proporcionar um ambiente adequado às descobertas dos alunos.
2.6 Implantação dos Cursos de Pedagogia 1940 a 1970 Em 1941 a Conferência Nacional de Educação estabelece uma base comum aos sistemas estaduais de formação de professores, no intuito de garantir a transferência de alunos entre instituições e o registro dos diplomas no Ministério da Educação. Este período foi marcado por uma dicotomia, se, por um lado, a didática era restrita ao último ano de formação, por outro foram criadas as escolas modelo e os colégios de aplicação5. Em 1946 é delegada aos estados a competência de organizar os sistemas de ensino, respeitando as diretrizes e bases fixadas pela união.
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Os professores primários eram formados nos cursos normais, eles também eram habilitados para trabalhar nas funções técnicas (administração escolar, supervisão e inspeção) no âmbito da educação primária (FONSECA, 2008). 5 “(...)em 1941, a Didática adquiriu um caráter independente, passando a ser ministrada após a conclusão do bacharelado, criando-se então, o denominado sistema de 3+1 (3 anos de bacharelado + 1 de didática). (...) foram criadas as Escolas Normais Modelo e os colégios de aplicação que funcionavam como laboratórios para a prática dos futuros docentes, constituindo-se como fonte de inovações educacionais.” (MINAS GERAIS, 2000)
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Por volta dos anos 1950, inicia-se um período de valorização das tecnologias6 associadas à educação, diversas pesquisas, com a colaboração de técnicos dos Estados Unidos, são desenvolvidas em âmbito nacional e ocorre a implantação de escolas modelo, onde os professores eram treinados. O Programa de Assistência Brasileiro Americana ao Ensino Elementar – PABAEE – é resultado de um acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos, em junho de 1956, na tentativa de melhorar o ensino elementar brasileiro. A iniciativa surgiu da necessidade de formação percebida através da análise do ensino primário, segundo Borba (2003, p. 194) altos índices de evasão e repetência, elevado número de professores leigos e utilização de material didático que não contribuía para o processo de escolarização. O "fracasso" da escola primária brasileira foi atribuído à baixa qualificação do corpo docente. Nesse sentido, a estratégia entendida como mais adequada para a melhoria dos índices de escolarização primária era o investimento na formação do professor primário.
Especialistas norte-americanos vêm ao Brasil habilitar os professores e instruir acerca da tecnologia que deveria nortear o ensino primário. Tal iniciativa afetou principalmente o ensino normal e teve Minas Gerais como centro das ações de treinamento. Os professores deveriam se capacitar para aplicar os métodos e o curso de pedagogia se voltou para as tarefas de orientação, administração, supervisão e inspeção, havendo diminuição das disciplinas de formação humana e filosófica. As propostas de formação não atendiam às necessidades da escola pública brasileira, pelo fato de os instrutores não conhecerem a fundo a dinâmica da educação pública nacional. “O PABAEE não considerava, em nenhum momento, o contexto sociocultural no qual estavam inseridos as escolas primárias, seus professores e seus alunos” (BORBA, 2003). Houve insatisfações de professores, pais e, sobretudo, do Instituto de Educação7, por ser o maior formador de
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Estas tecnologias foram desenvolvidas com fundamentação nos testes e pesquisas realizadas por especialistas; consistiam de livros, jogos pedagógicos, questionários, dentre outros materiais que subsidiariam a ação dos professores em sala de aula.
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O Instituto de Educação de Minas Gerais é uma das mais tradicionais escolas públicas de Belo Horizonte. Fundada em 1906, originalmente apenas preparava moças para o magistério. Atualmente
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professores mineiro, em nível normal. O enfrentamento ideológico e político ocorreu ainda em setores da Secretaria de Estado de Educação e Assembléia Legislativa (Borba, 2003). Em 1964 ocorre o golpe militar, que se apropria da tecnologia educacional para aumentar a eficiência e produtividade escolares. Foram estabelecidos três níveis para se atuar na educação básica. Exigia-se formação em nível médio para lecionar nas 4 primeiras séries, admitindo-se licenciatura curta para lecionar nas oito primeiras séries e nas três series finais da educação básica era exigida licenciatura plena. Os licenciados recebiam formações específicas nas áreas de atuação, sendo suprimidas dos currículos universitários, as disciplinas de formação humana e filosófica. Em 1969 é homologado o Parecer CNE nº 252, que instituía as habilitações no curso de pedagogia - orientação, administração, supervisão e inspeção, seguindo a tendência tecnicista.
2.7 A profissionalização 1970-1990
Nos anos 1970, pela primeira vez a identidade docente dos professores primários assume um aspecto coletivo (BRITO, 2009). A Lei 5692 de 1971, que fixava diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus, aboliu a formação Normal em nível ginasial, e o nivelou a outros cursos profissionalizantes restritos ao então segundo grau. Além disso, estabeleceu três níveis de exigência de formação docente: •
o primeiro, para lecionar da primeira à quarta série, exigia o
curso normal em nível secundário; •
o segundo, para lecionar da primeira à oitava série do ensino
básico, exigia licenciatura curta;
atende alunos de todo o ensino básico, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e o curso de Magistério. Chegou a ter um curso superior de pedagogia, que foi transferido para a Universidade do Estado de Minas Gerais. O edifício, localizado à rua Pernambuco, é obra relevante da arquitetura dos primeiros anos de Belo Horizonte.
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•
por fim, para lecionar no primeiro e segundo grau, era exigida
licenciatura plena. Nos anos 1980 foram desenvolvidas diversas teorias críticas, em resposta à repressão do período de ditadura militar (1964 a 1985). Educadores formados neste período destacam como fundamental em sua formação a participação política e lamentam a posterior secundarização do estudo dos clássicos (CRUZ, 2008). Em 1988 foi promulgada a “Constituição Cidadã”, seu texto apresenta grande contribuição dos anseios sociais, dentre eles, os relacionados à educação, como relata Brito (2009): Algumas propostas educacionais importantes podem ser citadas, como o ensino público, a inclusão da educação infantil na educação básica, a flexibilidade da organização escolar, o ensino fundamental como direito público subjetivo, a reiteração da autonomia das Universidades e a definição dos recursos públicos para escolas públicas, (condicionada a participação das instituições filantrópicas), dentre outros pontos do ideário dos educadores.
A Carta não trata especificamente da formação de professores, indicando que tal assunto deverá constar no Plano Nacional de Educação.
2.8 Normal Superior e novo perfil da Pedagogia 1996-2006
Como afirma Brito (2009), os paradigmas neoliberais – eficiência, eficácia, descentralização – são transportados para a educação na década de 1990. A tramitação do projeto de lei das Diretrizes e Bases para a Educação Nacional gerou debates, pois a proposta do governo ia de encontro a diversos anseios da população. A lei aprovada expressa tais paradigmas ao enfatizar a formação em serviço8, bem como ao permitir que os cursos superiores para formação de professores destinados às séries iniciais do ensino fundamental ocorressem fora das
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Lei 9394/96 Art. 61 I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.
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universidades9. Tais iniciativas abrem precedente para a precariedade da formação inicial. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96 estipulou a educação superior como requisito para atuação na educação básica, propondo um prazo de dez anos para a transição. Após discussões acirradas, em 9 de janeiro de 2001, foi sancionada a Lei nº 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional de educação, requerido pela Constituição Federal e Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Indica como prioridades a valorização dos profissionais da educação, atenção à formação inicial e continuada, em especial dos professores, garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e preparação de aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério. Em 2006 são definidas as diretrizes para o curso de pedagogia, na resolução CNE nº01 de 15 de maio de 2006. A docência é instituída a base da formação do pedagogo, não excluindo, no entanto, a possibilidade de outras habilitações. Surge, contudo, a temeridade de que a base na docência provocasse o esvaziamento teórico, posto que muitas mudanças ocorridas ao longo da história do curso de pedagogia serviram para isso. Receia-se que seja perdida de vista a base da pedagogia que é teorizar sobre a educação, fato endossado pela participação de diversas ciências no estudo de tal objeto. Assim, a dicotomização ocorrida nos cursos de formação de professores – licenciatura e bacharelado – é proposta também à pedagogia, por serem os quatro anos dos cursos considerados insuficientes para instrumentalizar o pedagogo para atuar com desenvoltura em todos os campos abrangidos pela formação. O texto das diretrizes curriculares para o curso de pedagogia mostra a preocupação, em âmbito nacional, da valorização da docência nos anos iniciais da educação 9
Art. 63 Os Institutos Superiores de Educação manterão: I – cursos formadores de professores para a educação básica, inclusive o curso Normal Superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III – programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.
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fundamental, fazendo com que ela deixe de estar sob a égide do saber fazer e abarque uma formação mais ampla, tendo em vista a necessidade de tomada de decisões,
reflexões
e
inferências
durante
o
exercício
da
docência.
Tal
posicionamento revela um discurso concernente à teoria do profissional reflexivo. Contudo, as políticas públicas adotadas não endossam tal preocupação, pois muitos municípios não são suficientemente estruturados para desenvolver a postura reflexiva dentro da educação fundamental. Libâneo (2002) faz um apanhado do desenvolvimento da reflexividade como paradigma no Brasil: •
Método ver-julgar-agir adotado pela juventude católica (Juventude
Universitária Católica, Juventude Operária Católica, Juventude Estudqantil Católica e Juventude Agrária Católica), por volta dos anos 1960, no intuito de exercitar a reflexão, formando consciência histórica e crítica nos militantes. •
No período entre 1960 e 1970, Paulo Freire inicia sua incursão na
educação, propondo um método de alfabetização que se valia da açãoreflexão-ação para, a partir das visões dos educandos sobre os fatos promover a codificação ou representação e depois, através do dialogo com o educador, ampliar as possibilidades de análise crítica da sociedade. Paulo Freire foi o precursor das teorias críticas no Brasil. Os anos 1980 foram palco destas teorias, que se expandiram, sobretudo após o fim do regime militar, em 1985. •
Método da reflexão dialética, que revigora o marxismo, acentuando a
idéia de formação da consciência critica tendo como base a práxis, na unidade teoria-prática / reflexão-ação. •
Método da reflexão fenomenológica que opunha-se à visão positivista
do conhecimento, por crer na intencionalidade das ações humanas. •
Movimento das competências do pensar – iniciado no fim da década de
1970, nos EUA e Europa, prega a necessidade do desenvolvimento e exercício metódico das competências que levam à reflexão, a saber:
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formação e utilização funcional de conceitos, resolução de problemas, tomada de decisões e criatividade. •
A partir da década de 1970, associa-se o paradigma do profissional
reflexivo à formação de professores, seja através de uma reforma educacional dentro de um conjunto de mudanças associadas ao capitalismo, que requeria ajustes educacionais e políticos; ou pela percepção do real papel dos professores, que extrapola a formulação das aulas e participação em projetos dentro da escola. •
No Brasil, no início dos anos 1990 há menções em obras de Perrenoud
e Nóvoa, destacando a necessidade da reflexividade na prática docente como meio de aprimoramento do exercício. O professor-reflexivo surge num momento em que há um movimento crescente de politização na sociedade e também, que acrescido à exigência de que os profissionais sejam versáteis, tendo capacidade de resolver problemas inesperados, fez com que esse modelo se difundisse rapidamente. Tal momento representa uma passagem do saber fazer para o planejar, agir e avaliar, especificamente no caso da formação de professores, por ser esse um profissional que tem como objeto as pessoas, cada momento em sua atuação profissional torna-se único devendo ser cuidadosamente conduzido na tentativa de alcançar os objetivos educacionais. A formação de professores está intrinsecamente ligada aos paradigmas sociais em cada momento histórico. A alternância de regimes políticos e econômicos muda as características e exigências na atuação profissional, influenciando de maneira mais específica os professores, por serem responsáveis pela educação, que é um efetivo meio de disseminar ideologias.
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3 O CONCEITO DE PROFESSOR-REFLEXIVO E SUAS CRÍTICAS O conceito propriamente dito de professor como profissional reflexivo tem suas origens mais recentes em meados da década de 1980, quando da publicação do livro The Reflective Practioner de Donald A. Schön (1983). Contudo, no Brasil, o conceito veio a se difundir somente em 1995, com a publicação do livro Os Professores e Sua Formação, uma coletânea de artigos organizada por António Nóvoa (1995), a qual também contava com um artigo de Schön. Além de Schön, outros autores também se destacam no Brasil por realizarem seus estudos na perspectiva da formação reflexiva de professores, entre os quais foram referências para esta pesquisa: o já citado António Nóvoa (1995), Kenneth Zeichner (1995 e 2002), Selma Garrido Pimenta e Evandro Ghedin (2002), Maurice Tardiff (2008), Philippe Perrenoud (2002), José Contreras (2002), José Carlos Libâneo (2008), além de D. Schön (1983, 1995, 2000), entre outros. Antes de passar à descrição do conceito, convém explicitar que ele nasce num contexto de crise das profissões e crise do profissionalismo10, como denomina Tardiff (2008). Segundo o autor, esta crise não se abate somente sobre o ofício11 de professor, como também sobre profissões consolidadas como a medicina, a arquitetura, entre outras. Esta crise pode ser traduzida em quatro aspectos: em primeiro lugar, ela é uma crise da perícia profissional, que significa “os conhecimentos, estratégias e técnicas profissionais por meio dos quais certos profissionais procuram solucionar situações problemáticas concretas” (TARDIFF, 2008). Em segundo lugar, como conseqüência desta crise dos conhecimentos profissionais (perícia profissional), há uma crise na formação profissional, manifestada por meio de uma insatisfação e críticas “contra a 10
Conforme Sacristán (1991 apud VEIGA, 2006), o profissionalismo no contexto da educação se constitui “como a expressão da especificidade do exercício profissional, ou seja, o conjunto de conhecimentos, atuações, destrezas, atitudes e valores, que constituem o específico de ser professor”. 11 Adotamos aqui o termo ofício por concordarmos que o professorado ainda não atingiu o status profissional, por diversos fatores, tais como ainda não haver um corpo específico de saberes, de natureza intelectual e técnica, por não controlar a qualidade técnica, seu tom ético e, conseqüentemente, seu prestígio social (cf. GICHURE apud ALTAREJOS apud VEIGA, 2006).
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formação universitária oferecida nas universidades e institutos profissionais” (TARDIFF, 2008). Este impacto sobre a formação profissional revela o terceiro aspecto da crise do profissionalismo, a saber, uma crise do poder profissional, tanto no sentido político, como no sentido de competência. No sentido político, há um deslocamento do serviço do poder profissional em direção aos próprios profissionais, ou invés de ir em direção à clientela e ao público em geral. Em termos de competência, os prejuízos das profissões têm se equiparado aos ganhos, o que demonstra a fragilidade das mesmas. Por último, a crise do profissionalismo se traduz em uma crise da ética profissional, ou seja, dos valores que deveriam guiar os profissionais. Neste contexto de crise do profissionalismo e das profissões, nasce um movimento denominado profissionalização, e é no seio deste movimento que se origina o conceito de professor como profissional reflexivo. Antes ainda de passar à descrição do conceito é necessário esclarecer o que vem a ser o movimento de profissionalização. Conforme VEIGA (2006, p.3), a terminologia “profissionalização” é uma derivação da palavra profissão, a qual denomina o “processo socializador de aquisição das características
e
capacidades
específicas
da
profissão”.
Ou
seja,
a
profissionalização é o processo por meio do qual um ofício vai adquirindo características e capacidades que lhe dão o status de profissão. De acordo com Perrenoud (2002), algumas das características determinantes de uma profissão são: o grau de confiança depositado em uma categoria profissional e o nível de sua autonomia para a tomada de decisões na resolução dos problemas da prática, que é definido pela primeira. Segundo ele, estas duas características seriam um indicador do grau de profissionalização de um ofício. Desta forma, assim como a autonomia dos professores é um requisito para a profissionalização do ofício do ensino, a aquisição de uma postura reflexiva é elemento fundamental para o exercício desta autonomia. Neste sentido, Perrenoud (2002) coloca a figura do profissional reflexivo no cerne do exercício de uma profissão e, conseqüentemente, ele se configura num requisito chave para a profissionalização do ofício docente.
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Tendo feito os devidos esclarecimentos podemos agora detalhar o conceito de professor como profissional reflexivo, ou de prática reflexiva no ofício de professor12. Como mencionado anteriormente, o modelo de professor como profissional reflexivo tem suas origens no pensamento de Schön (1983), mas convém ressaltar que o autor não escreve, inicialmente, diretamente para professores. O autor trata da questão da formação profissional como um todo, tanto em seu primeiro livro (The Reflective Practioner, 1983) como no último (Educando o Profissional Reflexivo, 2000). A intenção do autor é propor uma nova epistemologia da prática13 como alternativa sobre a epistemologia da prática vigente, a racionalidade técnica derivada da filosofia positivista. Segundo Schön, a racionalidade técnica pressupõe o profissional como aquele que soluciona problemas instrumentais bem definidos, selecionando os meios técnicos mais apropriados. Os profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros através da aplicação da teoria e da técnica derivadas do conhecimento sistemático, de preferência, científico. O motivo pelo qual Schön questiona esta epistemologia da prática de caráter racionalista e propõe uma nova, é o fato de que os problemas da prática no mundo real não se apresentam como estruturas bem delineadas. O autor designa tais problemas pelo termo “estrutura caótica e indeterminada” (2000). Se o profissional deseja um problema bem formulado, ele próprio deve construí-lo, defini-lo. A construção de um problema é um processo ontológico que tem uma via subjetiva determinando a apreciação da situação e o estabelecimento de uma direção para a ação. São atos de designação e concepção que tornam possível uma solução técnica de problemas. Schön estabelece três zonas de indeterminação da prática que escapam aos cânones da racionalidade técnica – a incerteza, a singularidade e os conflitos de valores. Em suas palavras: Quando uma situação problemática é incerta, a solução técnica de problemas depende da construção anterior de um problema bem-delineado, o que não é, em si, uma tarefa técnica. Quando um profissional reconhece uma situação como única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas 12
Utilizaremos as duas terminologias como sinônimos, juntamente com a denominação Reflexividade. 13 O termo Epistemologia da prática é utilizado para designar os saberes constituídos pelos profissionais em suas práticas. (SCHÖN, 2000; TARDIF, 2008)
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derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional. E em situações de conflito de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e que possam guiar a seleção técnica dos meios. (SCHÖN, 2000, p. 17)
São estas zonas indeterminadas das situações problemáticas que têm se colocado como aspecto central à prática profissional e que têm lançado questionamentos quanto ao desempenho das profissões especializadas e seu lugar na sociedade, deflagrando a crise mencionada anteriormente. O que está posto para o autor é uma questão social de relevância dos problemas práticos a serem solucionados pelas profissões realizadas. O que para Schön está claro é que no terreno da prática profissional há uma necessidade real da arte da sistematização de problemas, uma arte da implementação e da improvisação. Neste sentido, ele propõe para a nova epistemologia da prática uma retomada do talento artístico como componente essencial da competência profissional, o qual é aprendido na prática, na situação real. Cabe notar que este pensamento tem suas origens no pensamento de John Dewey. A nova epistemologia da prática proposta por Schön é baseada então em dois aspectos, o talento artístico e a aprendizagem pela prática. O talento artístico, ou seja, os conhecimentos revelados nas ações inteligentes, é designado por Schön como conhecer-na-ação. O conhecer-na-ação acontece de uma maneira quase automática, como se não nos déssemos conta de que aprendemos. Apenas sabemos fazer sem, no entanto, sermos capazes de explicar ou descrever formalmente como aprendemos tal saber e qual seu conteúdo. Segundo o autor “nosso ato espontâneo de conhecer-na-ação geralmente nos permite dar conta de nossas tarefas. No entanto, nem sempre é bem assim” (SCHÖN, 2000, p. 32). Todas as experiências pelas quais se passa na prática profissional trazem consigo um elemento novo o que, por vezes, não é passível de solução pelo repertório de conhecimentos já sedimentados. Deste modo, Schön diz ser possível ignorar este elemento surpresa, ou responder a ele através da reflexão. Esta reflexão pode se dar no momento da ação ou após a ação. No entanto Schön denomina as duas proposições com o mesmo termo, reflexão-na-ação. A reflexão-na-ação teria uma significação imediata para a ação. Por meio dela se produz um conhecimento para ser aplicado no momento em que ele é produzido para solucionar um problema real e eminente. Esta reflexão pode reincidir várias
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vezes sobre uma mesma situação até que a solução adequada seja encontrada. Ela acontece quando o conhecimento-na-ação não produz o resultado esperado, uma surpresa que exige uma atitude de reflexão para encontrar a solução adequada. É importante enfatizar que as diferenças de resultado podem, em determinados casos, não ser surpresa, mas variações que se estabelecem dentro das fronteiras do familiar. Para Schön ainda há um terceiro desdobramento da reflexão, cuja denominação dada pelo autor é reflexão sobre a reflexão-na-ação. Esta última se caracterizaria por uma inflexão sobre a reflexão realizada anteriormente para solucionar determinado problema se materializando em uma descrição verbal, ou escrita, sistematizada da reflexão-na-ação. Seria um diálogo entre o pensar e o fazer, no qual se pode consolidar a compreensão do problema ou criar solução melhor ou mais geral para ele. Ou seja, o intuito da reflexão sobre a reflexão-na-ação, como análise posterior da situação vivenciada, é a reorientação da prática. Partindo dos pressupostos apontados por Schön sobre a prática profissional reflexiva, outros autores fazem suas pesquisas. Um deles é Kenneth Zeichner. Este autor faz seus estudos na mesma perspectiva de Schön e aponta alguns fatores que contribuíram para a construção deste conceito: Um primeiro ponto que podemos destacar é o professor como agente ativo e responsável pelo norte do seu trabalho docente em oposição ao mero executor de tarefas definidas por outros. Um segundo ponto seria considerar os saberes tácitos dos professores e não ter somente os saberes acadêmicos como válidos e, por último, reconhecer a construção da prática do professor como um processo contínuo a ser aprimorado no decorrer de sua vida. (ZEICHNER apud FREITAS, s/ data)
Uma das maiores contribuições de Zeichner (2002) para a estruturação do conceito de professor-reflexivo é sua visão de reflexão para transformação social. Para o autor, a reflexão não deve ser vista como um fim em si mesma, desconectada de questões mais amplas sobre a educação nas sociedades democráticas. Antes ela é um ato político que pode acelerar ou retardar a conquista de uma sociedade mais humana, justa e realizadora. Para ele, a formação de um professor-reflexivo deve estar intimamente conectada com a “produção de uma sociedade melhor para todas as crianças” (ZEICHNER, 2002). Segundo ele,
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Ligar a reflexão do professor à luta pela justiça social significa que, além de assegurar que os professores possuam o conteúdo e a fundamentação pedagógica necessários para ensinar de uma maneira coerente com o que atualmente conhecemos sobre o modo como os estudantes aprendem (por conseguinte, rejeitando a transmissão e a educação bancária), precisamos assegurar que os professores sejam capazes de tomar decisões numa base cotidiana que não limite, desnecessariamente, as chances de vida de seus alunos, que eles tomem decisões em seu trabalho com uma consciência maior sobre as conseqüências potenciais das diferentes escolhas que fazem. (ZEICHNER, 2002, p. 44)
Desta maneira, Zeichner contribui para reforçar o viés crítico e esquerdista da perspectiva desta nova epistemologia da prática revelada no conceito do professorreflexivo. Concordando com Zeichner e retomando Schön, Contreras (2002) também aponta para a necessidade fundamental de os professores reflexivos não se manterem abstraídos do contexto social em que estão. Um professor-reflexivo encontra-se precisamente no meio da discussão pública sobre as finalidades do ensino e sua organização. Buscando em Schön, ele ainda diz que, Deste modo, ao estabelecer as relações entre a prática reflexiva do ensino em sala de aula, e a participação nos contextos sociais que afetam sua atuação, os professores reflexivos estendem sua deliberação profissional à situação social mais ampla, colaborando para que se gere um diálogo social e público que possa ser mais reflexivo (SCHÖN, 1983 apud CONTRERAS,2002, p. 132)
Outro autor que traz suas contribuições para a consolidação do conceito de professor-reflexivo é Philippe Perrenoud (2002). Em seu livro A Prática Reflexiva no Ofício de Professor, o autor se dedica a propor uma abordagem de formação inicial que possa dar conta do projeto de uma prática reflexiva dos professores. Ele coloca que para se tornar um professor-reflexivo é necessário mais que refletir na ação e sobre a ação. É necessária uma postura permanente de reflexão “seja em situação de crise ou de fracasso seja em velocidade de cruzeiro” (PERRENOUD, 2002, p. 13). Perrenoud não discorda dos movimentos apontados por Schön, mas reforça a necessidade de que a reflexão se torne parte do habitus do professor. Não obstante as contribuições que esta concepção de formação de professores vêm trazer ao cenário educacional brasileiro, o professor-reflexivo foi alvo de severas críticas por parte de pesquisadores brasileiros e de outros países. Tais críticas merecem ser consideradas tanto pela importância do conceito, quanto pela relevância dos autores que as propõem.
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A crítica ao professor-reflexivo no Brasil se deu principalmente no livro “Professorreflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito”, organizado por Selma Garrido Pimenta14 e Evandro Ghedin15, publicado em 2002. O livro é uma coletânea de artigos que tratam do tema e é organizado em três partes: •
“a gênese sócio-histórica do conceito de reflexão e da perspectiva do professor-reflexivo, analisando seus limites e suas possibilidades na formação de professores;
•
a reflexão sobre a epistemologia da prática e a autonomia pela crítica;
•
os profissionais da educação e as mediações do conceito na formação de professores.”
A crítica principal que perpassa diversos artigos do livro é em relação à apropriação quase instantânea do conceito no Brasil e, talvez por isso mesmo, a falta de profundidade conceitual percebida na prática. Esta falta de profundidade gerou uma supervalorização da prática dos professores sem, contudo, possibilitar condições para que eles desenvolvam observações e as confrontem com teorias já estudadas. Conforme afirma Pimenta (2008): (...) diversos autores têm apresentado preocupações quanto ao desenvolvimento de um possível “praticismo” daí decorrente, para o qual bastaria a prática para a construção do saber docente; de um possível “individualismo”, fruto de uma reflexão em torno de si própria; de uma possível hegemonia autoritária, se se considera que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática; além de um possível modismo, com uma apropriação indiscriminada e sem críticas, sem compreensão das origens e dos contextos que a gerou, o que pode levar à banalização da perspectiva da reflexão.
Segundo Borges(2008), a crítica de Liston e Zeichner à adoção da teoria do professor crítico-reflexivo perpassa duas vertentes, a primeira é a utilização da referida teoria para reafirmar o modelo da racionalidade técnica, culpabilizando o professor pela má qualidade da educação, pois cada professor individualmente deveria transformar a própria prática, tornando-se reflexivo e isto traria melhorias à educação; a segunda vertente da crítica é com relação à adoção do conceito de 14
Professora livre docente da Universidade de São Paulo. Doutora em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 15 Professor de Universidade do Estado do Amazonas. Pós doutorado em formação de professores pela Universidade de São Paulo
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Schön, de profissional reflexivo, pela educação sem as devidas adequações, pois a pesquisa de Schön não se direcionava à área educacional e utilizou como amostra profissionais que agiam reflexivamente sobre sua prática individual. “A maioria dos casos que analisa está centrado em processos vinculados a transformações imediatas de atores individuais” (BORGES, 2008). Em sua pesquisa, Schön não propunha mudanças institucionais ou sociais, pois estas “se produzem num tempo mais extenso que os episódios singulares da prática” (Borges, 2008). Surge assim, uma temeridade de que a ausência do enfoque nas mudanças sociais e institucionais minem as possibilidades delas ocorrerem. Pimenta (2008) acrescenta que segundo Liston e Zeichner a abordagem de Schön é reducionista e limitante por desconsiderar o contexto institucional e propor uma reflexão individual sobre a prática. As mudanças institucionais são imprescindíveis na educação, sobretudo se considerarmos que os melhores resultados, apontados em pesquisas16, foram encontrados em trabalhos colaborativos, onde professores analisavam as práticas da escola ou de um grupo e buscavam melhorias em conjunto e essa reflexão conjunta sobre o trabalho docente poderia se formalizar através de pesquisas de pós-graduação, publicação em periódicos ou participação em congressos e seminários de divulgação científica. Mais uma crítica feita à utilização da teoria de Schön no campo educacional são seus fundamentos pragmáticos, tendo em vista que “o conhecimento pode e vem da prática, mas não há como situá-lo exclusivamente nisso” e complementa, “o problema foi ele ter reduzido a reflexão, como proposta alternativa para a formação, ao espaço da técnica (GHEDIN, 2008). É imperativo valorizar as práticas e experiências profissionais dos professores sem deixar de reconhecer a importância da teoria na formação de docentes, além disso, é importante contextualizar a ação profissional do professor para que este não seja visto individualmente ou descolado da sociedade em que vive. Como afirma Pimenta (2008), é necessária “uma articulação, no âmbito das investigações sobre a prática
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Os dados coletados nos trabalhos apresentados nas reuniões da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação, bem como os demais artigos lidos mostram que os melhores resultados de utilização da teoria do professor-reflexivo foram obtidos em pesquisas colaborativas.
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reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais amplos, considerando o ensino como prática social concreta.” Outra crítica, apontada por Libâneo (2008) é o fato de haverem duas formas de entender a reflexividade no mundo atual, da perspectiva crítica e da perspectiva neoliberal e muitas das vezes os docentes não tem consciência da distinção entre elas, tendo em vista que ambas descendem do iluminismo. Entretanto a utilização segundo a vertente neoliberal prevê apenas a intelectualização do processo17 produtivo e não uma reflexão crítica. Sacristán (2008) adverte quanto ao encanto produzido pelo discurso pós-positivista de valorização da reflexividade, tendo em vista que (...) na verdade, o professor que trabalha não é o que reflete, o professor que trabalha não pode refletir sobre sua própria prática, porque não tem tempo, não tem recursos, até porque, para sua saúde mental, é melhor que não reflita muito (...) (SACRISTÁN, 2008)
O pesquisador usa uma linguagem irreverente para fazer uma grave denúncia e prossegue chamando a atenção dos pesquisadores ao perigo da afirmação de que é necessário buscar a prática, pois segundo ele tal afirmação estaria fundamentada na idéia de desvalorização do conhecimento científico: “reconhecer que, se com a reflexão busco a prática, é porque a ciência não a pode me dar. Esta afirmação deveria levar-nos a pensar, a nós que acreditamos estar fazendo ciência.” Outro autor que também trata do distanciamento entre a pesquisa científica e a sala de aula é Charlot (2008), que afirma que tal distanciamento ocorre em função de dois fatores, o primeiro seria os recortes necessários à pesquisa, “o ensino é um ato global e contextualizado. Assim, nunca a pesquisa pode abranger a totalidade da situação educacional.” O segundo é o caráter dogmático sustentado pelos estudos científicos, os pesquisadores “tomam-se como juízes supremos da verdade política.” Estes argumentos são úteis para referendar a afirmação de que há diferenças estruturais entre ensinar e pesquisar, pois, segundo o autor, “o ato de ensino sempre 17
Libâneo explica o processo de reflexividade neoliberal tendo como base a teoria de Scott Lash, segundo a qual a reflexividade seria apenas o abandono do modo de produção fordista. A sociedade pós-industrial se identifica com uma sociedade em que o consumo é especializado e requer um modo de produção mais flexível. “requer-se mais conhecimento intelectual e menos trabalho material, levando à intelectualização do processo produtivo, ou seja, mais reflexividade (auto-reflexividade, auto-monitoramento dos trabalhadores).”
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tem uma dimensão política, e a pesquisa deve ser mais prudente, deve analisar o que é e não pode dizer o que deve ser” (CHARLOT, 2008). Outra diferença fundamental é que o professor precisa tomar decisões objetivas e práticas, “está se defrontando com uma urgência”, a sala de aula é uma realidade dinâmica e o professor tem que assumir os riscos de suas decisões. Mais uma vez, Charlot ressalta a importância da contextualização, e afirma que o pesquisador não pode dizer o que deve ser feito pelo professor, por que cada realidade é única.
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4 A METODOLOGIA DA PESQUISA
Como já mencionamos na Introdução, o professor-reflexivo surgiu no cenário brasileiro da formação de professores em meados dos anos 1990 e nessa mesma década ele é alvo de severas críticas em suas proposições. Nosso objetivo então é saber o porquê dessas críticas, apesar da relevância da teoria para o cenário educacional brasileiro. Considerando a extensa bibliografia acerca do referido tema e procurando delimitar o nosso estudo, optamos por privilegiar os trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, que estão publicados no site da associação18. Esta entidade de pesquisa possui muita credibilidade, é extremamente respeitada e de maior importância no que diz respeito à pesquisa educacional no Brasil. Ela foi fundada em 1976 e desenvolve um importante trabalho de disseminação de informações sobre temáticas específicas, atuando durante todo o ano e promovendo debates e discussões em prol da transformação do conhecimento científico. As temáticas abordadas pela ANPED são divididas em GT's - Grupos de Trabalho e congregam pesquisadores interessados em áreas de conhecimento especializado da educação. Os artigos ali publicados são produzidos por professores e alunos de pós-graduação em Educação do país e demais pesquisadores da área e também por alunos de pós-graduação Stricto-Sensu em Educação. Estes trabalhos são destinados a professores universitários, pesquisadores, alunos de pós-graduação, administradores públicos, pesquisadores de outros campos e educadores em geral. O GT no qual buscamos os dados de nossa pesquisa foi o de número 8 (oito) que trata sobre a Formação de Professores, locus onde a temática está inserida. A metodologia deste trabalho teve suas raízes na pesquisa exploratória, visto que pretendíamos nos familiarizar ainda mais com o problema em questão, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses sobre o mesmo. A pesquisa exploratória na visão de GIL (2002) tem como objetivo principal o aprimoramento de 18
www.anped.org.br
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idéias ou a descoberta de intuições. De fato, este tipo de pesquisa nos possibilitou ampliar o leque de conhecimento acerca do tema, verificar a incidência do termo professor-reflexivo nos artigos e interpretar o uso desta temática por parte dos autores dos trabalhos. Este caminho nos permitiu inferir as possíveis causas da crítica à teoria do professor-reflexivo. A análise metodológica deste trabalho foi fundamentada em critérios quantitativos e qualitativos. É quantitativa na medida em que quantificamos dados e utilizamos técnicas de estatística.
Oliveira (2004, p. 115) afirma que este tipo de análise
“procura descobrir e classificar a relação entre variáveis, assim como na investigação da relação causalidade entre os fenômenos: causa e efeito.” Porém, não nos limitamos a essa causalidade. Embora a opção por utilizar esta abordagem tenha sido para garantir a precisão dos resultados, evitando distorções de análise e interpretações, voltamos nosso olhar também para a análise qualitativa que nos permitira, segundo Oliveira (2004, p. 117), “a facilidade de poder descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema, compreender e classificar processos dinâmicos, apresentando contribuições no processo de mudança”. Apesar de serem dois métodos diferentes pela sua sistemática, Goode e Hatt (1968 apud OLIVEIRA 2004) afirmam que a pesquisa moderna deve rejeitar como falsa dicotomia a separação entre estudos qualitativos e quantitativos ou entre o ponto de vista estatístico e não-estatístico. Para muitos, não existe qualquer distinção entre os dois métodos, tendo em vista que a pesquisa quantitativa, obrigatoriamente exige uma abordagem qualitativa. A pesquisa bibliográfica, amparada na Análise de Periódicos, foi o procedimento técnico utilizado. Segundo Oliveira (2004, p.119), “a pesquisa bibliográfica tem por finalidade conhecer as diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno.” A escolha da análise de periódicos deveu-se ao fato de constarem nestas publicações todas as “tendências” educacionais de algum período específico na medida em que elas transmitem informações atualizadas sobre os principais acontecimentos da Área. Cada notícia, entrevista ou reportagem utilizada na confecção do artigo ali publicado reflete a realidade atual ou mesmo faz menção a um possível panorama do que está para acontecer. Catani (1997) acredita que:
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“as revistas especializadas em educação, no Brasil e em outros países, de modo geral, constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profissional.”
Para Pinheiro e outros (2005) a análise de periódicos pode ser feita de maneira extrínseca ou de forma e intrínseca ou de conteúdo. Na perspectiva extrínseca são valorizados os aspectos relacionados à forma do periódico que são as seções, os padrões bibliográficos e os sistemas de avaliações. Na análise intrínseca são observadas questões de conteúdo dos artigos, a produtividade de autores, padrões de autoria, etc. Privilegiamos o segundo tipo de análise visto que este vai de encontro aos objetivos da nossa pesquisa na medida em que situamos nosso estudo em uma temática específica a fim de delimitar ainda mais os resultados. A opção por efetuar a investigação através de revistas digitais se deveu à facilidade, flexibilidade, agilidade e praticidade de acesso às informações ali contidas. Segundo Lemos (2005), esta tecnologia permite ampla acessibilidade, divulgação ilimitada, rapidez de publicação, uso de diferentes métodos de indexação, possibilidade de links a artigos antecessores ou correlatos ao que está sendo lido, buscas fáceis e interatividade, dentre outros. Todos esses quesitos permitem a universalização do acesso aos trabalhos apresentados digitalmente, o que promove o aumento e aperfeiçoamento de discussões, inclusive em tempo real. O grupo baseou sua pesquisa em um total de 48 artigos, publicados entre 2000 e 2009, todos no site da ANPED, como já fora mencionado. Tal período foi escolhido por tratar-se daquele de maior incidência da temática nos meios acadêmicos e, portanto, da maior publicação de trabalhos sobre o tema e também como forma de se ter a noção do volume de trabalhos publicados na perspectiva do professorreflexivo nesta primeira década do século XXI. Além do período temporal, foi utilizado outro critério para a seleção dos artigos: que a temática dos trabalhos apresente elementos relacionados à noção do professor- reflexivo. Para a verificação desta exigência, observamos título e referências bibliográficas dos mesmos, a fim de cercar todas as possibilidades de encontrar os trabalhos que fizeram menção ao modelo do professor-reflexivo.
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Após seleção e leitura dos trabalhos, tabulamos de forma sistemática as informações mais relevantes apresentadas em cada um dos artigos, inclusive enumerando em que se basearam as críticas, quando houver. Esta tabulação serviu para facilitar a compreensão dos pesquisadores e auxiliou na posterior análise e compreensão dos dados. O tratamento das informações obtidas a partir da tabulação iniciou-se com o confrontamento destes dados de forma a perceber as recorrências e/ou divergências entre as informações oriundas dos vários artigos. Para facilitar esta coleta e tratamento dos dados nos trabalhos pesquisados, o grupo definiu três categorias de análise, a saber: Conceito, Usos/Argumentos e Resultados. Na categoria Conceito, foram levantadas todas as definições apresentadas nos trabalhos sobre o professor-reflexivo ou sobre a reflexividade, bem como os teóricos a partir dos quais os autores conceituaram a teoria. Na categoria Usos/Argumentos constaram todos os diferentes âmbitos, aos quais, o conceito foi aplicado como também os argumentos para esta aplicação. Por fim, na categoria Resultados, foram compiladas as reais conclusões a que chegaram os autores após aplicarem o conceito do professor-reflexivo em suas pesquisas. As
categorias
Usos/Argumentos
e
Resultados
necessitaram
de
uma
subcategorização devido à grande quantidade de dados colhidos. A primeira foi dividida em vinte subcategorias e a segunda foi subcategorizada em Positivos, Negativos e Positivos com Ressalva, o que facilitou o tratamento dos dados. É importante frisar que, apesar da categoria Usos/Argumentos ter sido dividida em vinte subcategorias, só iremos discutir as sete mais recorrentes. Esta opção baseouse em atender às exigências da pesquisa uma vez que termos com pouca incidência foram tidos como exceções e não como indicadores de sustentabilidade do Conceito. Resta-nos enfatizar que analisar um periódico educacional ou mesmo a incidência de um determinado tema inserido dentro de um deles constitui fazer um estudo da própria História da Educação de um país.
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5 OS TRABALHOS APRESENTADOS NAS REUNIÕES ANUAIS DA ANPED – CONCEITO, USOS E RESULTADOS
Com base nos parâmetros já mencionados foram analisados 48 textos publicados entre os anos de 2000 e 2009. Tal análise se restringiu a observar três principais vertentes dos trabalhos: observou-se como os autores utilizaram os principais conceitos da Teoria, quais os argumentos utilizados por eles para defender, subsidiar ou mesmo criticar este modelo de professor e quais os resultados obtidos através de experiências empíricas. GRÁFICO 1 – Dados coletados nos trabalhos da ANPED – Por categorias
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Conceito
Usos/Argumentos
Resultados
Fonte:Trabalhos publicados no GT8 da ANPED que tratam da temática do professor-reflexivo (2000-2009).
5.1 Conceituação do Professor-reflexivo nos Trabalhos
Dos 48 trabalhos pesquisados, apenas 18,75% apresentavam algum tipo de conceituação do Professor-reflexivo. Mesmo assim, mencionavam o ato de reflexão de forma genérica sem esclarecer que o mesmo era tido como conceito teórico. Afirmavam apenas que a reflexão é algo inerente ao humano, envolvendo categorias sistemáticas de pensamento, reflexão na ação e sobre a ação (SCHÖN, 2000).
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Conforme esclarece Perrenoud (2002, p. 43), a reflexão espontânea não transforma o professor em um profissional reflexivo no sentido utilizado por Schön. Segundo o autor, o professor como profissional reflexivo faz da postura reflexiva sistemática um habitus profissional e, dessa forma: “Ele reexamina constantemente seus objetivos, seus procedimentos, suas evidências e seus saberes. Ele ingressa em um ciclo permanente de aperfeiçoamento, já que teoriza sua própria prática, seja consigo mesmo, seja com uma equipe pedagógica. (...) A prática reflexiva é um trabalho que, para se tornar regular, exige uma postura e uma identidade particulares.” (PERRENOUD, 2002, p. 44)
A forma como o conceito de professor-reflexivo é apresentada na maioria dos trabalhos não descreve estas especificidades descritas se constituindo num esvaziamento de conteúdo. Não é possível afirmar os motivos pelos quais os autores deixam de fazer um panorama mínimo do conceito antes de aplicá-lo a seus objetos de pesquisa. Uma das hipóteses pode ser o pressuposto de que o conceito já está suficientemente difundido e sedimentado o que dispensaria um maior aprofundamento conceitual nos trabalhos. Entretanto, ao analisar os dados coletados nos trabalhos, percebemos que este esvaziamento de conteúdo no que tange à conceituação do professor-reflexivo, acaba, em vários trabalhos, por provocar um distanciamento do sentido original do conceito. Para exemplificar este distanciamento, citamos um trabalho da 23ª reunião no qual a utilização do conceito se deu mais no sentido de aplicação da teoria à pratica do que de produção de conhecimento teórico a partir das problemáticas provenientes da prática (GUERRA, 2000). Para a autora, a reflexão acontecia através da apropriação do saber acadêmico previamente elaborado como base para se refletir sobre a prática, ficando esquecido o exercício reflexivo que possibilita a produção de conhecimento na prática e para a prática. Vários outros autores comungam do pensamento de Guerra. Mota e Moyzés (2004), por exemplo, afirmam que “a teoria tem influência básica na formação dos docentes, pois favorece variados pontos de vista para uma ação contextualizada”. Além desses, o trabalho de Barreiro (2004) chama atenção para o relato de uma aluna que participou de um programa de formação. Seus dizeres colocam o saber teórico como determinante para a mudança da sua prática docente.
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A teoria que recebemos foi muito importante para entender muita coisa que antes eu fazia, talvez por intuição. Mudei o meu conceito de avaliação; entendi como o aluno aprende (constrói conhecimentos); o modo de apresentar os conteúdos (partir da realidade e da vivência dele); a trocar experiências (eu o meu aluno), pois é na interação com o outro que se dá a formação. Adquiri outra visão sobre o erro do aluno; ele é parte integrante da aprendizagem. (BARREIRO, 2004, p. 10)
Não discordamos da importância da base teórica na formação de professores. No entanto, o que questionamos aqui, é deslocamento do conceito de professorreflexivo, pressuposto por uma epistemologia da prática, ou seja, a produção de saberes advindos da própria prática, para a simples aplicação da teoria à prática. A idéia de reflexão proposta pelos autores que defendem a concepção de professor como profissional reflexivo não se resume a aplicar conhecimentos teóricoacadêmicos à realidade prática. Esta concepção presume uma análise sistematizada dos problemas da prática exatamente quando a teoria já sedimentada pelo professor não resolve. A partir disto é necessária uma reflexão sistematiza colocando em diálogo a situação problema e a teoria para a produção de um novo conhecimento que dê conta de uma solução para tal problema. Conforme Pimenta (2005 apud SILVA 2006, p. 6): A teoria tem uma grande relevância na formação de professores, (...) pois ela dará ao profissional da educação conhecimento de contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si próprios como professores. A teoria, diz a autora, é tida como possibilidade de superar o praticismo, como lugar em que se incluem todas as esferas sociais e políticas, sem que o profissional se prenda apenas ao espaço escolar. Ao articular as suas práticas cotidianas a contextos mais amplos o professor amplia a oportunidade de reflexão sobre a sua prática, ressignificando-a.
Os poucos trabalhos que conceituam a teoria, o fazem a partir de autores que vieram depois de Schön, tais como ELLIOT (1990), LIBÂNEO (2002), GÓMEZ (1992), MATOS (1998) e DARSIE (1998). Estes autores, sem discordar de Schön, propõem um formato mais filosófico em torno das categorias propostas por ele. Se Schön trabalha com as categorias (conhecer-na-ação, reflexão-na-ação, reflexão sobre a reflexão-na-ação) , Libâneo (2002, p. 69 in: FREITAS, 2004), por exemplo, diz que a “reflexividade consiste, precisamente, nesse processo de tomar consciência da ação, de tornar inteligível a ação, pensar sobre o que se faz”. Podemos citar ainda o trabalho de Abranches (2000, p. xx) que conceitua o professor-reflexivo a partir dos autores Gómez (1992) e Matos (1998):
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Para Gómez, “a reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotação, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos” (1992:103). Refletir, portanto, traz o elemento da inflexão consciente na prática.(...) Também neste sentido, Matos (1998), apoiando-se fortemente em uma tradição filosófica, reafirma que a reflexão implica em um distanciamento, uma verificação à distância; é assim um ato consciente. Este autor procura demonstrar que a reflexão vai muito além da simples tradição cartesiana do “cogito”, pois implica a ação deliberada do sujeito, é “inerente à natureza do ser humano”. Para ele, a reflexão é uma possibilidade de “diálogo travado entre o ser humano e o seu mundo” (1998, p.293-294).
A conceituação mais filosófica destes autores, menos didática que a de Schön, talvez chegue às mesmas conclusões que Paulo Freire na década de 60, que nada mais é que o modelo hegeliano19 de dialética, também utilizado por Marx. A partir disto, podemos inferir que o modelo de professor-reflexivo utilizado nos trabalhos pesquisados segue a tradição teórico-crítica contrapondo-se aos modelos da racionalidade técnica o que também é defendido por Schön (2000) e Zeichner (2002). Podemos também reafirmar que os trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPED que tratam do professor-reflexivo e o conceituam, não discordam do que foi proposto por Schön, apesar de não o citarem para conceituar a teoria. É fundamental esclarecer que os conceitos apresentados nos trabalhos não são propriamente do professor-reflexivo, mas da reflexão. Os autores apresentam o conceito de reflexão e colocam o professor como profissional reflexivo a partir da perspectiva de reflexão apresentada. Mesmo não conceituando o professor-reflexivo a partir de Schön, vários trabalhos o citam como base deste conceito. Porém, apenas apresentam as categorias do conceito – reflexão na ação e reflexão sobre ação – sem, no entanto, esclarecer em que consiste o conceito de professor-reflexivo para o autor, ou mesmo conceituar cada uma destas categorias. Como pode ser visto no fragmento a seguir: Para tanto, a escola precisa organizar-se para superar os desencontros pedagógicos detectados em seu interior, onde professores, técnicos pedagógicos e diretores caminham em direções opostas na maioria das vezes, e criar um projeto coletivo, e integrado, de trabalho. Aproveitando o pensamento de Schön, observamos que na escola deve acontecer “o conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação” (1992). (MACHADO, 2005, p. 06) 19
Dialética Hegeliana se refere á teoria introduzida por Hegel para compreensão da história da filosofia e do mundo.
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Somente três dos trabalhos faz uma explanação mais aprofundada das categorias propostas por Schön (ABRANCHES, 2000, FREITAS, 2006). Retomando o que já foi dito anteriormente, a despeito de não conceituarem o professor-reflexivo ou a reflexividade a partir de Schön, os trabalhos que ao menos apresentam um conceito de forma mais consistente, demonstram uma apropriação e uma utilização mais coerente do conceito o que pode ser visto na argumentação utilizada nos trabalhos, bem como nos resultados das experiências empíricas. Contudo, é fundamental relembrar que, de todo o universo pesquisado (48 trabalhos), apenas uma pequena porcentagem (18,75%) dialoga com o conceito de professor-reflexivo ou a reflexividade de Schön, o que denota a pouca consistência e a superficialidade com que o conceito vem sendo tratado nas pesquisas apresentadas nas reuniões anuais da ANPED.
5.2 Usos e Argumentos do Conceito
Os usos do Conceito se deram nas mais diferentes direções. Numa tentativa de agrupá-las, tabulamos estes dados em 20 categorias distintas, conforme se vê na tabela 1. TABELA 1 Usos/Argumentos apresentados nos trabalhos da ANPED Recorrência do Uso
%
Revisão/Transformação da ação Pedagógica / Prática docente
19
39,58
Produção de Conhecimento a partir da prática
13
27,08
Disciplinas da Formação Inicial
08
16,67
Relação Teoria-prática / Pesquisa-ensino
07
14,58
Profissionalização Docente
06
12,5
Identidade Profissional
05
10,42
Troca de Experiências
05
10,42
Transformação da cultura escolar / sociedade
04
8,33
Subcategorias
41
Reorganização das Faculdades de Educação/ Licenciaturas
04
8,33
Planejamento como estratégia de reflexão
03
6,25
Desenvolvimento Profissional
03
6,25
Autonomia Profissional
03
6,25
Valorização da Experiência
03
6,25
Escola como espaço político de reflexão
02
4,12
Relação entre escola, meios de comunicação e novas tecnologias
02
4,12
Avaliação Discente para revisão da prática
02
4,12
Reflexão sobre os conhecimentos Acadêmicos
02
4,12
Estímulo no aluno de sua condição de sujeito histórico
01
2,08
Atendimento de qualidade
01
2,08
Realização Profissional
01
2,08
Fonte: Trabalhos publicados no GT8 da ANPED que tratam da temática do professor-reflexivo (20002009).
Para a análise que segue, nos deteremos em sete direções de maior percentual nas quais o conceito foi utilizado, a saber: Revisão/Transformação da Ação Pedagógica/Prática Docente; Produção de conhecimento a partir da prática; Disciplinas
da
Formação
Inicial;
Relação
Teoria-prática/Pesquisa-ensino;
Profissionalização Docente; Identidade Profissional e Troca de experiências. Tais direções encontram-se sublinhadas na tabela 1 e se configuram nos principais eixos de aplicação do conceito por teóricos como Zeichner, Pimenta, Libâneo, dentre outros. O argumento mais recorrente nos textos e que serve de subsídio para a defesa deste modelo de professor é o de que ele proporcionaria uma “transformação da ação pedagógica, da prática docente”. Sob este prisma Barreiro (2004) afirma que: a mudança na prática docente decorre de uma análise crítica do trabalho realizado na sala de aula, que ocorre a partir da aquisição de novos conhecimentos e da associação contínua entre o pensar e o agir, movimentos que ocasionam reflexões, levando a mudanças na prática docente. (p. 01)
Este uso foi verificado em 39,58% dos trabalhos analisados o que talvez denote uma carência ou mesmo um apelo dos estudiosos da área da educação pela mudança
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nas formas de atuação dos profissionais. Sob esta perspectiva, o professor é novamente tido como o responsável pelo sucesso/insucesso dos discentes. A sua postura diante do aluno, da escola e de sua própria prática, seria o fio condutor determinante para o aprendizado ou não dos alunos. A adoção desta perspectiva fortalece uma concepção de educação baseada na racionalidade técnica a qual defende uma reflexão sobre a própria prática, no ambiente restrito da sala-de-aula, o que pode levar a uma associação direta entre as reflexões do professor e a qualidade do ensino. Sendo assim, se os resultados educacionais forem ruins, há uma culpabilização do professor. Além disto, este uso, da maneira como está proposto nos trabalhos, restringe a ação reflexiva do professor ao ambiente da sala de aula distanciando-se da proposta original, já explicitada no capítulo 3 deste trabalho, a saber, que a reflexão deve ser uma postura constante na prática do professor (PERRENOUD, 2002), estendendose às discussões mais globais da escola e sociedade envolvendo-se na luta por uma sociedade mais justa (Zeichner, 2002; Contreras, 2002). A subcategoria “Produção de Conhecimento a partir da Prática” é a segunda de maior expressividade, estando presente em 13 trabalhos, que corresponde a 27,08%. Os trabalhos que aplicam o conceito nesta direção concebem a prática como a base para se produzir novos conhecimentos, os quais podem se traduzir em conhecimentos teóricos, dependendo da forma como esta produção é sistematizada. O fragmento a seguir é representativo desta subcategoria: Uma questão evidente nesse estudo, é que o conhecimento teórico não garante o saber pedagógico, mas sem ele é impossível de se constituir uma prática consciente e criteriosa. Nesse sentido seria importante ampliar os olhares dos (as) acadêmicos (as) para que possam refletir sobre suas ações cotidianas, questionando e investigando sua prática, acreditando que, a partir delas, muitos conhecimentos podem ser produzidos. (MACHADO, 2008, p. 13)
Este Uso vai de encontro ao que é proposto pelos autores que concebem o Conceito, tais como Schön (2000) e Zeichner (1993): a produção de conhecimentos sobre o que é um ensino de qualidade não é propriedade exclusiva das universidades e centros de investigação e de desenvolvimento, e que os professores também têm teorias que podem contribuir para uma base codificada de conhecimentos do ensino. (ZEICHNER, 1993)
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A dimensão de produção de conhecimento a partir da prática pode ser considerada aquela que está mais diretamente relacionada ao conceito de professor-reflexivo, pois a epistemologia da prática significa exatamente esta consciência de que muitos saberes se constituem na experiência profissional, os quais devem ser sistematizados podendo tornar-se conhecimentos teóricos. A despeito de sua relação mais íntima com o conceito, esta categoria não é a que mais aparece nos trabalhos pesquisados. Provavelmente a categoria Produção de Conhecimento a partir da Prática, seja menor que a de transformação da prática porque a maioria dos projetos é direcionada aos professores do ensino básico, e para eles não se propõe nenhuma ação sistematizada de produção de conhecimento teórico a partir da prática. As disciplinas da formação inicial são apontadas como fundamentais para o desenvolvimento de uma prática profissional reflexiva, sobretudo as referendadas por terem uma ligação direta com a prática docente, como é o caso das disciplinas prática de ensino, estágio supervisionado e didática, como afirma-se nos trabalhos: Outro aspecto que se torna relevante constitui-se no fato de entender o estágio como uma unidade indissociável entre ensino e pesquisa. Partindo do pressuposto que a pesquisa é constitutiva do trabalho do professor, uma vez que este deve ser capaz de refletir e orientar sua própria prática, dando sinais de características próprias de um pesquisador é que assumo que o estágio deva ser uma pesquisa do cotidiano da escola pública de 1º grau, envolvendo os comportamentos de observação - reflexão crítica reorganização das ações: “... da necessidade de que a prática de Ensino envolva comportamentos de observação, reflexão crítica, reorganização das ações, características próximas à postura de um pesquisador, investigador, capaz de refletir e reorientar sua própria prática, quando necessário.” (Kenski, 1994:11 apud GUERRA, 2000, p. 06)
“Trata-se de um tipo de pesquisa que nós denominamos pesquisa sobre e pelo o ensino, objetivando conhecer e intervir na ação/reflexão do professorado em formação. Toma como objeto empírico o espaço formativo da disciplina Didática, esta entendida como uma disciplina nuclear do citado processo formativo.” (Gauthier, Nuñez e Ramalho, 2000, p. 02)
Tais disciplinas também permitem uma revisão do trabalho por parte dos professores universitários, como observa-se na fala de Moraes (2001, p. 13): “a busca de um trabalho interdisciplinar nos estágios supervisionados provocou a reflexão entre os
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professores sobre a forma como o conhecimento é trabalhado no curso de Pedagogia.” Outro aspecto apontado pelos trabalhos é, ainda, a importância da formação inicial como ponto de partida para desencadear uma ação reflexiva, esta visão foi apontada, sobretudo nos trabalhos que tiveram como público alvo alunas de magistério ou mesmo de pedagogia que não tinham experiências práticas de trabalho docente, conforme afirma Mizukami (2001, p. 02) a contribuição dos cursos de formação inicial na aquisição de conhecimentos pelos futuros professores também tem sido investigada, mediante a identificação desses tipos de conhecimentos que estão na base da atuação em sala de aula.
A visão apresentada nestes trabalhos endossa o posicionamento de teóricos, tais como o de Pimenta (2008), que diz da importância da teoria para uma significação ou ressignificação da prática, entende-se assim que nesse sentido, os trabalhos apontam para uma necessidade de sólida formação inicial para garantir uma atuação profissional reflexiva. Perrenoud (2002), amparado em Lafortune, Mongeau e Pallascio (1998) também reforça a importância da formação inicial para a constituição de um professor que seja um profissional reflexivo: “a formação inicial tem de preparar o futuro professor para refletir sobre sua prática, para criar modelos e para exercer sua capacidade de observação, análise, metacognição e metacomunicação”. A quarta maior subcategoria de usos diz respeito à importância da “Relação entre Teoria e Prática”, bem como da “Pesquisa e Ensino”, estando presente em 14,58% dos trabalhos. A abordagem desses trabalhos perpassa a unidade necessária entre teoria e prática e entre pesquisa e ensino. A temática do Professor-reflexivo por si só pressupõe a importância de que a prática docente se dê ao mesmo tempo da pesquisa, ou em outras palavras, que a pesquisa não esteja restrita aos profissionais mais graduados das universidades, podendo ser desenvolvida pelos professores que atuam na educação básica como apontam Freitas, Sudan e Villani (2006, p. 02) Neste trabalho apresentaremos o caso de Flora, uma professora que teve como foco de investigação sua própria prática docente. Mostraremos que o desenvolvimento da pesquisa e da docência pôde avançar de maneira
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colaborativa, graças ao esforço e à vontade persistente da pesquisadora em utilizar uma metodologia de pesquisa capaz de incorporar tanto aspectos objetivos quanto subjetivos referentes à prática docente.
Não menos importante, a relação entre Teoria e Prática também não pode ser dicotomizada: “Esse processo metodológico de unidade instrumentaliza a relação dialética teoria-prática, favorecendo uma visão integradora da complexidade do cotidiano escolar, através da apropriação de práticas reflexivas.” (GUERRA 2000, p. 06) A utilização do Conceito de professor-reflexivo como forma de se alcançar a “Profissionalização Docente” aparece em seis trabalhos, o que corresponde a um percentual de 12,5%. Nesses trabalhos, tal justificativa se resguarda, principalmente, na idéia de que para se alcançar a referida profissionalização o professor precisaria tomar consciência de sua profissão e tê-la realmente como PROFISSÃO, abandonando a idéia de que ser professor passaria pelo âmbito da doação, do sacerdócio. Essa mudança de percepção e de entendimento, obrigatoriamente, passaria por um processo de reflexão. Perrenoud (2001 apud OLIVEIRA s/ data) classifica a profissão de professor como uma semiprofissão; como um ofício em vias de profissionalização. Isso quer dizer que falta a essa profissão uma base de conhecimentos teóricos e procedimentais comuns e uma explicitação dos próprios esquemas e das formas de desenvolvê-los e avaliá-los, como ocorre em outras profissões(p.xx).
Gauthier (et. al. 2000, p. 06) acrescenta que "o conceito de profissionalização referese a dois processos que se articulam ao mesmo tempo, de maneira diferente, mas complementares”. O primeiro é denominado de Processo Interno e estaria relacionado à “construção de uma profissionalidade" (ibdem); o segundo é o Processo externo que faz menção ao profissionalismo como “reivindicação de um status particular” (ibdem). Para este autor “a profissionalidade é um processo de desenvolvimento das competências necessárias ao exercício de uma profissão, que se manifestam como um conjunto dado de características de uma profissão”. (GAUTHIER et. al., 2000, p. 06). Sob esta perspectiva, o desenvolvimento de um hábito reflexivo situa-se no centro deste modelo emergente de profissionalidade (GAUTHIER et. al., 2000).
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A subcategoria seguinte está intrinsecamente ligada à “Profissionalização”, trata-se da Identidade Profissional, que é tida, nos trabalhos, como fundamental para a tomada de consciência acerca da necessidade de uma afirmação profissional. A Identidade Profissional também nortearia as iniciativas de formação continuada, como nota-se no período que segue: 95% identifica-se como profissionais, considerando de maior peso o reconhecimento social e o salário como necessidades na construção de uma identidade profissional. No entanto, faltam argumentos que possam ser utilizados pelos professores-alunos para que eles se compreendam como profissionais e orientem conscientemente seu processo de profissionalização. (GAUTHIER et. al., 2000, p.12)
Pimenta coloca a identidade profissional como ponto central da ação reflexiva do professor, ao afirmar que é preciso saber considerar os saberes tácitos que os professores dominam e que colocam em diálogo com os enunciados propostos nesse processo, mesmo para negá-los. Esses saberes oriundos da prática, da experiência, estabelecem uma relação crítica com os saberes disciplinares que contribui para a constituição da identidade profissional do professor (PIMENTA, 2002 apud CERRI 2005, p.10 )
Segundo a autora o professor deve ser capaz de identificar os pontos centrais de sua identidade profissional, analisando a partir dela os conhecimentos teóricos obtidos na formação e assim, confrontá-los com as situações vividas na prática docente, reformulando concepções teóricas e produzindo as próprias teorias. “A Troca de Experiências” – outra subcategoria de relevância – é apontada como grande fonte de conhecimento e importante para a reflexão, tendo em vista a possibilidade de confrontar vivências e aprender com profissionais mais experientes, Uma das fontes de conhecimento mais valorizadas pelas professoras investigadas é a prática de outros professores. Embora, como já foi destacado, o sistema escolar não lhes venha oferecendo muitas oportunidades para trocas de experiência e discussão sobre a prática, as professoras buscam alternativas para essa partilha de conhecimentos. AMBROSETTI (2002, p. 08)
Apesar de relatar a importância e fertilidade da reflexão conjunta, também é relatada a dificuldade enfrentada por diversos professores, por não terem um espaço ou tempo reservado para encontros. Sendo assim, iniciativas que valorizam tal prática têm grande possibilidade de êxito, como é o caso do projeto Veredas, participantes apontam
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a importância do tutor como aquele que problematiza o conhecimento criando estratégias de aprendizagem, que estabelece diálogo com os cursistas, que procura garantir a relação teoria e prática propiciando situações de reflexão crítica sobre essa prática e, conseqüentemente, como aquele que contribui para a ressignificação da prática pedagógica dos cursistas, atendendo assim aos objetivos traçados pelo Veredas. (SILVA 2006, p. 13)
A troca de experiências permite, ainda que de modo mais restrito, a participação de professores na construção de projetos de trabalho mais amplos ou mesmo formulação de material didático. Como relata SILVA, R.(2006, p. 09) Então vamos nós produzir alguma coisa! O trabalho final desse curso com os professores era eles prepararem uma unidade de ensino que contemplasse como eles poderiam ensinar o novo conteúdo. No final nós nos propusemos a escrever um livro didático e os professores toparam, porque mudou o programa de Química e não tinha livro didático para isso.
Ressalte-se que uma das críticas à apropriação do conceito de Professor-reflexivo reside na falta de condições para os professores se reunirem tanto para discutir experiências, quanto para formular práticas, pois vale lembrar que o ensino não é uma ação neutra, estando relacionado às condições nas quais ocorre e refletir apenas não valoriza a prática, se for uma ação individual e descontextualizada.
5.3 Resultados Obtidos em Experiências Empíricas
Os resultados de experiências empíricas apareceram em 40% dos trabalhos, sendo esta a segunda categoria de maior expressividade, conforme demonstra o gráfico 1. Destes resultados, de acordo com o gráfico a seguir,12 eram Positivos, 7 Positivos com Ressalvas e 9 Negativos:
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GRÁFICO 2 – Resultados apresentados nos trabalhos da ANPED – Por subcategorias
12 10 8 6 4 2 0 Positivos
Negativos
Positivos com Ressalva
Fonte:Trabalhos publicados no GT8 da ANPED que tratam da temática do professor-reflexivo (2000-2009).
Os “Resultados Positivos” dos trabalhos giraram em torno da constatação de uma mudança na prática de professores que já atuavam e de alunos que atuaram em estágio curricular, o que pode ser exemplificado nos fragmentos a seguir: Os registros se tornam articuladores do projeto de trabalho, como afirma o diretor da escola, ‘no início havia relutância, mas agora [a escrita] aumentou, [as professoras] se soltaram mais, elas refletem sobre as práticas. Lêem o que o outro escreveu, um chama o outro (ALMEIDA, 2006, p. 09). Os professores-alunos conseguem rever suas experiências através de prismas teóricos que sustentam suas reflexões, construindo novos saberes (conhecimentos procedimentais e explicativos) como multireferências para a tomada futura de suas decisões face a situações problemáticas, com possibilidade de construir e trabalhar os problemas de sua prática, questão que não nega suas rotinas (GAUTHIER et. al,. 2000, p. 15)
Os “Resultados Positivos com Ressalva” abrangeram tanto situações em que as propostas de formação continuada não atingiram a todos os participantes conforme o esperado, quanto situações em que houve uma apropriação intelectual da importância da construção de uma postura reflexiva por parte dos professores, contudo a efetivação desta postura foi limitada pelas condições de trabalho. Tais situações podem ser percebidas nos trechos abaixo: Suas falas (...) sinalizam uma certa incorporação – pelo menos no plano do discurso – da proposta do professor-reflexivo na perspectiva difundida por Schön (1993, 1995). (...) Embora reconheçam a importância da pesquisa para a docência, é reduzido o contingente de professores que afirma utilizá-
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la em sua prática profissional. Um dos argumentos recorrentes na explicação desta discrepância é assim expresso: não há incentivo por parte das escolas; o professor não tem tempo, nem orientação, nem uma formação voltada para a pesquisa. (FARIAS, 2005, p. 08) Vale registrar, entretanto, que algumas professoras (menos de um terço) não manifestam, em seus depoimentos, alterações na visão acerca do processo de realizar registros sobre seu trabalho, reiterando as dificuldades já expressas na visão inicial, ou revelando não diferenciar ainda o tipo de registro que o diário requer, dos demais registros já existentes no seu cotidiano (diários de classe, caderneta e caderno circulante). (AYELO et. al., 2001, p. 07)
Os “Resultados Negativos” se detiveram na limitação da reflexão autônoma pelas condições de trabalho, desfavorecendo o desenvolvimento profissional e a construção de uma identidade profissional, bem como, no papel secundário das práticas reflexivas nos cursos de graduação e de educação continuada. Os trechos a seguir são ilustrativos desta subcategoria: Quanto às estratégias de formação continuada, priorizaram-se os cursos, delineando um modelo mais transmissivo de formação. Mas, as oficinas foram as estratégias preferidas das professoras, por abordarem aspectos concretos e aplicáveis à prática. Constatamos que não foram propostas ações centradas na observação, reflexão e pesquisa da prática docente. (NUNES, 2005, p. 11) Foi possível constatar, através deste estudo, que 40% dos cursos de Pedagogia enfocam os estudos sobre informática na análise crítica sobre o uso destes meios na Educação, enquanto 60% limitam-se ao ensino do uso destes meios como recursos didáticos. Já em relação aos cursos de Normal Superior foi identificando que 100% deles pautam-se por este último enfoque. (MAZZILLI e ROSALEN, 2005, p. 15) Além do mais, à medida que se atribuem tarefas aos professores, minimizase a oportunidade da reflexão (...) a própria dinâmica gerencial da instituição dificulta que nesses espaços se avance na reflexão sobre o fazer docente (...) (OLIVEIRA, 2008, p. 05)
Embora os “Resultados Positivos” tenham sido de maior destaque, não se pode perseverar nesta constatação. É necessário considerar a hipótese de agrupar a subcategoria Positivos com Ressalva com os Resultados Negativos uma vez que, alguns professores que participaram de propostas de formação admitiram ter mudado a forma de pensar sem, no entanto, se disporem a adotar a prática reflexiva em seu fazer docente. Tal negativa dos professores se pauta na falta de condições de trabalho que o possibilitem, ou na compreensão de que tais ações demandariam tempo e trabalho excessivos. Outros, ainda, percebem a reflexividade de uma forma
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positiva, entretanto, não a consideram aplicável na atual conjuntura do Sistema Educacional Brasileiro. A expressividade destas ressalvas nos leva a considerar os Resultados Positivos com Ressalva não mais isoladamente, mas agregados aos Resultados Negativos. Analisando desta forma, entendemos que a subcategoria de maior percentual é a dos Resultados Negativos. Ademais, o simples fato de a maioria dos resultados apontar para um hiato entre a apropriação discursiva e a efetivação na prática, demonstra a inconsistência com que a temática tem sido tratada nas pesquisas. Vale ressaltar que esta inconsistência talvez seja fruto não do desconhecimento do conceito por parte dos pesquisadores, mas sim da impossibilidade de sua efetivação perante as limitações com que estes se deparam nas situações reais em que se dá a pesquisa.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação às três categorias observadas nos trabalhos – Conceitos, Usos e Resultados – percebemos, resumidamente, que: •
São escassos os trabalhos que conceituam a teoria, e mais ainda os que o fazem de forma aprofundada;
•
A categoria de usos é onde mais os trabalhos se aproximam da proposta original, porém notam-se dificuldades com relação à restrição da reflexividade ao ambiente da sala de aula, às limitações estruturais enfrentadas por professores que procuram manter esta postura reflexiva. Além disto, apesar de as subcategorias mais expressivas se relacionarem diretamente ao conceito, é perceptível que aquelas que mais refletem a perspectiva do professor-reflexivo ainda são as com menor número de trabalhos (identidade profissional, profissionalização docente, troca de experiências, transformação da cultura escolar/sociedade). • Os resultados, embora tenham sido em sua maioria positivos, quando classificados em positivos, negativos e positivos com ressalva, se constituem numa maioria de negativos, demonstrando a fragilidade da apropriação do conceito.
A realidade encontrada nos trabalhos pesquisados nos remete a uma fala de Contreras (2002) quando apresenta sua primeira crítica à concepção de professor como profissional reflexivo. O autor explica que o que mais prosperou foi a difusão do termo “reflexão” e não uma concepção concreta sobre ele. Para ele, o uso deste termo se tornou obrigatório para qualquer autor ou corrente pedagógica. E em decorrência disto, “acabou-se transformando, na prática, em um slogan vazio de conteúdo” (CONTRERAS, 2002, p. 135). Não foi o pensamento de Schön que dominou o cenário das pesquisas em educação e sim o uso do termo reflexão e o que se observa hoje é “uma literatura sobre a docência que, embora se denomine reflexiva, está longe de manter uma convergência de propostas e enfoques para além do uso do termo”. É no sentido deste esvaziamento de conteúdo que
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afirmamos a superficialidade e inconsistência, não do professor-reflexivo, mas de sua apropriação nas pesquisas em educação no Brasil. Não desconsideramos, de forma alguma, a relevância deste projeto para o avanço da qualidade na formação de professores, bem como para sua contribuição para a profissionalização do ensino e a constituição de uma identidade profissional para a categoria dos professores. Mas é imperativo perceber a apropriação aligeirada e frágil que se fez desta concepção, a qual tem provocado críticas que são de grande pertinência. Esta apropriação e as críticas resultantes dela podem ter como decorrência duas atitudes. A primeira delas é a rejeição desta concepção, atitude que se observa ao longo da história da educação brasileira. Sempre que uma nova tendência – a escola nova e o construtivismo, são exemplos – entra em cena e é aceita pelos principais teóricos em educação, há a apropriação aligeirada de que falamos a pouco. Esta rápida aceitação e apropriação provocam críticas que são novamente aceitas. A partir destas críticas há uma derrubada do conceito, sem análise do conteúdo do conceito e das críticas. Passado algum tempo, uma nova tendência entra em cena e o ciclo de se repete. A segunda atitude seria uma revisão do conceito a partir das críticas apresentadas para a proposição de adaptações e correções, atitude não muito comum em nossa realidade educacional. Este processo de revisão, de análise mais aprofundada se caracteriza por uma relação dialética como proposta por Marx – tese, antítese e síntese – e já proposta por Paulo Freire em seu modelo Ação-Reflexão-Ação. Posicionamo-nos de modo favorável à segunda atitude, pois entendemos que através deste caminho se pode construir uma nova realidade tanto para a formação de professores como para a educação brasileira. Para que isto seja possível são necessários novos estudos, na direção de encontrar uma viabilização para a reflexão de forma consistente e aprofundada tornando reais as contribuições que se propõem dar esta concepção de professor.
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