Boi de toquinho - o brinquedo de rua dos encantados

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FACULDADE INTEGRADA BRASIL AMAZÔNIA

LUIZ ANTONIO DE ALBUQUERQUE LINS FILHO

BOI DE TOQUINHO: Brinquedo de rua dos encantados

BELÉM 2013


LUIZ ANTONIO DE ALBUQUERQUE LINS FILHO

BOI DE TOQUINHO: Brinquedo de rua dos encantados

Monografia a apresentada ao Curso de História da Faculdade Integrada Brasil Amazônia como requisito parcial para obtenção de grau de licenciatura em História Orientador(a): Prof(a).MSC. Bagarrão Guedes

BELÉM 2013

Luana


Dados Internacionais de Catalogação de Publicação (CIP) Lins Filho, Luiz Antônio de Albuquerque Boi de Toquinho: brinquedo de rua dos encantados/ Luiz Antônio de Albuquerque Lins Filho; Orientador , Luana Guedes Barragão. – Belém, 2013. 71 f. Inclui bibliografias Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em História) Monografia – Faculdade Integrada Brasil Amazônia, Belém, 2013. 1 Boi de encantado. 2 tambor de mina 3 boi-bumbá 4 folguedo popular. I.Belém, Luana Barragão, orientadora.II. Titulo. CDD 21. ed. 320.8098115


LUIZ ANTONIO DE ALBUQUERQUE LINS FILHO

BOI DE TOQUINHO: Brinquedo de rua dos encantados

Monografia a apresentada ao Curso de História da Faculdade Integrada Brasil Amazônia como requisito parcial para obtenção grau de . Orientador(a): Prof(a) . MSC. Luana Bagarrão Guedes

Aprovado em: ________ Banca Examinadora Prof. Orientador - FIBRA Prof. Examinador - FIBRA Prof. Examinador - FIBRA Resultado: ___________

BELÉM 2013


Dedico esse trabalho Ă todos que constroem a cultura popular em Icoaraci agregando em seus conceitos valores sociais e ao meu tio Jacob Harder.


AGRADECIMENTOS

Mas que agradecimentos penso que esse é um espaço onde posso registrar todos aqueles que transformaram esse processo em algo prazeroso, enriquecedor e particularmente me proporcionaram em preencher meu intelecto com um chumaço de saber que me renovou ideias e olhar. Primeiramente à minha família sustentáculo que garantiu durante essa pesquisa o apoio, minha Mãe Jacy e meu velho pai Luiz e também minha tia Jurema Harder e meu tio Jack Harder que sempre me ajudaram muito a crescer como pessoa. Dentre as instituições foi fundamental o apoio institucional do Ministério da Educação, através da bolsa integral do “Programa Universidade para Todos” PROUNI, pois sem ela não teria “pernas” para ter acesso a uma graduação superior e instituição FIBRA que escolhi pelo reconhecimento do curso de historia. Dentre as casas de tambor de mina eu agradeço às pessoas de mãe Cléa, Aletéia, mãe Rosângela, pai Huevy, Maria, seu Maurício e todos os filhos e filhas de santo que contribuíram de alguma forma para construção desse trabalho. Também não posso esquecer aqueles que vivem no universo da encantaria que contribuíram para esse momento como seu Ceará que nos acolheu como o grupo de carimbó do boi de Toquinho, o próprio seu Toquinho, seu Tabajara na sua casa de mina, a família de Légua e entre eles a enorme contribuição de seu Dominguinhos para nosso esclarecimento sobre o boi de encantado e seu Folha Seca na pessoa de pai Aírton que também agradeço muito pela humildade e compreensão de receber e mostrar o universo do tambor de mina para um aprendiz nesse campo. E também todos os filhos e filhas de santo que vem todo ano para Belém fazer a festa do boi de Toquinho bem como especialmente para seu Ronaldinho compositor e cantador de boi. Dentro da FIBRA posso reconhecer a contribuição de todos os professores que estiveram como grande orientadores nos caminhos que traçamos para estarmos hoje no final dessa jornada entre eles o professores: Raimundo Diniz, Aldo Sampaio, Edílson Mateus, Professoras: Rosa Noronha, Gilma D'Aquino,


Maria do Socorro, Michelle Barros, Cláudia Regina e o nosso coordenador Renato Gimenes que me recebeu em um início conturbado devido ao meu trabalho artístico e pode me orientou da melhor forma. Bem como o professor Joaquim Nepomuceno qual tiver o prazer e honra de ser um dos alunos de um professor por vocação e dom e me ensinou que o oficio de sala de aula é muito mais que repassar conhecimento. Não poderia esquecer aos meus colegas que construíram

nesses

três

anos

compartilhamento

de

saber

que

muito

acrescentaram na minha formação. Em especial a professora Luana Guedes pela orientação para construção deste trabalho que muito contribuiu com suas correções. E ao regional Carimbó de Icoaraci do Espaço Cultural Coisas de Negro, qual minha participação foi fundamental para conhecer meu objeto de pesquisa.


RESUMO

No Brasil as variedades de brincar e nomear o auto popular do boi são das mais diversas, por todas as regiões do país, temos registros de sua presença na cultura popular de norte a sul, sempre com grande destaque dentre as outras manifestações que compõem os folguedos dessas regiões. Dentre as vertentes dessa brincadeira o “boi de encantado” é uma variante existente com forte atuação na cidade de São Luís do Maranhão. Onde consiste o elemento religioso agregado ao folguedo, distinguindo-o de todos os outros, sendo esse nosso objeto de análise, e sendo o “boi de toquinho” o representante dessa categoria de brinquedo que sera desvelado nos seus elementos de semelhança e diferença aos outros “bumbás”, desenvolvendo um registro acadêmico desse brinquedo na cidade de Belém. Utilizando-se da história oral através de entrevistas e registros áudio visuais do folguedo localizado na casa afro religiosa “Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy” no conjunto “Pedro Teixeira” na rod. Mario Covas. Fortalecendo o já rico leque de manifestações culturais na cidade de Belém e do estado do Pará. PALAVRAS-CHAVE: Boi de encantado; tambor de mina; boi-bumbá; folguedo popular; história; memória.


ABSTRACT

Brazil has the variety to play and name “auto popular do boi” are the most diverse, every region of the country have records about popular culture from north to south. Always highlighting others manifestations like “folguedos” these regions. Among the different strands, the “boi encantado” is an existing variant with strong influence in the city of São Luis state of Maranhão. It consists about the religious element aggregated to “folguedo” being distinguished of the others, this is the aim of this research and the “Boi toquinho” the mains representative of the category as a toy that will be revealed the similarities and differences between “bumbás”. By developing an academic record about this toy in the city of Belém. Making use of history told during interviews and audio/visual records of folguedo in the afro religious house “Abassá” of Mina Jejê of Toy Lissá and Abê Manjá Huevy” at Pedro Teixeira in Mario Covas Higway. Making the cultural manifestations stronger in the city of Belém, Pará. Keywords: Bullock enchanted; drum mine; boi-bumbá; popular merriment, history, memory.


Índice de ilustrações Ilustração 1: sincretismo: Imagens de santos católicos e entidades do tambor de mina......................................................................................................25 Ilustração 2: os chapéus de vaqueiro identificam os encantados da família de Légua Fonte: Lins Filho, 2012........................................................................27 Ilustração 3: Boi de Toquinho no salão do terreiro de pai Huevy...................43 Ilustração 4: um bolo - presente dado ao boi de Toquinho.............................48 Ilustração 5: o mourão sendo levado pelos encantados nas ruas do conjunto Pedro Teixeira........................................................................................................49


LISTA DE SIGLAS

IPHAN – Instituto do Patrimônio e Histórico Artístico Nacional UFMA – Universidade Federal do Maranhão UNICAMP – Universidade de Campinas


SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................12 2 CAPÍTULO I – APRESENTAÇÕES INTRODUTÓRIAS DA MINA NO MARANHÃO, PARÁ E AS CASAS DE IEMANJÁ, SOGBÔ E HUEVY …...........22 2.1 INTRODUTÓRIAS AO TAMBOR DE MINA ...................................................23 2.2 AS CASAS DE IEMANJÁ, SOGBÔ E “ABASSÁ DE MINA JEJÊ NAGÔ DE TOY LISSÁ E ABÊ MANJA HUEVY : ONDE SURGEM OS BOIS DA FAMÍLIA DE LÉGUA ..................................................................................................................26 3 CAPITULO II APRESENTAÇÕES INTRODUTÓRIAS DOS COMEÇOS DO BUMBÁ E OS SEUS DESDOBRAMENTOS ........................................................29 3.1 BOI-BUMBÁ: COMEÇOS E AS VARIANTES DO BRINQUEDO ....................30 3.2 O BUMBÁ E SUAS CONFIGURAÇÕES: “VADIOS”, “APADRINHADOS” À MANIFESTAÇÃO CULTURAL...............................................................................31 3.3. OS BOIS-BUMBÁS.........................................................................................33 3.3.1 A presença do bumba-meu-boi do Maranhão antes e agora : transposições …...........................................................................................................................35 4 CAPÍTULO III – BOI DE COMÉDIA E BOI DE ENCANTADO NA REGIÃO DE ICOARACI – CARACTERÍSTICAS E REPRESENTAÇÕES ...............................37 4.1 O BOI-BUMBÁ NA CULTURA DE ICOARACI …...........................................38 4.2 O BOI DE ENCANTADO.................................................................................40 4.3 BOI DE TOQUINHO : CHEGADA, FESTIVIDADE E FUDAMENTOS EM DIÁLOGO...............................................................................................................41 4.3.1 Festividade do caboclo Tabajara..................................................................42 4.3.2 Fundamentos do Boi de Toquinho................................................................43 5 CONSIDERAÇÕES...........................................................................................50 6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................51 7 FONTES ORAIS...............................................................................................54 8 ANEXOS...........................................................................................................55


12 INTRODUÇÃO

Essa pesquisa que faz parte do trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em História da Faculdade Integrada Brasil Amazônia, irá pesquisar sobre a manifestação cultural que ocorre na casa afro religiosa “Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy” localizada no conjunto Pedro Teixeira, próximo ao bairro de Icoaraci em Belém do Pará. “Boi Toquinho - o Brinquedo de rua dos Encantados” titula esse trabalho e trás o “boi de encantado” como tema principal para uma análise historiográfica e através dessa pesquisa tentar identificar, catalogar e registrar os elementos que compõem o folguedo, acrescentando esse brinquedo popular no rol de grupo de manifestações populares de Belém. Por meio da história oral, de pesquisas de campo fazendo registros áudio visuais do folguedo e entrevistas com os participantes e coparticipantes. Esse folguedo denominado de “boi toquinho” será tratada no decorrer do trabalho com as várias denominações encontradas na bibliografia pesquisada sobre o assunto, mas em grande parte do texto será chamado preferencialmente como “brinquedo”, termo usado por Bruno de Menezes em seu livro Boi Bumbá (auto popular) de 1972 e por entender que a brincadeira popular deriva de uma matriz inspiradora, “o brinquedo”, seja material ou imaterial. Considerando esse “boi de encantado” dentro do conceito de folguedo, por se caracterizar com elementos da dança dramática e do auto popular, próprios dos bumbás como relata Menezes (1993, p.51). Um prólogo nessa parágrafo se faz necessário para conhecer as razões inspiradoras que motivaram a tal processo, tendo em vista que é uma área que não era vivenciada até então por mim. Antes mesmo de vislumbrar a vida acadêmica, sempre atuei no campo musical da cultura popular, especificamente tocando carimbó com os grupos da “vila de Icoaraci” como: Balé Folclórico da Amazônia, grupo que tive oportunidade de aprimorar minha atuação nos palcos tocando dentro e fora do Brasil; Grupo Águia Negra, onde conheci um pouco sobre a história do carimbó na cidade de Belém; Mundé Qultural, grupo de experimentação de ritmos regionais que proporcionou experimentar outros


13 timbres nos ritmos regionais; Carimbó Cobra Coral meu primeiro grupo concebido através de um projeto de pesquisa que realizei pelo Instituto de Artes do Pará e o Carimbó de Icoaraci, grupo que se apresenta todos os domingos no Espaço Cultural Coisas de Negro e que foi pensado em ser um grupo acessível para as pessoas contratarem pra tocar em eventos familiares com um preço menor e um numero de músicos também menor, já que os grupos de carimbó possuem de 10 à 12 integrantes, o Carimbó de Icoaraci é formado por apenas 4 músicos. Logo, em meados de 2002, começamos a tocar nessa formação que deu bastante certo pro objetivo que era fazer retomar as apresentações ao vivo nesses pequenos eventos, haja visto que a música eletrônica feita por Dj's tomou conta desse mercado, por ter um custo mais baixo e a praticidade dos equipamentos. Mas o Carimbó de Icoaraci, conseguiu o espaço nesse mercado e muito se deve a um processo de valorização da cultura local, mas isso é debate para outra seara de pesquisa. Pois o importante para esse trabalho é dizer que foi através desse grupo que me fez ir de encontro com meu objeto de pesquisa. Tudo ocorreu de forma inusitada, pois naquele momento não pensava que poderia ser minha primeira dissertação acadêmica. Teve início através de um telefonema para contratar o Carimbó de Icoaraci, para uma apresentação no domingo e que seria para um grupo de maranhenses que viriam para Belém, a pessoa que nos ligou queria mostrar um pouco das músicas regionais para esses amigos e isso ocorreria no primeiro domingo de outubro próximo as festividades do Círio de Nazaré, que nos fez supor que seria um grupo que viriam especialmente passar as semanas do círio na cidade, esse detalhe não pareceu relevante suscitar no momento quando foi acertado os pormenores da apresentação. No domingo marcado, chegando na casa de Dona Cléia, local onde ocorreria a apresentação de carimbó, no portão de entrada vimos a casa cheia e muitas pessoas usando roupas que mais pareciam figurinos temáticos, que de imediato trouxe uma associação ao boi-bumbá, pois eram chapéus de vaqueiros e coletes decorados como os usados pelos brincantes do boi-bumbá. Ao entrar fomos recebidos por Maria, a pessoa que nos telefonou contratando nosso grupo, que se apresentou logo e posteriormente nos apresentou uma senhora, vestida de calças e blusa branca e chapéu, dizendo que era o “seu Ceará”, que nos cumprimentou muito festivamente e nos levou até o


14 espaço onde iriamos armar nossos equipamentos. Deduzindo, pela utilização do nome masculino à uma mulher, que se tratava de uma religião afro-brasileiras, mas até então meu conhecimento sobre o assunto vinha das minhas vivencias na união espirita durante alguns anos, algumas poucas leitura que já havia feito sobre religião afro-brasileira, uma delas era do livro “tambores de Aruanda” 1 que trata da visão dos espiritas sobre o assunto; da vivencia em algumas poucas vezes nas festividades de Iemanjá na vila de Icoaraci e Caratateua, apenas como curiosidade, outra referencia também é sobre o universo da encantaria que veio pela televisão no desfile da escola de samba Beija-flor em 1998, quando escolheu o tema que homenageava seu livro “O mundo místicos dos Caruanas e a revolta de sua ave” de Zeneida Lima (1992) que depois de um tempo me despertou o interesse na literatura em conhecer o universo da “pajelança” termo utilizado por Eduardo Enéas Gustavo Galvão, segundo nos conta Figueiredo (2009). Mas que não me davam conhecimento suficiente para identificar qual das religiões afrobrasileiras ele pertencia. Naquele momento foi apenas um diferencial de publico e que nos cabia apenas executar nosso trabalho musical que duraria 1h30 minutos como de costume. No decorrer da festa tivemos momentos de pausa e foi quando pude conversar mais com seu Ceará e conhecer mais detalhes daquela festa, justamente para poder durante os momentos da apresentação citar o nome das pessoas que organizaram como sempre é feito por nosso grupo nos eventos. Foi nesse momento que ela citou que se tratava de uma festa pela chegada de um boi do Maranhão para seu Toquinho, e que queria que eu cantasse uma música que ele tinha feito para o boi de seu toquinho. A música foi ensaiada no mesmo momento com o encantado Ceará cantando no microfone, pois ele queria, na chegada do boi, recebê-los com essa toada. Achando, também por suposição, que nossa apresentação era para um grupo de Bumba-meu-boi do Maranhão, os músicos concordaram em tocar até a chegada desse brinquedo com os grupo maranhense, pois nossa hora por contrato já havia terminado. Por volta de 17hs e 18hs, foi quando se escutou os pandeirões se aproximando todos ficaram alvoroçados na espera. Sua chegava foi ritualística, o seu Ceará junto com outras pessoas ficaram na frente do portão 1

INÁCIO, Angêlo [espírito]. Tambores de Aruanda: romance mediúnico /[psicografado] Robson Pinheiro – 2ª edição ed. Rev. E ampl. - Contagem, MG, Casa dos espíritos, 2006.


15 para dar as “boas vindas”. Ao chegar houve uma saudação sonora com rufos de pandeirões e matracas e foram entrando todos os brincantes e músicos e se postaram em frente aos curimbós do nosso conjunto e o boizinho se aproximou e rendeu homenagem e nesse momento o puxador do boi com uma voz poderosa, foi se apropriando do microfone e dando os comandos pra “rapaziada” ficar em silêncio. Ele agradeceu a acolhida e seu Ceará pegou o outro microfone e puxou sua toada ensaiado pouco tempo antes. Esse boi tem alazão tem cortejo e tem balão ele se chama boi toquinho de São Luís do Maranhão2

Durante alguns minutos eles cantaram suas toadas o boizinho que dançava foi recolhido para um sala e retornou trazido por e seu Ceará e outras pessoas para perto do espaço onde estava o nosso conjunto de carimbó, haviam colocado uma capa colorida sobre seu corpo e lá foi homenageado até o momento da saída dele junto com o mastro colorido carregado pelos brincantes que me fez lembrar a festa do mastro de são Pedro que ocorria em Icoaraci, saíram e o boi partiu para o ritual de matança. Terminamos a apresentação e saí de lá bastante impressionado com aquele formato de boi, onde nunca havia visto em Belém. Em 2011 durante o mês de Junho

fui contratado para um apresentação na casa de tambor de mina

comandada por seu Ceará localizada no conjunto Sideral, nesse evento ocorreu um imprevisto que foi a morte de uma pessoa querida pelo grupo da casa que fez com que a festa tivesse seu fim antecipada, não podendo pela ocasião ter mais contato sobre o evento que ocorria naquele momento. E fui reencontrá-los no mês de outubro na segunda festa do boi de Toquinho, já como o grupo de carimbó da festa do boi segundo o próprio encantado Ceará me contou naquele momento e no mais a festa ocorreu com os mesmos aspectos da primeira e creio que não precisarei estender-me aqui. E fui reencontrá-los em 2012, no mês de junho, para uma nova apresentação novamente no terreiro de tambor de mina do encantado Ceará no Conjunto Sideral. Chegando lá a festividade já havia começado e por chegar atrasado começamos a tocar, após o final da apresentação conversei com 2

Seu Ceará, Belém, out. 2010


16 encantado Ceará, perguntando sobre o festejo que estava acontecendo ali, e ele me contou que era a festa de batizado do boi de Toquinho. Nesse período eu já vinha pensando em meu trabalho de conclusão do curso de história, mas até aquele momento eu queria falar sobre algo relacionado ao carimbó. Foi quando perguntei se poderia escrever sobre o boi de Toquinho e no mesmo momento ele com autoridade me disse que sim e me pegou pela mão e me levou até o seu Toquinho falando que eu iria fazer um trabalho sobre seu boi, e o seu Toquinho assentiu me falando para comparecer na casa de Mãe Rosângela e lá conversar sobre tudo que acontece no seu boi. Importante frisar que este trabalho não quer levantar nenhum debate sobre a veracidade de aspectos identificados dessa prática religiosa e defendê-la, pois caberia uma discussão em outras áreas da ciência, que não é o caso deste trabalho. Nesse sentindo, nosso ponto é desenvolver um trabalho historiográfico sobre as particularidades e valores simbólicas e as representações desse brinquedo para seu grupo, as suas peculiaridades que se assemelham e o diferem dos outros bumbás existentes na cidade de Belém e identificar em outras casas de mina folguedos constituídos de mesma características. Para tanto, foi preciso conhecer sobre o tambor de mina e o Boi-bumbá, em especial no Pará, sendo essencial recorrer a autores que debatam temas próximos como: Bruno de Menezes (1993), Vicente Salles (2005), Luiz Leal (2011), Anaíza Vergolino (1976), Taíssa Luca (2007), Antônio Carlos Maranhão (1990), Dias Junior (2009), Mundicarmo Ferretti (2008), Gerson Lindoso (2006) e Sérgio Figueiredo Ferretti (1994) construídos em diversos formatos que passam por obras acadêmicas, literárias, institucionais e musicais. E para compreender o “boi de encantado” buscamos através dos dossiê “Complexo Cultural do Bumbameu-boi do Maranhão” organizado pelo IPHAN que tornou patrimônio cultural imaterial brasileira em 2011, onde consta uma excelente coletânea com os principais estudos sobre o tema e também os textos de Mundicarmo Ferretti (2008), Gerson Lindoso(2007) onde trata de dos folguedos realizados nas casas de mina; e tenho conhecimento de um trabalho feito por Sérgio Figueiredo Ferretti, “Boi de encantado no tambor de mina” apresentado no XIXª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia em Niterói no ano de 1994 que trata


17 especialmente do “boi de encantado” nos terreiros de tambor de mina do Maranhão mas que não pude obter tal trabalho até o presente momento. Importante salientar que dentro do processo de buscas de historiografias que pudessem tratar sobre o tema na academia, não tive contato com trabalhos feitos no Pará, que historicizassem os folguedos populares nas casas de mina como tema enfatizado nos trabalhos. O que obtive foi uma importante constatação da presença de elementos da religião afro-brasileiras em um curral de boi no trabalho de José Dias Junior (2009) que trata da cultura popular do Guamá especificamente o boi-bumbá, e nos relata um depoimento do amo de boi chamado Mestre Fabico e fala que: ““Cabocla Mariana”,[...]lhe revelou a necessidade de fundar o seu próprio boi, cujo nome seria o de uma “flor que dá em todas as fazes do ano”[...]além da proteção e “bons guias” nas andanças do bumbá pela cidade[...]com orações e passes dados por “pais de santos” nos currais[...]” (DIAS JUNIOR, 2009, p.94)

No texto não identificamos se o pai de santo citado está ou não em transe mediúnico, já que nosso trabalho também busca mostrar a presença de encantados na brincadeira do boi, mas podemos tirar uma proveitosa contribuição de Dias Junior ao identificar a presença afro religiosa na brincadeira do boi de mestre Fabico. Das questões levantadas as principais giram em torno, como se deu esse começo da brincadeira do folguedo de boi de encantado nas casas de tambor de mina em Belém? As relações que as casas de tambor de mina Ilê Axé de Iemanjá e Ilê Axé Ogum Sobgô com a casa grande Huevy e seus desdobramentos que culminam com o surgimento de boi de Toquinho em Belém ? Analisar e compreender as características do folguedo existente em Icoaraci e do boi de Toquinho? Tentando assim visualizar noções básica dos folguedos populares dentro da região de Icoaraci, e trazendo outras questões a serem respondidas que aportam no campo dos estudos do boi-bumbá em Belém, que são as diferenças do boi-bumbá junino de Belém para o boi de encantado? Quais suas semelhanças na estrutura e quais suas peculiaridades? Em especial quais as diferenças do boi-bumbá descrito e analisado por Vicente Salles, Bruno de Menezes, Luiz Augusto Pinheiro Leal e José do Espirito Santo Dias Júnior desse


18 brinquedo de encantado vivenciado no terreiro de tambor de mina na casa de mãe Rosângela e pai Huevy no conjunto Pedro Teixeira? As construções de trabalhos acadêmicos atualmente podem ter um auxílio extraordinário da revolução comunicacional dos últimos anos, com ela o tempo e o espaço sofrem uma variação bastante favorável aos pesquisadores, tudo por conta da existência do universo virtual proporcionado pela internet onde pude colher materiais de pesquisas dos mais variados formatos. Dentre alguns posso citar a fulcral importância dos trabalhos de pós-graduação encontrados nas páginas virtuais das universidades como exemplo da UFMA e da UNICAMP; dos artigos

específicos

em

páginas

virtuais

de

congressos;

pelas

revistas

especializadas com publicação virtual; vídeos documentários no youtube. A internet e as ferramentas comunicacionais e digitais como: netbook, celular, câmera digital tiveram papel importante no tempo de duração da sua construção propiciando facilidade e rapidez em uma serie de etapas como classificações e ordem alfabéticas e numéricas, formatação, edição de imagens, conversão de arquivos de áudio, marcação em textos em arquivos de extensão em PDF, entre outros. A história oral foi importante para o desenvolvimento desse trabalho principalmente por questões que foram consideradas básicas para uma melhor coleta de informações. Pois o grupo detentor do objeto de estudo possui um modo peculiar de trabalhar sua construção de memória. E para isso é necessário compreender que existe uma riqueza diversa de se trabalhar a história oral como nos conta AMADO E FERREIRA: “o fato de a história oral ser largamente praticada fora do mundo acadêmico, entre grupos e comunidades interessados em recuperar e construir sua própria memória, tem gerado tensões, pois as perspectivas, os objetivos e os modos de trabalho de acadêmicos e não-acadêmicos podem diferir muito; essa pluralidade (uma das marcas da história oral em todo o mundo), quando aceita, pode gerar um rico diálogo, raramente presente em outras áreas da história” (AMADO e FERREIRA, 2002, p.xv)

Através dessa sugestão de perceber e praticar esse diálogo, propõem-se nesse trabalho uma prática que passeie entre os campos da teorias e das vivencias, da acadêmia e do grupo em questão e de minha própria experiencia como sujeito participante, como uma das ferramentas metodológicas de captação das informações necessárias e essenciais para o levantamento do objeto de


19 pesquisa e seus sujeitos geradores e participantes para construção de um significativo material documental tendo o cuidado no trato com os informantes, esses tradicionalmente reservados ao seu grupo quando se trata dos ritos religiosos. Outro ponto importante foi de observar as questões interpretativas como nos alerta AMADO e FERREIRA, quando diz: “na história oral, existe a geração de documentos (entrevistas) que possuem uma característica singular: são resultado do diálogo entre entrevistador e entrevistado, entre sujeito e objeto de estudo; isso leva o historiador a afastar-se de interpretações fundadas numa rígida separação entre sujeito e objeto de pesquisa, e a buscar caminhos alternativos de interpretação”(AMADO e FERREIRA, 2002, p.xv)

As interpretações no caso do material relacionado ao tambor de mina partiram de uma mescla de análises comparativas das observações de trabalhos antropológicos com as entrevistas dos participantes e atividades do terreiro e foram bastante uteis e ajudaram nos preenchimentos da ficha de referencial teórico e do conteúdo propriamente dito do trabalho e no caso das pesquisa sobre os folguedos de boi e aprofundando mais sobre o boi bumbá em Belém, partir em grande parte da literatura referencia sobre o assunto e da própria memória da vivência na cultura popular em Icoaraci e entrevistas com pessoas de grupos de boi bumbá de Icoaraci. Em Thompson pude assentar a melhor maneira de criar uma metodologia de entrevistas desde a pesquisa exploratória para identificar os possíveis entrevistados até a busca antecipada de um conhecimento básico sobre o tema. ”Com ajuda destas, pode-se definir o problema e localizar algumas fontes para resolvê-lo”(THOMPSON, 1992, p.254) Tratando-se de um folguedo, é natural que esse trabalho tenha uma enfase na história cultural e para tanto as utilizaremos as noções que a “nova historia cultural” proposta por Lynn Hunt que nos indica como caminho uma nova forma de realocar a cultura em um patamar de grande importância no campo dos estudos da história, onde destaca os elementos culturais sobre os outros de caráter políticos e econômicos por exemplo, mostrando “[...]o papel decisivo da cultura como força motivadora da transformação histórica.” (HUNT, 2001, p.66) Como nos primeiros capítulos adentraremos nos campos específicos do boibumbá e do tambor de mina, faz-se necessário citar os primeiros caminhos, aqui chamados neste trabalho de “começos” que esses percorreram até chegar os dias


20 atuais, explicitando que a utilização do termo “começos” foi captada de palavras do livro “A nova história cultural” de Lynn Hunt(2001) quando interpreta Foucault e esclarece sobre sua ideia de poder e perpassa também sobre sua forma de ver origem e começo,

“As origens implicam em causas; os começos implicam

diferenças.”(HUNT, 2001, p.49) e por esse pontos de diferenças que identificamse os “começos” encontrados nos estudos anteriores pode-se fazer um melhor esclarecimento desse imbrincado para essas cronologias, de certa forma, sobre esses dois universos tão distintos da nossa cultura. Os estudos sobre religiões afro brasileiras em Belém são constituídos, segundo Aldrin de Moura de Figueiredo, em seu trabalho “A cidade dos encantados” (1996) em dois momentos, que ele denomina como “genealogias”: “[...]a constituição das duas genealogias que ficaram fortemente cristalizadas como “mitos de origem” do campo de estudos sobre as religiões populares da Amazônia. A tese de Galvão em relação a pajelança e a obra de Alvarenga acerca do campo afro marcaram, desse modo, para as gerações posteriores, a “descoberta” das manifestações religiosas do caboclo e do negro amazônicos.”(1996, p.34)

Através desse estudo sobre essas “duas genealogias”, percebemos que a compreensão da historiografia sobre o tambor de mina em Belém, escrita nesse trabalho será melhor elucidada para o entendimento no decorrer da leitura, onde iremos mostrar os trabalhos que trouxeram o tema para academia e nortearam, em grande parte, essa pesquisa. Em tratando-se da “genealogia” proposta por Figueiredo, buscou-se evidenciar a cronologia dos trabalhos de forma em criar um texto de introdução que pudesse explicar os principais conceitos e elementos que desenham os contornos básicos sobre o tambor de mina. É importante frisar que o trabalho de Aldrin Figueiredo, apesar de tratar da “pajelança” em Belém, tem como base metodológica formadora de sua ideia de genealogia, a busca nas fronteiras analisando-as e construindo seus questionamentos dos “processos de cristalização” encontrados nos trabalhos acadêmicos sobre essas religiões que são vivenciadas na amazônia, utilizando como base conceitual para parte introdutória dessa pesquisa. Em semelhante constituição se deu a busca de construção sobre visão introdutória do boi-bumbá buscando desenvolver uma cronologia através dos autores que se debruçaram sobre esse tema e trazem os contextos que se


21 formaram em diferentes momentos e modelos. Até adentrar nos campos do objeto de pesquisa. Para isso dividiremos esse trabalho em três capítulos, onde o primeiro tratará das características do tambor de mina de forma introdutória, pontuando sua chegada ao Maranhão e posteriormente à Belém para depois percebermos as conexões das casas de mina Ilê Axé de Iemanjá, Ilê Axé Ogum Sogbô e casa grande Huevy3 através dos seus dirigentes e as possíveis razões que geraram a transposição4 do boi de encantado para Belém. No segundo capitulo abarca os começos do boi-bumbá no Pará, tratando questões introdutórias do folguedo, transposição e as transformações como forma de manutenção do brinquedo. Logo depois aproximar o olhar para esse folguedo na região de Icoaraci, em especial as representações destes comparando-as com o boi de Toquinho. No último capítulo traremos dos elementos e das representações do boi de Toquinho no universo ritual da casa de mina Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy e o folguedo em si, enquanto manifestação da cultura popular comparando todo o contexto que envolve o folguedo aos outros brinquedos já existentes em Belém, para poder visualizar suas especificidades que lhe dá características únicas, entre elas a dos encantados como brincantes do folguedo.

3 Nome usado para referir-se a Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy 4

Referente a ideia de Vicente Salles sobre o boi-bumbá no Pará.


22

CAPÍTULO I Apresentações introdutórias da mina no Maranhão, Pará e as casas de Iemanjá, Sogbô e Huevy e suas relações que geram o boi de Toquinho


23 Neste capítulo iremos fazer uma breve introdução ao universo do tambor de mina através de uma diálogo entre Mundicarmo Ferretti e Alberto da Costa e Silva,

que se complementam mostrando a trajetória dos fundadores da Mina no

Maranhão, avançando no entendimento sobre as entidades que formam o panteão mineiro e as relações dentro do terreiro, abordando o elemento da coletividade onde nos percebemos esses aspectos dentro da casa “Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy”. Logo depois nosso campo de pesquisa será direcionado para o Pará, pois nosso foco é a casa de tambor de mina em Belém, faremos um diálogo por meio de uma demarcação utilizando o trabalho de Luca, que enfatiza as etapas que o tambor de mina percorreram no Pará, para identificar na pessoa de mãe Rosângela para compreender a casa “Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy” dentro desse universo do tambor de mina e as possíveis razões que levaram o surgimento do folguedo do Boi de Toquinho na casa de tambor de mina através da ligação com as casas Ilê Axé de Iemanjá e Ilê Axé Ogum Sogbô.

INTRODUTÓRIAS AO TAMBOR DE MINA

“Tambor-de-Mina, ou simplesmente Mina, é uma denominação da religião afro-brasileira surgida no Século XIX, na capital maranhense, onde continua sendo hegemônica. Além de muito difundida no Pará, é encontrada em outros Estados do Norte e do Nordeste e em grandes cidades brasileiras (como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília) para onde foi levada principalmente por migrantes do Maranhão e do Pará. Na Mina as entidades espirituais africanas são genericamente denominadas "voduns", o que mostra a influência recebida da Casa das Minas, terreiro jeje fundado em São Luís por membros da família real do Daomé, considerado o mais antigo.” (FERRETTI, 2008, p.2)

Com as guerras entre daomeanos e iorubás o tráfico negreiro abastecia-se e lucrava trazendo como produto os negros vencidos nas guerras interétnicas entre esses dois grupos que possuem em suas culturas as crenças aos “voduns” e “orixás”. Preenchendo as colonias americanas, especificamente Brasil, Cuba, Venezuela e parte do caribe5, com algo mais que apenas escravos, trouxeram 5

Referente as guerras interétnicas pelo historiador Alberto da Costa e Silva em entrevista para o documentário Atlântico Ne Negro – rota dos Orixás, BARBIERI,Renato,1998, vídeo : 14:14


24 uma riqueza de elementos culturais que formaria a base brasileira como vemos na presença do tambor de mina. Essa foi sincretizada ao catolicismo pela forte influencia que a igreja católica como discute a edição nº 2 da Revista Plural (2012, p. 9 ) e como podemos observar na imagem abaixo:

Ilustração 1: sincretismo: Imagens de santos católicos e entidades do tambor de mina Fonte: Lins Filho, 2013 No Maranhão o culto aos “voduns”6 é realizado desde o século XIX com a chegada dos primeiros escravos trazidos da costa do Benim e que lá estabeleceram suas tradições religiosas. No vídeo “Atlântico Negro – rota dos Orixás” trás informações esclarecedoras sobre o universo espiritual do tambor de mina e seu caráter socializador, através das suas matrizes africanas verificamos características rituais preservados nos terreiros de tambor de mina, onde citam características sobre o culto dos voduns e contam que: “No Benim e na Nigéria encontram-se as principais raízes dos cultos religiosos, o candomblé da Bahia, o Xangô de Pernambucano e o Tambor de Mina do Maranhão possuem fortes vínculos de origem com as crenças religiosas dos povos de língua Iorubá e Fon [...]a religião dos voduns diz respeito a coletividade não ao indivíduo, o vodun é uma espécie de anjo da guarda de uma comunidade seja ela, uma família, uma aldeia ou um reino[...] ” (BARBIERI, Renato,1998, vídeo: 7:52) 6

Entidades cultuadas no tambor de mina ver: FERRETTI, Mundicarmo, tambor de mina e umbanda – culto aos cabocos do Maranhão, 1984


25

Essa ligação baseada na ideia de família, de reino, de aldeia está também na própria construção do panteão dessas entidades em um intrincado organograma que vai de caboclos, fidalgos, voduns e orixás. Podemos identificar que essa ideia de coletividade citada dos “mineiros” 7 é algo presente nas casas de mina em Belém, percebida nas relações entre os membros da casa “Abassá de Mina Jejê Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá Huevy” e membros de outras casa de tambor de mina que em visita aparecem nos dias de rituais como convidados. Nas próprias terminologias usadas entre o chefe da casa e seus integrantes, quando se referem entre eles utilizando de termos que remetem à uma organização familiar tradicional: pai de santo, mãe de santo, filhos de santo, irmão de santo e irmã de santo. No Pará segundo Taissa Tavernard de Luca (2007) o tambor de mina é identificado em duas etapas. “Foi do Maranhão que os religiosos afro-brasileiros migraram para Belém, em duas etapas; a primeira composta pelos religiosos maranhenses migrantes da economia gomífera e a segunda constituída por paraenses que foram para o Maranhão buscar iniciação durante a década de 70 e 80 do século XX.” (LUCA, 2007, p.5)

Dessas duas etapas descritas, buscamos as referências sobre a casa grande Huevy para analisarmos a relação de mãe Rosângela com os lideres das casas de minas maranhenses, pai Jorge Itaci e pai Aírton. E até mesmo sugerir desse ponto um começo que pegaremos as descrições para elucidar ao que foi desencadear no folguedo do boi de Toquinho.

7

Termo dado a pessoa que faz parte do tambor de mina ver : SILVA, Anaíza, Tambor das flores, uma análise da Federação Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Pará (1965-1975). 1976. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1976. 272p.


26 AS CASAS DE IEMANJÁ, SOGBÔ E “ABASSÁ DE MINA JEJÊ NAGÔ DE TOY LISSÁ E ABÊ MANJÁ HUEVY”: ONDE SURGEM OS BOIS DA FAMÍLIA DE LÉGUA

Sob os comandos de mãe Rosângela e pai Huevy, a casa de tambor de mina do conjunto Pedro Teixeira tem como seu chefe espiritual o encantado Tabajara, que em uma hierarquia da própria casa fica acima de todos as outras entidades espirituais, entre elas a família de Turquia, de bandeira e a de Légua 8. Essa última bastante conhecida por seus encantados vaqueiros, muito festeiros e que apreciam bebidas e o bumba-meu-boi. (LINDOSO, 2006). Como podemos ver na imagem abaixo a família de Légua na festividade do boi de Toquinho na casa grande Huevy.

Ilustração 2: os chapéus de vaqueiro identificam os encantados da família de Légua Fonte: Lins Filho, 2012 Pai Huevy é filho de pai Aluísio Brasil e Mãe Rosângela, portanto filho biológico de duas importantes representações do tambor de mina em Belém. Os dois são citados por Luca (2007) em seu trabalho como integrantes de um grupo que fez parte dentro do processo de aproximação aos primeiros terreiros maranhenses, em que pai Aluísio Brasil e Mãe Rosângela foram incorporados a 8

Vodum cambinda, encantado das matas de Codó, é o líder uma numerosa família de caboclos; no terreiro de Iemanjá, é o dono da Festa de Boi de encantado.


27 linhagem do famoso “Pai Jorge de Itaci de Oliveira – do Ilê Axé de Iemanjá – descendente de Massinokô-Alapong, iniciado por Maria Pia. Incluindo-se, portanto na descendência dos Terreiros do Egito” (LUCA, 2007, p.13). Entendemos que isso se tratava da busca de um fortalecimento de suas raízes dentro da religião do tambor de mina. No terreiro de pai Jorge de Itaci, também fez seus fundamentos na mina o irmão de santo, hoje conhecido como pai Aírton. da casa Ilê Axé Ogum Sogbô que tem o Folha Seca da família de Légua o encantado chefe da casa e dos demais encantados. E, por ocasião de uma viagem de Aletéia para São Luís, que é filha de santo de mãe Rosângela e também sua filha biológica, conheceu pai Aírton, proporcionando o reencontro deles depois de muito anos. Retornando à Belém contou a mãe Rosângela do encontro com seu irmão de santo dos tempos de Pai Jorge de Itaci de Oliveira, fazendo nascer naquela época, um vínculo com as duas casas. Pai Aírton veio à Belém em janeiro de 2009, para participar, como padrinho das obrigações de Aletéia. Em outubro do mesmo ano pai Aírton. convidou mãe Rosângela para participar dos festejos de 25 anos da sua casa, onde também ocorreriam os festejos do divino espirito santo e do boi de encantado “Orgulho de Codó” do encantado da casa chamado Dominguinhos de Légua. E foi nesta festa do boi de Dominguinhos que seu Toquinho, recebeu a promessa de receber de Dominguinhos, com a permissão de pai Folha Seca, um boizinho para brincar em Belém. E esses encantados já citados9 todos são da família de Légua, que tem por tradição a brincadeira do boi de encantado e não por acaso pai Aírton e mãe Rosângela, são filhos de santo de Pai Jorge de Itaci, já falecido, que também recebia em transe o encantado Légua Boji Buá e realizava a festa de boi de encantado em sua casa, inclusive fazendo parte de seu calendário anual, como mostra na revista Plural nº2 (2012, p.21). Identificamos essas correlações através da fala do encantado Martinho de Légua que nos disse: “Pra fazer parte de todo esse aspecto cultural vamos dizer é dado das nossas raízes que tão em São Luiz, descendente da casa da fé em Deus de pai jorge de Iemanjá 10 que já se acoco11”( Martinho, na cabeça de pai Huevy, em entrevista concedida no dia 21 9 Dominguinhos, Folha Seca, Toquinho, Ceará. 10 Pai Jorge Itaci de Oliveira 11 Referencia do encantado para dizer “faleceu”


28 de outubro 2012 ) nos trazendo um complemento a ideia que o boi faz parte de uma tradição transmitida. Interessante analisar que no terreiro de Iemanjá de Pai Jorge Babalaô, como é denominado Pai Jorge de Itaci de Oliveira pelos seus filhos de santo, é brincado o boi de encantado “Prometido de São João e Flor do Mar” (Lindoso, 2006, p.14), folguedo com ritual que começa em Junho com o batizado do bumbameu-boi e seu final no segundo domingo de novembro com o tambor para morte do boi, como vemos na revista Plural nº2 (2012). Podemos supor que tanto o boi de encantado de seu Dominguinho na crôa12 de seu Leandro brincado no terreiro de pai Aírton, quanto o boi de Toquinho, atualmente festejado na casa de mãe Rosângela, através do relato do encantado Martinho de Légua

já dito a acima, possuem de certo modo

associação a esse primeiro brinquedo realizado pelos encantados da família de Légua na casa de Pai Jorge Babalaô, já que os dois, Aírton e Rosângela, são descendentes do terreiro de Iemanjá. Sobre esses dois brinquedos iremos na busca de identificar esses “começos” para encontrarmos nos seus caminhos os pontos de interligações que trazem dentro universo intricado dos encantados do tambor de mina, um elemento comum entre eles e do boi de Toquinho em Belém saber suas peculiaridades com os bumbás que já são brincados aqui. Mas para percebermos mais claramente isso, só será possível se entendermos o folguedo do boi, principalmente o boi de encantado no Maranhão e essa manifestação vinda para o Pará através do boi de Toquinho.

12 Ori – crôa ou cabeça do medium ver: MOTA NETO, José Colares. A Educação no Cotidiano do Terreiro: Saberes e Práticas Culturais do Tambor de Mina na Amazônia/ João Colares da Mota Neto; Orientadora Maria Betânia Barbosa Albuquerque. ___ Belém: [s.n.], 2008. 193f.


29

CAPÍTULO II Apresentações introdutórias dos começos do bumbá e os seus desdobramentos


30 Nesse capítulo faremos uma breve introdução ao mundo dos folguedos de boi, que são identificados em todas as regiões do Brasil, no intuito de mostrar a grande

diversidade

que

esse

brinquedo

possui.

Ressaltando

aspectos

característicos de cada boi em cada localidade. Posteriormente, neste capitulo, discutiremos a historiografia sobre o boi, tendo por base as obras de Vicente Salles (2004) que mostra o antecessor do que hoje conhecemos como boi-bumbá no Pará, e através das caracterizações feitas por Salles e Bruno de Menezes (1993),

tentar compreender o bumbá daquele período, dialogando com Dias

Junior (2006) que mostra as adaptações e suas motivações do bumbá ao longo dos tempos, até o que identificamos hoje como manifestação cultural complementando esse histórico. Focalizando em especial nas manifestações de bois recorrentes na região de Icoaraci e seu entorno. Nosso objetivo é contrastar esses elementos configurativos que constrói o conceito do bumbá em Icoaraci com o boi de Toquinho, objeto de nossa análise, mas antes vamos compreender esse brinquedo através de alguns autores importantes que escreveram conceitos e características que os compõem.

BOI-BUMBÁ: COMEÇOS E AS VARIANTES DO BRINQUEDO

A brincadeira de boi se confunde com as origens dos folguedos populares no Brasil e percorreu, durante séculos, dentro do país espalhou-se de norte à sul junto às camadas populares chegando até os dias de hoje. Das primeiras referências recolhidas em estudo encontradas sobre o assunto: “A mais antiga menção do bumba-meu-boi apareceu em “O Carapuceiro”, Recife, jornal do padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, de 22/02/1834, sob o título “o que he o bumba meu boi”. Da explicação do padre, ficamos sabendo desde logo que era um folguedo de negros escravos constituído com figuras, bailados e enredo merecedores de censura, por que perturbadores da ordem, incomodando não pouco pela algazarra que faziam. (SALLES, 2004, p.194)

Essas figuras, bailados e enredos são identificados no período regencial do Brasil e nos mostra a presença de elementos básicos tem origens remotas, mas que até hoje são visualizados em todos os folguedos de boi identificados nas


31 pesquisas que atualmente podemos observar nas brincadeiras em Belém, Recife, São Luís, Santa Catarina, Teresina, entre outros.

O bumbá e suas configurações: “vadios”, “apadrinhados” à manifestação cultural

No século XIX, o boi-bumbá em Belém tinha características bem diferentes do que hoje conhecemos o folguedo, sua configuração era voltada para rua e havia uma demarcação de áreas de apresentação dentro da cidade, e uma rivalidade alimentada pela violência que remontavam memórias ancestrais das guerras interétnicas africanas configuradas dentro da estrutura do boi-bumbá (DIAS JUNIOR, 2009) por ter grande parte de seus integrantes descendentes de escravos africanos e nesse período o “folguedo do boi bumbá esteve ligado à vadiagem e a capoeiragem, traços marcantes de identificação desta manifestação folclórica na cidade de Belém”(DIAS JUNIOR, 2009, p.96). Pode-se ter desse período uma visão ampla dos elementos característicos que montam a identidade desse folguedo, através do esquema construído e enumerado por Salles: “Concluí que tais notícias mostrava características inconfundíveis do folguedo no Pará: 1. a denominação histórica local, bumbá ou boi-bumbá; 2. Época de exibição, mês de junho; 3. brincantes, negros escravos; 4. distúrbios, resultando em cacetadas e facadas; 5. antiguidade e disseminação, meados do século em diferentes locais, Belém e Óbidos, cidades bastante distanciadas; 6. medidas repressivas expressas nos códigos de postura; 7. polícia como coatora; 8. oposição (luta de classes). E adiciono agora: 9. A imprensa como porta-voz das reclamações (da classe dominante), a nascente mídia a serviço dos poderosos.”(SALLES, 2004, p.196)

No esquema montado acima podemos identificar a ideia que Salles incrementa no folguedo constituindo o que seria o corpo conceitual desse boibumbá no Pará nesse período, distinguido muito claramente em uma polarização das tensões sociais entre a classe pobre de negros e a elite e poderosos; o boi bumbá versus mídia e a polícia.


32 Porém, mesmo com intensa repressão por parte da polícia e da mídia, o bumbá não deixa de existir, apenas passa por uma transformação em sua estrutura e começa a ser brincado no “terreiro ou curral”, denominação utilizada para o espaço onde ocorriam as brincadeiras do bumbá. Detalhes desse folguedo reconfigurados pelas tensões que antecederam a esse novo momento, são descritas com riqueza por Bruno de Menezes no capítulo “O ambiente do terreiro do bumbá”. “O terreiro[...], enfeitado de bandeirinhas de côr,[...] tapetado de folhas de mangueira, com moirões de açaizeiros […] iluminação do recinto, com résteas de luar auxiliando os morrões de lamparinas de querozene[...] rapazotes correndo atrás das “bichas”, dos “espanta-coiós” 13[...] mulatas transcalantes se apresentam para acompanhar o “boi”, a outros bairros, a “currais” amigos, à casa de padrinhos, de pessoas importantes que o “boi de fama” vai homenagear […] vendas de munguza, de tacacá, de caruru, de meio índio-africanas […] no ar circulam cheiro forte de ervas da quadra junina, de resinas mandigueiras. Moças e rapazes com verdes “capelas de São João”,[...] aguarda, [...]o primeiro ato, que é a dança do terreiro, antes da saída, ou da continuação da peça, se o desempenho se fizer ali mesmo.”(MENEZES, 1972, p.57)

Podemos perceber pela rica descrição que Menezes faz sobre o boi esse “segundo momento”, definição encontrada em Dias Junior (2009, p.99) que o folguedo se ajusta ganhando outros elementos que tornam sua mobilidade pelos espaços públicos quase nula, se não fosse pelas apresentações nas casas dos chamados “padrinhos” e as “pessoas importantes”. E notamos que a elite, na personificação desses “padrinhos” e “homenageados” agora faz-se presente acerca do brinquedo e permitem a brincadeira em suas casas como forma de homenagem, assim podemos supor que isso poderia ser desdobramentos sociais dos processos gerados pelas relações denominado por Luiz Augusto Pinheiro Leal (2011) de “capangagem”, que eram as relações de políticos com os capoeiras no período anterior como mostra de forma bem elucidado pelo mesmo autor em seu trabalho no capítulo “Entre capangas e amos de boi” : “O senador era Antônio Lemos, e o caso, mais uma das “missões” ordenadas pelo intendente e que deveria ficar em sigilo. Caso o capanga fosse preso não deveria, em hipótese alguma, revelar o nome do mandante. Pé-de-Bola era um dos capangas do intendente, mas não era o único. Destacava-se, juntamente com Antônio Marcelino, por trazer em si o paradoxo da ordem e da desordem em suas atividades de capanga ligado ao poder público. Além de hábeis capoeiras, ambos eram 13 Peças pirotécnicas que faz barulho e espalha faísca, usada nos festejos de São João verificado em dois sites dicionários http://dicionario.webix.com.br/espanta-coio.html e http://www.dicio.com.br/espanta-coio/


33 lideranças entre os brincantes dos bois-bumbá que existiam na cidade”(LEAL, 2011, p.252)

Podemos alvitrar que dessas ligações dos políticos com esses capoeiras que possuíam liderança dentro dos grupos dos bois que pertenciam, desencadearam as construções dos primeiros apadrinhamentos e homenagens que começaram a se delinear e passaram a ser parte do universo do folguedo nessa segunda etapa. No período que decorre a essas mudanças que amenizam as tensões sociais, outro cenário surgi revigorando o folguedo e lhe colocando agora em um patamar de elemento importante na cultura da cidade lhe dando status de manifestação cultural. Nos anos que a cultura passa a ter um caráter de prestígio depois do “I Congresso Brasileiro de Folclóre” em 1951 no Rio de Janeiro, as manifestações culturais começam a ser vistas e analisadas como fator importante na construção da sociedade e dentro desse contexto um trabalho importante nos localiza sobre essas novas caracterizações. “É neste contexto que se verifica a aproximação entre o poder público e as manifestações folclóricas em Belém, por meio de políticas de subvenção e da promoção de eventos oficiais que congregaram os diversos folguedos existentes na cidade. São criados então os “Festivais” e “Concursos” oficiais de folguedos juninos (foto 19) organizados pelo departamento de Cultura e Turismo do Município de Belém (DETUR), destacando-se os “Festivais de Pássaros e Bois Bumbas” realizados no “Bosque Rodrigues Alves” e no “Teatro São Cristovam”, muito disputados em Belém entre as décadas de 1960 e 1980”.(DIAS JUNIOR, 2009, p.103)

Sem dúvida é quando o boi-bumbá passa de “vilão” da sociedade para folguedo cultural apreciado pelos intelectuais em todo o país, lhe conferindo valores e status de manifestação da cultura brasileira reconhecida e apoiada pelas instituições públicas dos governos.

OS BOIS-BUMBÁS :

O IPHAN (2011) mostra que existe atualmente uma grande quantidade de variantes de nomes e maneiras de brincar o boi. Algumas possuem estruturas


34 mais simples, feitas das brincadeiras nos espaços públicos e nos chamados “currais” como o boi de mamão, em Santa Catarina, e o boi bumbá, no Pará, até as mais grandiosas como os bois de carnaval do Maranhão e o festival folclórico de Parintins14 onde o boi Caprichoso e o boi Garantido fazem suas apresentações em um “bumbodrómo”15. Mas é notado que todas essas vertentes do folguedo trazem em sua referencia principal o boi: 'Há registros de brincadeiras de boi em todas as regiões do Brasil, com as especificidades que dão conformidade diferente a uma mesma expressão cultural cuja denominação pode variar de acordo com o lugar de ocorrência. Bumba-meu-boi, Boi-bumbá, Boi Surubi, Boi Calemba, Boi-de-mamão, Boi Pintadinho, Boi Maiadinho, Boizinho, Boi Barroso, Boi Canário, Boi Jaraguá, Boi de Canastra, Boi de Fita, Boi Humaitá, Boi de Reis, Reis de Boi, Boi Araçá, Boi Pitanga, Boi Espaço e Boi de Jacá são algumas das terminologias que a brincadeira do boi, com suas diferenças e similitudes, recebe nos mais diferentes estados do Brasil'. (IPHAN, 2011, p.17)

Percebemos um grande número de variantes de se nomear o folguedo do boi no nosso país. O termo no Pará é explicitado em um estudo sobre sua terminologia na obra de Vicente Salles que nos conta que: “Ao transpor a fronteira para o Pará, isto é, ao adentrar-se na Amazônia, denomina-se boi-bumbá. Esse fenômeno linguístico nunca foi explicado, mas certamente tem origem na voz africana bumba, instrumento de percussão, tambor, que pode derivar do quicongo mbumba, bater,como explica Nei Lopes¹ ou redução, no mesmo caso, de zabumba, pancanda, tambor grande[...] A forma acutizada, bumbá, aparentemente deriva do verbo aportuguesado bumbar, bater tambor[...] Mas o fenômeno não é apenas linguístico. Tampouco recente. Boi-bumbá já é denominação dada ao folguedo, no Pará, em notícias descoladas de jornais de Belém de 1850.” (SALLES, 2004, p.195)

Salles ainda nos trás a ideia da variação etimológica do termo bumbá, buscando pela diferença o encontro de um possível começo no Pará da denominação boi-bumbá ao invés de bumba-meu-boi. Em todas as variantes dessa brincadeira16, o boi é o centro da brincadeira, pois desde a preparação do 14 Cidade localizada no estado do Amazonas 15 Tipo de estádio como formato de uma cabeça de boi estilizada, com capacidade para 35 mil pessoas. Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Festival_Folcl%C3%B3rico_de_Parintins 16 O boi-de-mamão com ocorrência em Santa Cartarina onde sua mais destacada peculiaridade é a Bernúcia; o boi de caixa com ocorrência no estado do Piauí onde o instrumento música é um tambor quadrado que lembra uma caixa; os bois Garantido e Caprichoso de Paritins no Amazônas onde destacamos o “Bumbodromo” uma espaço de apresentação competitiva entre os dois; o bumba-meu-boi do Maranhão que possui local onde se possui maior número de variantes desse folguedo como o boi de orquestra, boi de zabumba, boi de matraca e dentre esses as modalidades de boi que são: boi de verão, boi de carnaval, boi de promessa, boi de encantado.(IPHAN, 2011, p.10)


35 folguedo existe um cuidado que gira em torno do boi, até mesmo nos grupos mais estilizados onde percebe-se uma minimização de atuação do brinquedo em partes dos processos do folguedo.

A presença do bumba-meu-boi do Maranhão antes e agora : transposições

Salles (2004) também sucinta a ideia de transposição da brincadeira do boi pelas fronteiras do Maranhão para região, importante centro de manifestação do folguedo. Verificamos que o estado maranhense é o local com atividade mais intensa desse brinquedo em todo país, é onde encontramos a maior riqueza de variantes de construção e brincadeira do folguedo, tanto que, em 2011 foi classificado pelo Instituto do Patrimônio Históricos e Artístico Nacional - IPHAN como patrimônio cultural imaterial da cultura brasileira. Esse registro foi feito com intuito de salvaguardar seus saberes ancestrais que envolvem os processos inerentes, reconhecidamente comprovados pelo povo, repassando para o estado o dever de manutenção desses saberes para que possam ser perpetuados pelo valor cultural que representam para o povo do Brasil. Lá, os bois, ocorrem durante o ano todo com festejos específicos que envolvem a presença do bumba-meu-boi e em várias cidades incluindo a capital São Luís. Também nota-se as diferentes modalidades do bumba-meu-boi como: boi de verão, boi de promessa, boi de carnaval, dos grupos parafolclóricos e o boi de encantado ou terreiro com ligação as casas de tambor de mina encontradas no dossiê de registro do bumba-meu-boi do Maranhão(IPHAN, 2011, p.10) e dessas vertentes algumas são a base do boi-bumbá dos outros estados do norte do Brasil. No Pará, o boi-bumbá possui variantes do folguedo como: o boi de máscara em São Caetano de Odivelas, o boi-bumbá tradicional, os bois de grupos parafolclóricos e mais recentemente os bois de arrastão como boi Orube do conjunto satélite e Arraial do Pavulagem e nesses dois não há presença de personagens, por serem bois de arrastão e não existe a encenação, mas em


36 alguns brinquedos, como é o caso do boi de comédia, podem ter até 18 personagens em sua peça. (IPHAN, 2011) Já o boi de Máscara de São Caetano de Odivelas, possui características carnavalescas dentro das variantes no Pará, possui “pierrô” e suas canções tocadas por uma orquestra de sopro com andamentos binários que lembram as melodias tocadas no período do carnaval. As primeiras notícias desse boi estão datadas desde os anos 30 com aparecimento do boi Ribanceira (SILVA, 2011, p.42). Outra grande diferença também é que o boi de máscara possui dois “tripas” “que tem a função de fazer o boi andar e dançar conforme a apresentação” (FIGUEIREDO&TAVARES, 2006, p.88). Dessa modalidade de boi temos em Belém o boi “Pai do Campo” criado por Nivaldo, natural de São Caetano de Odivelas e morando atualmente no bairro do Guamá, que em 1990 com as mesmas características do boi de máscara. (DIAS JUNIOR, 2009, p.123). Importante ter uma visão dos brinquedos existentes na cidade para compreender o panorama deste na cidade. Mas não deixando de visualizar nitidamente o objetivo do trabalho que é esclarecer os caminhos e os elementos que estão dentro do folguedo do boi de Toquinho. Para isso, iremos trazer o universo do boi-bumbá que habita a região de Icoaraci distrito de Belém. No próximo capítulo discutiremos os símbolos e as ritualísticas que cercam os folguedos já vigentes na cidade, proposta fundamental desta pesquisa, comparando-os ao boi de Toquinho e as suas representações.


37 .

CAPITULO III Boi de comédia e boi de encantado na região de Icoaraci – comparando suas características, representações


38 Neste capítulo, discutiremos os folguedos de boi na região de Icoaraci abordando aspectos característicos para se ter uma noção introdutória desse universo.

Trabalhando

suas

configurações

para

compreender

essas

representações simbólicas entre as variantes existente dos bois-bumbás e para seus brincantes. Para isso será necessário visualizar o folguedo do boi-bumbá na região de Icoaraci destacados por Figueiredo e Tavares (2006) em seu trabalho “Mestres de Cultura” onde remontam um pouco das trajetórias dos bumbás na vila de Icoaraci, citando os grupos de bois e suas mais relevantes características que serão de suma importância para o desvelar das representações entre o boi de Toquinho e os demais dessa região na cidade de Belém. Logo depois traremos os significados do boi de encantado e seus elementos formadores, através de um diálogo entre alguns trabalhos relevantes sobre o assunto como o dossiê do IPHAN e dos trabalhos de Lindoso (2006) dialogando com as fontes orais coletadas. Para entrarmos nos debates conclusivos sobre esse boi de encantado em Belém e suas representações, faz-se necessário uma análise junto aos outros que também se manifestam dentro da cultural popular local. Busca-se perceber semelhanças e peculiaridades que o tornam um folguedo fora dos padrões já estabelecidos nessa região.

O BOI-BUMBÁ NA CULTURA DE ICOARACI

Icoaraci é um distrito de Belém com rica produção cultural onde se destacam artesanato cerâmico com as réplicas marajoaras, os cordões de pássaro, bois-bumbás, mastros de santo, os famosos conjuntos de carimbó dentre outras. Dentro de uma pequena cartografia cultural que engloba os grupos que possuem uma mobilidade de apresentação dentro dessa região de Icoaraci descortinaremos esses folguedos de bois. É na segunda metade do século XX, o período onde encontramos as primeiras informações sobre esse folguedo em Icoaraci, através do livro “Mestres de Cultura” dos pesquisadores Sílvio Figueiredo e Alda Piani (2006) que nos


39 conta sobre os bois-bumbás que circulam ou circulavam em Icoaraci e dentre eles os bois : Resolvido, Não-duvido, Pingo de Ouro, Garantido e Rosa Branca. Esses bumbás surgem em Icoaraci nos anos 60 e 70 de acordo com Figueiredo e Tavares (2006). Das características percebidas podemos afirmar que a grande maioria se enquadra na modalidade de boi de comédia, com personagens com textos e canções, apresentadas em currais, e aqui os currais representam espaços de festas particulares onde o boi casualmente se apresenta segundo nos contou Jorge Raimundo Pereira de Souza (entrevista: 4 março 2013), concursos públicos e festas particulares geralmente no próprio distrito de Icoaraci e locais próximos. Identificamos alguns desses bois de comédia

de

Icoaraci e descreveremos suas principais características a seguir. Ainda segundo Figueiredo e Tavares (2006) o boi-bumbá “Não Duvido” tinha como organizadores nos anos 1965 na sua fundação, mestre Hosana e sua esposa dona Regina, passando posteriormente para seu filho Jorge Raimundo Pereira de Souza que escrevia as “comédias” do boi, característica própria dos bumbás da segunda fase. Dentro do boi de comédia podemos identificar a presença de personagens fictícios, criado pelos amos, mas essas características não constam nos elementos que constitui o boi de encantado, nele não existem personagens criados e muito menos falas ensaiadas. Pelos relatos de Jorge Raimundo Pereira de Souza cita no boi Não Duvido alguns personagens como: “[...]Fazendeiro, Irmão do Fazendeiros, Capataz, Feitor, Vaqueiros, Camboeiros, Criado, Feiticeira, Cangaceiro, Pajé, Matutos, Maloca, Batucada, Toureiros, Tripa e Amo[...] e a maloca de índios[...]” (FIGUEIREDO&TAVARES, 2006, p.92). O Boi Resolvido também se enquadra no mesmo contexto de um boi de comédia com personagens que compõem suas apresentações, assim como o boi Pingo de Ouro fundado em 1969 informado também por Figueiredo e Tavares (2006). Apesar da diversidade de manifestações do Boi em Icoaraci, esta pesquisa não pretende fazer uma análise de todas as representações dessa manifestação cultural. Como dito anteriormente, o objetivo principal desde estudo é compreender o boi de encantado e suas representações dentro do universo cultural de Icoaraci.


40 O BOI DE ENCANTADO

Gerson Lindoso nos trás uma definição através do seu ensaio sobre o boi de encantado para boletim nº35 da Comissão Maranhense de Folclore dizendo que: “Boi ou bumba-meu-boi de encantado é uma brincadeira ou manifestação folclórica de cunho estritamente afro-religioso organizada por alguns terreiros de Mina e Umbanda no Estado, sendo dedicada a entidades espirituais desses próprios terreiros (encantados e caboclos) em face de pedidos, promessas, devoção aos santos juninos (Antônio, João e Pedro) ou por puro divertimento dos encantados e de seus filhos (afro-religiosos).” (LINDOSO, 2006, p.13)

O boi de encantado, portanto, é uma vertente do folguedo do bumba-meuboi surgida nos terreiros de tambor de mina e umbanda no Maranhão, pois nele existem aspectos únicos, que o diferem da grande maioria dos bumbás. Nele “perpassa a idéia de obrigação ritual, estando sujeita às determinações dos encantados” (IPHAN, 2011, p.86) e a sua representação mística para os seus brincantes também é uma característica importante, pois os filhos de santo sabem que: “[...] não é uma brincadeira é uma obrigação. Porque o nosso boi ele não é igual ao boi dos pecadores em São Luís né, que vai brincar todo mundo, ele sai todo dia né. E o nosso boi é de encantado, é uma jóia nossa, é uma jóia minha é uma prenda minha[...]” (Dominguinhos, na cabeça de seu Leandro, em entrevista concedida no dia 21 de outubro 2012 )

Desvelando o sentido de obrigação dos filhos de santo para com os encantados em uma relação de compromisso nas tarefas dadas por eles é algo que mostra uma características que diferenciam esse brinquedo dos outros bumbás. Como no caso de cuidar de um boi de encantado: “Alguns... alguns nem todos os obedecem o mesmo ritual né ! tem uns. só brincam dentro de casa tem uns que não sai. Tem “caboco”... depende do “caboco”... Nos como somos da família de légua somo mais animado... a gente gosta de vê boi... que nos somo vaqueiro somo fazendeiro né!... a família de meu pai é dono de fazenda, toda família também... e aí tem encantado... qualquer um encantado que queira ter um boi. Ele pode ter... mas tem encantado mais serio mais.... que só quer que tenha festa no terreiro... não tenha a festa pra rua... tem encantado que não gosta. “ (entrevista: Dominguinhos, na cabeça de seu Leandro, Idem; Ibden )


41 Os surgimentos de cada boi de encantado percebemos que se trata de algo livre se observarmos as maneiras que começam os bois, deixando essas peculiaridades na conta de cada terreiro e encantado. Outra característica do boi de encantada especificamente os ligados a esse grupo que vem da casa de Pai Jorge de Itaci é que são tocadas com o sotaque da ilha como mostra Lindoso: “Apesar de não haver modelos ou estilos únicos para os bois de encantado, percebemos nas comunidades afro-religiosas analisadas em nossa pesquisa (área da Fé em Deus-Liberdade), que eles se aproximam do sotaque da Ilha ou de Matraca* e que a sua identificação com os sotaques e estilos é algo muito íntimo aos próprios terreiro” (LINDOSO, 2006, p.14)

Lembrando que esse área da Fé em Deus-Liberdade é onde se encontram os terreiros de pai Jorge de Itaci e pai Aírton do terreiro de Ilê Axé Ogum Sogbô.

BOI DE TOQUINHO : CHEGADA, FESTIVIDADE E FUNDAMENTOS EM DIÁLOGO

O boi de Toquinho é um brinquedo de encantado, um brinquedo dado de presente de um encantado (seu Dominguinhos) para outro (seu Toquinho) como já foi descrito nos capítulos acima. Tudo aconteceu em meio a festividades do boi de encantado “Orgulho de Codó” do caboclo Dominguinhos na casa de tambor de mina Ilê Axé Ogum Sogbô localizada no bairro da Liberdade tendo como o chefe da casa o babalorixá Aírton Assunção Gouveia em São Luís de Maranhão. Ao ter a permissão do encantado Pai Folha Seca, seu Dominguinhos pode firmar sua promessa de levar o boi ao seu Toquinho em Belém. Na imagem abaixo já vemos a imagem do boi de Toquinho nos salão ritual da casa grande Huevy.


42

Ilustração 3: Boi de Toquinho no salão do terreiro de pai Huevy Fonte: Lins Filho, 2012 Percebemos também que o boi de Toquinho representa também uma ligação entre a casa de pai Airton em São Luis do Maranhão com a casa de pai Huevy em Belém. Através da promessa do encantado seu Dominguinho de Légua de dá um boizinho ao encantado seu Toquinho para que pudesse brincar em Belém. Isso nos trás o feliz momento de presenciar a ideia de Vicente Salles sobre a transposição do folguedo de Bumba-meu-boi para o Pará, identificada nesse momento com a vinda de boi de Toquinho para Belém, por meio dos maranhenses da casa de tambor de mina.

Festividade do caboclo Tabajara

Em outubro é o mês que acontecem uma das maiores festividades que fazem parte do calendário anual da casa “Abassá de Mina Gegê Nagô de Toy


43 Lissá e Abê Manjá Huevy”, são as comemorações do aniversário do encantado chefe da casa caboclo Tabajara, guia espiritual de mãe Rosângela. A festividade que ocorria durante dois dias, sexta-feira e sábado, com a chegada do boi de Toquinho foi alongada para mais um dia, no caso o domingo. Mas precisamos saber sobre algumas indagações de como se deu essa introdução do boi de Toquinho nessa festividade? E quem decidiu que o boi poderia sair às ruas com os encantados? Para essas questões obtivemos informações do encantado Dominguinhos que nos esclarece dizendo: “o dono da casa, juntamente com o dono do boi […]. O seu Tabajara aceitou mais uma noite[...]. Como ele adotou a brincadeira do boi de encantado ele fez mais um dia, que pra justamente manhã ser uma festa só nossa, só pro boi. Só pro boi né.” (entrevista: Dominguinhos, na cabeça de seu Leandro, Idem; Ibden )

Constatamos que o boi de Toquinho acaba se encaixando como parte culminante das festividade de aniversário de seu Tabajara e, portanto, notamos que o folguedo se insere em ritual do tambor de mina e agrega mais um elemento religioso compondo o folguedo que em Icoaraci não foi identificado nos outros bois locais. Não há no trabalho de Figueiredo e Tavares, e nem nos relatos coletados, qualquer citação de boi bumbá em Icoaraci com semelhante característica.

Fundamentos do Boi de Toquinho :

Para entendermos os fundamentos do boi de Toquinho, faz-se necessário primeiro compreender o começo do boi “Orgulho de Codó” de seu Dominguinhos de Légua, pois, como já foi dito acima, o boi de Toquinho tem seus desdobramentos iniciais na festa desse boi. Para isso, analisamos o depoimento do encantado Dominguinhos coletada em nossa pesquisa de campo e de seu Leandro em entrevista dada ao pesquisador Gerson Lindoso (2006), que já havia feito pesquisa sobre o boi Orgulho de Codó, e dessas duas fontes fizemos análise e avaliamos como uma fonte importante para compreender esse começo do Boi de Toquinho em Belém. Até porque como vimos acima por meio do dossiê do


44 IPHAN, são os encantados que regem a brincadeira (IPHAN, 2011, p.86) do começo ao fim. E reafirmado por seu Dominguinhos de Légua da família de codoenses na croa17 de seu Leandro quando nos conta a trajetória que começa as brincadeiras do boi “Orgulho de Codó”. “O meu boi quando ganhei... porque meu filho ele professor e ele foi não sei o que uma faculdade, participar não sei de que, e tava muita gente de fora né. Então como era lá em São Luís o pessoal deram de lembrança uns boizinho na vara né, uns boizinho na vara. E seu leandro meu filho chegou no meu ponto no meu altar que tenho em minha casa né... que é a casa de seu leandro, e botou o boizinho pendurado no pescoço de são joão. quando baixei nele eu olhei o boi e disseram, as servente as clientes - olha, aquele boizinho é pra ti” (entrevista: Dominguinhos, na cabeça de seu Leandro, Idem; Ibden )

Desse começo podemos fazer um espelhamento no texto de Gerson Lindoso sobre o boi Orgulho de Codó no momento de uma entrevista com seu Leandro, onde aparece a seguinte versão: “Segundo o próprio Leandro (entrevista maio 2006) o boi de encantado lá teve início, a partir do pedido de seu Dominguinhos Légua, pois na casa não tinha boi de encantado e também, devido ele ter sido presenteado por uma cliente dele com um boizinho na vareta, que logo foi identificado pelos outros filhos-de-santo do terreiro como o boi daquele encantado” (LINDOSO, 2006, p.14)

Percebemos as semelhanças nos depoimentos feitos em períodos diferentes, importante atentar que seu Dominguinhos é o encantado e guia de seu Leandro. É com base neles que entendemos sobre os fundamentos do boi de encantado e pudemos associá-los ao momento da observação e análise do ritual do boi de Toquinho. Esses fundamentos do boi, expressão utilizada referindo-se aos elementos que compõem o boi de encantado, e aqui trazemos o boi de Toquinho em observação, consiste basicamente em algumas etapas que vai do batismo do boi, esconder o boi, busca da Joia, busca do Mourão e fuga do boi. Importante ressaltar que esse roteiro ocorrem em um único dia apenas, no caso observado do boi de Toquinho. Começando na madrugada, com o fim do toque do tambor, até a noite seguinte com a fuga do boi e das razões desse

17 Termo usado pelos mineiros para designar “cabeça”, ou melhor, pessoa em qual o encantando está encorporado.


45 roteiro ser feito em um dia apenas, temos a explicação dada pelo encantado seu Dominguinhos de Légua: “Do boi só é num dia, não pode ficar muitos dias. Boi de encantado. Agora boi mesmo que lá sai de lá nas brincadeiras de são joão, eles brincam o ano todo né. O nosso não porque a gente não como tá muitos dias aqui no “mundo de pecado”, pra tá fazendo, pra tá batucando não, o nosso tudo acontece só num dia nesse dia o foge, é laçado é pegado a prenda.” (entrevista: Dominguinhos, na cabeça de seu Leandro, Idem; Ibden )

Percebemos semelhanças na observação feita em pesquisa de campo em todo o folguedo do boi de Toquinho com o relato acima. Diferente dos bois de comédia de Icoaraci, pois o “[...] mês de Junho, durante as festas juninas, é seu tempo, e suas apresentações duram até agosto ou setembro.” (FIGUEIRADO & TAVARES, 2006,p.90) Iremos agora mostrá-los por etapas que achamos a forma mais adequada para compreensão do processo. Começando pelo batismo que é um ritual religioso que ocorre no mês de Junho em apenas um dia, dentro do casa de tambor de mina, no caso de boi de Toquinho, esse batismo ocorre na casa de Mãe Cléa, onde seu encantado chamado “Ceará” é o padrinho do boi. O ritual ocorre dentro de um padrão descrito por seu Dominguinhos e mostrando também que o boi de encantado entre essas duas casas de tambor de mina são bastante semelhantes por comparar o relato com a observação de campo desse ritual. Aqui Dominguinhos relata o roteiro de batismo do boi “Orgulho de Codó”: “Isso só em junho mesmo. Batizou, esconde.[...] Chama quatro padrinho quatro madrinha cada um batiza ele. cobre ele com a barra da saia e guarda nos assentamentos da casa. Pra sai só em setembro (o boi do seu dominguinhos) o meu batiza junho só sai em setembro. Porque ele (boi de toquinho) é igual ao nosso. é um brinquedo particular num pode tá amostra todo tempo não. Porque aquilo ali é um talismã né. é uma coisa sagrada né, batizou ele fica na casa.” (entrevista: Dominguinhos, na cabeça de seu Leandro, Idem; Ibden ))

O batismo para os brincantes do boi de Toquinho compõem um dos momentos rituais do terreiro. Buscando identificar essa etapa na modalidade de boi de comédia para nossa análise comparativa, pesquisamos o trabalho de Dias Junior que narra o enredo na seguinte forma:


46 “Seu enredo é basicamente o mesmo em quase toda a região norte, conta a história de um boi de raça, que é mandado buscar pelo senhor da fazenda para servir como reprodutor do rebanho e, desse modo, ser o boi estimado do fazendeiro. O animal receberia um tratamento muito melhor que aquele dado aos escravos: qualquer mau trato ao boi representaria castigos severos aos cativos e ao vaqueiro e, por isso, a postura de vingança de Pai Francisco ao apanhar o boi preferido do Senhor. Pai Francisco era um preto velho que vivia na área de pastagem do animal. Uma vez que sua esposa Catirina, grávida, sentira o desejo de comer a língua do boi, ele desafiava ao “Amo”, que também era capataz da fazenda, ao atirar no boi de estimação do Senhor para retirarlhe um tassálio. Em algumas encenações o desfecho se dá com a morte do boi num final glorioso e satírico, de êxtase do preto velho que vinga todos os seus antepassados” (DIAS JUNIOR, 2009, p.90)

E também buscamos nos relatos do amo de boi Jorge Raimundo Pereira de Souza essa analise, quando narra o enredo de sua comédia : “é um aniversário de uma fazenda da filha do fazendeiro, ai fazendo pega convida toda... ai diz que vai ter um aniversário... e vai ferra o boi... o melhor boi da fazenda dele... começa o processo... chama o ferrador, passa pro administrador, o administrador para pros vaqueiros e os vaqueiros levam pro campo e quando acontece de alguém roubar o boi do fazendeiro. Que no caso é Catirina, Cazumbá, Pai Francisco, depois eles levam o boi e quando boi fica doente. Eles resolvem chamar o feiticeira pra tirar...chamar o feiticeiro pra curar o boi... ai vem os compadres deles pra fazer aquela festa ai chama o ferrador.” (Jorge Raimundo Pereira de Souza em entrevista concedida em 06 de Jun. 2013)

Nas duas narrativas acima não consta qualquer menção ao “batismo ou batizado do boi” dentro da modalidade de boi de comédia recorrente entre os bumbás da região de Icoaraci. Verificando assim uma peculiaridade entre essas duas modalidades de bumbá. Retomando as observações feitas no folguedo do boi de Toquinho a etapa seguinte consiste no momento em que se esconde o boi. No caso do boi de Toquinho ocorreu na madrugada de domingo antes do tambor terminar em meio aos cânticos. Ele é levado pelos encantados para casa de um filho de santo da casa de mãe Rosângela. Lá o boi fica até o amanhecer quando saí para pegar as “joias do boi”. Esse momento consiste na busca de presentes, como bolos, dinheiro, brinquedos, dentre outras coisas doados por pessoas que são admiradoras da brincadeira do boi e previamente avisam para o boi ir buscar segundo nos conta a encantada Leonor na crôa de Chistofer (entrevista concedida em 21 out. 2013). Essa etapa ocorre pela manhã posterior a fuga do boi e decorre durante todo o dia, verificamos também que são os encantados que saem com o boi para buscar


47 as “joias”. Aqui podemos visualizar um dos presentes (joias) dado ao boi de Toquinho no momento da busca da joia na imagem abaixo.

Ilustração 4: um bolo - presente dado ao boi de Toquinho. Fonte: Lins Filho, 2012 Isso ocorre por toda manhã até o momento que o boi chega na casa e começa o toque para o “guarnicê ou guarnecer” 18 para buscar o Mourão e da cobertura do boi com o “manto de pastilha” que são duas outras etapas do folguedo. Esse adereço trata-se de uma espécie de manto feito de pastilhas de doces que serve para cobrir o boi de Toquinho no momento que ele chega para pegar o mourão e logo após coberto com esse manto de pastilha são cantadas músicas do boi para homenageá-lo para em seguir sair o cortejo com o mourão. O mourão é outro elemento que constitui uma parte especifica do folguedo do boi de Toquinho. É um mastro feito de uma árvore desfolhada, geralmente coberto de fitas coloridas, frutas e brinquedos e sobre suas representações para os brincantes da casa de mina, ele está associado a fartura como nos explica Pai Aírton : “O boi se amarra o Mourão pra matar né, aí é que tá, por isso que é feito mourão, tudinho, e a parte que se enfeita se coloca [...] os brinquedos, 18 Referente ao “objetivo de reunir, preparar e concentrar os brincantes” (IPHAN, 2011, p.168)


48 pastilhas, essas coisas porque é fartura, trás a fartura prosperidade”( pai Aírton, entrevista concedida em 18 de out. 2012)

a

As representações simbólicas desse mourão para os participantes do boi de Toquinho é de caráter religioso como é dito por mãe Rosângela quando diz que o mourão “representa prosperidade, fartura, a cura”.(entrevista: Rosângela, 18 out. 2012) e essa ideia é reafirmada pelo encantado Dominguinhos de Légua quando conta que o “mourão simboliza a fartura, a riqueza, arvore, esperança, crescimento nesse ritual do boi” (entrevista: Dominguinhos, 21 out. 2012). Esse elemento do mastro não foi encontrado nos folguedos de Icoaraci nem pelos relatos coletados e nem pelo trabalho de Figueiredo e Tavares(2006).

Ilustração 5: o mourão sendo levado pelos encantados nas ruas do conjunto Pedro Teixeira Fonte: Lins Filho, 2012 Os encantados são encarregados de levar o mourão até a casa de pai Huevy como mostra a imagem acima, onde é enterrado e se apreende a etapa final do boi de Toquinho de Toquinho e no seu final o mourão é dividido em partes e dado como amuleto para os presentes. Apesar de perceber nos trabalhos de Lindoso (2006) e o dossiê do IPHAN (2011) que nos mostram que dentro do roteiro do boi de encantado, a última


49 etapa é descrita como “a morte do boi”. No boi de Toquinho, em seus três anos de existência, ainda não ocorreu essa morte dentro da encenação, nas três vezes de seu folguedo o desfecho final se deu através da fuga. Reafirmado pela fala da encantada Leonor que nos conta que: “dos três anos toquinho chora qui só pro boizinho dele não morrer. Luta, luta qui só pro boi dele não morrer. Chorar que eu digo é chorar né, dentro do ritual.[...]ele luta que só pa boi dele não morrer. E ate agora o boi dele ainda não morreu. Só fica ferido.”(Dona Leonor, na cabeça de Christofer, em entrevista concedida no dia 21 de outubro 2012 )

Percebendo essa distinção comparado aos bois de comédia, em que o desfecho final se dá através da ferração do boi, como nos conta Jorge Raimundo Pereira de Souza quando cita alguns bumbás da região. “É tudo boi de ferração que eu conheço é que o Resolvido, Não Duvido [...] o flor do campo.” (entrevista concedida por Jorge Raimundo Pereira de Souza em 06 de jun. 2013). Ao compreendermos as etapas que constituem o boi de Toquinho através da observação de campo com o auxílio dos trabalhos citados acima e dos relatos dos entrevistados. Pudemos fazer uma análise comparativa ao trabalho de Bruno de Menezes (1993) quando narra nos capitulo chamado “sinopse da “estoria” do bumbá” e “A causa de ser morto o boi” as distinções são bastante claras, desde o cortejo como vimos a cima até o sentido religioso existente no boi de encantado e que não é identificado no boi de comédia da região de Icoaraci. Podemos concluir através desses aspectos que as distinções entre esses dois se dão tanto no formato do folguedo quanto em suas representações simbólicas para seus participantes. E também percebermos o começo desse folguedo do boi de Toquinho em Belém.


50 5 CONSIDERAÇÕES

Neste trabalho procuramos compor o universo que envolve o boi de Toquinho,

desenvolvendo

parâmetros

que

pudessem

mostrar

suas

representações tanto no campo do tambor de mina como no campo do boi-bumbá por onde ele se apresenta e lhe faz tão peculiar na cidade de Belém. Trazendo esclarecimentos conceituais desses dois universos e desenvolvendo diálogos entre os autores que tanto pesquisaram esses temas e os relatos de seus participantes. Dentro do universo do tambor de mina o boi de Toquinho trás as evidencias de laços culturais entre as casas de tambor de mina no Maranhão e Belém mostrando que os começos gerados pela iniciação dentro da religião trouxeram desdobramentos no campo da cultura popular enter as casas. No campo do boi-bumbá nos foi percebida a riqueza da cultura do folguedo que existe no Brasil e principalmente no Maranhão e Pará. E quão próximos estão esses dois estados por meio do folguedo. E do nosso objeto de pesquisa podemos perceber a sua importância no cenário local como uma manifestação cultural que trás elementos ainda não identificados na região de Icoaraci até então, destacando a participação de encantados na brincadeira pelas ruas e o seu aspecto religioso configurando assim o brinquedo.


51 6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. BARBIERI, Renato.(14 de março de 2012) Atlântico negro – na rota dos orixás. Brasil,[ficheiro

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54 FONTES ORAIS Entrevista concedida por Mãe Rosângela em18 de outubro de 2012 Entrevista concedida por Pai Airton em 18 de outubro de 2012 Entrevista concedida por Dominguinhos de Légua, na crôa de Leandro em 21 de outubro de 2012 Entrevista concedida por Dona Leonor de Légua na crôa de Christofer em 21 de outubro de 2012 Entrevista concedida por Jorge Raimundo Pereira de Souza em 06 de junho de 2013


55

ANEXOS


56 ENTREVISTA CONCEDIDA POR SEU DOMINGUINHOS DE LÉGUA NA CABEÇA DE SEU LEANDRO NO DIA 21 DE OUTUBRO DE 2012. Dominguinho de Légua - 21 out. 2012 Seu Dominguinho de Légua(croa de seu Leandro) faz um arrastão a mais de 10 anos, completou 10 anos esse ano. Aí um dia. ..A filha dona do boi, foi passear em São luis, que aí tava no dia do meu boi, no dia da minha festa pro meu boi sai na rua, ai o caboco dela desceu, que é seu toquinho, e gostou da brincadeira e pediu que trouxesse pra cá e a gente deu de presente pra ele pesquisador : o seu boi é um boi de encantado? Seu Dominguinho de Légua(croa de seu Leandro) É de encantado pesquisador : Seu nome como é mesmo? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Domingo de légua, e do meu pai é légua boji, e nome do meu boi é orgulho de codó, orgulho de codó que, dá onde a nossa terra que a gente vem codó pesquisador : Tem quantos anos o seu boi? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : 10 anos completou esse ano pesquisador : e também ele(boi orgulho de codó) com os encantados ? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : É os encantados que fazem a brincadeira, é os encantados que bate matraca é os encantados que cantam, e os encantado que vão pra rua mesmo. Lá é mais aberto, lá a gente pode passear no meio do povo. E o povo gosta porque quando vai... a onde ele(boi) vai passando, o povo vai saindo das casa e vai pegando uns pedaço de madeira, de pau e vão batendo e vão levando o boi. Ele saí só com os encantados da casa, da porta do terreiro de meu pai. Quando ele volta ele vem que com quase, com a comunidade todinha atrás viu pesquisador Luiz: Seu domingos no dia do batizado do boi de toquinho lá(terreiro em são Luís) o senhor estava presente? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Não estava, não estava porque, lá na casa, porque existe uma cerimônia um ritual, todos os bois são batizados dia de são joão então depois. Então pra esse dia eu tava batizando o meu lá em são luis,


57 não deu pra vim pra cá, então a cerimonia do batizado dele eu tomo conta. A gente só vem pra fazer o ritual da matança. Pesquisador : Não, mas o, aliás o nascimento lá, num foi em são Luís em 2009? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Foi Pesquisador :O senhor estava presente? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Estava Pesquisador : o senhor pode contar como foi lá ein, lá ein São Luís, porque começou lá em São Luís? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Começou assim. começou Pesquisador : surgiu lá e depois trouxeram pra cá? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Começou no dia da minha festa, ai o encantado desceu... Pesquisador : qual o dia da sua festa? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : É a minha festa é dia da festa do divino espirito santo da casa de meu pai. O senhor conhece a festa do divino espirito santo? Pesquisador :sim conheço Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : quando levanta o mastro dele...o meu... a morte do meu boi é no outro dia. Quando levanta a festa dele meu boi morre... que a gente diz que é o boi morre porque o nome do só é morte do boi. Mas boi de encantado não se mata ele se vive, ele renasce todo tempo né. Ai o nome é só morte do boi. Ai vai crescendo. O meu boi quando ganhei... porque meu filho ele professor e ele foi não sei o que uma faculdade (faculdade) participar não sei de que e tava muita gente de fora né. Então como era lá em são Luís o pessoal deram de lembrança uns boizinho na vara né, uns boizinho na vara. E seu leandro meu filho chegou no meu ponto no meu altar que tenho em minha casa né... que é a casa de seu leandro, e botou o boizinho pendurado no pescoço de são joão. quando baixei nele eu olhei o boi e disseram, as servente as clientes - olha, aquele boizinho é pra ti Ai eu peguei o boizinho e comecei a cantar pra são joão ai juntou um povo ai o povo pegou uns baldes e as panelas da casa de seu leandro e começou a bater e dentro de um quarto a gente fez 2 anos isso. Batendo só dentro de casa. aí meu


58 pai folha seca disse ; meu filho vamo botar um boi aqui nessa casa boi de encantado que não tinha até o dia de lá né. A 10 anos atrás não tinha e ele chegou. Meu pai meu boizinho é na vara... é esse aqui que o boizinho que eu tenho. E ai então o que que ele disse vamo quebrar mesmo. Ai quebro ele rebentou ele da corda tirou os pedacinhos... ate um dia eu tinha a cabeça dele amarrada no rosário... mas eu dançando perdi né... ai eu ganhei um desse tamanho ai matou, ganhei um desse tamanho, matou. Quando tava desse tamanho eu comecei só esconder não quebrava mais ele. Ai ele foi crescendo e hoje ele tá maior que esse... tá desse tamanhão assim. A cada ano que se passava ele foi crescendo então a cada ano que se passou as coisas foram aumentando né. o mourão foi crescendo, mais gente, mais pandeiro, mais povo, mas quebra bucho pra servir, mais bebida pra servir, graças a deus seu leandro tá. Meu cavalo que é seu leandro ele é bem... competente. Com isso daí que ele sabe que não é uma brincadeira é uma obrigação. Porque o nosso boi ele não igual ao boi dos pecadores em São Luís né. Que vai brinca todo mundo ele sai todo dia né. “e o nosso boi é de encantado é uma joia nossa é uma joia minha é uma prenda minha. Então ele só sai um dia pra todo mundo vê ele

na rua e depois se

esconde, eu boto ele pro altar novamente. Pesquisador : todos os boi de encantado vão pra rua ? Seu Dominguinhos (crôa de seu Leandro): Alguns, alguns nem todos os obedecem o mesmo ritual né tem uns só brincam dentro de casa tem uns que não sai. Tem caboco... depende do caboco... Nos como somos da família de légua somo mais animado... a gente gosta de ve boi... que nos somo vaqueiro somo fazendeiro né... a família de meu pai é dono de fazenda, toda família também... e aí tem encantado... qualquer um encantado que queira ter um boi. Ele pode ter... mas tem encantado mais serio mais.... que só que tenha festa no terreiro... não tenha a festa pra rua... tem encantado que não gosta. E eu mesmo que sou da bagunça eu quero, quero que todo mundo veja meu boi... e assim ficou. Quando ele começou a sair pra rua, que ele já tava grandinho começou a sair pra rua... aí o povo começou a ve.. o povo começou... ai um queria ser pandereiro, um matraqueiro e foi juntando foi juntando que hoje moço. Quando forma dizer que vai sair o boi já tem muita gente esperando... já se


59 espera o dia do boi pra todo mundo participar. E aí numa dessas festas seu toquinho dona Aletéia foi a casa visitar. que seu Aírton que é pai de santo... meu pai de santo é padrinho dela. E ela visitou e ela se atuou no meio do boi. Ai o encantado(seu toquinho) gostou e aí a gente deu a ideia.. tu não quer leva lá pro Pará, que não tem.. ai meu pai folho comprou o boi, batizou no terreiro. isso à três anos quatro anos atrás... três anos... quatro anos ….quatro anos atrás. Ele já tava... já tão 4 anos. que a gente vem só nessa festa mesmo só pra ajudar a fazer esse ritual de boi , ai deu pra ele e trouxe ele pra cá... pra seu tabajara acolher.. e aqui começou a festa. É igual? Num é ! nem tudo é igual. Que cada caboco rege sua brincadeira do jeito que ele quer … ele tem autonomia pra fazer do jeito que ele quer... sem trair … sem trair a tradição.. tem que ter são joão no altar... amanha vocês podem observar tem um mourão... tem o sangue de boi... embaixo as velas a são joão. Porque são joão que é o padroeiro dos boi ele tem que tá de frente entendeu... e aqui a gente escolheu...

aqui era um terreiro até então tudo que se fazia é

fechado...e aí seu tabajara permitiu que o boi saísse pra rua. Pesquisador : Quer dizer quem decidi que o boi deve sair na rua é o dono da casa? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : o dono da casa, juntamente com o dono do boi Pesquisador : que é seu tabajara? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : Que é seu Tabajara, o seu Tabajara aceitou mais uma noite porque antigamente pelo tempo que eu venho aqui a festa encerrava hoje (sábado). Como ele adotou a brincadeira do boi de encantado ele fez mais um dia, que pra justamente manhã ser uma festa só nosso, só pro boi. Só pro boi né. e trouxemo pra cá graças a deus. Tá dando certo até hoje. Nos somos cabocos da família de légua que a gente gosta do boi... sotaque da ilha é a matraca Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : e a gente trouxe o mesmo sotaque da ilha o cantador que canta no boi de seu toquinho é o meu cantador lá, seu Ronaldinho, mestre Ronaldinho quem a gente chama, ele é o cantador de lá e veio pra ajudar aqui pra cantar aqui, e tá até hoje aqui.


60 ... Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) :essa festa assim de meu pai, que meu pai pediu. Que minha festa era dia 8 de agosto dia de são Domingos. Nos cabocos pelo nosso nome a gente sempre apega a um santo católico que tem o nome parecido né, mas o são domingos que eu sou devoto ele é branco e eu sou negro né, mas a gente tem a devoção, ai era 8 de agosto, ai meu pai disse: - não dominguinhos vamo botar o seu boi, na, junto com a festa do divino espirito santo, quando meu pau levantar o seu desce. que ai o meu pau dele é de fruta que ele faz, e o meu é cororido (colorido), Pesquisador : Que? Seu Dominguinho (croa Seu Leandro) : cororido é cheio de cor, de cor, ai cheio de brinquedo. Da uma confusão pra quebrar, todo mundo que meu pau, meu pau só vai, anima só um dia e no dia mesmo ele cai. Porque é poque... O mourão simboliza a fartura, a riqueza, arvore, esperança, crescimento nesse ritual do boi e o boi é fartura. ... Do boi só é num dia, não pode ficar muitos dias. Boi de encantado. Agora boi mesmo que lá sai de lá nas brincadeiras de são joão, eles brincam o ano todo né. O nosso não porque a gente não como tá muitos dias aqui no “mundo de pecado”, pra tá fazendo, pra tá batucando não, o nosso tudo acontece só num dia nesse dia o fogi, é laçado é pegado a prenda. Pesquisador : mas é chegado o tempo dele. Seu Dominguinhos : Tem É o batismo Pesquisador : por exemplo o nascimento do boi de toquinho, boi de toquinho o batismo. é em junho ? Seu dominguinho; Isso só em junho mesmo. Batizou, esconde. Chama 4 padrinho 4 madrinha cada um batiza ele. cobre ele com a barra da saia e guarda nos assentamentos da casa. Pra sai só em setembro (o boi do seu dominguinhos) o meu batiza junho só sai em setembro. Porque ele (boi de toquinho) é igual ao nosso. é um brinquedo particular num pode tá amostra todo tempo não. Porque aquilo ali é um talismã né. é uma coisa sagrada né, batizou ele fica na casa. Ele é um brinquedo sagrado. Então pode tocar, mecher


61 Pesquisador : Ele acaba sendo um encantado? O boi acaba sendo um encantado ? Seu Dominguinhos ( croa de seu Leandro): Ele é meu dono, eu sou o dono dele, ele é um instrumento meu, e ele encanta. Porque quem deu essa vida pra ele foi eu juntamente meu pai. Por isso que nos somos os donos do gado a gente chama que é o dono do gado porque a gente cuida dele.


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ENTREVISTA CONCEDIDA NO DIA 21 DE OUTUBO DE 2012 COM ENCANTADO MARTINHO NA CABEÇA DE PAI HUEVY Pesquisador :A gente gostaria de saber agora, das pessoas que participam do boi Pai Martinho (na crôa de Huevy) : É tem o pai de santo e mae santo que é regra hierárquica. Martinho de légua boji buá Ascuncena Angassu da Trindade. Regra do pai de santo e da mãe de santo tem que ter o padrinhos né, pra , tanto no setor religioso quando no financeiro pra ajudar a colaborar com o brinquedo, no caso do mourão, e assim, os filhos de santos todos da casa tendeu, participam do boi de toquinho né, especial os padrinhos né, onde ele, assim que eles assumem, aceitam ser padrinhos, eles tem um compromisso a mais, que ai eles tem fazer parte da organização, da festa, do ritual, do rito religioso. Pesquisador : Quem são os padrinhos? Pai Martinho (na crôa de Huevy) :ah o senhor vai me pegar. Aqui na nossa casa tem o seu Sérgio, dona Neli, Dona Rita, é... dona Cleia. de fora mãe Emília que é presidente da federação, nos temos pai Benjamim que também é da federação. e o cortejo sai na rua, pra busca do dinheiro, Pesquisador: Da jóia ! Pai Martinho (na crôa de Huevy) :isso da jóia. falei dinheiro pro senhor entender. Mas o senhor já tá. Pra fazer parte de todo esse aspecto cultural vamos dizer é dado das nossas raízes que tão em São Luiz, descendente da casa da fé em Deus de pai jorge de Iemanjá que já se acoco


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ENTREVISTA CONCEDIDA POR DONA LEONOR DE LÉGUA NA CABEÇA DE CHRISTOFER PIMENTA Leonor : não o ritual vai ser aqui, se ele vai morre ou não. Não, o ritual vai ser aqui. Se ele morre ele troca couro se ele não morrer a gente não troca. Tudo começa de hoje, se ele morre a gente troca couro, que é um boi renovado. Se ele não morre continua o mesmo couro. A gente não troca couro de boi vivo Pesquisador : então dependendo do ritual ele pode morrer ou não. Leonor: isso. dos três anos toquinho chora qui só pro boizinho dele não morrer. Luta, luta qui só pro boi dele não morrer. Chorar que eu digo é chorar né, dentro do ritual. Pesquisador : sim simbólicas Dona Leonor: ele luta que só pa boi dele não morrer. E ate agora o boi dele ainda não morreu. Só fica ferido. Pesquisador : só fica ferido? Quem fere o boi? Dona Leonor: o povo que quer que o boi morra. Boiadeiro. Pesquisador : Antonio de légua Dona Leonor: digamos deixa lhe dizer porque. O pai de santo que veio do maranhão, recebe folha seca. A filha que nos temos na casa e filha de folha seca.


64 ENTREVISTA CONCEDIDA POR PAI AIRTON, MÃE ROSANGELA E ALETEIA EM 18 DE OUTUBRO DE 2012 videos: MOV097 – (quinta-feira , outubro de 2012) PAI AIRTON: ah... isso é mais de 100 anos atrás, então levaram o boi pra dentro do terreiro, justamente que ficou a parte dessa manifestação boi de encantado, boi de encantado, porque, porque os encantados faziam junto com os alabês da casa. Faziam o ritual de boi... Pesquisador: O que são alabês? PAI AIRTON: Os alabês são tocadores, Pesquisador: olha vou lhe perguntar muita coisa, que eu não conheço muita coisa ! PAI AIRTON: Tá bom, ai foram que foram fazendo a brincadeira do boi. Até o momento que antigamente era proibido até uns toques de tambor de mina, que a policia chegavam, prendiam, então faziam uma coisa interna. E hoje não que se abriu a cultura tomo de conta dos terreiros que hoje em dia encantado sai pra rua, hoje em dia já tem manifestações já, pela intolerância religiosa. Pesquisador : Então quer dizer que antes mesmo dessa proibição os encantados já brincavam, ai até que teve a proibição eles, se recolheram pra dentro das casas ? PAI AIRTON: Brincavam, justamente que hoje a gente já faz uma coisa externa. Pra todo mundo ver, trazer as comunidades pra dentro dos terreiros, entendeu, mostrando essa imagem do terreiro com força negativa e sim positiva. E dessa forma que foi. Trago o boi pra dentro do terreiro. Pesquisador : Qual é o local, onde é a casa.. O que eu entendi tem casa la que tem uma conexão aqui.? Eu queria saber da historia da casa, que deve ser muito grande mas tente resumir um pouquinho.? PAI AIRTON: Eu sou descendente do terreiro de Iemanjá,

do saudoso jorge

babalao da fé em deus. da onde surgiu minha casa que é o Ileache ogun sobo, que hoje em dia é uma grande casa de terreiro de mina em são luis, e umas hoje, uma das grandes casas de tambor de mina. E da onde surgiu uh, esse laço de amizade com minha irmã Rosângela, que eu precisei muito dela, e ela que me estendeu a mão. Numa parte de barca de tobossi,


65 Pesquisador : barco de ? PAI AIRTON:Tobossi, são princesas africanas que são feitas de meninas em cima de cada filha. E de la surgiu, seu toquinho desceu, pela festa junina, aniversario do terreiro, 25 anos do terreiro, ai a gente deu nosso primeiro barco de tobossi Pesquisador : que ano foi isso? PAI AIRTON: Tá com 3 anos? Aletéia : 3 anos tá fazendo esse ano aqui, Pai Airton: Mas já nos PAI AIRTON: Seu folha seca que é meu encantado que é da família de légua. Chegou batizou o boi de seu toquinho, e dizendo que a partir de hoje ele faria essa festa aqui em Belém do pará, que não é uma tradição daqui do pará. A gente tá fazendo a tradição boi de encantado. Nos não tamos fazendo tradição... Pesquisador: Mas me explique aqui, mas quando ele batizou o boi ? em datas ? PAI AIRTON: Foi o barco entendeu que a hoje nos trouxe, nos uniu depois de muito tempo afastado. Isso aconteceu em abril de 2009. e nos se conhecemos... assim, que ela... outubro, 28 de outubro. Mãe Rosangela : e é isso que também quero deixar, pra você separar, é naquilo que Airton falou, quando eu vim chegando, sobre o boi de encantado, é num é um boi que sai na rua só teatral, não éle é um boi religioso, um rei da encantaria, de encantado, entendeu, e eu tenho tanta prova, ainda e um dia desse tava falando aqui pra pessoas e eu acho que já falei pra Airton isso também. É tão veridico o sentido religioso deste boi, quando ele chegou, no primeiro ano que ele chegou trazido por ele né, pra seu toquinho. E depois que passou nossos festejos, um dia eu estou na gira, na minha gira que eu faço nas minhas segundas-feiras, e era uma gira na terceira do mês, que a gente louva Iemanjá e depois Codó né , e eu estava lá, quando eu fui enxergando aqueles olhos brilhando, brilhando e quando eu vi ele foi se formando na minha frente o boi, eu fiquei com isso e meio assustada assim, e passou, só que eu fiquei constantemente vendo, até que eu entendi que é o boi de toquinho. Então ele me mostrou a re..., naquele momento, eu descobri, mesmo sabendo é boi de encantado é religião também, mas eu descobri naquele momento, entendeu, por mim mesma, que era um sentido muito forte, religioso, sentido forte religioso, ele


66 estava lá, de vez em quando eu via os olhos deles brilharem assim. O boi, o boi sim. Pai Aírton: Então isso ficou muito forte dentro de mim, o sentido religioso desse boi né, então não é assim, ah é um boi que sai na rua, tá entendendo, um festejo só. Não! É religião, existe uma fé. O primeiro ano que ele chegou MOV101(quinta-feira, 18/10/2012) Pai Airton: O boi se amarra o Mourão pra matar né, aí é que tá, por isso que é feito mourão, tudinho, e a parte que se efeita se coloca, como é o nome, os brinquedos, pastilhas, essas coisas porque é fartura, trás a fartura a prosperidade. Mãe Rosângela: representa prosperidade, fartura, a cura. Pesquisador: e as pastilhas o que são? Rosângela: ele leva o couro de pastilha, ai você vai vê como ele é. Ai você vai ver no dia como ele é, tem que registrar. E o mourão é cheio de bombons, presentinhos, brinquedos. Ele esta pronto mas não esta ornamentado né. Pesquisador: Ele vai tá quando aqui, o mourão? Não o mourão já esta lá mas não esta pronto PAI AIRTON: é domingo que é o ritual Rosângela: o mourão já esta pronto MOV102 (quinta-feira, 18/10/2012) Porque tem o nascimento Pai Airton - o Nascimento mãe Rosângela – nasceu lá pai Airton – nasceu lá aleteia – trazido de lá pai airton - Mas hoje ele já é batizado aqui, porque hoje ele já mora aqui. Todo ano nos batizamos Mãe Rosangela: a saia e as fitas todas são deste ano, já.


67 Pesquisador:Voce pode falar um pouco sobre o boi. Pai Airton: De cada ano que a gente batiza se muda o couro, as cores também, cada ano ele vai crescendo um pouco. Mais bonito, mais formoso, boi da família de légua, 2009. Pesquisador:existe tempo de existência de um boi assim. ? Pai Aírton: não Pai Airton – inclusive os filhos que já tem terreiro que quer também fazer essa parte do boi la no seu terreiro também, é bom, já é uma ramificação... ai vai passando de um pra outro e daqui à pouco Belém tá um fazenda. Pai Airton – é tipo meus filhos... três filhos de santo hoje que já faz a festa de seu boi na sua casa. Ai o pessoal do terreiro se agenda e vai pra lá pra ajudar ele. Mas não pode coincide as datas iguais... Mãe Rosângela – Porque um tem que prestigiar o outro... O nosso boi da encantaria é união a gente quer que o outro faça também o boi e todos nos vamos ajudar o boi … não existe rivalidade nas nossas casas. A gente quer que as pessoas se unam cada vez mais, os irmãos se deêm as mãos e um ajude o outro tanto que não pode combinar as datas que é justamente pra um ser solidário com a festa do outro. Rivalidade não combina com religiosidade.. Pai Airton – hoje a gente já tem o convite do pai Márcio de Bossujara que é carregador da Chica Baiana que vai fazer o boi de encantado. Que é justamente nos vamos levar pra São Paulo.


68 ENTREVISTA CONCEDIDA POR JORGE RAIMUNDO PEREIRA DE SOUZA NO DIA 06 DE JUNHO DE 2013 Gravação 0071 Pesquisador: Como é teu nome Jorge: Jorge Raimundo Pereira de Souza Pesquisador:quanto tu tempo tu teve vivencia no boi bumba-meu-boi? Jorge: na base de 15, 30 … 20 anos mais ou menos Pesquisador: Quanto bois tu fez parte? Jorge: primeiro no do papai que é nosso aqui casa não duvido, ai depois eu fui... como tava o nosso... nos demos um tempo. Ai eu sai no resolvido e depois sai no rosa branca e tive uma participação no Pingo de Ouro. Pesquisador: Esses bois como podes classificar? E termo de boi como seria? O nosso aqui era boi de comédia e outros já era boi de matança. Pesquisador:Qual a diferença de bois? Jorge : por o nosso era boi de comédia era tudo falado já nos outros era boi de rojão que é cantado do começo ao fim. Pesquisador: não tem encenação? Jorge :Tem encenação mas cantado, pra mim chamar alguém chamava cantando, vaqueiro...chamar qualquer personagem. A gente era cantado. No boi de comédia não, a gente rimava, chamava na rima ficava mais fácil. Esses bois tem um processo? Jorge : O boi ele é um aniversário de uma fazenda da filha do fazendeiro, ai fazendo pega convida toda... ai diz que vai ter um aniversário... e vai ferra o boi... o melhor boi da fazenda dele... começa o processo... chama o ferrador, passa pro administrador, o administrador para pros vaqueiros e os vaqueiros levam pro campo e quando acontece de alguém roubar o boi do fazendeiro. Que no caso é Catirina, Cazumbá, Pai Francisco. Ai depois eles levam o boi e quando boi fica doente. Eles resolvem chamar o feiticeira pra tirar... chamar o feiticeiro pra curar o boi... ai vem os cumpadres deles pra fazer aquela festa ai chama o ferrador...


69 Gravação 0072 Jorge : A matança... a festa na fazendo é pra matar o boi. Ai no outros anos já outro tipo de boi. Pesquisador: Aqui em Icoaraci qual os bois que tem esse formato.? Jorge : Olha o Boi pingo de ouro teve um ano... os outros eu não sei bem porque não participei né. O resto é tudo boi de ferração. Ai ferra pra sair no próximo ano sai de novo. Os outros é tudo boi de ferração que eu conheço é que o Resolvido, Não Duvido nosso... era o flor do campo, que mais... Pai da Malhada aqui de Icoaraci. Agora só tem dois bois em Icoaraci Pesquisador: quais são? O Rosa Branca e o Resolvido... atualmente que eu saiba só eles dois. E o pinguinho eu não sei se vai sair esse ano. Pesquisador: E eles são boi de curral? Não são boi de rojão. Rojão pra sair na rua e... cantado do começo ao fim. De comédio não já é mais comediado...já é mais parte melódica... já no de rojão e cantado tudo... do começo ao fim cantando. Pesquisador: não existe curral? Jorge: Não, não existe curral, curral o que que é... quando sai pra dançar em algum canto é o curral! O terreiro é o curral que vai dançar alí. Vai fazer a apresentação e a fazenda é lá. E faze festa lá mesmo. Pesquisador: Qual a importância do boi pra ti? Jorge : Como assim? Pesquisador:Qual importância Jorge: te deixa mais solto, por exemplo tu tira tua timidez todinha. Tu tem que canta pro publico...


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