Cibersociedade: Fragmentos e Reflexões

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TARCISIO VANZIN LUIZ ANTONIO MORO PALAZZO SILVIA REGINA POCHMANN DE QUEVEDO


CIBERSOCIEDADE:

FRAGMENTOS E REFLEXÕES


Editor Cassiano Calegari

Conselho Editorial Dra. Janaína Rigo Santin Dr. Edison Alencar Casagranda Dr. Sérgio Fernandes Aquino Dra. Cecília Maria Pinto Pires Dra. Ironita Policarpo Machado Dra. Gizele Zanotto Dr. Victor Machado Reis Dr. Wilson Engelmann Dr. Antonio Manuel de Almeida Pereira Dr. Eduardo Borba Neves

Editora Deviant LTDA Erechim-RS Rua Clementina Rossi, 585. CEP: 99704-094 www.deviant.com.br


Tarcisio Vanzin Luiz Antonio Moro Palazzo Silvia Regina Pochmann De Quevedo (organizadores)

CIBERSOCIEDADE:

FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Editora Deviant 2016


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978-85-69114-55-0 Impresso no Brasil Printed in Brazil

T179

Vanzin, Tarcisio. Cibersociedade: fragmentos e reflexões / Tarcisio Vanzin, Luiz Antonio Moro Palazzo, Silvia Regina Pochmann De Quevedo - Erechim, 2016. 153 p. 23 cm. ISBN: 978-85-69114-55-0 1. Direito. 2. Sociologia jurídica. I. Título.

CDD 340.2


Sumário

PREFÁCIO CAPÍTULO 1. CIBERSOCIEDADE E TECNOLOGIAS DIGITAIS

9 11

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11 O TERMO CIBERNÉTICA ........................................................................................ 12 CIBERSOCIEDADE ................................................................................................. 16 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 17 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ........................................................................... 19

CAPÍTULO 2. SOBRE SEGURANÇA E LIBERDADE NA CIBERSOCIEDADE, UMA VISÃO TRANSHUMANISTA

21

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 21 MÉTODO DE PESQUISA......................................................................................... 22 A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E A CIBERSOCIEDADE.................................... 23 CONCEITOS SOBRE LIBERDADE E CONTROLE ....................................................... 25 SOBRE O TRANSHUMANISMO E A CIBERSOCIEDADE ............................................ 27 SOBRE A LIBERDADE ............................................................................................ 29 CONCLUSÕES....................................................................................................... 31 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 34

CAPÍTULO 3. CIBERCULTURA E E-GOV: A NOVA CULTURA DE CONSUMO DE SERVIÇOS GOVERNAMENTAIS PELA INTERNET

37

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 37 METODOLOGIA .................................................................................................... 38 A CIBERCULTURA E O SURGIMENTO DO E-GOV .................................................... 39 SERVIÇOS INFORMACIONAIS E TRANSACIONAIS OFERECIDOS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA ........................................... 43


CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 49 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 50

CAPÍTULO 4. O EMPODERAMENTO DO CIBERCIDADÃO ATRAVÉS DA PARTICIPAÇÃO DIGITAL E DO GOVERNO ELETRÔNICO.

53

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 53 METODOLOGIA .................................................................................................... 55 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................................ 58 CONCLUSÕES....................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 64

CAPÍTULO 5. A INTERNET DE COISAS E PESSOAS NA CIBERSOCIEDADE: UMA BREVE DISCUSSÃO À LUZ DA TEORIA ATOR-REDE E DA ONTOLOGIA ORIENTADA AO OBJETO

67

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 67 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ..................................................................................... 69 METODOLOGIA .................................................................................................... 73 RESULTADOS ........................................................................................................ 75 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 77 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 78

CAPÍTULO 6. MODELOS DE NEGÓCIO NA CIBERSOCIEDADE: O CASO DOS CURSOS MASSIVOS ABERTOS ONLINE (MOOC)

81

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 82 METODOLOGIA .................................................................................................... 86 OS OBJETIVOS DE UM MOOC ............................................................................... 88 GRÁTIS NÃO É SINÔNIMO DE SUCESSO ................................................................ 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 97

CAPÍTULO 7. POR UMA CIDADE MAIS HUMANA NA ‘ERA CIBER’

101

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 101


O CONCEITO DE CIDADES INTELIGENTES............................................................ 104 A REDE VERSUS O SER E O ESPÍRITO DAS CIDADES............................................. 106 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 108 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 110

CAPÍTULO 8. AS HASHTAGS COMO EXPRESSÃO DA CULTURA TRANSMIDIÁTICA

113

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 113 EVOLUÇÃO DAS HASHTAGS ............................................................................... 114 LINKS TRANSMIDIÁTICOS ................................................................................... 115 PARA ALÉM DA FOLKSONOMIA .......................................................................... 117 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 119 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 120

CAPÍTULO 9. DARK WEB: CONSEQUÊNCIAS E DESAFIOS À CIBERSOCIEDADE

123

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 123 MÉTODO ........................................................................................................... 127 RESULTADOS ...................................................................................................... 129 DISCUSSÃO ........................................................................................................ 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 134 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 135

CAPÍTULO 10. O IMAGINÁRIO CIENTÍFICO NA CIBERSOCIEDADE: O CINEMA COMO METÁFORA DE ACESSO AO REAL

137

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 138 A RELAÇÃO ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO ..................................................... 140 O CINEMA COMO EXPERIÊNCIA HIPER-REALÍSTICA DO IMAGINÁRIO CIENTÍFICO ............................................ 141 O HOMEM À FRENTE DO TIMÃO ........................................................................ 143 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 144 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 145


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Prefácio - 9

Prefácio Curiosamente a palavra Cibernética é conhecida desde a antiga Grécia. Da arte de governar navios passou a ser utilizada, passados mais de dois mil anos, como uma forma de visão sistêmica (proposta por Wiener e alinhada a Teoria Geral dos Sistemas) para compreender como ocorre o processo de comunicação tendo por foco os processos de comportamento autorreguláveis. Governar um navio é atuar em um sistema fechado. Entender a comunicação em sistemas abertos requer muito mais. Requer a compreensão de várias outras questões, em especial, derivadas das ciências cognitivas. A Cibersociedade traz o desafio da compreensão dos novos modelos de relacionamento, de novas dinâmicas sociais, de novas formas de inter-relações com o poder público, alterações no processo de ensino e no próprio modo de vida. Em todos os tempos, as sociedades humanas se preocuparam com os termos segurança e liberdade. As transformações que as Tecnologias de Informação e Comunicação estão oferecendo à sociedade terão que impacto sobre o termo liberdade? E sobre o termo segurança? Serão utilizadas como controle e vigilância? Ou serão fontes de novas formas de saber e poder. Como irão promover uma abordagem interdisciplinar para a compreensão e avaliação das oportunidades para a melhoria da condição humana e do organismo humano, proporcionadas pelo avanço da tecnologia? Irão, as novas tecnologias presentes e futuras, proporcionar a transcendência das limitações do corpo humano, ampliando assim o ciclo da vida do homem? Dar-lhe-ão a santificação? Será o indivíduo e a sociedade, colocados em uma posição melhor para fazer escolhas sábias sobre para onde está indo? A cibersociedade traz, sem que se perceba, situações que retiram as pessoas de suas zonas de conforto. Serviços governamentais, realizados com uso intensivo de tecnologia, tem a mesma eficácia dos serviços realizados de forma tradicional? Qual o efeito do sentimento de perda de “participar da fila de atendimento”? De não ter conversado? Até que os atores sociais, efetivamente se empoderem destas novas situações cria-se uma interessante e profunda região de convivência. Nesta nova região prospera o ilegal, a moral é outra, as personalidades são diferentes. De outro lado, floresce a desconfiança e o excesso. Mas como na eterna luta entre o bem e o mal, marcos regulatórios


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surgem para agir em defesa do cidadão e da possibilidade de utilizar estas novas opções. Surge a necessidade de mudanças de hábitos, porém princípios basilares não podem alterados. Princípios de publicidade, eficiência e avaliação precisam e devem persistir. Além disto, devem existir mecanismos que levem ao mais distante possível a observação dos mesmos. Duas grandes mudanças já estão em curso: na educação e na cidade! Na educação o potencial técnico disponível para trabalhar com grandes volumes de informações e dados desenvolve processos que mudam a concepção tradicional. Surgem objetos de educação! Surge a capacidade de se informar sobre tudo – ou quase tudo. Encontram-se, por exemplo, e dependendo da pesquisa, três teorias para explicar o início do universo ou dez para explicar o fim do universo. Ampliando a procura, podem-se encontrar informações sobre o desenvolvimento do universo. Pronto. Tem-se um curso formado sobre o Universo do Princípio ao Fim. Do alfa ao ômega! Mas o tema Universo provoca ansiedade, preocupação e por vezes insegurança. Nestas situações onde refugiar-se? Na família, no grupo social ou de forma mais ampla na smartcity- cidade inteligente: um conceito da cibercultura e da cibersociedade. A cidade pode ser inteligente, mas que seja, sobretudo, mais humana. É esta a trajetória que nos apresentam os Prof. Vanzin, Palazzo e Silvia. Através da compreensão de hashtags e translinks, mostram que qualquer que seja o tempo, a tecnologia e o imaginário científico, esta sociedade e suas opções devem estar centradas no homem. Servir o homem e nunca ao contrário. Rogério Cid Bastos

Pró-Reitor de Extensão Universidade Federal de Santa Catarina


CAPÍTULO I - 11

CAPÍTULO I

CIBERSOCIEDADE E TECNOLOGIAS DIGITAIS Tarcisio Vanzin Luiz Antônio Moro Palazzo RESUMO Este capítulo introdutório tem por objetivo sinalizar a compreensão conceitual e teórica que sustenta as afirmações, estudos, buscas e conclusões contidas no substrato dos demais capítulos deste livro, os quais abordam o tema cibersociedade em sua relação com a evolução tecnológica. Este tema é frequentemente suscetível de diferentes interpretações a partir da lente com que diferentes autores o observam, mas, na linha de minimizar polêmicas conceituais, buscou-se terminologias que pudessem fortalecer mais a compreensão do conteúdo, reduzindo as possíveis discrepâncias e, ao mesmo tempo, fortalecer reflexões sobre o futuro. Nesse sentido, este capítulo buscou uma abordagem inicialmente histórica do termo cibernética, seguida pela valorização dos pensamentos de autores que contribuíram para que esse tema alcançasse sua atual expressão. A pesquisa realizada para dar embasamento a este capítulo foi do tipo exploratória, mais focada na facilitação das articulações dos demais temas desenvolvidos nos capítulos subsequentes do que na busca por uma conclusão específica. Palavras chave: Cibernética; Cibercultura; Cibersociedade; Cibercidades.

INTRODUÇÃO A palavra Cibernética, origem dos termos Cibercultura e Cibersociedade, provém do grego kybernytiky, que Platão utilizou nos diálogos Alcebíades e Górgias, para referir-se a arte de governar navios. Depois, em Clítofon, Platão a utilizou para caracterizar a maneira adequada de dirigir homens e, mais tarde, na República, ele a utilizou novamente para significar a arte de fazer política e governar. Ampére e Maxwel, no século XIX, utilizaram essa palavra com sentidos relativamente congruentes aos de Platão. Em meados do século XX, o matemático e filósofo americano Norbert Wiener adotou esse


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termo no seu trabalho intitulado Cybernetic: or Control and Communication in the Animal and Machine, repaginada com a visão sistêmica e interdisciplinar (BENNATON, 1984). O seu propósito foi o de estudar a comunicação nos animais e nas máquinas, com o foco nos processos de comportamento autorreguláveis, alinhado com a Teoria Geral dos Sistemas, proposta em 1968 por Ludwig von Bertalanffy.

O TERMO CIBERNÉTICA Wiener, na sua publicação de 1950, intitulada The human use of human beings: Cybernernetics and Society, apresentou a cibernética como uma nova teoria encarregada de tratar, predominantemente, do controle e comunicação (como fator preponderante) nas máquinas, nos animais e na sociedade. Nessa obra, o autor ressalta o papel da interdisciplinaridade e defende que, para realmente compreender uma sociedade, se faz necessário o estudo das mensagens e dos meios de comunicação (WIENER, 1984). Nessa linha conceitual, Bennaton, (1986), corrobora afirmando que a cibernética tem a competência de tratar de forma sistêmica o processamento de informações, envolvendo máquinas e organismos num mesmo discurso. Freitas (2011) acrescenta que Wiener, embora não tenha sido o primeiro a usar o vocábulo, foi pioneiro em identificar a confluência de várias disciplinas na sua formulação teórica da comunicação e do controle. O trabalho de Wiener, todavia, não foi solitário, mas decorrente da sua interação com o grupo de cientistas interdisciplinares das dez Conferências Macy (Macy Conferences on Cybernetics) que aconteceram nos anos de 1946 a 1953 em Nova York sob o patrocínio da Fundação Macy, as quais tinham por objetivo discutir “mecanismos de retroalimentação causal e circular em sistemas biológicos e sociais”. Esse grupo era formado por renomados cientistas de diferentes áreas disciplinares como os matemáticos Norbert Wiener, John Von Neumann, Walter Pitts e Leonard Jimmie Savage; o teórico da informação Claude Shannon; o biofísico Heinz Von Foerster; os psiquiatras William Ross Ashby, Lawrence Kubie e Warren McCulloch; os antropólogos Gregory Bateson e Margaret Mead; os sociólogos Lawrence K. Frank e Paul Lazarsfeld; e os psicólogos Kurt Lewin e Molly Harrower, além do engenheiro eletrônico Julian Bigelow. Contribuíram fortemente nos estudos de Wiener, a Linguística, a Lógica da Informação, a Teoria dos Jogos de Neumann-Morgenstern, a Teoria Matemática da Informação, de Shanon-Weaver destinada a solucionar aspectos técnicos de ruídos na transmissão de informações em


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linha telefônicas e a obra magistral de Bertrand Russel e Alfred North Whitehead intitulada ‘Principia Mathematica’. A partir das Conferências Macy, especialmente dos estudos articulando o sistema nervoso e a lógica matemática, McCulloch e Von Neumann, inspirados na máquina universal de Alan Turing, propuseram um modelo teórico, denominado “All-or-None” que simulava o funcionamento do cérebro, o qual poderia realizar operações pré-determinadas a partir de uma sequência de instruções previamente instaladas. Foi o esboço do primeiro computador comandado por um programa nele armazenado. Este modelo possibilitou as especulações sobre o funcionamento do cérebro como uma rede de neurônios, adotado por Bateson e Foerster na linha de pesquisa das ciências cognitivas. Assim, no resultado das discussões das conferências Macy estava também o surgimento de um novo paradigma auto-organizativo, em substituição aqueles com referência externa, em uma ciência unificada da mente com o foco nos processos e não mais no objeto de estudo. A Cibernética, então, englobou pesquisas que utilizavam a Teoria Geral de Sistemas (TGS) no campo das ciências cognitivas, como sistemas abertos evolutivos. O conceito de Cibernética sofreu também forte influência dos trabalhos de Ilyia Prigogine a partir das suas considerações sobre a segunda lei da termodinâmica, que governa o fenômeno da entropia. Conforme essa lei, os sistemas fechados tendem a distribuir uniformemente a energia (ou massa, ou informação) neles contida rumo a um estado de equilíbrio homogêneo onde nenhuma diferenciação (ordem) pode ser observada. Prigogine sugeriu que os sistemas sociais, bem como os seres vivos e até mesmo a linguagem, não são sistemas em equilíbrio e que, por meio da interação, esses sistemas podem reverter a tendência à extinção por conta do princípio da auto-organização, transformando-a em negentropia. Esses sistemas seriam dotados de uma lógica circular com retroalimentação em lugar de uma lógica linear de causa e efeito. Esse posicionamento teórico de Prigogine sofreu a influência dos trabalhos colaborativos desenvolvidos com o grupo de Bruxelas e os trabalhos de Haken na Sinergética. Esse entendimento fez com que a cibernética se orientasse também para reflexões ligadas à biologia, especialmente na questão evolutiva dos organismos biológicos. Com essa base, Pellanda (2003) corrobora com os autores anteriores reforçando que a contribuição mais significativa da Cibernética, em seus primeiros momentos, foi o princípio integrador que coloca, numa mesma paisagem, seres vivos, natureza e máquinas. Esta autora reforça que a cibernética ganhou terreno principalmente ao focar as linhas de investigação centradas nas ciências cognitivas e nos sistemas sociais, cujas características são ‘não determinísticas’.


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Na linha de pesquisa do biofísico Heinz Von Foerster e da teoria da evolução genética de Darwin, a partir da década de 1970, aderiram os trabalhos de Humberto Maturana e Francisco Varela. Com o conceito de autopoiese esses autores revolucionaram a Biologia e as Ciências Cognitivas com uma nova teoria denominada Biologia do Conhecimento, onde analisam os processos de aquisição de conhecimento conjuntamente com o processo da vida em si (Maturana & Varela, 1995). Na perspectiva de Maturana e Varela os sistemas autopoiéticos são sistemas autorreferenciados/fechados. No entanto, mesmo sendo operacionalmente fechados, esses sistemas respondem às transformações do meio ambiente em que estão inseridos. O significado desta hipótese é alvo de controvérsia. Em algumas interpretações poderia significar que os sistemas autopoiéticos são realmente fechados, mas a visão mais aceita é que estes foram assim considerados apenas para fins de pesquisa ou estudo, uma vez que sistemas completamente fechados não seriam sequer observáveis, por não apresentarem qualquer interação com o ambiente (KRAUSS, 2012). Com isso, progressivamente, o conceito de Cibernética passou a incorporar à tecnologia e à matemática, indagações cada vez mais abrangentes, estabelecendo vínculos intrincados com as questões sociais, econômicas e antropológicas, reforçando, portanto, sua origem interdisciplinar. Mas, especialmente, a discussão epistemológica foi a responsável pelo substanciamento teórico/acadêmico de que hoje é detentora. O eixo principal de discussão passou a envolver o CONHECIMENTO e sua relação com o sujeito cognoscente que constitui a essência sócioantropológica da SOCIEDADE do CONHECIMENTO. Nessa direção, uma releitura atualizada do conceito que Wiener (1968) emitiu, de que “a cibernética é a ciência que estuda todo o campo de controle e da comunicação, seja na máquina, seja no homem”, ganha, atualmente contornos bem mais sofisticados e complexos, principalmente em função do espetacular avanço dos sistemas computacionais e sua incorporação aos processos de comunicação. Autores como Pierre Levy, Manoel Castells, André Lemos, Jocelyn Bennaton, e muitos outros, nos últimos vinte anos, acompanharam com reflexões críticas, mas não fáusticas, as transformações que as Tecnologias de Informação e Comunicação, dentro das quais se encontra a rede mundial (Internet) sofreram e causaram na dinâmica social. A rápida evolução das tecnologias digitais acelerou drasticamente essa transformação, elevando a um novo patamar a complexidade da comunicação e do respectivo controle humano. Ou seja, os temas discutidos nas Conferências Macy não perderam sua importância nem seus efeitos, mas se sofisticaram consideravelmente por conta das inovações digitais proporcionadas pelos computadores, pela


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internet e suas consequências. A tecnologia simples e precisa dos protocolos HTTP e FTP (BERNERS-LEE, 1989), viabilizou o desenvolvimento da Web - uma plataforma multimídia, onde as pessoas não são apenas consumidoras, mas também produtoras de informação. Em associação, a partir dos primeiros anos do novo século, a evolução do telefone celular para os smartphones, assim como a popularização de tecnologias como GPS, Bluetooth, 3 e 4G, RFID, entre outras, adicionando mobilidade e potencializando as conexões, expandiu enormemente as possibilidades de produção, troca, captura e disseminação de informação. Tão rápida foi a transição cultural gerada pela nova mídia que pegou de surpresa os mecanismos convencionais de controle (governança) social. Esta situação foi originalmente detectada por Levy (1999) e posteriormente analisada por Castells (2003). A contribuição lúcida de Maturana (1994) permanece viva após as contribuições de Levy, Castells, Lemos e outros, porque o ser humano biológico não apresentou quaisquer mutações genéticas perceptíveis e consideráveis recentemente. Maturana (1964) afirma em sua obra, que o fluir humano na biologia cultural constitui um viver gerador de mundos. Tal observação se verifica a cada dia, visto que a ‘suposta onipotência científica e tecnológica’ que resolve todos os problemas humanos, continua sendo o depositário das esperanças do sujeito social e a motivação pela busca incessante por inovação científica e tecnológica. Na epistemologia de Maturana, as emoções, os desejos e as preferências, atuam como argumentos racionais para todo o tipo de realizações. Se a linguagem, como fenótipo ontogênico que define a linhagem cultural, foi, segundo Maturana (1994), a responsável pela evolução do homem na sua história a partir dos primatas, as novas linguagens que articulam o compartilhamento de conhecimento pelos sofisticados audiovisuais que transitam pela web articulam um novo cenário cultural cuja conservação produz as variações estruturais que transformam, em última análise, o seu criador/compartilhador. A cibernética de segunda ordem (GONÇALVES, 2013), ou aquela que recebeu contribuições posteriores aos trabalhos de Von Foster, do grupo realizador das Conferencias Macy, principalmente pelas noções de ordem por ruído, auto-organização e autopoiese, veio a dar melhor consistência acadêmica ao tema. Nesse sentido, a Cibernética, nessa nova fase, reforçou sua base conceitual com o tema da auto-organização, que se verifica nos sistemas complexos e na cognição adaptativa. A contribuição interdisciplinar daí decorrente, é que essa base conceitual tornou-se central nas ciências da Complexidade, presentes nas investigações dos efeitos na Cibersociedade, posto que esta dependa de uma visão mais abrangente do que a empirista/mecanicista. Ou


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seja, estando um passo à frente do cientificismo, esta base conceitual contribui no processo de compreensão dos fenômenos sociais complexos, principalmente aqueles adaptativos. Na prática, segundo Gonçalves (2013), consiste em investigar os padrões emergentes nas dinâmicas sociais, os quais não se encontram nas partes, mas, que são identificáveis no comportamento global, agregado do sistema. É, portanto, neste panorama que se insere a abordagem matemática que está na base da teoria dos jogos evolucionários, os sistemas adaptativos complexos e os algoritmos genéticos, imbricados nas pesquisa em Inteligência Artificial.

CIBERSOCIEDADE A Internet é uma das poucas invenções humanas que não é ainda totalmente compreendida pelos seus próprios criadores. O que começou simplesmente como um meio de transmissão de informações digitais transformou-se em um complexo e onipresente sistema de expressão, aprendizagem, trabalho, negócio, cultura, ciência, tecnologia, inovação e lazer, uma infraestrutura tecnomidiática suportando as mais variadas aplicações e conteúdos digitais, que não é apenas uma camada, como costuma ser modelada, mas um verdadeiro emaranhado virtual, que se enraizou profundamente nas entranhas das mais variadas atividades humanas, terminando por formar o próprio substrato da Cibersociedade. Segundo (SCHMIDT e COHEN, 2013), o impacto da Internet – para o bem ou para o mal – tem sido imenso e o mundo apenas começou a testemunhar seu potencial. Para estes autores a Internet consiste no maior experimento anárquico jamais realizado na história da humanidade. A cada minuto, centenas de milhões de pessoas, sensores e dispositivos estão produzindo e consumindo conteúdo digital estimado em 100 exabytes (quintilhões de bytes) mensais. Muito pouco controle pode ser de fato exercido sobre o que circula na Internet e que parece simplesmente traduzir de forma amplificada e transparente as próprias qualidades e mazelas da civilização do século XXI. Prevê-se que em 2020, dois terços da população global tenha acesso à Internet, na maior parte por meio de smartphones e dispositivos móveis cada vez mais integrados a uma atmosfera em que as máquinas, os seres vivos e a natureza tornam-se interdependentes e integrados. Nos últimos anos, a cultura digital da Cibersociedade produziu inúmeras comunidades e tribos, como gamers, hackers, ciberativistas e bloggers, para citar apenas alguns, cuja ação ocorre exclusivamente no mundo virtual, mas


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que nem por isso é menos concreta e real. Novas técnicas de realidade virtual e aumentada proporcionam experiências não apenas visuais, mas também multissensoriais. Na Cibersociedade, como um imenso sistema complexo adaptativo,a aceleração da tecnologia e as possibilidades que esta proporciona, contrapõem-se aos valores conservadores tradicionais que não mais conseguem manter suas posições frente à expansão do conhecimento e da informação, hoje cada vez mais ao alcance de todos.

DISCUSSÃO No curso da história humana, as pessoas têm lutado com o seu ambiente natural, incluindo outros animais e a natureza (problemas ecológicos), com os outros seres humanos (problemas sociais do conflito e cooperação) e com sua própria natureza interna (problemas psicológicos da civilização). Na cibersociedade atual, essas três classes de problemas têm-se mostrado recorrentes, persistentes e aparentemente sem solução à vista, a menos que uma grande reformulação civilizatória venha a ocorrer. Por outro lado, a evolução da ciência e da tecnologia, incluindo aí desde as ciências sociais até a pesquisa em nanomateriais, passando pela física de partículas, pela biologia molecular, pelos processadores neurossinápticos e pelo mundo conectado em rede, não tem realmente concretizado o potencial acumulado em benefício da civilização humana. A história de longo prazo da humanidade sugere que os níveis de controle sobre cada um destes três domínios aumentaram, principalmente através da coordenação de ações cada vez mais amplas e intricadas. No entanto, o preço a pagar por esses avanços parece ser um aumento da vulnerabilidade coletiva. Problemas enfrentados por “cidades globais” como a Cidade do México, Mumbai, Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro são emblemáticos. A cibersociedade parece estar evoluindo para uma sociedade de risco global, em termos de ecologia; pobreza, guerra, terrorismo, migração e patologias de individualismo. Em teoria social, os riscos que as pessoas correm e os problemas que tradicionalmente enfrentam foram analisados a partir de duas perspectivas distintas. Uma perspectiva realista vê riscos e problemas como ameaças objetivas, males coletivos que afetam um grande número de pessoas e (ou) que exijam uma ação coletiva. A perspectiva construtivista, por outro lado vê riscos e problemas como percepções subjetivas que levam a reivindicações por grupos de pessoas que priorizam suas contradições particulares e específicas


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sobre valores mais amplos e coletivos. Em outras palavras, exacerbam o pensamento competitivo e a vitória por imposição em detrimento de uma visão colaborativa, de esforço e triunfo coletivo sobre questões globalmente compartilhadas.

CONCLUSÃO É forte a sensação de que as grandes questões e tensões humanas necessitam ser urgentemente revistas à luz de uma nova perspectiva, orientada ao desenvolvimento do ser humano como indivíduo pleno e senhor de suas possibilidades. Esta nova perspectiva, pensa-se, deve ser fundamentada na ciência e unificar interdisciplinarmente os conceitos associados tanto nas ciências exatas e da vida quanto nas humanas e sociais. Uma proposta nesse sentido encontra-se no livro A Systemic View of Life, (CAPRA e LUISI, 2014). Nele os autores defendem a adoção de uma visão unificada das ciências para análise e entendimento dos problemas humanos. Propostas para que o homem retome o controle sobre si próprio, rumo a uma sociedade mais harmoniosa e justa, surgem com frequência, no entanto, pouco de concreto tem sido realizado nesse sentido. Ao contrário, visivelmente nas últimas décadas recrudesceram grandes questões como a violência, saúde pública e a desigualdade social, que a Cibersociedade não pode ignorar. Assim, o que compõe a cibersociedade, a partir dessas diferentes perspectivas, é um conjunto complexo de sistemas comunicacionais indissociáveis do ser humano biológico que constitui a perspectiva autopoiética. O ser humano tem sua realidade decorrente de sua prática dentro de uma dinâmica linguística em mutação permanente no âmbito dos compartilhamentos sociais. Isto é, é na exata perspectiva de Maturana, quando ressalta que a realidade, bem como as realizações, provém das conversações que se estabelecem no conjunto social, hoje mediado pelas tecnologias digitais de Informação e Comunicação. Reforçando este argumento, Maturana e Varela (1991) acrescentam que são inseparáveis os fenômenos da cognição do próprio processo de viver, analisado aqui nas condições ambientais e tecnológicas da segunda década do século XXI. As tecnologias, na cibersociedade, geram ordem e ao mesmo tempo geram complexidade, modificam costumes, produtos, cidades e grupos sociais. Modificam a forma de pensar e agir, de aprender e ensinar, de se isolar e de expor, de ser e de existir. Estariam, essas tecnologias mutantes, conduzindo as sociedades inexoravelmente para um transhumanismo eugênico?


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É tempo de explorar os limites do pensar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BENNATON, J. O que é cibernética? São Paulo: Brasiliense, 1984 CADWALLER, M. L. Análisis cibernético del cambio. In: ETZIONI, A.; ETZIONI, E. Los cambios sociales: fuentes, tipos y consecuencias. México: Fondo de Cultura Econõmica, 1968. p.149-153. CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi: The systems view of life. Cambridge. Cambridge University Press, 2014. 514p FREITAS, Rodrigo Rocha de. DIREITO CIBERNÉTICO As contribuições epistemológicas da teoria cibernética de Norbert Wiener. Dissertação de Mestrado. Universidade São Judas Tadeu, São Paulo: 2011 GONÇALVES, Carlos P.. As Quatro Fases da Cibernética e a Ciência da Tomada de Decisão. Publicado em 2013 e disponível em ACADEMIA. edu https://www.academia. edu/4820997/As_Quatro_Fases_da_Cibern%C3%A9tica_e_a_Ci%C3%AAncia_da_Tomada_de_Decis%C3%A3o . Acessado em 05/05/2015 KRAUSS, Lawrence M.: A Universe from Nothing – Why there is something rather than nothing. New York. Free Press, 2012. MATURANA, H. La realidad: ¿objetiva o construida? I: Fundamentos biológicos de la realidad. Barcelona: Editorial Anthropos, 1996. MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Emociones y Lenguaje en Educación y Política Belo Horizonte: UFMG, 1998.

MATURANA, H. et al. Matriz Ética do Habitar Humano. 2009. Disponível em: <http:// www.4-shared.eu/download/9WiHe7IJIPvVzhfRvR8Pm/MATURANA-Humberto-et-all-2009-Matriz-%C3%89tica-do-Habitar-Humano.html>. MATURANA, H. VARELA, F. A Arvore do Conhecimento: As bases biológicas do entendimento humano. Tradução Jonas Pereira dos Santos. Campinas: Editora Psy II, 1995. PELLANDA, Nize M. C. Conversações: modelo cibernético da construção do conhecimento/realidade, Educ. Soc. vol.24 no.85 Campinas Dec. 2003 http://dx.doi.org/10.1590/ S0101-73302003000400014 SCHMIDT, Eric; COHEN, Jared: The New Digital Age – Reshaping the Future of People, Nations and Business. New York. Borzoi Books. Alfred Knopf. 2013. WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade – o uso humano de seres humanos, s3º Edição. São Paulo: Editora Cultrix, 1984, p. 16. WIENER, Norbert. Cibernética ou controle e comunicação no animal e na máquina. por Gita K. Ghinzberg. São Paulo: Editora Polígono e Universidade de São Paulo, 1970.


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CAPÍTULO 2

SOBRE SEGURANÇA E LIBERDADE NA CIBERSOCIEDADE, UMA VISÃO TRANSHUMANISTA Aldrwin F. Hamad Tarcisio Vanzin Luiz Palazzo Rogério Bastos RESUMO Este capítulo objetiva promover uma reflexão sobre os conceitos, princípios norteadores e previsões conceituais dos modelos de liberdade e segurança nas sociedades humanas da era digital. A busca pelos conceitos de organização da assim chamada cibersociedade se justifica pela contextualização dos aspectos de relacionamento dos princípios de privacidade, liberdade e direitos individuais às necessidades de segurança tanto individual quanto coletiva. A pesquisa foi realizada através do método de revisão sistemática de literatura e busca discutir as bases teóricas para elaboração de um modelo de segurança de informação. PALAVRAS-CHAVE: Transhumanismo, Cibersociedade, Liberdade

INTRODUÇÃO Este capítulo, motivado pela discussão que envolve a tomada de consciência das transformações que as Tecnologias de Informação e Comunicação estão oferecendo à sociedade, teve como ponto de partida a seguinte pergunta de pesquisa: Considerando os cenários de aceleração tecnológica e meios de empoderamento do homem, as tecnologias que habilitarão os cenários pós humanos serão capazes de proporcionar maior liberdade ao homem? Diante


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deste desafio esta pesquisa buscou delimitar os conceitos das relações do homem com as tecnologias e destas com a sociedade. A amplitude do tema, que remete aos princípios basilares da filosofia tanto clássica quanto moderna, obrigou a adoção de um recorte onde a visão de mundo de alguns autores chave pudesse limitar o escopo de pesquisa. Foi considerado, como ponto de partida, o entendimento do homem já inserido na assim chamada sociedade do conhecimento. Para um melhor entendimento, este trabalho foi dividido em partes explanatórias que buscam contextualizar a abordagem proposta. Estas partes tratam de conceitos da sociedade do conhecimento enquanto cenário atual, trazendo conceitos relativos aos princípios que regem as relações do indivíduo e sociedade dentro do contexto tecnológico e suas implicações nos campos de comunicação e formação de princípios gerais. Também são abordados os conceitos de liberdade, controle e tecnologias buscando correlacionar princípios e identificar fatores de limitação dentro de pressupostos epistemológicos de liberdade e transhumanismo. Em seguida buscou-se concluir com as concepções próprias dos autores acerca dos temas abordados com ênfase nos princípios transhumanistas. Este capítulo teve como princípio adicional, reforçar o domínio por parte dos autores dos principais conceitos estabelecidos na literatura a respeito de uma área em ampla expansão cujas características são essencialmente transdisciplinares. Os desafios iniciaram pela necessidade de fazer convergir áreas tão distintas quanto a biologia, as tecnologias de comunicação e informação, direito, economia, filosofia, arquitetura e urbanismo, design entre outras tantas áreas das engenharias e medicina. Diante desta complexidade busca-se delimitar frentes de investigação para, de alguma forma, tentar convergir domínios e visões de mundo tão distintas e propor cenários possíveis.

MÉTODO DE PESQUISA Este trabalho utilizou, em seu desenvolvimento, um método de revisão sistemática da literatura aplicável em diversas áreas de pesquisa em Engenharia do Conhecimento, de forma a ordenar e simplificar a construção de um referencial bibliográfico, o qual pode ser utilizado tanto como um fim quanto um meio para o desenvolvimento de pesquisas científicas. Assim, é apresentada uma revisão sistemática, que de acordo com Castro (2001) “é uma revisão planejada para responder a uma pergunta específica e que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar critica-


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mente os estudos, e para coletar e analisar os dados destes estudos incluídos na revisão.” De-la-Torre-Ugarte-Guanilo, Takahashi e Bertolozzi (2011), por sua vez, trazem que “é uma metodologia rigorosa proposta para: identificar os estudos sobre um tema em questão, aplicando métodos explícitos e sistematizados de busca”. Seguindo os passos acima apresentados, inicialmente foi definida a base de dados na qual seria realizada a busca e as palavras e conceitos utilizados. Optou-se por utilizar a base de dados SCOPUS, por ser uma base de dados internacional com um grande acervo de publicações. As palavras e termos utilizados para a pesquisa foram as demonstradas no quadro 1 abaixo: Sequência de busca

Palavras ou termo de pesquisa

PALAVRA / TERMO UTILIZADO NA BUSCA

1 - Inicial

Cibersociedade

Cibersociety, Cibersociedade

2 - Refinamento

Liberdade, segurança, controle

“Liberdade, segurança, controle”; “freedom, security, control”

Quadro 1: Palavras e termos de busca Fonte: Autor (2015)

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E A CIBERSOCIEDADE. A sociedade do conhecimento é compreendida como aquela na qual o conhecimento é o principal fator estratégico de riqueza e poder, tanto para as organizações quanto para os países. Nessa nova sociedade, a inovação tecnológica ou novo conhecimento, passou a ser um fator importante para a produtividade e para o desenvolvimento econômico dos países (DRUCKER, 1993; LEMOS, 1999; FUKS, 2003; D’AMARAL, 2003). A mudança no modo de comunicação, derivada do surgimento da internet e das tecnologias digitais, permitiu que a comunicação pudesse ser processada de muitos indivíduos para outros muitos indivíduos, facilitando a disseminação de informações e a socialização do conhecimento entre diferentes culturas. Desde o século XX, o desenvolvimento de uma nova estrutura social foi marcado pela passagem da Era Industrial, apontada por um modelo social baseado na tecnologia eletrônica, para a Era da Informação e do Conhecimento, que é uma forma de sociedade baseada tecnologicamente na Internet. Essa nova estrutura tem mudado a forma organizacional da sociedade por


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meio da rede. Com a Internet, a rede, como uma ferramenta de organização humana, tem substituído o modelo centralizado, vertical e de controle, por outro descentralizado, horizontal e flexível (Castells, 2003). Essas mudanças têm afetado a vida humana em escala global, numa velocidade nunca vista e de modo, muitas vezes, contraditório. Do ponto de vista tecnológico, esta sociedade se ampara nas Plataformas Digitais de Informação e Comunicação, veiculadas em tempo real, na qual a Ciência da Informação e toda a literatura por ela produzida encontram-se em constante evolução e ressignificação. Esta dinâmica, acelerada pelas mídias digitais, não está, contudo, restrita à academia, tendo em vista que a sociedade como um todo, tem recebido o impacto de sua frequência, ao mesmo tempo em que ela mesma, individual ou coletivamente, é responsável por sua construção, distribuição e acesso (Gouveia Junior, 2012). Nestas novas fronteiras de comunicação surgem novos conceitos, entre eles o do ciberespaço que pode ser considerado uma grande trama onde cada suporte de tecnologia de comunicação ligado a ele é um pedaço desta, formando assim uma rede descentralizada de informações interativas inusitadas, e o principal suporte técnico-material do ciberespaço é a Internet, a “principal rede de troca humano-genérica e de intercambio mercantil” (ALVES 2003). Nesse contexto, parece senso comum que a Informação, como matéria-prima para a tomada de decisões, desfrute, atualmente, de uma posição privilegiada perante a sociedade no tocante à organização e à tessitura de seus planos de ação ( JÚNIOR, 2014). É assim que a Informação se apresenta como sinônimo de poder numa realidade em que seu fluxo é global, contínuo e veloz, e que estratégias de preservação, controle e acesso têm estado nos focos da notícia e na pauta de instituições públicas e privadas, bem como no campo das ciências da Tecnologia e da Informação e Comunicação (Mendel, 2009). Na sociedade do conhecimento, Bauman (1999, p.26) indica que a informação flui de um modo mais rápido independentemente dos seus portadores, fenômeno que ele chama de “liberação dos corpos”. Com a mudança no modo de comunicação, que a Sociedade do Conhecimento trouxe consigo e que constitui uma mudança de paradigma, desenvolveram-se novas formas de se comunicar, de disseminar informação e de criar conhecimento,impactando fortemente outras áreas. Segundo (DÁVILA CALLE et al, 2008) os meios de comunicação tradicionais como o rádio, a televisão e a imprensa, funcionam conforme um modelo de comunicação de “um para muitos”, operando com uma hierarquia bem definida de emissor-receptor. Pela via da Internet, surgiu um novo modelo de comunicação, de “muitos para muitos”, no qual os atores do proces-


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so de comunicação não têm um papel fixo, podendo ser ao mesmo tempo produtores e receptores de informação (LÉVY, 2000). Segundo este último autor, quanto maior a interconexão de computadores, maior será o potencial de inteligência coletiva a disposição em tempo real. Assim, considerando a mudança do paradigma de comunicação e a capacidade de colocar na Internet todos os documentos / informações digitalizadas do planeta, a world wide web constitui, segundo Lévy (2000), a maior revolução na história da escrita depois da invenção imprensa. Com relação às consequências desse novo meio comunicacional, Lévy (2000, p.207) afirma que a Internet, ao permitir a troca de múltiplos fluxos, torna-se um centro virtual e um poderoso instrumento de poder. Outra consequência fundamental da internet é a eliminação dos limites geográficos no acesso/produção/disseminação da informação (VAZ, 2004, LEVY, 2000). Para Vaz (2004), os novos limites agora são impostos pelo excesso de informação. Dentro do âmbito social, observa-se que a exclusão é o grande risco do ciberespaço (LÉVY, 2000), sendo que as pessoas com menor capacidade de acesso às novas tecnologias vão ter uma menor capacidade de se desenvolver e de produzir conhecimento e riqueza.

CONCEITOS SOBRE LIBERDADE E CONTROLE Para Oliveira (2013), a sociedade contemporânea está rodeada por novas tecnologias comunicacionais e informacionais, experimentando um modelo social ancorado no controle e vigilância. Os atuais dispositivos tecnológicos se caracterizam por uma maior mobilidade e disseminação da informação, além de alterar os modos de produção de subjetividades e as relações entre os indivíduos. Por permitirem a conexão e a interação entre usuários, caracterizando maior visibilidade, capacidade de produção, armazenamento e multiplicação da informação, em uma era onde as barreiras entre espaço e tempo são consideravelmente reduzidas, as tecnologias de comunicação e informação têm cada vez mais o poder de adentrarem e serem aceitas no cotidiano da sociedade atual. A partir deste ambiente tecnológico, o modo e a forma de criação das subjetividades são reconfiguradas pelos novos sentidos dados pelos processos de comunicação, uma vez que o indivíduo imerso nesse cenário tecnológico é um sujeito altamente modificado pelas novas forças estabelecidas, alterando as formas de pensar, compreender, agir e sentir (SANTAELLA, 2008). Tais modificações se dão pelas interações tecnológicas que, ao estabelecer a inte-


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ração, sugerem novas práticas sociais, novas relações, originando, assim, novas formas de saber e poder. Foucault (1987) identifica as formas de saber e os dispositivos de poder, visíveis ou enunciáveis, como características próprias de uma sociedade disciplinar moderna. Tais características, na contemporaneidade tecnológica, permitem novas formas de visibilidade e controle. Desse modo, a sociedade de controle, conforme discutida por Deleuze (1992), é mais uma forma de compreender os tipos de controle desenvolvidos na sociedade, sociedade essa composta por relações sociais ancoradas na necessidade do instantâneo, do rápido e do móvel. Sendo as subjetividades construídas no campo das forças sociais que envolvem o indivíduo (LEAL, 2006) essas “âncoras” podem ser vistas como propulsoras do vertiginoso desenvolvimento tecnológico e estimuladoras do sentimento de medo e insegurança que se dissipa em virtude da violência. Para Castells (2003) três processos independentes se uniram e inauguraram a recente estrutura social baseada em um novo formato de redes: as exigências da economia por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da produção e do comércio; as demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos; e os avanços na computação e nas telecomunicações permitidos pela revolução microeletrônica. Para ele, tais processos, em evolução, devem ser compreendidos para mudar a realidade, se essa for a intenção. A liberdade, a privacidade, a segurança e o futuro da internet estão na pauta do dia, não apenas devido aos escândalos sobre a espionagem mundial praticada, principalmente, pelos países que representam as grandes forças políticas e econômicas, mas, pela evidente vulnerabilidade dos indivíduos em relação a estados totalitários e organizações baseadas em informação e conhecimento. Para tentar estabelecer conceitos a este respeito, Bauman (2003) afirma que liberdade e a segurança são dois valores igualmente preciosos e desejados, mas que nunca podem ser totalmente equilibrados e obtidos sem atritos. A incompatibilidade de ambos os conceitos transparece quando se percebe que a promoção da segurança invariavelmente requer o sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser ampliada à custa da segurança. Gouveia Júnior (2014) aponta que segundo o próprio Bauman (2003), segurança sem liberdade é escravidão e liberdade sem segurança é caos, que, em muitos momentos da história das civilizações o temor que se configurava diante de uma iminente ameaça de desagregação fomentou, de certa forma, retrocessos das relações sociais e econômicas. Diante deste cenário de cres-


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cente domínio dos meios digitais como meio de criação de valor humano, sobrevém a necessidade de compreender os princípios das relações entre as bases epistemológicas que relacionam a aparente dicotomia entre liberdade e segurança na nova vida digital e seus impactos na sociedade que se desenha como imersa neste contexto.

SOBRE O TRANSHUMANISMO E A CIBERSOCIEDADE O Transhumanismo, segundo More (2013) vem sendo desenvolvido como uma filosofia que se tornou um movimento cultural, e agora é considerado como um campo crescente de estudo. É muitas vezes confundido com, em comparação com, e até mesmo igualado com pós-humanismo. Transhumanismo chegou durante o que é muitas vezes referida como a era pós-moderna, embora tenha apenas uma sobreposição modesta, com o pós-modernismo. Estas novas abordagens de estudo amparam-se em visões ainda mais antigas e não menos atuais de Mcluhan (1964) que já apontava as novas formas de mídia como extensões tecnológicas humanas. Para Bostrom (2005) o transhumanismo é um movimento vagamente definido que se desenvolveu gradualmente ao longo das últimas duas décadas. Ele promove uma abordagem interdisciplinar para a compreensão e avaliação das oportunidades para a melhoria da condição humana e do organismo humano, proporcionadas pelo avanço da tecnologia. Atenção é dada tanto para tecnologias atuais, como engenharia genética e tecnologia da informação, quanto para aquelas antecipadas para o futuro, como a nanotecnologia molecular e a inteligência artificial. O surgimento das novas tecnologias digitais de informação e comunicação abriu um novo campo para os estudos de comunicação, chamando a atenção de pesquisadores e se tornando em alguns dos objetos de pesquisa de grande procura (De Carvalho, 2004). O tema do pós-humanismo ou transhumanismo vem ocupando, nos estudos de cibercultura, posição cada vez mais destacada, articulando-se com vários outros diferentes temas, como os do ciborgue ou o do abandono do corpo físico por meio das tecnologias digitais (Haraway, 2000). O pós-humano é, na verdade, aquele ser ou indivíduo que faz pleno uso do potencial das “novas tecnologias” ao seu dispor. O pós-humano é como um explorador dos novos territórios da cibercultura, navegador do ciberespaço (cibernauta), híbrido (artificial-orgânico), um ser da conectividade, capaz de abrir mão de todas as certezas de sua condi-


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ção humana para as incertezas proporcionadas pela “confusão de fronteiras” (Haraway, 2000: 42). Por isso é que ele parece constituir um vértice no qual transitam as principais representações, imagens e símbolos do universo cibercultural. Entretanto, isso não deve conduzir à suposição de que a técnica seja um mero prolongamento das funções do corpo, inclusive as funções cognitivas, tendo em vista que, ao disseminar suas funções no espaço externo, nem o corpo, nem o mundo permanecem os mesmos, pois o interior e o exterior, bem como a mediação entre eles, ganham novos contornos. De acordo com Santaella (2007) as “tecnologias da inteligência, que hoje já começam a tomar conta também do corpo dos indivíduos, são extrassomatizações do cérebro humano.”. Na opinião da referida pesquisadora, essas novas tecnologias não são tão estranhas quanto parecem ser, pois, elas agem como prolongamentos do corpo e da mente. Seguindo nessa esteira de pensamento, existem pós-humanistas que defendem a ideia de que a contemporaneidade exige, cada vez mais, que o homem precisa poder viver em ambientes que não são o seu habitat natural, como nas missões espaciais ou em ambientes com sérias restrições de recursos e altos riscos. Observa-se cada vez mais pesquisas voltadas para uma visão de mundo onde a vida inteligente precisa continuar no espaço, caso uma catástrofe elimine todas as condições de sobrevivência da espécie humana na Terra. Por outro lado, há outro grupo de pós-humanistas que baseiam suas proposições na tese da transformação biotecnológica, ou biogenética. Eles consideram que não há uma superação do humano, mas sim a sua transformação (Hernandez, 2015) e isso ocorreria com o pós-humano através da sua transformação genética, isto é, não há uma obsolescência do humano, mas, uma possibilidade de se melhorar o patrimônio genético por meio de transformações nas células germinativas. Assim, no futuro, haveria uma diferença grande entre aqueles que ainda evoluem de acordo com a seleção natural e aqueles que evoluem de acordo com essa transformação genética. Essa proposta científica inaugura aquilo que alguns estão chamando de um novo tipo de eugenia, ao mesmo tempo de um outro tipo de homo sacer. Hernandéz (2015) traz este termo que deriva do verbo latino sacer que designa o que não pode ser tocado, que é querido pelos deuses, santo, venerável. Ao mesmo tempo, contempla a ideia de sanctus, isto é, aquilo que é tornado sagrado, inviolável, respeitável, virtuoso, poderoso. Pesquisadores da tecnociência contemporânea pressagiam que a inteligência artificial, as ciências da computação, a nanotecnologia e a engenharia genética irão proporcionar a transcendência das limitações do corpo humano, ampliando assim o ciclo da vida do homem, que deve ir muito além de um


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século (Araujo, 2013). Segundo este autor, algumas temáticas em evidência na atualidade são: a natureza humana como objeto de experimentação; autômatos biológicos nos processos medicinais; criaturas artificiais com habilidades humanas; entre outras visões futuras que almejam romper com o curso normal da ciência, extrapolando-a, a fim de que seja promovida uma transformação na condição humana, nos próximos anos, até que o ser humano atinja o grau de imortalidade e, portanto, mais próximo do “sagrado”.

SOBRE A LIBERDADE O que é a liberdade? Para iniciar qualquer tentativa de resposta de uma pergunta tão complexa é necessário resgatar a inspiração que trouxe até este tema que é o inesquecível trecho final do documentário Ilha das Flores de Jorge Furtado de 1988. “Os humanos se diferenciam dos outros animais pelo telencéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por serem livres. Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” Furtado (1988).

Este trecho conecta-se com os conceitos fundamentais que relacionam as limitações e extensões da mente humana, igualando os humanos dentro de uma categorização biológica e estabelecendo o sentimento derivado da percepção da liberdade. Ainda que incompleta e inconclusiva, traz, de forma poética, uma sensação que não é apenas humana. No entanto, esta é uma definição insuficiente, quando se leva em conta os aspectos filosóficos e sociais da liberdade. Além disso, há também a questão essencial do direito à liberdade. Vários pensadores apresentam diferentes pontos de vista sobre essas questões. Paradigmas como esses, do pensamento político moderno, foram originalmente definidos pela teoria contratualista, liberal e iluminista nos séculos XVII e XVIII. Formaram os princípios da liberdade e da igualdade, assim como o da soberania, igualmente por eles definidos, e se tornaram princípios fundamentais tanto da ordem internacional, tal como posta na Carta das Nações Unidas de 1945, quanto das constituições de todos os Estados Democráticos de Direito (Baptista, 2015). Na tentativa de traçar uma definição filosófica para o termo, buscou-se nos três contratualistas clássicos, definições


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acerca da visão de mundo de Hobbes, Locke e Rousseau para tentar traçar uma correlação destas com a tentativa de definir as possíveis liberdades. Através da síntese obtida em Baptista (2015) observam-se várias diferenças nas teorias dos três contratualistas. Hobbes acredita em um ser humano egoísta e competitivo por natureza, Locke crê que este só se torna cruel no momento em que há a violação dos seus bens. Já para Rousseau o indivíduo é amoral, não suporta ver seu semelhante sofrer, entretanto perde sua inocência ao passo que se integra cada vez mais na sociedade. O contrato social também possui visões díspares como em Hobbes, onde afirma que os homens entram em acordo para garantir segurança e paz, abrindo mão de todos os seus direitos e liberdade.Assim também defende Bauman. Locke acredita que o contrato é firmado para preservar os direitos naturais e a propriedade privada. Rousseau não vê o pacto social como uma saída eficaz, pois faz o homem perder sua liberdade e se tornar servo. Este último então propõe outro tipo de contrato que seria o ideal, também divergente do contrato de Hobbes e de Locke. Enquanto Rousseau não acredita em um retorno ao estado de natureza, Locke propõe que este se dá através do surgimento de um estado tirânico que coloca a preservação da propriedade privada em risco. Hobbes acredita ser inconcebível um retorno ao estado de natureza, já que, o súdito não tem o direito a se rebelar contra o soberano, contudo não descarta a possibilidade de isto acontecer. Todas estas visões encontram de certa forma algum amparo e alento nas promessas do futuro trans/pós humano ou nas utópicas cibersociedades, seja como forma de proteção, seja como forma de transformação do novo homem para alcançar os modelos ideais. Entretanto, para alguns autores o transhumanismo tem, por essência, uma base filosófica estabelecida. Alguns autores já tentaram estabelecer, por exemplo, visões gerais de valores essenciais para a filosofia transhumanista. Em Bostrom (2005) encontra-se uma das principais coletâneas desses princípios e valores. Segundo ele os transhumanistas em geral dão ênfase à liberdade individual e de escolha na área das tecnologias de aprimoramento. Desta forma aproxima necessariamente o transhumanismo de valores liberais, ou, até mesmo libertários mais próximos de Locke do que dos demais contratualistas, por exemplo. Segundo Bostrom, os seres humanos diferem muito em suas concepções sobre em que consistiria sua própria perfeição ou melhoria. As possíveis melhorias dependeriam, portanto dos desejos de seus portadores. As pessoas deveriam ter o direito de escolher quais tecnologias de aprimoramento elas querem usar. Nos casos em que as escolhas individuais impactam substancialmente outras pessoas, este princípio geral pode precisar ser restrito, mas


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o simples fato de alguém poder ser repugnado, ou moralmente ofendido, por alguém usando a tecnologia para modificar a si mesma, não seria normalmente uma base legítima para a interferência coercitiva. O autor também aponta que o histórico negativo dos esforços de planejamento central para criar pessoas melhores (por exemplo, o movimento de eugenia e o totalitarismo soviético) mostra que é preciso ser cauteloso na tomada coletiva de decisões no campo da modificação humana. Outra prioridade transhumanista é a de colocar o indivíduo e a sociedade numa posição melhor para fazer escolhas sábias sobre para onde está indo. Será necessária toda a sabedoria que se dispõe para negociar a transição pós-humana. Esta visão reforça a necessidade de empoderamento dos indivíduos e ao mesmo tempo lhes delega uma responsabilidade ainda maior sobre as ações e decisões, tornando os processos de escolha ainda mais interdependentes de sistemas de suporte de decisão. Por outro lado, Bostrom (2005) também aponta que os transhumanistas colocam um valor elevado em melhorias nos poderes coletivos e individuais de entendimento e na capacidade dos indivíduos de implementar decisões responsáveis. Do ponto de vista coletivo, somando-se as capacidades individuais modificadas, é possível que, enquanto espécie e de forma coletiva, os indivíduos possam ficar mais espertos e mais informados através de meios como a investigação científica, o debate público e a discussão aberta do futuro, mercados de informações e filtração colaborativa de informação. Em um nível individual, é possível se beneficiar da educação, do pensamento crítico, de técnicas de estudo e da tecnologia da informação. A capacidade de implementar decisões responsáveis pode ser melhorada através da expansão do Estado de direito e da democracia no plano internacional. Além disso, a inteligência artificial, especialmente se e quando atingir equivalência humana ou maior, poderá dar um enorme impulso para a busca de conhecimento e sabedoria.

CONCLUSÕES Discorrer sobre Transhumanismo e Cibersociedades é tratar necessariamente do futuro. Corre-se o risco, portanto de sucumbir no gigantesco fosso que guarda todas as previsões passadas sobre o futuro. Neste fosso estão as visões apocalípticas e paradisíacas que a mente humana foi capaz de criar. Qualquer interessado em ficção cientifica já deve ter contemplado obras que mostram tanto um futuro de pleno desenvolvimento humano, baseado


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na integração homem e tecnologia, quanto tragédias distópicas que usam as mesmas projeções tecnológicas como origem ou causa da miséria, escravidão, submissão quando não do extermínio da espécie humana e ou da vida no planeta. Não é difícil imaginar tais cenários uma vez que, sendo a tecnologia imagem e semelhança do homo sapiens, esta entidade estaria igualmente capaz de realizar as atrocidades que os humanos, são especialmente habilidosos, com a terrível diferença que estas tenderiam a ser muito mais eficazes. Diante destas observações qualquer tentativa de estabelecer possíveis cenários futuros esbarra na incapacidade de prever tanto as fronteiras tecnológicas quanto a capacidade que o homem terá de controlar os limites e princípios destas, ou, no limite, que estas acabarão impondo ao homem. Dentro do contexto dos temas pesquisados neste trabalho é necessário fazer um recorte e estabelecer alguns pontos de vista e visões de mundo. As conclusões deste trabalho baseiam-se em uma percepção otimista das relações da evolução das tecnologias na vida e nas relações humanas. Esta visão contempla uma crença que, apesar das inúmeras demonstrações ao longo da história de que as tecnologias também serviram para sustentar tragédias tanto humanas quanto ambientais. O conjunto da humanidade vem adquirindo uma consciência maior em relação aos próprios limites e estabelecendo barreiras para a co-destruição ou co-criação negativa. O paradoxo mais forte observado nesta pesquisa está diretamente ligado à correlação dos fatores que pressupõem o estabelecimento do conceito de liberdade. Se por um lado as tecnologias empoderam e permitem ao homem um maior desenvolvimento pessoal e coletivo, por outro deixam este mesmo homem dependente da tecnologia que o libertou. A liberdade é, portanto, uma sensação que transita entre os indivíduos e sua satisfação diante do que tanto seu corpo quanto o conjunto social e tecnológico estabelecem como limites. Diante dos possíveis cenários de ampliação, melhoria e otimização das capacidades humanas é possível prever um cenário otimista de minimização de riscos e ameaças. É possível também prever um aumento significativo de bem-estar dentro de todas as nuances possíveis dos desejos humanos, seja na habilitação para realização de tarefas, aquisição ou uso de sistemas de produtos-serviços, seja nas relações interpessoais ou no limite no auto-conhecimento, proporcionando satisfação e prazer. A contínua transferência de capacidades de realização de tarefas consideradas desagradáveis para sistemas autômatos e artificiais tende a liberar o homem dos vícios e sofrimento, proporcionando o surgimento de “super-ho-


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mens” livres, felizes e saudáveis. Este futuro utópico, há muito buscado pela espécie humana, se aproxima aceleradamente de limites inimagináveis e permitindo a resolução dos maiores conflitos existenciais. Por outro lado, surgem os questionamentos necessários acerca das infinitas combinações destes novos poderes habilitadores. Perguntas derivadas destas observações são fundamentais para que se estabeleçam meios para que o poder aparentemente ilimitado que este novo mundo pode trazer não se concentre nas mãos de poucos e com isso confirme a criação dos cenários distópicos abundantemente previstos nas obras de ficção. Da mesma forma, questionamentos essenciais a respeito dos mecanismos possíveis para que indivíduos e sociedades possam se proteger destas concentrações de poder são essenciais para o estabelecimento de seres essencialmente livres e não apenas de novas formas de dependência. Em situações mais críticas, a maior eficiência dos sistemas de suporte tecnológico tendem a fazer com que as ações consideradas “desumanas” sejam ainda mais trágicas e severas tornando déspotas ainda mais poderosos e controladores. Conforme apontado anteriormente, para permitir um maior desempenho através de suportes e complementos tecnológicos o homem deverá abrir mão da sua liberdade sobre eles, portanto, um tirano totalitário que assumir o controle sobre estes sistemas terá para si o controle quase total do novo sistema homem. Estas distopias trágicas já encontram embriões em estados vigilantes e controladores que tomam cada vez mais força especialmente por serem os detentores dos meios pelos quais as comunicações se estabelecem. Muitas das ideias aqui apresentadas seriam vistas como mera fantasia ou ficção científica há poucas décadas atrás. Hoje, no entanto, são consideradas plausíveis até mesmo pelos mais céticos, perante os grandes e inegáveis avanços científicos e tecnológicos que se aceleram na cibersociedade em um ritmo jamais visto na história. Distingue-se claramente um descompasso crescente entre a evolução da ciência e a capacidade do ser humano de fazer pleno e proveitoso uso dela, pois não teve tempo ainda de compreendê-la, controlá-la e apropriar-se culturalmente dela. A velocidade necessária para tanto parece estar além da sua natureza. Tudo leva então a crer que a cibersociedade é apenas um momento de transição, nas proximidades de um limiar a partir do qual, num curto espaço de tempo histórico (um século talvez), poderia emergir uma nova forma de consciência humana, ou até mesmo um novo ser, talvez tão distante do homo sapiens quanto este dos seus ancestrais pitecantropos. Como contribuições para estudos e trabalhos futuros recomendam-se os seguintes tópicos pelas lentes da Cibersociedade:


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• • • •

Movimentos políticos garantidores de liberdades individuais; Sistemas de criptografia; Privacidade como direito; Modelos políticos compatíveis e garantidores dos valores transhumanistas; • Futuro da Democracia;

(Sugere-se que os estudos futuros avancem também na apropriação da evolução tecnocientífica pela sociedade: Quem decide a tecnologia de amanhã? Com que critérios? Que impacto as diferentes escolhas podem ter sobre o bem estar das pessoas? Apresentar os trabalhos futuros sob a forma de questionamentos pode ser uma boa ideia)

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CAPÍTULO 3 - 37

CAPÍTULO 3

CIBERCULTURA E E-GOV: A NOVA CULTURA DE CONSUMO DE SERVIÇOS GOVERNAMENTAIS PELA INTERNET Mariana Pessini Mezzaroba Tarcisio Vanzin Luiz Antonio Moro Palazzo RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo apresentar aspectos relevantes da cibercultura e as mudanças desencadeadas pela nova forma de cultura com o surgimento do Governo Eletrônico, que se vale da utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação para modernizar-se e alterar as relações entre governos e cidadãos. Para isso, são apresentados os serviços informacionais e transacionais que podem ser encontrados no portal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Por fim, salienta-se, que além de disponibilizar serviços na Internet há que se criar a cultura de consumo massivo destes serviços por parte dos cidadãos para que haja o fortalecimento da democracia. Palavras chave: Cibercultura, e-gov, portais, serviços, poder judiciário.

INTRODUÇÃO A cibercultura é uma nova forma de cultura na qual se entra hoje tal como ocorreu com a cultura alfabética há muitos séculos. Nesta nova forma de se relacionar, motivada pelo uso das tecnologias, as relações de saber, trabalho e Estado estão sendo reinventadas. (LÉVY, 1999). A partir desta afirmação de Lévy, considera-se relevante discorrer sobre como as tecnologias estão afetando as relações na sociedade atual, e de que forma elas impactaram nas


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atividades rotineiras de governos e cidadãos, considerando que a sociedade da informação e a cultura contemporânea, associadas às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processo de virtualização, etc.) também criam uma nova relação entre a técnica e a vida social, denominada cibercultura. (LEMOS, 2008). Neste novo contexto tecnológico instituições públicas e privadas são instigadas a se modernizarem, modificando hábitos culturais de consumo de bens, informações e serviços. Com o intuito de pesquisar essas relações, este capítulo discorre sobre a modernização da sociedade e a mudança cultural no consumo de serviços em portais de governo eletrônico. Nesta direção será abordado o Poder Judiciário brasileiro em geral e mais precisamente, tomado como um caso de estudo, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em particular, visando identificar os serviços que hoje poderiam ser disponibilizados por meio deste canal digital, que facilitariam a vida da sociedade perante as solicitações a este órgão. Sendo assim, a presente pesquisa, que pode ser classificada como exploratória e descritiva, apresenta o estado da arte do tema e explora a questão da disponibilização de serviços governamentais na Internet e a mudança cultural que este consumo pode desencadear na sociedade. Após, a introdução é apresentada a metodologia de pesquisa, seguida da sessão cibercultura e e-gov, ofertas de serviços governamentais, serviços informacionais e transacionais e o exemplo de serviços oferecidos pelo poder judiciário através do portal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Como resultado desta pesquisa, afirma-se que diversos serviços informacionais e transacionais estão sendo oferecidos neste canal com o intuito de informar, facilitar e desburocratizar rotinas a favor dos cidadãos, porém ainda é necessário analisar a eficácia e a efetividade deste canal na resolução dos problemas de quem utiliza esta ferramenta.

METODOLOGIA Conforme a definição de Gil (2002), esta pesquisa pode ser classificada como descritiva e exploratória, tendo como objetivo descrever as características de um assunto abordado com atuação prática. A pesquisa exploratória é bastante flexível e considera os variados aspectos relativos aos fatos estudados. Como método de abordagem, foi adotado o dedutivo, que tem o propósito de explicar o conteúdo das premissas, partindo das teorias para descrever a ocorrência de fenômenos particulares (Marconi, Lakatos, 2003).


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Com base na distinção feita por Venkatesha, Chanb e Thongc (2012) sobre serviços informacionais e serviços transacionais, serão identificados os mesmos dentro de um determinado escopo, que é o portal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A justificativa pela escolha da pesquisa ser realizada no campo do Poder Judiciário se deve ao fato de que este poder é muitas vezes visto como o mais distante da população e o menos acessível. Segundo Ruschel, Rover e Schneider (2011), através de ações de governo eletrônico, o Poder Judiciário brasileiro tem investido nas TICs e na melhoria dos processos de gestão, para a modernização desta instituição que busca o aumento do acesso à justiça para o cidadão. Após a apresentação dos serviços encontrados será discutido de que forma estes serviços podem afetar a sociedade facilitando quem busca este tipo de entrega de governo nos portais do judiciário.

A CIBERCULTURA E O SURGIMENTO DO E-GOV A cibercultura nasceu nos anos 50 com a informática e a cibernética, começou a se tornar popular na década de 70 com o surgimento do microcomputador e se estabelece completamente nos anos 80 e 90. Em 80 com a informática de massa e em 90 com as redes telemáticas, principalmente com o boom da internet (LEMOS, 2008). O termo “ciber” está em todos os lugares: ciberespaço, cyberpunks, cibermoda, cibereconomia, ciber-raves, etc. Segundo, Lemos (2008) todos os termos mantêm suas particularidades, semelhanças e diferenças, formando, no seu conjunto, a cibercultura. Sendo assim, a cibercultura se caracteriza pela formação de uma sociedade estruturada através da conectividade telemática generalizada, ampliando o potencial comunicativo, proporcionando a troca de informações sob as mais diversas formas, fomentando agregações sociais (LEMOS, 2008). Neste contexto, pode-se relacionar a cibercultura com diversos fenômenos que surgiram em decorrência dela. O escolhido para este estudo é a utilização das TICs em organizações públicas visando modernizar as instituições, desburocratizando procedimentos e fomentando a participação cidadã através da tecnologia. A cibercultura tem seu aparecimento concomitante ao do ciberespaço, um ambiente de circulação de discussões pluralistas, reforçando competências diferenciadas e aproveitando o conhecimento que é gerado. Além disso, cria um mundo operante, interligado por ícones, portais, sítios e homepages, permitindo colocar o poder de emissão nas mãos de uma cultura jovem (LEMOS, 2008). O ciberespaço (também chamado de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo


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especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos navegam e alimentam esse universo. (LEMOS, 2008). Neste ínterim, a dinâmica atual do desenvolvimento das redes de computadores e seu crescimento exponencial caracterizam o ciberespaço como um organismo complexo, interativo e auto-organizante (LEMOS, 2008). A civilização do virtual causa um movimento geral de virtualização, afetando todos os campos da cultura contemporânea. Para Lemos (2008), a virtualização é um processo de fundo, muito mais extenso que a simples numerização (digitalização) do mundo. Para alguns, a rede é um espaço livre de comunicação interativa e comunitário. Um instrumento mundial de inteligência coletiva. Para outros, como Bill Gates, presidente da Microsoft, “o ciberespaço deve tornar-se um imenso mercado planetário e transparente de bens e serviços”. (LÉVY, p. 201, 1999). Hoje, a relação da sociedade com a crescente utilização da tecnologia em diversos setores proporciona significativas mudanças culturais. Uma delas diz respeito aos serviços que antes só poderiam ser feitos através de meios físicos e hoje, através da rede, podem estar disponíveis sete dias da semana, 24 horas por dia. A mudança no consumo de serviços iniciou nas organizações privadas com o surgimento do comércio eletrônico. Segundo Albertin (2000) o ambiente empresarial, tanto em nível mundial quanto em nacional, tem passado por inúmeras mudanças nos últimos anos, as quais têm sido consideradas diretamente relacionadas com as tecnologias de informação (TI). Um dos aspectos mais importantes desse novo contexto é o surgimento do ambiente digital, que passou a permitir, de fato, a realização de negócios na era digital e do comércio eletrônico. O comércio eletrônico favorece novas formas de obtenção de ganhos de competitividade nos negócios, interferindo na cadeia de valor adicionada a produtos e serviços dirigidos ao consumidor ou em transações entre empresas (DINIZ, 1999). Na prática, a Internet criou uma revolução nos meios de comunicação global. Está alterando dramaticamente as possibilidades de se transacionar comercialmente em todo o mundo (economia globalizada). A Web está a cada dia se consolidando como o canal mais eficiente de interligação entre empresas e consumidores, sejam eles indivíduos ou outras organizações (DINIZ, 1999). As organizações brasileiras têm utilizado amplamente as tecnologias de informação e comunicação para interligar suas várias áreas, fornecedores e clientes, processar um número muito grande de transações e atender a uma


CAPÍTULO 3 - 41

quantidade de clientes de forma rápida, segura e, muitas vezes, personalizada, conforme argumentado por Albertin (2000). Porém, a velocidade e o alcance dessa consolidação dependem da superação de obstáculos de vários tipos. Existem obstáculos tecnológicos, como: • dificuldade para desenvolvimento de ferramentas adequadas à transação on-line; • culturais, como a modificação de hábitos de consumo; • organizacionais, pela adaptação das empresas ao novo ambiente e até mesmo a superação dos obstáculos estruturais da sociedade, o que pode criar condições para que predomine um ambiente de confiança, necessário para o desenvolvimento do comércio eletrônico (DINIZ, 1999).

Governo Eletrônico Seguindo os passos de instituições privadas as organizações públicas também foram forçadas a inserirem as Tecnologias da Informação e Comunicação em seu contexto para aprimorarem suas funções. Sendo assim, além de ser uma das principais formas de modernização do Estado, o governo eletrônico está fortemente apoiado numa nova visão do uso das tecnologias para a prestação de serviços públicos, mudando a maneira pela qual o governo interage com o cidadão, empresas e outros governos (DINIZ et al, 2009). Dentro de uma perspectiva histórica e temporal, pode-se afirmar que a expressão governo eletrônico, ou e-gov, começou a ser utilizada com mais frequência após a disseminação e consolidação da ideia de comércio eletrônico (e-commerce), na segunda metade da década passada e, a partir de então, ficou completamente associada ao uso que se faz das TICs nos diversos níveis de governo (DINIZ et al, 2009). O uso estratégico das TICs como elemento viabilizador de um novo modelo de gestão pública evoluiu para o que é hoje chamado de governo eletrônico, um conjunto de ações modernizadoras vinculadas à administração pública, que começam a ganhar visibilidade no final da década de 1990 (DINIZ et al, 2009). A ideia de governo eletrônico, embora associada ao uso de tecnologia de informação no setor público, ultrapassa essa dimensão. Em alguns casos, esta ideia está vinculada à modernização da administração pública por meio do uso de TICs na melhoria da eficiência dos processos operacionais e administrativos dos governos. Já em outros, está associada ao uso de internet no setor público para prestação de serviços (DINIZ et al, 2009).


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Governo Eletrônico não se restringe à simples automação dos processos e disponibilização de serviços públicos por meio de serviços on-line, mas na mudança da maneira como o governo utilizando as TICs, atinge os seus objetivos para cumprimento do papel do Estado. Isso inclui a melhoria dos processos da administração pública, aumento da eficiência, melhor governança, elaboração e monitoramento das políticas públicas, integração entre governos, e democracia eletrônica, representada pelo aumento da transparência, da participação democrática e accountability dos governos (DINIZ et al, 2009). Entre as causas determinantes da adoção das TICs de forma estratégica e intensiva pelos governos em seus processos internos e na melhoria dos serviços públicos prestados à sociedade destacam-se: • o uso intensivo das TICs pelos cidadãos, empresas privadas e organizações não governamentais; • a migração da informação baseada em papel para mídias eletrônicas e serviços on-line e da internet. Outras causas estão associadas às forças provenientes do próprio movimento de reforma do Estado, da modernização da gestão pública e da necessidade de maior eficiência do governo. No Brasil, a política de Governo Eletrônico segue um conjunto de diretrizes que atuam em três frentes fundamentais: junto ao cidadão; na melhoria da sua própria gestão interna; e na integração com parceiros e fornecedores. O que pretende o Programa de Governo Eletrônico brasileiro é (BRASIL, 2015): • a transformação das relações do Governo com os cidadãos, empresas e também entre os órgãos do próprio governo de forma a aprimorar a qualidade dos serviços prestados; • promover a interação com empresas e indústrias;

• e fortalecer a participação cidadã por meio do acesso a informação e a uma administração mais eficiente.

A adoção de meios eletrônicos para a prestação dos serviços governamentais exige que os sítios e portais desenvolvidos e mantidos pela administração pública sejam fáceis de usar, relevantes e efetivos. Somente por meio da eficiência é possível aumentar a satisfação dos usuários de serviços eletrônicos e conquistar gradativamente uma parcela cada vez maior da população (BRASIL, 2015). Diniz et al, (2009) fazem sua avaliação com foco nas aplicações desenvolvidas, as quais dividem-se em três fases: • gestão interna (1970 a 1992);


CAPÍTULO 3 - 43

• serviço e informações ao cidadão (1993 a 1998)

• e a entrega de serviços via internet (a partir de 1999).

Segundo Takahashi os atores envolvidos neste processo de governo eletrônico (2000) são o próprio Governo (G), Instituições Internas que são definidas como Business (B) e o Cidadão (C) que podem interagir com relações entre: G2G (government - government): São ações de Governo horizontal no nível federal; ou dentro do executivo, ou vertical, entre o Governo Federal e o Governo Estadual. G2B e G2G (business- government): São ações de governo que envolve interação com entidades externas. Pode ser exemplificada pela condução das compras, contratações e licitações via meio eletrônico. G2C e C2G (citizen – government): Diz respeito a ações de governo de prestação como também de recebimento de informações e serviços aos cidadãos por meio eletrônico. Um exemplo comum é a criação de sites e portais aberto a qualquer interessado. Neste caso, a pesquisa se reportará as relações G2C, de governo para os cidadãos, mais especificamente nos serviços oferecidos pelo Poder Judiciário em seus portais, e como exemplo a análise do portal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

SERVIÇOS INFORMACIONAIS E TRANSACIONAIS OFERECIDOS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA Através da revisão de literatura desta pesquisa nota-se que a utilização das TICs fomenta a modernização de diversas organizações, tanto privadas, quanto públicas. Os órgãos do governo aderiram a uma série de iniciativas após a inserção das tecnologias nas suas rotinas. Uma das formas de informatização do governo tem sido a construção de portais governamentais, por intermédio dos quais os governos mostram sua identidade, seus propósitos, suas realizações, possibilitam a concentração e disponibilização de serviços e informações (PINHO, 2008). Sendo assim, é inevitável interligar o Governo Eletrônico com portais eletrônicos, pois, a criação de sites e portais de governo para atender demandas informacionais e de serviços é vista como um facilitador no acesso as solicitações dos cidadãos.


44 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Esses portais podem fornecer acesso ao serviço necessário e abrir um amplo acesso aos órgãos públicos. Essencialmente, é a divisão das cadeias produtivas de serviço entre os escritórios que permite a criação de novos esquemas para levar os serviços administrativos aos seus destinatários. Enquanto que em uma agência administrativa clássica, o cidadão tem que aparecer em horários fixos em um escritório (ou ocasionalmente a escrever cartas ou fazer um telefonema para a pessoa responsável), o cidadão pode agora usar um modo de acesso alternativo através de um portal na Internet (TRAUNMÜLLER e WINNER 2001). Os serviços de governo eletrônico podem ser classificados em serviços informativos e transacionais. Serviços informativos referem-se à entrega de informações do governo através de páginas da Web e serviços transacionais envolvem transações nos dois sentidos entre o governo e os cidadãos (por exemplo, a apresentação de formulários eletrônicos), que pode exigir a integração horizontal ou vertical de várias agências governamentais. (Venkatesha, Chanb e Thongc, 2012). Existem muitos benefícios em transformar os serviços públicos tradicionais em serviços de governo eletrônico, como a entrega de custo-benefício dos serviços, a integração dos serviços, redução dos custos administrativos, uma única visão integrada dos cidadãos em todos os serviços do governo e rápida adaptação para atender às necessidades dos cidadãos (Venkatesha, Chanb e Thongc, 2012). Para a análise de portais de governo eletrônico optou-se por estudar os do poder judiciário, mais especificamente o do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, já que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através das TICs busca modernizar o Judiciário e tornar este poder mais próximo do cidadão, principalmente no que se refere a prestação de serviços via meios eletrônicos e o acompanhamento de processos judiciais eletrônicos nos portais dos 91 Tribunais regulamentados pelo CNJ. A figura 1 e a figura 2 apresentam a página principal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, TJ-SC. As imagens foram retiradas da página no dia 04 de dezembro de 2015. Nas figuras é possível observar que no portal analisado as informações e serviços são divididos por público alvo, já que, tanto cidadãos, quanto advogados, magistrados e servidores utilizam o portal para suas atividades. Nesta pesquisa, será levando em consideração, apenas as informações e serviços disponibilizados aos cidadãos, na tentativa de desburocratizar e agilizar as rotinas deste órgão.


CAPÍTULO 3 - 45

Figura 1: Pagina inicial do portal do TJ-SC

Fonte: TJ-SC, 2015

Figura 2: Rodapé da página do TJ-SC

Fonte: TJ-SC, 2015


46 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Segundo Ribeiro (2000) é necessário propiciar meios eficazes para a concretização dos direitos dos cidadãos. A questão do foco no cidadão no Poder Judiciário está inserida nos princípios de eficácia, efetividade e celeridade e é uma preocupação que deve orientar o trabalho dos membros do Poder Judiciário, uma vez que o seu objetivo é agir de forma transparente, fundamental e acessível ao público em geral que recorrem a soluções de conflitos neste Poder. Sendo assim, observa-se a necessidade da manutenção do estado de direito, da democracia e da execução do papel do judiciário de modo a garantir ao cidadão o acesso à justiça em suas variadas formas de acesso. Uma das formas de acesso ao Judiciário é na divulgação de informações e serviços que os cidadãos podem acessar através deste poder. Na figura 3 percebe-se que as informações são divulgadas através de notícias e notas de aviso, na página inicial do portal. Como a análise foi realizada no dia 04 de dezembro de 2015, pode-se considerar que as notícias e os avisos estão atualizados, já que constam do dia 03 de dezembro de 2015. Disponibilizar informações corretas e atualizadas é fundamental para garantir a credibilidade de um portal na Internet e fazer com que o usuário retorne outras vezes mais para obter informações.

Figura 3: Serviços informacionais disponíveis no TJ-SC

Fonte: TJ-SC, 2015


CAPÍTULO 3 - 47

Na parte de serviços transacionais, que exigem um intercâmbio maior de informações, são apresentados na figura 4, os serviços que podem ser realizados no portal analisado. É necessário lembrar que tanto serviços informacionais, quanto transacionais são diferentes nos portais do Judiciário, já que, não existe um padrão em todos os canais do Judiciário, apenas algumas metas e resoluções estipuladas pelo CNJ que devem ser cumpridas referentes à disponibilização de serviços e informações nos portais do Poder Judiciário, sendo as Metas - Nacional de n. 7 de 2010; Nacional de n. 3 de 2012- e as Resoluções -41; 45; 70; 71; 76; 79; 90; 91; 99; 102; 115; 121; 182; 185; 198(MEZZAROBA, 2015).

Figura 4: Serviços transacionais disponíveis ao cidadão no TJ-SC

Fonte: TJ-SC, 2015

Pode-se observar no campo cidadão a presença de 19 itens de serviços: adoção; antecedentes criminais e outras certidões; autorização de viagem para crianças e adolescentes; consulta processual; certidões online – Comarcas; Certidões online – Tribunal de justiça; concursos e seleção de estágio; custas; defensoria pública; emissão de guia de depósito judicial; entenda o extraju-


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dicial; jurado voluntário; peritos, tradutores e intérpretes; pesquisa cartórios extrajudiciais; peticionamento eletrônico; precatórios; residente judicial; selo digital; suspensões de prazos e expedientes. Os serviços apresentados, informacionais e transacionais estão disponíveis para que qualquer cidadão tenha acesso e consiga fazer a sua solicitação pelo portal, sem ter que se deslocar até o ambiente físico da instituição. A utilização destes serviços pode ser usada pelos governos para fortalecer e incluir cidadãos. Canais de suporte como a internet, podem oferecer aos indivíduos da sociedade melhor acesso à informação e serviços, sendo que a prestação de serviços on-line pode fornecer uma plataforma transformadora para a esfera pública (ONU, 2010). Emitir certidões on-line e possibilitar a emissão de certidões podem ser considerados serviços transacionais, já que exigem a disponibilização de dados das partes para acesso e não somente uma mera entrega de informação. Sendo assim, considera-se que o portal do TJ-SC apresenta os tipos de serviços informacionais e transacionais aos usuários que desejam obter a prestação destes serviços sem ter que se descolar a um ambiente físico para a realização da solicitação. Quadro 1 - Classificação dos serviços informacionais e transacionais encontrados no campo cidadão no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Serviços Informacionais

Serviços Transacionais

Judiciais

Judiciais

consulta processual

custas

suspensões de prazos e expedientes

peticionamento eletrônico (serviço ao advogado e não ao cidadão)

Não Judiciais

emissão de guia de depósito judicial

peritos, tradutores e intérpretes

Certidões

pesquisa cartórios extrajudiciais

certidões online - Comarcas

adoção

Certidões online – Tribunal de justiça

residente judicial

antecedentes criminais e outras certidões

defensoria pública

Não Judiciais

entenda o extrajudicial

autorização de viagem para crianças e adolescentes

jurado voluntário

precatórios

concursos e seleção de estágio

selo digital


CAPÍTULO 3 - 49 Fonte: elaborado pelos autores, 2015

Dentre as opções de serviços informacionais e transacionais presentes no portal do TJ-SC foi realizada uma classificação, de serviços informacionais judiciais e não judiciais e de serviços transacionais judiciais, certidões e não judiciais. Cabe ressaltar que no campo de acesso ao cidadão havia a opção de peticionamento eletrônico. Este serviço é disponibilizado para protocolar petições, em que, na maioria das vezes é necessário possuir perfil autorizado, ser advogado registrado na Ordem dos Advogados do Brasil, ou membro de uma entidade conveniada com o Tribunal, portanto não é um serviço disponível ao cidadão, e sim, ao advogado. Há que se acompanhar constantemente a necessidade de reformulação destes serviços levando em consideração as necessidades do público alvo do portal, acrescentando novas opções, ou evoluindo nas que já existem, pois, a organização de uma cibercultura passa, não só, pelo papel das organizações em oferecer serviços se utilizando das tecnologias, mas também pelo papel cidadão da sociedade em utilizar os serviços disponíveis em portais de governo. Assim, os governos são instigados a ser modernizarem cada vez mais para atenderem as demandas dos cidadãos, pois, na maioria dos casos e iniciativas de e-gov os governos iniciam uma prestação de informações on-line, e são levados pelos públicos interno e externo a responder com eficiência e proporcionar serviços mais complexos. Desta forma, poderá haver uma mudança gradual, em que, alguns serviços irão ser disponibilizados mais rapidamente que outros e a demanda será a força direcionadora (FERREIRA, 2013). Sendo assim, o que direcionará os serviços que devem estar disponíveis nos portais é a demanda do cidadão, a sua utilização e solicitação, mais uma vez reforçando o conceito de que uma cultura de consumo de informações e serviços pela Internet não se faz por uma via única, mas sim, através da interação entre governos e cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A crescente utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação, principalmente movida pelo uso em larga escala da Internet tem facilitado e instigado à busca de informações e serviços governamentais por parte dos cidadãos via meio eletrônico e, em muitos casos através de portais Institucio-


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nais, o que é considerada uma ação de Governo Eletrônico. As ações de Governo Eletrônico podem ser observadas nos órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário e podem ser apresentadas através de serviços informacionais e transacionais em portais governamentais. Esta pesquisa buscou aliar o conceito de cibercultura com o surgimento do governo eletrônico e a utilização cada vez mais massiva das Tecnologias da Informação e Comunicação pelos governos na tentativa de desburocratizar rotinas e oferecer ao cidadão serviços que estão disponíveis sete dias da semana e 24 horas por dia. Apresentando os serviços encontrados no portal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nota-se que há um número significativo de serviços informacionais e transacionais disponíveis neste canal que podem estar sendo solicitados por qualquer cidadão que queria utilizar o Poder Judiciário para buscar informações e resolver demandas diretas pelo portal, porém há que se pesquisar a real efetividade das opções de serviços para fomentar a utilização destes de forma massiva pela sociedade instigando os governos a se modernizarem e oferecerem serviços cada vez mais complexos que facilitem as rotinas do próprio governo e do cidadão solicitante. Classificar os serviços por segmentos é uma alternativa que iria facilitar a usabilidade do portal do TJ-SC, em que os serviços informacionais poderiam estar classificados em judiciais e não judiciais, e os serviços transacionais classificados em judiciais, certidões e não judiciais. Ainda, há a necessidade de exclusão da opção peticionamento eletrônico do campo cidadão, pois esta seria uma opção apenas para pessoas registradas, advogados ou membro do Tribunal. Para trabalhos futuros sugere-se a necessidade de avaliar se estes links de serviços são realmente efetivos, ou seja, se estão cumprindo com o que oferecem e também como o TJ-SC escolhe quais serviços estarão disponíveis para o cidadão no seu portal governamental verificando também se as necessidades de demandas dos que utilizam os serviços no portal estão sendo atendidas.

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CAPÍTULO 4 - 53

CAPÍTULO 4

O EMPODERAMENTO DO CIBERCIDADÃO ATRAVÉS DA PARTICIPAÇÃO DIGITAL E DO GOVERNO ELETRÔNICO. Thabata Clezar de Almeida Luiz Antonio Moro Palazzo Silvia Regina P. de Quevedo RESUMO Pretende-se, neste capítulo, analisar de que maneira o cidadão conquista o sentimento de empoderamento dado pela cibercultura e avança na interação com o governo eletrônico, em seus modelos de democracia e participação digital. Para tanto, a partir de Revisão Sistemática de Literatura junto à base de dados Scopus realizou-se análise qualitativa sobre o tema. Como resultado, apurou-se que o conceito de empoderamento eletrônico participativo (E2P) é uma realidade emergente, mas seu estudo e aplicação aprofundados mostraram-se como lacunas de pesquisa; concluindo-se que o empoderamento do cidadão influencia na sua participação democrática digital. Palavras-chaves: Empoderamento. Governo Eletrônico. Participação. E-participação. Cibersociedade.

INTRODUÇÃO Quando se fala em participação digital, discute-se dispositivos e iniciativas para a extensão das oportunidades democráticas (governo eletrônico, voto eletrônico, voto on line, transparência do Estado, etc.) a novas oportunidades para a sociedade civil na cibersociedade, cibermilitância, formas eletrônicas de comunicação alternativa e novos movimentos sociais (conforme Hill e


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Hughes, 1998). A abordagem contempla das alternativas contemporâneas ao jogo político (partidos, eleições e campanhas no universo digital), estendendo-se até a discussão sobre regulamentação de acesso e controle de conteúdo na internet e passando-se pelas questões das desigualdades digitais (exclusão digital) (GOMES, 2005). O desenvolvimento das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) realimentaram a discussão acerca das formas democráticas. Segundo Macintosh et al (2005, apud Alathur et al, 2011), as TIC aumentam o engajamento social e fortalecem a participação pública por meio de suas diversas formas de participação, podendo, inclusive, promover modelos democráticos. Os autores conceituam esses modelos como o deliberativo (que se organiza em torno de questões e chama os cidadãos para expressar os seus pontos de vista aos tomadores de decisão), o modelo partidário (pelo qual partidos políticos organizam atividades para obter os seus candidatos eleitos e garantir a lealdade entre os partidários e os eleitores) e o modelo de monitoria (no qual a política ganha vida, quando há grande insatisfação com o estado das coisas e os cidadãos encontram expressão em movimentos de protesto ad hoc que, muitas vezes, são dirigidos aos eleitos, a fim de abrir caminho para sistemas de reclamação e de reparação mais eficazes. Nesse contexto, por empoderamento, entende-se melhorar a capacidade humana em interpretar e influenciar o seu ambiente, utilizando suas capacidades para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade (ALATHUR et al, 2011). Esse processo de capacitação, em termos de distribuição de poder ao cidadão está intimamente ligado a democracia e as TIC são identificadas como um canal promissor para distribuição de energia (LORD; HUTCHINSON, 1993). A e-participação habilita o cidadão com poder de decisão no governo e, por isso, em um sistema democrático, os cidadãos devem ter poderes para definir as suas necessidades e atuar sobre elas (ALATHUR et al, 2011). Para Manuel Castells (2013), o empoderamento nasce do desprezo dos cidadãos por seus governos e pela classe política, sejam ditatoriais ou, em sua visão, pseudo-democráticos. O autor acrescenta que esse sentimento foi e é estimulado pela indignação provocada pela cumplicidade percebida entre as elites financeira e política e é desencadeado pela sublevação emocional resultante de algum evento insuportável, tornando-se possível pela superação do medo, mediante a proximidade construída nas redes do ciberespaço e nas comunidades do espaço-urbano (CASTELLS, 2013). Dessa forma, o presente trabalho busca analisar, através da observação qualitativa da literatura científica, o cidadão conquista o sentimento de em-


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poderamento, dado pela cibercultura e avança na interação com o governo eletrônico, em seus modelos de democracia e de participação digital.

METODOLOGIA Para dar consequência ao estudo, realizou-se uma análise qualitativa com base em 11 artigos selecionados a partir de Revisão Sistemática de Literatura. Foi realizado, no dia 25 de outubro de 2015, um levantamento preliminar acerca do assunto, buscando pelas palavras-chaves “empowerment”, “electronic government” e “participation” na base de dados Scopus®, resultando em 18 documentos, publicados nos últimos cinco anos. Como o foco da pesquisa era qualitativo, através das próprias palavras-chaves sugeridas pela referida base de dados, estabeleceu-se os seguintes filtros: E-participation, Empowerment, Digital democracy, Electronic governance, Citizen participation, E-government, E-Participation, E-democracy, E-governance, E-government, Citizen empowerment, Citizen-centric-government, Citizens, Civic engagement. Com a filtragem, reduziram-se os resultados para 14 documentos, sendo seis anais de congressos, cinco periódicos e três capítulos de livros. Todos os artigos encontrados estavam no idioma inglês, com apenas dois oriundos dos Estados Unidos da América conforme mostra a figura 1.


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Figura 1: documentos de acordo com os países de origem.

Fonte: Scopus (2015)

Observou-se, ainda, uma produção científica constante, entre dois e três artigos por ano, a exceção do intervalo entre 2011 e 2012, com apenas um artigo em cada ano, como se pode concluir da análise do gráfico abaixo, contido na figura 2.


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Figura 2: relação de documentos por ano.

Fonte: Scopus (2015).

A partir desse levantamento preliminar, analisou-se qualitativamente os trabalhos que se encontravam integralmente disponíveis. Como em alguns trabalhos era preciso adquirir a obra para ter acesso ao seu conhecimento, a amostra foi reduzida para 11 (onze) artigos, quais sejam: Título

Autor (ano)

Community Participation in Health Asha S. George, Vrinda Mehra, Kerrt Scittm Systems Research: A Systematic Veeba Sriram (2015) Review Assessing the State of Research, the Nature of Interventions Involved and the Features of Engagement with Communities Tracking Future Path of consumers’ Empowerment in E-Health

Muhammad Anshari, Mohammad Nabil Almunawar (2015)

Significance of Socio-Cultural, Tereza Cahlikova (2014) Political and Historical Factors for the Introduction of e-Participation in Switzerland Empowering Citizens through Opinion Mining from Twitter-based Arguments

Carlos Iván Chesñevar, Ana Gabriela Maguitman, María Paula González (2014)


58 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES Emerging Trends in Local Elena Bellio, Luca Buccoliero (2013) Governments Web Strategies: Citizen Web Empowerment Assessment in Italy E2 participation: Electronically empowering citizens for social innovation through agreement technologies

Carlos Iván Chesñevar, Ana Gabriela Maguitman, Elsa Estevez, N. Osman, C. Sierra (2013)

Electronic governance in rural areas: A performance case study with WiMAX technology

Rakesh Kumar Jha, Upema D. Dalal (2012)

Citizen empowerment and participation in e-democracy: Indian context

Sreejith Alathur, P. Vigneswara Ilavarasan, M.P. Gupta (2011)

The impact of electronic government Grigorios Spirakis, Christina Spiraki, on democracy: E-democracy through Konstantinos Nikolopoulos (2010) e-participation Measuring citizen’s perception and acceptance of e-Suvidha in relation to TAM: An empirical study

S. Ghatak, S. Singh (2010)

Towards a knowledge management portal for a local community

Marcelo Lopez, Gustavo Isaza, Luis Joyanes (2009)

Tabela 1: relação de artigos analisados. Fonte: autoria própria (2015).

A seguir, passa-se à análise e discussão dos resultados encontrados a partir da leitura e observação qualitativa dos artigos supramencionados, apontando as lacunas que eventualmente venham a ocorrer.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Mesmo com a filtragem acima estabelecida, dois resultados destoaram parcialmente do contexto (SCOTT, SRIRAM, 2015 e ANSHARI, ALMUNAWAR, 2015). Embora ambos trabalhem a participação e o empoderamento, seu foco está na chamada e-saúde (e-Health), ou seja, o uso das TIC para a promoção de maior participação e maior empoderamento do cidadão na saúde. O primeiro trabalho se trata de uma revisão sistemática para analisar as intervenções envolvidas e as novidades do engajamento das comunidades de participação em sistemas de saúde, ao passo que o segundo, analisa o futuro


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do empoderamento dos consumidores nesse novo modelo de sistema de informação de saúde em Taiwan. Os autores do segundo documento definem e-saúde como mais centrada no consumidor, garantindo-lhe maior comodidade e participação no processo de cuidados de saúde, inclusive na tomada de decisões, permitindo que os pacientes e suas famílias reservem e paguem consultas online, bem como acessem os seus registros médicos online, garantindo-lhe a consciência individual de saúde (ANSHARI; ALMUNAWAR, 2015). Os demais documentos se mostraram de acordo com a proposta da busca científica. Alguns artigos, por sua vez, embora inseridos nesse diapasão, limitam-se a apenas expor a metodologia aplicada na proposta de pesquisa, o que pode ser justificado devido ao significativo número de anais de congressos (seis de quatorze documentos). Cahlikova (2014), por exemplo, expõe a metodologia utilizada para analisar o significado de fatores socioculturais, políticos e históricos para a implementação da e-participação na Suíça (país conhecido por seu alto nível de acesso à internet e de participação social e política nas tomadas de decisões, mas que ainda se mostra relutante em introduzir e mesclar tais elementos o governo eletrônico). Seu diferencial se encontra nas entrevistas com políticos, oficiais públicos e especialistas em TIC, com os resultados organizados graficamente, indicando os indícios da relutância. Entretanto, por se tratar de um artigo que somente expõe a metodologia, não se pode averiguar se em outro trabalho a autora oferece soluções. Já em Chesñevar et al (2014), observa-se, ao contrário, uma rica proposta de solução para os problemas de como empoderar os cidadãos, utilizando-se da mineração de opinião dos argumentos, aplicando na mídia social digital Twitter. Para isso, os autores primeiro se utilizaram de um novo conceito estruturado de e-participação, o empoderamento eletrônico participativo (E2P), em um artigo elaborado um ano antes por seu grupo de pesquisa, como se pode ver em Chesñevar et al (2013), também encontrado no levantamento deste trabalho. Esse conceito foi inventado como parte de um projeto de pesquisa multidisciplinar, visando a integração de Inteligência Artificial, técnicas e ferramentas de Engenharia de Software e modelos e princípios de governo eletrônico, a fim de definir ferramentas inovadoras de e-participação, conforme Chesñevar et al (2013 e 2014). Esses autores consideram que as atuais plataformas de participação não fornecem componentes adequados e genéricos para modelar e processar padrões emergentes de pensamento co-


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letivo em comunidades (normalmente, através da utilização generalizada de redes sociais e seu apoio por tecnologias móveis). Acrescentam, ainda, que o empoderamento eletrônico pela participação (E2P) capta radicalmente uma nova perspectiva sobre e-participação, onde os padrões de pensamento coletivo podem ser identificados sob a forma genérica de “argumentos”, sendo contrastados automaticamente, aumentando, assim, a capacidade das diferentes partes interessadas de acompanhamento em processos criativos de participação. Os autores apresentam o modelo E2P proposto, principalmente, em três tecnologias: a) mecanismos de argumentação (que ajudam a avaliar os argumentos mais fortes); b) modelos de confiança e reputação (acoplados aos mecanismos de argumentação, uma vez que ajuda a avaliar a confiança da informação e a origem de suas fontes) e c) processador de linguagem natural (quais estruturas de informações online fornecerão a base necessária para os mecanismos de argumentação). Aliado a isso, também se utiliza de seis componentes de software principais: a) componente NPL; b) componente de geração de argumento; c) componente de organização em ontologias; d) compontente de geração de ontologias de confiança e reputação; e) componente de avaliação de argumento e f ) componente de visualização facilitada de argumento. Eles apresentam, ainda, um estudo de caso aplicando a ferramenta para a questão do aborto no Twitter, expondo em quadros cada passo. Pode-se concluir que tal mecanismo funcionou bem na rede social utilizada, que é conhecida pela interface simples. Entretanto, gera dúvidas sobre como se comportaria em caso de aplicação em mídias sociais mais complexas, como facebook, blogs e Youtube, por exemplo. Segundo os autores, nesses casos, é possível a realização de ajustes com mais componentes ontológicos, mas faltou essa aplicação da ferramenta no trabalho. Pôde-se observar na maioria dos trabalhos (quatro de sete documentos), a preocupação em analisar mecanismos de participação para garantir o empoderamento em comunidades locais especicíficas, como se pode observar em Bellio e Buccoliero (2013), Ghatak e Singh (2010), Lopez et al (2010) e Jha e Dalal (2012). O primeiro analisa as tendências em estratégias web nos governos locais da Itália, concluindo haver imaturidade substancial, que aparece sobre as estruturas e as responsabilidades organizacionais, ao invés de focar nas necessidades e na procura pelo empoderamento dos cidadãos. Não há melhoria substancial na amostragem dos anos de 2012 e 2013. O texto relata também a relutância dos administradores em ouvirem os cidadãos como fator fundamental do insucesso, como se já observado em Cahlikova


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(2014). Esse artigo mostra uma problemática que poderia ser em muito facilitada com o uso do framework proposto em Chesñevar (2014). Já no trabalho de Ghatak e Sign (2010), observa-se um estudo de caso de uso da ferramenta indiana local e-Suvidha que, embora tenha proposta diferente da apresentada por Jha e Dalal (2012), a ela se assemelha, no sentido de concluir que os fatores demográficos não têm efeito significante na percepção da utilidade de um serviço de governo eletrônico, assim como a participação digital, sendo fundamental para qualquer comunidade. O trabalho de Jha e Dalal (2012). Para os autores, a conectividade é vital no mundo dos negócios e da sociedade na Índia, devido à distribuição não uniforme de sua população. Acrescentam que há rápido crescimento da tecnologia da informação relaciondo com os negócios, mas com percentual insuficiente de indianos com internet em casa. Isto vai de encontro com o exposto por Alathur et al (2011), que mostra que a Índia merece destaque nas iniciativas de e-democracia bastante heterogêneas, multifacetadas e avançadas. Em razão disso, utilizando-se de um estudo de caso da implementação da tecnologia no Distrito de Jalgaon, os autores acreditam que a conectividade WiMax (Worldwide Interoperability for Microwave Access) pode desempenhar papel importante na melhoria da qualidade dos serviços públicos. Além disso, pode oferecer melhora substancial às zonas rurais, uma vez que o empoderamento dessas comunidades é fundamental para o seu desenvolvimento, seja ele econômico das pessoas e da transformação social através da e-governança. Assim proporciona melhores perspectivas e oportunidades para o desenvolimento econômico, aumentando a participação da população rural no governo eletrônico, através das TIC. Lopez et al (2010), em seu trabalho, vem ao encontro dessas três pesquisas, ao sugerir um portal de gestão do conhecimento para comunidades locais, focando na usabilidade, para proporcionar a participaçõo e estreitar as relações da comunidade com o governo local, criando ambientes colaborativos, ambientes de aprendizagem, relações baseadas na participação social, ações e empoderamento dos cidadãos como base de seus princípios, conceitos e relações. Pela leitura do trabalho de Spirakis et al (2010), pode-se observar que ele introduz o tema do impacto do governo eletrônico na democracia, tratando da e-democracia através da e-participação, que Alathur et al (2011) muito bem esplana. Aliás, o último foi o trabalho de maior destaque da pesquisa, pela forma como soube trabalhar o empoderamento do cidadão e a participação na e-democracia. Embora a proposta fosse contextualizar na Índia, sua revisão sistemática se mostra valiosa para o estudo do empoderamento. O artigo examina


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se o status de “empoderamento do cidadão” influencia na sua participação democrática digital. O trabalho apresentou duas etapas de empoderamento de cidadãos no espaço virtual. No primeiro estágio, os cidadãos são habilitados para participar da e-democracia, ao passo que, no segundo estágio, fazem parte do processo de tomada de decisões (ALATHUR et al, 2011). Os resultados da pesquisa sugerem que elementos de empoderamento influenciam na participação democrática e que a participação em redes partidárias influencia pelo empoderamento coeso. Alathur et al (2011) acrescentam que a participação dos cidadãos através de urnas eletrônicas é influenciada pelo status de empoderamento do ator rede, de modo que a técnica de empoderamento dos cidadãos é encontrada na influência que os telefones celulares podem exercer na participação. Os autores afirmam que o primeiro estágio do empoderamento proporcionará aos cidadãos uma melhor auto-estima e permitirá a participação ativa no domínio do indivíduo, grupo e nível da comunidade (ALATHUR et al, 2011). Inclusive, nesse contexto, o nível de participação comunitário pode evoluir em movimentos coletivos para a justiça social e para a melhoria da qualidade de vida social. Entretanto, ressaltam que os participantes devem possuir alguns pré-requisitos mínimos para que haja qualidade na sua participação, havendo elementos de empoderamento: subjetivo, político, legal e técnico, descritos a seguir: a) subjetivo, quando o participante precisa ter mínima tolerância , coesão, devendo buscar não só os seus interesses, mas a representação proporcional de todos os interessados e as minorias; b) político, de modo que o valor internalizado pelos indivíduos formadores de opinião motiva cidadãos com o comprometimento moral e social para participar em atividades políticas; c) legal e técnico, obviamente, deve se estar em uma democracia que permita, de fato, a liberdade de expressão, assim como deve haver um padrão técnico nas plataformas, capaz de mostrar que o meio de participação digital que o usuário está inserindo as suas informações é confiável d) rede de atores, ou seja, deve haver a confiança em organizações entendam que a participação é fundamento para o desenvolvimento do governo eletrônico e não relutem em sua implementação em busca do empoderamento (ALATHUR et al, 2011). Esses elementos de empoderamento podem ser agregados às características para que uma mudança social na cultura política e nas manifestações sociais possam ocorrer, segundo Castells (2013), para que o empoderamento


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pela participação democrática digital no governo eletrônico ocorra, mesmo com a relutância dos administradores. Segundo o autor, a criação de uma comunidade baseada na proximidade; ou seja, um elemento fundamental para superar o medo de um confronto durante um movimento social, porque estão conscientes de que, em última instância, terão de confrontar a violência caso transgridam as fronteiras estabelecias pelas elites dominantes para preservar sua dominação. Aliado a isso, o autor entende que os espaços públicos não carecem de significado: ao assumir e ocupar o espaço urbano, os cidadãos reivindicam sua própria cidade, uma cidade da qual foram expulsos pela especulação imobiliária e pela burocracia municipal (CASTELLS, 2013). Ademais, o referido autor entende que, construindo uma comunidade livre num espaço simbólico, os movimentos sociais criam um espaço público aberto a deliberação um espaço de deliberação que, em última instância, torna-se um espaço político, para que assembleias soberanas se realizem e recuperem seus direitos de representação, apropriados por instituições políticas ajustadas às conveniências dos interesses e valores dominantes. Outro elemento fundamental para Castells (2013) está na autonomia da comunicação, que, para ele, é a essência dos movimentos sociais, ao permitir que o movimento se forme e possibilitar que ele se relacione com a sociedade em geral, para além do controle dos detentores do poder sobre o poder da comunicação. Mas o autor chama atenção para o fato de que não basta o sentimento para existir uma manifestação social, uma vez que o estopim dos indivíduos deve ser conectado ao de outros em duas exigências: a. Consonância cognitiva (empatia) entre emissores e receptores da mensagem: se muitos indivíduos se sentem humilhados, explorados, ignorados ou mal representados, eles estão prontos a transformar sua raiva em ação, tão logo superem o medo. “E eles superam o medo pela expressão extrema de raiva, sob a forma de indignação, ao tomarem conhecimento de um evento insuportável ocorrido com alguém com quem se identificam” (CASTELLS, 2013, p. 23). A segunda exigência se encontra no canal de comunicação eficaz. Quanto mais rápido e interativo for o processo de comunicação, maior a probabilidade de se formar um processo de ação coletiva que seja enraizado na indignação, propelido pelo entusiasmo e motivado pela esperança; ao passo que, quanto mais interativa e autoconfigurável for a comunicação, menos hierárquica será a organização e mais participativo será o movimento. E é por isso que os movimentos sociais em rede da era digital representam uma nova espécie em seu gênero (CASTELLS, 2013, p. 24).


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CONCLUSÕES Como se pôde observar a partir dos documentos identificados e analisados, o empoderamento eletrônico participativo (E2P) proposto por Chesñevar et al (2013) – baseado na mineração dos argumentos – aplicado na inovadora proposta de solução para o problema de como empoderar os cidadãos, é um conceito de destaque à cidadania. Também foi possível observar na maioria dos trabalhos (quatro de sete documentos) a preocupação em analisar mecanismos para garantir o empoderamento em comunidades locais específicas, com a presença de estudos de casos em Bellio e Buccoliero (2013), Ghatak e Singh (2012), Lopez et al (2010) e Jha e Dalal (2012). Em alguns documentos, foi mencionada a dificuldade em aplicar e desenvolver o empoderamento pela participação democrática digital, diante da relutância dos administradores em ouvirem os cidadãos, fator esse fundamental de insucesso, como se pode observar em Cahlikova (2014) e Bellio e Buccoliero (2013), mas esta também se mostrou uma lacuna pouco explorada pelos pesquisadores e que merece mais atenção da comunidade científica. A primeira pergunta proposta no presente artigo conseguiu ser respondida pela análise do trabalho de maior destaque encontrado, que embora tivesse se proposto a analisar somente o contexto indiano, não só concluiu, de forma ampla, que o status de empoderamento do cidadão influencia na sua participação democrática digital, como também estabeleceu elementos do empoderamento (subjetivo, coesão, político, técnico-legal e rede de atores). Esses elementos de empoderamento podem ser agregados a características às quais se espera encontrar para que uma mudança social na cultura política e nas manifestações sociais possam ocorrer, a fim de que o empoderamento pela participação democrática digital no governo eletrônico ocorra, mesmo com a relutância dos administradores.

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CAPÍTULO 5 - 67

CAPÍTULO 5

A INTERNET DE COISAS E PESSOAS NA CIBERSOCIEDADE: UMA BREVE DISCUSSÃO À LUZ DA TEORIA ATOR-REDE E DA ONTOLOGIA ORIENTADA AO OBJETO Aline Cristina Antoneli de Oliveira Silvia Regina Pochmann de Quevedo RESUMO O presente capítulo tem o objetivo de realizar uma breve discussão sobre a Internet das Coisas (IoT) e pessoas à luz da Teoria Ator-Rede de Latour (2005) e Ontologia Orientada ao Objeto de Harman (2011). É apresentada uma revisão bibliográfica a respeito dos assuntos envolvidos, assim como uma revisão sistemática de literatura, com o objetivo de avaliar a discussão da temática, no âmbito apresentado, em publicações internacionais. Na visão deste artigo, acredita-se que o campo de discussão da IoT seja o resultado das associações estabelecidas entre coisas, pessoas e todos os tipos de objeto que se relacionam através da conexão entre os dispositivos envolvidos. Conclui-se também que as teorias apresentadas podem analisar a mudança de comportamento que todas as coisas (pessoas, dispositivos, etc) passam a ter nesta nova relação. Os objetos mudam suas características e o resultado é um novo comportamento, um novo papel. Palavras-chave: Internet das Coisas, Teoria Ator-Rede, Ontologia Orientada ao Objeto, Objeto Quádruplo.


68 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

INTRODUÇÃO O termo Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) surgiu em 1999, por Kevin Ashton em uma palestra para a Procter e Gamble, que trouxe que diversos objetos etiquetados com RFID (Radio Frequency Identifications) fariam parte de uma vasta rede de sensores. Os objetos poderiam ser rastreados e encontrados, existindo assim uma Internet de Coisas (ASHTON, 2009). Coisas incluem, mas não estão limitados a: máquinas, eletrodomésticos, veículos, pessoas, animais de estimação, gado, animais, habitações, ocupantes de habitações, assim como empresas (ORAL, 2014). Já Lemos (2012) considera que IoT nada mais é do que uma forma de comunicação entre objetos, dotando-os de capacidade performativa e infocomunicacional. Com a IoT, um objeto adquire novas funções infocomunicacionais e continua a sua trajetória aberta pelas novas associações (LEMOS, 2012). Por ser, portanto, um arranjo econômico, social, político, comunicacional, a IoT é um campo privilegiado para a aplicação da Teoria Ator-Rede (TAR), de Latour (2005), pois esta teoria busca identificar as mediações que se estabelecem na associação entre atores humanos e não humanos, sendo que o que resulta das associações entre os objetos é o social. Uma outra teoria que pode ser trazida para o campo de discussão da IoT segundo Lemos (2012), é o Objeto Quádruplo de Harman (2011). Essa teoria sustenta que os objetos (para ela tudo o que existe: coisas, pessoas, nêutrons, seres imaginários) só podem ser compreendidos por uma dimensão quádrupla que produz tensões fundamentais: o objeto sensual, a qualidade sensual, o objeto real e a qualidade real. Em todos os casos de IoT (reais e em implementação) o que se vê são objetos (um parafuso, uma placa de carro, uma camiseta, um sapato...) dotados de novas qualidades (não imediatamente perceptíveis na experiência, mas performáticos) com impactos importantes nas formas de associação entre humanos e não humanos. O presente artigo propõe, portanto, realizar uma breve discussão sobre a Internet das Coisas à luz dessas duas teorias: Teoria Ator-Rede de Latour (2005) e da Ontologia Orientada ao Objeto, de Harman (2011). Para tal, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre os temas Internet das Coisas, Ontologia Orientada ao Objeto e Teoria Ator-Rede. Foi realizada também uma revisão sistemática na base de dados da Scopus sobre os constructos “teoria ator-rede”, “objeto quádruplo” e “Internet das Coisas” no âmbito internacional.


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Como método, foram aplicadas técnicas bibliométricas para o mapeamento de publicações do tipo artigo e revisões (DOS SANTOS; KOBASHI, 2009). Os dados coletados foram utilizados para descrever o avanço das pesquisas neste campo de estudo. A coleta e a análise dos dados foram realizadas em quatro etapas: (1) identificação da base de dados, (2) definição dos critérios de busca, (3) realização da busca sistemática e, por último, (4) análises dos dados.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Internet das Coisas O termo Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) surgiu em 1999, por Kevin Ashton em uma palestra para a Procter e Gamble, que trouxe que diversos objetos etiquetados com RFID (Radio Frequency Identifications) fariam parte de uma vasta rede de sensores. Os objetos poderiam ser rastreados e encontrados, existindo assim uma Internet de Coisas. (ASHTON, 2009) A Internet das Coisas é, de acordo com CERP (Cluster of European Research Projects on the Internet of Things), uma infraestrutura de rede global dinâmica, baseada em protocolos de comunicação em que “coisas” físicas e virtuais têm identidades, atributos físicos e personalidades virtuais, utilizando interfaces inteligentes e integradas às redes telemáticas. (CERP, 2009) As coisas/objetos tornam-se capazes de interagir e de comunicar entre si e com o meio ambiente por meio do intercâmbio de dados. As coisas reagem de forma autônoma aos eventos do “mundo real / físico” e podem influenciá-los por processos sem intervenção humana direta. A Figura 1 traz os conceitos principais, tecnologias e padrões segundo Atzori et. al (2011), classificados na visão da IoT. Segundo o autor, o paradigma da IoT é o resultado da convergência das três visões principais exibidas na figura: a visão “Orientada a Coisas” (“Things Oriented”), “Orientada à Internet” (“Internet Oriented”) e “Orientada à Semântica” (“Semantic Oriented”). Segundo o autor, a visão “Orientada a Coisas” considera “coisas” como as etiquetas de frequência (RFID) e todos os objetos do dia-a-dia, assim como os dispositivos físicos que permitem que seja estabelecida a conectividade, como sensores e atuadores wireless.


70 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

A visão “Orientada à Semântica” está relacionada a como representar, armazenar, interconectar, pesquisar e organizar as informações geradas pela IoT. A visão “Orientada à Internet” diz respeito aos padrões Web que são reusados para conectar e integrar à web de todo dia objetos que contenham um dispositivo embarcado ou computador. Figura 01 - Paradigma computacional formado pela sobreposição de visões orientadas às coisas, à Internet e à semântica

Fonte: (ATZORI et. al, 2010)

Kranenburg et. al (2011) enxerga uma posição reativa que vê a IoT como uma camada de conectividade no topo das instituições atuais, modelos de negócio e estruturas governamentais. No outro lado, uma posição proativa que vê a IoT como uma nova ontologia que irá alterar os relacionamentos entre seres humanos, processos M2M (Machine to Machine) autônomos e estruturas de tomada de decisão. (KRANENBURG et al, 2011, p. 9). Ele ainda mostra seis fatores importantes para o desenvolvimento da IoT que considera responsáveis pela expansão do conceito.


CAPÍTULO 5 - 71

O primeiro fator é o surgimento dos códigos de barra ubíquos em 1974, mostrando um padrão de uso. O segundo fator foi o surgimento de etiquetas RFID (Radio Frequency ID). O terceiro fator é o barateamento do armazenamento de dados. O quarto é o protocolo IPV6 que amplia as possibilidades de atribuição de endereços na internet fazendo com que qualquer coisa possa ter um endereço único, um código de identificação único na rede. Assim, afirma o autor, qualquer coisa que possua software embarcado pode possuir um endereço de internet, como: escova de dente, máquina de café, frigideira, máquina de lavar. O quinto fator é a concretização da computação verdadeiramente ubíqua, menos tangível que os hardwares, trazendo vida aos objetos. O sexto fator são os atores humanos que embarcam dispositivos informacionais de forma explícita e que cada vez mais embarcarão objetos comuns dotados dessas qualidades. Em suma, pode considerar-se IoT como um conjunto de dispositivos de identificação, juntamente com sensores e autuadores, permitindo conectividade e interação direta ou indireta, entre coisas e pessoas (POSTCAPES, 2013). Coisas incluem, mas não estão limitados a: máquinas, eletrodomésticos, veículos, pessoas, animais de estimação, gado, animais, habitações, ocupantes de habitações, assim como empresas (ORAL, 2014). Até 2020, a IoT movimentará $ 1 trilhão de dólares em negócios (POSTCAPES, 2013), estimando-se chegar a um impacto de $ 3,9 a $ 11 trilhões até 2025 (MANYICA; CHUI, 2015). Teoria Ator Rede Lemos (2012) acredita ser necessária uma teoria do social que pense o híbrido, as mediações, as traduções, as purificações e as estabilizações para compreender, fora de estruturas ou frames explicativos a priori, a atual cultura digital. Uma teoria que abrange, segundo ele, esta abordagem híbrida, é a Teoria Ator-Rede (TAR), de Latour (LATOUR, 2005). Para a TAR, rede não é a infraestrutura física, mas o que é produzido na relação entre humanos e não humanos. Não são as redes de computadores, redes sociais, redes de esgoto, entre outras. O conceito de rede, para a TAR, não é o que conecta, mas o que é gerado pelas associações (LEMOS, 2013). Que social faz a rede (as associações) entre objetos modificados pela IoT e outros não humanos e humanos? São as diversas associações que compõem o social que criam as redes entre seus elementos. Por isso, observar o social é cartografar as associações, as redes (LEMOS, 2013). Nesse sentido, a TAR pode ser


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observada como a verdadeira “sociologia da mobilidade”, não da mobilidade de coisas (transporte) ou informação (comunicação), mas a mobilidade das associações que compõem o social em uma determinada ação. Com a IoT, um objeto adquire novas funções infocomunicacionais e continua a sua trajetória aberta pelas novas associações (LEMOS, 2012). Por ser, portanto, um arranjo econômico, social, político, comunicacional, a IoT é um campo privilegiado para a aplicação da Teoria Ator-Rede (TAR), pois ela busca identificar as mediações que se estabelecem na associação entre atores humanos e não humanos, sendo que o que resulta das associações entre os objetos é o social. Ontologia Orientada ao Objeto No livro The quadruple object (Harman, 2011), o filósofo americano Graham Harman sustenta que os objetos (para ele tudo o que existe: coisas, pessoas, nêutrons, seres imaginários) só podem ser compreendidos por uma dimensão quádrupla que produz tensões fundamentais: o objeto sensual, a qualidade sensual, o objeto real e a qualidade real. Figura 2 – Objeto Quádruplo

Fonte: Adaptado de Harman (2011)


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Para Harman (2011), o “objeto sensual” é aquele que é percebido pela consciência humana; o “objeto real” é o que se retira de qualquer percepção e que jamais poderá ser conhecido; a “qualidade sensual” é aquela que é percebida pelos sentidos e a “qualidade real” só é acessível através do intelecto. Os objetos são apreendidos pelas suas qualidades sensuais quando experienciados, e pelas suas qualidades reais pelo intelecto. Nunca é desvelado o segredo do objeto “real” (LEMOS, 2013). Em todos os casos de IoT (reais e em implementação) o que se vê são objetos sensuais (um parafuso, uma placa de carro, uma camiseta, um sapato...) dotados de novas qualidades reais (não imediatamente perceptíveis na experiência, mas performáticos) com impactos importantes nas formas de associação entre humanos e não humanos. Já que não se pode revelar os segredos dos objetos (sua dimensão real), caberia, então, problematizar suas qualidades reais e pensar nas associações propostas em suas dimensões políticas, morais, éticas.

METODOLOGIA Este artigo apresenta a pesquisa realizada na base de dados da Scopus sobre os constructos “teoria ator-rede”, “objeto quádruplo” e “Internet das Coisas” no âmbito internacional. Como método, foram aplicadas técnicas bibliométricas para o mapeamento de publicações do tipo artigo e revisões (DOS SANTOS; KOBASHI, 2009). Os dados coletados foram utilizados para descrever o avanço das pesquisas neste campo de estudo. A coleta e a análise dos dados foram realizadas em quatro etapas: (1) identificação da base de dados, (2) definição dos critérios de busca, (3) realização da busca sistemática e, por último, (4) análises dos dados. Na sequência os resultados obtidos com o mapeamento são expostos e, ao final, a discussão sobre a pesquisa realizada é apresentada. Identificação da Base de Dados A base utilizada nesta pesquisa foi a Scopus em razão de conter dados bibliográficos multidisciplinares e do volume de publicações. Atualmente nela são indexados ativamente mais de 21.000 periódicos, além de conference papers, totalizando mais de 50 milhões de registros (ELSEVIER, 2013).


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Para o período de publicação considerou-se os últimos dez anos, ou seja, a partir do ano de 2004. Um estudo exploratório preliminar da base foi realizado, a fim de se conhecer o comportamento e as características dos dados. As buscas finais (que geraram os dados bibliométricos para este trabalho) foram efetuadas em 29 de janeiro de 2016. Para delimitar o mapeamento, inicialmente todos os três constructos foram utilizados para análise exploratória do comportamento da base. Foram consideradas as ocorrências dos termos em todos os campos das publicações. Os termos “internet of things”, “quadruple object” e “actor-network theory” deveriam estar presentes por completo, definindo explicitamente a aplicação dessas teorias. A pesquisa indicou a existência de 10.051 trabalhos sobre teoria ator-rede (actor-network theory), 69 sobre objeto quádruplo e 20.516 sobre Internet das coisas. Ao serem analisadas as intersecções dos conjuntos, observou-se que 92 tratavam da Internet das Coisas e Teoria Ator-Rede, 03 sobre Internet das Coisas e Objeto Quádruplo, 35 sobre Objeto quádruplo e Teoria Ator Rede e 1 sobre Objeto Quádruplo, Teoria Ator-Rede e Internet das Coisas. A pesquisa somente considerou artigos e revisões (não incluindo revisão de livros) por serem tipos de publicações reconhecidas pela comunidade científica para divulgar as pesquisas relevantes em um campo de conhecimento. O resumo do protocolo utilizado é apresentado no Quadro 01. Quadro 01 Âmbito da Pesquisa

Scopus

Termos

TITLE-ABS-KEY(“internet of things”) AND ALL (“actor-network” theory) ALL(“internet of things”) AND ALL (“quadruple object” theory) ALL(“actor-network” theory) AND ALL (“quadruple object”) ALL(“actor-network” theory) AND ALL (“quadruple object”) AND (“internet of things”)

Período

PUBYEAR > 2006

Critérios de Inclusão

Artigos e revisões (exceto de livros)

Critérios de Exclusão

Não aplicado

Fonte: Os autores (2015).

Qtde de artigos encontrados 29 3 35 1


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A pesquisa retornou 58 trabalhos e 04 foram selecionados para análise e 02 para leitura completa, conforme apresentado no Quadro 02, com seus autores, título e ano de publicação. Os artigos selecionados para leitura completa estão em destaque. Quadro 02 Autores

Título

Ano

Oral S. B.

Weird Reality, Aesthetics, and Vitality in Education

2014

Sheeraz A. Alvi, Bilal Afzal, Ghalib A. Shah, Luigi Atzori, Waqar Mahmood

Internet of multimedia things: Vision and challenges

2015

Daniele Miorandi, Sabrina Sicari, Francesco De Pellegrini, Imrich Chlamtac

Internet of things: Vision, applications and research challenges

2012

Brian J. McNely, Nathaniel A. Rivers

All of the Things: Engaging Complex Assemblages in Communication Design

2014

Fonte: Scopus.

RESULTADOS O presente tópico apresenta uma breve análise dos dois artigos selecionados para leitura completa: Oral (2014) e McNely e Rivers (2014). O artigo de Oral (2014) tem como objetivo apresentar a diferença entre estética e cognição, e como esta distinção se refere às diferenças e os modos complementares de engajamento o qual a natureza dos objetos de Harman concebe esta última. O significado dessas asserções vão trazer à luz como a ontologia orientada a objetos de Harman é explorada, trazendo a IoT como um exemplo de como a cognição estabelece sistemas que são unicamente interessados no aspecto relacional de objetos. O artigo de McNely e Rivers (2014) traz sobre o conceito do novo materialismo e aborda que usabilidade é uma área de design de comunicação onde este conceito pode ser aplicado imediatamente, em laboratório ou contexto diário. Uma área onde teste de usabilidade pode ser criticamente importante é na “internet das coisas”. A internet das coisas é o grande negócio gora, e vai dar forma em design de comunicação de diferentes formas nos próximos anos. [...] A Internet das coisas permite objetos físicos com tecnologias


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de rede embarcadas declará-los como atores, reportando a eles seus próprios status, seus relacionamentos com outros objetos e usuários e seu sentido dos arredores do ambiente os quais se movem e descansam. Sobre a teoria ator-rede de Latour (2005), o artigo explana que a teoria explora como o agente é distribuído e compartilhado e como associações de pessoas e coisas possuem ambos efeitos epistemológicos e ontológicos. Sendo, portanto, uma teoria que abrange esta discussão. O artigo ainda traz que ontologia pode ser orientada ao objeto, como pressupõe Harman (2011), porque considera a perspectiva e efeitos de coisas. Em resumo, um novo materialismo aborda a uma pergunta retórica: “Como todas as coisas (objetos, constructos, corpos) conversarão, e como os relatos destas conversas produzirão efeitos?”

DISCUSSÃO Na relação com uma xícara de café, incialmente ela possui um papel de repositor, um ambiente onde o café é armazenado. O único relacionamento com ela é estabelecido quando se bebe o café. O paladar dirá a temperatura. Quando, porém, é instalado um sensor de temperatura, que se conecta via wireless ao celular, e este avisa via aplicativo que o café que está dentro dela está esfriando, este relacionamento muda. A xícara passa a conversar com a pessoa, a prestar informações e a fazer ter um comportamento diferente do que havia antes (com certeza, assim que for informada que o café está esfriando, a pessoa irá rapidamente tomá-lo, o que talvez não faria se a “xícara” não a avisasse). Este é o campo de discussão deste artigo. Como compreender as novas qualidades desses objetos, já que essa mudança acarreta consequências importantes nas relações sociais (técnicas, conversacionais, culturais, pedagógicas, ambientais): melhoria da eficiência de gestão de coisas (questões de logística e automatismo industrial), de pessoas (questões de mobilidade, ações e perfis), de comportamentos (vigilância, controle, privacidade) e do ambiente (monitoramento das condições climáticas). De alguma forma e de várias maneiras, retorna-se a experiências semelhantes e aos papéis imprecisos dos nômades. Quando nos aproximamos de um objeto, nos relacionamos de um modo diferenciado com ele, a partir deste novo papel que ele passa a ter. Portanto, mais uma vez, nós enfrentamos a dificuldade de escapar uns dos outros. As novas qualidades sensuais destes objetos fazem com que seja cada vez mais difícil separar uma atividade da outra, uma área de conhecimento e experiência da outra. (MEYROWITZ, 2004).


CAPÍTULO 5 - 77

Não há internet das pessoas, assim como não há internet das coisas, só há uma internet híbrida, formada por delegações e estabilizações das mais diversas entre humanos e não humanos. Pode-se considerar que o verdadeiro resultado deste hibridismo não é a conexão dos dispositivos físicos, é a mudança de relacionamento entre os agentes que se relacionam. O verdadeiro resultado destas conexões são as associações estabelecidas por elas. São o novo papel que cada personagem passa a ter nesta associação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo apresentou uma breve discussão sobre a IoT à luz da Teoria Ator-Rede de Latour (2005) e da Ontologia Orientada ao Objeto de Harman (2011). Foi realizado um levantamento bibliográfico, apresentando os termos Internet das Coisas, Teoria Ator-Rede e Ontologia Orientada ao Objeto. Foi realizada uma revisão sistemática de literatura na base de dados Scopus, sobre os constructos “teoria ator-rede”, “objeto quádruplo” e “Internet das Coisas” no âmbito internacional. A pesquisa indicou a existência de 10.051 trabalhos sobre teoria ator-rede (actor-network theory), 69 sobre objeto quádruplo e 20.516 sobre Internet das coisas. Ao analisar as intersecções dos conjuntos, observou-se que 92 tratavam da Internet das Coisas e Teoria Ator-Rede, 03 sobre Internet das Coisas e Objeto Quádruplo, 35 sobre Objeto quádruplo e Teoria Ator Rede e 1 sobre Objeto Quádruplo, Teoria Ator-Rede e Internet das Coisas. De 58 trabalhos retornados, 04 foram selecionados para análise e 02 para leitura completa. Oral (2014) e McNely e Rivers (2014) foram analisados. Oral (2014) trouxe a IoT como um exemplo de como a cognição estabelece sistemas que são unicamente interessados no aspecto relacional de objetos. Já McNely e Rivers (2014) discute sobre a teoria ator-rede de Latour (2005), explanando que a teoria explora como associações de pessoas e coisas possuem ambos efeitos epistemológicos e ontológicos. Sendo, portanto, uma teoria que abrange esta discussão. O artigo ainda traz que ontologia pode ser orientada ao objeto, como pressupõe Harman (2011), porque considera a perspectiva e efeitos de coisas. Em resumo, um novo materialismo aborda a uma pergunta retórica: “Como todas as coisas (objetos, constructos, corpos) conversarão, e como os relatos destas conversas produzirão efeitos?”


78 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Pôde-se concluir que não há internet das pessoas, assim como não há internet das coisas, só há uma internet híbrida, formada por delegações e estabilizações das mais diversas entre humanos e não humanos. Pode-se considerar que o verdadeiro resultado deste hibridismo não é a conexão dos dispositivos físicos, é a mudança de relacionamento entre os agentes que se relacionam. O verdadeiro resultado destas conexões são as associações estabelecidas por elas. São o novo papel que cada personagem passa a ter nesta associação.

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CAPÍTULO 6 - 81

CAPÍTULO 6

MODELOS DE NEGÓCIO NA CIBERSOCIEDADE: O CASO DOS CURSOS MASSIVOS ABERTOS ONLINE (MOOC) Breno Biagiotti Maria José Baldessar Silvia Regina P. de Quevedo RESUMO Novas tecnologias vêm mudando constantemente os hábitos humanos, seja no modo de agir, seja na maneira de se comunicar. A atenção voltada ao uso de mídias e plataformas digitais tem se tornado uma tarefa obrigatória para aqueles que desejam se destacar nesse cenário. Em meio à cibersociedade, essa era digital de convergência de mídias, inteligência coletiva e cultura participativa, desenvolve-se também a cultura do “grátis”, que vem modificando a forma de consumir produtos e serviços na Internet. Este capítulo se propõe a analisar como essas mudanças tem interferido no âmbito dos MOOC (Massive Online Open Courses), abordando alternativas de como esses cursos podem agir para se adaptarem a esse novo contexto. Por meio de uma revisão sistemática, analisou-se diferentes modelos de negócios e estratégias utilizadas por esses cursos a fim de se manterem competitivos nesse cenário e consolidarem de vez os MOOC como uma tecnologia educacional amplamente utilizada. Palavras-chave: modelo de negócio para MOOCs, modelos de negócio na Cibersociedade, futuro dos MOOCs


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INTRODUÇÃO Desde o surgimento dos primeiros MOOC, em meados de 2010, muitos aspectos desses cursos vêm sendo discutidos e analisados por estudiosos de diversas áreas. Os enfoques pedagógicos (aprendizagem colaborativa e massificada), o potencial de inovação, a democratização do ensino, os métodos de certificação, são apenas alguns pontos que foram amplamente estudados e debatidos nos últimos anos. Os MOOC, de fato, nunca foram uma unanimidade na comunidade acadêmica, o que de certa forma é bom pois permite observar os pontos de vistas antagônicos sobre esse tema. Um estudo elaborado por Lowendahl (2014), publicado no relatório Hype Cycle for Education, figura1, traçou um panorama sobre o avanço das tecnologias relacionadas à educação, estabelecendo um prospecto de quais delas estão em ascensão ou decadência, num período que abrange os próximos 5 a 10 anos. Dessa forma pode-se analisar as tecnologias educacionais emergentes que despontaram, sumiram ou se consolidaram nesse período. Esse ciclo é composto por 5 períodos distintos: 1. Etapa de lançamento: esse é o momento em que uma tecnologia é conceituada. Abrange o período de prototipação, mas frequentemente não há produtos funcionais ou estudos de mercado. O potencial da tecnologia estimula o interesse da mídia. 2. Pico das expectativas exageradas: a tecnologia é implementada, especialmente por early adopters (vanguarda tecnológica). Há uma grande quantidade de publicidade sobre experiências tanto bem-sucedidas quanto mal-sucedidas. 3. Vale da desilusão: falhas e fracassos levam a uma certa decepção na tecnologia. Alguns produtores não têm êxito na implementação de seus produtos. 4. Período de iluminação: o potencial da tecnologia para outras aplicações torna-se amplamente entendido e um número crescente de empresas começam a implementar ou testá-la em seus ambientes. Alguns produtores criam novas gerações de produtos e serviços. 5. Platô da produtividade: a tecnologia torna-se amplamente implementada e consolidada, garantindo o seu lugar no mercado.


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Figura 1

Fonte: Gartner’ s’ Hype Cycle for education, 2014.

Fazendo uma análise sobre o caso dos MOOC, entre 2010 e 2012 ele ocupou a fase da etapa de lançamento (fase 1), crescendo vertiginosamente até que em 2012 alcançou o topo do pico das expectativas exageradas (fase 2). O rápido crescimento e a visibilidade alcançada pelos MOOCs foram tão expressivos que 2012 foi considerado como “o ano dos MOOCs” (PAPPANO, 2012), tanto pelo número de alunos inscritos, quanto pelo número de grandes instituições de ensino ofertando cursos por meio das plataformas provedoras. Já em 2013, os MOOCs estavam no final do pico das expectativas exageradas, a caminho do vale das desilusões (fase 3). Segundo a Figura 1, pode-se observar que em 2014, os MOOCs já se encontravam no vale das desilusões, e com um agravante: segundo Lowendahl (2014, p. 47) “esses cursos correm o risco de se tornarem obsoletos antes mesmo de alcançarem a fase 5, o platô da produtividade”. Entretanto esse estudo apresentado por Lowendhal parece não refletir a realidade dos cursos massivos e opiniões divergentes surgiram no mundo acadêmico. Reich (2015) salienta que as pesquisas sobre MOOCs realizadas até


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hoje são muito superficiais e óbvias. Para o autor, esses cursos massivos agora se encontram em sua fase de maturidade e esse é o momento para realizar pesquisas aprofundadas, comparando centenas de cursos existentes e avançando nas questões didáticas e pedagógicas desses modelos. Essa capacidade de realizar pesquisas, portanto, é o principal legado que os cursos massivos online trouxeram para o campo da educação. Segundo Reich (2015), os MOOCs proveram novas fontes de dados e oportunidade para experimentos em larga escala que podem avançar a ciência do aprendizado. Hoje existe terabytes de dados sobre o comportamento dos alunos (nos ambientes virtuais), porém pouco se sabe sobre o que os MOOCs mudaram em suas cabeças e em seu aprendizado. Os MOOCs só poderão avançar para a próxima etapa e se consolidarem no cenário educacional se seus dados forem abertos (open data). A tentativa de manter o anonimato dos alunos (que envolve sérias questões éticas) acaba por impedir uma análise de dados apropriada e isso acaba gerando estudos rasos. Os avanços nas pesquisas sobre MOOCs necessitam, portanto, de ações coletivas entre as universidades, agências de financiamento, jornais acadêmicos, organizadores de conferências e desenvolvedores de cursos. Para Peters e Seruga (2016) os MOOCs desempenham um papel fundamental na cibersociedade, em um mundo onde há uma crescente demanda por a educação gratuita de alta qualidade1, ao passo que as universidades e provedores educacionais não acompanham esse ritmo de crescimento. Para os autores, esse declínio de expectativas sobre os cursos massivos é natural e citam que, no ciclo de Gartner de 2015, o termo MOOC não está presente, entretanto um novo termo “MOOC enabling Technologies” surge como tecnologia em ascenção (LOWENDAHL, 2015). O sucesso dos MOOCs, segundo Peters e Seruga (2016) depende de vários fatores, principalmente: • A habilidade de estabelecer um modelo de negócio sustentável, por parte das plataformas provedoras de conteúdo; • Definir a questão da validade dos certificados desses cursos;

• Habilidade de proporcionar uma experiência ao aluno, superior ao método tradicional de educação presencial; 1 Dados da UNESCO estimam que há mais de 100 milhões de crianças que não tem acesso à educação formal. MOOCs oferecem a essas pessoas a oportunidade de obter conhecimento para superar e sair da linha da pobreza. http://enikki.mitsubishi.or.jp/e/event/index6.html


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Outros autores acreditam no futuro dos cursos massivos, com algumas ressalvas. Para Daniel et al. (2015), o futuro dos MOOCs depende do avanço de 5 principais fatores: um modelo de ensino-aprendizagem adequado, um modelo de monetização eficiente, padronizar a questão da certificação, desenvolver técnicas de aprendizagem adaptativa e, por fim, investir em cursos massivos para países em desenvolvimento. Manzoo (2015) reitera que os MOOCs estão longe de ser um fenômeno passageiro, pois os números de alunos, cursos e universidades provedoras de conteúdo vêm aumentando constantemente. Além disso, as universidades pioneiras dos cursos massivos, Harvard, Stanford e MIT (massachusetts institute of technology) projetaram suas marcas mundialmente, atraindo alunos por todo o planeta. Em meio a essa discussão sobre o futuro dos MOOCs, a EDX (uma das maiores provedoras de cursos massivos) anunciou uma parceria com o Facebook para criar um projeto chamado SocialEDU2. Segundo WILDAVSKY (2015) esse projeto piloto, inicialmente realizado em Ruanda, consiste no desenvolvimento de um aplicativo para celular que irá fornecer conteúdo gratuito através de um ambiente virtual projetado exclusivamente para seu público alvo: países subdesenvolvidos. Tudo indica que o embate sobre o futuro dos MOOCs ainda está em aberto, sendo que o sucesso (ou fracasso) dos MOOC ainda não pode ser determinado. O ciclo de Gartner reflete, entretanto, que algo deve ser feito para que esses cursos consigam avançar para as próximas etapas em busca de sua consolidação no mercado. Um dos fatores amplamente discutidos no meio acadêmico é a necessidade dos MOOC desenvolverem um modelo de negócio sustentável que leve em conta as tecnologias digitais que suportam a cibersociedade. Essa indefinição de como custear a produção dos cursos e angariar verba para a manutenção dos serviços gera uma certa resistência por parte das instituições e acaba impedindo que essa tecnologia se desenvolva em sua plenitude. Manzoo (2015) aborda diversas formas e possibilidades de aplicação de modelos sustentáveis para os MOOCs, com destaque para 4 pontos chaves que devem ser levados em consideração para se desenvolver qualquer modelo de negócio: 1. Proposta de valor: Produto ou serviço deve ajudar o usuário, ser eficaz e a um preço acessível; 2. Recursos: refere-se à pessoas, tecnologia, produtos, instalações e equipamentos; 2

3. Processos: formas de trabalhar em conjunto para abordar tarefas

http://blog.edx.org/working-facebook-create-socialedu


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recorrentes de uma forma consistente, desenvolvimento, fabricação, orçamento e planejamento; 4. Fórmula de lucro: refere-se a ativos e estrutura de custos fixos e as margens e velocidade requerida para cobri-los. Apesar de, por denominação, os MOOC serem cursos livres, abertos e online, nem sempre isso é o que acontece. O cenário é composto por diversas faculdades renomadas que têm desenvolvido seus MOOC e disponibilizado na rede de forma gratuita, um fato sem precedentes e determinante para a democratização do ensino. Por outro lado, várias instituições privadas têm criado seus MOOC e estão cobrando pelo acesso ao conteúdo, ou pela certificação. Apesar do mesmo ideal (ensinar massivamente), essas duas iniciativas têm objetivos diferentes. Esse capítulo busca analisar essa disparidade, elencando alguns modelos de negócios que estão sendo utilizados nos MOOC atuais.

METODOLOGIA Este estudo foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica sistemática, baseada no RBS Roadmap proposto por Conforto, Amaral e Silva (2011) e no Protocolo para Busca Sistemática de Literatura, da UFSC (2012). A revisão sistemática utiliza métodos rigorosos e explícitos para identificar, selecionar, coletar dados e descrever as contribuições relativas à pesquisa (CORDEIRO et al., 2007). Na etapa de planejamento foram estabelecidos os critérios de busca e inclusão dos artigos, como tópicos de pesquisa, tipo de documento, período de tempo, idioma. A partir dos tópicos foi definido o eixo de pesquisa. Para a elaboração da revisão bibliográfica sistemática foi utilizado o seguinte termo: modelos de negócio + MOOC e modelo de negócio + web; As bases de dados utilizadas na busca foram a Scopus3, Web of Science4 e o portal de periódicos da Capes5. O período determinado para essa busca compreende os últimos 5 anos. Foram localizadas 48 publicações que atenderam os critérios da busca. Na etapa de execução, os resultados decorrentes da busca passaram por três filtros, baseados no RBS Roadmap (CONFORTO, AMARAL e SILVA, 2011): 1) leitura título, resumo e palavras-chave para verificar pertinência ao tema, e disponibilidade de acesso [nesta ordem]; 2) leitura da introdução e 3 4 5

www.scopus.com https://apps.webofknowledge.com www.periodicos.capes.gov.br


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conclusão; e 3) leitura completa dos artigos. Dessa forma, o quadro 1 sumariza os trabalhos que foram escolhidos para embasar este artigo: Quadro 1: artigos e capítulos de livro selecionados Base de dados

Título

Resumo

Periódicos Capes

The Future of MOOCs: Adaptive Learning or Business Model? (DANIEL et al., 2015)

Este artigo faz uma análise da situação dos MOOCs e determina 5 dimensões para o sucesso dessa modalidade.

Periódicos Capes Web of Science Scopus

Factores de éxito de los MOOC: algunas consideraciones críticas (POY, GONZALES-AGUILAR, 2014)

O artigo analisa 35 plataformas MOOC e destaca as áreas críticas dos cursos massivos: baixa interatividade e modelo de negócio mal estruturado.

Scopus

MOOCs Business Models (MANZOOR, 2015)

O autor ressalta que os MOOCs estão crescendo gradativamente, se fortalecendo e se consolidando no cenário da educação, entretanto ainda não são viáveis economicamente.

Exploring Business Models for MOOCs in Higher Education (BURD et al, 2014)

O artigo examina as oportunidades trazidas pelos MOOCs e propõem diferentes formas de modelos de negócios.

MOOC’s business models: Turning black swans into gray swans (APARICIO et al., 2014)

Este artigo apresenta uma revisão de literatura sobre modelos de negócio para os MOOC, ressaltando que os cursos massivos representam uma quebra de paradigma no campo da educação.

Fonte: elaborado pelos autores

Também se usou como referência estudos recentes como o Hype Cycle de Gartner (2014), que apresenta as tendências no mercado de tecnologias educacionais e artigos que buscam traçar previsões sobre o futuro dos cursos massivos. Além disso, livros e artigos de autores conceituados que abordam


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a economia do grátis e modelos de negócio na web, como, por exemplo, as obras “Free” e a “Cauda Longa”, ambas de Chris Anderson e “A sociedade do custo marginal zero”, de Jeremy Rifkin, com objetivo de embasar e contextualizar as mudanças de paradigmas econômicos e educacionais na sociedade atual. Os aspectos pedagógicos dos MOOC não serão aprofundados nesse artigo, a ênfase será nos aspectos econômicos da gestão desses cursos.

OS OBJETIVOS DE UM MOOC Antes de entrar na questão econômica de como deve ser um modelo de negócio sustentável para os MOOC, é importante perceber que esse é um fenômeno muito mais complexo. Nem todos os cursos massivos visam o lucro. Em alguns casos, os recursos já estão assegurados. Muitas vezes essas iniciativas são financiadas com verba do governo e o maior objetivo é aumentar o alcance e capacitar a maior quantidade de alunos possível. Hollands e Tirthali (2014) realizaram uma pesquisa com 83 pessoas responsáveis por MOOC em 62 instituições (públicas e privadas) e identificaram seis maiores objetivos relacionados à criação de um curso massivo: • Estender o alcance da instituição ao acesso à educação; • Construir e manter uma marca (branding);

• Melhorar a economia ao reduzir os custos ou aumentar a receita;

• Melhorar os resultados educacionais tanto para os estudantes do MOOC quanto para os alunos presenciais; • Inovação no ensino e aprendizagem;

• Realização de pesquisas sobre o ensino e aprendizagem. Percebe-se que MOOCs com objetivos e metas diferentes certamente não terão o mesmo plano de negócios. Dos 6 objetivos elencados por Hollands e Tirthali (2014, p.5), 4 deles apresentam metas que não envolvem a questão econômica. A maior preocupação dessas iniciativas é o acesso e a democratização do ensino, além da elaboração de novas metodologias de ensino e aprendizagem. Para essas instituições o lucro não é o objetivo principal e, justamente por isso, a oferta de cursos gratuitos faz bastante sentido. Por outro lado, duas metas apresentam objetivos econômicos claros: construir e manter uma marca e melhorar a economia, reduzindo custos e gerando recei-


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ta. Os MOOC que se encaixam nesse perfil precisam monetizar seu plano de negócio para se manterem competitivos e atuantes. A seguir serão abordadas duas situações distintas, analisando alguns casos de MOOC grátis e outros pagos, e como os gestores tem criado alternativas para se manterem competitivos.

Cenário 1: MOOC gratuito e a ascensão do Freeconomics Para um criador mais interessado na atenção do que na renda, o Grátis faz sentido (Anderson, 2009, p.57). Em seu livro “Free, o futuro dos preços”, Chris Anderson aborda a tendência de zerar os custos de serviços trazidos pela era digital da Cibersociedade. Essa mudança para uma economia baseada no gratuito, afeta diretamente a vida das pessoas. Segundo o autor, a mídia grátis não é novidade. A novidade é a expansão desse modelo a todo conteúdo online. Dessa forma, cada vez mais as empresas têm disponibilizado conteúdos e serviços gratuitos e, mesmo assim, estão gerando receitas. O avanço tecnológico, segundo Anderson (2009), impulsiona para baixo os custos e propicia um cenário favorável para o grátis, isso porque há uma combinação de três fatores: 1) Redução no preço da capacidade de processamento dos computadores; 2) Redução do preço da banda larga; 3) Redução do preço para armazenagem de dados. Exemplificando: a junção desses 3 fatores, combinados com a deflação líquida de 50% do mundo online faz com que a cada ano o preço da divulgação de um vídeo no Youtube caia pela metade. Todas as linhas de tendência que determinam o custo de fazer negócios online apontam na mesma direção: para zero. Não é de se surpreender que todos os preços online avancem na mesma direção. (ANDERSON, 2009, p.20)

A era digital propicia o grátis pois o custo marginal (que representa o acréscimo do custo total pela produção de mais uma unidade) fica muito próximo do zero. Os MOOC são beneficiados por essa lógica, onde o custo


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para capacitar um aluno ou centenas de milhares de alunos é praticamente o mesmo. Corroborando com essa ideia, Kevin Carey (2013) afirmou: Tudo isso aponta para um mundo onde a economia do ensino superior está ruindo e sendo reestruturada em torno do custo marginal. O custo para servir 100 mil estudantes que se matriculam em um MOOC é essencialmente zero, e por isso o preço é zero, também. Livros didáticos open-source e outros recursos online gratuitos irão conduzir os preços dos materiais de apoio para a linha zero também. (CAREY, 2013)

Segundo Anderson (2009, p.19), “na economia dos átomos (em outras palavras, a maioria das coisas que cercam as pessoas), tudo tende a ser mais caro com o tempo. Mas na economia dos bits, que é o mundo online, as coisas ficam mais baratas. A economia dos átomos é inflacionária, enquanto a economia dos bits é deflacionária”. Outro autor que também analisa o fenômeno dos MOOCs, sob o ponto de vista do custo marginal, é o escritor americano Jeremy Rifkin. Em seu livro “A Sociedade do custo Marginal Zero”, ele dedicou um capítulo inteiro para abordar a situação dos cursos massivos. Segundo Rifkin (2014), se vive, atualmente, em uma sociedade na qual a escassez está sendo substituída pela abundância, ao passo que o capitalismo perde espaço para o “Collaborative Commons”, que vem reformulando o processo educativo, uma vez que o fenômeno do custo marginal próximo a zero (proporcionado pelos MOOCs) penetrou profundamente no mundo da educação superior, baixando o custo dos créditos acadêmicos para milhões de estudantes para perto de zero (RIFKIN, 2014, p.91). Como exemplo de MOOC gratuitos, pode-se citar o caso da EDX. Essa iniciativa surgiu com o amparo de duas renomadas faculdades americanas (Harvard e MIT) e já formou, desde 2012, mais de 155 mil alunos ao redor do mundo. Com objetivo claro de disseminar o conhecimento, Anant Agarwal, presidente do EDX, espera conseguir formar 1 bilhão de alunos na próxima década. Para ele, esses cursos massivos são a maior revolução do ensino nos últimos 200 anos. Tudo isso faz sentido quando existem instituições economicamente fortes para financiar essas iniciativas. De acordo com Poy e Gonzales-Aguilar (2015), os MOOCs têm se aproveitado da grande publicidade em torno de sua criação e têm conseguido investimentos de capital de risco. Um exemplo disso são os 65 milhões de dólares investidos no Coursera e os 50 milhões de dólares injetados na plataforma Canvas. Um curso online da faculdade de Stanford, por exemplo,


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custa entre 10 e 15 mil dólares para ser produzido, mas o custo marginal para disponibilizar esse conteúdo para os estudantes e o grande alcance que ele proporciona é praticamente zero. Segundo Rifkin (2014, p.97), “o custo para capacitar um aluno nesse caso fica entre 3 e 7 dólares (o preço de um café e um cookie no Starbucks)”, o que é um preço irrisório para essas instituições. Além disso a grande oferta de cursos online torna o cenário competitivo e oferecer conteúdo gratuito pode ser determinante para o sucesso dessas iniciativas. Esse mercado, baseado na abundância, também foi objeto de estudo de Chris Anderson. Para o autor, quando tudo está disponível e pode-se escolher de uma prateleira infinita (possibilitada pela internet), as pessoas não se limitam apenas aos campeões de vendas. O mercado da cauda longa é o primeiro sistema de distribuição da história tão apropriado para os nichos quanto para as massas, tanto para o obscuro quanto para a tendência dominante (ANDERSON, 2006). Essa variedade de oferta e demanda faz com que o conteúdo esteja a um clique do aluno. Mas, nem sempre os cursos oferecidos apresentam a qualidade esperada, ou abordam o conteúdo procurado e isso faz com que desenvolvedores de cursos achem brechas que oportunizam a capitalização. “Por um lado, a informação quer ser cara, por ser tão valiosa. A informação certa no lugar certo muda a sua vida. Por outro lado, a informação quer ser grátis, porque o custo de acessá-la está sempre caindo. Então você tem essas duas forças lutando uma com a outra” (ANDERSON, 2009, p.83). Essa máxima também é válida para o campo dos MOOC. A seguir serão abordados os casos dos MOOCs que têm como principal objetivo o lucro. Cenário 2: alternativas para subsidiar custos dos MOOC Quando não existe uma instituição forte para financiar ou outras formas de investimentos de capital para a criação dos MOOC, a situação se torna mais delicada, mas não impossível. Além de ter a preocupação com a parte pedagógica, os gerentes de cursos massivos precisam desenvolver também o lado financeiro dessas iniciativas. A busca pela forma de capitalização mais apropriada passa pela elaboração de um plano de negócio bem estruturado. Neste caso, a criação de um MOOC geralmente é feita por uma equipe multidisciplinar que envolve professores, designers, pedagogos, programadores, assistentes e técnicos envolvidos e isso já gera uma planilha de custos considerável, nutrida pelo investimento em publicidade e marketing para fortalecimento da marca, além dos custos com infraestrutura de TI, como dito anteriormente, que estão caindo cada vez mais.


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As oportunidades para adotar um modelo de negócio livre para subsidiar produtos e serviços nunca foram tão atrativas. Segundo Lemos (2009), professor da FGV/RJ, especialista em direito autoral e em novos modelos de negócios na era digital, a economia “sem preço” pode ser explicada nas seguintes categorias: Freemiunm, publicidade, subsídios cruzados, custo marginal zero e economia da dádiva. Freemiunm, termo cunhado por Fred Wilson, é um modelo de assinatura amplamente utilizado no meio digital. Se oferece gratuitamente um produto/serviço com algumas funções limitadas. Existe também uma outra versão completa com todos os recursos disponíveis mediante um pagamento. A regra típica desse modelo é a do 1%, ou seja, 1% dos usuários que pagam suportam todo o resto. Isso funciona porque o custo marginal para servir os outros 99% é próximo de zero. Nos MOOC, esse modelo oferece alguns recursos adicionais somente para os usuários premium, ou seja, os pagantes. Um exemplo dessa aplicação é o site da Veduca, portal brasileiro que disponibiliza MOOC de diversas instituições. Os cursos podem ser acessados gratuitamente, mas para ter acesso ao certificado do curso, com assinatura da instituição de ensino responsável e a carga horária do curso, acesso a conferências especiais online com os professores e convidados em datas comunicadas por e-mail e no site, só se tornando um usuário premium. Além desses benefícios, o aluno que paga essa taxa tem acesso a um fórum de discussão exclusivo, com a participação de professores tutores especialistas nos temas do curso e, periodicamente, os estudantes também contam com tutoria em tempo real, por meio chat. Outra forma de capitalização é por meio da publicidade. O desafio é gerar receita através da grande quantidade de acessos ao portal dos MOOC, impulsionado pelo conteúdo gratuito. Dessa forma os cursos geram muito tráfego na rede e podem lucrar através de ferramentas de marketing digital, como o Adwords e o Adsense, ambas do Google. Essa exposição na internet também ajuda a divulgar os cursos presenciais da instituição que fornecem o MOOC, atraindo potenciais alunos. Outra forma é aproveitar essa quantidade crescente de acessos é inserir publicidades nos cursos, cobrando o custo por clique ou por visualização. Mais recentemente, as empresas digitais têm buscado outras alternativas baseadas no oferecimento de conteúdo gratuito para geração de públicos com interesses distintos, movimentando mercado publicitário. Segundo Lewin (2012) e Daniel et al. (2015) outra forma de publicidade adotada pelos MOOC seria a possibilidade de conseguirem verbas de empresas de recrutamento de profissionais, oferecendo em troca os dados


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dos alunos que se destacaram e obtiveram os melhores desempenhos nos cursos. Corroborando com essa prática, Burd et al. (2014) salientam que há necessidade de se criar parcerias sólidas entre os provedores de MOOCs e as empresas interessadas no potencial dos alunos, estipulando as taxas e comissões envolvidas no serviço (atreladas ao salário que o profissional irá receber) e levando em consideração os aspectos macroeconômicos. Para os autores essa prática pode ser rentável e, de uma forma indireta, acaba impulsionando a qualidade dos cursos, formando profissionais mais capacitados e que, consequentemente, recebem melhores salários, refletindo em comissões maiores para os provedores do curso. Essa prática, entretanto, não é muito comum pois envolve questões éticas de sigilo de dados dos usuários. Já a prática do subsídio cruzado é quando um produto ou serviço é oferecido gratuitamente, mas induz o consumidor a pagar por outra coisa. Um exemplo clássico é o serviço de correio de voz das operadoras de telefonia celular. Você não paga para obter esse serviço, mas caso queira ouvir a mensagem, tem que pagar. Nos MOOC essa prática também é comum. O Coursera, por exemplo, é atualmente uma das maiores empresas provedoras de cursos massivos na internet. Ela é composta por um consórcio que engloba 121 instituições de ensino parceiras. A criação de cada curso da plataforma varia entre 15 e 30 mil dólares. Para poder financiar novos cursos o Coursera passou a cobrar uma taxa entre 30 a 100 dólares pela certificação verificada, ou seja, um certificado impresso com o carimbo e assinatura dos professores e instituição envolvidas. Em um cálculo simples, em um curso com 100 mil alunos matriculados, se 1% optar por pagar a taxa de certificação verificada de 30 dólares, a empresa faturaria 30 mil dólares, o suficiente para criar outro curso. Para Rifkin (2014, p.98), “os educadores acham que se os estudantes dos MOOCs forem obrigados a pagar, mesmo que seja uma pequena taxa simbólica para verificar sua participação no curso e aprovação no exame, eles são muito mais propensos a completar o curso”. Além disso, outra forma de angariar fundos adotada pelo Coursera foi a criação de cursos híbridos (blended learning). Nessa modalidade os alunos teriam aulas presenciais e virtuais e a certificação seria paga de duas maneiras: taxa de 1000 dólares pelo certificado básico e 2000 dólares pelo certificado com créditos acadêmicos validados por uma instituição de ensino. Dessa forma, uma pequena parcela de alunos que aderirem essa modalidade já é suficiente para cobrir os custos do curso. Ou seja, os cursos são gratuitos e estão disponíveis para quem quiser acessar, mas se você quiser um certificado que tenha validade e peso para o currículo, é preciso pagar.


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Outra forma encontrada é a do custo marginal zero. Quando o preço de replicação e distribuição se torna irrelevante, não faz sentido cobrar por isso. O Exemplo clássico dessa modalidade é a música online (.mp3). O preço para copiar e distribuir músicas entre usuários na internet é grátis e, apesar de inúmeras tentativas de conter a pirataria, ela sempre existirá. Dessa forma, artistas têm disponibilizado seus discos gratuitamente, apostando no merchandising para aumentar o público em suas performances ao vivo. Nos cursos massivos essa prática também é utilizada quando as instituições disponibilizam seus materiais gratuitamente, apostando num alto índice de acessos, geração de tráfego e visibilidade midiática, a fim de promover a instituição e conseguir novos alunos que se matriculam e pagam mensalidades. Há também uma categoria denominada economia da dádiva. Ela faz sentido quando o dinheiro não é a única motivação. Apostando no altruísmo que sempre existiu na internet, muitos serviços são criados e os próprios usuários tem um papel importante na manutenção e criação de conteúdos. O exemplo clássico é a Wikipédia, que é feita exclusivamente por usuários que não pagam pelo serviço, mas gostam de participar e contribuir ativamente com o site. Nos MOOC isso também ocorre à medida que um usuário aumenta sua reputação ao receber “medalhas” por participação nos fóruns e vai se destacando pelas contribuições constantes. Geralmente esses modelos de negócios criam mecanismos de doação voluntária e sua receita é gerada através de micro pagamentos dos usuários que participam dos cursos. Outra forma viável de capitalizar um MOOC é por meio de patrocinadores ou fundos de investimento em inovação e educação e, como contrapartida, divulgar a marca dessas empresas financiadoras. A criação de cursos massivos sob demanda também é um mercado a ser explorado pois, por se tratar de um fenômeno recente, muitas instituições que querem oferecer MOOC não possuem a expertise para a criação dos mesmos. Nesse cenário, uma equipe técnica bem consolidada poderia criar os cursos e oferecer uma consultoria para as instituições de ensino. Anderson (2009, p.84) já afirmava que “a informação abundante quer ser grátis. A informação escassa quer ser cara”. Partindo desse pressuposto, a criação de cursos com conteúdo exclusivo e aprofundado pode ser um nicho de mercado para os profissionais conteudistas que trabalham com cursos massivos. Por não ter outra opção e, diante da qualidade inquestionável do conteúdo, o aluno não tem outra escolha senão pagar o preço estipulado (que pode ser caro) e realizar um curso que efetivamente acrescente em sua formação. Convém ressaltar, entretanto, que estabelecer um modelo de negócio sólido não é a única solução para fazer com que os MOOC se estabeleçam de


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vez no mercado. Segundo Boxall (2012), em artigo do jornal The Guardian, o que existe de novo nos MOOC, além da escala, é o escopo e o ritmo dos empreendimentos, que atraíram investimentos de capital de risco de mais de 100 milhões de dólares em 2012, além de parceiros como Google e Pearson. Para o autor, os MOOCs atuais ainda são versões digitais da pedagogia tradicional, mas quando amadurecerem serão uma ameaça (e oportunidade) para a educação superior (e universidades como modelo de negócios apoiados em recursos digitais). Existe um grande potencial, de fato, mas é preciso ser ainda mais estudado e lapidado para conseguir um formato pedagógico e econômico ideal e sustentável. Aparicio et al. (2014), no artigo “MOOC’s business models: turning black swans into gray swans” apresentam duas alternativas de implementação de um modelo de negócio sustentável para dois tipos de MOOCs (cMOOCs e xMOOCs6) a partir do uso de ontologia (Osterwalder, 2004). Para os autores, é possível as universidades fornecerem conhecimento grátis e serem sustentáveis ao mesmo tempo.

GRÁTIS NÃO É SINÔNIMO DE SUCESSO Oferecer um produto ou serviço grátis não é tão fácil quanto parece. Existe duas implicações do uso do grátis que Chris Anderson ressalta em seu livro. A primeira é que o grátis facilita o consumo: É como se nosso cérebro estivesse programado para levantar uma bandeira sempre que nos vemos diante de um preço. É a bandeira do “Será que vale a pena? “. Se você cobrar um preço, qualquer preço, somos forçados a nos perguntar se realmente queremos abrir a carteira. Mas se o preço for zero, essa bandeira nunca sobe e a decisão é facilitada. (ANDERSON, 2009, p.55)

Por outro lado, o grátis também gera desconfiança nos usuários, pois quanto mais o consumidor paga por um produto, mais ele é valorizado. O produto grátis pode ser facilmente confundido com algo sem qualidade e sem valor. Então, $10 é valor baixo o suficiente para convencer muitas pessoas a fazerem assinaturas, enquanto não é baixo demais para desacreditar o produto aos olhos dos anunciantes. (ANDERSON, 2009, p.55) Detalhes sobre os conceitos de cMOOCs e xMOOCs podem ser encontrados no artigo MOOCs: uma alternativa para a democratização do ensino (Biagiotti e Bastos, 2014) 6


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São muitas variáveis que podem determinar o sucesso ou o fracasso de um curso massivo. Encontrar o equilíbrio entre essas variáveis é uma tarefa difícil, mas necessária. Assim como o modelo de negócio pode ser determinante para o sucesso do curso, um bom modelo pedagógico também é imprescindível para validar a qualidade de um MOOC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda é muito cedo para traçar qualquer previsão sobre o futuro dos MOOC. Apesar de todo o alvoroço em torno do potencial revolucionário que esses cursos trariam para a educação, os MOOC apresentam características positivas (inovação, colaboração, democratização), porém também possuem falhas e inconsistências que precisam ser corrigidas. O momento é oportuno para realizar essas análises porque muitas iniciativas já alcançaram um certo grau de maturidade. Alguns cursos já estão no ar há 5 anos e disponibilizam dados suficientes para uma análise mais aprofundada desse cenário. O aumento da oferta e demanda desses cursos origina um fenômeno que vem crescendo ao longo da última década, a Big Data educacional. Sendo assim, novas formas de integrar essa vasta quantidade de dados e métodos com objetivo de extrair alguma informação útil delas vem sendo estudadas (Cook & Das, 2012). Duas áreas que estão se desenvolvendo e se destacando nesse contexto de utilizar Big Data na educação são o Learning Analytics (LA) e a Mineração de dados educacionais (MDE). Apesar de apresentarem objetivos parecidos, elas diferem em suas origens, técnicas aplicadas e tipos de descoberta. O LA tem uma característica mais holística, ou seja, procura compreender todo o sistema em sua complexidade, enquanto o MDE adota uma visão reducionista e positivista, procurando por padrões e modificando algoritmos através de métodos computadorizados. Ambos têm como objetivo implementar a experiência de ensino e aprendizado nos cursos online. Profissionais que possuem habilidade para lidar e interpretar os bancos de dados gerados pelos sistemas de gestão de aprendizagem (ou learning management systems - LMS), como o Moodle por exemplo, conseguem encontrar padrões de comportamento de alunos. Dessa forma, os gestores dos MOOC podem traçar estratégias para diminuir a evasão de estudantes, identificar pontos de maior interesse e implementar continuamente seus cursos. É importante determinar, logo na fase de planejamento do curso, o público alvo, os objetivos e o plano de negócio que será adotado. Dessa forma a plataforma pode ser desenvolvida de modo que ofereça uma melhor


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experiência ao usuário. Se a ideia é criar um curso massivo gratuito, isso precisa ficar bem claro para o aluno. Muitos cursos mudam a regra de negócios ao perceberem que não estão conseguindo se equilibrar economicamente. Isso pode refletir em uma experiência negativa para o aluno. Não há nada de errado criar um MOOC visando o lucro. Prova disso são as crescentes iniciativas de cursos profissionais corporativos. Esse modelo se mostrou apropriado quando é preciso capacitar continuamente muitas pessoas em um determinado procedimento. Essa é uma prova de versatilidade de um MOOC, podendo ser tanto uma ferramenta de ensino superior, como também uma alternativa para a capacitação profissional. Os MOOCs, por suas características digitais e audiovisuais em plataformas de compartilhamento de conhecimento, são instrumentos verdadeiramente cibersociais. Apesar de estarem, ainda, em processo de inserção na dinâmica educacional, mostram-se especialmente robustos para essa atividade, além de sugerirem uma possibilidade consistente de novos modelos de negócio. Isso porque oportunizam a participação de técnicos desenvolvedores e de instituições de ensino que poderão aprimorar os resultados de sua atividade. Por fim, nessa mutante cibersociedade, marcada pela inovação e pelo permanente aparecimento de novos produtos, os maiores beneficiários são os cibercidadãos, por terem facilitados os seus processos de aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, Chris. A cauda longa. Elsevier Brasil, 2006. ANDERSON, Chris. Free: grátis: o futuro dos preços. Campus, 2009. APARICIO, M.; BACAO, F.; OLIVEIRA, T. MOOC’s business models: turning black swans into gray swans. In: Proceedings of the International Conference on Information Systems and Design of Communication. ACM, 2014. p. 45-49. BOXALL, M. MOOCs: a massive opportunity for higher education, or digital hype?, The Guardian, 8 ago 2012. Disponível em: <http://www.theguardian.com/higher-educationnetwork/blog/2012/aug/08/mooc-coursera-higher-education-investment>. Acesso em: 5 de agosto, 2015. BURD, E. L.; SMITH, S. P.; REISMAN, S. Exploring business models for MOOCs in higher education. Innovative Higher Education, v. 40, n. 1, p. 37-49, 2015. CAREY, K. “Into the Future with MOOC’s,” Chronicle of Higher Education, September 3, 2012, Disponível em: <http://chronicle.com/article/Into-the-Future-WithMOOCs/134080/> Acessado em 5 de Agosto, 2015. COOK, D. J., & Das, S. K. (2012). Pervasive computing at scale: Transforming the state of the art. Pervasive & Mobile Computing, 8(1), 22–35.


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Hype?. International


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POR UMA CIDADE MAIS HUMANA NA ‘ERA CIBER’ Vanessa Eleutheriou Tarcisio Vanzin

INTRODUÇÃO No livro A Sociedade em Rede, Manuel Castells (2000) trata da transição da sociedade industrial para a sociedade da informação, e propõe uma análise a esta estrutura, pois percebe que a partir do momento em que há uma nova sociedade outra abordagem sobre o tema se faz necessária. A maior evidência desse período são os problemas não resolvidos da primeira, que culminam em uma situação insuportável aos que vivem, como agora, em cibersociedade, na segunda. O autor lista questões, que considera exacerbadas pela globalização: a crise econômica mundial, a ambiental, a intolerância religiosa (fundamentalista) e a busca pelo poder (CASTELLS, 2000). A revolução tecnológica e a evolução dos meios de comunicação trouxeram por fim uma sensação de desorientação e um hiato entre as gerações daqueles que cresceram cercados por uma comunicação em massa e daqueles que já nasceram em um mundo de comunicação intermodal, organizado em redes horizontais, embasado na internet e no wifi. A essa nova sociedade, Castells (2000) dá o nome “sociedade em rede”. A difusão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), a penetrabilidade, a lógica de redes, a flexibilidade e a convergência de tecnologias seriam as principais características desse novo paradigma. Ao elencar as questões enfrentadas no mundo moderno, Castells (2000) destaca que as instituições políticas baseadas na ideia de Estado (país soberano) são incapazes de lidar com elas. Há dificuldade em lidar com problemas locais, mas, principalmente, quando a maioria deles ultrapassa as fronteiras


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do país, tornando-se globais. Ao não conseguir controlar os fluxos de informação e de riqueza, o Estado tornou-se ultrapassado. As redes, por sua vez, não são limitadas por fronteiras e conseguem lidar com a complexidade (CASTELLS, 2000). Falar de cidades, e não de continentes ou Estados, é pertinente, pois reduzir o escopo de uma análise (ou prática) é uma boa maneira de lidar com a complexidade da sociedade em rede. Uma cidade é um “conector” de redes múltiplas e locais, regionais e globais (PFLIEGER E ROZENBLAT, 2014), como um hub. Consoante essa tendência, emerge o tema das smart cities (cidades inteligentes), como passo seguinte à cidade digital. Na literatura, muitas vezes os dois termos são usados como sinônimos, tendo surgido por volta da mesma época, mas enquanto o tema das cidades digitais se manteve em voga, com um número de publicações mais ou menos constante e linear por muitos anos, o termo smart cities não foi muito utilizado até meados de 2010, quando emergiu e hoje superou o digital cities (DAMERI E COCCHIA, 2013). Enquanto ambos se referem a estratégias para melhorar a qualidade de vida nas áreas urbanas, se utilizam de diferentes ferramentas e tecnologias, focando em perfis diferentes de cidadãos, em diferentes áreas, e têm objetivos finais distintos. O principal foco das cidades inteligentes não é a implementação e uso de TICs nas cidades (como é para as digital cities; embora seja um fator para seu desenvolvimento), mas a qualidade de vida nelas, baseada na sustentabilidade ambiental e no capital social. Além disso, as digital cities são uma tendência bottom-up, onde a partir do momento em que os recursos digitais passam a ser utilizados em larga escala pela população (inserida na cibersociedade), o governo local se sente impelido a modernizar-se nesse sentido. Por sua vez, uma smart city está mais relacionada a uma estratégia urbana inovadora top-down. Ou seja, uma tendência política através da qual instituições procuram melhorar a qualidade de vida da cidade em que se inserem (COCCHIA, 2014). A sociedade do conhecimento (conforme proposta inicialmente por Peter Drucker e por Daniel Bell), como “evolução” da sociedade da informação, trouxe novos elementos para se discutir a vida nas áreas urbanas: mais do que apenas receber a informação e compartilhá-la, tornou-se necessário tratar os dados e aplicá-los para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Nesse sentido, o ideal de cidades hoje vai além de ser uma cidade digital, instrumentada e conectada para captar e fluir a informação. Ela deve ser inteligente. A cidade inteligente transcende a tecnologia e dá feedbacks o tempo todo, organizada em redes e não hierarquicamente (GIFFINGER ET AL, 2014). Transformar-se em cidade conectada (ou digital) é um caminho natu-


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ral do ciclo de inovação do espaço público das cidades. Mas, não é suficiente fornecer internet wifi gratuita de alta velocidade para os cidadãos, se a inteligência não estiver sendo aplicada para o bem-estar dos mesmos. Inseridos na cibersociedade, estes passam a conviver de outra maneira com a tecnologia, tornando-se, portanto, cidadãos-usuários e atores na produção de conhecimento. Ou seja, dentro de uma smart city (ARANHA et al, 2010). Ou seja, na produção do bem intangível de maior valor, capaz de alavancar com competência e certeza, o dinamismo da Economia. Nessa direção, Caragliu ET al (2009) acrescentam que, além da qualidade de vida, a smart city busca um crescimento econômico sustentável pelo gerenciamento inteligente de recursos naturais, enquanto investe em capital humano, através de uma governança participativa que se utiliza de infraestruturas de comunicação modernas. Os conceitos de cidade inteligente, apesar ainda não estarem bem consolidados, orbitam em torno das características gerais citadas por Giffinger et al (2014), que consideram que uma cidade inteligente apresenta bom desempenho em seis dimensões: economia, pessoas, governança, mobilidade, meio ambiente e vida. Estas, todavia, sendo construídas sob uma combinação de cidadãos engajados e independentes. Mas, uma das principais críticas a essas cidades diz respeito ao receio de que elas se tornem altamente tecnológicas e pouco identificáveis, como o lugar onde as pessoas de fato gostariam de viver; ou de ter uma cidade controlada por máquinas, sem algum representante que entenda o que os moradores querem ou sentem.7 As cidades de Masdar (Emirados Árabes Unidos) e Songdo (Coréia do Sul) seriam exemplos de como modelos de cidades planejadas desde seu início têm sua inteligência resumida somente a high-technology. A harmonia esta na junção da tecnologia com a dimensão humana, de forma a tratar uma cidade inteligente como um conjunto de uma ou mais comunidades locais que podem ser definidas como bairros ou regiões de uma localidade. Trazendo novamente a perspectiva inovadora de Giffinger et al (2014), a inteligência se manifesta quando a cidade promove o desenvolvimento econômico com justiça social e sustentabilidade ambiental. A cidade adota e desenvolve tecnologias apropriadas para sua realidade local, e usa processos de governança que ajudam a construir uma comunidade alinhada com a cultura, os valores e o estilo de vida dos cidadãos, fazendo dela uma cidade mais humana. 7 Ver mais em: “Tomorrow’s cities: Do you want to live in a smart city?”, disponível em <http://www.bbc.com/news/technology-22538561> ; “No one likes a city that’s too smart”, disponível em <http://www.theguardian.com/commentisfree/2012/dec/04/smart-cityrio-songdo-masdar> ; e “Your next mayor: a computer”, disponível em <http://www.salon. com/2012/04/23/your_next_mayor_a_computer/>. Acesso em 10 dez. 2014.


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Do ponto de vista dos indivíduos, a desejável conexão emocional entre o lugar e seus moradores sugere que o planejamento de uma cidade inteligente precisa envolvê-los no processo de construção de uma visão de futuro. A construção de uma cidade ou região inteligente é um processo de longo prazo e varia de acordo com a regionalidade e suas particularidades (GIFFINGER ET AL, 2014). Neste sentido, uma cidade não nasce inteligente. Uma smart city pode e deve ser encarada como um caminho evolutivo (se assim as políticas forem conduzidas) de cidades já consolidadas. Porém, enfrentando os problemas complexos das grandes metrópoles destacados nos argumentos de Castells (2000). Problemas, estes, advindos da globalização e do crescimento desenfreado (e não planejado) em contraste com um crescimento tecnológico programado. Como consequência, o que tem valor e é culturalmente importante para uma região pode não ser para outra e isto deve ser levado em consideração quando feito o planejamento de cada cidade que se pretenda inteligente. A ideia das cidades humanas inteligentes parece vir a contornar, portanto, a questão da cidade inteligente indesejada por ser dissociada das pessoas que a compõe (GIFFINGER ET AL, 2014).

O CONCEITO DE CIDADES INTELIGENTES O movimento para as cidades inteligentes iniciou como passo seguinte às chamadas era digital e era pós-industrial dos ciclos de inovação tecnológica. No entanto, suas ideias vêm de antes mesmo da explosão da internet, como uma tentativa de solucionar problemas de financiamento, ocasionados pelo impacto das novas tecnologias (CASTELLS, 2000). Tanto na academia quanto no meio empresarial existe uma vasta série de definições para cidades inteligentes. Todas apontam para conceitos, propondo respostas para um conjunto de questões ligadas às aglomerações urbanas, mas se utilizam de diferentes focos (ELEUTHERIOU ET AL, 2015). De modo geral, em uma cidade inteligente a existência de uma infraestrutura básica de serviços não é, por si só, suficiente e não é um fim em si mesma. A cidade por inteiro deve ser considerada uma infraestrutura a ser constantemente gerida, renovada e adaptada com base no fluxo de informação e feedback, o que gera grande oportunidade de negócio para empresas focadas em serviços para a sociedade. É um ecossistema de inovação aberto, podendo auxiliar microempreendedores a desenvolver, validar e integrar novas ideias em torno de um rápido crescimento escalonado para seus serviços e produtos. Essa mudança em larga escala somente pode ser promovida através da ação


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coordenada entre os três poderes que definem o processo urbano: político, econômico e social (ELEUTHERIOU ET AL, 2015). A cidade inteligente, assim, deve ser a interseção desses três níveis, conectando os diversos centros de convergência acadêmicos e aproximando as áreas de conhecimento. É o momento da convivência e do uso dos espaços públicos, onde tudo acontece no mesmo lugar, do networking e do compartilhamento de experiências no planejamento urbano (GIFFINGER ET AL, 2014). Uma cidade inteligente, nessa linha de pensamento, gera mais qualidade de vida e aproveitamento dos orçamentos públicos através da melhoria dos processos da própria cidade e dos que vivem nela, investindo em capital humano e social (NAM, PARDO, 2014; RIZZO ET AL, 2013). Adicionalmente, resgata a identidade sociocultural do território e a integração social com a consciência de grupo e a construção de uma comunidade. Ainda que o termo “cidade inteligente” seja usado de muitas maneiras e com algumas controvérsias, na Europa o modelo mais aceito é aquele concentrado em 6 eixos de desenvolvimento8: • Economia inteligente – caracterizada pelo estímulo à competitividade, ao espírito inovador e ao empreendedorismo, melhorando a produtividade, o comércio nacional e o internacional, além de um mercado de trabalho mais flexível. • Governança inteligente – o governo é mais transparente e receptivo ao envolvimento da população na tomada de decisões, ouvindo opiniões sobre o desempenho dos serviços da cidade e desenvolvendo estratégias de longo prazo. • Mobilidade inteligente – um dos maiores problemas nos centros urbanos hoje, o transporte mais eficiente, é essencial a uma cidade inteligente. Ele deve ser mais acessível, seguro e sustentável, dispondo de uma infraestrutura básica de TIC focada nos transportes coletivos acima dos individuais, para minimizar engarrafamentos e o stress gerado por eles. • Meio Ambiente inteligente – os recursos devem ser geridos de forma sustentável e as condições naturais devem ser um atrativo. Estão inclusas, nesse eixo, as ações voltadas para o desenvolvimento sustentável, como o tratamento da poluição, produção de energia limpa e proteção ao meio ambiente, assim como o uso de criatividade e tecnologia nas soluções urbanísticas. • Vida inteligente – é o foco na qualidade de vida que prioriza a se-

Ver Smart Cities.Ranking of European medium-sized cities. Universidad Tecnológica de Viena, Universid de Ljubljiana y Universidad Tecnológica de Delft, 2007. e http://www. smart-cities.eu 8


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gurança, a educação e o acesso à cultura, gerando turismo e coesão social ao mesmo tempo em que atrai e integra novos moradores. O planejamento urbano é feito com a participação dos cidadãos • Pessoas inteligentes – os eixos mencionados dependem, acima de tudo, da existência de pessoas engajadas nos processos de inovação da vida pública em geral, visto que são consumidoras e coprodutoras de conteúdo e serviços. A infraestrutura não funciona se não houver usuários (GIFFINGER ET AL, 2014).

Ao buscar um crescimento global, sustentável e produtivo a cidade inteligente estimula a competitividade saudável e instala um ecossistema de inovação e cooperações, fomentando a economia criativa - setor este que abrange as atividades econômicas de geração de produtos e serviços desenvolvidos a partir da criatividade, do conhecimento e do capital intelectual de indivíduos (conforme cunhada por John Howkins). Com este propósito, a cidade inteligente almeja facilitar a inovação tecnológica e social ao reforçar o papel do cidadão-usuário no ciclo de inovação, através da inovação aberta (open innovation) e da convergência para “padrões” de qualidade comums, voltada para a população. Assim, pode ajudar as pequenas e médias empresas, incluindo micro-empreendedores, a desenvolver, validar e integrar novas idéias e rapidamente ampliar a escala de seus serviços e produtos (ARANHA et al, 2010). Nesse contexto, o modelo de parques tecnológicos, como grandes polos afastados da dinâmica social e quotidiana da cidade, encontra zonas de conflitos conceitual e prático, por não atender adequadamente as demandas da população, do setor privado e do setor público. A tendência mundial que se verifica para a concepção de parques tecnológicos é reduzir o deslocamento dos cidadãos, implementando áreas que misturem comércio, serviços, lazer, trabalho e habitação. Se os habitantes são cidadãos-usuários, a inovação tecnológica deve estar o mais perto possível dos locais onde vivem, integrada a todos os aspectos de suas vidas (ELEUTHERIOU ET AL, 2015). Engajar o usuário no processo desde seu início permite uma rápida interação com protótipos e com a observação de padrões de comportamento, agilizando o processo produtivo e tornando-o mais eficaz. As cidades, assim, passam a oferecer uma plataforma ideal para as concentrações de capital físico e humano, produção e consumo (HALL E PFEIFFER, 2000).


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A REDE VERSUS O SER E O ESPÍRITO DAS CIDADES Se no modelo europeu das seis dimensões inteligentes o ser humano (pessoas) está no mesmo nível dos outros eixos, nas cidades humanas inteligentes o elemento humano é mais valorizado, de modo que as pessoas não sejam apenas um acessório da tecnologia, mas ao contrário. Todos os outros eixos dependem, acima de tudo, da existência de pessoas engajadas nos processos de inovação da vida pública e privada em geral, visto que são consumidoras e coprodutoras de conteúdo e serviços. De acordo com Nam e Pardo (2014), “Uma cidade voltada para o ser humano é aquela que propicia múltiplas oportunidades para explorar o potencial de cada residente e guiá-los a uma vida criativa”. A infraestrutura sozinha não cumpre seu papel se a ela não se der a adesão de usuários adequadamente aptos a operá-la. Por essa razão, o planejamento urbano, nas cidades humanas inteligentes precisa do envolvimento dos cidadãos, principalmente no que tange à questão de sustentabilidade através do tempo, fundamentados na participação ativa e na cooperação de seus membros. A consolidação de uma cidade humana inteligente, baseada no conhecimento, pauta-se na racionalidade que constitui a inteligência coletiva, visto que, segundo Pierre Lévy (1998), inteligência coletiva é a capacidade dos coletivos humanos atuarem juntos em cooperação intelectual, visando criar, inovar e inventar. É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta numa mobilização efetiva das competências humanas e é um fator determinante na competitividade, criatividade e desenvolvimento humano em uma economia baseada em conhecimento (LÉVY, 1998). Em 1996, Manuel Castells (2000) já demonstrava a sua visão vanguardista do que hoje se conhece como o fenômeno das cidades inteligentes. Enquanto outros estudiosos previam o fim das cidades a partir do ingresso na sociedade tecnológica, Castells (2000) acreditava que isso não aconteceria, pois uma concentração de pessoas e atividades em um mesmo lugar físico seria desnecessária, já que elas poderiam se encontrar no espaço virtual nas questões de lazer, trabalho, pesquisa etc, e ainda desfrutar da organização e proximidade dos bens de consumo. A desterritorialidade, oferecida pelas conexões que criam comunidades virtuais, não subtrai as facilidades oferecidas pela infraestrutura de suprimentos do conglomerado urbano. Ao contrário, agregaria a vantagem da ubiquidade. De um espaço de comunicação por meio da contiguidade física, como diz o autor, as cidades, então, seriam o espaço


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dos fluxos, a partir da definição de que “espaço” não é uma realidade tangível, mas um conceito construído com base na inteligência. Dessa forma, as localidades se desenvolveriam como nós de redes de comunicação e de conexão de atividades. Assim, o autor afirma que as cidades não morreriam, mas se fortaleceriam. Castells, em suas obras, enfatiza a importância do fator humano nesse novo paradigma das cidades. Ao abordar a nova ordem econômica e social que emerge no século XX, a partir da revolução tecnológica (ocasionada pelo desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação, as TIC) e as mudanças sociais que ocorriam em escala global (enfatizadas pela globalização), Castells (2000) identifica e expõe o significado social de toda essa transformação, evidenciando a tecnologia como um movimento orbital ao indivíduo e a sociedade que ele constrói, mas nunca dando a ela (tecnologia) a prerrogativa do protagonismo. Permeando o debate, há uma busca pela identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, que forma uma oposição bipolar na cibersociedade: a rede (tecnologia digital) versus o ser (ELEUTHERIOU ET AL, 2015). Nesse embate, Daniel Bell e Avner de-Shalit (2011) destacam-se com o livro The Spirit of the Cities: Why the Identity of a City Matters in a Global Age. Nessa obra, abordam a existência de um ethos da cidade, uma identidade coletiva que vai além de um valor ou um conjunto de valores fáceis de determinar, pois as cidades são verdadeiramente complexas, diversas, mutantes e plurais. Elas seriam centrais no aspecto do bem-estar das pessoas, pois oferecem um sentimento de comunidade baseado na particularidade do ‘seguro’, que um Estado não pode prover (BELL; de-SHALIT, 2011). Os autores sugerem que as pessoas precisam ter alguma identificação com o lugar para se sentirem compelidas a se engajar e assim desenvolver uma cidade de fato inteligente e, ao mesmo tempo, humana (BELL; de-SHALIT, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A transição da Sociedade Industrial para a Sociedade do Conhecimento, passando pela Sociedade da Informação onde a economia se desloca da produção de bens para a produção de conhecimento, é um tema bastante recorrente e permeia a literatura desde Bell (1974). O nível de avanço tecnológico na qual a sociedade se encontra hoje traz novo fôlego para o debate sobre o tema, a partir do momento que as novas tecnologias da informação (TICs) passaram a oferecer um intenso fluxo de informações tanto entre pessoas


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(como indivíduos), quanto entre instituições públicas e privadas, tornando fronteiras estatais e humanas permeáveis e difusas tanto para dados quanto para relacionamentos. Foi, e é, uma variação muito significativa em curto espaço de tempo, se comparado às transformações que ocorreram séculos atrás, em outros momentos da história. Na cibersociedade, calcada no conceito da cibercultura, torna-se natural que cada indivíduo busque destacar-se de alguma forma, ou destacar seu grupo, para criar um sentimento de identificação com aqueles que compartilham dos mesmos valores, idioma, cultura. Por isso, muitas vezes a ideia de transformar a cidade em que esse indivíduo vive em uma cidade tecnológica, “inteligente”, parece caminhar na direção contrária da necessidade de identificar-se. Os novos conceitos, dentro desta “era ciber/smart”, que ganharam espaço nas produções acadêmicas, como as cidades digitais, inteligentes, criativas, muitas vezes sobrepondo-se em consequência de suas nebulosas fronteiras, resultam de apreciações disciplinares que, em si, não trazem incompatibilidades, mas, complementaridades. Uma visão interdisciplinar que contemple a dimensão humana pela lente do Conhecimento produzido e compartilhado pelos indivíduos em sociedade, pode oferecer a inteira dimensão desses conceitos e seus conteúdos, como descritores de uma sociedade em constante transformação. O Conhecimento sempre foi o elemento transformador das mais diferentes sociedades em todas as épocas que compõe o registro histórico da humanidade. Do Conhecimento, na forma científica ou não, decorreram todos os avanços e as produções tecnológicas que propiciaram as vantagens competitivas de grupos sobre outros. Nesse sentido, a sociedade humana sempre foi a “Sociedade do Conhecimento”. Todavia, passou a ser assim conhecida quando foi capaz de perceber que, embora intangíveis, a informação e depois o Conhecimento constituíam o valor maior e verdadeiramente determinante. Hoje, a consciência do Conhecimento como valor supremo dá corpo ao conceito de Sociedade do Conhecimento, em meio a avalanche de outros conceitos menores que parecem competir ou defender o mesmo conteúdo. Sob essa perspectiva, a “Sociedade do Conhecimento” engloba todos os conceitos que transitam no campo da cibersociedade, tais como: Cibercultura, Cibercidades, cibercidadãos, Sociedade em Rede, Cidades Inteligentes (smart city) e o mais recente desses conceitos que é “Cidades Humanas Inteligentes”. A partir de uma visão tecnófoba seria licito supor que, em longo prazo e em função das tecnologias digitais que permitem armazenamento e compartilhamento de conhecimento com custos cada vez mais baixos, todas as cida-


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des poderiam tornar-se mais ou menos iguais, ultramodernas, robotizadas e insípidas em uma grande “padronização”, na qual o ser humano seria apenas um coadjuvante. Por outro lado, em uma visão tecnófila, poder-se ia enaltecer que as maravilhas da tecnologia deveriam ser perseguidas a qualquer preço, principalmente pelo desprezo ao ser humano. O conceito de “Cidade humana e inteligente” se situa entre esses dois extremos, evitando-os, de forma a negar o contraste entre tecnologia e humanidade e valorizar a realização dos desejos humanos. O objetivo a ser perseguido é o da inclusão plena dos indivíduos, tanto digital, quanto social e humana. À tecnologia cabe o papel apenas acessório de servir e manter o empoderamento das pessoas, e não o contrário. Assim, o caráter hub, oferecido pela tecnologia, pode propiciar aos indivíduos conviverem (ainda que online) com um número muito maior de pessoas e grupos, que, por fim, é uma característica biológica do ser humano gregário. O conceito das cidades humanas inteligentes vem para contornar o receio de viver em cidades high-tech, repletas de serviços que facilitam a vida de seus moradores em todos os níveis, porém, sem “alma”, algo que os motive, engaje, como um propósito para se manter existindo e não colapsar sobre todas as dificuldades encontradas por uma grande metrópole. Como é a cidade em que todos os indivíduos achariam muito agradável de viver? Em síntese, esta é a questão central que motiva a formação do conceito de Cidade Humana Inteligente. Esse conceito se propõe a provocar o pensar no indivíduo antes da tecnologia, bem como oferecer às iniciativas de inovações tecnológicas, um referencial centrado no ser humano.

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CAPÍTULO 8 - 113

CAPÍTULO 8

AS HASHTAGS COMO EXPRESSÃO DA CULTURA TRANSMIDIÁTICA André Luiz Sens Luiz A. Moro Palazzo RESUMO A qualidade indexatória das hashtags e de suas apropriações estéticas e semânticas reforçam a complexidade e imprevisibilidade das relações socioculturais envolvendo a participação, a multimodalidade e a coletividade. Este capítulo pretende, através de uma análise exploratória, identificar e discutir como esses marcadores surgem como um elemento representativo da cultura transmidiática. Os resultados evoluem para caracterização das hashtags como translinks, ao estabelecerem conexões que ultrapassam o ciberespaço e dependam do engajamento de prossumidores. Palavras-chave: hashtag, transmídia, cibercultura

INTRODUÇÃO “A hashtag virou a fogueira da era digital”, afirmou um dos executivos da rede de microblogging Twitter, Adam Blain, em entrevista a revista Veja (SBARAI, 2013). A analogia refere-se ao fato de que uma palavra-chave precedida do símbolo “#”, denominado de cerquilha, tralha ou hash, aproximou virtualmente as pessoas através de comentários e opiniões sobre determinado tema em comum. De fato, a partir de 2007, quando as hashtags se tornaram um sistema de indexação colaborativa oficial dentro da plataforma, novas manifestações culturais, sociais e comunicacionais foram se desenvolvendo. As etiquetas integraram outros espaços, dentro e fora da internet, como pro-


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gramas de televisão, anúncios em painéis, estampas em camisetas e gírias em conversas de bar. Receberam outras funções, ressignificações e qualidades semânticas. Do ‘tagueamento’ de mensagens, passaram a representar opiniões, articular movimentos sociais, contextualizar campanhas publicitárias, evocar sentimentos ou se apresentar como um simples gracejo linguístico. As hashtags e suas apropriações refletem discussões sobre convergência e transmidiação ( JENKIS, 2006; DENA, 2009; SCOLARI, 2009), que visam entender as dinâmicas dos fluxos narrativos que perpassam múltiplos suportes e mercados midiáticos. Diferentes dos modelos midiáticos centralizados e unidirecionais, dependem do papel ativo do prossumidor (TOFFLER, 1980) que circula entre esses canais, consumindo, produzindo e articulando conteúdos em busca de experiências imersivas. Nesta panorâmica, busca-se, através de uma pesquisa exploratória e uma abordagem teórica, identificar e discutir como as hashtags se transformaram em um significativo produto da cultura transmidiática no cenário da cibersociedade. Pontuado por discussões e exemplos, o texto concentra-se nos diferentes papeis comunicacionais e implicações socioculturais geradas por esses marcadores específicos ao longo do seu processo evolutivo.

EVOLUÇÃO DAS HASHTAGS As primeiras palavras precedidas da cerquilha com função de etiquetagem de metadados apareceram em 1988 na plataforma de conversas on-line IRC (Internet Relay Chat). Seu uso estava relacionado ao agrupamento de mensagens, imagens e vídeos em categorias ou na rotulagem de grupos de usuários ou canais. Inspirado pelo sistema de chat e por uma proposta similar implementada em 2006 pela rede Jaiku, as hashtags ganharam novas propriedades e notoriedade no Twitter a partir de 2007. O programador e designer Chris Messina (2007a) não estava convencido da ideia de criar espaços de grupos no site. Buscava uma forma mais eficiente de melhorar a contextualização, a filtragem e a exploração dos conteúdos postados. Em seu tweet – “how do you feel about using # (pound) for groups. As in #barcamp [msg]?” – Messina sugeria a ideia de usar as hashtags como um código de organização e agrupamento das mensagens sobre determinado assunto. A popularidade do recurso veio quando Messina e seu amigo Nate Ritter utilizaram em suas postagens o termo “#sandiegofire” para reportar ao vivo os incêndios nas florestas de San Diego em outubro de 2007. Mesmo


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inicialmente subestimada pelo próprio Twitter, o uso recorrente das etiquetas resultou na sua oficialização pelo site em 2009 (MESSINA, 2007b). Toda e qualquer sentença precedida da cerquilha e sem sinais de pontuação ou diacríticos9 passou a ser transformada automaticamente em um hiperlink. A ligação relaciona todas as postagens que mencionam o mesmo marcador. Em seguida, foi introduzida a seção «Trending Topics”, designada a apresentar as hashtags e os nomes próprios mais mencionados no momento. Apesar de cumprir uma “função estrutural” do Twitter, (ALVES FILHO, CASTRO e ALEXANDRE, 2012) por permitir uma economia de caracteres em postagens limitadas a 140, os usuários passaram a utilizar os marcadores em outros espaços midiáticos além do Twitter. YouTube, Facebook, Tumblr e Instagram são alguns dos grandes sites que adotaram as hashtags como ferramenta de comunicação e indexação. Um dos motivos da disseminação do recurso em outros espaços pode estar relacionada uma característica particular, caracterizada por Huang, Thornton e Efthimiadis (2010) como “marcação conversacional”. Diferente dos demais tipos de tagueamento, implementados após a definição dos conteúdos e visando apenas a posterior recuperação dos dados, as hashtags contribuem também para o filtro e promoção dos conteúdos a priori. Isto é, são planejadas com base no que já foi publicado por outros usuários e criadas juntamente com a elaboração das postagens. Esse viés promocional garantiu que as hashtags ultrapassassem os limites do ciberespaço e do hipertexto. A partir de estratégias de marketing e publicidade, revistas, jornais, televisão e demais mídias tradicionais passaram a assumir com frequência os marcadores em textos off-line de modo a criar conexões entre os fluxos de conteúdo on-line. Em 2011, o canal Fox apresentou o letreiro “#Glee” durante a exibição da série Glee na tentativa de organizar e fomentar a discussão entre os fãs que utilizavam termos diferentes para comentar sobre o mesmo assunto nas redes sociais (SCHNEIDER, 2011). A partir daí, as hashtags tornaram-se informações usuais entre os videografismos televisuais (SENS e PEREIRA, 2014), garantindo, juntamente com outras estratégias multimodais, uma nova perspectiva de uso das marcações.

LINKS TRANSMIDIÁTICOS No Twitter e demais redes sociais que as assumiram como elemento indexatório, as hashtags se transformaram em importantes conexões entre os 9 Sinais gráficos incorporados a letras ou sentenças de modo a marcar qualquer alteração fonética ou linguística, como as aspas, acentos, cedilhas e tremas.


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usuários e seus discursos. Mas diferente de um blog ou site que direcionam para textos pré-definidos, essas ligações fornecem uma lista atualizada em tempo real com novas postagens com a mesma marcação. Ou mesmo fazem alusão a conteúdos de outras plataformas fora do ciberespaço. Esses links apresentam, portanto, um nível de complexidade e imprevisibilidade de relações, dependentes dos usuários, que garantem especificidades além de uma comunicação extensiva (SIMEÃO, 2006), caracterizada pela interatividade, hipertextualidade e hipermidiação. Gosciola (2010) apresenta o link como elemento primordial dos espaços hipermidiáticos. Entretanto, as hashtags consolidaram algumas características específicas que não foram contempladas pelas formas de links descritas por Landow em 1997. Nenhuma delas inclui efetivamente a participação do usuário, que na época era bastante limitada. Mesmo a questão levantada pelo autor sobre autoria coletiva ou coautoria (MARCUSCHI, 2001) nos hipertextos não se sustenta. Esse argumento se baseia na autonomia trazida pela multidirecionalidade da leitura e da falta de controle do fluxo da informação pelo autor. Porém, Alves Filho, Castro e Alexandre (2012) defendem que outros tipos de textos sem hiperlinks podem também apresentar essa qualidade. A leitura de uma revista ou jornal, por exemplo, pode ser feita a partir de matérias específicas, sem respeitar a ordem das páginas. Entretanto, a chamada Web 2.0 (O’REILLY, 2005), definida por Primo e Recuero (2003) como a terceira geração da hipertextualidade, demarcou um novo momento em que as relações de colaboração e cooperação na produção de conteúdos e suas ligações tornaram-se mais profundas e complexas. A hashtag se insere justamente nesse contexto, pois, a coletividade e a participação são qualidades inerentes desse sistema de marcação. As narrativas coletivas criadas em torno da mesma hashtag são feitas de maneira orgânica e imprevisível, denominado por Santaella e Lemos (2010) como “processos individuais de microdesign de ideias”. Entretanto, o hipertexto não contempla dimensões mais complexas que transcendem as lexias, linhas e telas dos espaços cibernéticos. Quando uma hashtag é apresentada durante a exibição em um programa de tevê, ao mesmo tempo que ela é replicada em discussões sobre a atração dentro de uma rede social, o hiperlink se transforma em um “translink” ou link transmidiático, assumindo interações na dimensão da “virtualidade real” (CASTELLS, 2013). Isto é, permeiam um “gradiente interpretativo” (FIGAREDO, 2012) de um componente híbrido, formado pelo físico e o virtual. Considerando os conceitos de convergência midiática, inteligência coletiva (LÉVY, 2007) e cultura participativa, as narrativas transmídiaticas


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( JENKIS, 2006) são projetadas afim de contribuir para construção de um universo coeso e articulado entre multiplataformas. Uma história pode ser contada a partir de um filme e ampliada através da televisão, livros, jogos, parques e outro produtos e suportes, de modo a explorar o potencial comunicacional e interacional de cada um deles. Essas estratégias visam aprofundar as experiências dos fãs e prossumidores (TOFFLER, 1980), que consomem e produzem conteúdo. Nesse sentido, as hashtags, por conta de sua natureza colaborativa, podem se constituir em um importante elo de ligação entre os indivíduos e fluxos informacionais dessa rede multimodal de conteúdos.

PARA ALÉM DA FOLKSONOMIA Cunhada por Thomas Vander Wal em 2004 (WAL, 2007), a folsksonomia caracteriza-se pela taxonomia e indexação de conteúdos feita por pessoas e compartilhada abertamente e para todos. Além de categorizar, os indivíduos emissores-receptores estabelecem conexão e significados de acordo com seu repertório, o que garante estruturas de ligação e organização complexos (FIGAREDO, 2012). Os usuários criam, visualizam e compartilham suas marcações como as de outrem, estabelecendo uma dinâmica de “etiquetagem social” (YUNTA, 2009; JIMENEZ et al 2009). Considerando o espaço híbrido e transmidiático no qual as hashtags estão massivamente inseridas, é possível considerá-las com um importante ferramenta folsksonômica contemporânea, porque, segundo Moura e Mandaji (2014), não só aprimoraram a organização dos conteúdos como também dos indivíduos, permitindo a formação de grupos além dos virtuais e a exteriorização de ideias, sentimentos e identidades em variados suportes. Utilizando as manifestações de rua de 2013, os autores pontuam como os símbolos oriundos do ciberespaço, especialmente as hashtags, foram utilizadas como forma de articulação política. #vemprarua, #ogiganteacordou, #mudabrasil, #changebrazil foram algumas expressões presentes não só nas redes sociais da internet, como também nos gritos, tatuagens, pinturas, cartazes e faixas apresentados pelos grupos que se reuniram para expor suas insatisfações em diversas cidades brasileiras. Esse exemplo reforça a imprevisibilidade na construção dessas marcações. As etiquetas propagadas pelos manifestantes partiram de projetos sem qualquer motivação ou relação com os eventos ao qual elas acabaram sendo utilizadas. Changebrazil era o nome de um canal no Youtube que divulgava vídeos em inglês sobre problemas de corrupção no Brasil. “Vem pra rua” era o slo-


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gan de uma campanha da marca Fiat para a Copa das Confederações. E “o gigante acordou” faz alusão a um vídeo publicitário da marca Johnnie Walker lançado em 2011 em que mostra o “despertar” do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro. Portanto, essa liberdade criativa dessas ressignificações demonstra como não há uma garantia de que haverá necessariamente um uso planejado e consensualmente adequado ou aceito pelos atores envolvidos em uma etiqueta específica. O canal changebrazil talvez tenha encontrado um bom desdobramento de sua ação no Youtube, mas as marcas Fiat e Johnnie Walker sequer cogitavam realizar qualquer associação de seus produtos com as manifestações. Assim como outras marcas ou organizações que são criticadas, ofendidas ou satirizadas em torno de uma mesma hashtag. Como no caso da campanha lançada em 2012 pela McDonalds, que incentivava os usuários a comentarem sobre as experiências positivas com a marca utilizando a lexia #McDStories (HILL, 2012). O que aconteceu foi simplesmente o contrário: o termo apareceu em várias postagens negativas relacionadas à franquia, geralmente associadas a qualidade questionável das comidas oferecidas. Outro fenômeno associado a essa fragilidade no controle na produção e uso desses marcadores aparece em recorrentes expressões que apresentam pouco ou nenhum efeito de tagueamento: #classemediasofre, #sqn, #bomdia, #prontofalei, #ficaadica e outros. São consideradas por alguns como aplicações inadequadas ou pouco representativas das hashtags. Rodrigues (2014), por exemplo, considera como um discurso sem subjetividade, por acreditar em um esvaziamento do sujeito na linguagem. O próprio Twitter (2014) desaconselha o uso dessas expressões e propõe algumas regras de boas práticas a serem seguidas para não aborrecer ou confundir os seguidores. Esses argumentos são refutados por Amaral (2011), por ignorarem os atores sociais e as linguagens envolvidas nesses processos apropriativos. Isso decorre, segundo Baym (2010), de uma errônea comparação com a linguagem face a face. Ignoram-se os compartilhamentos multimidiáticos e as possíveis aplicações lúdicas e/ou transgressoras, como a utilização dos emoticons e as práticas de “trollagem”10. Muitas comunidades populares do extinto site Orkut, por exemplo, como a “Só mais 5 minutinhos” ou “Eu abro a geladeira para pensar” eram mais rótulos pessoais que propriamente espaços de discussão. Essas apropriações se inserem no que Lemos (2013) chama de metadesign, no qual, diferente dos conteúdos homogeneizados compartilhados pelo hierarquizado modelo 10 Trollagem é uma gíria da internet que caracteriza o ato de zombar alguém. Inicialmente designava os argumentos sem sentido em discussões em fóruns ou redes sociais com o simples objetivo de perturbar a conversa e os demais usuários. O uso do termo se expandiu para outros espaços tanto virtuais, quanto reais.


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broadcasting, são fornecidas possibilidades e ferramentas para que os usuários possam realizar suas próprias ações e intervenções. Assim são estabelecidas novas maneiras de conexão entre as pessoas e as informações, propiciando novas capacidades e habilidades de filtragem e envolvimento entre as múltiplas plataformas ( JENKIS, 2006). Nesse cenário, essas hashtags, de pouco valor indexatório, se enquadram no que Primo (2010) classifica como tags afetivas, pois se caracterizam pela exposição individual de emoções e sentimentos. Apesar de não haver um compromisso com a coletividade, Pereira e Cruz (2010) defendem que essas etiquetas podem igualmente atender a grupos. Isso pode acontecer quando há um compartilhamento de uma mesma marcação para representar afetos comuns ou distintos. Situação que reforça a ideia defendida por Jenkis (2006) que as comunidades ciberespaciais são motivadas justamente por esses engajamentos afetivos. As tags afetivas, assim como outras ressignificações, indicam um claro fenômeno de apropriação simbólica recorrente no ciberespaço que ultrapassa a dimensão técnica do recurso de marcação (LEMOS, 2013) ou os affordances iniciais do Twitter (MILLER, 2009). Essa característica midiática é apontada por Murray (2003) não somente como um traço da cibersociedade, mas como um fenômeno recorrente na evolução das linguagens midiáticas, explica, por exemplo, que a partir do entendimento de todas as possibilidades físicas da câmera cinematográfica pelos produtores garantiu que o cinema consolidasse uma linguagem própria. Por outro lado, a autora reforça a tendência a “formulações aditivas”, isto é, construções de formatos dependentes de outros pré-existentes, como o e-mail (correio eletrônico), as “páginas” na web e as hashtags (etiquetas com #). Contudo, rapidamente esses mecanismos ganharam novas propriedades informativas, funcionais, semânticas e experienciais, que conduzem a construção de novas formas de expressão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os apontamentos levantados nesse estudo demonstram como o fenômeno da transmidiação sugere um sofisticado e indefinido cenário de comunicação e informação. Além disso, ressaltam o protagonismo dos prossumidores nas manifestações não só de consumo, como também de construção, curadoria e compartilhamento de conteúdos e conhecimento. A hashtag se revela como um grande elemento representativo desse contexto sociocultural. O próprio surgimento dos marcadores está intrinseca-


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mente relacionado a participação ativa dos usuários. Sem eles, as hashtags simplesmente não existiriam. Apesar de ter se originado a partir do Twitter, coube a ele apenas o papel de fornecer uma forma de mediação mais adequada entre os usuários, atendendo eficientemente aos comportamentos gerados pelo sistema de etiquetagem. Essa participação secundária do canal se evidencia pelo fato dessas etiquetas acompanhadas da hash não atenderem apenas um espaço como o do microblogging. As apropriações realizadas passaram a suportar leituras e interações mais complexas, avançando o campo virtual e contemplando o espaço físico. Os hiperlinks não foram suficientes para estabelecer elos que perpassam entre o analógico e o digital. Transformaram-se em translinks, conectando semanticamente conteúdos distintos a fim de construir um universo experiencial coeso e interligado. Da mesma forma que essas marcações ampliaram seu escopo de relações folksonômicas, outras apropriações menos convencionais passaram a coexistir dentro da cibercultura. Tornaram-se também em expressões meramente fáticas ou poéticas, algumas vezes marginalizadas ou incompreendidas por alguns agentes sociais e mercadológicos. Verifica-se, portanto, que essas articulações desenvolvidas através das hashtags demonstram uma mudança significativa nas relações de consumo. Não refletem apenas novos arranjos e estruturas de texto e mídia. Evidenciam também a complexidade e a instabilidade das relações humanas e tecnológicas, temas que carecem de mais estudos, discussões e reflexões.

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CAPÍTULO 9 - 123

CAPÍTULO 9

DARK WEB: CONSEQUÊNCIAS E DESAFIOS À CIBERSOCIEDADE Milena Lumini Tarcisio Vanzin

RESUMO Este capítulo procura compreender a Dark Web, porção do ciberespaço com conteúdo restrito e caracterizada pela navegação e comunicação anônima, e diferenciá-la da Deep Web. O objetivo é identificar e discutir as consequências e desafios proporcionados por essa tecnologia à cibersociedade, visto que ela pode ser usada tanto para o mal, com a prática de atividades criminosas, quanto para o bem, como a defesa da liberdade de expressão. O método de pesquisa incluiu Revisão Sistemática de Literatura junto às maiores bases de natureza interdisciplinar: Scielo, Scopus e Web of Knowledge. A pesquisa demonstrou que o lado negativo da Dark Web, pelo qual ela é mais conhecida, é também o mais explorado. Palavras-chaves: dark web, deep web, cibersociedade

INTRODUÇÃO Ao permitir a interação entre grandes grupos de pessoas de maneira irrestrita e sem intermediação, a internet configurou-se como um meio para a liberdade de expressão, ação e compartilhamento. Essa característica inicialmente revolucionária, contudo, logo mostrou-se uma ameaça à soberania nacional e ao controle do Estado. Bastaram poucos anos de existência da internet para que surgissem tentativas governamentais de controlar o conteúdo e vigiar os usuários.


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Entre as justificativas para tais atos, poupar crianças de conteúdo impróprio como a pornografia e garantir a segurança na rede a partir da fiscalização de cibercrimes, figuram entre os argumentos mais utilizados. Desenvolveram-se, desta forma, tecnologias de identificação, vigilância e investigação na internet, como a análise de tráfego do usuário, cuja principal consequência ao usuário é tolher a sua privacidade no ciberespaço. (CASTELLS, 2001). Em oposição a essas tecnologias de controle, surgem as tecnologias de liberdade, que visam promover a privacidade na rede e a liberdade de expressão (CASTELLS, 2001). Destacam-se entre elas a criação de redes privadas e softwares que, apoiados na criptografia, mascaram o endereço original de seus usuários garantindo o anonimato. Embora com fins nobres, tal tecnologia viabilizou a prática de crimes diversos, desde a compra e venda de armas e drogas, fraudes de cartão de crédito e lavagem de dinheiro até pornografia infantil, tráfico de órgãos e a contratação de assassinos de aluguel. A esse submundo da internet deu-se o nome de Dark Web ou Web Obscura. A Dark Web é acessível apenas através de navegadores específicos, não estando visível ao usuário comum da internet e, por esse motivo, considera-se que ela faça parte de uma web invisível ou profunda (Deep Web) (MONTEIRO E FIDENCIO, 2013). O termo Deep Web foi usado pela primeira vez em 2000 para classificar os conteúdos disponíveis na web que não são encontrados pelos mecanismos tradicionais de busca, como Google, Yahoo! e Bing, que utilizam o rastreamento automatizado de links para identificar páginas e indexá-las. O conteúdo não indexado não é revelado a partir de uma pesquisa simples no buscador e, por esse motivo, permanece inacessível ao usuário. Entre as razões para a não indexação estão a proteção do conteúdo por meio de senhas ou assinaturas, o formato dos arquivos ou o impedimento deliberado do mantenedor da página contra o rastreamento. Embora hoje seja consensualmente aceita a impossibilidade de se precisar o tamanho da Deep Web (MONTEIRO E FIDENCIO, 2013), um estudo conduzido por Michael Bergman em 2000 avaliou que ela seria de 400 a 550 vezes maior do que a do que a web convencional ou de superfície (Surface Web) e teria 7.5000TB de conteúdo contra 19TB da web comum além de ter a maior taxa de crescimento. Segundo Bergman, além de mais abundante, o conteúdo profundo é de alta qualidade. Como forma de representar a dimensão da Deep Web, algumas metáforas foram empregadas, como a do iceberg, mostrada na figura 1, e a do oceano mostrada na figura 2. Na representação do iceberg, a porção acima do mar


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representa a Surface Web e a maior parte de sua estrutura, escondida abaixo da superfície da água, seria a Deep Web. Na representação do oceano, o conteúdo superficial é aquele que o usuário consegue apreender com mais facilidade. Porém, abaixo do visível há uma camada significativamente maior de conteúdo disponível, mas de difícil acesso. A metáfora do oceano ainda demonstra que, mesmo que profundo, o conteúdo da Deep Web pode ser trazido à superfície tornando-se visível ao usuário. Fig.1. Surface Web e Deep Web representadas como partes de um iceberg

Fonte: https://davidenewmedia.wordpress.com/workingterms/the-surface-web/


126 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Fig.2 Representação da Web como um oceano

Fonte: http://www.memedecarbono.com.br/memes/sufaceweb-deepweb-darkweb-etc/

O termo Deep Web é eventualmente usado como sinônimo de Dark Web. No entanto, há diferenças fundamentais ente os dois. Enquanto parte do conteúdo profundo pode ser revelado por meio de buscadores específicos para a Deep Web, as informações disponíveis na Dark Web só podem ser acessadas a partir da entrada na rede por um navegador específico (PEDERSON, 2013). Suas dimensões também são significativamente menores. O software mais popular é o Tor (The Onion Route). Através dele o usuário navega de maneira anônima e pode visitar páginas específicas da rede. Sua tecnologia foi desenvolvida em meados dos anos 1990 para a comunicação da marinha dos Estados Unidos (EVERETT, 2015). Atualmente, qualquer usuário da web pode baixar o software de fonte livre e fazer parte da rede. Além do Tor, existem outras redes com funções semelhantes e baseadas no anonimato como a Freenet e o I2P (Invisible Internet Project). As três defendem a importância de se manter um canal de comunicação livre da vigilância, análise de tráfego e rastreamento. Em compensação à pratica criminosa, destacam o anonimato como ferramenta fundamental para a comunicação em países antidemocráticos e a atividade de denunciantes, jornalistas e ativistas, e a própria preservação da privacidade no ambiente digital. Esse caráter dual dos usuários da Dark Web e, em especial, os desafios que têm provocado às autoridades tornam a rede um fenômeno importante


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a ser estudado. Com o objetivo de identificar os principais aspectos da Web Obscura e suas consequências à cibersociedade, foi realizada uma Revisão Sistemática de Literatura. A pesquisa demonstrou que o lado negativo da Dark Web, pelo qual ela é mais conhecida, é também o mais explorado.

MÉTODO Para a execução desse trabalho, foi realizada uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL) junto às maiores bases de dados de natureza interdisciplinar: Scielo, Scopus e Web of Knowledge. Considerando que o objetivo da pesquisa era refletir sobre as implicações da Dark Web − a face mais obscura da Deep Web − na sociedade, a revisão baseou-se na associação do termo dark web a cibersociedade/cybersociety. Por esse mesmo motivo, foram priorizados os artigos que estudavam a Dark Web prioritariamente sob seu viés social e não computacional. Embora o conceito de Dark Web difira do termo Deep Web, foram encontrados em pesquisa preliminar artigos que usavam este termo para referir-se à parte obscura da web invisível. Por esse motivo, além de cibersociedade/ cibersociety, foram buscados como palavras-chaves os termos deep web, dark web e dark net. A busca das combinações do primeiro termo, cibersociedade/cibersociety, com dark web e com dark net não apresentou resultados em nenhuma das bases de dados. A combinação de cibersociedade/cybersociety com deep web gerou apenas um resultado, e somente no banco de dados Scielo. O artigo foi reservado para leitura. Devido ao baixo número de resultados, optou-se por pesquisar novamente as palavras-chaves combinadas, porém substituindo cibersociedade/cybersociety por cibercidades/cybercities, o que não gerou resultados nas plataformas. Estabeleceu-se, por critério, pesquisar os termos separadamente. A pesquisa resultou em um total de 1.381 artigos assim distribuídos: 0,3% provenientes da base de dados Scielo, 66,1% da Scopus e 33,4% provenientes da Web of Knowledge. As palavras-chaves apresentaram o seguinte resultado: cibercidades/cybercities 68 artigos; dark web 106 artigos; dark net 30 artigos e deep web 1.177 resultados. Para que fossem identificados os trabalhos mais relevantes para o tema investigado, os artigos passaram por constrições. A primeira constrição foi a ordenação por relevância, seguida da limitação pela quantidade de citações por artigo, depois a leitura dos títulos, a seleção pelos trabalhos disponíveis


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integralmente e de forma gratuita e, por fim, a leitura dos resumos. Na plataforma Scielo, cinco artigos foram encontrados. A partir dos títulos, dois foram selecionados para leitura, sendo que um deles correspondia ao identificado na primeira pesquisa. Na plataforma Scopus, a palavra-chave cibercidades/cybercities identificou 32 resultados. Apenas artigos com uma ou mais citações foram considerados, o que restringiu o número para 14. A partir da leitura dos títulos, um foi selecionado pois os demais não se enquadravam no contexto da pesquisa. Porém, por não ser gratuito, o artigo não foi incluído na pesquisa. A palavra-chave dark web identificou 70 resultados, que foram restringidos para 30 a partir da ordenação for relevância. Foram excluídos 18 artigos que não apresentavam nenhuma citação. A identificação de artigos enquadrados na pesquisa a partir da leitura dos títulos restringiu a busca a sete artigos. Todos eles estavam abertos e disponíveis na versão completa. Após a leitura dos resumos, um deles foi incluído na pesquisa. A pesquisa pela palavra-chave dark net na Scopus identificou 21 resultados. A leitura dos títulos identificou um artigo relacionado ao tema da pesquisa e este foi separado para leitura. O termo deep web resultou em 791 artigos disponíveis no banco de dados Scopus. De acordo com a relevância foram escolhidos 30 artigos. Destes, 13 apresentavam uma ou mais citações. A análise dos títulos excluiu 11 artigos que não se encaixavam no contexto da pesquisa. A leitura do resumo dos dois resultantes excluiu-os na pesquisa por não se encaixarem no tema pesquisado. Na Web of Knowledge, a busca pela palavra-chave cybercities apresentou 36 resultados. Apenas sete deles possuíam uma ou mais citações. A leitura dos títulos não levou à seleção de nenhum artigo para leitura, pois eles não se encaixavam na pesquisa. A palavra-chave dark web teve 33 resultados na plataforma. A leitura dos títulos restringiu os resultados para 10. Apenas um deles oferecia o texto integralmente. A leitura do resumo confirmou a inclusão do artigo na pesquisa. O termo dark net quando pesquisado resultou em nove artigos. A partir da leitura dos títulos, sete foram excluídos por não se encaixarem no contexto da pesquisa. Os dois restantes se encaixavam na pesquisa, tratava-se de um livro e sua resenha, porém apenas a resenha estava disponível gratuitamente e na íntegra e, portanto, somente ela foi incluída nos resultados da pesquisa. Ainda na Web of Knowledge, a busca pela palavra-chave deep web apresentou 384 resultados. A partir da ordenação por relevância foram selecionados 30 artigos dos quais 14 apresentavam uma ou mais citações. A leitura dos


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títulos levou à seleção de um deles, que estava disponível na íntegra e cujo resumo confirmou sua inclusão na pesquisa.

RESULTADOS Os artigos selecionados abordam a Dark Web sob três óticas principais: como ela se insere no ciberespaço, como é o comportamento dos usuários que a utilizam e os desafios que oferece à sociedade. O Quadro 1 abaixo apresenta os dados e a discussão de cada trabalho. Quadro 1: Resultado da pesquisa junto a plataformas de natureza interdisciplinar Título

Base de dados

Palavra-chave

O que leva o ser humano a buscar pelo 2014 grotesco e o bizarro na Dark Web

Scielo

Deep Web + cibersociedade

Silvana Drumond Monteiro; Marcus Vinicius Fidencio

Conceito da Web Invisível a partir da compreensão do 2013 conceito de dobra e como a Dark Web se insere no ciberespaço

Scielo

Dark Web

Cath Everett

As dificuldades legais para se deter os cybercriminosos 2015 da Dark Web e a viabilidade de seguir permitindo o seu funcionamento

Scopus

Dark Net

Autores

Deep web: Dulce María abordagens para a Bautista irresponsabilidade Luzardo cibernética As dobras semióticas do ciberespaço: da web visível à invisível

Should the dark net be taken out?

Ano

Objeto de discussão


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Título

Unveiling the dark web

A multi-region empirical study on the internet presence of global extremist organizations

Surfing the Silk Road: a study of users’ experience

Autores

Danny Bradbury

Ano

Objeto de discussão

Conceito de Dark Web, acesso e as consequentes dificuldades das autoridades 2014 em identificar cibercriminosos. As possíveis falhas técnicas da rede.

Base de dados

Scopus

Palavra-chave

Dark Web

Jianlun Qin; Yilu Zhou; Hsinchun Chen

Mapeamento do nível de sofisticação do uso da internet no espaço da dark web por 2010 grupos extremistas do Estados Unidos, Oriente Médio e América Latina

Web of Dark Web Knowledge

Marie Claire Van Hout; Tim Bingham

Mapeamento do perfil de usuários da Silk Road , maior mercado 2013 de drogas online através da Dark Web e suas motivações.

Web of Dark Web Knowledge

Resenha explica como James Martin analisa sociológica 2015 e criminalmente os mercados online de bens ilícitos, e seus usuários

Web of Dark Net Knowledge

Resenha do livro “Drugs on the Dark Net: How cryptomarkets Michael are transforming Adorjan the global trade in illict drugs” de James Martin

Fonte: Os autores

O estudo de Monteiro e Fidencio (2013) procuram conceituar e organizar os espaços digitais de modo a tentar explicar, em parte, o ciberespaço. Na visão dos pesquisadores, é necessário “desenvolver estudos sobre a Web Profunda como uma dobra semiótica (ou várias) que compõem o ciberespaço e, especialmente, os buscadores específicos nesse setor” como uma forma de continuar a estudar a Web Visível (2013, p. 2). Eles utilizam o conceito de dobra para identificar a Web Visível e Invisível no continuum do ciberespaço.


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Nessa conceituação, fica clara a diferença entre Deep e Dark Web, sendo que a Web Obscura é considerada parte da Web Invisível. Os demais autores concentram-se nos usos da rede. Luzardo (2014), que se refere à Dark Web como Deep Web, propõe uma análise sobre quais os alcances da prática de modificar o rosto e esconder ações na Internet para a cibersociedade contemporânea, tendo em vista a responsabilidade do usuário da rede. Considerando que a Dark Web é o local onde são armazenados vídeos, imagens e arquivos de assassinatos, torturas, experimentos com humanos e pedofilia, a autora sustenta que, nesta área do ciberespaço, os corpos não servem como identidade, mas são objetificados e menosprezados em sua dignidade. Exacerbar no grotesco seria um reflexo da insatisfação com o corpo posto em cena na Internet. Sua crítica maior, contudo, é frente aos sites que buscam fins de lucro a partir da exploração do grotesco, apoiados na facilidade em acessar conteúdos proibidos a partir do anonimato. Não mostrar o rosto permitiria fazer-se presente na Deep Web sem está-lo. Estes crimes, a seu ver, não poderiam ser vistos como produto de um desequilíbrio social mas, provocadas por fatores psicológicos e por influência do meio ambiente. Os pesquisadores Qin, Zhou e Cheng (2010), por sua vez, analisam a utilização da Dark Web por grupos extremistas dos Estados Unidos, América Latina e Oriente Médio com o objetivo de entender o seu nível de sofisticação e formas de uso. Conclui-se que entre os grupos das três regiões, os extremistas do Oriente Médio são os mais ativos exploradores da internet. Eles oferecem o mais rico conteúdo multimídia em seus websites, o que indica forte atividade em estratégias de propaganda. Atingiram um nível de sofisticação técnica que chega a ser maior do que de grupos dos EUA apesar da diferença em infraestrutura. Seus sites contêm mais hiperlinks do que outros, facilitando aos apoiadores encontrarem mais informações sobre os temas que desejam e estreitando a relação entre as organizações. Em termos de uso de técnicas de programação dinâmica para a web, tecnologia geralmente usada para manter a comunicação em fóruns, chats e transações de comércio eletrônico esses grupos estão avançados, embora ainda se sobressaiam as organizações estadunidenses. Ao abordar a experiência dos usuários da Silk Road, maior mercado de drogas ilícitas identificado na Dark Web, Van Hout e Bingham (2013) exploram um outro lado da Dark Web onde as pessoas se agregam não em torno de uma causa, mas pela facilidade de continuar alimentando um hábito que já ocorria no mundo off line. Os participantes do estudo dizem ter encontrado o site ao acaso e tinham pouca experiência anterior em adquirir drogas pela internet.


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A preferência pela compra online se manteve pela facilidade em encontrar substâncias mais baratas, de melhor qualidade e com a comodidade da entrega à domicílio em contraposição à insegurança de adquirir drogas na rua sem a garantias. Os participantes também destacaram o fórum da Silk Road como espaço para troca de informações sobre os produtos, avaliações, feedbacks das transações, conselhos, histórias, experiências, dicas para um consumo “responsável” e, inclusive, assistência a quem deseja parar de usar drogas. Em contrapartida a essa facilidade, o esforço de instalar o Tor, comprar bit coins − moeda virtual usada em transações na Dark Web − e usar endereços falsos foi reconhecido como uma potencial dissuasão à compra impulsiva e o uso excessivo de drogas, além de afastar aqueles que nunca foram usuários antes. Investigar a prática de crimes é o tema mais recorrente quando se aborda a Dark Web. Bradbury e Everett ambos falam da rede sob a abordagem da dificuldade em deter os criminosos. De acordo com Bradbury (2014), o sistema da Dark Web, desenhado para preservar o anonimato tanto do servidor quanto do cliente que se conecta a ele, torna extremamente difícil identificar aqueles que usam a rede para fins ilegais. Quando cibercriminosos foram pegos, a sua identificação ocorreu devido a erro humano e não falhas na tecnologia. Por esse motivo, a infiltração de agentes na rede tem papel fundamental. Por outro lado, questiona-se se estão sendo presos apenas os criminosos menos sofisticados enquanto os mais articulados não estão cometendo os erros com os quais se lida atualmente. Everett (2015), por sua vez, relembra a origem do Tor como um meio de comunicação da marinha dos EUA e discute o problema do combate ao crime pela Dark Web pelas dificuldades entre fronteiras. Cita como exemplo o Centro de Ciber Segurança da Universidade de Warwick, que deseja criar uma rede global com o objetivo de facilitar a detecção dos criminosos e identificar vítimas através das fronteiras nacionais. A prioridade do grupo é combater a pedofilia, que, segundo o diretor da universidade, Tim Watson, detém a atenção de 80% de todos os visitantes de sites da Dark Web. A dificuldade em deter os criminosos, segundo a autora, está no fato de que só é possível prendê-los, sejam pedófilos ou não, se eles estiverem localizados no mesmo país que suas vítimas, o que raramente é o caso. Os países não têm incentivo para agir e a ausência de acordos bilaterais entre países externos à União Europeia amplia a burocracia e encarece a investigação. Consequentemente, o número de buscas que pode ser feito anualmente é muito limitado.


CAPÍTULO 9 - 133

Por outro lado, ainda que tecnicamente possível, a proposta de banir a Dark Web não é bem aceita por reconhecer-se que existem bons usos da rede. Como agravante, ações como essa, com pretextos nos interesses da segurança nacional tendem a provocar uma erosão das liberdades civis. Um exemplo citado pela autora é a proibição da encriptação no Reino Unido para que os serviços de inteligência tenham acesso a toda comunicação digital. A proposta é vista como um contrassenso, considerando-se que sugere a perda da proteção dos dados em trânsito das más intenções de potenciais criminosos para que outros infratores sejam pegos. Michael Adorjan (2015), por fim, explica como o livro de James Martin faz uma análise pioneira sob viés não só criminológico, mas também sociológico a respeito dos mercados on line de bens ilícitos, ao que o autor do livro denomina criptomercados. Adorjan (2015) destaca que o livro desmistifica a noção de que todos os usuários dos criptomercados são criminosos e pondera o forte traço de libertarianismo entre muitos deles. Estes usuários se veem mais como pioneiros e defensores da liberdade. Retrata, ainda, a existência de uma “briga de gato e rato” entre os usuários da rede e os agentes fiscalizadores que inclui, por exemplo, o vazamento de documentos policiais que demonstram os procedimentos usados para rastrear aqueles que utilizam os criptomercados. Para Adorjan, conclui-se pelo livro que os criptomercados estão aí para ficar e, considerando as ações de outros usuários de dark nets como Anonymous, Wikileaks e Edward Snowden, é necessário que mais pessoas se debrucem sobre assuntos amplos como a privacidade e democracia do que com a natureza formalmente ilegal desses grupos na rede.

DISCUSSÃO O esforço de conceituação do ciberespaço, como o desenvolvido por Monteiro e Fidencio e, em especial, a diferenciação entre Web Obscura (Dark Web) e Web Profunda (Deep Web) mostra-se relevante para o estudo das consequências da Dark Web para a sociedade. Consideradas as dimensões que a Deep Web tem em comparação à Surface Web, a confusão dos termos pode levar à interpretação de que a quantidade de conteúdo ilegal na rede é maior do que seu tamanho real. Ressalva-se, contudo, que os termos foram usados como sinônimos apenas em artigos encontrados na base de dados Scielo. Nas demais, a divisão aparenta estar consolidada.


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Dentre os artigos pesquisados, pouco se fala sobre as atividades não criminosas dentro da rede ou a ação de ativistas e hackers que a utilizam para driblar a censura em países antidemocráticos ou divulgar informações de interesse público. Pode-se inferir que uma das razões é o fato de o combate aos crimes via Dark Web ser considerado um tema mais urgente e, portanto, priorizado. A Dark Web é provavelmente o espaço que mais desafia as autoridades no cumprimento das leis e na manutenção da segurança por dificultar significativamente a fiscalização. A solidez da tecnologia contra falhas técnicas, o anonimato e a comunicação e transação internacionais questionam a legislação e as regras atuais de interceptação de delitos. Esse parece ser um dos principais desafios da rede à cibersociedade pois exige um rearranjo da lógica atual de abordagem aos crimes, com novos acordos, ferramentas e estratégias. Ao mesmo tempo, esta porção do ciberespaço e os defensores da privacidade e da liberdade de expressão que a frequentam, relativizam os limites da vigilância do Estado e os controles sobre as ferramentas de comunicação. Como apontado por Adorjan (2015), trata-se, também, de levar a discussão para o âmbito da privacidade e da democracia de maneira ampla. Nesse sentido, estudos sobre o comportamento dos usuários da Dark Web − seja em mercados como a Silk Road, fóruns de grupos extremistas ou outros − mostram-se relevantes para compreender este espaço pois revelam motivações para sua utilização, identificam tendências e oportunidades de uso das tecnologias. O estudo de Van Hout e Bingham (2015) sobre a Silk Road, por exemplo, mostrou que ainda que o mercado on line não atraia novos usuários de drogas, ele faz com que alguns clientes estejam mais propensos a tornarem-se vendedores na plataforma. Além disso, alguns usuários consideraram mais relevantes ao sucesso da Silk Road o uso do bit coin para as transações do que propriamente o software que garante o anonimato. Considerando-se que discussões sobre a Dark Web frequentemente abordam a existência, num mesmo espaço, de indivíduos que utilizam o anonimato para fins positivos e negativos, convém compreender também o uso da rede por ativistas, denunciantes e dissidentes. Um dos principais ganhos com esse trabalho no sentido de pensar a Dark Web é avaliar com equilíbrio os dilemas que a envolvem. Entre eles, saber até que ponto é aceitável manter a privacidade de alguns em detrimento dos danos causados às vítimas de crimes facilitados pela rede.


CAPÍTULO 9 - 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS As tecnologias de liberdade que visam promover a privacidade na rede e a liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que driblam a vigilância do Estado para fins nobres, viabilizam a prática de crimes diversos, de fraudes de cartão de crédito à contratação de assassinos de aluguel. O surgimento da Dark Web mostra-se, nesse sentido, como um espaço que, ao mesmo tempo em que desafia as regras atuais de fiscalização de crimes, exige um rearranjo nas regras atuais de aplicação da lei e conduz à reflexão ampla sobre privacidade e democracia. Este estudo utilizou a Revisão Sistemática de Bibliografia para identificar as consequências da Dark Web na cibersociedade. A pesquisa demonstrou que há um esforço no sentido de compreender melhor o espaço da Dark Web e o comportamento e atividades de seus usuários com predomínio das ações criminosas. Este aparenta ser o maior desafio provocado pela rede anônima. Considera-se, contudo, que estudar os ativistas, denunciantes e dissidentes seja igualmente relevante para o entendimento da Dark Web e, em especial, para a solução de alguns de seus dilemas. É reconhecido que as ações desses grupos também trazem consequências à sociedade. Uma investigação nesse sentido pode trazer novas revelações como a evolução do uso da Dark Web para protestos e a propagação de manifestações que ocupam espaços virtuais, e não físicos, mas que geram prejuízos ou consequências a um número muito maior de pessoas. Observa-se ainda que, além de ser vista como um espaço ameaçador, a Dark Web pode ser considerada também um ambiente de oportunidade no sentido de identificar tendências de comportamento on line e de uso das tecnologias. Convém, portanto, que ela seja mais explorada por ser um fenômeno relativamente recente e para cujo entendimento existe uma demanda.

BIBLIOGRAFIA ADORJAN, Michael. Drugs on the Dark Net: How Cryptomarkets Are Transforming the Global Trade in Illicit Drugs. By James Martin (Palgrave Macmillan, 2014, 96pp. $55.90 hard cover/$38.00 Kindle edition). Crimin, [s.l.], v. 55, n. 4, p.835-836, 25 mar. 2015. Oxford University Press (OUP). DOI: 10.1093/bjc/azv013.Disponível em: < http://bjc.oxfordjournals.org/content/55/4/835.extract> Acesso em: 14 nov. 2015 BRADBURY, Danny. Unveiling the dark web. Network Security, [s.l.], v. 2014, n. 4, p.1417, abr. 2014. Elsevier BV. DOI: 10.1016/s1353-4858(14)70042-x. Disponível em:<http://


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CAPÍTULO 10 - 137

CAPÍTULO 10 O IMAGINÁRIO CIENTÍFICO NA CIBERSOCIEDADE: O CINEMA COMO METÁFORA DE ACESSO AO REAL

Cristiane Fontinha Miranda11 Maria José Baldessar12 Silvia Regina P. de Quevedo

RESUMO O presente capítulo tem por objetivo explorar as relações que se estabelecem entre o sujeito cognoscente da cibersociedade e o imaginário científico. O ponto de partida foi a questão: Como o conhecimento produzido pode ser alcançado tendo o cinema como metáfora de acesso ao real? Considerando-se a estreita relação entre o imaginário científico e o cinema e, com base na Revisão Sistemática de Literatura junto a duas plataformas de natureza interdisciplinar, conclui-se que a produção técnico e científica também é influenciadas por fatores culturais da sociedade que povoam o imaginário científico, como o cinema. No contexto cultural contemporâneo, onde as tecnologias digitais transformaram os processos cognitivos, somente o sujeito cognoscente, imerso na cibersociedade, consegue acessar a profusão conhecimentos que são compartilhados pelos meios digitais. Há momento nos quais a realidade deixa de existir. Por meio da mídia, os símbolos alcançam um status maior que o real, similacro do verdadeiro. Palavras-chave: cibersociedade, cognição, imaginário científico, cinema. 11 Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); mestre em Design pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista Fapesc pelo PPGEGC/UFSC, crisfontinha@gmail.com 12 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP); Mestra em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Graduada em Comunicação Social - Jornalismo (USFC); Professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento e no curso de graduação em Jornalismo, mbaldessar@gmail.com


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INTRODUÇÃO Há pouco mais de um século, por acreditarem serem reais as cenas de um trem chegando a uma estação, espectadores fugiram assustados da projeção de Arrivée d’un train em gare à La Ciotat13, dos irmãos Lumière. Hoje, com o desenvolvimento tecnológico, cada vez mais os indivíduos estão imersos em um simulacro14. Assim como a audiência de Lumière, vive-se em um mundo fictício, dependentes e consumidores vorazes, sem poder discernir o real do virtual. A tecnologia digital mudou o modelo de comunicação e a forma como ocorrem os relacionamos com o mundo. O usuário tornou-se empoderado, passando a interferir na produção, distribuição e consumo de conteúdos de conhecimento. Assim. de certa forma, se pode considerar que o desenvolvimento tecnológico e o científico estão diretamente associados à evolução da sociedade. Em princípio, a produção científica tem como base o concreto para alçar novos voos nas afirmações acadêmicas. Contudo, mesmo para se fazer ciência torna-se necessário um certo grau de criatividade, além da normalidade metodológica dos procedimentos formais. É requerido o pensamento lateral15, que orienta a enxergar de um ponto de vista fora do esperado. Assim, o lúdico e a ficção são as ferramentas que possibilitam estabelecer antecipadamente, novos caminhos, pela via das hipóteses. Ou seja, possíveis elos entre o que é real e o imaginário. É a partir da experimentação com o concreto que a ciência verifica suas hipóteses, mais tarde refutadas ou comprovadas. Mesmo há milhares de anos, quando o homem manuseava seus utensílios primitivos, a fim de dar utilidade prática para um material bruto, já realizava experimentos, que, neste contexto, poderiam ser considerados tecnológicos. Contudo, o homem de antes, seja na pré-história como nos demais períodos históricos, e o de hoje, são sujeitos biologicamente idênticos, mas, sujeitos cognoscentes distintos, do ponto de vista das relações que se estabelecem com o meio em que estão inseridos. 13 Em 22 de março de 1895 os franceses Auguste e Louis Lumière exibiram para uma pequena plateia o primeiro filme da história, La Sortie de l’usine Lumière à Lyon. Contudo, a primeira exibição comercial aconteceu em dezembro de 1896, com L’Arrivée d’un train à La Ciotat, durante a jornada de divulgação do cinematógrafo. 14 Por Baudrillard, uma simulação da realidade. É o oposto da representação: “Enquanto a representação tentar absorver a simulação interpretando-o como falsa representação, a simulação envolve todo o próprio edifício da representação como simulacro”. 15 Conceito formulado pelo médico Edward De Bono, nas décadas de 1960 e 1970. Pensamento fora do padrão que leva a quebra de paradigmas. Respostas neurais do cérebro ao pensamento neural tradicional.


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O imaginário do homem do passado era um espelho que projetava a realidade do tempo em questão. Da mesma forma que a realidade do sujeito cognoscente de hoje, imerso na cibersociedade, reflete uma realidade antes inimaginável. Pode-se, assim considerar que, desde o surgimento do cinema – no final do século 19 -, há uma estreita relação entre a ficção e o imaginário científico, estabelecido como metáfora de acesso ao real. Pode-se, então, considerar que a produção científica não é apenas fruto da comunidade científica, mas também resultado da interação com outros fatores sociais e culturais que a representam, como o cinema. A ficção simula o real, mas também pode ser considerada como constituinte do imaginário científico. Nos filmes, o que encanta o expectador é o caráter lúdico da visão de uma realidade que ainda não lhe é acessível, mas sim imaginável (OLIVEIRA, 2006). Essa capacidade que só os humanos têm, sem dúvida, foi a responsável pelo grande distanciamento entre eles e as demais espécies. Para a elaboração deste capítulo, buscou-se estabelecer o estado da arte deste campo de conhecimento, por meio de pesquisa exploratória. A questão de pesquisa adotada nas buscas, e que serviu de eixo central da pesquisa, foi: como o conhecimento científico pode ser acessado, tendo o cinema como metáfora de acesso ao real? Com o objetivo de estreitar o foco do estudo, foram utilizadas como referências as publicações mais recentes e mais citadas nos dois bancos de dados: Scopus e Web of Science. A revisão sistemática se mostrou determinante na estruturação das informações que serviram de referência na elaboração deste capítulo. Com base nos artigos pesquisados tornou-se possível analisar a forma como o saber tecno-científico contribui na discussão de temas relevantes para a sociedade. Buscou-se, por esta via, compreender o papel da ciência na formação de subjetividades e do imaginário atual, refletido no cinema e na produção científica. Esta análise crítica se fez importante porque no processo de produção do conhecimento científico e tecnológico, através da prática da pesquisa, há uma “cascata de transmissão” de discursos socialmente hierarquizados. Os artigos especializados, aqui utilizados, são destinados a um público pontual e não são consumidos pela massa (SABINO, MATTOS, 2013 p. 248). Devido a grande quantidade de informações reunidas, a revisão sistemática permitiu analisá-las e avaliá-las para que o conhecimento fosse o resultado deste processo. Além das palavras-chave referenciadas no resumo, ainda foram acrescentadas às buscas a expressão “imaginário científico”.


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A RELAÇÃO ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO O roteiro da ficção científica simula, finge ser factível uma realidade não existente. Se finge o que não se tem (BAUDRILLARD, 1991, p. 9). Contudo, somente no contexto atual, onde as relações se restabelecem em rede no ciberespaço, o homem torna-se capaz de acessar a realidade projetada nas telas, porque toda a construção do sujeito cognoscente da cibercultura tem como referência a cibersociedade. O imaginário do homem de hoje está alicerçado em um referencial contemporâneo, na sua relação com tecnologia. Neste sentido, o imaginário científico também está povoado por possibilidades jamais concebidas. As mídias digitais permitem o acesso a realidades distantes ou inacessíveis. Mesmo imerso em uma sociedade cibernética16, homem ainda tem o controle e comanda as máquinas17. É ele quem está à frente do leme, o timão do navio18. Só na cibersociedade o indivíduo pode conceber como plausível uma realidade não existente, o simulacro (BAUDRILLARD, 1991, p. 13). Para este filósofo e sociólgo francês, ao longo da sua trajetória, o cinema, do mais fantástico ou mítico ao realístico e à hiper-realística, tentou aproximar-se do real absoluto, seja “na sua banalidade, na sua veracidade, na sua evidência nua, no seu aborrecimento e, ao mesmo tempo, na sua presunção, na sua pretensão de ser o real, o imediato, o insignificado...”. Nos tempos atuais, a relação que se estabelece entre o cinema e o real se modificaram: “resulta da perda de especificidade de um e de outro”. As narrativas atuais tentam se descolar desta realidade: “o cinema tentando abolir-se no absoluto do real, o real desde há muito absorvido no hiper-real cinematográfico (ou televisionado)” (BAUDRILLARD, 1991, p. 64-65). Se, há mais de um século, na exibição do filme L’Arrivée d’untrain à La Ciotat (A chegada do trem na estação), a plateia fugiu amedrontada da sala de projeção, acreditando que o trem sairia da tela, tais imagens não causariam espanto ao público no atual contexto, do sujeito que vive na cibersocidade. Contudo, a ficção - aliada à tecnologia ainda pode “pregar truques” e confundir os sentidos do homem contemporâneo. O Oculus Rift, equipamento de realidade para jogos eletrônicos, simula virtualmente o real em três dimensões e 360 graus, exibindo imagens de games na tela em LCD de 1280×800 pixels em 60 Hz. Tão críveis são as ima16 Palavra que tem origem na cultura grega. Kibernetiké é o timoneiro, aquele que governa o timão da embarcação, dirige o leme, guia ou chefe. 17 Que neste contexto pode ser compreendida como a tecnologia. 18 Que neste contexto pode ser considerado uma metáfora para a sociedade.


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gens projetadas que os usuários, mesmo sabendo se tratar de um jogo, ficam surpresos com a experiência imersiva. Ao utilizar o óculos Rift, o jogador simula uma realidade virtual e é levado a questionar a razão. Ao contrário da utopia, a simulação parte do princípio de equivalência e da negação da referência do signo, sendo seu próprio simulacro puro, sem qualquer relação da realidade (BAUDRILLARD, 1991, p. 64-65). Sendo assim, a ficção pode ser a mola propulsora, geradora do conhecimento científico.

O CINEMA COMO EXPERIÊNCIA HIPER-REALÍSTICA DO IMAGINÁRIO CIENTÍFICO Fazer ciência é buscar o conhecimento de forma sistemática. O método, palavra que tem origem grega Méthodos, pode ser descrito como o conjunto de procedimentos baseado em regras que visam atingir um objetivo, na ciência, por exemplo, de uma verdade científica ( JASPIASSU, p. 130, 2001). Essa verdade também pode ser alcançada pelo senso comum, que povoa o imaginário popular, de forma assistemática. O cinema pode ser considerado uma das importantes formas de disseminação do conhecimento, estreitando o laço entre o imaginário científico, representado pelos filmes de ficção científica, e o processo científico. Estabelece, desta forma, uma relação entre a imaginação ficcional e a realidade, sendo, o cinema, a própria metáfora de acesso ao real. O imaginário, em um sentido mais específico, pode ser compreendido como o conjunto de representações, crenças, desejos, sentimentos, através dos quais um indivíduo ou grupo de indivíduos vê a realidade e a si mesmo. A fenomenologia existencialista de Sartre considera o imaginário ou “ato de imaginar” como a capacidade que tem a consciência de nadificar19 o real, de desligar-se da plenitude do dado e de romper com o mundo ( JASPIASSU, 2001, p. 101). A estreita ligação entre a ciência e a ficção também povoa o imaginário de pesquisadores como da brasileira Lucia Santaella. Pare ela, a evolução da Web 3.0 deverá trazer funções e recursos mais complexos, como a combinação de metadados semânticos e ontológicos, além de tecnologia que garanta uma maior associação ao usuário. Santaella se antecipou ao prever que os hardwares desapareceriam e suas funções seriam comandadas por gestos do usuário e “mais afinadas à natureza do corpo e mente humanos” (SANTAELLA, 2013, p. 40-41). No universo dos games, o movimento do corpo já 19 Termo criado por Sartre para designar, em uma perspectiva fenomenológica, o ato pelo qual a consciência elimina aquilo que não é objeto da sua intenção imediata.


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está incorporado aos jogos. Essa tecnologia já vem sendo utilizada por empresas como a Microsoft e a Sony. O Nintendo Wii foi um dos pioneiros nesta abordagem tecnológica, seguido do Playstation Move e o Microsoft Kinect. O roteiro da ficção parece materializar o imaginário científico da pesquisadora Lucia Santaella. No filme estadunidense Her (2013), intitulado Ela no Brasil, o solitário escritor Theodore, personagem interpretado por Joaquim Phoenix, se apaixona por um sistema operacional inteligente de computador. O filme, dirigido e produzido por Spike Jonze, explora a relação do homem com a tecnologia. Imerso em seu universo tecnológico, o protagonista não consegue distinguir o mundo real do imaginário e mantém um romance virtual com o programa de computador, com voz feminina de Scarlett Johansson. Tal abordagem remete ao Mito da Caverna, de A República, escrito por Platão. A alegoria da caverna sugere que as pessoas estão acostumadas a enxergar o mundo por meio das sombras e suas representações. Dentro de nossas cavernas contemporâneas os indivíduos tentam alcançar o mundo exterior por meio de sua representação imagética. Na cibersociedade, a metáfora de Platão pode retratar as relações virtuais que se estabelecem entre o homem e o mundo exterior na Internet. No ciberespaço esses limites são fluidos e, segundo a pesquisadora Santaella (2013) expõe a ambigüidade existente no confronto do real com o virtual. A autora afirma serem perceptivos no universo virtual o processo de “corporificação e descorporificação, psíquicos e cognitivos”. Sendo um dos dilemas ambivalentes a representação do corpo entre o real e o virtual (SANTAELLA, 2009, p. 124). A Trilogia de Matrix (Matrix, Matrix Reloaded, Matrix Revolutions), dos irmãos Wachowski, a relação do homem com o real também é questionada. No filme, a realidade não é o que aparenta. A realidade é virtual, é a Matrix. A missão de Neo, protagonista do filme interpretado por Keanu Reeves, é sair da Matrix e conhecer o mundo real, como ele é. “O que é Matrix? Controle. A Matrix é um mundo de sonhos gerado por computador... feito para controlar...” (Trecho da revelação feita por Morpheus a Neo. Andy & Larry Wachowski, The Matrix, EUA, 1999). O filme dos irmãos Wachowski promoveu o debate sobre a teoria de Baudrillard sobre o regime do simulacro. Em 2003, o escritor francês Jean Baudrillard (1929 – 2007), em entrevista ao Le Nouvel Observateur criticou a interpretação distorcida de sua obra pelos autores do filme. Para o autor não há em nenhum dos filmes da trilogia uma sequência que seja o punctum20, sobre qual Roland Barthes escreveu, que coloca o sujeito em contato com o real: 20 Que, de acordo com o sociólogo e filósofo francês Roland Barthes, seria o acaso que toca o espectador, algo que salta da fotografia como uma flecha.


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“Além disso, isso é o que torna o filme um sintoma revelador do fetiche real em torno deste universo de tecnologias de tela no qual não há mais distinção entre o real e o imaginário”.

O HOMEM À FRENTE DO TIMÃO Somente o sujeito cognoscente imerso na cibercultura pode acessar a realidade ficcional expressa nas telas do cinema. Na cibersociedade é o homem quem está à frente do timão, quem controla as máquinas e a tecnologia. O psicólogo estadunidense George Armitage Miller21, professor da Harvard, considerado um dos criadores da ciência cognitiva moderna, defendia que “os computadores nos fornecem a prova da complexidade que é possível nos sistemas de processamento de informações”, desta forma tornando os homens mais livres. (GOODWIN, 2005, p. 485). As tecnologias digitais transformaram as funções cognitivas do homem na cibersociedade, fazendo com que desenvolva suas atividades cognitivas fundamentais. Faz-se certo que as atividades cognitivas do homem se transformaram e estão diretamente associadas à forma como ele interage com o mundo (LEVY, 1987, p. 14). Na web verifica-se uma mudança na escrita, leitura e na audição, entre outras. Na internet, a narrativa visual torna-se protagonista, com linguagens convergentes em diversas áreas, do jornalismo ao entretenimento. As novas relações do homem com a tecnologia também servem de roteiro na ficção, onde o desenvolvimento da inteligência artificial é amplamente explorado. No filme Trancendence: a revolução. O personagem interpretado pelo Johnny Depp, o cientista Will Caster trabalha na pesquisa da inteligência artificial e desenvolve um computador capaz de processar informações referentes às emoções humanas. A trama se desenrola em torno de uma questão principal: se a máquina pode desenvolver autoconsciência. Em determinado momento a máquina, embutida das emoções humanas do personagem, é questionada se poderia provar sua autoconsciência. Em resposta devolve: “Essa é uma pergunta difícil, você pode provar a sua?”. Se a autoconsciência estabelece o limiar que separa o homem da máquina, a psicologia hoje estabelece que certos processos cognitivos suportam estados autoconscientes. 21 O desenvolvimento da psicologia cognitivista é resultado dos estudos de Miller, como “O número mágico sete, mais ou menos dois: alguns limites na nossa capacidade de processar informação”, publicado em 1956, na The PsychologicalReview. Nele Miller sugere que sete (mais ou menos dois) era o número mágico que caracterizava a capacidade limitada da memória de curto prazo das pessoas em armazenar listas de informações, cores e sensações de gostos.


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Durante quase a primeira parte do século XX ocorreram poucos avanços no campo das ciências cognitivas. Cabia à psicologia e aos seus sub-campos clínico-psicoterápico e aplicados tal investigação. Nos tempos modernos, deve-se aos trabalhos experimentais de Duvale Wicklund (1972), entre outros, uma mudança quanto ao campo de investigação científica da autoconsciência, “recuperando a pergunta pela qualidade auto reflexiva da consciência de seu ostracismo pela leva behaviorista e de seu caráter não tematizado sistematicamente oriundo das correntes psicodinâmicas e humanistas da psicoterapia psicológica” (MEDEIROS DO NASCIMENTO, ROAZZI, 2013, p. 493). Pode-se, desta forma, considerar que o homem cognitivo contemporâneo estabelece suas relações em redes, prática humana comum e antiga. Mas o que distingue o homem contemporâneo de seu passado é a flexibilidade de como as redes se estabelecem no ciberespaço, de forma descentralizada, global, horizontal, fornecendo uma organização distinta (CASTELLS, 2001, p. 8). Somente o sujeito cognoscente contemporâneo pode estabelecer uma relação entre a imaginação ficcional e a realidade, tendo o cinema como metáfora de acesso ao imaginário científico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento tecnológico transformou a relação do homem com o mundo, revelando um sujeito cognoscente culturalmente distinto. Verifica-se, neste contexto, uma mudança na forma como ele acessa o conhecimento na cibersociedade em que se encontra imerso. Apesar das transformações, ainda é o homem quem pilota a sociedade e suas conquistas. Ainda é ele quem está à frente do timão do navio. Contudo, alguns estudiosos consideram que se está prestes a entrar em uma era cibernética, uma cultura pilotada (de kubernetes, cibernética) pela tecnologia (LEMOS, 2003, p.11), configuradas a partir de novas relações sociais que se estabeleceram a partir da década de sessenta, com o pós-modernismo. O imaginário científico também é povoado pelo que acontece na pó22 lis cibernética. Na cibersociedade, o homem contemporâneo se utiliza de metáforas para acessar o conhecimento. E, neste sentido, o cinema pode ser compreendido como metáfora de acesso ao real, estabelecendo a relação entre a ficção e o imaginário científico. Apesar das transformações vivenciadas, ainda é o homem quem detém o controle das máquinas. Resta saber até quando essa condição persistirá. 22 A pólis era o modelo grego de cidade , desde o período arcaico ao clásssico, formada por cidadãos livres e iguais.


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Assim como no filme Matrix, à medida que o mundo virtual venha a ganhar uma maior expressividade, o homem será levado a viver em ambientes virtuais cada vez mais imaginários, onde questionará o limiar entre o real e o virtual. Mas, em algum momento, perceberá que está olhando “através” do meio, em vez de ‘para’ ele (MURRAY, 2003c, p. 252). Experiências que eram consideradas como factuais apenas em filmes, hoje fazem parte da rotina das pessoas, a exemplo do desenvolvimento da telefonia móvel. Por meio dela pode-se efetuar operações bancárias, acessar notícias, as redes sociais e aplicativos para comunicar-se. A princípio imaginava-se que as tecnologias convergiriam para um só aparelho ( JENKINS, 2009). Contudo, o que percebe-se é que o consumidor utiliza tecnologias diversas e equipamentos em diferentes formatos para acessar a informação, desafiando a indústria a produzir conteúdo convergente em formatos e em devices23 divergentes. Com o desenvolvimento da tecnologia digital a forma como homem acessa o conhecimento foi transformada, assim como a informação é produzida, consumida e distribuída. Nos ambientes virtuais, o indivíduo reafirma sua subjetividade à medida que tem a opção de escolher uma das narrativas possíveis construídas na web. O ser social cognoscente de ontem não é o mesmo de hoje, imerso na cibersociedade.

REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, J. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio D’Água, 1991. DE BONO, E. O mecanismo da mente: novos caminhos para o conhecimento e domínio da atividade cerebral. 1. ed. Vozes, 1971. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 (Trad. Maria Luiza X. de A. Borges). GOODWIN. James C. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 2005. JASPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. OLIVEIRA, Bernardo J. Cinema e Imaginário Científico. Rio de Janeiro: Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2006. PLATÃO. A República; tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado. – 1ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2006. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus,2007. SANTAELLA, Lucia. Revisitando o corpo na era da mobilidade. In: LEMOS, André; Utiliza-se neste artigo o termo em inglês device para categorizar aparelho ou suporte físico seja analógico ou digital.

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146 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES JOSGRILBERG, Fábio (Orgs.). Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no Brasil. LEVY, Pierre. A Máquina Universo – Criação, cognição e cultura informática. Lisboa: Instituto Piaget, 1987. LEMOS, André. Cibercultura: Alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, André; CUNHA, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003; pp. 11-23 MEDEIROS DO NASCIMENTO, Alexsandro; ROAZZI, Antonio. Autoconsciência, Imagens Mentais e Mediação Cognitiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, vol. 26, núm. 3, 2013, pp. 493-505. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. MILLER, G.A. (1956). The magical number seven, plus or minus two: Some limits on our capacity for processing information. Psychological Review, 63, 81-97. Miller, G.A., Galanter, E., &Pribram, K.H. (1960). Plans and the Structure of Behavior. New York: Holt, Rinehart& Winston. MURRAY,JanetH.Hamlet no Holodeck.SãoPaulo:EditoraUnesp,2003. SABINO, Madel Luz Cesar; MATTOS, Rafael S. A Ciência como Cultura do Mundo Contemporâneo: a utopia dos saberes das (bio)ciências e a construção midiática do imaginário social. Porto Alegre: Sociologias, 2013.


Sobre os autores - 147

Sobre os autores Mini currículo de

Luiz Antônio Moro Palazzo Graduação em Tecnologia de Processamento de dados (UFRGS, 1976). Mestrado em Ciência da Computação (Representação do Conhecimento: Programação em Lógica e o Modelo das Hiperredes - UFRGS, 1991). Doutorado em Ciência da Computação (Modelos Proativos para Hipermídia Adaptativa UFRGS, 2000). Pós doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento (Redes Sociais Temáticas, EGC/UFSC, 2014). Professor universitário desde 1979 na Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Coordenou nesta universidade o Curso de Bacharelado em Ciência da Computação (2006-2008) e o Programa de Pós Graduação em Informática (2008-2011). Entre 2014 e 2016 foi professor visitante no EGC/UFSC). Tópicos de interesse são: computação social, cibersociedade, teoria da computação, teoria dos sistemas, complexidade, modelos formais, ontologias, web semântica e redes sociais temáticas.

Mini currículo de

Tarcisio Vanzin Graduado em Engenharia Op. Mecanica UCS- Universidade de Caxias do Sul; Arquitetura e Urbanismo pela UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina; Mestrado e Doutorado em Engenharia de Produção Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC. Atua nos programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Pós-Arq/ UFSC, como professor colaborador e no Programa de Pós Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC, como membro permanente. É Coordenador do projeto Objetos de aprendizagem acessíveis: processos de compartilhamento de conhecimento baseado na Teoria da Cognição Situada, amparado pelos recursos da Capes PNPD. Pesquisador no projeto: Mídias, Tecnologias e Recursos de Linguagem para um ambien-


148 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES te de aprendizagem acessível aos surdos, aprovado pelo CNPq através da CHAMADA Nº 84/2013 MCTI-SECIS/CNPq. Pesquisador no projeto ‘perfumes de informação’ para auxiliar a navegabilidade em ambientes virtuais acessíveis a surdos (2014), financiado pelos recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Atua na área de Educação com ênfase em Tecnologias digitais, principalmente nos seguintes temas: ensino-aprendizagem, acessibilidade, design de hipermídia, representação gráfica e geometria descritiva, Teoria Geral de Sistemas, Criatividade e Cibersociedade.

Mini curriculo de

Aldrwin Hammad Possui graduação em Desenho Industrial pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2002) e mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). É professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina no curso de Design de Produto desde Julho de 2013. Iniciou como aluno regular do Programa de Pós graduação em Engenharia do Conhecimento - EGC na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em nível de Doutorado cuja temática é o Movimento Maker como apoio à inovação e ao empreendedorismo no ensino tecnológico.

Mini curriculo de

Mariana Mezzaroba Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento. Mestre em Engenharia do Conhecimento pelo Programa de Pós Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, da Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade de Passo Fundo - RS. (2011). Atualmente participa do Grupo de Pesquisa em Governo Eletrônico, Inclusão Digital e Sociedade do Conhecimento da UFSC que engloba mestrandos e doutorandos dos cursos de Direito e Engenharia e Gestão do Conhecimento, da UFSC.


Sobre os autores - 149

Mini curriculo de

Thabata Clezar de Almeida Advogada, com experiência em Direito Digital, graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil,tclezardealmeida@gmail.com

Mini curriculo de

Breno Biagiotti Doutorando do Programa de Pós Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, com ênfase em mídia e conhecimento. Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento. Pesquisador do grupo de pesquisa MídiaCon na área de educação a distância, cursos massivos (MOOCs), objetos de aprendizagem, learning analytics e elaboração de materiais instrucionais. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Estácio de Sá (2008). Tem experiência na área de jornalismo digital, tendo trabalhado em diversos canais de televisão elaborando e produzindo conteúdo jornalístico. Atualmente trabalha com produção de material instrucional para o Ministério da Saúde, com ênfase em mídias digitais e capacitação a distância na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).


150 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Mini curriculo de

André Luiz Sens Bacharel em Design Gráfico e Mestre em Design e Expressão Gráfica com ênfase em Hipermídia, ambos realizados pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor, consultor e pesquisador em design, branding, linguagem televisiva, interatividade e cultura transmídia.Também com grande experiência em empresas de TI, especialmente nas áreas de identidade, motion e interface.

Mini curriculo de

Milena Lumini Milena Lumini é bacharela em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina. Foi repórter no Diário Catarinense e atualmente trabalha com gestão e produção de conteúdo em marketing digital

Mini curriculo de

Maria José Baldessar Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo é professora do programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento e do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenadora do Grupo de Pesquisa MidiaCon - Mídia e Convergência e do Núcleo de Televisão Digital Interativa/UFSC. Desenvolve pesquisas na área de convergência, acessibilidade, linguagens e Mídia.


Sobre os autores - 151

Mini curriculo de

Rogerio Cid Bastos Estatístico (UFPR – PR, 1978); Advogado (UCP – PR, 1979); Especialista em Engenharia de Sistemas (Universidade Técnica de Lisboa, 1988); Mestre em Engenharia de Produção (UFSC – SC, 1983); Doutor em Engenharia de Produção (UFSC – SC, 1994). Professor Titular do Departamento de Engenharia do Conhecimento. Chefe do Departamento de Ciências Estatísticas e da Computação (1983-1985); Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação (1994-1996; 2006-2007); Chefe do Departamento de Engenharia do Conhecimento (2014-2015); Diretor de Implantação do Programa REUNI – UFSC (2009); Secretário Extraordinário de Informática – UFSC (19962004); Pró-reitor de Administração da UFFS – SC/PR/RS (2010-2011); Pró-reitor de Extensão da UFSC – SC (atualmente).

Mini curriculo de

Silvia Regina Pochmann de Quevedo

Doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento com área de concentração em Mídias pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Comunicação Social (PUCRS), com habilitação em Jornalismo. Tem singular experiência profissional com a prática de edição e desenvolvimento de conteúdo. Atua como consultora em Comunicação Social nas áreas de planejamento, relacionamento com as mídias, redes sociais e ambientes virtuais. Atualmente é docente do ensino superior nas áreas de Comunicação Empresarial/Organizacional e Sistemas de Informação, tendo atuado também com Jornalismo Online, Redação, Técnicas de Entrevista e Pesquisa em grandes universidades catarinenses. Prêmio Jabuti 2015 (1º lugar na Categoria Educação e Pedagogia da 57º Edição) por figurar como autora no livro Prática da Interdisciplinaridade no Ensino e Pesquisa, onde publicou o capítulo 24 intitulado Interdisciplinaridade como ferramenta de inclusão em ambiente de aprendizagem. Atuou na grande imprensa junto aos jornais Folha de São Paulo, Correio do Povo e Diário Catarinense e à Rádio Guaíba, de Porto Alegre (RS).


152 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES

Mini curriculo de

Cristiane Fontinha Cristiane Fontinha Miranda, doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC), na área de Mídias do Conhecimento. Bolsista Fapesc pelo PPGEGC/UFSC. Mestre em Design e Expressão Gráfica da UFSC, na linha Hipermídia Aplicada ao Design Gráfico (ingresso em 2011) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (1994), e-mail: crisfontinha@gmail.com

Mini curriculo de

Aline A. Oliveira Mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC), na área de Mídias do Conhecimento. Pesquisadora do grupo de pesquisa MídiaCon. Possui especialização em Tecnologia da Informação e Comércio Eletrônico pela Universidade Salgado de Oliveira (2005) e graduação em Tecnologia em Processamento de Dados pela Universidade Estadual de Goiás (2003). Possui experiência acadêmica em ensino superior de mais de dez anos. Tem como áreas de interesse desenvolvimento web front-end, usabilidade, mídias do conhecimento, design thinking e inovação social.


Sobre os autores - 153

Mini curriculo de

Vanessa Eleutheriou Trabalha com pesquisa em cidades inteligentes humanas na rede ÁgoraLab / LabCHIS, junto ao professor Eduardo Moreira da Costa, e cursa o Mestrado em Mídias e Conhecimento no EGC-UFSC. É graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com estudos focados em teoria evolutiva dos jogos, sistemas adaptativos complexos e emergência, ligados à formação e evolução de instituições internacionais. Estagiou por 2 anos na incubadora de empresas da PUC-Rio, o Instituto Gênesis, onde desenvolveu habilidades em empreendedorismo e inovação e teve o primeiro contato com o tópico de cidades inteligentes, que agora é também sua área de interesse.


154 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES


Sobre os autores - 155


156 - CIBERSOCIEDADE: FRAGMENTOS E REFLEXÕES


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