Tarcisio Vanzin Luiz Antonio Moro Palazzo (organizadores)
CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Editor Francine Zanin Bagatini Conselho Editorial Dra. Janaína Rigo Santin Dr. Edison Alencar Casagranda Dr. Sérgio Fernandes Aquino Dra. Cecília Maria Pinto Pires Dra. Ironita Policarpo Machado Dra. Gizele Zanotto Dr. Victor Machado Reis Dr. Wilson Engelmann Dr. Antonio Manuel de Almeida Pereira Dr. Eduardo Borba Neves Editora Deviant LTDA Rua Clementina Rossi, 585. Erechim-RS / CEP: 99704-094 www.editoradeviant.com.br
Tarcisio Vanzin Luiz Antonio Moro Palazzo (orgs.)
CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Editora Deviant 2018
Copyright © Editora Deviant LTDA Categoria: Sociologia Produção Editorial Editora Deviant LTDA Todos os Direitos Reservados ISBN 978-85-5324-008-1 Impresso no Brasil Printed in Brazil
V285
Vanzin, Tarcisio. Cibersociedade e novas tecnologias / Tarcisio Vanzin, Luiz Antonio Moro Palazzo – Erechim: Deviant, 2018. 213 p. 23 cm. ISBN: 978-85-5324-008-1 1. Sociologia. I. Título. CDD 301
Sumário
PREFÁCIO
I
7
VISÕES DA CIBERSOCIEDADE: O CONTROLE PELA CONEXÃO
11 Tarcisio Vanzin
Luiz Antônio Moro Palazzo
II
O HABITAT DA CIBERSOCIEDADE: DESAFIOS PARA O PLANEJAMENTO DA CIDADE CONTEMPORÂNEA
29
Laryssa Tarachucky Maria José Baldessar Tarcísio Vanzin
III
CIDADES INTELIGENTES: A ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE URBANA DO DEFICIENTE VISUAL
43
Jorge Luiz Guedes Sant’ana Tarcísio Vanzin Luiz Antônio Moro Palazzo
IV
A ECONOMIA CRIATIVA NA CIBERSOCIEDADE
65
Adriana Landim Quinaud Tarcisio Vanzin
V
AS GUERRAS NOS JOGOS: CONHECIMENTO HISTÓRICO E REPRESENTAÇÃO NA INTERATIVIDADE DIGITAL
85
Rafael Arrivabene Tarcísio Vanzin
VI
TEORIA NUDGE E A CIBERSOCIEDADE
109 Rayse Kiane Luiz Antônio Moro Palazzo
VII
A APLICABILIDADE DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA PRODUÇÃO TEXTUAL E OS IMPACTOS NO JORNALISMO 119 Regina Zandomênico Maria José Baldessar
VIII
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, MOOCS E MACHINE LEARNING: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA
135
Rafael Gattino Furtado Luciane Fadel
IX
TRANSHUMANISMO: AUMENTO DA QUALIDADE DE VIDA ATRAVÉS DO MELHORAMENTO HUMANO
159
Graziela Bresolin Tarcisio Vanzi
X
ÁGORAS DIGITAIS: ESTUDO COMPARADO ENTRE APLICATIVOS PARA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
181 Ágatha Depiné Sicilia Vechi Rayse Kiane
Richard Perassi
AUTORES
209
PREFÁCIO - 7
PREFÁCIO É inegável inferir que o lastro histórico da humanidade cresceu exponencial-
mente com o advento das conexões em rede. A visão de mundo advinda desse processo sofreu mudanças profundas na estruturação da sociedade civil. A con-
vergência das mídias criou a chamada linguagem multimídia e/ou Smartphones.
O ciberespaço impõe-se como novo ambiente de interação e participação social, estimulando a contribuição do usuário. Novos conteúdos e perspectivas efervesci-
das por articulações em rede, sinalizam para a democratização das tecnologias da
informação e da comunicação. Portanto, o novo paradigma tecnológico emergente, permite aos cidadãos exercerem um papel ativo na busca, produção e compartilha-
mento de dados, informações e conhecimentos. Nessa linha, as tecnologias como produto de uma sociedade e cultura, recriam e remodelam aqueles que as criaram (McLUHAM, 1964).
Apesar do imperativo da imersão em rede, a malha que conecta tudo a todos
e todos a tudo, enfrenta diversos desafios. Assim, faz-se necessário considerar um
tempo de mobilização e criação de uma cultura que esteja sustentada por valores
humanos e solidários. Torna-se vital potencializar formas inovadoras e sustentáveis que possam projetar não somente cidades inteligentes, mas um modelo de Cibersociedade que permita melhorar as condições humanas no contexto da cultura participativa ( JENKINS,2006).
Nesse cenário, esta obra intitulada CIBERSOCIEDADE E NOVAS TEC-
NOLOGIAS se apresenta como uma proposta de leitura que permite navegar no
emaranhado das conexões temáticas ofertadas pelos autores. Em cada capítulo, fica evidente o esforço conjunto dos pesquisadores em reunir um arcabouço teórico e
prático, que permita ao leitor a compreensão da malha de conexões entre palavras
ideias informações e conhecimento. Diante da desterritorialização que caracteriza a atual sociedade denominada Cibersociedade, este livro destaca com propriedade
8 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
acadêmica a malha interativa e as possíveis ramificações entre agentes objetos e ideias.
Nesse contexto multifacetado de conexões emerge a leitura de dez temas ins-
tigantes atuais e significativos para a compreensão das redes complexas subjacentes a Cibersociedade. A proposição desta leitura, viabiliza a reflexão e, por conseguinte
fomenta a postura crítico-propositiva sobre os desdobramentos decorrentes da sociedade em rede ou aldeia global que caracteriza a Cibersociedade.
Visando prefaciar este livro de forma a garantir a representatividade do con-
teúdo ora proposto – CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS, ousei
reunir os temas desenvolvidos em cada capítulo através de uma estrutura conceitual que aponte para a malha de conexões interdisciplinares que auxiliam no “re-estudo da noção e significado da cibersociedade” (VANZIN E PALAZZO). Seguindo uma sequência aleatória dos temas, destaco graficamente o panorama investigativo da Cibersociedade apresentado com excelência pelos autores.
PREFÁCIO - 9
O conteúdo desenvolvido nas páginas que desenham este livro aponta para os
desafios enfrentados pelos cidadãos e gerenciadores das cidades, na denominada
“Cibersociedade”. Nessa linha, os estudos sugerem o tratamento dos dados como proposta de política pública, aproximando a sociedade na tomada de decisões para
uma efetiva alfabetização digital. Nesse enfoque, assume importância estratégias inovadoras de economia criativa, onde a criatividade e o conhecimento representam a fonte inesgotável para a transição da cultura de escassez para a abundância.
Assim, na sociedade em rede, a participação da população no uso das tecnolo-
gias é visto como meio para o avanço e aprimoramento das cidades mais humanas e inteligentes. Tal assertiva, é possível ser constatada através dos exemplos de projetos alicerçados no conceito bottom-up e top-down.
Na efetivação dos processos interativos e colaborativos, fazer escolhas cons-
titui-se em um desafio. Por conseguinte a tomada de decisão embora pareça um
processo natural, exige do ciberindivíduo posturas mais assertivas. Insere-se assim, a contribuição da Teoria Nudge com valioso aporte teórico na arquitetura de escolhas.
Nesse enfoque, o uso de MOOCs e Machine learning aponta para o potencial
da Inteligência Artificial como estratégia pedagógica para alavancar processos de
aprendizagem a distância. Ratifica-se assim, que o aprendizado baseado em máqui-
nas redimensiona o contexto educacional, aperfeiçoando os processos de ensino, e, em especial, permitindo a ressignificação da base conceitual da aprendizagem.
Em seguimento, o conteúdo dos jogos digitais, permite ao leitor reflexões so-
bre os efeitos do cenário dentro do qual se desenvolve o jogo. Considerando que
os jogos digitais constituem-se na característica mais marcante da Cibersociedade, é importante analisar o que impacta e afeta na vida real dos consumidores e, por conseguinte, na malha social do ciberespaço.
Por sua vez, a aplicação da Inteligência Artificial em áreas da comunicação,
como o Jornalismo evoca reflexões significativas relacionadas a produção textual. A
veiculação de algoritmos na codificação da notícia abre caminhos para novas metodologias de comunicação adequadas às demandas sociais em rede.
Nessa linha, assume papel relevante a análise dos conceitos de acessibilidade e
mobilidade urbana, os quais permeiam a estruturação das cidades inteligentes. Tal
10 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
contexto direcionado ao campo da deficiência visual assume importância ímpar. Considerando os resultados apontados nas pesquisas, constata-se uma grave lacuna
na implementação de propostas que possam atender as necessidades da pessoa com deficiência visual.
Para finalizar, e com o intuito de aguçar a curiosidade do leitor ratifico as pala-
vras dos organizadores desta obra: “Assim, diante das características da atual Ciber-
sociedade, onde, todas as pessoas e coisas são passíveis de controle cabe a seguinte pergunta: quem efetivamente está nesse controle?” (VANZIN e PALAZZO).
Que a leitura evoque valiosas reflexões e permita a emergência de conexões de
natureza interdisciplinar na busca de redes interativas complexas e, essencialmente, mais HUMANAS.
Profa. Dra. Rosane de F. A. Obregon
Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia
Universidade Federal do Maranhão/UFMA
CAPÍTULO I - 11
CAPÍTULO I VISÕES DA CIBERSOCIEDADE: O CONTROLE PELA CONEXÃO Tarcisio Vanzin Luiz Antônio Moro Palazzo
“Fazer previsões é muito difícil, especialmente sobre o futuro. ” (Niels Bohr)
RESUMO Este capítulo, introdutório ao livro, busca desenhar uma panorâmica da Cibersociedade e alguns de seus pontos nevrálgicos, especialmente aqueles nos quais conceitos já estabelecidos se confrontam com sua prática cambiante. Nesse sentido, o texto não trata especificamente de ensaios exploratórios e pesquisas sistemáticas em publicações científicas, como pode ser observado nos capítulos subsequentes, mas sim, discutir e estabelecer uma fronteira balizada por marcos tecnológicos que resultaram nas mutações sociais visíveis na atualidade e que muito provavelmente virão a ser definitivamente confirmadas e ampliadas em um futuro próximo. Há, na intenção deste capítulo, uma preocupação explícita em delinear o cenário ultra conectado e seus mecanismos, em cujas águas a civilização mundial se encontra em processo acelerado de imersão e no qual a tecnofobia vem ganhando terreno.
12 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
INTRODUÇÃO: A CIBERSOCIEDADE Esse termo deriva da conceituação de Cibernética proposta por Wiener
(1970- 1984), moldada pela sua observação das possibilidades de transformação
social a partir da inserção da tecnologia, em especial e de processamento de informações. Sua percepção, todavia, não conseguiria prever a realidade atual.
Conforme McLuhan (1964) já prenunciava meio século atrás, a aldeia é hoje
definitivamente global, vivenciando um processo de intensa integração cultural. Se
essa era uma boa reflexão naquela ocasião, hoje se constitui em uma contundente realidade. Povos absolutamente desconhecidos uns dos outros, como por exem-
plo os nativos esquimós e polinésios usam, atualmente, os mesmos Smartphones da
Apple, Samsung ou LG. Consomem os mesmos produtos multimídia e aplicativos digitais, vestem jeans de marca e calçam tênis Nike. Assistem aos mesmos filmes
de sucesso que passam em Nova Iorque, as mesmas séries e programas de TV da Fox da CNN e da BBC. Leem os mesmos livros comprados na Amazon e recebem
as mesmas notícias da Reuters ou da Associated Press. Os PCs rodam Windows, Linux ou OSX. Nos dispositivos móveis predominam o Android, o IOS e o Win-
dows Mobile. Os navegadores são Edge, Chrome e o Mozilla. Pesquisas são feitas via Google, Bing, Ask e na Wikipédia. A Siri e a Cortana são as agentes digitais pessoais
mais utilizadas. Fotos, vídeos e documentos variados são armazenados na nuvem. Quantidades gigantescas e cada vez maiores de dados e informação são produzidas e processadas todos os dias.
Programas de mineração com acesso a imensas bases de dados empregam va-
riadas tecnologias para extrair informação implícita enquanto aprendem a se auto aperfeiçoar no desempenho dessa tarefa. A tecnologia encurtou todas as distâncias
e tornou-se uma linguagem universal. Ao mesmo tempo objeto e símbolo, ela tudo
registra e tudo processa. O que é feito online, jamais deixa de estar online, muito além mesmo do que usualmente é imaginado.
A partir dos anos 90 a evolução tecnológica acelerada passou a se impor sobre
a sociedade e a interferir diretamente na rotina das pessoas, criando novos hábitos sociais e de consumo. O aparecimento da Internet e sua crescente penetração, so-
CAPÍTULO I - 13
brepõe-se aos limites geográficos e inclui todas as pessoas e coisas em uma rede de
conexões cada vez mais complexa, onde mais e mais sensores e dispositivos comunicam-se entre si, tomam decisões e produzem ações sem depender da intervenção
humana (GOUVEIA JUNIOR, 2014). Por exemplo, delega-se o controle autô-
nomo do ambiente a partir de certos dispositivos, como sensores de luminosidade, calor ou presença, que mantém a melhor condição de habitabilidade nos intervalos desejados, agora, feitos automaticamente, não mais pela presença e decisão direta de um ser humano, mas por outra máquina. Hoje, quase tudo está acontecendo de forma automática e autônima, abrindo a especulação sobre como será no futuro.
Novos conceitos se estabelecem na indústria e serviços, tais como obsoles-
cência programada, propriedade intelectual preventiva, cripto ou cibermoeda, pay
per view e adware, para citar apenas alguns. Dispositivos digitais de controle estão
em todos os equipamentos, instrumentos e máquinas. Tudo está sob permanente controle e este, aumenta de forma dual. Ou seja, tanto o homem tem mais controle
sobre as máquinas que compõem seu ambiente como é, por sua vez, cada mais con-
trolado pelas próprias conexões, dispositivos e equipamentos que cria. O anonimato
é quase impossível e a artificialidade do meio atinge hoje pobres e ricos, letrados e analfabetos com a mesma intensidade.
O marco simbólico, que traduz e representa bem essas mudanças sociais a par-
tir do advento das tecnologias, é o Smartphone, que hospeda aplicativos de comuni-
cação e compartilhamento dos mais diferentes tipos de arquivos de texto, imagens, áudio e vídeo, jogos e uma infinidade de utilidades que impregnam a internet. Esses aplicativos possibilitaram ganhar tempo e executar tarefas com maior qualidade, em
maior quantidade e velocidade. Aproximou pessoas que fisicamente encontram-se distantes e estabeleceu um canal de comunicação em tempo real, permitindo que
todos se manifestassem segundo a sua própria capacidade de discernimento. Co-
nectou, também, os indivíduos com o comércio, governo, escola, entretenimento, política e centenas de outras facilidades e serviços. Atividades, como a movimenta-
ção financeira hoje podem ser amplamente feitas à distância, por meio de mobiles. Compra de ingressos para shows, passagens aéreas, reservas de hotéis, chek in de voos, uber, condições do trânsito, meteorologia e centenas de outros serviços estão
na mão dos cidadãos simplesmente por terem um Smartphone e uma conexão. No
14 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
que se refere a possibilidade de fazer movimentações bancárias, esse serviço está tão popularizado que, conforme publicado pelas redes de TV, até mesmo mendigos nas
ruas de Copacabana se valem dessa facilidade. Por outra via, um índio na Amazô-
nia com um dispositivo móvel via satélite pode auxiliar no controle das queimadas. Um jangadeiro nordestino tem a sua disposição dispositivos de GPS e sonar para detectar cardumes e ter maior sucesso na sua atividade. O smart phone é esse marco
simbólico, porém mais do que isso, ele é a interface com os grandes processadores e HDs que existem no mundo e estão operando full time. São exemplos não mais
surpreendentes da rápida introdução das tecnologias digitais de informação e Comunicação (TIC) nas diferentes atividades e pontos geográficos, e isso está aconte-
cendo muito depressa. Já não há mudança em escala de séculos, ou decênios. Assim é a atualidade e esta é a Cibersociedade.
ULTRATECNOLOGIA As tecnologias digitais, conforme Vanzin e Palazzo (2016), geram ordem e ao
mesmo tempo complexidade. Elas modificam costumes, produtos, cidades, grupos
sociais e a forma coletiva de pensar e agir, como também de aprender, ensinar, de se isolar, de se expor, de ser e de existir. Nesse sentido, pode-se pensar em ciberso-
ciedade como a atual configuração social predominante, onde a tecnologia digital desempenha papel de grande destaque, penetrando em todas as comunidades e
ocupando cada vez mais espaço no dia a dia, na comunicação, no trabalho, no lazer, no convívio social e na mente do indivíduo, ocupando seu pensar e modificando-o. Todavia, a infraestrutura tecnológica sozinha não consegue cumprir o seu inteiro papel se não obtiver a adesão de usuários de forma adequada. Os indivíduos
precisam estar conscientemente aptos a operá-la (ELEUTHERIOU e VANZIN, 2016).
Sob um ponto de vista pragmático, considera-se inserido na cibersociedade
qualquer indivíduo que, além de conviver e compreender as tecnologias digitais
de informação e comunicação, dispõe de seu próprio equipamento com acesso à Internet. Esse ciberindivíduo tem sua própria malha de relacionamentos que pode
CAPÍTULO I - 15
ser acessada em seu celular, PC, tablet ou qualquer outro dispositivo para acessar
grandes bases de dados de governos, instituições financeiras e grandes corporações de lazer, comércio, entretenimento e outras. Essas bases reúnem muito mais in-
formações privadas do que seria razoável supor. O termo geral para esses imensos
depósitos de dados é Big Data e não é realista supor que os dados sejam apenas armazenados sem que ferramentas de mineração e descoberta de conhecimento sejam utilizadas sobre eles para obter informação vantajosa e competitiva para os seus
detentores. Assim, todo e qualquer cibercidadão está em permanente exposição e pode ter todos os seus dados e preferências visíveis a dispositivos de mineração e recomendação.
A cibersociedade, assim tão permeável, tornou-se inexorável. Todos estão per-
manentemente em rede de alguma forma compartilhando conhecimentos. Mesmo
quando não conectadas diretamente à Internet, as pessoas são atingidas por seus efeitos. Através de seus dados e informações eles estão presentes na rede também quando estão desconectados. A conexão deixa de ser apenas física, localizada e restrita para se tornar também imaterial, ubíqua e ilimitada. Esta nova configuração
das conexões, permite expandir extraordinariamente os horizontes e tornar o cibercidadão tão visível e presente quanto a própria realidade externa constituída de objetos, técnicas e tecnologias. O mundo virtual não se separa, mas se adiciona ao
real e se confunde com ele, não como uma nova camada, mas, como uma malha
de conexões que podem ser indefinidamente multiplicadas. Além disso, eleva-se
a potência e o alcance da conexão a um novo patamar, onde o controle ocorre de forma bidirecional. Tanto o indivíduo tem acesso a um volume de informações sem precedentes, que cresce incessantemente, quanto suas informações pessoais e
privadas, sua produção e conteúdo digital, suas ideias e pensamentos em rede estão
ao alcance de governos, bancos, corporações e de qualquer um, sem a limitação de barreiras físicas, culturais e muito menos éticas.
A cibersociedade não tem fronteiras físicas. É certamente um grande equívoco
atribuir as mesmas delimitações do mundo físico ao mundo virtual, que se separam aqui somente para fins de análise. Por exemplo, não existe de fato a propalada “Internet Chinesa”. Apesar de todos os filtros e bloqueios instalados pelo governo, há
diversas formas com que os chineses podem driblar e evitar essas barreiras, usando
16 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tecnologias simples e de domínio público, e assim se integrar à rede mundial. Isso vale para qualquer lugar e em qualquer direção. Como consequência, nenhuma in-
formação circulante na rede mundial, seja dado, texto, voz ou imagem, pode ser considerada inacessível. Dispositivos móveis e a Internet das Coisas multiplicam
ainda mais os caminhos para acessar qualquer ponto da grande rede. Toda cone-
xão estabelecida seja na Internet, seja através das redes de telefonia, resulta em um
registro que permite recuperar comunicações telefônicas, emails, mensagens, etc. e isto pode representar uma séria ameaça à privacidade do ciberindivíduo. Além disso, “vazamentos” e “denúncias” verdadeiras ou falsas e de todo tipo ocorrem dia-
riamente, expondo pessoas a situações de constrangimento ou fragilidade, muitas vezes injustificadas.
Uma vez disseminada na rede, dificilmente uma informação desaparece por
completo, mesmo que seja falsa e posteriormente desmentida. A rede não “esquece” e é relativamente fácil reunir grandes quantidades de dados e informações de populações inteiras e processá-las de diversas formas, empregando algoritmos avançados
de mineração de dados e descoberta de conhecimento para extrair informações de alto valor agregado. Quando se trata de governos e grandes corporações tecnológicas, isso é muito fácil e constitui um processo rotineiro. O cruzamento de diversas
bases de dados nacionais, como por exemplo as da receita federal, justiça federal, Serasa e cadastros diversos de empresas de comunicação, como Facebook, Whatsapp,
as empresas de telefonia e muitas outras, cujos dados, ao contrário do declarado, podem ser e são acessados por governos e organizações, podem acontecer sem que os indivíduos possam se manifestar anuindo ou não. Fatos com essas características
foram reportados e comprovados em diversos episódios de vazamentos realizados por organizações internacionais como Wikileaks e Anonymous, mas, também por ações solitárias como as denúncias de Edward Snowden e Aaron Schwarz.
Cathy O’Neil (2018) em sua entrevista à BBC Brasil, destaca que o diferencial
do Big Data é a gigantesca quantidade de dados disponíveis que se correlacionam
e que podem ser garimpados para produzir a chamada “informação incidental, no
sentido de que não é fornecida diretamente, mas, como uma informação indireta. Segundo essa autora, com dez anos de atraso, está se percebendo que os serviços
gratuitos na internet não são gratuitos de maneira alguma, porque os dados pessoais
CAPÍTULO I - 17
fornecidos a ela têm valor. Para o argumento de que existe uma troca consentida de dados por serviços, O’Neil (2018) contrapõe que ninguém faz essa troca de
forma realmente consciente da extensão da possível perda. O problema é que ao
se perceber essa realidade, os cibercidadãos ficam intimidados pelo avanço dessas tecnologias a ponto de pensar que não há como lutar contra.
Na base mais elementar do processo de cibernetização da sociedade está a
conexão. Conexões se estabelecem a todo momento na Internet, por exemplo ao seguir um link ou clicar um like em uma postagem nas redes sociais. Nas próximas
seções deste capítulo apresenta-se uma breve análise conceitual de alguns dos elementos envolvidos.
CONEXÕES Assim como preconizava Heráclito 2.500 anos atrás, tudo flui e, no que se re-
fere à tecnologia digital, o dia de ontem já não se repete hoje. A contemporaneidade, onde as informações são instantâneas, é a marca deste tempo em que os indivíduos utilizam cada vez mais os serviços de software em nuvem através de navegadores Web ou de aplicativos específicos. As informações são estruturadas e orientadas
para a rápida percepção, facilitando, assim, a aproximação entre o produtor e o con-
sumidor. Há um importante valor nas informações previamente estruturadas, visto que com elas os indivíduos dessa sociedade mutante são mantidos como agentes da
sociedade de consumo. Consome-se, também informações, principalmente aquelas
que vem prontas, fechadas e que não provocam reflexões. Aquelas que padronizam, simplificam e desviam dos questionamentos mais profundos. Ou seja, aquelas que
fortalecem as vias que levam a um padrão de consumo estabelecido e alimentado pela principal característica atual, que é a “CONEXÃO”. Consomem-se conexões como se fossem commodities e, quanto mais conectado o ciberindivíduo, mais inte-
grado está à cibersociedade. Esta, por sua vez, mostra-se essencialmente superficial
nas escolhas que oferece. Propõe substituir valores outrora considerados positivos, como visão crítica e analítica, determinação e perseverança, em favor de outros, como a popularidade digital, a aceitação, o maniqueísmo e o imediatismo.
18 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Na cibersociedade muito mais informações podem ser obtidas e compartilha-
das a partir de miríades de fontes e em velocidades e quantidades cada vez maiores. Vivencia-se a conexão como paradigma e por meio delas, um controle crescente passa a ser exercido em todos os sentidos e sobre as pessoas e as coisas. O ciberindivíduo está representado na rede pela malha de suas conexões e essa malha
conecta digitalmente seus dados pessoais e profissionais, seus arquivos, seu histórico de navegação, suas conexões e toda atividade realizada online. Com esse ponto refe-
rencial, pode-se reestudar a noção e o significado de cibersociedade (a sociedade do controle) a partir dessas conexões entre ideias, pessoas e coisas. Esse controle pode
ser exercido porque há conexões dos mais variados tipos e intensidades interligando
as pessoas entre si e estas com objetos, conceitos e abstrações de seu ambiente. Tais
conexões são geradas a partir de um quantum “perceber-existir” que revela uma se-
mântica, um significado, tanto para o agente que estabelece a conexão quanto para
as demais entidades envolvidas, inclusive para um eventual observador. O próprio ato de observar é uma conexão inseparável entre o observador e o fenômeno observado. Há um inevitável consumo de energia e tempo no agente para manter e con-
trolar suas conexões e, muitas delas, por suas características genéticas e sua relação com a própria espécie, não são por enquanto opcionais.
As pessoas constroem conexões com o mundo desde o nascimento, e até mes-
mo antes. A relação do feto com a mãe é uma das relações mais fortes possíveis. A vida intrauterina é o próprio universo do feto. Mas, somente a partir do nascimento a percepção ampliada do ser começa a construir sua rede exterior de conexões particular e única. Muitas das conexões estabelecidas ao longo de uma existência não
surgem simplesmente por acaso. Parece que sempre estiveram lá e somente passam a fazer diferença quando são percebidas. Assim como um sinal de rádio no ar que
só é percebido por um ser humano se houver um receptor sintonizado na sua frequência, capturando e transformando a onda recebida em sinais de áudio que são
por sua vez reproduzidos como ondas sonoras. As ondas de rádio, TV, 4G, 5G, wifi e outras, além das do espectro visível e do audível que são percebidas pelos sentidos, estão por toda parte, mas passam despercebidas a menos que se disponha do
receptor para a frequência desejada, o que permite então estabelecer a conexão. É muito provável que os melhores instrumentos de percepção ampliada, dos quais os
CAPÍTULO I - 19
exemplos clássicos são o telescópio orbital Hubble e o Grande Colisor de Hádrons (LHC), não permitam o acesso a mais do que uma mínima parte do que seria a verdadeira realidade cósmica.
As conexões mais fortes vêm sendo criadas e consolidadas na cultura humana
ao longo de toda a sua evolução, inicialmente com a formação de clãs ou socie-
dades familiares e depois comunidades para a subsistência, o trabalho coletivo, a educação e outras práticas sociais. Evoluir é, de muitas formas, estabelecer e con-
trolar conexões. Na cibersociedade, porém, a velocidade com que o número possível de conexões cresce tornou-se incontrolável e isso pode significar que não apenas o indivíduo, mas a própria sociedade está perdendo cada vez mais o controle de
seu ecossistema digital. Assim, tanto a compreensão conceitual do termo “conexão” quanto a sua articulação prática, principalmente em redes complexas, é um aspecto
importante para a evolução das reflexões sobre suas potencialidades no ciberespaço. No exercício de identificar na conexão o foco do presente estudo, não se busca
contraposição a outras análises, centradas em conteúdo. Busca-se, isto sim, a proposição da ampliação de estudos de análise e modelagem social, particularmente
articulado com a importante componente da teoria sistêmica de Bertalanffi (1975). Conexões e redes complexas Para facilitar a compreensão do significado do termo “conexão” nos sistemas
digitais e compreender seu papel na prática da cibersociedade, parte-se da metáfora
das redes complexas, onde os nodos podem representar três tipos de entidades: ideias, agentes ou objetos. Agente é qualquer entidade que executa uma ação. Pode ser uma pessoa, um software em execução, uma máquina ligada, um inseto, um
sensor wireless, um robô, etc. Já os objetos são entidades que recebem a ação, mas
não atuam independentemente. Por exemplo: uma pedra, um lápis, uma casa, etc. O terceiro elemento nesta composição são as ideias, representações abstratas asso-
ciadas a pensamentos em geral e conhecimento em particular, de que os agentes se valem para planejar, fundamentar e executar suas ações.
Metaforicamente, as conexões podem ser vistas como encanamentos, tubula-
ções que são constantemente criadas entre duas ou mais entidades, para permitir
20 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
o fluxo de energia. Essa energia pode apresentar diferentes velocidades de propagação, segundo a bitola da tubulação (largura de banda) e penetração (aceitação na
comunidade envolvida). Todos esses atributos são dinâmicos. Assim, as tubulações
aumentam ou diminuem sua capacidade e velocidade de propagação e o conteúdo veiculado também se altera em significado e impacto.
Em um processo contínuo, novas conexões são sempre iniciadas por um agen-
te e se conectam semanticamente com outros agentes, ideias e objetos. As conexões
possuem atributos, tais como intensidade, códigos, protocolos, comportamentos, etc. Segmentos da rede de conexões podem ser encapsulados e tratados como enti-
dades únicas para fins de representação e raciocínio. A rede é dinâmica, no sentido que os atributos das conexões variam estocasticamente ao longo do tempo. Este modelo, com poucos e simples elementos, é suficiente para transmitir a ideia da
rede de conexões subjacente à cibersociedade. O que se espera observar é que o controle dos atributos das conexões individualmente acabe levando a uma forma de controle complexo que se estenda sobre toda a rede. Uma álgebra simples de conexões Propõe-se, a seguir, um framework conceitual com a finalidade de estudar a
aplicação de uma álgebra de conexões para a simulação e acompanhamento de situações e eventos em ambientes sociais online. Nesse sentido, três classes de entidades são consideradas nesta representação:
Agentes: seres humanos, robôs, máquinas, programas de computador, etc. São caracterizados por (1) autonomia, (2) sensores, (3) atuadores. Objetos: seres inanimados, pedras, canetas, casas. Possuem atributos físicos como dimensões, peso, posição absoluta e relativa. Possuem também atributos semânticos como descrição e inserção no contexto. Ideias: autoconsciência, linhas de raciocínio, descrições, crenças, sensações, emoções, desejos, significados, intenções, etc. As ideias
CAPÍTULO I - 21
combinadas com as idiossincrasias do agente e os atributos do contexto comandam todas as ações.
Os três conceitos gozam das propriedades usuais da modelagem conceitu-
al, tais como generalização, especialização, associação, herança de atributos, etc. Estabelecem-se assim nove tipos elementares de conexões entre as três classes de entidades. Emprega-se o operador binário ↓ para indicar uma conexão não espe-
cífica entre duas entidades do modelo. Por exemplo, A↓O significa que o agente A está de alguma forma conectado ao objeto O. O operador relacional ↓ é reflexivo
(A↓A), simétrico (A↓B ↓ B↓A) e transitivo (A↓B, B↓C ↓ A↓C) Um algoritmo de descoberta de conexões sobre Big Data em bases de dados relacionais consiste
simplesmente em verificar se A aparece simultaneamente a B em alguma linha
de alguma tabela. Isso pode parecer absolutamente trivial e produzir inicialmente grandes volumes de resultados, mas na pior das hipóteses, oferece um método de
filtragem importante nas fases iniciais de qualquer pesquisa. A Tabela 1 mostra conexões 1-1, tomadas como base para possibilitar a posterior construção de conexões mais complexas: 1-n, n-1 e n-n. CONEXÕES AGENTES OBJETOS IDEIAS
AGENTES A↓A
O↓A I↓A
OBJETOS A↓O
O↓O I↓O
IDEIAS A↓I
O↓I I↓I
Tabela 1 – Conexões 1-1 entre agentes, objetos e ideias.
Sejam A = {a1, a2... ai} um conjunto de agentes, O = {o1, o2... oj} um con-
junto de objetos, e I = {i1, i2...ik} um conjunto de ideias. As conexões 1-1 entre as
entidades são representadas por X↓Y, onde X,Y ↓ A↓OUI. Grosso modo há nove possíveis conexões, conforme se apresenta na Tabela 1, entretanto, nem todas as
conexões têm as mesmas propriedades. As relações estabelecidas pelas conexões podem ser uni ou bidirecionais. As nove conexões são descritas na Tabela 2.
22 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
CONEXÕES
DESCRIÇÃO Agente conecta agente. Bidirecional. Mesmo passivamente, por exemplo: “A observa B” implica tautologicamente em “B é observado por A” e isto ocorre instantaneamente, como o emaranhamento quântico, não importando relações de espaço. A relação ↓ aqui é atemporal e ou existe completa ou não existe (?)
A↓O
Agente conecta objeto. Bidirecional. Mesma situação A ↓ A acima. Informação sobre o objeto é percebida pelo agente. O objeto condiciona sua liberdade de variação a alguma ação provocada pelo agente (percepção, operação, movimento...)
A↓I
Agente conecta ideia. Unidirecional. Ideias são descrições eventualmente produzidas por algum tipo de inferência. Podem empregar diversas linguagens e diferentes representações.
O↓A
Objeto conecta agente. Bidirecional. Por exemplo: a câmera de segurança S captou a imagem de X significa que X foi captado por S. Note-se que S exerce um papel típico de agente, enquanto X, normalmente um agente, é o objeto da ação de percepção de S.
O↓O
Objeto conecta objeto. Bidirecional. Objetos podem estabelecer entre si relações espaço temporais inclusive dinâmicas, isto é, em permanente mudança.
O↓I
Objeto conecta ideia. Unidirecional. Ideias são conectadas a objetos em associação com padrões estabelecidos e memorizados ou acessados pelo observador
I ↓A
Ideia conecta agente. Unidirecional. A ideia envolve o agente em sua formulação. O agente não está ativo na representação, sendo operado em nível conceitual.
I↓O
Ideia conecta objeto. Unidirecional. Idem acima
I↓I
Ideia conecta ideia. Bidirecional. Se uma ideia conecta outra, a recíproca sempre é verdadeira.
Tabela 2 – Características das conexões
O domínio do modelo é construído sobre esta estrutura básica: agentes (A),
objetos (O), ideias (I) e conexões (C) entre eles. Um mundo M é então uma quádrupla M = (A, O, I, C). Se o conjunto de entidades for definido como E = AOI, a
notação do mundo pode ser simplificada para M = (E, C), isto é, um mundo é um
par, formado por um conjunto E de entidades e um conjunto C de conexões entre essas entidades. Há três classes possíveis de entidades: (1) agentes (A), com autonomia implícita, (2) objetos (O), caracterizados por sua passividade nas relações, e
(3) ideias, que funcionam como padrões selecionados para compor a definição dos comportamentos das entidades que participam em uma dada conexão.
CAPÍTULO I - 23
Para maior versatilidade, o framework pode ser estendido com um operador
de encapsulamento, permitindo a construção de expressões como A ↓ ((B ↓ C) ↓ D). Grandes malhas de conexões podem assim ser representadas como expressões lineares, permitindo fácil identificação e inferência de padrões.
DISCUSSÃO Sistemas capazes de representar, interpretar e simular a atividade em mundos
virtuais tornam-se cada vez mais relevantes nas estratégias de governos e grandes
corporações. O grande problema é capturar a essência dinâmica da virtualidade, que
é por natureza extremamente complexa e existe amalgamada ao dito mundo real em uma composição ainda não completamente compreendida. Por isso, o framework
apresentado, ainda que muito simples, pode ser útil para investigar o comportamen-
to de grandes malhas de conexões, redes complexas extraídas de grandes depósitos de dados (Big Data) ou desenvolvidas em experimentos e simulações. Neste último
caso os principais ganhos esperados seriam a rápida detecção de padrões significati-
vos, correspondendo, acompanhando ou prenunciando situações concretas análogas do mundo real. Enfim, isso precisa ser melhor discutido.
A velocidade oferecida pelas tecnologias de processamento de informações é
um território de lógica e, como tal, esse é o ponto de partida dos sistemas de iden-
tificação, qualificação, recomendação e ranqueamento dos cidadãos, transformados em “coisa” pelas informações-comodities a serviço de interesses não manifestos. Para o bem ou para o mal, é a presença das TICs como atores sociais, com seus serviços
visíveis e invisíveis. Assim, dois temas relevantes, dentre os muitos que poderiam ter sido escolhidos, estão aqui embutidos para uma reflexão, que se espera seja produ-
tiva e destemida a respeito de predições das novas direções que a sociedade global
adotará. Trata-se dos atuais conflitos resultantes das abruptas mudanças sociais já
percebidas e a insegurança quanto aos rumos da privacidade do indivíduo inserido nessa sociedade marcada pela visibilidade extrema dos cidadãos. Então, cabe per-
guntar: Quais serão os próximos passos? Que rumos essa realidade social mutante está tomando, favorecida pela inserção de novos produtos da tecnologia digital?
24 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Obviamente não há respostas precisas para as indagações precedentes. Mas,
pode haver muitas e importantes reflexões e esboços de cenários a partir da identificação das potencialidades tecnológicas e das oportunidades em aberto, especial-
mente as que se encontram subjacentes ao conteúdo das primeiras páginas deste
capítulo. Ou seja, na prática, há muito potencial ainda na cibersociedade, como nas eleições, pesquisas de opinião, operações bancárias, procedimentos de segurança biometrizados que identificam cada indivíduo de forma unívoca e inequívoca. Sabendo de que há corporações com interesses e, lembrando Orwell, o grande e até
os pequenos irmãos têm acesso a informações inimagináveis sobre cada um dos ciberindivíduos. Não se trata apenas de informações pessoais, currículo, e histórico bancário, mas também de emails privados, histórico de navegação na Web, que ar-
quivos baixou, que vídeos assistiu, todas as conversas telefônicas, todas as pesquisas
no Google, todos os posts no Whatsapp e curtidas no Facebook, quem são os amigos, o que comprou online, etc. Em geral as pessoas “não se lembram” do que fizeram
online, das toneladas de informações que disponibilizaram, por isso é tão simples para uma organização de certo porte, como um grande banco ou um governo, por exemplo, obter informações sobre qualquer indivíduo.
Parece que em resposta ao fenômeno do aumento de informação em poder
dos ciberindivíduos, ou informações deles como manada, o establishment mobiliza simultaneamente seus esforços no sentido de manter ou ampliar uma visão pluto-
crata, hegemônica e conservadora, que se tornou inadequada para lidar com um mundo completamente transformado pela ciência e a tecnologia. Torna-se evidente
a necessidade de um reequilíbrio em um sentido de autovalorização. Mas, também
da valorização da vida, da liberdade do potencial humano, de uma visão ecológica e sustentável do planeta, já preconizado por Castells (1999).
As grandes questões e tensões humanas precisariam então ser urgentemente
revistas à luz de uma nova perspectiva, orientada ao desenvolvimento do ser humano como indivíduo pleno e senhor de suas possibilidades. Esta nova perspectiva, pensa-se, deve ser fundamentada na ciência e unificar interdisciplinarmente
os conceitos associados tanto nas ciências exatas e da vida quanto nas humanas e
sociais. Uma proposta nesse sentido encontra-se no livro A Systemic View of Life, (CAPRA e LUISI, 2014). Nele, os autores defendem a adoção de uma visão unifi-
CAPÍTULO I - 25
cada das ciências para análise e entendimento dos problemas humanos. Propostas surgem com frequência para que o homem retome o controle sobre si próprio rumo a uma sociedade mais harmoniosa e justa, no entanto pouco de concreto tem sido
realizado nesse sentido. Ao contrário, visivelmente, nas últimas décadas, no mundo inteiro, recrudesceram grandes questões como a violência, educação, saúde pública e a desigualdade social.
A evolução desenfreada da tecnologia, levando ao fenômeno denominado sin-
gularidade tecnológica (BOSTROM, 2014) (GOERTZEL, 2015), seria um mo-
mento em um futuro próximo quando, em um curtíssimo espaço de tempo, a curva
produção de tecnologia tenderia para o infinito. Este fenômeno, que é previsto em diversas fontes, das quais a mais conhecida é a Lei de Moore (1965) que estabelece que a evolução tecnológica dobra a cada dois anos, estaria associado ao surgimento
da “superinteligência artificial”, uma inteligência de máquina muito superior à do
ser humano em todos os sentidos. Essa inteligência, ao adquirir autoconsciência
(sendo esta uma propriedade física e não metafísica), não se submeteria mais ao controle humano e passaria de alguma forma a dominar e decidir o futuro da humanidade.
CONCLUSÕES É uma tarefa quase impossível, para o tema deste capítulo, a proposição de
uma conclusão, visto que a forma de apresentação busca reflexões e não direcio-
namentos. Os aspectos levantados e aqui ordenados, compõe um reticulado que ressalta a complexidade do tema e exacerba a tendência dual do posicionamento das pessoas frente a tecnologia, que é o entusiasmo e o medo. Uma tentativa de predizer
o futuro dessa sociedade interconectada indica para inseguranças e contradições. O
fato é que não se vislumbra uma movimentação suave rumo a um novo patamar de
evolução social, até porque não se definiu previamente e com a clareza necessária, no que consiste a “evolução social”. Ter informações em grande quantidade não significa que a partir delas se pode gerar conhecimento e permanecer no comando (no timão) da Cibersociedade. Pelo contrário, as conexões e a inevitável exposição
26 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
dos dados pessoais mostram que a massa de cibercidadãos está sob o comando de grupos de interesse e sob o controle das tecnologias que lhes confere um prazer superficial para mantê-los servis.
Parece que somente eventos de grandes proporções seriam capazes de repro-
gramar essa cultura incoerente de relações superficiais e descartáveis que induzem
ao consumo, à ficção e a efêmeros episódios de amor e ódio. Tudo induzido e conduzido por segundas e terceiras intenções de grupos que tiram proveito comer-
cial da grande massa humana docilmente conduzida (comandada). Parece hora de surgir um novo humanismo que discuta os labirintos produzidos pela tecnologia
digital, porque, somente algo muito intenso seria capaz de retornar ao ser humano a capacidade de pensar e se auto determinar.
Com quem está no “timão” da cibersociedade?
REFERÊNCIAS BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas: Fundamentos, desenvolvimento e aplicação. Petrópolis-RJ: Vozes, 1975. BOSTROM, Nick. Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies. Oxford University Press. Oxford, 2014, 323p. CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi: The systems view of life. Cambridge University Press, Cambridge, 2014. 514p CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Acessado em 21 de fevereiro de 2016. ELEUTHERIOU, Vanessa; VANZIN, Tarcisio. Por uma cidade mais humana na era ciber. In: VANZIN, Tarcisio; PALAZZO, L.A.M; QUEVEDO, S.R.P. – CIBERSOCIEDADE: Fragmentos e Reflexões. Erechim: Devian, 2016 GOERTZEL, Ben and Ted. The End of the Beginning: Life, Society and Economy on the Brink of the Singularity. Humanity Plus. 2015 GOUVEIA JÚNIOR, Mário. Segurança ou Liberdade? O pensamento de Bauman e as relações de mediação nos Sistemas de Informação. Revista PRISMA. COM, n. 24, 2014.
CAPÍTULO I - 27
MCLUHAN, Marshall. Understanding Media: The Extensions of Man. Nova York: McGraw-Hill, 1964. MOORE, Gordon. Cramming more components onto integrated circuits, Electronics Magazine. April 19, 1965. O’NEIL, Cathy. Algoritmos das redes sociais promovem preconceito e desigualdade, disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-42398331 acessado em 10/01/2018 STIGLITZ, Joseph E. The Price of Inequality. Nova York. W. W. Norton & Co. 2012 VANZIN, Tarcisio e PALAZZO, Luiz A. M. Cibersociedade e Tecnologias Digitais, In: VANZIN, Tarcisio; PALAZZO, L.A.M; QUEVEDO, S.R.P. – CIBERSOCIEDADE: Fragmentos e Reflexões. Erechim: Devian, 2016 WIENER, N. Cibernética e Sociedade- o uso humano de seres humanos, 3ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 1984. WIENER, N. Cibernética ou controle e comunicação no animal e na máquina. Por Gita K. Ghinzberg. São Paulo: Editora Polígono e USP, 1970.
28 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
CAPÍTULO II - 29
CAPÍTULO II O HABITAT DA CIBERSOCIEDADE: DESAFIOS PARA O PLANEJAMENTO DA CIDADE CONTEMPORÂNEA Laryssa Tarachucky Maria José Baldessar Tarcísio Vanzin
RESUMO Uma forma completamente nova de desenho urbano está sendo prototipada no presente momento, à medida que as tecnologias de informação e comunicação e de mídia digital são desenvolvidas e incorporadas ao dia a dia das pessoas que habitam as cidades. Por meio de uma revisão integrativa da literatura, este capítulo identifica um conjunto de desafios enfrentados pelos habitantes e decisores da cidade que abriga a cibersociedade e discute suas implicações sobre as técnicas de planejamento urbano tradicionais. Os resultados sugerem a necessidade de tratar os dados como uma política pública e de aproximar o cidadão dos processos decisórios não apenas como parte de um modelo de gestão participativa, mas também como forma de alfabetização digital.
INTRODUÇÃO O desenvolvimento e popularização das Tecnologias de Informação e Comu-
nicação (TICs) e das plataformas de mídias digitais estão mudando não apenas a
sociedade, economia e cultura contemporâneas como também os ambientes que
comportam a vida coletiva (CASTELLS, 1999; LEMOS, 2004b; 2015; ARAÚJO,
30 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
2009; WAAL, 2014; LANDRY, 2016). Em uma sociedade cada vez mais urbana1, os impactos causados pelas transformações tecnológicas2, não apenas na relação homem-cidade, mas também nas dinâmicas espaciais, nos fluxos, na permanência e
reconhecimento, no uso e na apropriação da cidade tornam-se cada vez mais explícitos, instigando uma rede crescente de pesquisadores pelo mundo todo3.
Para além do discurso de eficiência, segurança e personalização, bem como
dos ideais de fortalecimento da democracia possível pela facilitação dos processos
de comunicação entre os cidadãos e os decisores da cidade (CRANG; GRAHAM, 2007; BACCARNE et al., 2014; AMPATZIDOU et al., 2015; BALESTRINI, 2017; LANDRY, 2016), surgem também preocupações acerca dos efeitos fortui-
tos do processo de digitalização das cidades e da capacidade de compreensão e resposta por parte das formas tradicionais de planejamento e governança urbana (NAGENBORG et al., 2010; BLOK; FARÍAS, 2016).
Este capítulo parte de uma revisão integrativa da literatura para identificar e
discutir um conjunto de desafios enfrentados por habitantes e gestores da cidade
contemporânea em busca de melhores condições de habitabilidade e de ambientes mais sustentáveis e socialmente responsáveis. Seu objetivo é fornecer elementos
para a adoção de uma perspectiva mais inclusiva e interdisciplinar para a intervenção na cidade da cibersociedade. Compõem o corpo teórico aqui utilizado, traba-
lhos que abordam o uso de TICs e/ou plataformas de mídia digital para a atuação em rede no desenho da cidade, dando novos usos (ou novas temporalidades de uso) ao ambiente urbano construído, bem como o de uso das mesmas como suporte
1 O World Cities Report 2016, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, ONU-HABITAT, aponta que, em 2016, 54% da população mundial vivia nas cidades; e estima que esse número deve chegar a 66% até a metade do século. Relatório completo em: http://cdn.plataformaurbana.cl/wp-content/uploads/2016/06/wcr-full-report-2016.pdf. 2 Em especial o desenvolvimento das tecnologias móveis, a miniaturização dos dispositivos e o emprego das plataformas de mídia digital para a criação de modelos de negócio baseados em dados. 3 Cabe destacar as pesquisas desenvolvidas pelo MIT SENSEable City Lab, MIT Center for Advanced Urbanism, MIT Media Lab, e pelo Instituto de Arquitetura Avançada da Cataluña, bem como as atividades do The Mobile City Project. No Brasil, pesquisas sobre esta temática são desenvolvidas pelo Lab404, da Universidade Federal da Bahia, o Núcleo de Estudos de Habitares Interativos, da Universidade de São Paulo, e, mais recentemente, pelo MídiaCon, grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, da Universidade Federal de Santa Catarina.
CAPÍTULO II - 31
para a emergência de iniciativas de resolução de problemas urbanos no sentido bottom-up.
Inicialmente, o tema é contextualizado em relação ao atual estado de desen-
volvimento tecnológico e urbano e são apresentados os domínios teóricos nos quais ele é tratado. Em seguida, são identificados e discutidos temas críticos de análise em relação à incorporação das TICs no tecido urbano e às mudanças percebidas na
vida urbana causadas pela popularização do uso das plataformas de mídia digital. Por fim, as conclusões tratam de questões mais abrangentes sobre o entendimento da cidade híbrida e de seus reflexos sobre o fazer urbano. Trazem, também, a neces-
sidade da participação e envolvimento ativo do cidadão no processo de construção da cidade como um todo - desde a concepção de seu propósito e prototipação de ideias até a intervenção efetiva e análise dos resultados.
AS TECNOLOGIAS E OS IDEAIS DE CIDADE As cidades são o reflexo de uma sociedade. Elas são moldadas de acordo com
os desejos e necessidades de seus habitantes (ou, boa parte das vezes, de seus governantes) e são construídas dentro das limitações tecnológicas daquela sociedade
em um dado intervalo de tempo. O ideal de cidade do século passado, por exemplo, refletia uma visão de mundo mecanicista - seu planejamento, em geral, favorecia a funcionalidade do ambiente urbano por meio da setorização das funções urbanas
com uma forte influência capitalista, que, tendo o carro como objeto de desejo, apresentava padrões de planejamento urbano que privilegiavam o fluxo de automó-
veis quase sempre em detrimento das necessidades dos pedestres ( JACOBS, 2011; GEHL, 2015).
Com o advento da globalização e a otimização dos processos infocomunica-
cionais, a cidade, mais uma vez, responde às demandas emergentes. Os cidadãos experimentam mudanças no tecido urbano, nas formas de organização e gestão da
cidade e nas interações homem-objeto. Isso se dá de forma que qualquer tentativa de compreensão da cidade contemporânea que deixe de considerar de maneira mais
ampla as transformações na cultura e na vida social associadas às tecnologias digi-
32 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tais se torna uma tarefa difícil, se não impossível de ser executada. Ou seja, cada vez mais a necessidade de se pensar a cidade com base em lentes que reflitam a dinâ-
mica de sua vida urbana, e não como um acervo de prédios, praças e ruas - se torna latente. As mudanças nessa dinâmica têm a ver, essencialmente, com a evolução das TICs (CASTELLS, 1999; LEMOS, 2015; LANDRY, 2016).
As tecnologias de sensoriamento espalhadas pelo ambiente urbano, aliadas às
bases de dados presentes na “nuvem”, permitem, entre outras coisas, uma representação digital da cidade, feita em forma de mapeamentos, recomendações, anotações
e categorização dos elementos presentes nela. À sua realidade construída soma-se, então, uma realidade virtual. Quando essa camada virtual é sobreposta ao meio
físico e, à medida que a comunicação de banda larga móvel e as redes wireless pas-
sam a se tornar onipresentes, uma nova experiência do ambiente urbano é criada: a experiência de uma cidade híbrida. Ao mesmo tempo, os serviços baseados em
dados, a internet das coisas e as plataformas digitais colaborativas interferem gradativamente no uso e ocupação do espaço urbano.
DIFERENTES VISÕES SOBRE UMA MESMA REALIDADE As implicações da relação entre a cidade e a “nuvem de dados” ainda são des-
conhecidas em sua totalidade, mas diferentes perspectivas sobre elas podem ser
identificadas. Crang e Graham (2007), argumentam que a reconfiguração das cida-
des e suas políticas está sendo ativamente imaginada e difundida em três domínios contemporâneos: a produção e disseminação de fantasias tecnológicas, os processos mais práticos de desenvolvimento tecnológico e a implantação real - e a contesta-
ção - de sistemas operacionais. Além desses três domínios, é possível perceber um grupo crescente de trabalhos que tratam da tecnologia como forma de criação de públicos urbanos e de fortalecimento do tecido social.
No domínio da fantasia tecnológica, pode-se citar o trabalho de Hill (2015),
que traz suas impressões sobre os caminhos delineados pelo Museum of Future Go-
vernment Services4 para o uso das tecnologias avançadas para a melhoria dos ser4 http://museum.governmentsummit.org/2015/
CAPÍTULO II - 33
viços governamentais. O autor descreve a cidade futura como um lugar em que
a tecnologia é utilizada, principalmente, para a criação de sistemas inteligentes, responsivos e personalizados de refrigeração, comunicação e transporte5, e de infraestruturas autorreguladas, cujo sistema de inteligência tenta detectar falhas antes
mesmo que elas aconteçam. Retrata um espaço público repleto de displays de grafeno com conectividade 5G, que podem ser usados ocasionalmente por pessoas cujas
atualizações são acessadas por meio de impressão digital, e sistemas de vigilância
baseados em tecnologias de reconhecimento facial. Na cidade do futuro, algoritmos respondem aos dados em tempo real para criar um ambiente preditivo, responsivo e centrado no cidadão.
Uma versão mais aproximada da realidade contemporânea sobre a incorpo-
ração de objetos com capacidade de detecção, processamento, armazenamento e resposta aos dados no tecido urbano e o processo de fusão do ciberespaço com o
espaço das coisas vividas é dada por Cuff (2003). Ao espaço impregnado de capaci-
dade computacional a autora deu o nome de cyburg: a cidade na qual “as paredes não apenas têm ouvidos, mas também têm redes de olhos, cérebros e bancos de dados para usar em ações deliberadas” (CUFF, 2003, p. 44, tradução dos autores6). Nela
os indivíduos existem simultaneamente dentro do ciberespaço e da cidade factual. Em uma perspectiva muito próxima ao ideal de smart city7, a autora explica que as
funcionalidades dos sistemas de computação pervasiva emergentes no início do milênio passaram a permitir que aquilo que ora foi considerado contexto se tornas-
se agente, promovendo uma aceleração da reestruturação da vida urbana. Explica, ainda, que essa concessão da agência para o ambiente é, na verdade o oposto das
previsões iniciais para a tecnologia eletrônica, que reduzia ao mínimo a importância do espaço físico8.
5 Hill (2015) descreve um sistema de transporte preditivo, formado por veículos autônomos cuja programação permite um ajuste de oferta e demanda praticamente exato, com ócio zero e com ocupação mínima do ambiente construído. 6 Not only do the walls have ears, but networks of eyes, brains, and data banks to use for purposeful action. 7 Para uma melhor compreensão dos princípios que caracterizam a smart city (em oposição à ideia de social city), consultar Tarachucky e Baldessar (2016). 8 Mais tarde, Lemos (2004 b, p. 132) emprega o termo “cidade-ciborgue” para descrever o ambiente permeado por “espaços de fluxos de informações digitais planetários e suas diversas tecnologias ligadas por redes telemáticas”. Os trabalhos deste autor reforçam a visão de Cuff (2003) ao afirmar que na cidade-ciborgue espaço físico e espaço virtual são
34 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Inicialmente, a visão que se tem é de que a reestruturação da vida urbana oca-
sionada pelo desenvolvimento das TICs seria refletida em iniciativas voltadas para a
otimização do uso da infraestrutura existente nas cidades por meio do emprego de sistemas de computação embutida9. Rabari e Storper (2014), por exemplo, estimam
que no curto prazo os sensores serão integrados em quase toda a extensão do tecido
urbano físico10, formando aquilo que eles chamam de “pele digital”. Para os autores, essa pele deve cobrir tanto os ambientes públicos quanto os ambientes privados e
seus dados serão gerados por tecnologias como sensores em rede, objetos e dispo-
sitivos “inteligentes”, a web e as mídias sociais, envolvendo governos, indivíduos e organizações públicas e privadas.
Outro aspecto dessa realidade é que até mesmo a apropriação dos espaços da
cidade vem tomando novas formas. Neste caso, o programa ou a função de algumas
edificações vêm sendo alterados por meio do uso de recursos online. Por exemplo, sites como o Airbnb11 ou o Behomm12 permitem que unidades residenciais possam
se tornar hotéis temporários, fazendo de toda a cidade um grande hotel distribuído. Ou seja: os metadados de um espaço começam a desempenhar um papel no progra-
ma espacial/funcional das cidades (BRYNSKOV et al., 2014). Consequentemente, algumas instituições deixam de ter uma presença específica em um local reconhecível. Ao invés disso, sua página na web passa a ser sua “portaria”, direcionando os visitantes ou consumidores para locais temporários.
Esse aproveitamento da tecnologia emergente no contexto urbano faz, tam-
bém, emergir uma relação simbiótica entre a cidade física e a cidade virtual, baseada
em garantir que a tecnologia seja utilizada como um instrumento de fortalecimento dos laços comunitários. Organizações não governamentais e grupos de agentes
comunitários utilizam cada vez mais plataformas de mídia e tecnologias interativas co-dependentes e que o crescimento dos espaços eletrônicos representa, na verdade, o reforço do urbano. 9 Um exemplo disso é o projeto desenvolvido para a área de Lower Manhattan, que propunha como medida para a redução do trânsito o uso de câmeras de monitoramento remoto para a tarifação de usuários de automóveis de acordo com a quantidade de passageiros transportados por cada carro (quanto menos passageiros, maior a tarifa). 10 Essa estimativa é feita com base nas previsões divulgadas na página da Ericsson, em 2011. Para detalhes, acesse: https://www.ericsson.com/en/news-and-events/latest-news?query=50+billion+ connected+devices. 11 www.airbnb.com 12 www.behomm.com
CAPÍTULO II - 35
para resolver questões locais de maneira mais imediata (RABARI; STORPER, 2014). Sites de financiamento coletivo como o Benfeitoria13 ou o Catarse14, por
exemplo, ampliam a possibilidade de viabilizar projetos comunitários ou modelos de negócio social com o envolvimento mínimo de intermediários15. Com isso, abre-
-se espaço para companhias de financiamento coletivo com finalidades tão variadas quanto a criação de sistemas de mapeamento colaborativo para a localização de animais abandonados, a viabilização de obras de ampliação e melhoria de hubs modais, a criação de sistemas de captação de água para hortas comunitárias ou mesmo a produção de materiais de orientação para táticas de ativação urbana.
No campo acadêmico, pesquisas de citizen sensing desenvolvem e usam tec-
nologias soft com comunidades urbanas para coletar, compartilhar e atuar sobre os
dados ao mesmo tempo que trabalham na conscientização do cidadão a respeito
das possibilidades de resolução de problemas locais (BALESTRINI et al., 2017). Essa abordagem parte do entendimento de que as participações bottom-up normal-
mente surgem quando os cidadãos partilham de uma preocupação comum e de um
propósito para efetuar a ação coletiva. Balestrini (2017) dá como exemplo o caso de Fukushima Daiichi, ocorrido no Japão, no qual a incerteza sobre a confiabilidade
dos dados apresentados pelas autoridades locais após o desastre de 2011 levou os cidadãos locais a buscarem instrumentos de crowdsourcing e crowdfunding para via-
bilizar a detecção e compartilhamento de dados a respeito dos níveis de radiação na cidade de maneira independente (KERA et al., 2013; JIANG et al., 2016).
DESAFIOS PARA AS CIDADES DA CIBERCULTURA As cidades de hoje são cada vez mais influenciadas pelas tecnologias ubíquas,
pervasivas e sencientes. Tal fato leva a transformações nas práticas sociais e na vi-
vência do espaço urbano (LEMOS, 2004a), trazendo efeitos diversos. Por um lado, 13 benfeitoria.com 14 www.catarse.me 15 Rabari e Storper (2014) explicam que o processo de desintermediação é uma característica da generalizada do desenvolvimento econômico, apoiada pelo aumento da quantidade e da qualidade da informação disponível para os consumidores.
36 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
a ubiquidade das redes e a miniaturização dos computadores permitem novas for-
mas de produzir e consumir informação sobre a cidade e pela cidade (não é mais o usuário que se desloca até a rede, mas a rede que se espalha de forma a cobrir todos
os lugares em que há um usuário). Com base nessas novas formas de comunicação, pode-se escolher o que fazer, onde, quando e com quem, em um cenário no qual as experiências individuais com o ambiente crescem em importância, uma vez que
suas opiniões passam a ser comunicadas a públicos cada vez maiores. Por outro lado, surgem questionamentos acerca do controle de acesso e da postura ética em
relação ao uso dos dados gerados deliberadamente por tais redes e objetos, passando
por temas como privacidade e a necessidade de uma política de uso e gestão desses dados (LANDRY, 2016; STREITZ, 2015).
A questão da privacidade deve tornar-se cada vez mais problemática em am-
bientes urbanos inteligentes, uma vez que os dados existentes no mundo virtual sobre cada indivíduo passam a ser complementados e aumentados por dados gera-
dos por sua atuação no mundo real e vice-versa (STREITZ, 2015). A computação embutida somada às redes ubíquas possibilita a securitização do ambiente urbano
ao mesmo tempo que coloca os cidadãos sob a vigilância constante das autoridades. Os dados16 que auxiliam as pessoas a encontrar a informação desejada em tempo real são os mesmos que permitem que algoritmos as insiram em uma bolha infor-
macional que as deixa - de maneira (quase) inconsciente - à mercê de interesses corporativos presentes por trás dos sistemas de recomendação, interferindo em sua
liberdade, em sua privacidade e em sua capacidade de controle sobre seus dados (e até mesmo vontades) pessoais. Ambos aspectos guardam o potencial de tornar o
cidadão vulnerável à manipulação criminal padrão, ataques cibernéticos políticos, militares e terroristas.
Outro ponto que demanda atenção são os efeitos que os modelos de negócios
surgidos a partir das plataformas digitais têm sobre o tecido urbano. O caso dos
serviços de oferta de acomodações temporárias para turistas - a exemplo do Airbnb, Wimdu e 9flats - ilustra bem essa questão. Tais empresas atuam em escala global
como intermediários nas transações entre proprietários de imóveis e hóspedes em 16 Ao relacionar dados e privacidade, Streitz (2015) lembra que é necessário fazer distinção entre dois aspectos: os dados de saída (aqueles coletados por conexão, rastreamento e vigilância) e os dados recebidos (resultantes de comunicações intrusivas, não solicitadas).
CAPÍTULO II - 37
potencial, disponibilizando espaços para reserva que variam do formado bed & breakfast até ilhas inteiras (WORTHAM, 2011). Os argumentos favoráveis a esse modelo de negócio estão relacionados com os princípios da denominada economia
compartilhada. De um lado, atuam na geração de renda extra para os proprietários
de imóveis por meio da disponibilização de quartos ociosos para acomodações de curto prazo (GURRAN; PHIBBS, 2017); de outro, contribuem para a redução dos
gastos com hospedagem para os viajantes, além de proporcioná-los a oportunidade
de imergir na vida dos habitantes locais e entrar em contato com suas percepções a respeito do lugar visitado (WORTHAM, 2011). Em termos econômicos há também a ideia de que tais serviços podem contribuir para a otimização dos espaços
subutilizados dentro dos edifícios existentes. Argumentos contrários exploram os
conflitos decorrentes da abertura de bairros residenciais para a prática turística e a pressão do mercado imobiliário causada pelo aumento da demanda turística (au-
mento dos valores de aluguel e escassez de imóveis para aluguel aos moradores de
baixa renda). Ou seja, os moradores de longo prazo são convertidos em aluguéis de curto prazo, operados por proprietários ausentes17. O modelo atual de planejamento
do uso do solo urbano precisa trabalhar a partir de frameworks que deem conta de
regular as configurações de uso habilitadas por plataformas como essa e para lidar com os conflitos decorrentes de tais mudanças.
As formas emergentes de descrever, representar e interpretar a cidade geram
fontes de conhecimento coletivas, auto organizadas, atuantes tanto a nível global quanto a nível local, abrindo caminhos para ações horizontais tais quais os mapeamentos colaborativos digitais e as experiências de gestão colaborativa. Experiências
como o Guia Cultural de Favelas18 e A Batata Precisa de Você19 representam as possibilidades de conciliação dos recursos tecnológicos e humanos que exploram o potencial individual e coletivo e incentivam os cidadãos a compreender a si mes-
mos como parte de uma comunidade e a contribuir ativamente para a construção do bem público. No entanto, todas essas tecnologias das quais esse capítulo trata
requerem o aprendizado de novas competências por parte dos cidadãos, ou en17 Protestos recentes de moradores de Nova Orleans contra o Airbnb exibiam caixões marcados com os nomes “bairros acessíveis” e “vizinhos reais” (ZAITCHIK, 2016). 18 http://guiaculturaldefavelas.org.br/. 19 http://largodabatata.com.br/a-batata-precisa-de-voce/.
38 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tão apenas algumas pessoas poderão fazer uso significativo delas. Requer, também, empenho no sentido de convergir os esforços dos cidadãos com as ações do poder público.
CONCLUSÃO A cidade aqui abordada deve ser compreendida como um organismo comple-
xo20, formado por redes sociais, infraestrutura física e sistemas simbólicos cujo espa-
ço, dinâmicas e atores são cada vez mais influenciados pelas tecnologias digitais, que trazem o mundo virtual ao alcance dos sentidos de quem vivencia o espaço urbano
e contribuem para a formação de uma cidade híbrida. As iniciativas emergentes dos processos de uso e apropriação de plataformas de mídia guardam o potencial de mudança na condição urbana. Tal potencial aumenta com o desenvolvimento contínuo das TICs e sua integração ao contexto urbano. E a implementação da pele digital na cidade está apenas começando.
A atuação sobre a cidade caracterizada neste capítulo requer, antes de tudo,
clareza sobre sua natureza. Qualquer tentativa de sua compreensão demanda, além dos estudos urbanos, o envolvimento de uma série de temas como semiótica espa-
cial, arquitetura, geografia, cultura, comunicação e tecnologias móveis, sem os quais qualquer tentativa de entendimento de nosso atual contexto restaria incompleta. E uma visão imprecisa do atual contexto aumenta o risco de incorrer no erro das cida-
des resultantes da Revolução Industrial, que foram criadouros de pessoas infelizes, ansiosas e agônicas.
A questão da privacidade na cidade da cibercultura passa pela necessidade de
equilibrar a demanda dos sistemas inteligentes de obter os dados necessários para
que possam operar de maneira cada vez mais otimizada e o direito individual de ter o controle sobre quais dados estão sendo coletados, por quem e como estão sendo 20 Essa linha de pensamento tende a considerar nossos espaços de interações sob a perspectiva da fenomenologia biológica, não mais vendo a cidade como um resultado estático de um processo de planejamento urbano, mas como um sistema de interações que se adapta a mudanças contextuais e se modifica em forma e tamanho como “parte da natureza”. Cabe ressaltar aqui que o conceito de complexidade está vinculado à noção de emergência, base dos estudos sobre os movimentos bottom-up de construção/apropriação da cidade.
CAPÍTULO II - 39
utilizados. Uma cidade só será “inteligente” - para citar o termo tão usado pelos gestores urbanos - se reconciliar homem e tecnologia, preservando os direitos do cidadão à personalidade, privacidade e segurança dos dados.
É necessário, também, desenvolver valores que coloquem os cidadãos no cen-
tro do processo de planejamento das cidades, tanto em termos de tornar o bem-estar do cidadão o objetivo primeiro das intervenções como também em relação a
envolver o cidadão de maneira efetiva nas etapas de planejamento da cidade, bem
como no processo de construção da cidade como um todo - desde a concepção de seu propósito e prototipação de ideias até a intervenção efetiva e análise dos resultados. Isso requer a criação de técnicas e métodos capazes de direcionar os trabalhos e de garantir o equilíbrio entre discussão e objetividade
Uma cidade só pode ser sustentável se nela existe sustentabilidade social. E
sustentabilidade social significa que a cidade deve ter espaços de encontro e inte-
ração; ou seja, espaços públicos. Os processos de planejamento urbano devem fazer uso das tecnologias digitais para a constituição de laços sociais, de caracterização
dos espaços urbanos e de construção de novas experiências espaciais coletivas. Intervir deliberadamente na cidade contemporânea de maneira socialmente responsável requer a exploração dos tipos e alcances das atividades que acontecem em seus
ambientes, considerando, também, a fluidez e multiplicidade dos estilos de vida contemporâneos.
As tecnologias de informação e comunicação e de mídia digital podem ter
diferentes apropriações, variando de acordo com as necessidades e usos de cada
indivíduo. A hibridização do espaço urbano e a apropriação das tecnologias aqui tratadas por parte dos indivíduos vem criando um novo ethos, que reflete o desejo
de uma cidade mais inclusiva e transparente. No habitat da cibersociedade, o protagonismo é exercido pelo cidadão.
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40 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
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CAPÍTULO II - 41
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42 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
CAPÍTULO III - 43
CAPÍTULO III CIDADES INTELIGENTES: A ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE URBANA DO DEFICIENTE VISUAL Jorge Luiz Guedes Sant’ana Tarcísio Vanzin Luiz Antônio Moro Palazzo
RESUMO A mobilidade urbana tem sido um grande desafio para as grandes cidades, ainda mais quando se trata de pessoas com alguma dificuldade física, visual ou auditiva. Busca-se neste trabalho realizar um levantamento na literatura do panorama das Cidades Inteligentes relacionadas à acessibilidade e mobilidade urbana do deficiente visual. Foi realizada uma revisão sistemática de literatura sobre a acessibilidade e mobilidade urbana para os deficientes visuais, podendo ser observado que existe uma preocupação em reduzir os obstáculos que os deficientes visuais encontram para se deslocarem e várias ferramentas já estão disponíveis para esse fim, no entanto pouco se vê verdadeiramente implantado nas cidades.
INTRODUÇÃO Com a valorização e reconhecimento da convivência com a diversidade, o ter-
mo acessibilidade tem sido utilizado para garantir que todas as pessoas tenham
acesso a todas as áreas de seu convívio. Estas áreas estão relacionadas aos espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, sistemas e meios de comunicação e informação. Desta forma, espera-se que haja uma preparação e uma resposta às necessida-
44 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
des especiais que esta diversidade pode apresentar nestas áreas. Milhões de pessoas acessam a internet todos os dias em busca de informações, entretenimento, trabalho, educação, e outras necessidades. Contudo, as tecnologias desenvolvidas não são
totalmente acessíveis aos usuários que possuem alguma deficiência física, sensorial ou mental (FERNANDES, 2008).
Entre os que apresentam perdas sensoriais, se encontram os deficientes visuais.
Cerca de 246 milhões de pessoas no mundo sofrem de perda moderada ou severa da visão e 90% dessas pessoas vivem em países em desenvolvimento OMS, (2013). A
mobilidade urbana para essas pessoas é ainda muito incipiente nas grandes cidades. Pesquisas destacaram que cegos e pessoas com deficiência visual encontram vários fatores que inibem a sua habilidade de deslocamento (YANG et al., 2014).
As cidades digitais fazem parte de uma nova forma de distribuição do fluxo
informacional da sociedade, que se constitui por meio de dois elementos fundamentais: a explosão quantitativa da informação e a implosão do tempo de comu-
nicação da informação (LE COADIC, 2004). Nas cibercidades segundo Firmino (2003) um aspecto cada vez mais comum na esfera do desenvolvimento urbano é
a adoção de tecnologias telemáticas como parte do processo do planejamento ou
consolidação de políticas públicas ligadas ao desenvolvimento tecnológico. Castells (2002) entende isto como "Era da Informação", cuja evolução tecnológica permite tanto a disseminação quanto a aplicação da informação no processo de aquisição de
novos conhecimentos em fluxos nunca vistos. Para esta disseminação do conheci-
mento vêm sendo utilizadas as tecnologias de comunicação e informação/ Internet. Os usos destas tecnologias passaram por três estágios distintos: a automação de tarefas, as experiências de usos e a reconfiguração das aplicações.
Firmino (2003a) afirma que a cidade digital, segundo este modelo, deve ser
entendida como um processo sociológico de incorporação de uma gama nova de tecnologias e conceitos aos que já representam as cidades no momento atual da
história. Trata-se de um movimento de atualização do espaço, o que Santos (1994)
chama de “flecha do tempo”, onde elementos novos ao espaço urbano, influenciados
por novos valores, novos conceitos e novas tecnologias, modificam e se incorporam ao espaço atual misturando-se com elementos de outras eras da história urbana.
CAPÍTULO III - 45
A partir das novas tecnologias das redes digitais de informação e comunicação,
que penetraram no Estado e na Sociedade Civil, constituíram-se novas formas de interatividade, que interligaram diferentes sujeitos em pontos distintos de espaço e
tempo. As cidades informacionais são formas de interações do espaço urbano com estas redes digitais de comunicação e informação (SOUZA; JAMBEIRO, 2005).
Diante destas questões, pergunta-se: qual seria o panorama atual da acessi-
bilidade e mobilidade urbana das pessoas com deficiência visual nos projetos de cidades inteligentes? Para responder a essa pergunta, foi realizado um levantamento
bibliográfico que analisou o panorama das Cidades Inteligentes no que se refere à acessibilidade e mobilidade urbana do deficiente visual.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As Cidades Inteligentes conforme a ótica dos principais autores. Sobre as Cidades Inteligentes, um aspecto cada vez mais comum na esfera do
desenvolvimento urbano é adoção de tecnologias telemáticas como parte do processo de planejamento ou consolidação de políticas públicas ligadas ao desenvolvi-
mento tecnológico, onde já existem incontáveis sítios de governos federais, regionais e locais denominados, na maioria dos casos, cidades virtuais (FIRMINO, 2003b).
A cidade virtual, para Castells (1989) seria por sua vez, a representação da fase
atual de evolução das cidades considerando a integração e interação destes elemen-
tos do desenvolvimento da sociedade em rede com elementos urbanos de outras
épocas presente na mesma cidade, resultando na chamada cidade informacional. As cidades virtuais são consideradas, segundo Firmino (2005), como o conjunto de representações virtuais ou eletrônicas, manifestações físicas e interações sociais
diretamente relacionados ao desenvolvimento das TIC nas cidades. Seguindo esta
interpretação, existe um fenômeno de recombinação e simbiose espacial que mescla as cidades físicas e virtuais à todo instante. Ainda do ponto de vista do planejamento e governança, [ ]“acredito que este processo de mescla entre espaços físicos e
46 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
virtuais possa ser deliberadamente influenciado por políticas em definir as maneiras com que as TIC são regulamentadas e implementadas no meio urbano”.
O termo “cidades inteligentes” é amplamente utilizado, mas ao mesmo tem-
po um conceito altamente distorcido. A imprecisão dificulta a compreensão dos
benefícios de sua adoção e explica a existência de muitas atividades relevantes com visões fragmentadas ou distorcida do que uma cidade verdadeiramente inteligente
é (LARA et al., 2016). O quadro 1 a seguir apresenta conceitos de cidades inteligentes segundo alguns autores.
Quadro 1: Autores e conceitos de cidades inteligentes
CONCEITOS
AUTORES
Souza; Jambeiro, 2005
Um espaço de fluxos de variada natureza, ela se projeta no ciberespaço – reino da informação – como uma cibercidades, isto é, um espaço de fluxos informacionais. E, como tal, uma cidade digital, ou virtual, ou uma telecity.
Firmino, (2003a)
São as pessoas/instituições (atores) e interesses (públicos e privados) envolvidos, modelos de realidade virtual, etc); e a dimensão física (muitas vezes esquecida e que envolve elementos como a infraestrutura e os portais de acesso, quiosques, etc).
Firmino (2003b)
É o conjunto de estratégias de integração juntamente com outros fatores de influência como infraestrutura, espaços físicos para o acesso às novas tecnologias, a configuração dos espaços virtuais (estruturas para sítios na internet, redes, locais ou Intranets, etc.), os interesses (públicos e privados) por trás do uso e disseminação destas tecnologias, e as pessoas ou atores envolvidos neste processo.
Firmino, (2005)
É a representação virtual de comunidades, cidades e regiões através do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC, ou ainda tecnologias telemáticas).
Borges, (2005)
Comunidades virtuais reforçam a comunidade real, cidades virtuais potencializam a ocupação do espaço físico urbano, conhecido como uma prática social underground chamada de “infiltração” que mostra justamente como o ciberespaço potencializa e organiza essa ocupação.
Fonte: Dados da pesquisa
CAPÍTULO III - 47
O Quadro 1 apresenta a visão dos autores que, de forma personalizada, con-
ceituam as cidades inteligentes, seja com uma abordagem do físico, do humano, de estratégias ou do uso das tecnologias da informação e comunicação TIC.
As Cidades Inteligentes na acessibilidade, mobilidade urbana e o deficiente visual. Dos artigos que compõem o portfólio bibliográfico (PB). As iniciativas de fazer uma cidade inteligente surgiram recentemente como
um modelo para mitigar e remediar os problemas urbanos atuais e tornar as cidades
como melhores lugares para viver (NAM e PARDO, 2011). Daí porque alguns
autores visualizem cidade inteligente como um ícone de uma cidade sustentável habitável. Uma cidade inteligente oferece serviços públicos interoperáveis baseados
na Internet que permita a conectividade ubíqua para transformar processos chave do governo, tanto interna entre departamentos e funcionários e externamente para cidadãos e empresas (AL-HADER et al., 2009).
Acredita-se que seja necessária uma visão sócio técnica para melhor com-
preender o conceito de cidade inteligente com vistas a liderar uma iniciativa de transformação nessa direção. Isto é, uma "cidade inteligente" exige uma abrangente
compreensão das complexidades e das interligações entre fatores sociais, técnicos, de serviços e ambientes que concorrem nesse meio. Nessa linha, pesquisas com base em uma visão sócio técnica, devem explorar “como é que tecnologias inteligentes
mudam uma cidade” e “como os fatores institucionais e humanos tradicionais na
dinâmica urbana impactam uma iniciativa de cidade inteligente alavancada pelas novas tecnologias” (Nam; Pardo, 2011).
Sobre essas tecnologias pode-se abordar aquelas que auxiliam aos deficientes
visuais nas suas progressões diárias, tanto nos interiores quanto em ambientes externos. Para Kammoun et al.,(2012) a mobilidade urbana em áreas desconhecidas
continua a ser um grande problema para os deficientes visuais. Ao longo dos últimos 50 anos, uma série de recursos electrónicos de deslocamento foram desenvol-
vidos com o objetivo de melhorar essa mobilidade. Mas, apesar dos esforços, estes sistemas são raramente utilizados. Para Burbakis, (2008) há ainda uma necessidade
48 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
de ultrapassar as barreiras de navegação encontradas por esses indivíduos e até que essas barreiras sejam eliminadas, os cegos e deficientes visuais continuarão sendo
sub-representados. O quadro 2 apresenta os autores do portfólio bibliográfico e seus temas.
Quadro 2: Autores do portfólio bibliográfico e seus temas
AUTORES
TEMAS DE PESQUISAS
Guerreiro et al., (2012), Juin et al.,(2013), Haruyama (2013) Villanueva; Farcy (2012), Funahashi et al., (2011)
Abordam a dificuldade de mobilidade dos deficientes visuais e propõem as tecnologias infra vermelho e a luz de LED em ferramentas para melhorar ia da navegação.
Cardain; Freidéric, (2007),. Bourbakis, (2008), Hesch; Roumeliotis (2010)
Propõem alterativas para dar maior autonomia na mobilidade urbana. Propõem alterativas para dar maior autonomia na mobilidade urbana e usaram sensores de sonar e tecnologia 2D e 3 D para enviar um feedback vibro-táctil para orientação da posição do obstáculo mais próximo no ambiente em que o deficiente visual se encontra.
Kats et al., (2012), Kammoun et al., (2012)
Projeto NAVIG (Navegação Assistida por Visão artificial e GNSS via satélite) é direcionado para aumentar a autonomia pessoal através de um sistema de realidade aumentada virtual.
Wei et al., (2013), Harput; Harzkut (2008), Cascalheira et al., (2012), Bhatlawande et al., (2014).
Alguns autores ressaltam a dificuldade de deslocamento dos deficientes visuais nos interiores de prédios e alguns trabalhos utilizaram a tecnologia de ultrassom para minimizar essa dificuldade.
Hong et al., (2008), Andò et al., (2011), Hunaiti et al., (2006), Hunaiti et al., (2006)
Se referem a importância da mobilidade em ambiente externo e da limitação para os deficientes visuais. Propõe o uso do GPS para detecção de objetos no caminho e assim facilitar essa tarefa.
CAPÍTULO III - 49
Peng et al.,(2010), Tapu et al., (2013), Karacs et al., (2008),
A mobilidade dos deficientes visuais é ainda motivo de riscos. Pesquisas utilizando a tecnologia Smartphone para deslocamento externo estão sendo desenvolvidas
Hong et al.,(2008), Takatori et al., (2006), Le et al., (2012), Oswal, (2012) , Bahadir et al.,(2012), Cuong Le et al., (2012) , Bhatlawande, et al., (2014), Prudhvi; Bagani (2013)
Vários dispositivos já estão presentes nas grandes cidades, como sinais sonoros, linhas coloridas para Shoppings e faixa de pedestres, veículos para deficientes visuais, caixas eletrônicos, olhos de silicone com navegação audível por SMS, pulseiras teleguiadas por ultrassom, detecção de caminhos por visão tridimensional.
Fonte: Dados da pesquisa
O quadro acima mostra as várias tecnologias utilizadas para a construção de
ferramentas auxiliares para a navegação dos deficientes visuais.
METODOLOGIA Procedimentos para coleta de dados: Seleção do Portfólio Bibliográfico Nessa etapa, onde ocorre à formação de um portfólio de artigos, os pesquisa-
dores reuniram vários artigos relacionados ao tema da pesquisa, alinhada de acordo
com suas percepções e com as delimitações impostas. Três fases foram executadas: (a) a seleção dos artigos nas bases de dados que compõem o Banco de Artigos Bru-
to; (b) a filtragem dos artigos selecionados com base no alinhamento da pesquisa; e, (c) o teste de representatividade do portfólio bibliográfico. O produto final dessa etapa é um conjunto de artigos que os pesquisadores consideram relevantes, alinhado com a sua pesquisa e o Portfólio Bibliográfico.
Inicialmente procedeu-se a seleção do banco de dados bruto que envolve a
definição dos eixos de pesquisa, das palavras-chave, das bases de dados e a busca
dos artigos. O primeiro eixo está intrinsecamente ligado ao tema central do traba-
50 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
lho: Eixo 1 – Cidades Inteligentes. O segundo e terceiro eixos estão relacionados
ao enfoque: Eixo 2 – Acessibilidade e mobilidade urbana e Eixo 3 – Deficiente Visual. Assim, definiram-se as seguintes palavras-chave: para o Eixo 1 – Cidades
Inteligentes foi Smart Cities; para o Eixo 2 – Acessibilidade e mobilidade urbana, foi Accessibility and Urban Mobility e no Eixo 3- Deficiente visual, foram as palavras Blind or Visually Impaired. Na sequência, realizou-se a combinação entre as
palavras-chave do Eixo 1 com as do Eixo 2 e do Eixo 3, que resultou no total de 8
combinações de busca. Devido a ausência de resultado nos periódicos da Scopus e Scielo, alterou-se o comando para as duas sendo: para a Scopus (“smart cities” e “accessibility”) e (“smart cities” e “urban mobility”) e para a Scielo (“smart city”) conforme mostra o quadro 3 abaixo.
Quadro 3 – Comando de busca
Fonte: Dados da pesquisa
Quanto às bases, foram selecionadas as seguintes: ProQuest; Science Direct;
EBSCO e Web of Scienc, Scopus e Scielo. Após a definição das palavras-chave e das
bases, foi realizada, nos dias 21 a 23 de junho de 2016, a busca dos artigos nessas bases com delimitação temporal entre os anos de 2005 a 2016. A busca da Base de dados se deu a partir do ano de 2005, haja vista cobrir uma década de publicações
que buscaram apresentar inovações referentes ao tema da pesquisa, conforme mos-
tra a figura 1. A busca inicial resultou em um total de 1.853 publicações distribuídas entre as bases de dados.
CAPÍTULO III - 51
Figura 1. Processo de coleta de dados
Fonte: Dados da pesquisa
Depois de reunido o portfólio bruto, testou-se a aderência das palavras-chave.
Para isso, foram escolhidos cinco artigos aleatoriamente, com o objetivo de identi-
ficar ou não a necessidade de se incluir novas palavras-chave. Para este estudo, na execução dos procedimentos, concluiu-se que não seria necessária a inclusão de
novas palavras-chave, o que indicou alinhamento destas e dos artigos com o tema da pesquisa.
A próxima etapa, a de filtragem do banco de dados foi composta pela elimi-
nação dos artigos repetidos, verificação do alinhamento do título, verificação do
alinhamento quanto ao reconhecimento científico, verificação do alinhamento do resumo, verificação da disponibilidade do artigo na íntegra e verificação do alinhamento integral dos artigos. Nesse sentido, 1.853 artigos foram exportados para um
arquivo compatível com o software de gerenciamento bibliográfico EndNote® X7
onde se verificou que 643 eram repetidos, tratava-se de um livro, estavam vinculados a patentes ou não eram artigos científicos, sendo excluídos. Assim, o processo prosseguir com 1.210 artigos. Destes, foi analisado o alinhamento dos títulos dos
artigos, onde 73 artigos estavam com o título adequado ao propósito da investigação.
52 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Após verificar o alinhamento dos títulos, foi analisado o reconhecimento cien-
tífico dos artigos com base nas suas citações contidas no Google Scholar. Definiu-se
como representativos os artigos responsáveis por 90% do total das citações, o que resultou em 23 artigos com mais de 10 citações. Desses 23 artigos com mais de
10 citações verificou-se o alinhamento dos resumos, em que apenas 19 estavam alinhados. Os dados acerca do número de citações foram coletados no dia 25 de
junho de 2016, por volta das 15 horas e foi realizado por intermédio do software
Zotero, que é um gerenciador gratuito de referências bibliográficas que consiste em um complemento do software Mozila Firefox ®.
Dos 32 artigos restantes, com alinhamento de título, mas com reconhecimen-
to científico inferior ao ponto de corte, ou ainda não confirmado por não terem re-
cebido citações na comunidade científica, foi realizado um processo de repescagem. Desses, analisaram-se aqueles que haviam sido publicados há menos de dois anos, e que, pelo fato de serem recém-publicados, não tiveram tempo de serem citados pela comunidade científica. Nesta categoria foram classificados 26 artigos, cujos
resumos foram lidos para verificar o alinhamento, onde 22 apresentavam resumo alinhado à pesquisa e 4 foram eliminados.
Os 22 artigos “com reconhecimento científico a confirmar” foram somados
aos 19 “com reconhecimento científico confirmado”, resultando em 41 artigos, cuja
disponibilidade gratuita foi verificada. Todos os artigos estavam disponíveis. Dos
41 artigos disponíveis, realizou-se a leitura, após a qual, todos foram considerados integralmente alinhados.
Finalmente, conclui-se a Seleção do Portfólio Bibliográfico, somando-se os
19 artigos iniciais com os 22 artigos da segunda análise, somando 41 artigos que
representam o fragmento de literatura referente à Smart Cities: a acessibilidade e mobilidade urbana do deficiente visual.
CAPÍTULO III - 53
RESULTADOS DA PESQUISA O conceito de “cidade inteligente” para Caragliu (2009) foi recentemente in-
troduzido como um dispositivo estratégico para abranger modernos fatores de produção urbana de um quadro comum e, em particular, para destacar a importância
das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nos últimos 20 anos para melhorar o perfil competitivo de uma cidade. Algumas cidades são identificadas
por operar de forma inteligente em resolver seus problemas, afirmam Nam; Pardo, (2011). O desenvolvimento de novas tecnologias favorece o aparecimento de novos meios de inclusão de pessoas com deficiência visual. Esses indivíduos frequentemente se encontram em posição de desvantagem, devido à falta de acessibilidade
nas cidades. Sinais visuais tais como placas, avisos e semáforos são de pouca ou nenhuma utilidade para auxiliar na sua orientação e deslocamento (ROZESTRATEN et al., 2013).
Neste sentido e após análise dos artigos do portfólio bibliográfico, pode se
observar que a temática smart cities, acessibilidade e mobilidade urbana das pessoas
com deficiência visual é ainda um tema novo para os pesquisadores. No entanto, a maioria dos artigos que retornaram mostrou a preocupação dos autores em resolver a questão da acessibilidade e mobilidade urbana, construindo ferramentas com os mais variados tipos de tecnologias.
Assim sendo, esses resultados serão apresentados nos subitens: (i) acessibi-
lidade e mobilidade nos ambientes internos e (ii) acessibilidade e mobilidade nos ambientes externos.
Acessibilidade e mobilidade nos ambientes internos Para a população que vive nas grandes cidades, incluindo os deficientes visuais,
o elevador é considerado um dos principais meios de transportes, serve para deslo-
car as pessoas e objetos pelos diversos andares de um edifício. Mosam et al., (2015)
construíram um elevador com comando de voz, sendo o reconhecimento de voz a
54 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
parte principal deste sistema. O projeto fornece o mecanismo de comunicação entre o usuário e o mecanismo de controle micro controlado com a base do elevador.
Outra ferramenta é proposta para suprir a necessidade prática dos deficientes
visuais navegarem em ambientes interiores desconhecidos, tais como edifícios escolas, hotéis, etc. A entrada para o sistema é o nome do edifício / estabelecimento for-
necidos por um administrador, que é usado por um rastreador web para determinar a disponibilidade de um mapa de navegação no website correspondente. Se estiver
disponível, o mapa é baixado e utilizado pelo sistema proposto para gerar uma descrição verbal dando uma visão geral dos locais de referência-chave no interior do ambiente escolhido (PALADUGU et al., 2012).
As Ferramentas construídas por Jain, et al., (2013) e instaladas no interior
de edifícios, apresentaram um projeto com um sistema de sinalização ativa com
base em infravermelho para os deficientes visuais. Ainda nessa linha de recursos
instalados em edificações, Nakajima e Haruyama (2013) utilizam, para navegação, a tecnologia de comunicação de luz visível, que emprega LED. Si Au (2013) utiliza
um sistema de rastreamento e navegação interior com base em medições de força
do sinal recebido (RSS) na rede de área local sem fio (WLAN). Cascalheira et al., (2012) descrevem o desenho de uma antena adequada e receptor para navegação entre portas. Hesch e Roumeliotis (2010) propõem uma ferramenta de mobilidade interna que consiste de um pedômetro montados nos pés e um pacote de detecção
montado numa bengala, que é composta de um giroscópio de três eixos e um scanner a laser 2D.
Acessibilidade e mobilidade nos ambientes externos Sobre a navegação em ambiente externo, alguns estudos sobre a acessibilidade
e mobilidade urbana do deficiente visual inicialmente apresentado por Andò et al., (2011) que utilizaram um módulo de detecção hospedado no deficiente e uma rede
de sensores distribuídos no ambiente. Outra ferramenta de uso coletivo pode ser
vista no trabalho de Hunaiti et al., (2006) que utilizaram a integração do Sistema
de Posicionamento Global (GPS), Sistema de Informação Geográfica (GIS) de banco de dados e uma academia de visão remota por meio da terceira geração (3G)
CAPÍTULO III - 55
de redes móveis. Para as faixas de pedestres, Cuong Le et al., (2012) propõem pis-
tas de detecção com marcadores utilizando manchas com estruturas probabilísticas usando vários sinais geométricos.
Os trabalhos de Wei et al., (2013) usam o ultrassom em um sistema de cão-
-guia robô para deficientes visuais, baseado em um sensor de joystick e sensores ultrassônicos. Lee et al., (2013) propuseram uma mochila inteligente para orientar o
deslocamento com segurança para a pessoa com deficiência visual usando sensores ultrassônicos para detecção de obstáculos
Alguns recursos individuais podem ser vistos em Bhatlawande, et al., (2014a)
que implantaram um sistema sob a forma de uma pulseira e de um cinto, uma câmera e um sensor de ultrassom ligados e um bracelete personalizado, respectivamente. Mahmud et al. (2014) também construíram um sistema de navegação para um ambiente interno e externo.
Sobre a tecnologia Smartphone para deslocamento externo, Peng et al. (2010)
apresentam um sistema de detecção de obstáculos em tempo real para a melhoria
da mobilidade para os deficientes visuais usando um Smartphone handheld. Tapu et al., (2013) apresentam um sistema de detecção e classificação em tempo real de
obstáculo concebido para ajudar as pessoas com deficiência visual a navegar com
segurança, no interior e ambientes ao ar livre, por meio de um aparelho Smartphone. Outros, como Guerreiro et al, (2012) usaram uma bengala branca aumentada com
várias luzes infravermelhas incorporadas, duas câmeras de infravermelho (embuti-
dos em uma unidade de Wiimotes), um computador com um aplicativo de software que coordena todo o sistema.
O trabalho de Kats et al., (2012) no projeto NAVIG (Navegação Assistida
por Visão artificial e GNSS) é direcionado para aumentar a autonomia pessoal por meio de um sistema de realidade virtual aumentada. O produto integra um sistema
de informação geográfica adaptada, com diferentes classes de objetos úteis para melhorar seleção de rota e orientação. A base de dados também inclui modelos de
objetos geolocalizados importantes que possam ser detectados por algoritmos de visão em tempo real que estão incorporados.
O módulo de visão do sistema, que é concebido pela NAVIG de Kammoun
et al., (2012), foi construído para extrair informação visual relevante a partir do
56 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
ambiente. O usuário é equipado com câmeras estereoscópicas montadas na cabeça, fornecendo imagens dos arredores. As imagens são processadas em tempo real por
um algoritmo de localização de objeto, com base no padrão de correspondência, chamado SpikeNet Vision (SpikeNet Technology, Inc.).
Alguns detectores usando LED podem ser vistos primeiro no trabalho de Fu-
nahashi et al., (2011) que apresentam uma comunicação tipo ‘sistema Luz Visível’ (VLC) por meio de um painel de sinal de LED, o que permite que o fornecimento
de informações de transmissão em espaços públicos. Villanueva e Farcy, (2012)
usam um orientador óptico ativo por meio de um LED e um fotodiodo como uma ajuda eletrônica de viagem para melhorar a mobilidade. Os resultados em configurações reais, tais como carros estacionados, árvores e caixotes de lixo, também
são apresentados nas respectivas publicações. Neste mesmo sentido, alguns autores utilizaram a tecnologia 2D e 3D. Dentre eles, Al-Fahoum et al., (2013) apresen-
taram um equipamento de vestimenta que consiste em um chapéu e um bastão para ajudar a pessoa cega a navegar sozinha e com segurança suficiente para evitar
quaisquer obstáculos fixos ou móveis. Hesch; Roumeliotis (2010) também usaram
um estimador de duas camadas que controla a orientação 3D da bengala branca na primeira camada, e a posição 2D da pessoa segurando a cana na segunda camada.
No trabalho de Bourbakis et al., (2013) é oferecido um modo alternativo de
interação com o espaço circundante 3D para os deficientes visuais. Neste trabalho, eles estudaram o espaço alternativo 3D onde a sensação do que é interpretado pelo
sistema protótipo de visão computacional é transferido para o utilizador por meio de uma matriz de vibração. Dunai et al., (2013) apresentam um dispositivo que consiste de um conjunto de sensores 3Dimensional constituídos por um par de óculos, fones de ouvido estéreo bem como uma matriz de portão de campo programável, utilizado como unidade de processamento.
Algumas pesquisas inusitadas também trouxeram resultados como o de Hong
et al., (2008) onde foi apresentado o desenvolvimento de um sistema que vai permitir que uma pessoa com deficiência visual possa operar com segurança um veículo
a motor. Karacs et al., (2008) desenvolveram um protótipo experimental de um par
de óculos biônico, apresentado como um dispositivo que ajuda deficientes visuais
CAPÍTULO III - 57
em tarefas básicas de sua vida cotidiana por meio da conversão de informação visual em fala.
Um sistema inovador de detecção de obstáculo foi apresentado por Bahadir et
al.,(2012) por roupa totalmente integrada às estruturas têxteis. É facilmente usado
como uma peça de vestuário que é flexível, leve e confortável para o corpo humano, bem como lavável. Ainda, Oswal (2012) apresenta os resultados de um estudo preliminar da acessibilidade e usabilidade de sistemas caixa automático fabricado para os deficientes visuais.
Os olhos de silicone de Prudhvi; Bagani (2013) que tem o objetivo de forne-
cer informações de navegação por meio de mensagens audíveis e haptic feedback,
usando SMS para ajudar os deficientes visuais a se localizarem onde estão. Xiao et
al., (2015) mostram um sistema Integrado de inteligência avançada na navegação. Este sistema requer o conhecimento das propriedades semânticas dos objetos no
ambiente ao redor do usuário. Essa interação é necessária para melhorar a comunicação sobre objetos e locais para melhorar as decisões de viagem.
Finalmente, Bhatlawande et al., (2014b) propuseram uma nova bengala do
tipo cana de mobilidade eletrônica (EMC) para fornecer detecção de obstáculos e
assistência para as pessoas com deficiência visual. A principal característica desta bengala é que ela constrói um mapa lógico do ambiente circundante e deduz a informação prioritária. Ortigosa e Morillas (2013) criaram um método para detectar
caminhos livres de obstáculos em tempo real e baseia-se na análise de mapas de disparidade obtido a partir de um sistema de visão tridimensional, que é realizada pelo usuário cego.
CONCLUSÃO Ao se questionar sobre o panorama atual da acessibilidade e mobilidade ur-
bana das pessoas com deficiência visual nas cidades inteligentes pode-se observar
que os autores que representam essa pesquisa não trataram do tema de forma direta. Contudo, o resultado da pesquisa mostrou que a maioria tratou do tema acessibilidade e mobilidade urbana quando houve a preocupação em desenvolver ferramen-
58 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tas para auxiliar os deficientes nos seus deslocamentos pelos ambientes internos e externos e nas suas atividades da vida diária.
Sobre o quadro encontrado segundo a ótica dos autores, pode se concluir que
há uma preocupação quanto à inclusão da pessoa com deficiência visual, por suas
limitações de mobilidade e adaptabilidade em algumas circunstâncias, existindo por parte da comunidade científica uma nobre inclinação no sentido de minimizar essas dificuldades. Neste sentido, os pesquisadores aqui citados, basearam seus
trabalhos fortemente nas Tecnologias Digitais, desde os mais diversos detectores, até os processadores e mediadores de comunicação, que compões as características
das Tecnologias utilizadas na configuração das cidades inteligentes. Nesta pesquisa, entretanto, apoiadas apenas nos recortes dos recursos experimentais, que tenderão
a resgatar a dignidade das pessoas com deficiência visual profunda, por meio da inclusão social pela via das TICs.
A abordagem das tecnologias da informação e comunicação (TICs) como
fator relevante na construção das cidades inteligentes deve ser contínua, pois trata-se de um fator primordial na questão da acessibilidade e mobilidade urbana e seu
efetivo emprego na construção de uma sociedade mais igualitária deve ser incentivado pela iniciativa pública e privada, não apenas por seu caráter humanitário, mas
também pela via do aproveitamento do grande potencial de trabalho que a deficiên-
cia visual desperdiça. Uma cidade inteligente, começa por atitudes inteligentes das pessoas que as planejam e realizam.
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64 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
CAPÍTULO IV - 65
CAPÍTULO IV A ECONOMIA CRIATIVA NA CIBERSOCIEDADE Adriana Landim Quinaud Tarcisio Vanzin
RESUMO As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) foram responsáveis pelo surgimento de uma nova forma de sociedade, a CIBERSOCIEDADE, que se caracteriza por sua ultra conexão com a internet. As potencialidades e oportunidades ofertadas pela rede abrem espaço também para novas formas de economia bem diferentes do paradigma capitalista tradicional. Agora os valores centram-se na criatividade e no conhecimento. A economia criativa aparece como uma fonte inesgotável de recursos e soluções. Isto é, a transformação da cultura da escassez para a cultura da abundância. Este capítulo busca exemplificar a interligação entre a economia criativa e a cibersociedade exaltando as características presentes em ambas, como o uso intensivo da Internet, o armazenamento em nuvem, as moedas digitais, a inteligência coletiva, o ciberespaço, o compartilhamento de conhecimento, entre outros. Não se espera esgotar o tema, pois se trata de conceitos ainda em construção e em constante evolução. A proposta é lançar um olhar sobre essas questões e produzir reflexões que possam dar condições de perceber as tendências que levarão a uma realidade futura. Na era industrial a expressão “tempo é dinheiro”, tinha grande expressão, mas hoje, na cibersociedade, uma nova expressão surge, em adição àquela: “conexão e atenção é dinheiro”. A rede passa a ser o elo entre pessoas e instituições e economia criativa é uma forma de dar atenção a esse processo de diferenciação da matéria ou da informação e de produção e consumo crescentes.
66 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
INTRODUÇÃO O atual estágio de desenvolvimento tecnológico, que é resultado da ciência
gerada pelo ser humano e de sua ação produtiva, vem acompanhado de transforma-
ções sociais tangidas pela própria tecnologia, por ele criada. As TICs têm um papel central nesse processo, pois disponibilizam conexões e informações que determinam os rumos da produção e do consumo.
O conceito de economia segundo Samuelson e Nordhaus (1993), pode ser
compreendido como a ciência que estuda a forma como as sociedades utilizam os
recursos escassos para produzir bens com valor e de como os distribuem entre os vários indivíduos. Esse conceito traz certas implicações como a ideia de que os bens
são escassos. Ou seja, não existem em quantidade suficiente para satisfazer plena-
mente todas as necessidades e desejos humanos e que a sociedade deve utilizar os
recursos de que dispõe de uma forma eficiente. Isto é, deve procurar alternativas para utilizar os seus recursos de forma a maximizar a satisfação das suas necessida-
des. Mas, as novas tecnologias digitais entregaram à humanidade duas inovações que estão transformando a sociedade contemporânea: o processo de digitalização de dados e a Internet.
Há um contraste entre o conceito de economia tradicional e o conceito que
Anderson (2006) propõe sobre uma nova economia online, resultante da conectivi-
dade, do acesso ilimitado e irrestrito a cultura e conhecimentos de todos os tipos. Este cenário coloca o amador e o profissional próximos do pé de igualdade. A valorização da sabedoria da multidão e o mercado de massa se convertem em mercado
de nichos na cibersociedade. Segundo o autor, essa nova economia apresenta três
forças: a democratização da produção, a democratização da distribuição e a ligação
entre a oferta e a procura. Com a Internet é possível medir padrões de consumo, inclinações, preferências do mercado de consumidores em tempo real e ajustar as condições rapidamente. Desse modo, passou-se da era da informação para a era da recomendação. As pessoas não se baseiam no que as marcas dizem, e sim nas opini-
ões que encontram no Google, nos comentários de blogs e nas resenhas de clientes, comparadas e avaliadas. Em outras palavras, é o poder da inteligência coletiva na
CAPÍTULO IV - 67
cibersociedade e da modelagem do perfil dos consumidores feitas por agentes inteligentes embarcados nos computadores.
Segundo Dowbor (2013) a era da tecnologia digital veio a transtornar o uni-
verso dos diversos tipos de intermediários. Mais precisamente, é a desintermediação pela presença e ação das TICs. Filmes criativos gravados em qualquer celular
encontram sucesso nas mídias sociais e passam a circular no planeta sem precisar da autorização de emissoras. Os artesãos das cidades do interior que vendiam seu
artesanato a baixos preços para serem revendidos a preços aviltados nas capitais. Passam a romper os bloqueios dos atravessadores e vendem, atualmente, direto pela internet. Livros indisponíveis nas livrarias aparecem online, disponíveis para um número incontável de leitores. Nas universidades surge o OCW (open course ware) que proporciona o acesso à ciência gratuita e fomenta a pesquisa, o edX, o MOOC e os recursos educacionais abertos. A mudança nas tecnologias da informação e da
comunicação (TICs), que abre estas e tantas outras oportunidades, está articulada
com mudanças tecnológicas mais amplas, que elevam o conteúdo de conhecimento dos processos produtivos e reduzem o peso dos insumos materiais que antes constituíam o fator principal de produção.
Castells (2003, p. 77) reconhece que por um lado, as empresas comerciais têm
acesso a um extraordinário volume de informação com a ajuda de armazenamen-
to magnético, processamento digital. Por outra via, a internet pode recombinar e aplicar para todos os fins e em todos os contextos. Essa realidade põe uma pressão
sobre o trabalho devido à economia digital, ou melhor, aquela que se dá através da rede, não poder funcionar sem profissionais capazes de navegar, tanto tecnicamente quanto em termos de conteúdo, organizando-o e transformando-o em conheci-
mento específico, apropriado para a tarefa e o objetivo do processo de trabalho. O autor completa que talento é a chave da produção em negócios mediados pelas
TICs e esse talento precisa ser desenvolvido num ambiente favorável, que agregue conhecimento estratégico para a sociedade digital ou cibersociedade: “Na economia
digital, os profissionais devem ser capazes de se programar em habilidades, conhe-
cimento e pensamento segundo tarefas mutáveis num ambiente empresarial em evolução” (Castells, 2003, p. 78).
68 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
A Primeira Revolução Industrial eliminou a escravidão e o trabalho servil,
a Segunda Revolução Industrial encolheu drasticamente o trabalho artesanal e a agricultura, a Terceira Revolução Industrial está provocando o fim da mão de obra em massa assalariada no setor de manufatura e serviços, e o fim da mão de obra especializada em grandes partes do conhecimento segundo Rifkin (2014). Desse
modo, a TI, a informatização, a automação, os megadados, os algoritmos e a inteli-
gência artificial incorporados à Internet das Coisas estão reduzindo rapidamente o custo marginal da mão de obra de produzir e entregar uma ampla gama de produtos
e serviços. A economia emergente com custo marginal próximo de zero muda radi-
calmente a noção de processo econômico. Os consumidores estão se tornando seus
próprios produtores, eliminando a distinção. Os prosumidores serão cada vez mais capazes de produzir, consumir e compartilhar seus próprios bens e serviços entre si
a um custo marginal decrescente, criando novas maneiras de organizar a vida econômica em substituição ao modelo tradicional capitalista.
De acordo com a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Feco-
mércio, 2010), multidisciplinaridade, diversidade, pensamento global, velocidade e compartilhamento são as principais características da era da criatividade, permeados pela presença da tecnologia e das mídias sociais digitais enquanto elemento ati-
vador. Cenário, este, característico da Cibersociedade como voraz consumidora de produtos inovadores cheios de novos apelos emocionais e de valores subliminares.
A ECONOMIA CRIATIVA NA CIBERSOCIEDADE A emergente sociedade da era dos supercomputadores e da internet pode ser
considerada como um novo modelo social. Segundo Morillo (2006) uma definição de cibersociedade poderia ser dada como um lugar em que fluem comunicações
eletrônicas; um espaço social estruturado a partir da informação virtual; um espaço invisível, mas ao mesmo tempo circundante que atravessa todas as áreas da vida humana. Uma nova sociedade em rede ou sociedade digital, ultraconectada que trata
de uma transformação relevante das mediações sociais com grande capacidade de
CAPÍTULO IV - 69
comunicação e muito conhecimento armazenado, o que representa uma forte vantagem competitiva no mundo dos negócios.
Novas formas de comunicação, diferentes formas de associação e relações so-
ciais, outras percepções em relação ao espaço, o ciberespaço, a busca por melhores formas de interação com os recursos tecnológicos. Tudo isso, proporcionado e
potencializado pela Internet que é a base da sociedade em rede (cibersociedade), segundo Castells (2003). A Internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui, na realidade, a base material da vida dos cidadãos e de suas
formas de relação no trabalho e na comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em um componente central da atual sociedade em rede (CASTELLS, 2003). No seio da cibersociedade está amadurecendo uma nova
geração de indivíduos com perfil empreendedor mais autônomo por estarem mais envolvidos socialmente. O resultado é que o “valor de troca” no mercado está sendo substituído pelo “valor de compartilhamento”, que é uma característica tanto da economia criativa quanto da cibersociedade.
Segundo Rifkin (2014) centenas de milhões de pessoas estão transferindo
partes de sua vida econômica de mercado capitalista para bens de consumo colaborativos globais. Os prosumidores21 não apenas produzem e compartilham informações, entretenimento, energia renovável, imprimem em 3D e frequentam cursos
online abertos, como também compartilham carros, casas e até roupas em sites de
mídia local. Essas são apenas algumas das características que compõe um escopo mais amplo denominado cibercultura que vem provocando profundas mudanças na nessa nova sociedade movida pelo cibermercado.
Para Lemos (2003) o termo cibercultura apresenta problemas na sua própria
definição, pois possui sentidos diversos. Pode ser compreendido como a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas
tecnologias de base microeletrônica digital, surgidas com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70. Desse modo, a cibercultura é a
21 A denominação prosumer foi utilizada pela primeira vez por Alvin Toffler no livro A Terceira Onda (1980). Esse termo foi aplicado para descrever um fenômeno em que os consumidores não são limitados à sua função de consumidores, mas que se tornam também produtores ou cocriadores.
70 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais que estão presentes tanto na economia criativa quanto na cibersociedade.
Criatividade e inovação, para Himanem (2005), são os fatores-chave da cria-
ção de valor e da mudança social nessa sociedade, o que reforça as interligações entre a economia criativa e cibersociedade. Segundo este autor, sob as pressões da
competição internacional das taxas, impostos e da nova divisão global do trabalho, os países desenvolvidos podem apenas confiar na técnica e na criatividade, já que
os trabalhos e a produção de rotina não competem com os mercados asiáticos mais competitivos. Os países desenvolvidos precisam reforçar a produtividade através da
inovação e assim, a criatividade passa a ser o recurso que torna possível o aumento do valor agregado e a melhoria na eficiência da produção. Isto é, têm que procurar
ativamente novas áreas de atividade econômica em que a criatividade possa fazer a diferença. Assim, a economia criativa pode ser fortalecida examinando as oportuni-
dades do setor cultural (incluindo música, televisão, cinema, jogos de computador, literatura, design e materiais de aprendizagem) e o setor do bem-estar (inovações relacionadas a reforma da sociedade do bem-estar, biotecnologia e geriatria, que
ajudam as pessoas idosas a viverem com independência) para que se possam tornar novos desafios para a economia criativa, juntamente com o setor da TI.
A interação entre as TIs, cultura e bem-estar, vai também gerar novas oportu-
nidades. O setor de bem-estar, que inclui cuidados de saúde, medicina, entre outros é um negócio ainda maior e que continua em crescimento, por exemplo, por causa
das invenções biotecnológicas e envelhecimento da população. Contudo, o sucesso
nessas áreas, dentro da competição global, requer investimentos crescentes em atividades de P&D.
Richard Florida combinou a economia criativa com o conceito de classe cria-
tiva. De acordo com o autor, esta classe em ascensão consiste em diversos tipos
de pessoas, como investigadores, engenheiros, produtores de cinema, produtores de media, artistas, designers, arquitetos, médicos, professores, analistas, advogados
e gestores. Contudo, não se deve confinar a economia criativa a uma só classe de profissões criativas. Robert Reich mostrou que os trabalhos de serviço pessoal baseados na interação, constituem outro grupo extenso de trabalhos, juntamente com os trabalhos simbólico-analíticos, semelhantes aos mencionados por Florida.
CAPÍTULO IV - 71
As profissões de serviços formam um importante fator da economia. A criati-
vidade da interação tem sido vista como outra importante forma de criatividade, à qual se deve prestar atenção. O trabalho baseado na interação aumenta a produtividade, melhora a qualidade do trabalho e proporciona importantes oportunidades de
emprego, mesmo para aqueles que têm um baixo nível acadêmico na cibersociedade. Himanen (2005) chama a atenção para o fato de que a economia criativa deve
ser percebida como uma ideia que penetra todos os setores da economia. Setores
que tradicionalmente têm sido fortes e se mantêm assim, de forma que até a sua produtividade pode ser melhorada através de algumas inovações. Competências tradicionalmente manuais também requerem criatividade. Os setores descritos são parte de uma economia que se baseia numa criatividade extensiva. Assim, o sucesso
da economia criativa, na competição global, depende da forma como o sistema de contribuições e impostos encoraja este tipo de atividade.
Os impostos têm de criar postos de trabalho, empreendedorismo e criativida-
de e ainda a possibilidade de financiar o bem-estar da sociedade. Não apenas o Governo deve encorajar à criatividade, mas as empresas também têm que criar espaços para ela, através de uma cultura de gestão e de trabalho que a promova.
A era industrial criou uma cultura de gestão baseada no tempo, que por sua
vez era baseada no controle, ao passo que na cibersociedade a economia criativa
requer uma cultura de gestão baseada na obtenção de resultados e que crie um
espaço para a criatividade individual e coletiva. Na cibersociedade colaborativa os direitos de propriedade abrem espaço para compartilhamento aberto. O domínio é
menos importante que o acesso e os mercados são substituídos por redes. Jenkins (2009, p. 50) atenta para o fato de que os consumidores estão aprendendo a utilizar as multiplataformas para interagir, provocando expectativas de um fluxo mais livre de ideias, destacando a construção de uma inteligência coletiva, da qual fala Lévy (2000, p. 28) e tão característica da cibersociedade.
Para Pierre Lévy (2000, p. 28-30), os outros são fonte de conhecimento e
existe uma inteligência coletiva, capaz de mobilizar competências. A inteligência
está distribuída por toda parte e é altamente valorizada, especialmente por meio de sua coordenação em tempo real. Essa situação parece ser facilitada pelo uso da in-
ternet e pelo amplo acesso às mídias sociais digitais. Nesse contexto, surgem novas
72 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
formas de trabalho, conforme aponta Castells (2003, p.82). Ou seja, “flexibilidade no trabalho, padrões variáveis de emprego, diversidade das condições de trabalho e individualização das relações de trabalho são características sistêmicas dos negócios eletrônicos” online.
A figura 1 ilustra de forma clara algumas das características específicas com-
partilhadas pela economia criativa e cibersociedade.
Figura 1 – Características da Economia Criativa na Cibersociedade
Fonte: Elaborado pelos autores.
DA INDÚSTRIA À ECONOMIA CRIATIVA: A CRIATIVIDADE COMO FATOR ECONÔMICO A Economia Criativa (EC) é um conceito plural, impreciso e ainda sem fron-
teiras definidas. Não há uma classificação teórica consensual, inclusive quanto aos
setores que a compõem. É considerada um termo em construção, portanto, a economia criativa é distinta de paradigmas econômicos, passados com uma única defini-
ção. Cada país pode escolher uma estratégia diferente e uma estrutura industrial de acordo com o seu nível de desenvolvimento econômico e seus pontos fortes.
Para Reis (2008) a economia criativa parece tomar de outros conceitos traços
que se fundem, como por exemplo, da chamada economia da experiência reconhece
CAPÍTULO IV - 73
o valor da originalidade. Dos processos colaborativos, toma a prevalência de aspectos intangíveis na geração de valor, os quais são fortemente ancorados na cultura e
na diversidade. Da economia do conhecimento toma a ênfase no trinômio: tecnologia, mão de obra capacitada e geração de direitos de propriedade intelectual. Isto
pode explicar porque para alguns autores (KNELL; OAKLEY, 2007) os setores da economia criativa integram a economia do conhecimento, muito embora esta não
dê à cultura a ênfase que a economia criativa lhe atribui. A economia da cultura
propõe a valorização da autenticidade e do intangível cultural único e inimitável, abrindo oportunidades para aspirações dos países em desenvolvimento de ter um recurso abundante.
O potencial dos indivíduos, dos grupos e das coletividades são o ponto de
partida para a efetivação da economia criativa, distanciando-se das formas con-
vencionais de mobilização econômica como a agricultura, indústria e comércio. As cidades criativas representam uma peça central no movimento do comércio em termos globais com relação à economia criativa, pois operam na dinâmica da eco-
nomia, criando uma rede de cooperação e reposição de talentos em todo o mundo. O surgimento e fortalecimento dessas cidades criativas transforma o próprio am-
biente onde se situam e promove uma dinâmica própria para esse setor de atividade (Landry, 2013).
De Marchi (2014) afirma que o conceito central dessa economia implica uma
rearticulação entre cultura, economia e sociedade. Nesse novo modelo há uma mu-
dança de paradigmas a partir da reconfiguração das forças, dos modos de produção e distribuição e de uma lógica intrínseca na qual a capacidade criativa em si passa
a ter papel tão ou mais relevante que o próprio capital. O autor ressalta a criatividade como elemento-chave para a promoção de um desenvolvimento “socialmente
inclusivo, ecologicamente sustentável e economicamente sustentado” (De Marchi, 2014, p. 195), com potencial de inovar a partir de um saber local e agregar valor a
bens e serviços. Desse modo, o Relatório da Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e Desenvolvimento (Unctad, 2008) posiciona a economia criativa como estratégica para um comércio internacional mais justo, uma vez que, diferentemente
de commodities ou do outsourcing, qualifica bens e serviços com valores prioritariamente agregados. Em uma perspectiva social, a diversidade cultural passa a ser
74 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
compreendida não apenas como bem imaterial, mas como “um ativo econômico
capaz de construir alternativas e soluções para novos empreendimentos, para um
novo trabalho, finalmente, para novas formas de produção de riqueza” (Minc, 2011, p. 19-20). O Ministério da Cultura aponta ainda outros três princípios norteadores da economia criativa: a sustentabilidade, a inclusão social e a inovação.
Essa economia, como qualquer outra, precisa de um mercado, e o principal
mercado da economia criativa são os espaços públicos. Segundo Reis (2007, p. 311), a economia criativa envolve governo, setor privado e sociedade civil em um pro-
grama de desenvolvimento sustentável que utiliza a criatividade para se inspirar nos valores culturais intangíveis de um povo, gerar localmente e distribuir globalmente bens e serviços de valor simultaneamente simbólico e econômico. O desen-
volvimento, a partir dos princípios da economia criativa, permite que as cidades se desenvolvam potencializando suas experiências identitárias e contextuais com o auxílio na iniciativa pública e privada.
No contexto de uma agenda de desenvolvimento global pós-2015 a econo-
mia criativa é apresentada pelo Relatório de Economia Criativa da ONU (2013) como um motor de desenvolvimento com atividades advindas dos setores de cul-
tura, tecnologia e inovação. A EC mostra-se uma poderosa força transformadora
“reconhecida não só pelo seu valor econômico, mas também cada vez mais pelo papel na produção de novas ideias ou tecnologias criativas e pelos seus benefícios
sociais não-monetários” (Relatório de Economia Criativa, 2013, p. 11). Dessa for-
ma, a economia criativa ultrapassa as fronteiras das artes, cultura e conectividade, englobando aqueles que dependem de inovação, diversos tipos de pesquisa, de software e impulsionando novos modelos de negócios. Assim, inovar pode influenciar
positivamente o desenvolvimento e a competitividade de empresas, regiões e países. Ainda segundo esse relatório, as atividades e empresas desse setor trazem resultados benéficos para a economia como geração de empregos e renda, para a área social
na construção de um diálogo intercultural, para a área cultural no engajamento, participação cultural e atividades criativas e na área ambiental em que a economia criativa faz a união entre cultura e desenvolvimento sustentável por meio de estratégias de educação e engajamento de pessoas.
CAPÍTULO IV - 75
A economia criativa desponta como um conjunto de atividades econômi-
cas ligadas às artes, à cultura, às novas mídias e à criatividade em geral, tem forte conteúdo de intangíveis e requer habilidades especiais da força trabalho, além de apresentar estreita relação com os avanços científicos e tecnológicos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) as atividades econômicas criativas encontram-se no cruzamento das artes, da cultura, dos negócios e da tecnolo-
gia, compreendendo o ciclo de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizam o conhecimento e a criatividade como seus principais inputs (United
Nations Conference on Trade and Development [UNCTAD], 2010). John Howkins
(2005) concluiu que uma economia criativa seria a relação entre criatividade, o
simbólico e a economia. Independente da definição das indústrias, o conjunto das
atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico, como, por exemplo, do conhecimento e da criatividade, geram um tipo de economia.
A criatividade constitui o fator mais expressivo para a produção de bens e
serviços. Com o desenvolvimento das indústrias, a economia criativa pode levar à criação de empregos, à diversidade e ao desenvolvimento humano e, como consequência, ao aumento na geração de renda. A economia criativa seria, então, uma abor-
dagem holística e multidisciplinar, incitando a interface entre economia, a cultura e a tecnologia, centrada na predominância de produtos e serviços com conteúdo criativo, valor cultural e objetivos de mercado, resultante de uma mudança gradativa de paradigmas.
A EC começou a ser valorizada no âmbito internacional a partir do exemplo
britânico no ano de 1997, quando o potencial econômico dos produtos e bens criativos passou a ser considerado pelo poder público e empresas privadas através da
elaboração de programas de Economia Criativa (REIS, 2008). No cenário nacional, a importância da Economia Criativa foi percebida quando dados do Ministério da Cultura [MinC] (2011) apontaram que, apesar da diversidade cultural e poten-
cial criativo, o Brasil não estava entre os 10 primeiros países em desenvolvimento, produtores e exportadores de bens e serviços criativos. No entanto, mesmo pos-
suindo maior visibilidade, a área da Economia Criativa ainda possui desafios de planejamento e distribuição de recursos (MINC, 2011). Nesse contexto, os avanços
76 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tecnológicos representam uma possibilidade de superação dos desafios de insustentabilidade financeira.
De acordo com Fontoura (2012), em anos atrás, a colaboração e os projetos
criativos estavam em decadência. No século XX, por exemplo, devido à urbaniza-
ção e a diminuição da segurança pública, as pessoas não utilizavam o tempo para praticar atividades coletivas e sociais com grandes grupos, mesmo possuindo tempo livre (FONTOURA, 2012). Entretanto, através do crescente desenvolvimento e
difusão da internet, a possibilidade de participação se tornou mais ampla. Além
disso, a sociedade está passando por um processo de transição, no qual a cultura da participação, favorecida pelas TICs, está ganhando força através do aumento da quantidade de ferramentas que estão relacionadas com a vontade que as pessoas
possuem de interagir e compartilhar informações entre si (FONTOURA, 2012). O autor aponta que o público passou a procurar, predominantemente, por situações nas quais possa colaborar coletivamente e ainda receber benefícios. A moeda na sociedade e na cibersociedade Muitas oportunidades dentro deste campo surgem em pequenas ações e em
micro-empreendimentos, que se viabilizam através da rede mundial e de ações de inteligência coletiva. Alguns exemplos de economia criativa que caracterizam a cibersociedade, como o crowfunding, a internet das coisas, bens comuns abertos
(Linux, Wikipédia, Napster e o YouTube), copyleft, a licença creative comuns, novas
formas de trabalho, rankings de reputação e moeda dos bens comuns. Para Rifkin (2014) a moeda que uma sociedade usa para que seus membros negociem bens e serviços entre si é um bom indicador de seus valores.
A origem da moeda está diretamente ligada às trocas. Os agentes econômi-
cos permutam seus bens e serviços com a finalidade de aumentar sua satisfação. Quando dois indivíduos realizam uma transação econômica, ambos esperam se
beneficiar, já que atribuem mais valor ao bem ou serviço recebido do que àquele que
abrem mão (ROTHBARD, 2012). Assim, a moeda é uma instituição social que
evolui conjuntamente com a sociedade, sendo facilmente adaptável às alterações, sobretudo ao desenvolvimento tecnológico. No decorrer do desenvolvimento da
CAPÍTULO IV - 77
sociedade, diversos bens assumiram o papel de moeda, as chamadas moedas-mer-
cadorias, como por exemplo, ferro, sal, conchas, açúcar, gado e, com a evolução dos mercados, os metais preciosos, principalmente ouro e prata, dadas suas caracte-
rísticas, foram espontaneamente escolhidas pelo mercado (METRI, 2007, ECB, 2012). Desse modo, a capacidade de o bem trazer utilidade a todos é o que tornava a moeda confiável.
De acordo com Previdi (2014) após um longo período de crises financeiras
e guerras, a maioria dos países adotou as moedas de curso forçado garantidas por lei, isto é, a autoridade governamental determina por decreto que a moeda possui valor. Contudo, paralelo à moeda oficial, surgem às moedas sociais, que são meios
de troca criados na esfera privada, geridos por seus próprios usuários, utilizados na
própria comunidade e não reguladas diretamente pelo governo. A gestão da moeda pelos usuários é identificada por Soares (2006) como uma característica das moedas sociais, bem como a confiança do grupo que garante “valor” ao meio de troca
e a continuidade dos intercâmbios futuramente. Outro aspecto diferencial destas
moedas é a não existência de juros. Apenas os juros negativos são atribuídos, como punição pelo entesouramento.
Com a internet e o avanço tecnológico das TICs, o mercado financeiro pas-
sou por um processo de digitalização, em que grande parte das movimentações
financeiras ocorre no meio virtual. Dessa maneira, o sistema monetário atingiu o
que Gremaud et al (2004, p. 321) chamam de “moeda sofisticada”. Essas moedas
tornaram-se um conjunto de registros eletrônicos representativos de outros ativos, e grande parte das transações ocorrem em terminais de autoatendimento ou por meio da internet, reduzindo o uso de moeda manual e cheques.
As comunidades virtuais formam um ambiente propício ao surgimento de
meios alternativos de pagamento. Para Rifkin (2014) moedas alternativas surgiram em algumas regiões da Europa mais afetadas pela a Grande Recessão. Nas regiões
onde o desemprego é alto, empreendedores sem fins lucrativos têm criado sites na Internet para conectar pessoas com competências para prestar serviços àqueles que
as necessitam. As micromoedas se transformaram no novo mecanismo de troca, colocando trabalhadores de volta ao mercado. Desse modo, nasceram as moedas virtuais que são uma forma de meio de troca digital, desmaterializado e descentrali-
78 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
zado. Esse sistema de moedas apresenta características que podem trazer benefícios à cibersociedade e a economia criativa, sendo o principal deles, a redução nos custos financeiros. Mas por outro lado, o seu surgimento trouxe questionamentos quanto ao enquadramento como moeda ou sistema de pagamento, à ausência de uma au-
toridade central, à falta de regulação, à volatilidade, à possibilidade de tratar-se de
uma pirâmide financeira, ao envolvimento com atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, armas, financiamento de atividades terroristas, lavagem de dinheiro, en-
tre outros, devido a sua forte criptografia. Ou seja, o anonimato. As criptomoedas
surgiram recentemente, no contexto de jogos de computador e nas redes sociais. Entretanto, com o tempo, passaram a participar de transações no mundo real.
Para Rifkin (2014) enquanto as moedas sociais têm se proliferado em comu-
nidades locais, moedas alternativas globais que ultrapassam fronteiras se multiplicam na Internet. É o caso do Bitcoin uma rede de moeda com milhões de unidades
em circulação na Internet. Segundo seus criadores Amir Taaki e Donald Norman, a ideia de cria-lo veio quando estavam em Amsterdã e um amigo da Inglaterra pediu que lhe enviassem dinheiro urgente. As duas únicas opções cobravam uma taxa de
20% a 25% pela transferência. Assim, é lançado em 2009 o Bitcoin como uma forma
de contornar a taxa. Atualmente é o maior sistema de moeda virtual e de pagamen-
to baseado em uma rede peer-to-peer, de código aberto, sem uma autoridade central
responsável pelo suprimento de dinheiro, sem uma câmara de compensação central (clearing house), sem instituições financeiras envolvidas nas transações. Os próprios
usuários desempenham todas as funções necessárias para transacionar os recursos
(ECB, 2012, BRITO; CASTILLO, 2013, ULRICH, 2014, ŠURDA, 2012, ALI et al, 2014, NAKAMOTO, 2008).
Os usuários do sistema Bitcoin não precisam revelar suas identidades, já que as
transações são feitas através de uma carteira digital no computador, telefone celular
ou outro dispositivo, identificando o pagador e o recebedor apenas por códigos alfanuméricos. Seu grande diferencial está no registro público de transações – chamado
de block chain, já que todos os usuários mantêm uma cópia em seus computadores, tornando o sistema completamente descentralizado. O limite da oferta monetária é conhecido desde o surgimento, e, gradativamente, os Bitcoins são lançados na rede
através do processo chamado de “mineração” (BRITO; CASTILLO, 2013, ULRI-
CAPÍTULO IV - 79
CH, 2014, ECB, 2012). Além do Bitcoin, outras criptomoedas estão, atualmente, circulando na rede, como a Ethereum, a Monero, a Dash e a Z-Cash. Os principais pontos em comum dessas moedas digitais são o anonimato, que facilita transações
escusas e a confiança como esteio de sua existência. Com relação a isso, recente-
mente a criptomoeda Ethereum sofreu uma crise de credibilidade que fez seu valor quase desaparecer. Todavia, como inovação, trata-se de um questionamento ao conceito de dinheiro. Desta feita, buscando uma adequação às novas características em rede do mercado globalizado.
Uma solução moderna, típica criação da cibercultura, colaborativa, aberta e de
fácil acesso é o crowdfunding, ou financiamento coletivo. O termo em inglês deriva do crowdsourcing, prática que busca na crowd (multidão) maneiras de criar ideias
e resolver problemas de forma participativa. Nesse sentido, a rede mundial tem um papel central no processo. No crowdfunding, que pode ser traduzido literalmente
como “financiamento pela multidão” e utilizado no Brasil como “financiamento
coletivo”, a multidão seria acionada para colaborar financeiramente com projetos de diversas ordens. Os projetos de Economia Criativa possuíam apenas a opção de
financiamento através dos editais públicos. Entretanto, as possibilidades de finan-
ciamento para esses projetos cresceram nos últimos anos. No Brasil a partir de leis de incentivo, as empresas privadas também passaram a financiá-los. Além disso, as inovações tecnológicas possibilitaram que novas alternativas para o financiamento
surgissem. O financiamento coletivo virtual está muito ligado à economia criativa
e funciona como um portal para as indústrias criativas (FRANÇA, 2012). Afinal,
o crowdfunding está fortemente relacionado à inovação e ao uso da criatividade, além de utilizar a internet como veículo principal e as redes sociais como meio de
interação com os investidores, e proporcionar uma maior aproximação entre o consumidor e o produtor. Portanto, é uma iniciativa alternativa que possibilitou uma
maior participação da sociedade no financiamento de projetos culturais (FRANÇA, 2012). Seu conceito é derivado do termo Crowdsourcing, ou seja, “forma como
Jeff Howe se referiu, em artigo publicado na revista Wired (2006), às possibilidades
de melhoramento de um produto através da participação de muitas pessoas, não necessariamente especialistas” (FRANÇA, 2012, p. 15). Assim, consiste em uma
nova modalidade do financiamento coletivo que foi reformulada a partir das TICs
80 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
e os avanços tecnológicos (FRANÇA, 2012). Para a área da economia criativa, o crowdfunding é considerado um elemento chave, já que permite que a produção
artístico-cultural vá além do fomento oferecido pelos editais públicos (FRANÇA, 2012).
Para Rifkin (2014) o paradigma capitalista, aceito como o melhor mecanismo
de organização da atividade econômica por muito tempo, está sob cerco em duas
frentes. Na primeira, uma nova geração de cursos interdisciplinares que une cursos
antes distintos e desafia a teoria econômica padrão. Na segunda, uma nova plataforma tecnológica surge combinando a Internet das Comunicações com a Internet
da Energia digitalizada e uma Internet de Transportes e Logística automatizada. O resultado é uma infraestrutura inteligente do século 21, a Internet das Coisas
(IdC). Nela, cada tecnologia se interliga a outra e juntas compõem o paradigma do
novo organismo econômico. Para a melhor compreensão, sem comunicação, não se administra a atividade econômica. Sem energia, não há informação ou não se pos-
sibilita o transporte. Sem transporte e logística, não se move a economia ao longo da cadeia de valor. Assim, para o autor a IdC envolve os ambientes, construído e
natural, numa rede operacional que permite que cada ser humano e cada coisa se comuniquem entre si para encontrar sinergias e facilitar interconexões que otimizem a eficiência termodinâmica da sociedade e o bem-estar do planeta.
Rifkin (2014) acrescenta que a IdC é a “alma gêmea” de um modelo emer-
gente de bens comuns colaborativos que segue a lógica operacional de otimizar a produção lateral em pares, o acesso universal e a inclusão. Seu propósito é estimu-
lar a cultura do compartilhamento, pois a IdC permite a bilhões de indivíduos se
engajarem em redes sociais e criarem, juntos, oportunidades e práticas econômicas
que constituem a vida na emergente sociedade dos bens colaborativos em comuns. Essa plataforma transforma cada indivíduo em um “prosumidor” e cada atividade
em uma colaboração. A natureza distributiva e interconectada da IdC aprofunda
o engajamento empreendedor do indivíduo em proporção direta à diversidade e à força de suas relações colaborativas na economia social.
CAPÍTULO IV - 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS A criatividade sempre foi importante para o avanço da tecnologia como res-
posta às necessidades humanas. A invenção da roda, o domínio do fogo, a escrita e tudo o que foi construído para ampliar as características inatas dos indivíduos e
auxilia-los na solução dos seus problemas de sobrevivência no meio hostil. Foi a
capacidade criativa do ser humano, inexistente nos demais animais, que deu causa
ao desenvolvimento dos utensílios, máquinas e toda gama de tecnologias existentes atualmente, principalmente as TICs, que dão suporte a cibersociedade. Esta, imersa também no comportamento consumista dos indivíduos que compartilham valores
e consomem novidades e produtos que, mais do que atender necessidades básicas, atendem as novas necessidades emocionais, decorrentes de fantasias e de valores
que propiciam a desejada ‘diferença’ no confronto com os demais indivíduos membros dessa sociedade fluída e efêmera. O consumo de novos produtos é um desejo
construído como subproduto da interconexão possibilitada pela rede mundial. A Economia criativa é cambiante e dinâmica, mas, acima de tudo é consequência do meio e do momento.
A transformação das condições originais do meio ambiente para atender as
necessidades dos seres humanos foi tal que adquiriu a dinâmica própria da reconfi-
guração e redefinição de tudo. Como resposta, novas tecnologias, novas formas de viver em sociedade e uma gama infinita de novos produtos. Vencer nesse cenário onde o real e o virtual se confundem, requer um perfil de ser humano capaz de ir além daquilo que existe, capaz de produzir e produzir cada vez mais e cada vez me-
lhor. Esta é a demanda da Economia Criativa. Este é o desafio a que está exposto o cibercidadão.
Marshal McLuhan dizia que quando uma coisa é atual, ela cria uma moeda.
Assim, a economia criativa pode ser associada à geração Y, ao empreendedorismo, a empresas de tecnologia e a incubadoras. Essa economia criativa é, por fim, uma forma de dar atenção a esse processo de diferenciação da matéria, da informação e de valorização do presente com uma perspectiva prometeica do futuro, onde o
82 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
indivíduo conectado é um ator relevante na construção de um devir que busca o bem-estar social.
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CAPÍTULO V - 85
CAPÍTULO V AS GUERRAS NOS JOGOS: CONHECIMENTO HISTÓRICO E REPRESENTAÇÃO NA INTERATIVIDADE DIGITAL Rafael Arrivabene Tarcísio Vanzin
RESUMO Os jogos digitais, que hoje povoam a internet, correspondem a uma das características mais marcantes da Cibersociedade, expondo a mudança de hábitos dos cidadãos, proporcionada pelos recursos oferecidos pelas tecnologias digitais. Suas espécies e tipos são variados e, na sua base, encontram-se os conhecimentos e valores sociais que se mostram nas regras e nos comportamentos dos autores dos jogos. Esses aspectos, ao serem analisados, expõe as culturas das quais emergiram os game designers que lhe deram existência. Assim, este capítulo aborda especificamente os Jogos de Guerra, em especial alguns premiados, nos quais é possível o reconhecimento desses valores tanto por serem conhecidos dos players, por sua vivência social, quanto por serem contrastantes. Assim, busca-se, aqui, uma reflexão sobre os efeitos dessa convivência com o cenário dentro do qual se desenvolve o jogo e seus possíveis efeitos na vida real dos consumidores em suas sociedades.
CIBERCULTURA Vive-se numa era de conhecimento. A sociedade do novo milênio é uma so-
ciedade em rede, onde comunidades e indivíduos de todo o mundo estão conectados através das Tecnologias de Informação e Comunicação. É uma comunicação global
que transcende as fronteiras tradicionais (CASTELLS, 2006). A grande media-
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ção, característica da cibersociedade se vale de todas as formas de linguagem para maximizar o compartilhamento de informações e conhecimentos. Tem-se acesso
a inúmeras fontes históricas que revelam informações do passado. A flexibilidade
e a interatividade da comunicação digital parecem ser cada vez mais inclusivas, o que permite a correlação ou o confronto de vozes e perspectivas diversificadas. O indivíduo na cibersociedade consegue selecionar, filtrar e acessar este conhecimento
preservado. Hoje em dia, uma comunidade pode conhecer melhor sua própria história, além de poder conhecer também a dos outros.
Tal comunicação pervasiva dilui as fronteiras políticas e geográficas, o que
possibilita o surgimento de uma nova sociedade que compartilha seu conhecimento
de forma difusa e rizomática, de muitos para muitos. Algo que seria inimaginável nos séculos passados. A evolução da comunicação, recentemente incorporada nos
computadores, Smartphones e na Internet, modificou atividades diárias, comporta-
mentos sociais e formas de auto-expressão. À medida em que a tecnologia se torna mais acessível, cria novas possibilidades de inclusão digital e diversidade. Ao ser
capaz de produzir e compartilhar conteúdos, uma variedade de indivíduos e comu-
nidades podem criar novos tópicos e assuntos e, consequentemente, contribuir para construir uma visão mais diversificada da própria história.
Assim é a cibersociedade. Uma comunidade conectada pelos meios de comu-
nicação digitais e em rede, que constrói realidades culturais a partir do compartilha-
mento e feedback instantâneo que tais tecnologias permitem. A internet das coisas, a robótica e inteligência artificial cada vez mais presentes no cotidiano, tornam
a experiência da interatividade mediada por sistemas digitais, o novo normal. Se
as crianças de 1917 ficavam encantadas em ver o improvável equilíbrio dinâmico de um peão a rodar, as crianças de 2017 se divertem controlando o robô BB-8 da
franquia Star Wars (figura 1), que, com o auxílio de um giroscópio e sensores, rola
por superfícies mas evita inteligentemente as beiradas altas. Se as crianças de um século atrás iam para rua brincar de pega-pega, as do novo milênio vão em busca de
pokemons, que a partir de um sistema de geolocalização integrado a um aplicativo de realidade aumentada, exibe na tela do Smartphone um animal virtual sobreposto
ao ambiente real da cidade. Se naquela época as Olimpíadas celebravam os esportes
CAPÍTULO V - 87
físicos, nesta época o comitê olímpico já cogita a inclusão dos esportes eletrônicos para os jogos de 2024 (GRAHAM, 2017). Figura 1. Peão e BB-8
Fonte: SpheroTM
Pekka Himanen, filósofo da ética hacker, afirmou que a economia na socieda-
de da informação cresce em direção à cultura. As indústrias culturais são afetadas e
impulsionadas pela convergência tecnológica (HIMANEN, 2006, p.349). Tal qual o cinema nos anos 40 e 50, os videogames são hoje em dia uma das maiores indús-
trias de mídia. Dados da Entertainment Software Association (ESA, 2016) revelam
que nos Estados Unidos, até 2015, o consumo de videogames por si só representou US$ 23,5 bilhões. Nos EUA, perto de 63% das casas têm pelo menos um jogador
regular, geralmente um adulto com uma idade média de 35, dos quais 31% são mulheres. Mais de metade dos usuários acreditam que este é o melhor investimento quando se trata de lazer. No brasil o contexto é semelhante, embora os valores sejam
menores. Atualmente mais de 70% dos brasileiros jogam jogos eletrônicos em mais de um tipo de dispositivo, mais de 60 milhões de internautas brasileiros afirmam
jogar algum jogo digital, assim movimentando mais de R$ 600 milhões por ano no mercado nacional (SIOUX et al. 2017, GEDIGAMES, 2014).
Na sociedade moderna, entretenimento configura um ativo valioso, no qual
muitas pessoas investem seu tempo livre e suas economias. Neste cenário, a indús-
tria de videogames prosperou e alcançou picos de audiência e poder econômico. Portanto, espera-se que este tipo de mídia, original do século 21, se torne uma tela
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para a expressão cultural, assim como outros meios anteriormente o foram. Ao expressar seus valores, desenvolvedores e artistas podem ajudar a construir um senso
de identidade e pertencimento, o que fortalece crenças e comportamentos através de materiais simbólicos (TUBELLA, 2006, p.228).
A (CIBER)CULTURA DA GUERRA Mesmo com todos esses avanços, as guerras e os conflitos armados ainda com-
põem grande parte da realidade cotidiana do mundo. A violência sobre o adversário, engendrada pela disputa de poder entre as partes, parece ser uma característica intrinsecamente humana. É fato que o poder de subjugar os outros foi um dos
motores que levou a muitas mudanças econômicas e sociais na história humana. A manutenção da vantagem militar impulsionou muitos avanços científicos e tecnológicos. Os efeitos da guerra, portanto, ultrapassam seus objetivos defensivos e
ofensivos primários e se espalham para áreas como a indústria, a economia, a religião e a cultura.
A guerra habita a imaginação das pessoas há séculos e tem sido representada
em muitas formas artísticas e de expressão. Cada tipo de representação traz caracte-
rísticas de seu próprio tempo e visões de seus autores. As vitórias heroicas dos faraós
egípcios são representadas e preservadas pelas gravuras de seus templos. O poema indiano, Mahabharata , assim como a Ilíada grega, contam histórias épicas de suas
nações, misturando fatos com mitos. Os trovadores europeus cantavam histórias
do cavalheirismo, mas também os feitos vergonhosos de seus nobres guerreiros. As canções afro-americanas tradicionais expressam dor e tristeza da escravidão, enquanto o quadro Guernica de Pablo Picasso representa os horrores e a natureza surreal da guerra pelo ponto de vista de suas vítimas.
Há também uma conexão histórica entre jogos e guerras. Um dos primeiros
jogos de tabuleiro, o indiano Chaturanga, simbolicamente reproduz o conflito entre
dois exércitos, retratando os rajás cercados por seus soldados, cavalos e elefantes. A versão chinesa do jogo acrescenta canhões, que representam suas conquistas téc-
nico-militares, enquanto a versão européia do jogo, conhecida como Xadrez, exibe
CAPÍTULO V - 89
a realeza e o clero defendendo seus castelos. As melhorias técnicas de fabricação
permitiram que essas representações se tornassem mais icônicas do que simbólicas, no sentido de que sua aparência pode transmitir mais informações sobre o sistema
representado do que poderiam simples peças pretas e brancas. Depois das duas Grandes Guerras, o jogo La Conquête du Monde, de 1950, atualmente conhecido como War (GROW, 1972) no Brasil, trouxe o conflito para uma escala global ao introduzir um mapa cartográfico no lugar do um tabuleiro abstrato. Edições recen-
tes deste jogo vêm com soldados em miniatura de plástico, tanques e aviões, o que transmite ainda melhor as funcionalidades de tais peças.
Da mesma forma, à medida que as capacidades de processamento gráfico do
computador aumentam, videogames passam a simular campos de batalha que parecem mais realistas do que nunca (DORMANS, 2011). Em comparação com o
Xadrez, um wargame digital como o StarCraft (Blizzard, 1998) pode incorporar
variáveis como recursos energéticos, acesso à informação e tecnologia de guerra,
que são centrais em uma estratégia de batalha realista (PÉREZ LATORRE, 2012). Sejam baseados em conflitos reais ou totalmente ficcionais, é fato que a guerra é um tema comum e bem sucedido na indústria dos videogames. De acordo com os
relatórios mencionados anteriormente, as principais vendas de jogos para consoles são os das séries Call of Duty e Battlefield (ESA, 2014; 2015; 2016; 2017), representando milhões de vendas. Mais do que isso, dos 20 jogos mais vendidos em cada
ano, cerca de sete sempre são sobre guerras, dos quais 4 são sobre guerras realistas, exibindo possíveis confronto entre humanos. Isso pode ser entendido como um
sinal de aprovação maciça do tema, o que enseja questionar quanto de diversidade há nas abordagens deste assunto delicado.
Doutora em Ciências Sociais e professora de Teorias da Comunicação, Imma
Tubella afirma que “tão importante quanto a própria História, é a história que uma comunidade é capaz de transmitir a novos membros, uma história de mitos
e crenças, criada como elemento de coesão” (TUBELLA, 2006, p.285). O caráter mítico das guerras passadas sustenta os interesses hegemônicos dos vitoriosos. A preservação desse status na memória coletiva cria filtros para os fatos e conhecimentos sociais do mundo. Esses filtros estabelecem valores para os diferentes papéis
assumidos por cada lado nas guerras. Mitos e lendas funcionam como discursos
90 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
que ajudam a preservar e reafirmar o poder e os relacionamentos baseados em in-
fluência. No entanto, eles também podem inspirar o questionamento das estruturas estabelecidas.
Para o sociólogo Manuel Castells, o domínio que a mídia tem sobre as men-
tes das pessoas funciona baseado em um mecanismo de presença ou ausência. Isso
significa que tudo o que está ausente dos espaços midiáticos, não pode chegar à mente das pessoas (CASTELLS, 2006, p.25). Portanto pessoas e idéias precisam
estar presentes nos espaços midiáticos para serem reconhecidas. Hitler e Goebbels utilizaram esta estratégia na propaganda nazista, usando o cinema e o rádio
para abordar o público, apresentando conteúdos que eram favoráveis à sua agenda (HORKHEIMER, ADORNO, 2002, p.196) O mito, ou as histórias contadas e
várias vezes repetidas, carregam sentimentos que mudam interpretações sobre pes-
soas e eventos, o que por sua vez transforma o conhecimento histórico. A mídia tem grande influência na construção de um discurso comum e de uma representação
coletiva (TUBELLA, 2006 p.286). Questiona-se então como na cibersociedade, vozes e visões diferentes sobre as guerras se inserem no mercado de games.
REPRESENTAÇÕES DA GUERRA NOS GAMES. A seguir será feita uma análise de mídia qualitativa (MACNAMARA, 2005)
que visa identificar as escolhas de palavras e tom utilizados na propaganda, imprensa oficial e cobertura da mídia de quatro “jogos de guerra”. Ao estudar diferen-
tes tipos de jogos que compartilham o mesmo tema principal, é possível entender melhor como diferentes pontos de vista podem ser expressos através das particularidades desta mídia. Ao analisar a cobertura dos meios de comunicação sobre estes jogos e informações sobre suas vendas, pode-se inferir o impacto de cada uma
dessas expressões. Quatro jogos foram escolhidos por apresentarem abordagens e perspectivas diferentes e complementares sobre o guerras humanas, e que também
tiveram algum destaque nos meios de comunicação especializados. Esta variedade pode promover a discussão sobre artefatos de mídia como meio de identificação
CAPÍTULO V - 91
cultural e confirmação ou negação de discursos recorrentes e sua representatividade no mercado de jogos.
Conforme declarado anteriormente, jogos das séries Call of Duty (Infinity
Ward, 2003) e Battlefield (DICE, 2002) foram incluídos na pesquisa por estarem entre os jogos mais bem sucedidos da história recente. Em contraste com esses
best-sellers, Valiant Hearts (Ubisoft, 2014) e This War of Mine (11bit, 2014) foram escolhidos pelo seu grande reconhecimento na comunidade de jogos independentes
e de impacto social, apesar de sua modesta taxa de vendas. Nos tópicos seguintes, cada jogo será apresentado individualmente juntamente com a análise da sua divulgação oficial e cobertura em sites especializados como Polygon, Kotaku e Euro-
gamer. Por fim a representação da guerra nos quatro jogos será analisada em seus contrastes e semelhanças, e possíveis significados. 3.1 Battlefield Produzido pela desenvolvedora sueca DICE, e publicado pela Electronic Arts
(EA), Battlefield é uma das franquias mais rentáveis neste mercado. Começou em 2002 com Battlefield 1942, e posteriormente lançou vários outros títulos ao longo
dos anos. Battlefield 4 foi lançado em 2013, atingiu 13 milhões de vendas, e de acor-
do com o site VGChartz[1], sua produção custou cerca de US $ 100 milhões[2].
Espera-se que esses números se repitam com o mais novo lançamento da franquia, Battlefield 1 (figura 2). Estruturalmente, este é um jogo 3D, Massively Multiplayer Online (MMO), First Person Shooter (FPS), no qual jogadores se reúnem para for-
mar equipes opostas e, em seguida, lutar para assumir territórios. O plano de fundo é a Primeira Guerra Mundial, que devastou diversos países entre 1914 e 1918.
92 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Figura 2. Tela do jogo Battlefield 1
Fonte: Electronic Arts/DICE
Battlefield 1 foi oficialmente anunciado em julho de 2016, durante a apre-
sentação da EA na Electronic Entertainment Expo, a E3, considerada a feira mais importante desta indústria. Em um trailer curto foram apresentadas uma variedade
de máquinas de guerra e armas que estariam disponíveis no jogo, como tanques e baionetas. O vídeo termina com zeppelins e cavalos, enfatizando a natureza anacrônica desta guerra de extremos. Todos esses elementos retratados por meio do pode-
roso detalhamento visual que as novas tecnologias gráficas podem produzir. Patrick Bach, Gerente Geral da DICE, falou ao vivo sobre o novo jogo, e destacou o realismo da destruição que os jogadores poderiam experimentar. Os cenários dinâmicos
podem ser afetados por explosões, rajadas de tiros e até mesmo pelo movimento dos tanques. O apelo às armas sugere que “através de suas ações, o mundo intocado
em torno de você se tornará uma paisagem lacerada pela batalha [battle-scarred], mudando o mundo para sempre” (EA, 2016, traduzido pelos autores).
Consistentemente, o texto no site oficial do jogo reafirma a qualidade da re-
presentação “realista” da guerra. Este aspecto é assegurado por detalhes como a
ligeira alteração de som que ocorre quando o usuário está ficando sem munição[3] . O anúncio de Battlefield 1 evoca a emoção de participar de algo épico e real, que
estimula a adrenalina do jogador. Este efeito é conseguido na propaganda utilizan-
do palavras e expressões fortes. Pode-se observar isto nas passagens que dizem que
CAPÍTULO V - 93
o jogador irá “precipitar o inferno”[4] sobre seus adversários, usando armas que são
“ótimas para explodir inimigos de perto”. A imprensa oficial de Battlefield 1 nunca aborda o sofrimento e os conteúdos morais, nem o absurdo desta realidade violen-
ta em que o jogo se apoia. Em vez disso, os autores escolhem elogiar os avanços
tecnológicos alcançados durante e pela ocorrência da guerra. Espelhando os fatos, o jogo traz para o mesmo ambiente, bombas de gás e espadas. Do ponto de vista
do Game Designer Danny Berlin, isso traz dinâmicas inovadoras para jogos MMO, criando equilíbrio de poder desigual e, por consequência, novas estratégias. Como
um profissional dedicado ao design de padrões de jogo, para Berlim, é importante
que os jogadores experimentem algo poderoso, autêntico, pessoal e, acima de tudo, “muito legal” (CAMPBELL, 2016).
O anúncio de Battlefield 1 obteve atenção da mídia especializada, resultando
principalmente em críticas positivas que reproduziram os mesmos destaques de sua
divulgação oficial, aumentando as expectativas dos fãs. No entanto, houve algumas críticas sobre a abordagem de marketing para esse tema delicado. Jake Muncy, colunista cultural da WIRED Magazine, afirma que a razão pela qual há poucos jogos sobre a Primeira Guerra Mundial é que esta “foi um pântano de morte e doença
que transformou a estratégia em massacre, sem nenhuma narrativa útil de heroísmo
sobre a qual construir a jogabilidade” (MUNCY, 2016). Os jornais digitais Inter-
national Business Times e The Telegraph lamentaram o desperdício da oportunidade de um jogo de grande orçamento abordar e discutir o significado de tal tragédia
histórica e ainda mais por incitar a violência no mesmo dia do tiroteio ocorrido em
uma boate da cidade americana de Orlando, Flórida. (SMITH, 2016, HOGGINS, 2016).
3.2 Valiant Hearts Lançado em 2014 pelo estúdio francês Ubisoft Montpellier, uma pequena
divisão da grande Ubisoft, Valiant Hearts (figura 3) foi um projeto independente, apesar de ter sido patrocinado por sua matriz. Este é um jogo com propósito de
causar impacto social. Seu objetivo é trazer à memória o drama humano da Primeira Guerra Mundial. Inspirado por cartas de soldados reais e eventos concedidos por
94 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
parentes próximos da equipe de desenvolvimento, o projeto foi apoiado pela comissão Mission Centenaire 14-18, que visa promover produções culturais que tenham
a Primeira Guerra como tema. Do aspecto da jogabilidade, Valiant Hearts é um jogo de aventura bidimensional com movimento lateral, onde o jogador controla
diferentes personagens em cada capítulo do enredo e interage com personagens e objetos não jogáveis para resolver quebra-cabeças. Figura 3. Tela de Valiant Hearts
Fonte: Geek Chic Elite / Ubisoft Montpellier
De acordo com a divulgação oficial, o objetivo da equipe era induzir as pesso-
as a perceber como as vidas das pessoas foram durante os anos da guerra[5]. Para
conseguir isso, foi criada uma história fictícia sobre quatro personagens humanos e um cão, cujas vidas foram alteradas pela chegada dos conflitos. Entre os perso-
nagens, estão Emile e Karl. Emile, um velho fazendeiro, foi convocado a integrar
o exército francês nas linhas de frente. Karl, seu genro, foi obrigado a voltar para a Alemanha e lutar pelo lado oposto. O site do jogo diz que amizade, amor, sacrifício e tragédia recaem sobre cada um enquanto tentam manter sua humanidade diante dos horrores da guerra[6].
Apesar de não contar com grandes campanhas publicitárias em comparação
a outros grandes títulos desta editora, o jogo foi reconhecido pela mídia. Ganhou
CAPÍTULO V - 95
o prêmio de Melhor Narrativa no The Game Awards, equivalente a um Oscar para videogames. A imprensa focalizou o impacto da abordagem humana em Valiant
Hearts. Em uma matéria para o site Polygon, a colunista Danielle Riendeau (2014) revela que ficou tão ligada aos personagens que torcia pela segurança deles. No en-
tanto, quanto mais ela aprendia sobre a guerra, menos acreditava em um final feliz. “Pequenos detalhes podem dizer muito sobre a destruição e a dor da guerra”, diz ela. A autora também dá como exemplo os objetos perdidos que podem ser encontrados nas cenas, como um pano embebido em urina usado por soldados para pro-
tegerem-se contra o gás de cloro (RIENDAU, 2014). Essa observação acompanha as palavras de Brendan Sinclair, editor do site da Games Industry. Sinclair (2014)
afirma: “jogos como Valiant Hearts acenam para o enorme potencial dos jogos em lidar com qualquer e todos os tópicos, e fomentar a empatia e o entendimento entre as pessoas”.
As críticas negativas se concentram em sua jogabilidade simplista e nos aspec-
tos técnicos de sua produção. No entanto, apesar de ser globalmente bem avaliado, o script também recebeu julgamento. Os trechos cômicos e clichês parecem deslocados do drama que foi construído. Luke Plunkett, do portal de entretenimento online Kotaku, questiona, por exemplo, a necessidade de um “alemão malvado” como
antagonista (PLUNKETT, 2014). Tão profunda é a experiência emocional e tão
historicamente precisa, que um vilão estereotipado parece diminuir a neutralidade da escrita.
3.3 Call of Duty A série de jogos FPS, Call of Duty foi criada pelo estúdio norte-americano
Infinity Ward em 2003, e publicada pela Activision Blizzard, que mantém os direi-
tos de distribuição. Desde o lançamento, seus títulos alcançaram elevados números de vendas. A trama da série introduz, desenvolve e conecta personagens entre os
diferentes jogos. Os eventos retratados são fictícios, mas contextualizados de tal
forma que se inserem em momentos históricos ou realidades possíveis. No vídeo da apresentação no site dos desenvolvedores, os membros da equipe afirmam que Call of Duty é uma “montanha-russa de ação de alta intensidade” (tradução nossa), cheia
96 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
de adrenalina e tensão, “super realista” como “uma CNN jogável”, em referência
ao canal de notícias. Eles defendem que um de seus objetivos é fazer o jogador se sentir como um soldado em uma zona de guerra, “tendo que tomar decisões difíceis e viver com essas decisões”[7].
Call of Duty: Modern Warfare 2, o jogo de 2009 da franquia, foi um dos seus
maiores sucessos. A trama se passa em um cenário futuro para a época, entre 2016
e 2017, e apresenta os eventos que teriam levado o mundo a uma Terceira Guerra Mundial. Traduzido em muitas línguas e vendido em muitos países diferentes, o jogo foi um sucesso mundial, e levantou US$ 1bi logo em seu primeiro ano de vendas[8]. No entanto, este jogo também é notório por questões controversas. A
principal preocupação diz respeito a uma das primeiras missões, intitulada “No Rus-
sian“. Esta missão coloca o jogador no controle de um soldado americano infiltrado em um grupo terrorista que está prestes a iniciar um tiroteio em um aeroporto
russo (figura 4). O nível é exibido como opcional e pode ser ignorado sem perda de pontos ou conquistas. Além disso, ele vem com uma advertência sobre o conteúdo
perturbador que está prestes a vir. Ao escolher jogar, o jogador vai se juntar aos ter-
roristas no lobby, que começarão a disparar contra civis inocentes. O jogador assume
o controle de seus movimentos, mas só pode executar algumas ações: mover-se e
atirar. Se ele escolhe atirar em pessoas inocentes, o jogo prossegue. Se ele escolhe matar os terroristas, a missão falha. Uma terceira opção ainda é possível, escolher apenas ficar e esperar que o massacre termine depois de alguns minutos. Até que os policiais cheguem, forçando-os a lutar para permanecer vivos e terminar a missão.
CAPÍTULO V - 97
Figura 4. Cena do Aeroporto em Call of Duty: Modern Warfare II
Fonte: MTU DGE / Infinity Ward
O Game Designer Mohammad Alavi explica que o objetivo desta missão é
fundamentar a Terceira Guerra de Mundial, que seria fruto da tensão entre os EUA
e a Rússia. Ao responder qual o motivo de os jogadores terem de participar ativamente do evento, Alavi declara que queria criar um envolvimento emocional com
o vilão, fazendo-os sentirem o quanto ele é mau. Alavi afirma que não considera relevante se o jogador está sendo malvado ou está se arrependendo do que faz, mas
sim se o jogo o faz de fato sentir alguma coisa (BURNS, 2012). Esta cena polêmica
foi o tema de noticiários norte-americanos e foi excluída na versão russa do jogo, para que pudesse ser admitido no país[9].
Outra controvérsia foi levantada pelo site de jogos Eurogamer, em um artigo
que associa vendas de armas e a produção de jogos de tiro. Nesta entrevista, Ralph Vaughn, representante comercial da Barret Rifles diz que “é difícil qualificar até
que ponto as vendas de rifle aumentaram como resultado de estarem em jogos”. Entretanto, concorda que isso expõe a marca “a uma audiência nova considerada
como possíveis proprietários no futuro”. Ele também confirma que houve esforço
para terem suas armas destacadas nos jogos da série Call of Duty (PARKIN, 2013, traduzido pelos autores). A segunda seção do artigo apresenta ainda o caso de um
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garoto americano, que coleciona armas reais com a ajuda de seu avô e afirma aprender mais sobre elas jogando Call of Duty (PARKIN, 2013). 3.4 This War of Mine Criado pelo estúdio polonês 11 Bit e lançado em novembro de 2014, This
War of Mine (figura 5) é um jogo premiado que apresenta um ângulo diferente do anterior. Com o subtítulo «na guerra, nem todo mundo é um soldado», o jogo
fornece aos jogadores uma perspectiva civil sobre os conflitos. É uma simulação
da dura e assustadora vida cotidiana das pessoas em uma cidade sitiada. O cenário característico do leste europeu alude ao cerco de Sarajevo, mantido entre 1992 e
1996, embora possa ser facilmente atualizado para a tragédia síria de Aleppo. Neste
jogo, o jogador não controla soldados, mas um grupo de pessoas, incluindo crianças, vivendo nos escombros de edifícios. O objetivo é fazer pelo menos um dos personagens viver para ver o fim da guerra, ou para o máximo que puder. Deve-se superar a
fome, o frio, a doença e as contínuas ameaças dos soldados e mesmo outros grupos
desesperados. Para conseguir isso, os jogadores terão que decidir coisas como quais personagens devem manter guarda à noite, quem pode comer e quem não pode, e quem tem de sair para encontrar suprimentos.
Figura 5. Imagem de divulgação de This War of Mine
Fonte: 11bits Studio
CAPÍTULO V - 99
A página oficial do jogo afirma: “na guerra, não há boas ou más decisões, há
apenas sobrevivência”[10], o que significa que não é possível proteger a todos o
tempo todo. Inspirados por eventos reais e desenvolvido durante a crise da Criméia, os criadores tentaram sensibilizar o público sobre todo o sofrimento envolvidos na guerra, demonstrando que isso pode acontecer em qualquer lugar. O roteirista
Pawel Miechowski explica que ele não pretendia fazer uma declaração política, embora seu roteiro carregue um aviso: “a guerra é o inferno”. O autor diz que a si-
tuação entre os países vizinhos, Ucrânia e Rússia aproximou as pessoas, por estarem preocupados com a segurança de seu país suas famílias (HALL, 2014).
A fim de impulsionar os sentimentos pretendidos, os desenvolvedores usa-
ram o poder da interação, um aspecto forte dos videogames. Na Game Developers
Conference (GDC) de 2015, Miechowski revela como tentaram fazer com que os
jogadores experimentassem remorso, criando dilemas morais e emocionais. “Uma mulher jogou o jogo”, conta ele, “e roubou alguns suprimentos, depois voltou à cena do crime e devolveu metade dos suprimentos, julgando-se moralmente”. Esse julgamento é a raiz de um verdadeiro sentimento de remorso, diz ele, “sentir-se mal
por algo que você fez é uma emoção moral muito forte. É impossível para um filme fazer você se sentir assim” (CAMPBELL, 2015).
COMPARAÇÃO ENTRE OS CASOS Cada jogo alega buscar o “realismo” em suas representações. No entanto, as
peças que compõem tal realismo variam de um para outro. Quando sistemas com-
plexos como eventos de guerra estão prestes a ser simulados em um jogo, eles devem ser reduzidos e simplificados, uma vez que é impossível para uma simulação abraçar fielmente todos os aspectos de sua fonte. Esta simplificação atende às experiências
pretendidas pelos criadores dos jogos, mas também pode ser tendenciosa de acordo com seus pontos de vista e entendimentos relativos sobre o fenômeno.
Cada mídia comporta escolhas estéticas diferentes que induzem experiências
diferentes para o público. Nos jogos, juntamente com as decisões audiovisuais e narrativas, há uma limitação arbitrária das variáveis e possibilidades dentro do sis-
100 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tema, e todos trabalham juntos para orientar a experiência do jogador. Game Designers como Gonzalo Frasca (2001), Ian Bogost (2008), Joris Dormans (2011) e
Pérez Latorre (2015) têm considerado isso como uma espécie de retórica inerente aos sistemas interativos. Consequentemente, estes pesquisadores acreditam que estas escolhas são impulsionadas pelas crenças ou intenções dos autores.
Com base no exposto, é perceptível que, apesar de terem o mesmo plano de
fundo histórico, Battlefield 1 e Valiant Hearts contam histórias contrastantes sobre a Primeira Guerra Mundial. A primeira é realizada com toda a adrenalina descar-
regada pelo perigo virtual e impulsos violentos. O segundo representa uma imagem triste dos soldados que, frente a monstruosidade da guerra, se vêem muito impoten-
tes para proteger seus amados. Tanto os criadores de Call of Duty: Modern Warfare 2, quanto os de This War of Mine dizem estar buscando emoções profundas e fortes
ao deixar que os jogadores realizem ações repreensíveis. No entanto, o uso dessas emoções no primeiro jogo serve para justificar o ódio entre os personagens e incita
mais violência, enquanto o segundo utiliza sentimentos semelhantes para criar espaço para tristeza e solidariedade.
A experiência do jogador será, contudo, sempre individual e dependente de
seu contexto. Tanto Plunket (2014) quanto Riendeau (2014) escreveram sobre a personagem enfermeira em Valiant Hearts. O primeiro autor a aponta como o ele-
mento mais fraco do jogo, pois os controles exigidos para executar as operações não
lhe pareceu suficientemente divertido. A segunda colunista, por outro lado, vê esta
parte como um elemento forte, já que a única personagem feminina é quem luta para salvar tanto aliados como inimigos, tendo que executar até mesmo amputa-
ções traumáticas. É visível que na dinâmica da análise dos videogames, controles, narrativa e estética expressam mensagens paralelas que podem afetar os usuários de muitas maneiras diferentes.
Como mencionado anteriormente, os jogos foram selecionados por dois as-
pectos: números de vendas e premiações independentes. Mesmo assim, é válido
notar que os dois jogos de grande orçamento e vendas compartilham uma abordagem semelhante - o dever militar heróico - enquanto os dois aclamados no circuito
independente trazem perspectivas menos bélicas. Um ex-membro da equipe Valiant Hearts sente que em jogos de grande orçamento, os desenvolvedores “perdem
CAPÍTULO V - 101
suas almas, de certa forma”, devido às muitas camadas de coordenação do projeto. Sugere, que as grandes empresas deveriam tentar liberar projetos pequenos com
mais freqüência. Em sua opinião, uma forma de refrescar ideias e manter viva a
criatividade dentro das equipes (SINCLAIR, 2015). É possível inferir uma relação
inversa entre o montante de investimento e o risco criativo que as empresas estão dispostas a assumir. Talvez isso as faça manter uma posição mais segura e entregar um formato que supostamente agrada as massas. O que aparentemente se confirma em seus números de vendas.
Esse formato abrange o uso de gráficos HD, que proporciona melhores efeitos
realistas através de representações visuais icônicas. Parece que, para essas empresas, a realidade é melhor representada através de seus aspectos mais objetivos, e não
através dos subjetivos, interpessoais. Além disso, esta representação realista de ima-
gens, sons e movimentos, ajuda a legitimar os outros aspectos apresentados, como a narrativa e o funcionamento de sistemas complexos como economia, saúde e política. Esta validação de discurso feita pela técnica já fora explorada em Horkheimer e Adorno (2002), em relação aos filmes, e em Dormans (2011), nos jogos.
Bogost (2008) e Pérez Latorre (2015) observam que ao engajar o jogador
em procedimentos a partir das regras do jogo, esta mídia estabelece um sistema dialético. O significado emerge da interação. No decorrer do jogo, alguns padrões de comportamento se mostram mais vantajosos ou desejáveis que outros. Isto pode ser encontrado tanto em This War of Mine como em Call of Duty: Modern Warfare
2. O primeiro oferece situações que podem ser resolvidas de muitas maneiras, e
induz o sentimento de autoria e responsabilidade por suas ações. Isso aumenta o peso das decisões em situações tão difíceis que exigem métodos extremos. Mas
no infame massacre no aeroporto de Call of Duty: Modern Warfare 2, os jogadores têm de matar civis ou deixá-los serem mortos. Não há outra maneira de resolver a
situação. Não se discute aqui que atirar é a principal finalidade de jogos FPS, e os roteiros entram apenas para contextualizar para esta ação. No entanto, o professor de Ciências Políticas Nick Robinson observa que nenhum dos principais jogos
militares apresenta formas não-violentas de resolver conflitos internacionais. O ato de guerra é inevitável e interminável. Ele considera que isso é uma característica do “mito” de excepcionalidade americano, no qual o país é posicionado como alvo
102 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
de vários grupos extremistas e/ou a única nação com poder para salvar o mundo (ROBINSON, 2015).
Ainda em 2001, Frasca argumentava que os desenvolvedores deveriam permi-
tir que seus jogadores pudessem ao menos testar outras abordagens para lidar com
as situações apresentadas em um jogo. Sugeria que os jogos deveriam ser espaços abertos para maior experimentação. Os jogadores poderiam então questionar, ou
quem sabe romper com ideologias embutidas na “legislação” do jogo (FRASCA, 2001). Fomentar uma pluralidade de vozes e narrativas neste ambiente permitiria
novas conexões entre pessoas, fatos e pontos de vista. Essas conexões podem gerar
novos conhecimentos, além de representar um valor social e cultural para a socie-
dade. Ao promover a diversidade, mais pessoas podem encontrar suas identidades e
também descobrir novas identificações. De acordo com o pensamento de Maffesoli, a condição de ser parte de um grupo passa a ser não apenas imposta hierarquica-
mente, mas também condicionada por uma noção pré-individual de si, enraizada no inconsciente coletivo. Construir uma identidade na sociedade contemporânea ocorre em um contexto afetivo e comunitário. (MAFFESOLI, 2007).
Nesse sentido, os jogos experimentais e independentes são bastante promisso-
res. Feitos por pequenas equipes, às vezes até mesmo através da colaboração online, esta categoria pode fornecer a diversidade de que este mercado precisa. Por ser o oposto do equilíbrio entre risco e investimento, This War of Mine e Valiant Hearts
exibem uma abordagem irrestrita e pessoal do assunto. Eles também mostram que jogos de baixo orçamento podem ser rentáveis, mesmo que em uma enorme desproporção em relação aos grandes títulos. Como exemplo, This War of Mine cobriu
seus custos de produção em dois dias, e parte desse dinheiro foi redirecionado para
a War Child, uma instituição de caridade que cuida de crianças em zonas de guerra [11]. Os problemas técnicos são mais nocivos aos jogos independentes, já que estes
já assumem riscos em outras áreas e não possuem muitos recursos para influenciar a opinião pública. No entanto, eles podem ser vistos como a vanguarda deste ambien-
te, abrindo caminhos pelos quais os grandes nomes da indústria podem vir a trilhar.
CAPÍTULO V - 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS A obra de arte na era da reprodução digital torna-se muito mais penetrante
e imediatamente consumível em todo o mundo. Mesmo assim, a lógica da pro-
dução e do consumo ainda segue o antigo modelo de mídia de massa, de poucos para muitos. Este modelo é sustentado pelos altos custos das produções de qua-
lidade. Videogames são a forma de arte característica da sociedade do século 21, e, portanto, desempenham o papel de retratar a imaginação desta sociedade. Nos
jogos de guerra de grande sucesso, o mito do herói degenera no mito do soldado, refletindo como a cultura ocidental popular imagina estes eventos. O mundo da
cibersociedade é muito maior, devido a capacidade desta de poder criar “verdades” fictícias, virtuais, que se misturam e confundem com fatos, e se chocam com outras “verdades” locais. Esta visão particular do fenômeno da guerra vem sendo contada
e recontada, em gráficos e sons de alta definição. Tão exatos em sua representação
icônica que poderia-se pensar que as relações humanas e políticas escritas por seus autores acompanham esta mesma veracidade. Tal interpretação da guerra pode ser internalizada na sociedade como conhecimento popular ou cultural. Tornando-se
uma ideia que ressoa e ressurge através de muitos atores desta rede, como os autores de jogos, as publicadoras, os críticos e os jogadores.
No entanto, parece haver uma transição em curso. A mesma conectividade
digital que veicula o conteúdo para as massas, permite a comunicação entre grupos
de interesses de menor proporção. Os pequenos estúdios estão encontrando agora
mais espaço para anunciar, compartilhar e vender seu trabalho no mercado global. Serviços online de comercialização de jogos como STEAM, IndieGoGo, ou o brasileiro Splitplay, em associação com plataformas de financiamento coletivo como Kickstarter ou Catarse, oferecem um lugar onde o grande e o pequeno podem
coexistir. Ao aumentar a diversidade de oferta, os jogadores podem escolher entre aqueles que se relacionam melhor com sua personalidade e seus valores. Além dis-
so, jogos independentes podem oferecer um contraponto muito necessário sobre
questões polêmicas, o que auxilia para a maturidade da área de criação de jogos e
Game Design. Este potencial, no entanto, depende de que mais pessoas de diferentes
104 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
contextos e origens, de fato comecem a se expressar através de jogos. Com sorte isso poderá levar a uma forma de debate artístico, capaz de criar entendimentos mais profundos, baseados em interpretações e representações heterogêneas, sobre assuntos tão sensíveis como a guerra.
NOTAS 1 - Números de vendas de Battlefield 4 no site VGChartz: https://goo.gl/mpsA0U 2 - Matéria sobre orçamento de Battlefield 4: https://goo.gl/EZB5oM 3 - Página sobre as armas em Battlefield 1: https://goo.gl/0DJwrQ 4 - Página sobre modos de batalha em Battlefield 1: https://goo.gl/AumDLM 5 - Vídeo sobre os bastidores de Valiant Hearts: https://goo.gl/KIwUx0 6 - Site oficial de Valiant Hearts: https://goo.gl/WG0b0M 7 - Vídeo de apresentação no site da Infinity Ward: https://goo.gl/N3c0TZ 8 - Notícia sobre as vendas de Call of Duty: Modern Warfare 2: https://goo.gl/9tTBRi 9 - Notíci sobre a versão russa de Call of Duty: Modern Warfare 2: https://goo.gl/S5Uu2K 10 - Site oficial de This War of Mine: https://goo.gl/CEQrSR 11 - Notícia sobre ação de caridade de This War of Mine: https://goo.gl/iACNCE
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CAPÍTULO V - 107
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108 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
CAPÍTULO VI - 109
CAPÍTULO VI TEORIA NUDGE E A CIBERSOCIEDADE Rayse Kiane Luiz Antônio Moro Palazzo
RESUMO A Teoria Nudge é uma área da psicologia e da economia comportamental estuda desde a década de 1970, e se popularizou no início dos anos 2000. Esta teoria se baseia na real construção do indivíduo e que estes não são capazes de tomar as melhores decisões para si. A teoria Nudge constrói pequenas atitudes para ajudar os indivíduos a tomarem melhores decisões. O poder e os aspectos éticos de pequenas intervenções Nudge tomar proporções ainda não mensuradas quando as inserimos na Cibersociedade. Este artigo apresenta o conceito e exemplos de Nudges, como seus conhecimentos estão sendo utilizados dentro da sociedade baseada em tecnologias da informação e comunicação e aspectos éticos envolvidos.
INTRODUÇÃO Desde a chegada do computador pessoal em meados da década de 1980, e a
grande popularização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), o
paradigma de sociedade vem mudando. Também vem mudando a forma como seus cidadãos a compõem e interagem entre si. Essas mudanças refletem na sociedade
que depende, a cada dia mais, das comunidades intensivas em compartilhamento, que se caracterizam por sua forte capacidade de produção e reprodução de conhecimento, espaço público de aprendizagem e uso intensivo de TICs (DAVID; FO-
RAY, 2002). O comportamento dos indivíduos na sociedade vem mudando a partir
do uso constante dos equipamentos de informática, associados a comunicação, em
110 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
convergência a uma cibersociedade (COUTINHO, 2007). Em muitas situações
do século 21, os principais postulados da teoria da escolha racional na economia parecem totalmente improváveis. As escolhas dos indivíduos são alteradas diretamen-
te pelo comportamento observado, ações e opiniões de outros e evoluem ao longo
do tempo, por serem, muitas vezes, incapazes de processar a enorme quantidade de informação disponível (ORMEROD, 2015).
Thaler e Sunstein (2008) explicam, ao contrário do que muitos acreditam, que
fazer escolhas que podem não ser as melhores é uma reação natural para os indivíduos, pois são seres instintivos e tendem a realizar escolhas irracionais, e não lógi-
cas. A partir deste raciocínio que Thaler e Sunstein (2008) mostram que a Teoria Nudge e a arquitetura de escolhas, através de reforço positivo e sugestões indiretas
para tentar atingir um objetivo pode influenciar as motivações, ajudando a tornar
escolhas difíceis e trabalhosas em um processo simples e agradável, sem a necessidade de mandatos e até leis.
A cibersociedade, com alta conexão entre os indivíduos e o uso intenso de
TICs abre as portas para a aplicação da Teoria Nudge, dentro dos serviços e produtos digitais oferecidos para a sociedade. Este trabalho realiza uma pesquisa exploratória da literatura a respeito de Teoria Nudge e arquitetura de escolhas, e como
esta temática está sendo tratada dentro da sociedade atual, na produção de produtos e serviços digitais, pontos positivos, negativos e aspectos éticos envolvidos neste processo.
TEORIA NUDGE Kiane e Souza (2017) apontam que a Teoria Nudge remete aos anos de 1970
nos estudos dos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, mas começou a se
popularizar apenas em 2008 com o livro Nudge:Improving Decisions About Health,
Wealth, and Happiness, ou em português, Nudge: O empurrão para a escolha certa, de Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein. Após a popularização do conceito no co-
meço dos anos 2000, Kahneman volta a publicar na área o livro Thinking, Fast and
CAPÍTULO VI - 111
Slow de 2011, ou em português, Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar, assim compondo as principais referências na área.
Nudge é uma teoria da área da psicologia e economia comportamental que
tenta explicar o processo de tomada de decisão, através de fatores sociais e cogniti-
vos (Shiller, 2003). O termo Nudge vem da língua inglesa “empurrar” ou “cutucar
suavemente as costelas”, especialmente com o cotovelo. Aquele que realiza o ato de “nudge” tenta alertar ou lembrar ao outro, e é assim que a teoria Nudge tenta conquistar essa mudança de atitude ou levar o indivíduo a uma escolha certa, discretamente e sem tirar o livre arbítrio, ao contrário de alguns métodos mais tradicio-
nais e “forçados” que muitas vezes chegam a não apresentar escolhas ao indivíduo (KIANE; SOUZA, 2017), como pode ser observado na Tabela 1. A Teoria Nudge
propõe que a concepção de opções deve ser baseada em como as pessoas realmente pensam e decidem (instintivamente e bastante irracionalmente), em vez de como
alguns líderes e autoridades tradicionalmente acreditam que as pessoas pensam e decidem, logicamente e racionalmente (THALER e SUNSTEIN, 2008). Tabela 1 - Métodos Forçados x Métodos Nudge
Métodos “Forçados”
Métodos Nudge
“Forçar” métodos drásticos, diretos e exigem esforço consciente determinado (pela pessoa / pessoas que estão sendo ‘mudadas’).
Métodos Nudges são mais fáceis para as pessoas se imaginarem fazendo, e menos ameaçador e perturbador para realmente fazer.
Métodos “forçados” são confrontantes e susceptíveis a provocar resistência.
Métodos Nudge são indiretos, táticos e menos conflituosos – podem ser cooperativos e agradáveis.
Fonte: Thaler e Sunstein (2008), adaptado pelos autores.
Nudges não são propagandas subliminares, pois ao contrário do Nudge que
visa uma mudança permanente de comportamento do usuário, o uso de imagens subliminares gera uma mudança de preferência momentânea no indivíduo, mas não
mudança de crença e hábitos (TOCCHETTO, 2010). Não podem ser considera-
112 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
dos Nudges campanhas que atuam despercebidas no processo de deliberação do
indivíduo (KIANE; SOUZA, 2017). Nudge deve sempre se mostrar uma intervenção mais barata e fácil de se evitar, nunca sendo mandatório racionalmente, a Tabela 2 apresenta alguns exemples de Nudges e de métodos “forçados” para comparação. Tabela 2 - Exemplos de Nudge x Métodos “Forçados” Nudging
Diminuir o número de fumantes
Campanhas contra o cigarro mais visíveis nas mídias falando que grande parte da população não fuma, e aqueles que fumam querem parar. Retirar do alcance das vistas cigarros e isqueiros em lojas e supermercados.
Método “Forçado”
Banir o cigarro em lugares públicos. Aumentar o preço do cigarro.
Servir bebidas em copos menores Conscientizar e diminuir o uso bebidas alcóolicas
Fazer dietas e emagrecer
Regular os preços através de impostos ou de valor mínimo por Diminuir a visibilidade de bebidas unidade alcóolicas na mídia e reforçar que grande parte da população Aumentar a idade míninão bebe este tipo de bebidas ma para o consumo de em excesso bebidas alcóolicas
Designar seções no carrinho de supermercado alimentos saudáveis Pedir salada ao invés de batatas fritas
Restringir a publicidade de alimentos nos meios de comunicação dirigido a crianças Proibir a indústria de alimentos de utilizar gorduras trans
CAPÍTULO VI - 113
Realizar mais atividades físicas
Tornar escadas mais atrativas e visíveis que elevadores em prédios públicos Tornar a bicicleta um meio de transporte mais acessível construindo ciclovias e educando os motoristas
Aumentar os impostos para combustíveis derivados de petróleo Realizar rodízios de carros nas cidades, proibindo uns certos números de carros de andarem pela cidade a cada dia da semana
Fonte: Regulating (2011), adaptado pelos autores.
Kiane e Souza (2017) ressaltam que um Nudge não assume a forma de impo-
sição ou obrigação, ao contrário de muitas políticas públicas que são baseadas em proibições, criminalização e controle através do aumento de preços e impostos. Os
Nudges devem sempre prezar pela liberdade e se destinam a influenciar as pessoas em determinadas direções, mas nunca as obrigando a seguir este caminho. Desde a
popularização da temática em meado dos anos 2000, instituições públicas e privadas vêm demonstrando um interesse crescente no uso de Nudges, pois eles apresen-
tam um baixo custo e bom potencial para favorecer objetivos econômicos, políticos, e outros como a saúde pública e educação (ÁVILA; BIANCHI, 2015). Como por
exemplo, a Behavioural Insights Team (BIT) no Reino Unido que demonstrou a
eficácia do Nudge através do envio de mensagens de texto para lembrar civis de
pagarem suas multas, aumentando a taxa de resposta de 5% para 33% (SMITH, 2017).
Segundo Thaler e Sunstein (2008) para se construir uma campanha ou uma
ação de Nudge é sempre importante manter em mente o comportamento ou a es-
colha que se está tentando influenciar. Os indivíduos que precisam de um “nudge” para fazer a escolha certa são mais suscetíveis a reforços positivos específicos, por
exemplo, incentivar uma pessoa a fazer atividade física todos os dias é muito amplo, mas motivar a usar as escadas ao invés do elevador é muito mais específico e parece uma escolha menos trabalhosa.
Para (LY et al., 2013) o primeiro passo no processo de concepção de uma
estratégia de Nudging eficaz é auditar o processo de tomada de decisão do indiví-
duo final. Isto requer uma análise do contexto e a tarefa (como as pessoas tomam
decisões e quais são as circunstâncias típicas em que fazem isso), em seguida e
114 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
identificação de influências que podem afetar o resultado de decisões. O processo
de auditoria da tomada de decisão irá identificar fatores que impedem indivíduos
de seguir com suas intenções, esses fatores representam áreas onde uma “Nudge” pode gerar rápidos resultados. Segundo (LY et al., 2013) os fatores de influência são tipicamente agrupados em quatro categorias, são eles:
A. As propriedades da decisão, incluindo a compreensão dos incentivos e motivações associadas com a decisão, e quanto de atenção a decisão recebe. Também inclui identificar as opções apresentadas, e especialmente a opção padrão individual. B. Fontes de informação e como a informação relacionada com a decisão é recolhida e apresentada. C. Características da mentalidade do indivíduo e se as emoções influenciam o resultado da decisão. D. Os fatores ambientais e sociais, como a pressão dos colegas e processos de decisão muito longos.
Ly et al., (2013) cita que na construção da arquitetura de escolha de um indi-
víduo para ajudar a solucionar os problemas que impedem indivíduos de seguir com suas intenções, é necessário realizar estas quatro perguntas que ajudam a entender o comportamento do indivíduo:
A. O indivíduo está ciente do que ele precisa fazer, mas é incapaz de realizar? Ou, o desejo e ação precisam ser ativados? B. O indivíduo está motivado o suficiente para impor um “Nudge” a si mesmo? C. É a ação mais propensa a ser tomada com o aumento da cognição, ou os indivíduos possuem dificultada pela sobrecarga cognitiva? D. A ação desejada não está sendo realizado devido a uma ação concorrente, ou devido à inércia? Consequentemente, o objetivo é desencorajar a ação concorrente ou incentivar a ação de destino?
CAPÍTULO VI - 115
Os Nudges devem ser aplicados prioritariamente nos fatores de impedimento,
onde a motivação positiva e a ajuda na tomada de uma decisão difícil melhoras os resultados de mudança do indivíduo (KIANE; SOUZA, 2017).
NUDGE E A CIBERSOCIEDADE Para a Jones (1995) a Cibersociedade baseia-se nas formas de comunicação
mediada por computador permitidas pelas estruturas de redes de informática atuais. Para Lévy (1999) a Cibercultura é o espaço de interação propiciado pela realidade
virtual. Esta realidade virtual, e a comunicação através das redes tecnológicas está presente diariamente dentro das sociedades desenvolvidas tecnologicamente sendo
uma necessidade irrefutável. As redes sociais complexas sempre existiram, mas os desenvolvimentos tecnológicos recentes na comunicação permitiram sua emergência como uma forma dominante de organização social (WELLMAN, 2001).
No Brasil até 2015 57,5% da população já utilizava a internet diariamen-
te, destas pessoas 88,6% utilizam para aparelho móveis, como celulares e tablets (IBGE, 2015). Kiane e Souza (2017) destacam que a rede social Facebook chegou a
marca de 1,32 bilhões de usuários ativos diariamente (NEWSROOM, 2017), sendo um dos maiores meios de comunicação da atualidade. A interação virtual transforma a forma como as pessoas se relacionam entre si e, reconhecidamente, nem
todas essas formas envolvem a construção da comunidade por si só. O processo de transformação é um meio dialético, e as relações sociais virtuais englobam muitos comportamentos ( JONES, 1998).
A digitalização da sociedade faz com que diversos produtos e serviços, an-
teriormente físicos e presenciais, tornem-se digitais. Como por exemplo, vendas
de produtos, educação e interação social. A construção desses espaços digitais é
altamente propícia a aplicação dos conceitos de Nudge, visto que basta conhecer o usuário, para que ações possam ser construídas para minimizar seus fatores de impedimento para alcançar seus objetivos.
Otani (2015) afirma que diversos produtos e serviços fortemente estabeleci-
dos no mercado, como, Airbnb, KickStater, entre outros, já utilizam os conceitos de
116 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Nudge dentro de suas plataformas, através do chamado Design Comportamental,
projeto e criação de produtos que atendam a real necessidade e objetivos do usuário, ajudando-o a tomar melhores decisões. Políticas e campanhas de “Nudge” podem ser facilmente implantadas dentro das redes sociais e na construção de serviços e
produtos digitais, pois manipulação e inserção de conteúdo específico é facilmente realizada pelas empresas detentoras dos grandes fluxos de informações nas redes (KIANE et al., 2017).
Campanhas Nudges que anteriormente, devido a limitações físicas e geográ-
ficas, restringiam-se a uma comunidade ou cidade, na cibersociedade veem seu potencial multiplicado pela velocidade de conexão dos indivíduos, podendo ser apli-
cada em escala global a baixos custos dentro das redes sociais. Helbing et al. (2015) ressalta que uma ferramenta tão poderosa deve ser tratada com cautela, pois um
Nudging pode ser somente melhor para aqueles o que fazem, como o governo ou indústria, e não a quem ele é aplicado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Para Mckenzie-Mohr (2013) a Teoria Nudge pode ser vista como parte do
marketing social, que faz uma abordagem para a mudança de comportamento que
utiliza os conhecimentos e práticas de marketing comercial e psicologia a fim de facilitar objetivos de interesse de um determinado público. Dentro da cibersocieda-
de onde existe a alta conexão dos indivíduos e o poder alcance de espaços digitais é quase incalculável, campanhas Nudge podem ter seus objetivos massificados. Kiane et al. (2017) ressaltam que não há não há respaldo na literatura para compreensão do impacto dos resultados de campanhas Nudge em larga escala em ambientes di-
gitais, pois mesmo os objetivos sendo alcançados no período esperado, os Nudges, por não serem uma ciência exata, podem levar a resultados adversos.
A massificação das redes sociais, a troca de informações pelo uso de tecno-
logias, e o aumento da utilização da internet das coisas faz com que se tenha a
necessidade de exigir uma legislação, ou um código de ética bem estabelecido para a criação de Nudges efetivos e com senso de suas consequências, quer seja para o
CAPÍTULO VI - 117
bem, ou para evitar Nudges não bem-intencionados (KIANE et al., 2017). O Nudge pode sim servir para ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas, pois os
indivíduos nem sempre são capazes de tomar as melhores atitudes para si. Mas esta inabilidade de fazer escolhas certas ou irracionalidade inerente ao indivíduo como
citado por Thaler e Sunstein (2008), jamais deve ultrapassar os limites do livre arbítrio e liberdade de escolha.
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CAPÍTULO VII - 119
CAPÍTULO VII A APLICABILIDADE DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA PRODUÇÃO TEXTUAL E OS IMPACTOS NO JORNALISMO Regina Zandomênico Maria José Baldessar
RESUMO Nesta sociedade digital e ultra-conectada conhecida por Cibersociedade, a produção e veiculação de notícias por meio de algoritmos é uma realidade presente em 10 países. No jornalismo, os algoritmos estão restritos a produção de notícias nas quais a presença de dados por si só justifica a relevância jornalística, como o número de gols de um time que venceu uma partida de futebol ou índices de um tremor de terra. Os algoritmos ainda não possuem estruturas necessárias para produção de reportagens que exigem, entre outros fatores, textos mais densos, contextualização do ambiente e entrevistas pessoais. Este artigo também avalia a automação no jornalismo sob a ótica do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros diante da dúvida de quem seria a autoria de uma notícia gerada por um algoritmo.
INTRODUÇÃO Na história da humanidade não há registros precisos sobre quando houve a
primeira manifestação da escrita. A prova irrefutável é que desde a pré-história o homem já sentia necessidade de registrar informações, como demonstram as pinturas rupestres de 40 mil anos A.C. que, por meio de desenhos retratavam o coti-
diano. Essa arte, na avaliação de Gomes (2007) é considerada o primeiro passo para
120 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
a aprendizagem da escrita e, por consequência, pode-se fazer uma analogia entre essas gravuras e a escrita porque ambas buscam registrar algo para aquele momento ou para o futuro.
O marco inicial do ato de escrever, de acordo com Harari (2014), engloba o
período entre 3.500 e 3.000 A.C. quando os antigos sumérios, que viviam na Me-
sopotâmia, criaram um sistema para armazenar informações que envolvia dois tipos de símbolos gravados em tábuas de argila: um representava os números e outro pessoas, animais e territórios. O autor afirma que nesta fase inicial a escrita era voltada a relatar apenas fatos e números. Ao longo da evolução da humanidade a escrita foi
passando por transformações, mas há algo que não mudou: o processo que acontece
no cérebro humano para que uma ideia possa ser registrada, seja em uma simples folha de papel ou na tela de um Smartphone.
Escrever envolve, em um primeiro momento, a criação de uma ideia. A escrita,
o passo seguinte para expor o pensamento por meio de símbolos, de acordo com Wapner (2008) ativa um conjunto de vias neurológicas. Exames de ressonância
magnética identificaram que o cérebro faz conexões diferentes antes, durante e depois de escrever. Ao longo da vida, a escrita pode ser aperfeiçoada pela prática e es-
tudo ou comprometida por uma série de fatores, como os problemas neurológicos. Durante milhares de anos, a complexidade desse processo foi relacionada apenas aos humanos, mas artigos científicos e reportagens jornalísticas têm demonstrado
que, na última década, a inteligência artificial, por meio de algoritmos consegue, ou, pelo menos, tenta simular o ato de escrever de especialistas de várias áreas.
Este cap, por meio de pesquisa bibliográfica exploratória descritiva, analisará
como esse processo repercute na prática jornalística cotidiana, O jornalismo, assim como todas as áreas do conhecimento, é influenciado pelas transformações tecnológicas, mas a última década trouxe um fato inédito: é a primeira vez que notícias
estão sendo veiculadas sem que a redação seja vinculada a um ser humano. Também
serão apresentados, como parte da contextualização, exemplos de outras áreas em que a inteligência artificial também é responsável pela produção textual.
CAPÍTULO VII - 121
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E PRODUÇÃO TEXTUAL A geração automatizada de textos, na atualidade, é realidade em áreas como
cinema, jornalismo, discursos políticos e produção de livros que abordam temas variados. Araújo.M (2016) cita como exemplo títulos cuja autoria é vinculada a Philipi Parker, dono da Editora Icon Group International (San Diego /EUA), e que são
encontrados para venda no site da Amazon, uma das maiores empresas de comércio
eletrônico do mundo. Parker é o criador de um algoritmo responsável pela criação das obras, imitando assim, segundo Araújo.M (2016), a forma de escrever de pes-
quisadores. Uma rápida consulta ao site da Amazon (www.Amazon.com) identifica que obras que trazem Philipi Parker como autor englobam áreas de vão desde textos médicos e dicionários até relatórios financeiros e livros de história.
Em 2016, uma reportagem do jornal paranaense Gazeta do Povo, veiculou
que em um Concurso Literário no Japão, realizado em 12 de abril daquele ano,
dos 1.450 trabalhos inscritos, 11 deles foram produzidos por inteligência artificial. Embora nenhum deles tenha vencido a competição, um conto produzido por inteligência artificial passou na primeira das quatro etapas. Com o título “O dia em que
o computador escreveu um conto” um dos trechos trazia a oração “O computador, dando prioridade à busca de sua própria felicidade, parou de trabalhar para humanos” (GAZETA DO POVO, 2016).
Outra reportagem no mesmo ano, mas desta vez, apresentada pelo jornal
O Estado de São Paulo, em nove de junho, destacou o curta-metragem de ficção científica “Sunspring”, cujo roteiro havia sido criado por um algoritmo batizado de
Benjamim, desenvolvido na Universidade de Nova York. A reportagem, escrita por Mans (2016), pontua que o pesquisador de inteligência artificial e desenvolvedor da tecnologia, Ross Godinho, revelou ter disponibilizado ao algoritmo mais de 200
roteiros, entre eles os dos filmes “ET, o Extraterrestre”, “Balde Rubner” e “2001, uma Odisseia no Espaço”. O curta “Sunspring”, disponível no Youtube, tem duração de nove minutos e aborda um triângulo amoroso.
O site espanhol El País, também destacou em fevereiro que um algoritmo cria-
do pelo estudante de pós-graduação da Universidade de Massachusetts, Valentin
122 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Kassarnig escreve discursos políticos. O algoritmo possui um banco de dados com
trechos de cerca de 4 mil discursos de 53 congressistas americanos lidos em 2005. De acordo com a reportagem escrita por Pinto (2016) o algoritmo se baseia na ferramenta N-gramas, também utilizada pelo Google.
Este tipo de modelo estatístico permite escolher cada parte de uma sequência de N elementos, sendo N, neste caso, o número de palavras ou frases. O modelo analisa os discursos que estão na base de dados e obtém a probabilidade de que depois de “N” palavras apareça outra, permitindo assim a criação de seus próprios discursos. (PINTO, 2016)
Araújo.M (2016), que também discorreu sobre este algoritmo, pontua que
alguns temas polêmicos, como aborto, desarmamento e pena de morte, ganham
valores e que também são usados filtros para a redação do discurso optando se será
com viés republicano ou democrata; de apoio ou oposição ao projeto em votação. Segundo o pesquisador, não há diferenças marcantes entre os discursos resultantes
desta inteligência artificial e os que são lidos rotineiramente no Congresso americano.
NOTÍCIAS De acordo com Carreira e Squirra (2017) a produção e veiculação de notícias
por meio de algoritmos é uma realidade em dez países: Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Suécia, Dinamarca, Noruega, Rússia, China e Coreia do Sul. Esses algoritmos, desenvolvidos por empresas de tecnologia ou nas próprias organizações de comunicação, representam um novo contexto da produção do texto
jornalístico que antes era de responsabilidade exclusiva de redatores, repórteres, editores e colunistas.
Silva (2014) pondera que durante décadas no mundo ocidental a maneira de
fazer jornalismo garantiu negócios lucrativos, mas o surgimento da internet mu-
CAPÍTULO VII - 123
dou este panorama. Os últimos dez anos nas redações jornalísticas foi um período
marcado pelo enxugamento do quadro de funcionários, acúmulo de funções e até mesmo surgimento de outras para tentar agilizar o processo de produção noticiosa e viabilizar o furo jornalístico, seja com a veiculação de notícias factuais ou reporta-
gens exclusivas. Este é o caso da figura do produtor que até o final do século passado não era usual nas redações, mas ganhou força nos Estados Unidos e fez presente
também no Brasil. O produtor levanta dados, agenda entrevistas, viabiliza situações
para gravações e muitas vezes vai até o local antes do repórter conversar com pos-
síveis fontes. Ao mesmo tempo que essa função foi solidificada, algumas empresas jornalísticas também buscaram alternativas para automatizar processos e garantir agilidade na veiculação.
A ocorrência de um terremoto de 4,4 graus de magnitude em Los Angeles,
no dia 17 de março de 2014, configura um exemplo prático da agilidade de um
algoritmo diante de dados que têm valor jornalístico. Três minutos após a ocor-
rência, o Los Angeles Times veiculou a notícia do fenômeno. A tarefa, segundo uma reportagem da Folha de São Paulo, foi executada pelo algoritmo batizado de
“Quakebot” e viabilizou que o veículo de comunicação fosse o primeiro a divulgar o fato. (FOLHA, 2014). Essa inteligência artificial, criada pelo jornalista e programa-
dor Ken Schwencke, gera notícias sobre terremotos com base em dados divulgados eletronicamente pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). Todos os
textos produzidos pelo algoritmo são curtos e apresentam “Quakebot” como identificação de autoria. As características de redação seguidas pelo algoritmo, conforme
Folha (2014), é o preenchimento de um texto padrão a partir de dados extraídos do relatório do serviço geológico.
O algoritmo do Los Angeles Times já cometeu, pelo menos, um erro grave,
de acordo com reportagem publicada no Portal Imprensa. O veículo de comuni-
cação noticiou em 21 junho de 2017 a ocorrência de um terremoto no estado da Califórnia. A mensagem divulgada no twitter do veículo de comunicação informou que a cidade de Santa Barbara havia sido atingida com um tremor de 6,8 graus de
magnitude na escala Richter, mas o fenômeno na realidade aconteceu em 1925. Um
funcionário do serviço geológico ao estudar um mapa antigo da instituição fez o
alerta por engano e o algoritmo reproduziu o erro (PORTAL IMPRENSA, 2017).
124 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
O uso de inteligência artificial na cobertura jornalística também é realidade
no jornal americano Washington Post. O veículo utilizou o algoritmo “Heliograf ” para acompanhar alguns jogos realizados durante as Olimpíadas, no Rio de Janeiro. De acordo com uma reportagem veiculada no Portal Imprensa, em nove de agosto de 2016, “o sistema é capaz de escrever frases relativamente complexas, dentro das regras tradicionais da estrutura semântica das notícias”. Durante a cobertura, o
Heliograf produziu informações objetivas sobre ranking de medalhas e placares de jogos. (PORTAL IMPRENSA, 2016).
Nos Estados Unidos duas empresas privadas, a Narrative Science e Automa-
ted Insights, segundo Araújo.M(2016), são destaque na criação de inteligências ar-
tificiais que produzem textos jornalísticos. A Automated Insights, fundada em 2007, desenvolveu o algoritmo “Wordsmith” para desenvolver esta tarefa. No site da em-
presa, um bunner convida o internauta a fazer parte do grupo de organizações que automatizam mais de 1,5 bilhão de narrativas anualmente através do Wordsmith.O
algoritmo chamou a atenção da agência de notícias americana Associated Press que, em março de 2015, anunciou que começaria a usar o Wordsmith para gerar
textos e aumentar a velocidade de produção do fluxo de notícias. (AUTOMATEDINSIGHTS, 2017).
A estrutura da narrativa textual, de acordo com Venticinque (2016), segue um
padrão pré-determinado:
(...) o administrador do Wordsmith pode criar uma estrutura narrativa básica e deixar em branco os espaços que seriam preenchidos pelos dados noticiosos – o resultado de uma partida, o jogador que marcou o maior número de pontos ou o time vencedor, por exemplo. Ao receber os dados, o programa os analisa e preenche os espaços em branco usando uma sintaxe que imita a escrita humana. (VENTICINQUE, 2016)
A outra empresa, a Narrative Science, criada em 2010, iniciou com um al-
goritmo que gerava comentários sobre partidas de baseball, baseado no placar e
desempenho do time em relação a outros jogos. Ferigato (2015) relata que o de-
CAPÍTULO VII - 125
senvolvimento deste algoritmo surgiu na Universidade de Northwestern (EUA), no projeto de pesquisa chamado ‘Stats Monkey’ e é um dos marcos do uso da robótica
no jornalismo. A iniciativa foi dos professores doutores Kristian Hammond e Larry
Birnbaum, co-diretores da Narrative Science. O passo seguinte foi criar o “Quill” uma plataforma baseada em inteligência artificial que codifica, em poucos segundos, estatísticas em notícias. (FERIGATO, 2015).
Um dos fundadores da organização, Kris Hammond, acredita que no futuro a
Narrative Science será uma mediadora entre os dados e a experiência humana (FAS-
SLER, 2012). O otimismo da organização também pode ser observado em outra declaração de Kris Hammond ao prever que até 2030 cerca de 90% dos textos jor-
nalísticos nos Estados Unidos serão gerados por algoritmos (THE GUARDIAN, 2015).
No Brasil uma parceira da PUC com o Globo Esporte, em 2011, viabilizou o
desenvolvimento de um algoritmo para auxiliar a redação de notícias relacionadas a jogos de futebol. Além de gerar estatísticas e informações sobre as partidas, o algo-
ritmo exibia palavras-chave que resumiam o perfil do jogo, como “goleada” e “jogo truncado”. Por email, em 26 de julho de 2017, o coordenador do projeto professor Dr. Daniel Schwabe, diretor do Laboratório de Engenharia de Aplicações Web com foco em projetos voltados a interação homem /máquina, afirmou que:
por motivos internos no ambiente de produção da Globo.com, o projeto não chegou a ser colocado em produção, apesar do apoio dos próprios jornalistas. (...) a geração automática de notícias só funciona em casos bastante específicos e limitados, nos quais a existência de dados permite análises para determinar alguma mudança de “status quo”, ou análises quantitativas, como foi o exemplo do trabalho na Globo.com, baseado em dados de “scouting” de partidas de futebol. (SCHWABE, 2017)
Desde que os primeiros jornais circularam, segundo Lage (2006), a partir de
1609 estava presente a figura do jornalista executando a função de coletar dados, fazer entrevistas, confrontar informações e transformá-los em texto. A definição
do que é notícia até hoje não é consensual porque é permeada por conceitos de
126 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
noticiabilidade que envolvem, inclusive, até questões pessoais do próprio jornalista
e constrangimentos organizacionais. Entre os autores que tentam definir o que é notícia, por exemplo, está Noblat (2003) ao citar os manuais de jornalismo que avaliam notícia como todo fato relevante que desperta interesse público.
Há um fator de consenso, entretanto, na questão de que noticia é um relato
breve de algo factual. Essas são, inclusive, as caraterísticas que também podem ser encontradas nas notícias produzidas por algoritmos em uma época que veicular em
tempo real está entre os fatores decisivos para um veículo de comunicação con-
quistar o público. Porém, há uma diferença crucial entre “notícia” e “reportagem”. Enquanto a primeira se apresenta vinculada ao imediatismo, a segunda tem relação
com o aprofundamento das informações. Como exemplo, Lage (2006) cita a queda
de um avião que, em um primeiro momento, seria uma notícia, mas nos dias subsequentes poderia inspirar reportagens sobre a indústria aeronáutica ou segurança
em viagens aéreas. Um trabalho que demanda tempo e muita investigação (LAGE, 2006, pg.39). Neste contexto, os algoritmos se encaixam na opção de gerar notícias porque são factuais e geram dados factuais, como número de vítimas e hora da
queda. Carreira e Squira (2017), inclusive, afirmam que a “automação pressupõe a ascensão de uma tecnologia que não visa garantir a alta qualidade de análise e de texto, muito menos de investigação no jornalismo”.
A relação dos humanos com a produção e análise dados, obviamente, não
é algo recente, Mayer-Schonberger e Cukier (2013) constatam que a atualidade, permeada pelo Big Data, traz como característica a velocidade com que essas duas tarefas são executadas. No jornalismo a análise de dados ao lado da execução de
entrevistas são tarefas rotineiras que muitas vezes são executadas sobre pressão, seja do dead line (horário estipulado para entrega do texto) ou do simples objetivo de veicular primeiro que a concorrência.
Carreira e Squira (2017) atestam que um algoritmo tem condições de trans-
formar dados em resultado analítico por meio de uma velocidade que o usuário não seria capaz de alcançar diretamente sem ajuda da tecnologia. Essa agilidade viabilizaria nos sites noticiosos, por exemplo, um fluxo de notícias muito próximo
do tempo real do acontecimento, como os resultados parciais ou finais de partidas esportivas. Sendo assim, a prática jornalística, com o fluxo contínuo de notícias
CAPÍTULO VII - 127
online e a busca incessante pela audiência, por meio de furo jornalístico, é atingida diretamente. Sob esta ótica, Carreira e Squira (2017) salientam que:
apesar do jornalismo sempre ter sido baseado em dados, eles passaram a ter tanta complexidade em função do volume, da multiplicidade das fontes, da velocidade, entre outros fatores, que abriram espaço para as tecnologias estruturadas em algoritmos”. (CARREIRA E SQUIRRA, 2017, p. 80)
A agilidade dos algoritmos em interpretar dados e gerar notícias vai ao encon-
tro do nowism, comportamento social caracterizado pela pressa que os cidadãos têm em se informar e experimentar o novo. Gabriel (2015) interpreta que o nowism tem forte vínculo com a tecnologia empregada na área da comunicação, principalmente porque garante chegar à frente da concorrência no momento de veiculação de um fato.
Os algoritmos ganham no quesito agilidade da análise de dados, mas ainda
apresentam deficiências na produção textual de qualidade. A linguagem humana, na avaliação de Oliveira (2016), é complexa e difícil de ser reproduzida e, por isso, a inteligência artificial está em desvantagem quando a tarefa é redigir textos.
Os robôs ainda não podem escrever com uma linguagem mais humana. Por serem mecânicos, tem seus textos baseados em dados e os utilizam para construir a história que vão contar, o que os coloca em uma posição perfeita para hardnews, mas não podem dar profundidade ao texto. Ou seja, por enquanto esse é o lugar que eles ocuparão. Por outro lado, bons repórteres não nascem de um dia para outro, mas são estimulados por muita leitura, aprendizado e contato humano, e ainda não foi criado algoritmo que dê conta desta tarefa. (OLIVEIRA, 2016)
A Universidade de Munique Ludwig-Maximilians, a terceira maior institui-
ção de ensino superior da Alemanha, publicou, no início de 2016, um estudo, coor-
denado pelo pesquisador Andreas Graeve, sobre o uso de algoritmos na produção
128 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
textual noticiosa. O objetivo foi comparar as reações dos leitores em relação a textos
escritos por humanos e por computadores. De acordo com Venticinque (2016), as notícias geradas por algoritmos ganharam nos quesitos credibilidade e conheci-
mento do tema, mas perderam na questão legibilidade, isto é o texto apresentava uma estrutura que não oferecia uma linguagem clara.
Outra desvantagem apontada quando a tarefa é redigir notícias, de acordo
com Escobar (2016) é a incapacidade dos algoritmos de “entender” o contexto cultural e não serem programados para interpretar ironia, sarcasmo ou metáforas culturais. Harari (2014) afirma que campos como a Física e Engenharia já perderam
contato com a linguagem humana falada e são mantidos, quase que exclusivamente, por notações matemáticas, mas enfatiza que os computadores ainda têm dificuldade de entender como o Homo Sapiens fala, sente e sonha e que, por enquanto, o
campo da inteligência artificial está voltado exclusivamente ao sistema binário de computadores. (HARARI, 2014, pg.132)
ÉTICA O atual Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em vigor desde agosto
de 2007, determina no artigo sétimo que o trabalho do profissional “se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação” e no décimo primei-
ro artigo alerta que o” jornalista é responsável por toda a informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros”. No caso de notícias escritas por inteligência artificial, Araújo.M (2016) questiona a quem deve ser atribuída a autoria: ao programa que gerou a notícia ou ao programador que criou o
algoritmo? O autor também enfatiza que a questão é agravada no caso de algorit-
mos criados com deep learning, habilidade de autocorreção sem a intervenção de um programador. (ARAÚJO.M, 2016, pg.91)
De acordo com Ferigato (2015), o professor na Escola de Direito da Univer-
sidade de Washington (EUA), especializado em robótica e drones Ryan Calo fez
uma importante análise da questão ética relacionada aos algoritmos que escrevem notícias:
O que surge como interessante é quando o programa faz uma alegação falsa por acidente. Nos Estados Unidos, a cláusula de livre expres-
CAPÍTULO VII - 129
são da Constituição protege jornalistas de processos de difamação, exceto em casos onde eles atuaram com malícia verdadeira. Seria difícil mostrar que uma alegação falsa gerada por um computador é maliciosa. Ao mesmo tempo, o estrago foi feito. Então, você tem o problema legal e ético de ter uma vítima sem um criminoso (FERIGATO, 2015)
Um bom exemplo desse tipo de situação é apontado por Diakopoulos (2014)
ao citar a veiculação da notícia sobre a morte de Quinton Ross, ex-jogador de
basquete do Brooklyn Nets veiculada pelo New York Post em março de 2014. Minutos após a divulgação, o veículo desmentiu a informação de que a vítima era um
homônimo do jogador, mas o algoritmo “BOT” já havia reproduzido a notícia. Essa
inteligência artificial foi criada para identificar furos de reportagem no Wikipedia, em 287 idiomas. ”BOT” considera que se muitas páginas estão sendo editadas sobre um mesmo assunto, ele é importante e real DIAKOPOULOS (2014).
As limitações da inteligência artificial nas questões éticas relacionadas à prá-
tica jornalística são analisadas por Araújo, V.L (2016) como previsíveis. O autor
discorre que os algoritmos possuem limitações atávicas porque funcionam por meio
de decisões baseadas em “sim” e “não”. Essa constatação, na avaliação dele, prejudica a tomada de decisão diante de um conflito ético porque haverá situações que a
melhor resposta será um meio-termo. Sendo assim, a inteligência artificial não teria condições de buscar outro caminho, além da negativa ou afirmação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso da inteligência artificial para produção de textual acontece em um pe-
ríodo em que o fluxo contínuo de notícias em tempo real é uma das características marcantes não só do jornalismo neste início de século, mas também das redes so-
ciais. O diferencial do jornalismo neste cenário seria a confirmação da informação
e o aprofundamento dela por meio de análises e questionamentos, por exemplo. Além disso, vivemos um período em que o volume de dados é impossível de ser
130 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
mensurado com exatidão. Stopanovski (2014) recorda que em 1945, o engenheiro
americano Vannevar Bush, considerado o inventor do conceito do hipertexto, já havia constatado que o volume de informações produzidas era superior à capacidade de processamento dos seres humanos, e que era imperiosa a utilização de máquinas
para interpretá-las. Se há sete décadas, Vannevar Bush já fazia essa previsão em uma época em que a internet não era realidade, é previsível que nesta segunda década do século 21 a situação esteja mais complexa.
Neste panorama, as notícias produzidas por algoritmos estariam, em um pri-
meiro momento, em vantagem porque a inteligência artificial faz com agilidade
processos que um jornalista demoraria mais tempo para executar Os algoritmos, entretanto, ainda estão longe de conseguir redigir reportagens porque, como relata
Campos ( 2006) elas não se atém apenas ao factual, nem são apenas um relatório
frio com muitos dados, A reportagem precisa de contextualização e humanização do relato, fatores que obrigam o repórter a conversar com pessoas, sejam elas especialistas ou não.
Caso uma pesquisa apresentasse hoje o número de partidas que um time per-
deu no último ano, por exemplo, o algoritmo se ateria ao dado factual, mas um re-
pórter ao produzir uma reportagem tem condições de ir muito além entrevistando
jogadores, comissão técnica, comentaristas esportivos, torcedores e outras fontes que achar necessárias, além de apresentar até mesmo informações sobre a história
do time. Ao ir ao campo de futebol durante uma partida do time, o jornalista poderia, inclusive, relatar reações psicológicas dos torcedores e de jogadores durante passes errados e cartões amarelos e vermelhos.
O algoritmo Quakebot, do Los Angeles Times é ágil em veicular tremores de
terra, mas ineficaz quando a tarefa é conversar com moradores atingidos, equipes
de salvamento ou especialistas para explicar o fenômeno. Mesmo que tivesse condições, ainda teria a deficiência de não interpretar figuras de linguagem ou sarcasmos
gerando assim problemas na hora de escrever as citações dos entrevistados. No jornalismo, inclusive, até mesmo repórteres iniciantes sabem que o silêncio do entrevistado diante de uma pergunta é merecedor de atenção. Também cabe salientar a
questão ética do repórter de sempre ouvir todos os envolvidos em um fato e sempre
CAPÍTULO VII - 131
deixar claro quando uma fonte se recusou a falar, tarefa que, na atualidade, ainda não é desempenhada por algoritmos.
Um repórter também não teria atitude passiva diante de dados. Os números
poderiam ser analisados e confrontados, antes de uma possível veiculação. Os al-
goritmos, entretanto, ainda não conseguem executar o olhar crítico, habilidade que
Lage (2006) considera “competência humana”, enquanto outros, segundo o autor, encaram como intuição, faro ou percepção. Em um primeiro momento, a geração automatizada de notícias parece suprir a demanda do jornalismo de veicular com agilidade fatos considerados relevantes, mas perde pontos quando a tarefa fica mais complexa.
As notícias produzidas por um algoritmo correm o risco de veicular dados
incompletos ou errados porque a inteligência artificial, até o presente momento,
não tem programação para ser crítica, mas apenas reproduzir o que teve acesso. Fica evidente que, sete anos após o projeto de pesquisa americano ‘Stats Monkey’ ser considerado um dos marcos do uso da robótica no jornalismo, a iniciativa ainda apresenta questões polêmicas, como indefinição de quem seria a responsabilidade pelo texto.
Para finalizar, cabe salientar que Graefe (2016) alerta que a automatização
da prática jornalística aumentará o volume de notícias disponíveis e que a tarefa
das pessoas filtrarem o que é relevante ficará mais complexa e precisará com mais força da ajuda da inteligência virtual. Diante desta previsão, fica a certeza de que
os algoritmos já estão, mesmo com falhas, participando ativivamente da produção
e seleção do que devemos ler. Fica a esperança que eles não se rebelem, como nos filmes de ficção científica, e comecem a produzir fatos como os seres humanos. São os tempos da Cibersociedade.
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CAPÍTULO VIII - 135
CAPÍTULO VIII EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, MOOCS E MACHINE LEARNING: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA Rafael Gattino Furtado Luciane Fadel
RESUMO Atualmente há muitas plataformas MOOCs na internet devido sua facilidade de oferta e alta disponibilidade. Estas plataformas cresceram dado os avanços das TICs. O aprendizado de máquina (machine learning) é uma técnica que permite aos softwares aprender com escolhas anteriores e promover o reconhecimento de padrões. O objetivo deste artigo é analisar as publicações científicas que utilizam o aprendizado de máquina aplicado ao contexto educacional a distância (MOOCs). Para tal, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, consultando as bases internacionais. As publicações analisadas foram categorizadas em cinco diferentes dimensões sobre a aplicação do aprendizado de máquina voltado a: (1) análise de comportamento do estudante; (2) oferta de cursos; (3) controle de evasão; (4) ambientes virtuais de aprendizagem; e (5) gestão de conteúdo online. Os resultados desta análise indicam que o aprendizado de máquina certamente pode ser aplicado ao contexto educacional, melhorando o processo de ensino e aprendizagem na educação a distância. O potencial deste campo da inteligência artificial pode produzir avanços educacionais promovendo, por que não, uma revolução na educação. No entanto, ainda se faz necessário mais estudos teórico-empíricos para validação destes algoritmos e a expansão para outras instituições que tenham interesse em utilizar tais recursos e explorar seu potencial. Palavras-chave: Educação a distância; MOOCs; Aprendizado de máquina (Machine learning).
136 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
INTRODUÇÃO A Educação a Distância (EaD) é uma modalidade de ensino que cresceu muito
nas últimas décadas. Com a evolução das Tecnologias da Informação e Comunica-
ção (TIC) essa modalidade cresceu ainda mais (Comarella, 2009). Esta modalidade tem por característica o foco no estudante, desta forma, Galusha (1997) afirma que
conhecer as características dos estudantes ajuda a compreender possíveis obstáculos
por eles encontrados e possibilita um suporte adequado por parte da instituição. O cenário pode ser dificultado quando são observados os MOOCs (Massive Open
Online Courses – Cursos Online Abertos e Massivos), uma vez que raramente tuto-
res/professores online são alocados para acompanhar os estudantes e o número de inscritos pode crescer sem limites rígidos.
Jordan (2014), aponta que os dados de inscritos versus concluintes não são
divulgados de forma consistente, bem como sua relação com as plataformas de Moocs. Para Anderson, et al. (2014), “os MOOCs ainda são relativamente inexplo-
rados e mal compreendidos”, fator, este, que demonstra a existência de uma lacuna de problemas evidenciados pelos MOOCs dentro da EaD.
Em paralelo ao crescimento das plataformas de MOOCs, a tecnologia oferece
cada vez mais recursos diante do potencial de processamento oferecido pelo hardware existentes hoje. Kravvaris, et al. (2016) afirmam que “os métodos de processamento de dados na web criaram novas áreas de estudo, como a mineração de dados
educacionais e mineração de dados sociais”. Outra técnica que vem evoluindo é o Machine learning (Aprendizado de Máquina), que fornece o uso da Inteligência Artificial para que os softwares aprendam com seus erros e possam agir de forma independente. Aher e Lobo (2013) sugerem que as técnicas de aprendizado de
máquina e mineração de dados poderiam ser aplicadas para melhorar os ambientes virtuais de aprendizagem para avaliar melhor o processo de aprendizagem.
Diante do exposto, o presente estudo busca responder a seguinte questão de
pesquisa: de que forma as técnicas de aprendizado de máquina podem melhorar o processo de ensino e aprendizagem a distância em plataformas de MOOCs?
Dessa forma, o objetivo principal deste artigo é encontrar estudos das aplicações do
CAPÍTULO VIII - 137
aprendizado de máquina voltados à EaD e MOOCs já existentes. Para tal, faz-se necessário uma revisão sistemática da literatura, consultando importantes bases de dados internacionais, para aprofundar os conceitos sobre as temáticas e analisar como os estudos podem responder a pergunta elaborada.
REVISÃO DA LITERATURA
Educação a Distância Um sistema de educação a distância é formado por todos os processos compo-
nentes de ensino-aprendizagem operando a distância, incluindo aprendizado, en-
sino, comunicação e gerenciamento (MOORE e KEARSLEY, 2007, p.9). Como metodologia, a educação a distância é uma modalidade de ensino que se caracteriza
por manter distante geograficamente e temporalmente os componentes envolvidos no processo educacional, e fazer com que os recursos educacionais sejam compar-
tilhados por intermédio de meios tecnológicos. Segundo Moore e Kearsley (2007, p.2), a EaD é “uma modalidade educacional na qual o processo de ensino-aprendi-
zagem ocorre com a intervenção das tecnologias de informação e comunicação, de forma planejada”.
Com base no exposto, o estudante não está fisicamente presente em uma sala
de aula com o professor e demais colegas, uma vez que a sala de aula é substituída pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e as atividades relacionadas a aula e avaliação ocorre neste espaço. Para se adaptar a esta modalidade de ensino, o es-
tudante deve possuir ou desenvolver outras habilidades, formando um outro perfil
de estudante, mais dinâmico e responsável, capaz de buscar fontes e saber conduzir seu próprio ritmo de estudo. Peters acrescenta que
os estudantes devem estar prontos para serem capazes de reconhecer metas e possibilidades concretas de aprendizagem com base nas modificações que podem causar em suas vidas e no trabalho, estar
138 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
dispostos a planejar e organizar a sua aprendizagem de forma independente dos professores. (2002, p. 185)
McIsaac e Gunawardena (1996) afirmam que “o estudante na modalidade a
distância está perante uma nova noção de tempo e espaço”, considerando que as interações podem ocorrer assincronamente. Assim, o estudante necessita desen-
volver atitudes que contribuam para o perfil necessário ao estudo a distância, tais como motivação, responsabilidade, organização e autonomia (MCISAAC e GUNAWARDENA, 1996). MOOCs Segundo Liyanagunawardena (2013), o termo MOOC foi cunhado em 2008
para descrever um curso online aberto a ser oferecido pela Universidade de Manitoba no Canadá. MOOCs é o acrônimo para o termo em língua inglesa Massive Open Online Course, ou seja, Curso Online Aberto e Massivo. Um MOOC é um tipo de curso aberto ofertado por meio de um AVA, que objetiva a participação em
larga escala e que proporciona a oportunidade de estudantes ampliarem seus conhecimentos. A participação em um curso disponibilizado em um MOOC ocorre de maneira voluntária e depende do interesse do estudante. O fato da maioria das
plataformas MOOCs oferecerem cursos para que os usuários estudem de forma autônoma, comprova a afirmação anterior.
Durante a década de 90, o avanço das tecnologias de informação e comuni-
cação (TIC) permitiu o desenvolvimento na área de acesso a materiais dos cursos e a comunicação síncrona e assíncrona. Além disso novos sistemas de conferência
foram disponibilizados facilitando a utilização pelos estudantes, potencializando a aprendizagem online (KEEGAN, 2008).
Nos últimos anos, segundo Yang et al (2014) e Kravvaris, et al. (2016) tem
ocorrido um crescente interesse pelos MOOCs. Kravvaris complementa que nos MOOCs, a qualquer momento, qualquer estudante pode se inscrever, ao contrário
de cursos online tradicionais que suportam um número limitado de alunos. Akilesh, et al. (2016) acrescentam que o uso do computador no campo da educação aumen-
CAPÍTULO VIII - 139
tou bastante e que a disponibilidade de MOOCs está mudando a maneira como os conteúdos são ensinados. Fini (2009) acrescenta que o conceito de acesso aberto a
aprendizagem foi tomado em uma direção diferente, com a introdução dos cursos online massivos. Yang, et al (2014) defendem que através de aulas de vídeo, acompanhadas de material de aprendizagem e testes, os MOOCs oferecem experiências
de aprendizado interessantes para estudantes, abrindo educação acadêmica para uma ampla gama de participantes de todo o mundo e os alunos, através dos fóruns
MOOC, podem formar redes para discussão e trabalho de colaboração. No entanto
Yang (2014), aponta que as baixas taxas de conclusão indicam que os estudantes não podem estar aproveitando ao máximo o potencial dos MOOCs. Machine learning Machine learning ou Aprendizado de Máquina é um ramo da inteligência ar-
tificial que, invariavelmente se preocupa com o design e desenvolvimento de algo-
ritmos que permitam aos computadores evoluir os comportamentos e gerar regras baseadas em dados empíricos (NEGNEVITSHY, 2005). Com relação a Inteli-
gência Artificial aplicada a educação, McCarthy (2007) afirma que ela é a ciência e a engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente programas de computador inteligentes. Em outras palavras, é a inteligência similar à humana, mas desempenhada por mecanismos de hardware e/ou software.
O autor do termo Machine learning foi Arthur Samuel em 1959, definindo
o aprendizado de máquina como um campo de estudo que dá aos computadores
a habilidade de aprender sem serem explicitamente programados. Dessa forma, o aprendizado de máquina explora o estudo e construção de algoritmos que podem
aprender com seus erros e acertos, fornecendo previsão de dados. A questão de não precisar serem explicitamente programados significa que os softwares podem encontrar insights ocultos para procurar algum padrão específico.
Uma área específica do aprendizado de máquina é o reconhecimento de pa-
drões, que permite reconhecer tendências a partir de dados. Singh e Pranit (2013) corroboram tal afirmação explicando que “o foco principal da pesquisa de aprendi-
140 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
zagem de máquina é aprender automaticamente para reconhecer padrões complexos e tomar decisões inteligentes com base em dados passados e presentes”.
METODOLOGIA Para realizar o estudo dos conceitos e relações entre os temas, foi realizada
uma revisão sistemática da literatura, buscando publicações científicas que rela-
cionam MOOCs e Machine learning. Este tipo de revisão tem como foco uma questão bem definida e seu propósito é identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes disponíveis (Galvão & Pereira, 2014). Para Pompeo, Rossi
e Galvão (2014, p. 435), a revisão sistemática é um método de pesquisa “que tem como princípio geral a exaustão na busca dos estudos relacionados à questão clínica formulada, seguindo método rigoroso de seleção, avaliação da relevância e validade
das pesquisas encontradas”. Desta forma, este tipo de revisão permite a organização do processo de revisão da literatura, propiciando a leitura e análise dos artigos relevantes a pesquisa com vistas a sintetizar os resultados. Como a revisão sistemática
visa realizar uma busca com critérios bem definidos sobre determinado(s) tema(s), é possível que o leitor consiga reproduzir a busca, seguindo os parâmetros e etapas aqui descritos.
As bases de dados que foram utilizadas para a presente revisão sistemática
foram a Scopus e a Web of Science, e os descritores utilizados foram: “machine learning” AND (“mooc” OR “moocs”). A busca pelos descritores ocorreu nos campos
de título, abstract e keywords. Não foi preciso realizar qualquer corte transversal, pois os resultados estavam contidos dentro dos últimos cinco anos. Na base Scopus, foram encontrados 68 (sessenta e oito) resultados, e após a marcação do filtro para somente artigos, restaram apenas 8 (oito). Na base Web of Science a busca retornou
27 (vinte e sete) resultados. Deste total de 35 artigos encontrados nas duas bases, 4 (quatro) eram repetidos, restando 31 (trinta e um). Após a leitura dos resumos
dos artigos, 7 (sete) foram descartados por não haver relevância e/ou aderência ao estudo, restando 23 (vinte e três) artigos para leitura.
CAPÍTULO VIII - 141
O Quadro 1 apresenta a tabulação dos resultados levando em conta os mo-
mentos de exclusão de artigos por duplicidade e por resumo. Quadro 1 – Resumo do processo de seleção de artigos. Base de Dados
Artigos en- Artigos re- Artigos sele- Exclusão contrados petidos cionados resumo
Scopus
8
Web of Science
27
Total
35
pelo Total de artigos selecionados
8
1
7
4
23
7
16
4
31
8
23
Fonte: o autor (2017)
Para realizar a organização dos resultados foi utilizado o software EndNote,
onde foram importados os resultados das buscas e lido os resumos, e também o
software Microsoft Excel para tabulação dos resultados e categorização dos artigos. Análise dos Resultados Com base nos dados coletados, percebe-se que os estudos científicos sobre
os temas relacionados se iniciaram a partir do ano de 2013, com apenas três pu-
blicações e se manteve baixo até 2015 variando entre duas e três publicações. No entanto, em 2016 houve um salto de três para quinze publicações, demonstrando o
interesse da academia na junção dos dois temas pesquisados. Dentre os vinte e três
artigos selecionados, não houve repetição de autores e o gráfico 1 apresenta o total de publicações agrupados por ano.
142 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Gráfico 1 – Total de publicações por ano
Fonte: o autor (2017)
Para analisar a contribuição do Aprendizado de Máquina nas plataformas de
MOOCs, foi preciso criar categorias, com o propósito de enquadrar os artigos. Estas categorias permitem identificar qual o tipo de aplicação do Aprendizado de Máquina, uma vez que, atualmente, esta técnica vem sendo utilizada em diversas
aplicações tecnológicas. As cinco categorias criadas são: Comportamento do aluno, Oferta de cursos, Evasão, AVA e Conteúdo. O quadro 2 apresenta uma listagem dos artigos agrupados por categoria.
Quadro 2 – Agrupamento por categorias Categoria Comportamento Aluno
Pesquisas (por autores/ano) do
Kidzinski et al (2016), Sephus, Olubanjo e Anderson (2013), Thiyagarajan (2015), Liu et al (2016), Kovacs (2016), Akilesh et al (2016)
Oferta de Cursos
Kausal, Shukla, e Chowdhary (2016), Kravvaris, Kermanidis e Ntanis (2016), Aher e Lobo (2013)
Evasão
Chen et al (2016), Yang et al (2014), Crossley et al (2016), Robinson et al (2016), Liang, Li e Zheng (2016), Mi e Yeung (2015), Kluesener e Fortenbacher (2015)
CAPÍTULO VIII - 143
AVA
Dillenbourg (2016), Liu, Kidzinski e Dillenbourg (2016), Kyrilov (2014), Atapattu e Falkner (2016)
Conteúdo
Vaughan, Gabrys e Dubey (2016), Sajjadi, Alamgir e von Luxburg (2016), Singh e Lal (2013)
Fonte: o autor (2017)
A primeira categoria, que aborda especificamente do comportamento do
estudante é composta por cinco artigos. Nesse grupo, o aprendizado de máquina
consegue entender os passos e algumas ações do estudante, no sentido de verificar quais recursos conseguem realmente propiciar o seu aprendizado. Algumas propos-
tas também focam na análise do comportamento do aluno, mas com base na sua
leitura facial, constatando momentos de distração do aluno, e consequentemente, não tendo um aproveitamento ideal.
A segunda categoria trata da utilidade mais explorada pelo aprendizado de
máquina, que é o sistema de recomendações. Praticamente todos os sites e-commer-
ce (lojas virtuais) se utilizam deste recurso para sugerir itens que outras pessoas já
compraram e que se relacionam com determinado produto ou perfil de comprador. Nesta pesquisa, três artigos propõem sugerir aos estudantes cursos disponíveis na
plataforma MOOC, com base nos seus cursos de interesse ou através da escolha de outros estudantes com perfil similar.
Na sequência encontra-se a categoria que apresenta o maior número de publi-
cações: os sete artigos pesquisados analisam o comportamento do aluno com foco
total no controle de evasão, seja por meio da análise das causas que afasta o aluno, seja pelos fatores que fazem com o estudante obtenha êxito.
A quarta categoria, que possui quatro publicações, trata dos AVAs. Assim
como os sites dinâmicos na internet, os ambientes virtuais podem se adaptar de
acordo com o perfil do estudante. Como o AVA substitui a sala de aula na plataforma MOOC, é importante que o ambiente seja agradável e amigável, promovendo a permanência do usuário.
144 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Por fim, tem-se a categoria que talvez seja a mais complexa, pois trata do
conteúdo de cada curso. A proposta dos três artigos é permitir que o conteúdo ou as avaliações se modifiquem e sejam diferenciadas para cada aluno, mas não de maneira aleatória, e sim com base na análise de padrões de comportamento e aproveitamento do estudante.
DISCUSSÕES Compreender o perfil do estudante – incluindo dados pessoais, fatores sociais
e estilo de aprendizagem – gera subsídios para melhorar qualidade da metodologia
de ensino, maximizar o desempenho do aluno, e reduzir a evasão (Galusha, 1997; McIsaac e Gunawardena, 1996). Dessa forma, o aprendizado de máquina pode ser
aplicado a diversas atividades e recursos de AVAs e MOOCs, provendo melhorias em todo o processo educacional.
A fim de melhor organizar as discussões, nesta seção será preservada a divisão
por categorias para não interpor a aplicação da tecnologia de aprendizado de máquina em diferentes dimensões na educação a distância.
Aprendizado de máquina voltado a análise do comportamento do estudante A maioria das publicações incluídas nesta pesquisa utilizam o aprendizado de
máquina para análise do comportamento do estudante. Nesta seção, seis publica-
ções visam observar como o aluno se comporta diante de diversos recursos dentro de uma plataforma MOOC. Tais recursos podem ser vídeos, avaliações, questioná-
rios, ou apenas analisar o índice de atenção/distração do estudante. (Sephus, et al., 2013; Thiyagarajan e Lee, 2015; Akilesh, et al., 2016; Kidzinski, et al., 2016; Kovacs e Acm, 2016; Liu, et al., 2016).
A publicação mais antiga desta categoria é a de Sephus, et al. (2013), que visa
discutir questões relacionadas a aulas de música em que as técnicas de aprendizado de máquina podem ser usadas para “encontrar ou desenvolver lições de música ba-
CAPÍTULO VIII - 145
seada no estilo de aprendizagem do aluno”. Esta pesquisa utilizou uma abordagem quantitativa para avaliar o desempenho do estudante, com base no seu progresso ao
aprender a tocar um instrumento musical em particular. Uma conclusão dos autores foi que as soluções propostas na pesquisa podem beneficiar tanto o aprendiz como
o instrutor online: o primeiro pela análise do estilo de aprendizagem e o segundo pelo aprendizado do próprio sistema instrutor.
Os trabalhos de Kidzinski, et al. (2016) e Liu, et al. (2016) sugerem a análise de
grande volume de dados (bigdata) para descobrir padrões profundos de comporta-
mento e fornecer previsões mais precisas sobre os estudantes e principalmente seus
resultados. Kidzinski estimula a reflexão sobre o potencial dos grandes volumes de dados, enquanto Liu reforça que dados não estruturados contêm grande quantidade
de dados redundantes, e para ambos casos, os autores sugerem o uso do aprendizado de máquina, pelo seu potencial e desempenho.
Liu et al. (2016) afirma que a crescente oferta de cursos nas plataformas
MOOCs oferecem aos professores a oportunidade de analisar as opiniões de alunos e melhorar as estratégias de ensino. Kidzinski (2016) corrobora tal afirmação e
complementa sobre o potencial do “uso do aprendizado de máquina e o processo de
análise, no contexto da educação online”. Na publicação de Kovacs e Acm (2016), o aprendizado de máquina é utilizado para analisar o quanto os questionários online
podem influenciar durante as apresentações em vídeo, em uma plataforma MOOC
específica. A pesquisa procurou identificar características que fazem o usuário se envolver com os vídeos, analisando seu comportamento como visualizador. A conclusão da proposta é que alguns usuários utilizam estratégias de navegação orien-
tada pelo questionário, pulando algumas partes do vídeo. Nos resultados, a maioria dos usuários respondeu corretamente na primeira tentativa, e ao responder incor-
retamente, tiveram um tempo médio de 13 segundos para responder corretamente, indicando um desempenho satisfatório da proposta.
Os artigos de Thiyagarajan e Lee (2015) e Akilesh, et al. (2016) possuem so-
breposição de alguns assuntos, pois o pesquisador Thiyagarajan também é um dos autores na publicação de Akilesh. Apesar de tratar do mesmo assunto, a abordagem da utilização do aprendizado de máquina varia um pouco, mas ambas se propõem a fornecer uma metodologia de ensino voltado ao auto estudo. As publicações
146 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
apoiam a ideologia do conectivismo, que é uma técnica que fornece comunicação eficiente entre homem e computador, e afirma que o computador pode ser usado
como um instrumento de orientação no campo da educação (Thiyagarajan e Lee, 2015; Akilesh, et al., 2016).
Os dois artigos também versam sobre o uso do aprendizado de máquina para
identificar o melhor método de ensino, a partir do comportamento do estudante na plataforma e pela leitura facial em tempo real. Akilesh et al. (2016) afirmam que
um algoritmo de análise de distorções angulares pode ser usado para rastrear o foco
dos estudantes, permitindo que o programa de ensino possa realizar uma pausa ao perceber que o estudante não está concentrado no computador.
Uma característica interessante apresentada nas propostas, é que os seis méto-
dos de ensino desenvolvidos nos projetos também oferecem suporte aos estudantes surdos e cegos. Para todos os estudantes, foram selecionados onze atributos que permitem analisar o tipo de método de aprendizagem utilizados por eles, onde um
método foi escolhido para cada estudante. Isto é possível graças aos feedbacks do
comportamento e aproveitamento dos usuários. Além disso, o estudante pode esco-
lher o seu próprio método e o sistema analisará um conjunto de dados para verificar se tal método é adequado. Em ambas situações o sistema aprende, e Thiyagarajan et al. (2015) afirma que “a tecnologia proposta pode melhorar a capacidade de aprendizagem dos alunos de forma significativa”.
Aprendizado de máquina voltado a oferta de cursos A aplicação mais comum de aprendizado de máquina e que pode ser ob-
servado por qualquer usuário de e-commerce é o sistema de recomendações, como
evidencia as pesquisas de Cheung, et al. (2003) e Schafer, et al. (2001). As publicações pesquisadas se propõem a utilizar um sistema inteligente de recomendação
de cursos, auxiliando alunos (novos ou não) em ambientes MOOCs (Aher e Lobo, 2013; Kausal, et al., 2013; e Kravvaris, et al., 2016).
Na pesquisa de Kravvaris, et al. (2016), foi examinada a relação entre redes so-
ciais e uma plataforma MOOC em particular, e a partir da análise dos dados abertos disponíveis nas redes sociais e na plataforma educacional, técnicas de minera-
CAPÍTULO VIII - 147
ção de dados podem extrair conclusões sobre recomendações de cursos. Os autores ainda justificaram a escolha de três redes sociais, pois constituem um ótimo campo
de pesquisa que traria resultados para a pesquisa em questão. Aher e Lobo (2013) também se utilizam das técnicas de mineração de dados, algoritmos de agrupamento e de regras de associação, para que o sistema final recomende cursos ao estudante com base na escolha de outros estudantes. É o mesmo princípio utilizado nos sites
de comércio eletrônico, mas nesse casso específico aplicado em uma plataforma AVA. Em suma, os três artigos propõem utilizar o aprendizado de máquina em um
sistema de informação, mais especificamente para o reconhecimento de padrões, com base em dados coletados de MOOCs e possivelmente fontes externas. Este
sistema de recomendação ajudaria os alunos na escolha de cursos de acordo com os seus interesses e através de perfis identificados.
Aprendizado de máquina voltado ao controle de evasão A evasão de alunos dos cursos a distância é um problema recorrente encon-
trado em todas as instituições. A pesquisa de Klusener, et al. (2015) aponta que
“mesmo as plataformas MOOC bem-sucedidas como Coursera, edX ou Iversity
enfrentam o problema das taxas de conclusão muito baixas”. Para Comarela (2009, p.16), a “evasão discente é um fenômeno complexo, definido como a saída do estudante de um curso sem concluí-lo com sucesso. Ela é resultante de uma série de
fatores que influenciam na decisão em permanecer ou não em um curso”. Portanto, nesta categoria foram agrupados sete artigos onde o aprendizado de máquina é utilizado para analisar o comportamento do estudante a fim de verificar o seu nível
de engajamento de forma a evitar a evasão (Yang, et al., 2014; Klusener, et al., 2015; Mi, et al., 2015; Chen, et al., 2016; Crossley, et al., 2016; Liang, et al., 2016; Robinson, et al., 2016). Dentro dessa categoria, dois artigos fazem análise do comportamento e da permanência do estudante com base em suas participações nos fóruns de discussão. Para Kovanovic,
Através da participação nas comunidades de aprendizado, os alunos desenvolvem o capital social”, essa participação tem um impacto “sig-
148 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
nificativo e positivo em muitos aspectos dos resultados de aprendizagem dos alunos, como desempenho acadêmico, persistência, retenção, satisfação do programa e senso de comunidade. (2014)
Na publicação de Yang, et al. (2014), técnicas de aprendizagem de máquina
foram utilizadas para desenvolver uma metodologia para análise da estrutura social
em fóruns de discussão de MOOCs. Dessa forma, foi possível observar o comportamento de abandono de estudantes em três MOOCs diferentes. Para Klusener, et al. (2015), as características dos alunos bem-sucedidos são derivadas de atividades
de fóruns combinadas com um perfil de aprendizagem. Dessa forma, ambas pesqui-
sas analisam os perfis dos estudantes, gerando feedbacks e classificando alguns deles como “estudantes de risco”. Nas duas propostas, foi desenvolvida uma ferramenta de análise, baseada no aprendizado de máquina, que classifica os estudantes de acordo com as respostas nos fóruns.
A pesquisa de Yang, et al. (2016) utilizou uma abordagem qualitativa na análi-
se das postagens e concluiu que estudantes vulneráveis são aqueles que não encon-
traram uma conexão pessoal entre seus interesses e objetivos ao conteúdo do curso. Nos resultados, o sistema possibilitou analisar as postagens em tempo real, identi-
ficando os alunos com potencial de saída e alertando um mentor humano, dando a oportunidade de intervir pontualmente. Já Klusener et al. (2015) indicam a alta
relevância de ler e comentar postagens de outros colegas como fator decisivo para o aprendizado e propõem a análise de mais recursos, com mais detalhes, descrevendo a interação dos estudantes no fórum de discussão, como em uma rede social.
De forma similar aos artigos anteriores, os artigos de Mi, et al. (2015) e Liang,
et al. (2016) realizam a análise dos dados das atividades de aprendizagem para me-
dir a probabilidade de os estudantes abandonarem o curso nos próximos dias. A diferença é que estas duas últimas pesquisas analisam os logs de atividades de diferentes plataformas MOOCs e descrevem um quadro de previsão de abandono. Tais atividades podem ser outros recursos quaisquer além dos fóruns de discussão. Nesta mesma linha de pesquisa, o artigo de Chen, et al. (2016) utiliza o aprendizado de
máquina para a construção de modelos estatísticos para prever o comportamento
de abandono baseado nos registros de atividades dos estudantes. Nos três artigos,
CAPÍTULO VIII - 149
o sistema final ajuda os professores e os pesquisadores do aprendizado de máquina
a analisar a relação entre atividades de aprendizagem online e o comportamento de abandono dos estudantes, e nos três casos, os feedbacks de especialistas foi positivo.
A pesquisa de Crossley, et al. (2016) buscou identificar padrões de estudantes
relacionados a conclusão do curso para ajudar a desenvolver intervenções com o
propósito de melhorar os resultados de retenção e de aprendizagem em MOOCs. O entendimento das previsões sugere que os dados de interação do estudante e
dados de linguagem dentro de um MOOC pode auxiliar para desenvolver sinais de sucesso do estudante. Dessa forma, os resultados indicaram que aqueles que com-
pletaram o curso, interagiram mais dentro do sistema e eram mais ativos em fóruns, corroborando outras pesquisas citadas.
O último artigo abordando o controle de evasão pesquisado foi o de Robin-
son, et al. (2016), que visava analisar respostas abertas sobre motivação e o valor
de utilidade de tais respostas para prever a persistência e conclusão do estudante. Para tal, foram utilizadas nesta pesquisa técnicas de processamento de linguagem natural para analisar as respostas e o valor de utilidade destas. Através dos resultados, descobriu-se que um modelo de previsão de aprendizagem de máquina pode
aprender com texto não estruturado para prever quais estudantes irão completar um curso online. Mesmo assim, algumas limitações foram encontradas com relação
a uma parcela de estudantes que não estão susceptíveis a ter sucesso no curso, no entanto a pesquisa releva insights sobre aqueles estudantes que precisam de algum tipo de ajuda.
Aprendizado de máquina voltado aos Ambientes Virtuais de Aprendizagem Nesta categoria foram agrupadas as publicações que tratam do aprendizado
de máquina como possibilidade de fazer com que os AVAs mudem de interface ou comportamento diante do aproveitamento do estudante. Os quatro artigos são de
Dillenbourg (2016), Liu, et al. (2016), Kyrilov (2014) e Atapattu e Falkner (2016).
O artigo de Kyrilov (2014) utiliza, além do aprendizado de máquina, uma técnica já conhecida chamada de Raciocínio Baseado em Casos (RBC), que de acordo com
150 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Kyrilov, possui a “capacidade de aprender com exemplos passados”. O ambiente da
pesquisa foi em turmas de computação, para análise de exercícios de programação. A aplicação desenvolvida provê um feedback qualificado com o propósito de manter os alunos envolvidos, e consequentemente reduzir o desgaste e evasão. O sistema foi
aplicado em vários cursos de graduação de Ciência da Computação, e os resultados foram promissores no sentido de oferecer uma classificação automatizada dos exercícios de programação e análise de erros cometidos pelos estudantes.
Na pesquisa de Dillenbourg (2016), foi realizada uma análise dos últimos 25
anos de uma plataforma de estudos na área de inteligência artificial voltada a educação. Para Dillenbourg, a noção de AVA evoluiu deixando de ser uma caixa fechada
e se tornando em um “ecossistema aberto, onde vários componentes estão distri-
buídos em várias plataformas com vários intervenientes interagindo”. Dentre estes
intervenientes, Dillenbourg destaca o professor, que tem atuação na fase de projeto
(como autor) e também durante a execução (como orquestrador). Como resultados, a análise identificou que, mais importantes que as evoluções tecnológicas, foram as evoluções sociais.
O artigo de Liu, et al. (2016) utiliza técnicas de aprendizagem para produzir
anotações sobre os fóruns de discussão. Essas anotações permitem aos investigadores
compreender mais profundamente o papel do fórum no processo de aprendizagem. Através dos resultados das anotações semiautomáticas, percebeu-se que estudantes “mais sociais” nos MOOCs possuem um desempenho melhor. Diferentemente dos
artigos que abordaram os fóruns de discussão como fator de impacto para controle de evasão, a pesquisa de Liu (2016) visa simplificar o trabalho de tutores, provendo
sugestões de melhorias que podem ser incorporados no AVA. Ainda nos fóruns de discussão tem-se o artigo de Atapattu e Falkner (2016) que propõe um quadro
aberto padronizado para gerar automaticamente tópicos e rótulos de discussão em
MOOCs. A proposta visa superar problemas de localização dentro do AVA e na-
vegação eficaz em cursos com grandes quantidades de discussões sobre um mesmo tema. Como resultados desta pesquisa, através do aprendizado de máquina é possí-
vel oferecer suporte a ferramentas de navegação e sistemas de recomendação dentro do contexto de MOOC.
CAPÍTULO VIII - 151
Aprendizado de máquina voltado a gestão de conteúdo online Esta última categoria trata das publicações que propõem a adaptar o conteúdo
digital diante de situações específicas de estudantes de plataformas MOOCs. Os três artigos relatados são de Singh e Lal (2013), Vaughan, et al. (2016), e Sajjadi, et al. (2016). O artigo de Singh e Lal (2013) destaca a vantagem de usar o aprendizado de máquina como ferramenta de planejamento eletrônico para melhorar não
apenas a aprendizagem, mas também o desenvolvimento de cursos. Dessa forma, a proposta utiliza algoritmos de aprendizado de máquina para examinar de forma inteligente os dados de registro para obter um mapeamento de interação online dos estudantes com o resultado do curso
Neste artigo, discute-se a efetividade da técnica ML na avaliação e aprimo-
ramento do projeto curricular. Com a abundância de dados agora disponíveis à
disposição e a mudança emergente para MOOCs e aprendizagem móvel, o uso de tais abordagens se tornará crítico em termos de conceituar e entregar o tipo certo
de instruções e atividades para os alunos. As conclusões desta pesquisa demonstram que essa análise dos dados gerados pelo usuário ajuda na identificação das ativida-
des mais significativas nos cursos e fornece um meio de validar o material didático, promovendo assim, uma aprendizagem personalizada dos estudantes.
Nessa mesma linha de pesquisa, segue o artigo de Vaughan, et al. (2016), que
pretende fornecer conteúdo de treinamento adaptativo individual específico para o
estudante. Para tal, utiliza-se o aprendizado de máquina aplicado ao treinamento de realidade virtual, e pode ser aplicado em diversas áreas do conhecimento, como treinamento médico e reabilitação, treinamento remoto, jogos educacionais, e platafor-
mas MOOCs. Como resultados da pesquisa, Vaughan aponta que, a automatização e aprendizagem de máquina podem fornecer conteúdo de treinamento adaptativo
individual. Além disso, esta combinação de técnicas pode ajudar a permitir uma
mudança de aprendizagem de livros didáticos para o uso de mídia inteligente. “Esta nova mudança oferece oportunidade para aprendizagem adaptativa personalizada para individualizar o conteúdo eletrônico” (Vaughan, et al., 2016).
Para concluir esta categoria, o artigo de Sajjadi, et al. (2016) utiliza a clas-
sificação por pares para análise de trabalhos submetidos no AVA. Os trabalhos
152 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
submetidos eram algoritmos e um sistema realizava uma análise comparando todos os códigos-fonte gerando um grande conjunto de dados de pares de notas. Fo-
ram aplicados diferentes métodos estatísticos e de aprendizagem de máquina para agregar as classes de pares a fim de chegar nas notas finais. Em paralelo ao sistema
automatizado, o mesmo procedimento foi realizado por professores e os resultados foram similares, mas de maneira muito mais ágil e precisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como objetivo identificar como a técnica de aprendizado de
máquina pode ser aplicado no contexto educacional, através de plataformas de cursos online abertos e massivos (MOOCs). Os resultados apontam que várias pesquisas acadêmicas vêm sendo realizadas neste contexto, com um crescimento significativo no ano de 2016. As técnicas de aprendizado de máquina que foram aplicadas
nos estudos pesquisados permitem a análise de comportamento do aluno com dois propósitos: a) verificar o estilo de aprendizagem do estudante e propor um estilo que se adapte ao seu perfil; b) conhecer padrões de comportamento que permitam
identificar estudantes propensos a desistência. Estas duas aplicações permitem que o ambiente possa intervir em casos de dificuldades específicas de alunos, no que
tange aos métodos de aprendizado. Outras aplicações do aprendizado de máquina variam entre promover um AVA versátil e adaptável à condição e aproveitamento
do aluno; adaptação do formato de apresentação do conteúdo; e oferta de cursos, que é basicamente o sistema de recomendações baseado em escolhas de outros estudantes com um perfil similar.
O aprendizado de máquina pode acontecer com os casos anteriores, incluindo
as decisões equivocadas. É possível também que as escolhas dos estudantes sejam
analisadas para tentar identificar um perfil novo ou já existente de estudante. Os pesquisadores citados na seção anterior reforçam que os algoritmos de aprendizado
de máquina ajudam a melhorar a sua precisão após a análise das decisões já tomadas. Com base no exposto, observa-se que, em resposta à pergunta inicialmente
elaborada neste artigo, o aprendizado de máquina certamente pode melhorar o
CAPÍTULO VIII - 153
processo de ensino e aprendizagem no contexto de educação a distância. Como as plataformas MOOCs são na sua essência autônomas, o potencial deste campo
da inteligência artificial pode produzir avanços educacionais promovendo, por que não, uma revolução na educação.
Dentre as pesquisas futuras que foram identificadas através das aplicações pro-
postas, percebe-se que alguns algoritmos podem ser aplicados a contextos diversifi-
cados e/ou em mais plataformas AVA abertas, permitindo que qualquer instituição de ensino utilize estes algoritmos. Outra possibilidade é utilizar o aprendizado de
máquina para desenvolver um tutor online inteligente cada vez mais preciso, pres-
tando não apenas o suporte técnico, mas sanando dúvidas relacionadas ao conteúdo do curso em questão.
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158 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
CAPÍTULO IX - 159
CAPÍTULO IX TRANSHUMANISMO: AUMENTO DA QUALIDADE DE VIDA ATRAVÉS DO MELHORAMENTO HUMANO Graziela Bresolin Tarcisio Vanzi
RESUMO A evolução da ciência e da biologia juntamente com as novas tecnologias possibilitou aumentar a expectativa de vida e o modo de ver a evolução humana. As teorias Transhumanistas pautam-se na melhora da qualidade de vida e no desaparecimento da dor através do aumento das capacidades humanas e extinção de doenças até mesmo da morte pelo desenvolvimento de um ser pós-humano que ao se transcender utiliza todo o seu potencial. O capítulo contempla o método da revisão sistemática de literatura em que os resultados encontrados demostram que mesmo estando em constante duelo de ideais, tanto os transhumanistas como os mais conservadores pensadores sobre o assunto creditam a tecnologia o poder de melhorar a qualidade de vida.
INTRODUÇÃO Ao referir-se a atual realidade da evolução tecnológica dos seres humanos,
faz-se referência, normalmente, a Cibercultura, em função da presença marcante
e vital das Tecnologias de Informação e Comunicação, especialmente as digitais. Nessas, o papel dos computadores é decisivo. Porém, sua participação permeia todas
160 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
as direções e os avanços da Ciência e Tecnologia no mundo globalizado, notadamente aqueles voltados a oferecer melhores benefícios aos seres humanos.
Melhorar a condição humana significa, em parte, melhorar um trabalho já
realizado pela evolução biológica. É, pois, nessa direção que a Ciência se desen-
volve consistentemente, dando base as novas tecnologias. De acordo com Bostrom e Sandberg (2009) deve-se conhecer muito bem o trabalho da evolução, conhecer
a psicologia humana, o cérebro, a cognição e a fisiologia e entender porque a evo-
lução moldou os seres humanos desse jeito, assim como deve-se analisar porque certos aspectos evoluíram e como eles se tornaram uma solução para os problemas
que os seres vivos enfrentaram no seu ambiente. Assim, existem inúmeras razões
para os transhumanistas quererem melhorar o trabalho da evolução. Isso porque
os interesses da evolução são diferentes dos interesses transhumanistas, pois para a evolução ocorrer os seres humanos teriam que morrer e a proposta dessa corrente
é justamente o contrário da evolução, do ponto de vista em que a melhoria deve acontecer ainda nessa vida. Logo, o transhumanismo através de sua filosofia busca
desenvolver os seres humanos a níveis maiores, seja fisicamente, mentalmente ou socialmente, através do uso de métodos racionais (LOURENÇO, 2010).
O transhumanismo defende o surgimento de um ser humano tecnologica-
mente melhorado e imune a muitos efeitos colaterais gerados por ele próprio. Nesse
sentido, o símbolo pelo qual os transhumanistas escolheram H + representa esse estado de superação. É por isso que o transhumanismo considera que o ambiente atual é apenas uma fase do que poderia ser melhorado no futuro, de forma biotec-
nológica, para gerar possibilidades seguras para a espécie humana através de quatro coordenadas: Nanotecnologia, biotecnologia, tecnologias de informação e comunicação (TIC) e tecnologias cognitivas (CARDOZO; CABRERA, 2014).
Raymond Kurzweil, cientista que se desloca entre o desenvolvimento técnico
e várias especulações futuristas de uma perspectiva transhumanista, aponta que é possível que a mente possa sobreviver sem um suporte como o cérebro. A evolução tecnológica em breve será tão rápida e profunda o que representará “uma ruptura
no tecido da história humana” (SIBILIA, 2009, p. 123). Kurzweil também traz ao conceito de singularidade, que seria encontrado ao fazer desaparecer a linha que
separa seres humanos e dispositivos como o computador, afirmando que até 2050
CAPÍTULO IX - 161
a tecnologia chegará a tal ponto que os medicamentos serão capazes de aumentar a expectativa de vida e consequentemente a qualidade de vida de modo que o processo de envelhecimento será lento e ao longo do tempo desaparecerá, possibilidade
que será uma realidade graças à nanotecnologia (CARDOZO; CABRERA, 2014). Savulescu (2009) também prevê um futuro cenário de desenvolvimento biotec-
nológico, aquele que será instaurado com o progresso tecnológico e que levará os humanos para um novo estado, os chamados pós-humanos.
O capítulo aborda a filosofia transhumanista partindo-se da visão de melho-
ramento humano para se chegar a uma maior qualidade de vida através do uso das biotecnociências. O método de pesquisa utilizado foi a revisão sistemática, adaptada
das recomendações propostas pelo Instituto Cochrane. O capítulo ainda contempla a seguinte estrutura: apresenta-se uma introdução sobre o cenário atual e futuro
da temática abordada, e em seguida a revisão sistemática, seleção dos resultados, análise dos resultados, considerações finais e as conclusões.
METODOLOGIA A metodologia da revisão sistemática da literatura, é um tipo de investigação
focada em uma questão bem definida, que visa identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes disponíveis, sobre um tema. As revisões sistemáticas devem ser abrangentes e não tendenciosas na sua preparação. Os critérios adotados
são divulgados de modo que outros pesquisadores possam repetir o procedimento (GALVÃO; PEREIRA, 2014).
A revisão sistemática da literatura é um estudo secundário, que tem por ob-
jetivo reunir estudos semelhantes, publicados ou não, avaliando-os criticamente. Segundo Linde e Willich (2003), é o método mais adequado e atual para resumir e
sintetizar evidências. É utilizado para evitar viés e possibilitar uma análise mais ob-
jetiva dos resultados, facilita uma síntese conclusiva sobre determinada intervenção. As revisões sistemáticas são úteis para integrar as informações de um conjunto de estudos realizados separadamente sobre determinado tema, que podem apresentar
162 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
resultados conflitantes, como também ajuda a identificar temas que necessitam de evidência, auxiliando na orientação para investigações futuras.
Para auxiliar esta pesquisa foi colocada a seguinte questão: Como a melhoria
da qualidade de vida é vista e alcançada através da teoria transhumanista? Para responder a pergunta colocada lançou-se os seguintes objetivos do trabalho: Iden-
tificar na literatura os principais estudos sobre transhumanismo, melhoramento humano, biotecnociência e pós-humano; Selecionar os principais estudos sobre os
temas a partir das regras de inclusão e exclusão das obras; Analisar as obras de acordo com o tema definido.
As buscas foram realizadas nas bases de periódicos da Capes e Scielo onde
foram encontradas 790 obras. Os resultados obtidos partiram da busca pelos termos
transhumanismo, biotecnociência, melhoramento humano e pós-humano. No total
foram encontrados 55 artigos sobre transhumanismo, 30 artigos sobre biotecnociência, 339 artigos sobre melhoramento humano e 366 artigos sobre pós-humano/ pós-humanismo em ambas as base de pesquisas.
Para a seleção de uma obra, a mesma deveria seguir os seguintes critérios: (1) Ser publicado nos últimos 5 anos; (2) Ser escrito no idioma português, inglês ou espanhol; (3) Os termos de busca deveriam existir por inteiro no título ou palavras-chave. A partir do critério de seleção das obras foram determinados os critérios de exclusão: Excluídas as obras que não estavam dentro dos últimos 5 anos de publicação; Excluídas as obras em outras línguas que não fossem português, inglês e espanhol; Excluídas as obras em duplicidade; Excluídas as obras que não estavam dentro do contexto abordado.
CAPÍTULO IX - 163
O quadro 1 apresenta os resultados levando em conta os critérios de inclusão
e exclusão dos artigos encontrados nas bases de pesquisa. Quadro 1 – Resumo do processo de seleção dos artigos. Base de
Artigos en-
Artigos em
Artigos
Artigos que
Exclusão
Total
dados
contrados
língua inglesa
repeti-
possuem os
dos arti-
de ar-
e portuguesa
dos
termos de bus-
gos fora
tigos
e publicados
cas no título, ou
do con-
selecio-
nos últimos 5
palavras-chaves
texto
nados
anos Scielo
357
171
09
34
31
03
Capes
433
227
15
28
25
03
Totais
790
398
24
62
56
06
Fonte: Elaborada pela autora.
A busca na base Scielo contou com 357 artigos no total, após o primeiro e
segundo filtros foram excluídos os artigos com mais de cinco anos e em outras línguas que não fossem o português, inglês ou espanhol, restaram 171 artigos. Foram
retiradas 09 artigos repetidos. No terceiro filtro, foram excluídos os artigos que não
continham os termos de buscas no título ou palavras-chaves, restando 34 artigos. Dos quais 31 artigos foram excluídos por não se adequaram no contexto através da leitura do resumo, chegando-se ao final com 03 obras para análise.
A busca na base de periódicos da Capes comtemplou 433 artigos no total. No
primeiro e segundo filtros foram excluídas as obras com mais de cinco anos e ou-
tros idiomas que não fossem o português, inglês ou espanhol, restando 227 artigos. Foram retirados 15 artigos repetidos. No terceiro filtro, foram excluídos os artigos
que não continham os termos de buscas no título ou palavras-chaves, restando 28 artigos. Restando 25 artigos, nos quais foram excluídos aqueles que não se encaixavam no contexto através da leitura do resumo, chegando-se ao final com 02 obra para análise.
164 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
SELEÇÃO DAS OBRAS A seleção das obras contempla o total de 06 artigos, sendo 03 artigos da base
Scielo e 03 dos periódicos da Capes, conforme o quadro 02 em anexo. Quadro 2 – Seleção das obras Autores
Títulos das obras
CARDOZO, John Jairo; CABRERA,
Ano
Transhumanismo: concepciones, alcances y tendências
2014
La posthumanidad como un bien objetivo: los peligros del futurismo en el debate sobre la optimización genética humana
2014
Limites biológicos, biotecnociência e transumanismo: uma revolução em saúde pública?
2012
Melhoramento humano biotecnocientífico: a escolha hermenêutica é uma maneira adequada de regulá-lo?
2013
Melhoramentos humanos, no plural: pela qualificação de um importante debate filosófico
2014
Transumanismo e o futuro (pós-)humano
2014
Tania Meneses VACCARI, Andrés
VILAÇA, Murilo Mariano; PALMA, Alexandre VILAÇA, Murilo Mariano; DIAS, Maria Clara VILAÇA, Murilo Mariano VILAÇA, Murilo Mariano; DIAS, Maria Clara Fonte: Elaborado pela autora.
ANÁLISE DOS RESULTADOS Nesta seção serão apresentas as análises realizadas dos artigos selecionados,
abordando as discussões sobre os temas melhoramento humano e biotecnociência, transhumanismo e pós-humanismo e a busca pela qualidade de vida e bem-estar.
CAPÍTULO IX - 165
MELHORAMENTO HUMANO E BIOTECNOCIÊNCIA De acordo com Bess (2010, p. 641), melhoramento é uma palavra ‘escorrega-
dia’, tal como amor e liberdade, que resiste a ser definida, portanto “transmite uma
ampla gama de significados para diferentes pessoas sob variadas circunstâncias”. Genericamente, o termo melhoramento humano diz respeito ao ato de incrementar ou aumentar capacidades humanas para além da normalidade, ou seja, do ní-
vel médio supostamente encontrado entre os humanos (BOSTROM; ROACHE, 2008). Miller e Wilsdon (2006, p. 14) afirmam que, embora haja variações, “o termo enhancement geralmente refere-se a intervenções planejadas para melhorar o desempenho humano para além do que é necessário para manter ou restaurar uma
boa saúde”. Agar (2004, p. 7) sustenta uma definição de melhoramento humano enquanto “a coleção de tecnologias [...] de melhoramento que permitirá a seleção e manipulação de características humanas, selecionando e manipulando os fatores genéticos que contribuem para elas”.
Harris (2007, p. 9) oferece uma definição baseada no funcionamento humano.
Para ele, “em termos de funcionamento humano, um melhoramento é, por definição, uma melhoria quanto ao estado anterior”. Assim, qualquer intervenção que
ajude a incrementar uma capacidade, elevando o seu nível de performance funcio-
nal, seria melhoradora. Ele ressalta que tecnologias de melhoramento são extensões incrementais das capacidades existentes, o que inclui o uso de óculos e outras coisas já utilizadas no cotidiano dos indivíduos.
De acordo com Vilaça (2014) além do conceito em si, é preciso matizar mo-
dalidades, deixando ainda mais evidente o caráter plural do termo melhoramento
humano. Além de haver especificidades quanto ao objeto de melhoramento (capa-
cidades ou traços físicos, mentais, psicológicos, sociais, morais etc.). O autor aponta as categorias/modalidades de melhoramento. Ida (2009) chama a atenção para dois
tipos de melhoramento, utilizando como parâmetros distintivos os meios empregados e a possibilidade de seleção. Um é o melhoramento natural, quando melhores
resultados são alcançados por meio de exercícios físicos ou intelectuais. O outro é artificial, quando são empregados meios biológicos, afetando diretamente o corpo
humano ou algum aspecto dele. Segundo o autor, este tipo pode servir para substi-
166 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tuir, adicionar ou remover partes do corpo humano, e até mesmo para eliminação
daqueles que são física ou intelectualmente menos capazes. A título de exemplo, o autor cita o uso de esteroides para fortalecer os músculos e testes genéticos para
detectar anormalidades genéticas, de tal forma que embriões com tais anormalida-
des pudessem ser retirados ou substituídos por um embrião sem uma significativa anormalidade.
Em termos de melhoramento da performance humana, Kamm (2009) traça
uma distinção entre tipos de um modo relativamente diferente da perspectiva anterior, pautando-se, sobretudo, pelo parâmetro-limite. Para ela, há um primeiro tipo
que diz respeito a tornar mais pessoas tão capazes quanto outras, aproximando os ‘menos’ dos ‘mais’ capazes. Citando o exemplo dos gênios, a ideia é tornar mais pessoas tão inteligentes quanto eles. Assim, os melhoramentos do primeiro tipo teriam
a função de diminuir a distância entre os indivíduos, o que poderia caracterizá-los como igualadores. Haveria um segundo tipo caracterizado por mudanças que, ao contrário, não teriam um parâmetro ótimo real, mas fariam os humanos transcen-
derem todos os limites existentes. A título de exemplo, a autora cita viver duzentos anos e com saúde.
Na medida em que melhoramento é um termo bastante amplo, Bess (2010,
p. 643) parte de uma acepção genérica: “uma intervenção planejada para modificar as características de uma pessoa, adicionando qualidades ou capacidades que não
estavam previstas para caracterizá-la”. A pesar de vaga definição o autor torna a sua perspectiva bastante complexa e interessante. Para ele, as intervenções melho-
radoras podem variar em pelo menos três dimensões, as quais enfrentam tensões ou variações internas. A primeira, seriam as diferenças de grau: ajustamento (twe-
aking) e metamorfoses fantásticas e/ou bizarras (transmogrifying). Refere-se tanto
a pequenos ajustes bioquímicos de uma pessoa (melhorias no sistema imunológico com uma pastilha de zinco), quanto a um redesenhamento por atacado. Bess afirma que seu pacote de melhoramento mais desejado ultimamente inclui visão de
infravermelho, acesso pelo pensamento ao Google, memória fotográfica perfeita e capacidade de aprender muito rapidamente a tocar piano.
A segunda dimensão de Bess seria as diferenças de modo: impulsionar, acres-
centar e remodelar radicalmente. Pode haver três formas distintas de melhoramen-
CAPÍTULO IX - 167
tos qualitativos: modificação de uma característica existente; adição de uma nova
capacidade que outros seres humanos possuem, mas que dado indivíduo não possuía; adição de uma característica radicalmente nova na espécie, como por exemplo fazer fotossíntese. A terceira seria as diferenças de efeito relativo: vantagem competitiva
e benefício intrínseco. Alguns melhoramentos são projetados especificamente para
melhorar o desempenho de um indivíduo em situações competitivas, por exemplo, o uso de esteroides por quem compete no levantamento de pesos. Outros genes conferem uma forma de benefício intrínseco que não é medido, primeiramente, em
relação a outras pessoas, mas sim em relação à sua própria condição, como o uso do
Prozac torna o indivíduo mais pacífico e alegre do que jamais imaginou ser possível. Outras melhorias, podem congregar os dois tipos de bens simultaneamente, como o uso da Ritalina.
O autor Vilaça (2014) sugere ainda que uma terceira diferença poderia ser
agregada, ampliando assim a perspectiva de Bess, a vantagem coletiva. Dependendo
da concepção de sociedade adotada, uma intervenção melhoradora pode constituir
uma vantagem intrínseca e social ou coletiva. Supondo que a empatia tenha uma
base neuronal que possa ser manipulada, uma espécie de neuromelhoramento deste sentimento moral geraria, em tese, efeitos positivos em toda uma sociedade que valoriza seus efeitos, como por exemplo a solidariedade.
Através das diferentes modalidade de melhoramento humano, é possível com-
preender os diferentes pontos de vista dos autores também em relação a definição
do conceito de melhoramento humano, que se enquadra nos diferentes meios disponíveis. Se for considerada a distinção proposta por Ida, todos os meios farma-
cológicos utilizados pela humanidade são um modo de artificialização da melhora da vida humana, a qual só cresce com o passar dos anos e com as novidades bio-
tecnocientíficas. Porém, na perspectiva defendida por Harris, praticamente tudo
que é utilizado por um humano é uma tecnologia melhoradora. Se, em vez delas, adotar-se a de Kamm, haverá uma profunda alteração do entendimento, obrigando
a estabelecer o problemático parâmetro ótimo real e, ao mesmo tempo, fornecendo uma interessante forma de normatizar as escolhas sobre que opções de técnicas aperfeiçoadoras deve-se privilegiar. Caso a acepção bessiana seja a endossada, um
168 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
leque de parâmetros é aberto, de modo que será possível fazer uma espécie de taxonomia dos melhoramentos (VILAÇA, 2014).
É fato que uma extensa lista de meios de manipulação da vida humana já se
encontra disponível. Murray (2009) cita o recurso dos pais ao uso de hormônio do crescimento humano biossintético (hGH) para garantir uma estatura média ou acima da média aos seus filhos; o uso de beta-bloqueadores por parte de músicos
para controlar a ansiedade de desempenho em testes; o uso de Prozac ou inibidores
seletivos de recaptação de serotonina (SSRIs) por indivíduos que querem se tornar mais sociáveis; o uso de eritropoietina biossintética por parte de desportistas para aumentar a resistência muscular; o uso de esteroides anabolizantes por halterofi-
listas para aumentar a força muscular; e o uso de cafeína para estimular o sistema nervoso central, aumentando a prontidão.
Cole-Turner (2011) ratifica o entendimento de que a biotecnociência já é lar-
gamente utilizada pelo homem para fins de modificação de características e capacidades humanas sem que isso seja tido, necessariamente, como um apagamento da
humanidade. Além das citadas acima, menciona o recurso à cirurgia plástica para melhorar a aparência, por vezes buscando contornar os efeitos do processo natural do envelhecimento; a utilização de drogas relacionadas à disfunção erétil por parte
dos homens, a fim de prolongar a vida sexual ou melhorar o desempenho sexual; o uso estudantil de medicamentos para elevar capacidades ou habilidades mentais as-
sociadas à aprendizagem, respondendo, assim, à intensa concorrência meritocrática
do mundo acadêmico; bem como a utilização de drogas ‘do humor’, para que a vida se torne mais alegre, contornando estados de depressão.
Segundo Schramm (2005), a biotecnociência pode ser entendida como um
conjunto de ferramentas teóricas, técnicas, industriais e institucionais que visam
pesquisar e transformar seres e processos vivos, conforme o parâmetro da saúde, objetivando promover um genérico bem-estar de indivíduos e populações. Ela é um neologismo que indica a interação entre sistemas complexos nos quais se constituem os seres e os ambientes vivos, a fim de agir sobre eles, por meio de um sis-
tema técnico e informacional, bem como de dispositivos que objetivam orientar tal intervenção. A biotecnociência “refere-se, em particular, às atividades da medicina e
CAPÍTULO IX - 169
da biologia amplamente entendidas, dos sistemas de informação e comunicação, da biopolítica, e a suas interações” (SCHRAMM, 2005, p.191).
Desse paradigma biotecnocientífico, derivam as biotecnologias, aplicadas a
vários campos. Embora o conceito seja relativamente impreciso, pode-se estabe-
lecer um consenso mínimo, segundo o qual a biotecnologia seria o conjunto de técnicas de manipulação de seres vivos, completa ou parcialmente, para obter bens ou fornecer serviços, técnicas e instrumentos. Quer dizer, ela produz meios de intervenção tanto sobre a constituição genética de dado ser vivo, o que interferiria, em
princípio, sobre a sua configuração orgânico-biológica, quanto sobre a alteração de uma característica especificamente. Em tese, a biotecnociência e as biotecnologias primam pela beneficência (VILAÇA; PALMA, 2012).
Com o avanço da biotecnociência, destaca-se a promoção de uma vida pós-
-humana, fruto da superação dos limites biológicos humanos. Segundo Jotterand
(2010, p.617), “o desenvolvimento de biotecnologias emergentes está à beira de redesenhar as fronteiras da existência humana”. Interfaces cérebro-computador
(BCIs), neuro-aperfeiçoadores, membros biônicos etc. são exemplos de biotecnolo-
gias de aperfeiçoamento humano. Doenças incuráveis e deficiências que impingem dor, sofrimento e sérias limitações funcionais poderiam, prospectivamente, ser definitivamente erradicadas (VILAÇA; PALMA, 2012).
Bostrom (2005), por sua vez, é bastante incisivo sobre a necessidade de o in-
cremento biotecnocientífico dever ser seguido por críticas e reexames permanentes. Num dos principais documentos transumanistas, Bostrom et al (2003) são taxativos ao assegurar que, embora as biotecnologias possam gerar benefícios, algumas dessas
tecnologias também podem causar dano à vida humana, oferecendo riscos até mesmo para a sobrevivência da espécie. Porém, os transhumanistas buscam compreen-
der esses perigos e trabalhar para prevenir desastres. Bostrom ainda defende que uma vasta gama de informações deve ser disponibilizada, a fim de que as pessoas decidam quais técnicas aplicar a si mesmas e à sua descendência.
170 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
TRANSHUMANISMO E VIDA PÓS-HUMANA De acordo com Savulescu (2009, p. 214), pós-humana é a forma de vida des-
frutada por “seres originalmente ‘evoluídos’ ou desenvolvidos a partir de seres humanos, mas significativamente diferentes, de tal modo que não são mais humanos em qualquer aspecto significativo”. Para Bostrom (2005b, p.203), os pós-humanos
são “seres que podem ter saúde sem fim, faculdades intelectuais muito maiores do que as dos seres humanos atuais e, talvez, sensibilidade ou modalidades de sensi-
bilidade inteiramente novas, assim como a habilidade de controlar suas próprias emoções”.
Para Vilaça e Palma (2012) os transumanistas creditam à biotecnociência o
poder de melhorar a vida humana, ainda que isso implique uma nova forma de vida: a pós-humana. Esta seria marcada pela superação dos limites humanos biologicamente estruturados físicos, mentais, psicológicos, comportamentais e pela conse-
quente maximização de capacidades, visando ao prolongamento da vida, à elevação dos níveis de ‘saúde’ e ‘bem-estar’, evitando dor e sofrimento desnecessários e involuntários (BOSTROM, 2003). O transumanismo defende um amplo, mas normativamente responsável, desenvolvimento de biotecnologias, investindo nas ideias de
Human Plus (humanos mais, positivados) e Human Enhancement (aperfeiçoamento humano).
Vaccari (2014) define o transumanismo como um movimento filosófico que
promulga o advento de um estado futuro da humanidade, chamado de “pós-humanidade”. É um futuro em que a humanidade se envolve de forma racional em sua própria evolução, permitindo se reinventar de acordo com seus próprios sonhos e
aspirações e também transcendendo a prerrogativa natureza da sua existência ao perceber seu pleno potencial. É também um estado coletivo, o que significa que
estes novos “poderes” e virtudes da pós-humanidade devem ser uniformemente distribuídos de forma ampla a humanidade.
Defendendo a validade da aposta no futuro pós-humano, encontram-se os
transumanistas. De acordo com Bostrom (2005a), o transumanismo é um movimento vagamente definido, desenvolvido gradualmente nos últimos vinte anos, que
CAPÍTULO IX - 171
aborda interdisciplinarmente a compreensão e avaliação das oportunidades para melhorar a condição humana, o organismo humano, aperfeiçoando capacidades físicas, mentais e emocionais através da biotecnologia disponível ou em desenvolvi-
mento. Ele ressalta que a extensão da saúde e da vida (longevidade), erradicação de doenças e incremento do bem-estar, bem como a eliminação da dor e sofrimento
involuntários e/ou desnecessários, tanto na perspectiva da liberdade morfológica quanto da reprodutiva, são objetivos do transumanismo (BOSTROM, 2005b).
Um importante pensador que contribuiu para a formulação da filosofia tran-
sumanista moderna é Max More. Em 1990, ele definiu o transumanismo como uma corrente filosófica que busca guiar à condição pós-humana, num processo perpétuo de superação dos limites biológicos do humano, com um emprego escrupulo-
so da razão, da ciência, da lógica e do pensamento crítico, visando à valorização da existência humana, tendo por base os seguintes princípios: expansão ilimitada, au-
totransformação, otimismo dinâmico, tecnologia inteligente, inteligência crescente, ordem espontânea, liberdade, prazer e longevidade (MORE, 1990).
Para Cardozo e Cabrera (2014) o transhumanismo é desenvolvido como um
conceito filosófico e também como um movimento intelectual de alcance inter-
nacional, cujas construções são base para o uso da ciência e tecnologia e para o desenvolvimento mental dos aspectos biológicos dos seres humanos. Sendo possível
diminuir certas condições intrínsecas da espécie humano, tal como sofrimento, doença e envelhecimento, sem negligenciar as discussões éticas que isso implica. Além
disso, há outro transhumanismo que baseia sua filosofia na singularidade, relacionada à ideia de que é possível unir a matéria e a vida como se fosse uma única entidade
no que agora é conhecido como cyborg: A união do orgânico, em termos humanos, com máquinas para criar uma essência (CARDOZO; CABRERA, 2014). Para os mesmos autores, o objetivo transhumanista é influenciar profundamente uma nova
geração de pensadores que possam imaginar os próximos passos da humanidade. Os pensamentos são uma combinação da visão única de evolução das tecnologias
emergentes e especulativas que se concentram em promover a qualidade de vida e o bem estar da espécie humana. Assim, os estudos transhumanistas são projetados
para produzir resultados que possam ser úteis tanto as pessoas como para as instituições.
172 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
De acordo com a definição de Vilaça e Palma (2012) o transumanismo é um
humanismo de cunho tecnocientífico, que visa a promover a disponibilização de
recursos, para que os sujeitos, no uso da sua liberdade e baseados em informações, usem novas formas de tratamento, decidindo sobre o (auto)aperfeiçoamento, bem
como sobre a seleção da descendência. Suas prioridades envolvem o combate às
doenças e deficiências, bem como a promoção da saúde e o bem-estar através das biotecnologias, quer isso represente uma terapia quer um aperfeiçoamento, coadunando-se com a opção de tratar as doenças e deficiências como males.
James Hughes (2004), por sua vez, define o transumanismo como uma ideia
antiga, segundo a qual os humanos podem usar a razão para transcender as limita-
ções da sua condição. Simon Young, um exacerbado entusiasta do transumanismo, afirma que ele é uma crença na superação das limitações humanas por meio da
razão, da ciência e da tecnologia, apoiando as tentativas de eliminar doenças, de melhorar o corpo e a mente, e, no limite, superar até mesmo a morte. Ele acredita
que, assim “como o humanismo libertou os homens das cadeias da superstição, o transumanismo os livrará de suas cadeias biológicas” (YOUNG, 2006, p. 32).
A Declaração Transumanista estabelece os princípios gerais que orientam
o transumanismo. Na versão atual (2009), resultado de modificações em 2002 e 2009, leem-se oito pontos, os quais, em suma, estabelecem que: (1) o humano, já
fortemente afetado pela ciência e tecnologia, pode ser ainda mais beneficiado, por exemplo, com a superação do envelhecimento, de deficiências e do sofrimento involuntário; (2) haja vista os riscos das biotecnologias, deve haver um esforço de sua
investigação e compreensão, a fim de reduzir riscos e acelerar as aplicações, cujos efeitos sejam benéficos; (3) através da elaboração de políticas, deve-se respeitar os
direitos e autonomias individuais, defender o bem-estar de toda forma senciente de vida, demonstrando as responsabilidades morais com as gerações vindouras; (4) deve-se permitir a vasta disponibilização de um amplo rol de técnicas de melhora-
mento de suas próprias vidas, associada à liberdade de escolha individual de usá-las ou não (VILAÇA; DIAS, 2014).
CAPÍTULO IX - 173
A BUSCA POR QUALIDADE DE VIDA E BEM-ESTAR A busca por uma melhor qualidade de vida ocorreu quando a saúde se tornou
um imperativo a partir do século XVIII (FOUCAULT, 2007). Este imperativo, segundo Ortega (2008), atingiu o valor de moralidade, de um bem inquestionável ao lado do valor bem-estar, de modo que a contemporaneidade é marcada por uma
espécie de ditadura do healthism e do wellness. Em completa consonância com esse entendimento, doenças e deficiências comprometem a qualidade de vida e o bem-estar humanos, reduzindo as chances de uma pessoa realizar uma possível concepção de vida boa (VILAÇA; DIAS, 2013).
Bostrom (2005) argumenta que a melhoria da qualidade de vida somente é
possivel pela extensão de uma vida humana saudável, e isso só seria viável pelo atraso no processo de envelhecimento ou mesmo no seu cancelamento. Pelos estudos
propostos pelo gerontologista Aubrey de Gray, dentro de cerca de 25 anos, o ser humano poderia ter condições de ser imortal, o que se tornará uma realidade graças
aos avanços de tecnologias que facilitem uma maior longevidade, o que representará um desafio futuro para a sociedade (CARDOZO; CABRERA, 2014). A engenharia de linha germinativa, também segue esse caminho quando promete introduzir
mudanças permanentes e transmissíveis ao património genético da humanidade. Ainda que não tenha sido testado em seres humanos, parece uma questão de tempo para realmente isso vir a acontecer. O cenário pós-humano é, portanto, baseado principalmente na intervenção genética (VACCARI, 2014). Nesse mesmo cenário
hipotético, as tecnologias estarão tão evoluidas que no futuro será possivel transferir dados do cérebro para um computador ou até mesmo para um ciberespaço.
O controle, promoção e melhoramento da vida parecem ser uma obsessão
exclusivamente humana (BOSTROM, 2005; PORTER, 2004). Isto pode ser cons-
tatado em iniciativas individuais ou de conjunto, de cunho científico ou não, para: prevenir e curar doenças e deficiências; promover a ‘saúde’; contornar o processo
de envelhecimento; aperfeiçoar capacidades; ou alcançar, no limite, a imortalidade. Dentre as formas que os humanos inventaram para buscar esses fins, as biociên-
cias possuem grande destaque. Uma parcela bastante representativa dos humanos
174 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
tem investido nelas, subescrevendo a ideia de que a vida pode ser racional e arti-
ficialmente manipulada. Assim, os recentes avanços em busca do melhoramento humano e biotecnocientíficos são interpretados, por alguns, como capazes de re-
volucionar os modos como a vida humana tem sido compreendida, manipulada e promovida. Expandindo-se para além da terapia, eles aguçam, sobremaneira, a imaginação acerca do ‘aperfeiçoamento’ humano. Quanto aos possíveis benefícios que
a biotecnociência já tem oportunizado e poderá disponibilizar, especialmente em
razão dos avanços da genética, destacam-se: o tratamento de deficiências e doenças, e a promoção da saúde e o bem-estar. (VILAÇA; PALMA, 2012).
Vilaça e Palma (2012) acreditam que a revolução biotecnológica e era gené-
tica inaugurariam um novo e promissor estágio quanto aos meios de tratamento
contra doenças e deficiências, marcada pela maior eficácia dos seus tratamentos (BUCHANAN et al., 2001) ou, no extremo, até mesmo pelo seu desaparecimen-
to, haja vista a superação dos limites biológico-estruturais humanos (BOSTROM, 2005a). A radicalização da previdência pelas terapias genéticas pré-nascimento; os fármacos individualizados e sem reações adversas; a cura de males ou sua absoluta
erradicação; o aperfeiçoamento de capacidades físicas, mentais, psicológicas e morais estão no horizonte biotecnocientífico de possibilidades e metas.
As múltiplas alterações sofridas pelo humano, muitas delas tidas como hu-
manizadoras, já vêm produzindo um humano “mais” e “melhor” há algum tempo. Afinal, a expectativa de vida, apenas para citar um exemplo, não para de crescer em sociedades constituídas pelos avanços tecnocientíficos. Cura de doenças antes mor-
tais; terapias que postergam o processo de envelhecimento e seus “males”; técnicas de reprodução medicamente assistida que permitem a ampliação da idade reprodutiva; o uso extensivo dos marca-passos cardíacos, os quais, embora sejam expressão da tão temida interface humano-máquina, não comprometem a humanidade
daquele que o usa, pelo contrário, promovem algumas expressões inconfundíveis
de um melhoramento humano (VILAÇA; DIAS, 2014). Estes autores apontam que as interfaces cérebro-computador, extensão radical da vida, neuromelhoradores
e membros biônicos são exemplos de biotecnologias que, acredita-se, permitirão ao humano transcender as suas atuais limitações biológicas. Doenças incuráveis e
deficiências que impingem dor, sofrimento e limitações funcionais, por vezes in-
CAPÍTULO IX - 175
capacitantes, poderiam ser erradicadas, promovendo, assim, a saúde e o bem-estar. Capacidades mentais, corporais, morais e emocionais poderiam ser melhoradas, sendo ampliadas a um nível de eficiência ainda inimaginável. A melhoraria da qua-
lidade de vida será alcançada devido ao elevando nível de bem-estar individual e, quiçá, coletivo.
Um ser pós-humano não entraria na concepção do humano que se conhece
hoje, pois seriam seres superiores aos humanos atuais, graças à manipulação do
mapa genético. Os seres pós-humanos não sentiriam medo, angústia, irritação ou
pânico porque geneticamente seu comportamento seria projetado para omitir tais
falhas. Por outro lado, sensações e as percepções positivas seriam maximizadas, como o amor, o prazer, cultivação da arte e experimentaria estados de consciência
muito maiores. Por isso o transhumanismo é somente um passo transitório para o pós-humanismo (CARDOZO; CABRERA, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS O movimento transhumanista tem como objetivo melhorar as condições hu-
manas através de pesquisas e estudos de seus pensadores e cientistas para planejar o futuro da população através da diminuição de certas condições que ainda impedem
que os seres humanos aproveitem de uma vida plena e desfrutem de um bem-estar. Desse ponto de vista, a qualidade de vida somente será alcançada com o fim do so-
frimento e das doenças, aumento da longevidade e até mesmo a imortalidade, sendo possível pelo aperfeiçoamento de pesquisas e técnicas de melhoramento humano juntamente com a preocupação com o bem-estar para salvar e prolongar vidas.
A responsabilidade pelo cuidado da saúde já não mais pertence somente ao
Estado, e, sim, ao próprio sujeito, que, diante das inúmeras informações médico-científicas disponíveis, deve ser capaz de alterar seus hábitos de vida. No campo da
saúde, as técnicas e conhecimentos biotecnocientíficos têm criado as condições de possibilidade para se conhecer, com maior profundidade, os fenômenos e proces-
sos vivos, orientando as intervenções de um modo relativamente novo. O próprio
significado de saúde e seus determinantes podem adquirir uma nova roupagem,
176 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
em razão dos incontestáveis avanços em áreas como nanotecnologia, tecnologia da informação, genética e robótica, as quais permitirão alterar o corpo humano para além dos limites típicos da espécie (WOLBRING, 2006). Por outro lado, é possível
que se encontre um sistema de promoção da saúde e prevenção de doenças baseado em intervenções de outro tipo, personalizada, individualizada, ou seja, um modelo de serviço pessoal de saúde (BUCHANAN Et al., 2001). Ocorre à possibilidade de
se descobrirem e produzirem medicamentos específicos para um determinado sujeito, o que garantiria uma terapia individualizada com menor risco de reações ad-
versas (GOLSTEIN; TATE; SISODIYA, 2003). A responsabilidade sobre a saúde
continua sendo do indivíduo que poderia optar por utilizar as biotecnociências para sanar quase quaisquer problemas para a sua saúde, ou, caso não quisesse, por escolha, poderia não utilizá-las.
As biotecnociências já são utilizadas para superar os limites biológicos huma-
nos através da ligação entre seres vivos e instrumentos tecnológicos e genéticos de manipulação para promover o bem-estar dos indivíduos, assim como tem o poder de melhorar a vida humana ao desenvolver seres pós-humanos. Hughes (2004)
sustenta que o futuro pós-humano deve ser alcançado, observando se as tecnologias
emergentes são seguras e disponibilizando-as a todos. Supondo o igual acesso e a
opção da escolha de não “se melhorar” não seria compreendida como um equívoco, um erro, o que geraria algum tipo de preconceito contra o humano “não melhorado”. Deve-se pensar em como serão interpretadas, em um futuro pós-humano, as
mazelas sofridas por dado indivíduo que, embora tivesse acesso às biotecnologias, optou deliberadamente por não se modificar (VILAÇA; DIAS, 2014).
Por fim, há um consenso entre transumanistas e bioconservadores (FUKUYA-
MA, 2002; KASS, 2003; HUGHES, 2004; BOSTROM, 2005b) de que as biotecnologias terão um imenso papel em um futuro mais ou menos próximo, estabele-
cendo um ponto de cesura entre o passado e presente, de um lado, e o futuro da humanidade, de outro.
Um futuro altamente tecnológico já é anunciado, o uso da tecnologia alia-
da as ciências e biologia comtempla uma gama de possibilidade para melhorar a
vida humana e promover uma maior qualidade de vida, aumentando a longevidade. Transhumansitas apoiam suas teorias em técnicas de manipulação da vida, no qual
CAPÍTULO IX - 177
o melhoramento seria possível graças ao uso da biotecnociência extinguindo-se as
doenças e deficiências ao mesmo tempo em que potencializariam qualidade e habilidades alterando a sua natureza humana de forma a tornarem-se pós-humanos.
A melhoria da qualidade de vida do ponto de vista transhumanista somente é
possível graças uma vida saudável através da cura e prevenção de doença e deficiências, aperfeiçoamento das capacidades humanas, promoção do bem-estar, aumento
da longevidade ou até mesmo a imortalidade, que passam a serem desenvolvidas pelos avanços biotecnocientíficos de manipulação da vida humana.
Apesar do pensamento transhumanista apontar para um futuro idealizado
existem uma gama de bioconservadores que se agarram a ideia de não modificar a natureza humana, pautados pela visão ética e moral da preservação da dignidade humana do ponto em que as melhorias só trariam maiores problemas e uma sepa-
ração entre os melhorados e dos que indivíduos que optaram por não melhorarem. Ambos, bioconservadores e transhumanistas concordam que através da tecnologia
é possível mudar as condições humanas. Porém, ambas as visões têm seus prós e contras, não havendo um lado certo ou errado, pois os próprios conceitos de biotecnociência, melhoramento humano, pós-humano e transhumanismo não são bem definidos. Sobre os temas abordados existem muitas teorias e poucas comprovações
possibilitando assim vários argumentos diferentes de modo que se faz refletir e pensar no futuro e suas consequências.
As Tecnologias de Informação e Comunicação, especialmente as digitais, nas
quais se insere tanto a rede de computadores e nuvens de dados, quanto sua apro-
priação nos sistemas produtivos, que constituem a base da Cibercultura que hoje se vivencia, reforçam uma ampla potencialidade de ampliação significativa do encontro com a biotecnociência. É, pois, nessa direção prometeica que se movem
importantes perspectivas do devir transumanista e é nesse cenário as possibilidades criativas dos seres humanos promoverão os seus principais investimentos em inovação nos próximos anos.
178 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
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CAPÍTULO IX - 179
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CAPÍTULO X - 181
CAPÍTULO X ÁGORAS DIGITAIS: ESTUDO COMPARADO ENTRE APLICATIVOS PARA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Ágatha Depiné Sicilia Vechi Rayse Kiane Richard Perassi
RESUMO As históricas poleis da Grécia Antiga, cidades consideradas um “Estado que se governa a si mesmo”, são referências em participação pública e no debate sobre consciência cidadã. Com o avanço do tempo, a participação cidadã foi tornando-se menos presente no contexto sociopolítico, consequentemente enfraquecendo a democracia. Por outro lado, hoje o avanço das tecnologias da informação e comunicação (TICs) como a internet transformam a vida, o comportamento e as interações dos cidadãos, dando-lhes novas formas de participação em uma democracia digital. Este artigo tem como objetivo identificar e analisar nos aplicativos de participação pública Colab.re, Portal e-Cidadania, Avaaz e De Olho nas Metas, aspectos que, de acordo com a revisão teórica, caracterizam um espaço virtual como ágora digital. O estudo comparado de múltiplos casos considerou nove aspectos sociopolíticos, tecnológicos e de comunicação social, os quais devem refletir em aplicações acessíveis, educativas, interativas e deliberativas. Os aplicativos analisados demonstram contribuições ao debate sobre a formação sociopolítica do cidadão para a democracia, mas não apresentaram todas as características e funcionalidades descritas para uma ágora digital. Em todos eles, identifica-se sob algum dos aspectos a necessidade de aprimoramento tecnológico-digital para a sua plena efetividade.
182 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
INTRODUÇÃO Após as eleições de 2014, pesquisa realizada por Dias e Kerbauy (2015) sobre
o comportamento político destacou que, apesar de estarem razoavelmente satisfei-
tos com a democracia, os brasileiros são pouco ou nada interessados por política, incluindo as eleições, as novas formas de engajamento e outras atividades dessa
dimensão. Isso corresponde ao declínio constatado nas últimas décadas em diversas sociedades ocidentais, onde as taxas de participação dos cidadãos nas atividades
políticas tradicionais têm diminuído, especialmente entre os jovens, em decorrência da crítica aos mecanismos da democracia convencional, às instituições e aos atores políticos (ARVANITIDIS, 2017).
Justamente a participação dos cidadãos e o seu engajamento cívico que, en-
tretanto, podem restaurar a efetividade dos processos democráticos e consolidar a
democracia. Os cidadãos são participantes da mudança e, por isso, sua manifesta-
ção ativa como requerentes de desenvolvimento é parte essencial da transformação
social (TUFTE, 2013). Espaços virtuais para deliberação pública igualitária sobre aspectos da vida em comum podem propiciar a participação direta e estimular a
formação política de seus cidadãos, atuando como “ágoras digitais”. Inclusive, as
tecnologias de informação e comunicação (TICs) possibilitam novas formas de
engajamento e participação política, as quais podem fortalecer o processo democrá-
tico (CASTELLS, 2005; BENTIVEGNA, 2006). No Brasil, mais de a metade da população tem acesso à internet, com um percentual que cresce a cada ano e atinge as classes socialmente mais excluídas, como as designadas como “D” e “E”, incluindo
também a população em área rural (CETIC, 2016). A previsão era de que houvesse um aparelho digital celular por habitante até o final de 2017 (FGV, 2017).
Considerando-se o contexto sociopolítico e tecnológico aqui proposto, o ob-
jetivo deste estudo é apresentar as características e elucidar os processos que podem garantir a efetividade da participação pública nos espaços virtuais acessíveis pela
rede digital. Com relação ao método adotado, considera-se um estudo comparado, tendo em vista a análise dos quatro aplicativos que compõem o objeto empírico da
pesquisa. Esse foi realizado a partir da pesquisa descritiva das características socio-
CAPÍTULO X - 183
políticas e tecnológicas da atualidade que podem gerar um aplicativo que se caracterize como ágora digital e, considerando a breve descrição dos quatro aplicativos.
Como partes da pesquisa descritiva, primeiramente, foi realizado um estudo
exploratório, para a identificação e seleção de fontes teóricas e, também, para a
identificação e seleção dos aplicativos digitais interativos. Sendo assim, a pesquisa
foi iniciada com uma revisão de literatura para buscar o estado da arte no tema e embasamento teórico, a fim de explicar, compreender e dar significado ao fenômeno que se investiga (TRIVIÑOS, 1987).
Com relação à organização textual, este artigo está organizado nas seguintes
seções: (1) a primeira discorre sobre o conceito de “ágora” na antiguidade grega e
retoma a necessidade da participação pública na democracia; (2) a segunda seção
trata da disseminação das tecnologias de informação e comunicação (TICs) no mundo contemporâneo e o surgimento da democracia digital e; (3) a terceira seção
propõe o desenvolvimento de “ágoras digitais”, considerando-se as condições para sua efetividade sociopolítica, no contexto da comunicação tecnológico-digital. Por fim, são apresentadas as considerações finais deste estudo.
O CONCEITO DE “ÁGORA” E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA As primeiras práticas relacionadas à democracia são anteriores à antiguidade
grega, contudo, foi na Grécia Antiga que esse conceito se tornou célebre. Especial-
mente, isso ocorreu porque a vida política em Atenas, cidade-estado nesse período, definia-se em assembleias populares. Havia uma cultura de participação cívica em
Atenas e a democracia era pautada na participação direta e ativa dos cidadãos nas decisões (ANGELO, PAGAN, GODWIN, 2014).
As poleis gregas, como eram denominadas as cidades-estado, representavam
um “Estado que se governa a si mesmo”. Por isso seu significado expressava mais do que um conjunto de construções arquitetônicas ou a integração das pessoas. Trata-
va-se do reflexo de uma entidade política demarcada por um espaço determinado no qual a essência da cidadania era a participação (GOBBI, 2000).
184 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Havia nesse período a concepção de “virtude cívica”, a qual subordinava a vida
privada ao bem comum, estabelecendo que todos os cidadãos deveriam dedicar-
-se ativamente à cidade e às questões públicas (ANGELO, PAGAN, GODWIN, 2014). Assim, direitos coletivos e o direito de participar do governo da cidade eram mais valorizados que outros direitos individuais (GOBBI, 2000).
No entanto, como destaca Canfora (2006), o modelo democrático dessa so-
ciedade não pode ser reproduzido como um modelo perfeito. Nesse período a di-
mensão democrática era relegada a uma elite, os cidadãos de pleno direito. Ainda
assim, este foi um verdadeiro laboratório político, o qual produziu enorme legado filosófico, cultural e historiográfico (CANFORA, 2006).
Um dos principais símbolos da vida comunitária nesse período foi a Ágora,
local onde os cidadãos se reuniam para deliberar sobre questões coletivas, votar e até mesmo realizar júris (KIRK, SCHILL, 2011). A Ágora, uma praça onde a
vida política tornava-se objeto de debate público, constituía o centro político da
polis (GOBBI, 2000). Nesse contexto de assembleia, os cidadãos eram considerados iguais para debater livremente e tomar decisões de interesse da cidade, como as leis e a segurança (ANGELO, PAGAN, GODWIN, 2014).
No entendimento de Do Valle (2001) a origem da democracia ateniense teve
por base uma formação ética para cidadania. Por esta razão a polis era educadora, propiciando atividades sociais onde o conjunto de cidadãos refletia, indagava e definia valores, normas e ideais que os regeriam. Tendo em vista que no processo democrático os cidadãos possuem direitos iguais de participação, a vida comum dependia
de cada um deles, por isso sua educação desempenhava uma função eminentemente política (DO VALLE, 2001).
No tocante à educação para democracia, a palavra e a capacidade de persuasão
tornaram-se instrumentos dos cidadãos para debater e argumentar no processo de
deliberação (VERNANT, 2000). A deliberação é uma das formas mais autênticas
de participação política, buscando uma comunicação com potencial para transfor-
mar as preferências individuais, à medida que as posições dos outros também são consideradas (SCHLOSBERG, ZAVESTOSKI, SHULMAN, 2007). Para Delli Carpini, Cook e Jacobs (2004) a deliberação pública é compreendida como uma discussão pautada na análise de um problema, com a identificação de soluções e
CAPÍTULO X - 185
estabelecimento de critérios para avaliar e selecionar a solução ideal. Esta é fundamentada em argumentos ponderados, escuta crítica e zelosa tomada de decisão, tornando-se um pilar da democracia (DELLI CARPINI, COOK, JACOBS, 2004).
Contemporaneamente, a deliberação pública e a noção de autogoverno de
cidades apresentam desafios inexistentes na Grécia Antiga, como população mais numerosa e complexa. Essa é apontada como uma das razões para o surgimento
da democracia representativa, onde o poder político do cidadão é transferido para
um representante (ANGELO, PAGAN, GODWIN, 2014). Basicamente, é uma forma de governo em que todos podem ter cargos públicos ou eleger represen-
tantes, garantindo que seu voto, direitos e liberdade serão respeitados (SHIRAZI, NGWENYAMA, MORAWCZYNSKI, 2010).
Contudo, com o passar do tempo esse modelo passou a receber diversas crí-
ticas, como falta de atendimento aos reais interesses da população, marginalização do cidadão da vida pública e consequente enfraquecimento da democracia (AN-
GELO, PAGAN, GODWIN, 2014). As desigualdades foram também acentuadas, demonstrando a incapacidade conjunta das instituições públicas para resolver problemas sociais (VELLOSO, 2008).
Em Klein (1999), destaca-se que, com a democracia instaurada na América,
os indivíduos podem ter se tornado excessivamente individualistas, concentrando-
-se exclusivamente em assuntos privados e negligenciando matérias de interesse
público. Essa negligência faz com que “o governo de muitos se torne o governo de
alguns”, abrindo espaço para tirania, opressão e impotência cidadã (KLEIN, 1999, p. 214).
O afastamento do cidadão da vida pública enfraquece a democracia e dificulta
o atendimento de seus interesses. Todavia, em decorrência do avanço tecnológico, novas formas de participação têm surgido. Com a popularização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), como a internet, e de dispositivos móveis, a
sociedade passou a ser altamente digital e conectada. Assim, a forma como os cida-
dãos vivem e interagem entre si vem se transformando (DAVID e FORAY, 2002).
186 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
DEMOCRACIA DIGITAL Em relatório da UNESCO (2015), indicou-se que o número de pessoas com
acesso à rede digital internet chegou a 2 bilhões no mundo todo. No Brasil, 57%
das pessoas possui alguma forma de acesso (UNESCO, 2015), dos quais, o percentual de 88,6% ocorre por meio de dispositivos móveis, como Smartphones e tablets
(IBGE, 2015). Especificamente sobre o uso de aplicativos em dispositivos móveis, o Brasil obteve o posto de décimo colocado em número de downloads no sistema
IOs e o segundo colocado no sistema Android em todo o mundo (AVAZU, 2016). Apesar dessa disseminação desigual ter permitido a existência de excluídos digi-
tais em âmbito global, em especial no Brasil, onde há altos índices de pobreza e analfabetismo, foram criadas diversas políticas públicas para diminuir essa divisão (BOLZAN, LÖBLER, 2016).
Para Castells (2005), a onda de inovação que, constantemente, aprimora ou
revoluciona as tecnologias digitais, criou possibilidades que vão ao encontro das ne-
cessidades humanas, conquistando um papel de destaque na transformação social. Em decorrência da evolução da rede mundial de computadores internet (Web) e do fenômeno da digitalização, a estrutura social se constitui na atualidade em torno
de redes que são acionadas digitalmente pelas TICs e por meio da microeletrônica.
As redes são formadas por pessoas em relações de “produção, consumo, reprodução, experiência e poder, expressos em uma comunicação significativa, codificada pela cultura” (CASTELLS, 2015, p.70). Entretanto, embora a sociedade atual determi-
ne-se como uma sociedade em rede, é a própria sociedade que definirá o impacto das redes, de acordo com necessidades, valores e interesses de sua utilização (CASTELLS, 2005).
O avanço tecnológico e a digitalização afetam a esfera cultural, econômica e,
de maneira especial, também influencia a política, criando novas formas de participação no processo democrático (BENTIVEGNA, 2006). As medidas para par-
ticipação tradicional não cobrem toda a gama de atividades políticas abertas aos cidadãos, de forma que esse avanço gerou uma expansão na base, fortalecendo as ações bottom-up (Zuñiga et al, 2010). Assim, a participação foi além das eleições
CAPÍTULO X - 187
e pôde estender-se para o meio digital em fóruns de discussão, petições online, disseminação de informações, consultas públicas e mobilização de grupos, abrindo
espaço para colaboração com outras pessoas e oportunidades mais igualitárias de participação (ALATHUR, ILAVARASAN, GUPTA, 2011).
As TICs podem promover o diálogo, a colaboração e a mobilização de diferen-
tes atores, assim como o monitoramento de campanhas eleitorais, ações governamentais (SHIRAZI, NGWENYAMA, MORAWCZYNSKI, 2010) e o restabele-
cimento de relações diretas entre cidadãos e seus representantes (BENTIVEGNA, 2006). Por meio delas, cidadãos podem romper a ordem dominante da mídia e dos
meios de comunicação tradicionais, utilizando ferramentas mais autônomas, como blogs, redes sociais e reuniões virtuais para articular e influenciar o processo político (SHIRAZI, NGWENYAMA, MORAWCZYNSKI, 2010). Uma única postagem
política no YouTube, por exemplo, pode atingir uma audiência de milhões (ZUÑIGA et al, 2010).
Sob essa nova lógica de operação midiática, Castells (2015, p.102) cunhou
o termo “autocomunicação de massa”, com o qual o autor define a modalidade de
mediação em que um público global é atingido por mensagens que são autogeradas no ambiente da web, em vez de serem direcionadas por um só veículo de comunicação de massa, por exemplo. Nesta modalidade, da mesma forma, a definição dos
potenciais receptores é autodirecionada e a recuperação dos conteúdos da web e
de redes eletrônicas de comunicação é autosselecionada. “Em meio a esse cenário, atores sociais e cidadãos individuais pelo mundo estão usando a sua capacidade de comunicação em rede para promover projetos, defender seus interesses e afirmar valores. Inclusive mobilizações sociais e políticas” (CASTELLS, 2015, p.104). Ou
seja, a nova realidade midiática é a de muitos que falam com muitos, mesmo que em complementaridade com mídias tradicionais.
Trata-se da tentativa de usar a tecnologia para exercer a democracia sem li-
mites de tempo, espaço e outras condições físicas (HACKER, DIJK, 2000). Nesse
sentido, a internet apresenta características estruturais que propiciam maior grau
de participação. A primeira é a diminuição das fronteiras e barreiras de espaço ou lugar. A segunda é menor restrição no tempo, de forma que os envolvidos não
precisem estar sincronizados e que a discussão possa se prolongar mais que um en-
188 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
contro presencial, ainda que com intervalos. A terceira é a redução de custos, tanto
pela eliminação da necessidade de deslocamento, quanto pelo acesso a informações que passam a ficar disponíveis online (KLEIN, 1999).
Por conseguinte, define-se democracia digital a busca e o exercício da demo-
cracia usando mídia digitais na comunicação política online ou off-line, caso em
que estas são usadas como apoio (VAN DIJK, 2013). A democracia digital é basicamente o uso de TICs em diferentes mídias com o objetivo de fortalecer a democracia ou a participação cidadã na comunicação política (HACKER, DIJK, 2000).
Quantos aos desdobramentos da democracia digital, para Bentivegna (2006),
no caso da democracia representativa, as TICs podem reforçar o controle exercido pelos governados sobre o governo, enquanto no caso da democracia direta, podem
fortalecer a participação disponibilizando meios para que os cidadãos possam con-
sultar informações, mobilizar-se e tomar decisões. Em uma democracia forte, onde há a presença de elementos participativos e deliberativos sem renunciar à representação, as TICs podem ser centrais para possibilitar o acesso e disseminação de informação, assim como os espaços para deliberação e a participação (BENTIVEG-
NA, 2006). Para Stowell (2007), sem acesso à informação, a base de conhecimento do indivíduo não pode ser enriquecida, tornando-o impotente.
No Brasil, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha sobre o impacto das
mídias sociais nas eleições de 2014 revelou que 46% dos usuários de internet com-
partilharam conteúdo sobre as eleições em suas redes. Destes, 19% assumiram que a escolha do candidato votado foi influenciada por conteúdo das redes e 20% acreditam que o conteúdo visto nestas plataformas influenciou um pouco sua decisão
(SERPRO, 2016). Dessa forma, a interação digital tem impacto na forma como
os indivíduos formam sua opinião e também como se posicionam politicamente, influenciando os demais.
Pesquisa com dados de 133 países realizada entre 1995 e 2003, para investigar
o impacto das TICs na liberdade e na democracia, evidenciou alta correlação entre
a expansão destas e das liberdades democráticas. Ou seja, geralmente países com melhor infraestrutura tecnológica apresentam níveis mais altos de democracia, ex-
cetuando-se nações que exercem controle rigoroso em sua utilização (SHIRAZI, NGWENYAMA, MORAWCZYNSKI, 2010).
CAPÍTULO X - 189
Considerando que a democracia digital é uma realidade no contexto con-
temporâneo, é possível constatar que algumas mídias tendem a ser mais efetivas e
demonstram maior potencial para o fortalecimento democrático. No Brasil, espe-
cificamente, tais mídias estão ligadas aos dispositivos móveis, tendo em vista que a
maior parte dos brasileiros acessa a internet por meio deles e que os aplicativos para tais dispositivos são amplamente disseminados (AVAZU, 2016).
Lévy (2007) ressalta a importância de as tecnologias para a democracia digital
serem construídas de maneira acessível a toda a sociedade e não somente para pessoas com alta escolaridade ou poder aquisitivo. Tais sistemas devem ser construídos
com tecnologias existentes e disseminadas no mercado, minimizando seu custo de
produção. Uma ágora digital também deve possuir alto grau de usabilidade e satisfação de uso pelos usuários, para que possa facilitar a navegação e orientação do conhecimento, promovendo trocas de saberes e a construção coletiva (LÉVY, 2007).
ÁGORAS DIGITAIS Em meio às possibilidades de participação política geradas pela democracia
digital, uma delas é a de reintroduzir e atualizar o conceito de Ágora no contexto sociopolítico contemporâneo. Porém, um espaço virtual como esse demanda características e funcionalidades específicas para que haja efetividade, as quais estão
ligadas principalmente ao seu alcance sociopolítico, a sua estrutura tecnológica e de conteúdo. Nesse sentido, definiu-se as ágoras digitais como espaços virtuais para deliberação pública igualitária sobre aspectos da vida em comum, propiciando a
participação direta e estimulando a formação política de seus cidadãos. Nas seções seguintes, são exploradas as três dimensões citadas. ALCANCE SOCIOPOLÍTICO A efetividade de um instrumento de democracia digital depende do engaja-
mento do cidadão, seu usuário. O engajamento é a intenção ou efeito de influenciar a ação governamental, direta ou indiretamente (VICENTE, NOVO, 2014). Nesse
190 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
sentido, o engajamento cidadão decorre da existência de oportunidades igualitárias de participação, ocasião para deliberação com seus pares e educação política. A atuação coletiva de cidadãos possui um caráter educativo, pois desperta a consciência
de que questões públicas têm impacto em questões privadas, motivo pelo qual não é possível negligenciar os aspectos coletivos, estimulando os cidadãos a se informa-
rem para poder participar ativamente (KLEIN, 1999). Por isso, é essencial que uma
ágora digital apresente os seguintes requisitos: educação ou aprendizagem política, espaço para deliberação e isonomia entre os usuários. ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL Para fins de análise da comunicação na interatividade digital, esta pesquisa
preconiza discussões sobre as transformações na interação do homem envolvendo o computador, na passagem de um modelo de comunicação transmissionista da mí-
dia tradicional (jornal, televisão) para o descentralizado (LEMOS, 1997; PRIMO, 1999; CASTELLS, 2015), em que todos mediam para todos individualmente, de forma personalizada e em tempo real em ambientes digitais (PRIMO, 1999). Dessa
forma, são aspectos essenciais para a comunicação social: a interação mútua: “aquela caracterizada por relações interdependentes e processos de negociação, em que cada
interagente participa da construção inventiva e cooperada da relação, afetando-se
mutuamente” (PRIMO, 2007, p.62); os canais de conversação ou campos de interação mútua disponibilizados pelas interfaces digitais para a veiculação dos conteúdos e; a coprodução de conteúdo, considerando os processos de cooperação e seu
impacto direto sobre uma rede social para a criação e a manutenção de sua estrutura (RECUERO, 2009). A coprodução de conteúdo é caracterizada neste estudo como
tipos de intervenção para cooperação identificados nas áreas de interatividade das interfaces digitais.
ASPECTOS TECNOLÓGICOS Quanto aos aspectos técnicos, ágoras digitais devem ser criadas com tecnolo-
gias diversas considerando as modalidades de dispositivos, podendo ser softwares
CAPÍTULO X - 191
ones e até redes sociais. Assim, ágoras digitais devem prezar: o tipo de plataforma
(web ou mobile), código e licença. Justifica-se a definição desses requisitos pois, inicialmente, em relação à plataforma, um aplicativo presente em diferentes mo-
dalidades pode garantir maior alcance de usuários, incluindo múltiplos perfis no público ou diversidade, por isso garante-se a efetividade. Quanto ao código, o de-
senvolvimento de software de código aberto incentiva a transparência dos dados e de suas funcionalidades, assim como a construção e colaboração em rede por
usuários (OSI, 2017). Dessa forma, o código aberto demonstra maior coerência no caso da democracia digital, pois compreende-se que o código fonte em execução na
aplicação é o mesmo disponibilizado pela entidade, garantindo a autenticidade do sistema (BRETTHAUER, 2002), o que não ocorre no caso de um código proprietário. Nesse sentido, as licenças se tornam parte essencial do processo, pois são estas
que definem as possibilidades de uso, alteração e distribuição que um usuário pode ter em relação ao software de um terceiro. O software de código aberto se restringe somente a fornecer o código fonte original, tornando necessária uma licença que
regulamentará como este poderá ser modificado ou distribuído (BRETTHAUER, 2002). É por meio das licenças de software que será ditado como este código poderá ser utilizado.
DESCRIÇÃO E COMPARAÇÃO Esta seção apresenta a descrição e características mapeadas dos quatro aplica-
tivos escolhidos para compor o estudo comparado, além de apresentar critérios para avaliação de suas possibilidades como ágora digital. Também, é aqui apresentado um quadro com o resumo dos resultados obtidos.
Para Pressmann (2005) softwares aplicativos ou de aplicação são programas
autônomos que solucionam uma necessidade específica. As aplicações nesta área ajudam o usuário a desempenhar uma tarefa específica, normalmente processando e
gerenciando dados como editores de texto ou um sistema digital para redes sociais. Decidiu-se para fins deste estudo, considerar os aplicativos também em função da
192 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
sua abrangência de uso no Brasil. Assim, foram selecionados os aplicativos que compõem o objeto empírico deste estudo (Quadro 1). Quadro 1 - Aplicativos selecionados. APLICATIVO
ORIGEM
ABRANGÊNCIA
FINANCIAMENTO
Colab.re
Mercado
Nacional
Público
Portal e-Cidadania
Governo
Nacional
Público
Avaaz
Sociedade civil
Internacional
Doações
De olho nas metas
Sociedade civil
Municipal
Doações
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
Os aplicativos foram selecionados ainda em função de: (1) sua conformida-
de como recurso tecnológico para a democracia digital; (2), seu alcance na mídia tradicional (notícias, reportagens e premiações); (3) acesso às plataformas e tempo de existência suficiente para disponibilidade de dados ou relatórios sobre sua utilização.
DESCRIÇÃO DOS APLICATIVOS SELECIONADOS
Portal e-Cidadania Criado em 2012, o portal e-Cidadania foi desenvolvido para estimular a par-
ticipação cidadã na atividade parlamentar brasileira, por meio de serviços de inte-
ratividade nas dimensões legislativa, orçamentária, representativa e fiscalizadora. Assim, abre espaço para que os usuários possam enviar e apoiar ideias legislativas, participar de audiências públicas, sabatinas e outros eventos abertos, opinar sobre projetos de lei, propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias e outras
proposições em tramitação no Senado Federal até a deliberação final (sanção, promulgação, envio à Câmara dos Deputados ou arquivamento) (SENADO, 2017).
CAPÍTULO X - 193
Figura 1 - Portal e-Cidadania.
Fonte: Portal e-Cidadania (2017).
Em relação ao alcance sociopolítico, foi o único entre os quatro aplicativos
selecionados a contemplar todos os critérios avaliados em relação à temática deste
estudo. A deliberação pública ocorre no portal por meio de: (1) proposição de novas leis; (2) participação em debates ou eventos interativos, e (3) consulta pública, onde os usuários podem votar e opinar sobre projetos de lei.
A educação política pode sobrevir a partir do direcionamento interno à pla-
taforma do Senado, com disponibilidade de publicações que abrangem legislação, estudos legislativos ou orçamentários, manuais e relatórios; também da Escola de Governo, onde o usuário pode participar de cursos gratuitos on-line ou presenciais e da livraria do Senado, onde encontram-se obras gratuitas e pagas sobre diversas temáticas, incluindo literárias e históricas. A isonomia é garantida, dado o fato de
que qualquer cidadão pode acessar o portal e as informações nele contidas, sendo permitida a utilização das ferramentas disponibilizadas a partir de cadastro básico feito com dados pessoais.
Em aspectos da comunicação, o Portal e-Cidadania contempla também os
três aspectos avaliados na temática. Permite como interação mútua a proposição
194 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
de leis por parte dos usuários cadastrados, assim como em área de comentários sobre eventos interativos, como chamadas públicas, assembleias, entre outros com
participação popular. Estes dois focos de interatividade mútua ganham sentido no campo de proposições de projetos Ideia Legislativa e no de comentários de eventos chamado Mural do Cidadão. A coprodução de conteúdos existe, embora não seja
aberta. As proposições de projetos de lei levadas a público são moderadas pelo Se-
nado e a visibilidade desses projetos é. destacada de acordo com o número de votos de apoio que eles recebem.
Em relação à estrutura tecnológica, o portal apresenta somente a opção de
acesso via navegador web, sendo possível acessá-lo via navegadores em dispositivos
móveis, mas podendo ter seu desempenho prejudicado por não possuir aplicativo
específico para os dispositivos móveis. Não foram encontradas informações sobre código-fonte aberto ou projetos do aplicativo em plataformas de hospedagem de código-fonte e controle de versão. Assim, assume-se que o e-Cidadania não disponibiliza o seu código-fonte e não possui uma licença do tipo Copyleft. COLAB.RE O portal Colab.re é denominado como rede social para cidadania, a qual tem
por objetivo conectar cidadãos e cidades para resolução de problemas, discussão de
projetos e avaliação de serviços públicos. A plataforma pode ser acessada via web ou aplicativo para Smartphone e oferece dois ambientes: um para interação entre
os usuários e outro para gestão das demandas levantadas por eles, onde entidades, órgãos públicos e organizações da sociedade civil atuam. Basicamente, reúne demandas urbanas e permite postagens dos usuários sob três classificações: fiscalização (indicar problemas), proposição (sugerir soluções) e avaliação (percepção dos
serviços públicos). Por outro lado, oferece ferramentas para que o poder público
possa tratar ou coletar informações e acompanhar as proposições (COLAB, 2017). O Colab.re está presente em mais de 130 prefeituras do Brasil, possui mais
de 150 mil usuários, planejamento para aumentar em 50% o número de cidades
e em 300% o número de usuários (PROXXIMA, 2017). Ainda em seu primeiro ano, 2013, foi eleito o melhor aplicativo urbano do mundo no prêmio AppMyCi-
CAPÍTULO X - 195
ty (EXAME, 2013). Em Campinas, uma das cidades que utiliza o aplicativo, as
proposições apresentadas pelos usuários passarão a ser debatidas em assembleias
do Orçamento Cidadão, sendo que, o percentual de resolutividade das demandas recebidas chega a 72% (PMC, 2016).
O aplicativo dispõe de espaço virtual para deliberação pública e garante a
isonomia entre seus usuários, mas não apresenta oportunidade para a educação po-
lítica dos mesmos. A deliberação ocorre após as postagens dos usuários na rede social com finalidade de fiscalização, proposição e avaliação, quando os demais po-
dem apoiar, comentar, divulgar ou até mesmo marcá-las como inapropriadas. Os usuários também podem direcionar postagens aos entes responsáveis, direta ou in-
diretamente, acompanhar o andamento de suas fiscalizações, propostas e avaliações
registradas e participar de enquetes e consultas iniciadas pelo aplicativo ou por
entes públicos. A isonomia é mantida, dado o fato de que qualquer cidadão pode ser usuário da rede, sendo necessário, no entanto, um cadastro para interação.
Em relação aos aspectos voltados à comunicação social, o aplicativo contempla
todos os critérios. Em interação mútua, oferece oportunidade para autoria, comentários e resposta do poder público em um formato de narrativa de rede social, no
qual as histórias são preservadas e podem continuar a ser contadas mesmo após
a resolução, em fotos e textos e com total abertura. Os canais de conversação são campos para fiscalizar, propor projeto, publicar demanda, comentar e compartilhar o link da publicação. A coprodução de conteúdos é aberta e em tempo real, sem
moderadores e com postagens que continuam ativas para comentários após a resolução dos casos.
196 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Figura 2 - Colab.re para Web.
Fonte: Colab.re Web (2017).
Quanto aos aspectos tecnológicos o aplicativo Colab.re foi o que apresentou a
maior diversidade de plataformas de acesso, apresentando versão para navegadores web, dispositivos Android e iOS, assim podendo alcançar uma maior diversidade
de dispositivos e usuários. Seu código-fonte é do tipo proprietário, ou seja, não é
disponibilizado para o público, e os seu aplicativos mantidos com licença Copyright. Figura 3 - Aplicativo Android Colab.re.
Fonte: Colab.re em Google Play (2017).
CAPÍTULO X - 197
AVAAZ O Avaaz se denomina uma comunidade de mobilização online que leva a voz
da sociedade civil para a política global. Foi lançado em 2007 com um nome que significa “voz” em diversas línguas européias, tendo como objetivo mobilizar pessoas de todos os países para aproximá-las do futuro que desejam. Por meio de cam-
panhas no Avaaz, cidadãos e movimentos sociais podem alcançar escala suficiente
para fazer a diferença em questões de interesse público, seja assinando petições, financiando campanhas de anúncios, enviando emails ou organizando protestos e
eventos nas ruas. Desde seu surgimento foram mais 350 milhões de ações e são
mais de 45 milhões de usuários/membros distribuídos em 195 países (AVAAZ, 2017).
Figura 4 - Avaaz Web.
Fonte: Avaaz Web (2017).
A comunidade define as prioridades do movimento por meio de pesquisas
entre seus membros, com a submissão de ideias para campanhas a pesquisas e testes com amostras periódicas e aleatórias, selecionando e implementando em grande
escala apenas as que recebem forte reação positiva (AVAAZ, 2017). Essa reação
198 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
significa que a ideia precisa ser apoiada pela maioria dos integrantes, com percentual próximo a 85%. A partir disso, os membros dão um feedback ao projeto, como algo
que represente a voz do povo e tenha uma aprovação total da sociedade (ÉPOCA, 2013).
O aplicativo Avaaz possibilita a deliberação pública e a isonomia entre os
usuários, mas não oferece espaço para educação política, apenas para disseminação
de informações políticas por meio de emails e engajamento dos usuários em mobi-
lizações políticas. A deliberação ocorre por meio da criação campanhas e petições, na participação por assinaturas e comentários ou pela divulgação das campanhas em redes sociais.
O portal Avaaz atende aos aspectos comunicativos de canais de conversação
e coprodução de conteúdos. O canal de conversação existente é o campo de publicação de novos projetos, que devem ser inseridos na plataforma por seus autores
conforme orientações do site. O único campo de coprodução de conteúdos está na área de depoimentos para quem conta sua história de sucesso com a plataforma ou sua experiência dentro dos casos apresentados, um campo sem moderação
no site com os autores identificados em um mapa. A interação não é aberta, pois conta com moderação. A interação mútua existe, mesmo com limitações, sendo o
leitor-proponente o principal autor dos conteúdos e sem abertura a comentários. A deliberação de votos a projetos, por exemplo, é feita por meio da interatividade de cliques de adesão e não com base em tipologias textuais abertas com trocas entre autor e outros leitores.
O Avaaz não apresenta clareza sobre suas tecnologias para seus usuários. Seu
acesso pode ser feito via navegador web ou aplicativo para Android. O aplicativo
informa que é mantido com licença Creative Commons 3.0, que diz que o material
sob esta licença pode ser copiado, redistribuído, e transformado em qualquer suporte ou formato, a partir do material original, mesmo que para fins comerciais (CREATIVE COMMONS, 2017). Porém, em nenhuma documentação do aplicativo
foram encontradas referências ao seu código ser aberto, ou a estar disponibilizado para os usuários.
CAPÍTULO X - 199
Figura 6 - Aplicativo Avaaz para Android.
Fonte: Avaaz em Google Play (2017).
DE OLHO NAS METAS A plataforma De Olho nas Metas foi criada em 2013 por iniciativa da socie-
dade civil representada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com instituições
do terceiro setor e academia, além de cooperação técnica do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, com o objetivo de ajudar cidadãos e organizações da
sociedade civil a acompanhar e monitorar o cumprimento de metas da prefeitura de São Paulo (DE OLHO NAS METAS, 2013). Para isso, afirma disponibilizar em
seu sistema as seguintes ferramentas: comentários sobre as metas e seus projetos, inserção de fotos, pesquisa de projetos por distritos da cidade, acesso às páginas dos conselhos participativos e criação de campanhas (NOSSA SÃO PAULO, 2013).
200 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
Figura 7 - De Olho nas Metas.
Fonte: De Olho nas Metas (2017).
O aplicativo De Olho nas Metas, cumpre o requisito de isonomia, mas não
a deliberação pública e a educação política. Quanto à isonomia, qualquer cidadão pode cadastrar-se na plataforma e utilizar suas ferramentas, assim como, qualquer
usuário sem cadastro ou efetuar login no sistema pode acessar as informações disponíveis. Por outro lado, não deliberação pública, apenas fiscalização e acompanhamento das metas. A educação política também não está presente, apenas a disponibilidade de dados abertos que podem tornar o cidadão melhor informado.
Do ponto de vista da comunicação, é uma mídia de transmissão e moderação
de informações unilateral, que monitora eventos e dados para fins de transparência. Não possui interatividade mútua, canais de conversação ou coprodução de conteúdos. Não focaliza o diálogo entre os autores, mas uma postura de publicador para um leitor-observador.
O aplicativo De Olho nas Metas foi o que apresentou a maior transparência
sobre seu funcionamento e tecnologias utilizadas. Seu acesso é somente via navegador web, podendo ser acessado por navegadores em dispositivos móveis, porém
podendo perder algumas de suas propriedades. Seu código é aberto e mantido na plataforma GitHub, acessível a qualquer usuário, mantido com a licença GNU
Affero General Public License v3, onde é possível utilizar, alterar e compartilhar o código e as mudanças realizadas (GNU, 2017).
CAPÍTULO X - 201
QUADRO RESUMO Com base no que foi observado em cada um dos aplicativos selecionados,
cujas sínteses estão descritas no item anterior, foi possível configurar o quadro com-
parativo. No quadro, considera-se as propriedades de cada um dos aplicativos, de acordo com os critérios ou requisitos anteriormente apresentados, como sendo aspectos pertinentes ao conceito de “ágora digital” (Quadro 2). Quadro 2 - Síntese da análise dos aplicativos selecionados.
Aspectos da estrutura tecnológica
Aspectos da comunicação social
Aspectos sociopolíticos
Colab.re
Portal e-Cidadania
Avaaz
De olho nas metas
Deliberação pública
Sim
Sim
Sim
Não
Educação política
Não
Sim
Não
Não
Isonomia
Sim
Sim
Sim
Sim
Interação mútua
Sim
Sim
Sim
Não
Canais de conversação
Sim
Sim
Sim
Não
Coprodução de conteúdos
Sim
Sim
Sim
Não
Multiplataforma
Sim
Não
Sim
Não
Código aberto
Não
Não
Não
Sim
Licença copyleft
Não
Não
Sim
Sim
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
Desta forma, destaca-se que nenhum dos aplicativos selecionados apresentou
todos os critérios necessários para o pleno atendimento ao conceito de “ágora digital”:
•
Com relação aos aspectos sociopolíticos, o aplicativo mais coerente aos
critérios elencados para pesquisa foi o Portal e-Cidadania do Senado Federal;
202 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
•
•
Com relação aos aspectos de comunicação social, os portais: e-Cidadania, Colab.re e Avaaz atenderam todos os critérios. De outra parte, o portal De Olho nas Metas, não cumpriu nenhum;
Com relação aos aspectos de estrutura tecnológica, nenhum dos aplicativos atendeu todos os critérios propostos. Os portais Avaaz e De Olho nas
Metas foram os que mais se aproximaram do esperado, atendendo dois •
critérios cada um;
Com relação ao contexto geral, englobando os nove critérios propostos pela pesquisa, nenhum dos aplicativos analisados cumpriu todos os requi-
sitos. Contudo, o portal Avaaz foi o que mais se aproximou do esperado, porque apresentou sete dos nove requisitos previstos. Os portais Colab.re e Portal e-Cidadania apresentaram seis requisitos cada um. (3) O portal De Olho nas Metas apresentou três requisitos.
Por fim, observou-se uma grande assimetria no atendimento dos critérios
ou requisitos propostos neste estudo. Alguns portais apresentaram total aderência
em um ou mais aspectos (sociopolítico, comunicação, estrutura tecnológica) e, ao mesmo tempo, apresentaram baixa ou nenhuma aderência com relação a outros
aspectos. Isso evidencia que, depois de difundido, o conceito de “ágora digital” irá
requerer adaptações tecnológicas e de conteúdo nos aplicativos existentes, uma vez que foram selecionados os melhores exemplos encontrados e nenhum desses atendeu plenamente os requisitos propostos e justificados neste estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O enfraquecimento da participação cidadã em questões políticas é crescente
na sociedade brasileira, ainda que haja possibilidades e ferramentas de participação
não encontradas antes em nenhum outro período histórico do país. Isso demons-
tra que, apesar da disponibilidade e acesso a tais ferramentas ou oportunidades, a questão a ser transformada está no plano cultural, sociopolítico, e não apenas
tecnológico. Predomina o desinteresse por tais questões na população e é ausente
CAPÍTULO X - 203
a consciência de que questões públicas têm impacto em questões privadas, o que resulta em despreparo para essa esfera. Dessa forma, a democracia digital, para se
tornar efetiva, precisa apresentar características e processos que perpassem o plano cultural, como uma ágora digital.
A ágora na Grécia antiga estimulava a cultura de participação cívica igualitária
e se pautava numa formação ética para a cidadania, portanto, em uma educação política. Esses são pontos de partida para a atualização do conceito no contex-
to contemporâneo por meio da democracia digital, portanto com a utilização de
TICs. Após revisão de literatura unindo os construtos indicados como prioritários, definimos ágoras digitais como espaços virtuais para deliberação pública igualitária
sobre aspectos da vida em comum, propiciando a participação direta e estimulando a formação política de seus cidadãos.
Nesse sentido, o primeiro passo para a efetividade é a educação política que
possa gerar o engajamento responsável do cidadão em deliberações públicas e que
seja amparado pela igualdade entre os atores. No contexto da sociedade em rede, essa deliberação e formação política dependem da comunicação social, a qual en-
volve a interação mútua, os canais de conversação em redes digitais e que resulta em coprodução de conteúdo para intervenção. Assim, os espaços virtuais que abrigarão
essa ágora, devem apresentar características tecnológicas congruentes à sua finali-
dade, como o tipo de plataforma onde estará presente (web ou mobile), código e licença.
Há diferentes formatos de mídia com potencial para coloborar com a promo-
ção da democracia digital, sendo que essas estão disseminadas no contexto nacional
e internacional. Mas, a partir das considerações e critérios propostos neste estudo, observou-se a necessidade e a possibilidade de aprimoramento de recursos, conteúdos e, também, objetivos e finalidades, no planejamento e no desenvolvimento de produtos tecnológico-digitais, para fins de participação sociopolítica dos cidadãos.
Considera-se também que os critérios ou requisitos aqui propostos, os quais
são diretamente relacionados ao conceito de “ágora digital”, representam uma contribuição importante ao debate sobre a formação sociopolítica do cidadão para a
democracia. Considera-se ainda a necessidade de aprimoramento tecnológico-digital, em função desse debate e da prática social, em torno da democracia.
204 - CIBERSOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS
O aprimoramento dos recursos tecnológico-digitais pode contribuir de ma-
neira decisiva para o resgate da prática sociopolítica, por meio da concretização
participativa e interativa do conceito revitalizado de “ágora” que, agora, pode ser
aplicado nas redes sociais, que são compostas a partir dos ambientes digitais. Assim, seria configurado um espaço virtual interativo para a deliberação pública igualitária sobre aspectos da vida em comum.
A necessidade de investimento e aprimoramento foi evidenciada no processo
descritivo e comparativo dos aplicativos selecionados neste estudo. Como foi obser-
vado, apesar das qualidades dos aplicativos, com relação ao conteúdo e a tecnologia, e reconhecendo-se também sua popularidade, os mesmos não apresentaram todas
as características e funcionalidades esperadas para a sua plena efetividade como
“ágora digital”. Tais características são relacionadas com aspectos sociopolíticos, tecnológicos e comunicativos, devendo-se respeitar a isonomia entre os usuários
e oferecer recursos adequados de interatividade, de acordo com as características de comunicação da atual sociedade em rede. De maneira geral, isso foi observado
nos aplicativos selecionados, contudo, esses apresentaram fragilidades com relação
à educação política dos usuários e à transparência de sua estrutura tecnológica. Isso
deve servir de motivação para a continuidade deste estudo, visando a modelagem de uma mídia coerente ao conceito de “ágora digital”, como foi proposto neste artigo.
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AUTORES Tarcísio Vanzin
Graduado em; Arquitetura e Urbanismo pela UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina Engenharia Op. Mecanica UCS- Universidade de Caxias do Sul; Mestrado e Doutorado em Engenharia de Produção PPGEP-UFSC. Atua como professor e pesquisador nos programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Pós-Arq/ UFSC e no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento EGC-UFSC. É Coordenador do projeto Objetos de aprendizagem acessíveis: processos de compartilhamento de conhecimento baseado na Teoria da Cognição Situada, amparado pelos recursos da Capes PNPD. Pesquisador no projeto: Mídias, Tecnologias e Recursos de Linguagem para um ambiente de aprendizagem acessível aos surdos, aprovado pelo CNPq através da CHAMADA Nº 84/2013 MCTI-SECIS/CNPq. Pesquisador no projeto ‘perfumes de informação’ para auxiliar a navegabilidade em ambientes virtuais acessíveis a surdos (2014), financiado pelos recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Atua na área de Tecnologias digitais, principalmente nos seguintes temas: ensino-aprendizagem, acessibilidade, design de hipemídia, Teoria Geral de Sistemas, Criatividade e Cibersociedade.
Luiz Antonio Moro Palazzo
Graduação em Tecnologia de Processamento de dados (UFRGS, 1976). Mestrado em Ciência da Computação (Representação do Conhecimento: Programação em Lógica e o Modelo das Hiperredes - UFRGS, 1991). Doutorado em Ciência da Computação (Modelos Proativos para Hipermídia Adaptativa UFRGS, 2000). Pós doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento (Redes Sociais Temáticas, EGC/UFSC, 2014). Professor universitário desde 1979 na Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Coordenou nesta universidade o Curso de Bacharelado em Ciência da Computação (2006-2008) e o Programa de Pós Graduação em Informática (2008-2011). Entre 2014 e 2016 foi professor visitante no EGC/UFSC). Tópicos de interesse são: computação social, cibersociedade, teoria da computação, teoria dos sistemas, complexidade, modelos formais, ontologias, web semântica e redes sociais temáticas.
Adriana Landim Quinaud
Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC), conceito CAPES 6, Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) na área de Mídia do Conhecimento. Membro do Grupo de Pesquisa MidiaCon CNPQ/UFSC. Especialista em Gestão da Comunicação Pública e Empresarial (UTP) e graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Com habilidades em relacionamento com a mídia, comunicação integrada e estratégica, comunicação interna e comunitária, relacionamento com públicos prioritários, planejamento e política de comunicação, rádio e TV corporativa, gerenciamento de crise, eventos, entre outros. Tem como áreas de interesse comunicação organizacional, redes sociais empresarias, economia criativa, mídias do conhecimento e convergência de mídias.
Agatha Depiné
Doutoranda e Mestra em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Pesquisadora vinculada ao Grupo VIA - PPGEGC/UFSC, onde dedica-se a pesquisar de forma interdisciplinar a participação cidadã, o direito à cidade, o conhecimento político do cidadão e sua relação com o desenvolvimento urbano inteligente. Tutora da disciplina Cibersociedade do PPGEGC/UFSC e monitora da disciplina Habitats de Inovação no Departamento de Engenharia do Conhecimento/UFSC
Jorge Luiz Guedes Sant’ana
Doutorando em Engenharia de Produção-Ergonomia (UFSC), conceito CAPES 5, Mestre em Ciência da Informação (UFSC) na área de Gestão do Conhecimento. Membro do Grupo de Pesquisa do LABERGO/UFSC. Especialista em Acupuntura (IBRATE - Curitiba PR), Fisiologia do Exercício (UFES - Vitória ES), Reabilitação Pneumo-funcional (UEPA Belém PA). Graduado em Fisioterapia (ESEHA - UFF - Niterói RJ) e Professor no SENAC Com habilidades em Acessibilidade, Reabilitação Cárdio-Respiratória. Tem como áreas de interesse as políticas de acessibilidade das PCDs e atualmente desenvolve sua tese na área de cultura organizacional no ambiente hospitalar e o adoecimento mental de profissionais de enfermagem.
Laryssa Tarachucky
Laryssa Tarachucky é graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Design e doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento. É integrante do Grupo de Pesquisa Mídia e Convergência - MídiaCon, da Universidade Federal de Santa Catarina, onde participa do projeto de pesquisa “A cidade e a nuvem: análise da relação entre as novas tecnologias de informação e comunicação no processo de construção, transformação, apropriação e desenvolvimento da cidade contemporânea”. Atua, principalmente, em pesqui-
sas sobre métodos participativos de desenho urbano, tecnologias de mídia digital, mídias urbanas, cultura móvel e sobre o impacto da comunicação móvel na vida urbana.
Maria José Baldessar
Maria José Baldessar é graduada em Comunicação Social – Jornalismo, mestre em Sociologia Política e doutora em Ciências da Comunicação. É professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Programa de Pós-Graduação de Engenharia e Gestão do Conhecimento e nos cursos de graduação em Jornalismo e Design. Coordena o Grupo de Pesquisa Geografias da Comunicação, da Intercom, e o Grupo de Pesquisa Mídia e Convergência - MídiaCon, da Universidade Federal de Santa Catarina. Integra o Núcleo de Televisão Digital Interativa, onde coordena os projetos de extensão Letras Libras- produção de vídeos, Unasus/UFSC- produção de vídeos e o site www.cotidiano.ufsc.br. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo Especializado, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, internet, hipermídia, jornalismo online, economia da mídia, história da mídia, convergência digital, usabilidade e ensino de jornalismo.
Rafael Mariano Caetano Arrivabene
Doutorando e Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC), Conceito CAPES 6, na área e linha de pesquisa de Mídia e Disseminação do Conhecimento. Membro do Grupo de Pesquisa LAMID. Cursou especialização em Desenvolvimento de Jogos (SENAC) e é Bacharel em Desenho Industrial (UNESP). Professor nos cursos de Design Gráfico e Design de Jogos e Entretenimento Digital (UNIVALI), foi Gerente de Criação Multimídia (MStech) atuando na produção de cursos online gamificados e jogos educativos para educação pública. Tem como objeto de estudo as Teorias do Significado e Análise do Discurso em Jogos.
Regina Zandomênico
Coordenadora e professora do curso de Comunicação Social - habilitação Jornalismo do Centro Universitário Estácio em Santa Catarina. Graduada em Jornalismo e Mestre na área de Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é doutoranda no EGC (Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento) na mesma instituição. Integra o Grupo de Pesquisa MídiaCon/EGC.UFSC e também ministra as disciplinas Comunicação Organizacional na Internet, na pós-graduação em Comunicação e Mídias Digitais na SATC, em Criciúma (SC), e Mídias Sociais e Redes Sociais, na pós-graduação Comunicação e Marketing em Mídias Digitais do Centro Universitário Estácio Santa Catarina.
Rafael Gattino Furtado
Mestrando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de EaD (UFF). Especialista em Gestão Pública (IFSC). Especialista em Redes e Sistemas Distribuídos (UNIPLAC). Graduado em Informática (UNIPLAC). Membro do Grupo de Pesquisa Científica em Educação a Distância (PCEADIS - UFSC) e do Grupo de Pesquisa Avançado em Sistemas Elétricos (GPASE - UNIPLAC). Analista de TI no Ministério Público de Santa Catarina, e professor de nível superior na Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). Trabalha com Tecnologia da Informação desde 1999, tendo experiência e interesse principalmente no Desenvolvimento de Sistemas de Informação, Redes de Computadores, Educação a Distância, Tecnologias de Comunicação Digital e Gestão de TI. Músico contrabaixista nas horas vagas.
Luciane Fadel
Possui graduação em Comunicação Visual pela Universidade Federal do Paraná (1987), graduação em Engenharia da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1994), graduação em Licenciatura Em 2o Grau pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (1992), mestrado em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e doutorado em Typography & Graphic Communication - University of Reading (2007) e Pós-Doutorado em Narrativas Digitais orientado pelo Prof. Jim Bizzocchi na Simon Fraser University, Canada (2016). Atualmente é professora adjunto do Departamento de Expressão Gráfica e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina. Co-lidera o Grupo de Pesquisa Núcleo de Acessibilidade Digital e Tecnologias Assistivas e participa do Grupo de Estudo de Ambiente Hipermídia voltado ao processo de Ensino-Aprendizagem. Tem experiência na área de Design para Experiência com ênfase em Interação Humano Computador, atuando principalmente nos seguintes temas: design de interação, interface, user experience e novas mídias.
Graziela Bresolin
Mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) na área de Gestão do Conhecimento. Membro do Grupo de Pesquisa ENGIN (UFSC) – Núcleo de Engenharia da Integração e Governança do Conhecimento para Inovação. Graduada em Administração e também graduada em Turismo, ambas pela Faculdade Estácio de Florianópolis. Tem como áreas de interesse Gestão do conhecimento, Aprendizagem organizacional, Governança do conhecimento, Universidade corporativa em rede e Neoaprendizagem. Desenvolve pesquisas nas áreas de aprendizagem e inovação.
Sicilia Vechi
Mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Grupo de Pesquisa VIA Estação Conhecimento (EGC/UFSC) sobre Habitats de Inovação. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí e Especialização em Gestão Editorial pela Universidade Tuiuti do Paraná. Possui experiência de 11 anos em jornalismo diário. Passou por empresas de assessoria de imprensa e Marketing Digital e atuou durante dois anos como docente susbtituta no Curso de Jornalismo da Universidade de Blumenau. Foi assessora de comunicação e apoio à Gestão de Projetos da Rede Catarinense de Inovação.
Rayse Kiane de Souza
Rayse Kiane de Souza: Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento na Universidade Federal de Santa Catarina na área de Mídia e Conhecimento, possui graduação em Sistemas de Informação pela mesma instituição. Realiza pesquisa nas áreas de usabilidade de software, tecnologias educacionais, e compartilhamento de conhecimento.
Richard Perassi Luiz de Souza
Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1995), Bacharel em Desenho de Propaganda e Licenciado em Artes Plásticas pelo curso de Educação Artística da Universidade Federal de Juiz de Fora (1986). Realizou pós-doutorado em Design no Instituto de Arte, Design e Empresa- Universitário (IADE-U/Lisboa, 2015). Atualmente, é professor titular na Universidade Federal de Santa Catarina, lecionando nos cursos de graduação em Design e Animação, também, nos programas de pós-graduação em Design (Pós Design/UFSC) e Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPEGC/UFSC). Anteriormente, foi professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. É experiente nas áreas de Artes Visuais, Design, Comunicação, Semiótica e Arte-Educação, atuando com os seguintes temas: Semiótica Visual, Arte, Design e Mídia, Identidade, Cultura e Comunicação das Marcas nas Organizações. É líder do grupo de pesquisa Significação da marca, informação e Comunicação Organizacional (SIGMO/UFSC/CNPq).