A luta de classes na França e a não institucionalização da Segunda República
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A luta de classes na França e a não institucionalização da Segunda República
Luiz Roberto da Costa Júnior
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RESUMO
A análise das instituições políticas da Segunda República (na França) mostra como não se conseguiu regulamentar os direitos que haviam sido estabelecidos de maneira formal na Constituição. A imprensa ajudou a radicalizar o conflito social que se transformou, na prática, numa luta de classes. Além disso, a relação do Executivo e do Legislativo tornou-se conflituosa, ajudando a aumentar a tensão política e colaborando para o golpe de Estado. O Exército em busca de reconhecimento, após a conquista da Argélia (1841-1848), assim como o apoio da burguesia financeira e industrial, que defendem a ordem e estabilidade do poder público, como também do campesinato conservador acabam por levar Luís Bonaparte a continuar no poder.
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A luta de classes na França e a não institucionalização da Segunda República
A luta de classes na França criou as circunstâncias e as condições que possibilitaram o golpe de Estado contra a Segunda República (Marx, 1974). As várias interpretações para o ocorrido foram da indignação moral até a salvação contra a revolução (Oehler, 1999).
Tudo começa com a queda da Monarquia, em 24/2/1848, quando Luís Felipe se nega a realizar uma reforma eleitoral, cujo objetivo era alargar o círculo dos elementos politicamente privilegiados da própria classe possuidora e derrubar o domínio exclusivo da burguesia financeira. A Guarda Nacional, que estivera ao lado de Luís Felipe para ele assumir o poder em 1830, agora o abandona ensejando que há uma crise de legitimidade que o leva à abdicação, pois o próprio Exército também não opõe resistência à Revolução de Fevereiro.
O proletariado revolucionário conquista, com armas nas mãos, o que eles denominam República Social, mas o uso da bandeira vermelha é recusado em 26/2/1848. O operariado (futura ala ultramontana na Assembléia Nacional) realiza discussões sérias sobre os problemas sociais sob a presidência de Louis Blanc, no Palais du Luxembourg, para debater os direitos dos trabalhadores. Entretanto, quando da instalação da Assembléia Constituinte, esta manifesta-se contra as reivindicações do proletariado (manutenção das oficinas nacionais), gerando uma insurreição (as jornadas de 23, 24, 25 e 26 de junho) que resulta em 3 mil insurretos massacrados e 15 mil deportados sem julgamento (Marx, 1974). A posterior mobilização das mulheres dos insurrectos pela anistia não dá resultado.
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Junho de 1848 marca o fim do consenso iluminista que legitimara a Revolução Francesa: a busca de uma causa comum para os cidadãos, uma bandeira de luta contra a tirania, pois a luta passa a ser de classes. Este ponto de inflexão histórico serve de matriz, teoria e ideologia de campos opostos: o socialista e o da burguesia. A république démocratique et social versus a république honnête ou république bougeoise. (Oehler, 1999, p.111).
O repertório da retórica contra-revolucionária eclode em situações de crise, por temor ao povo, tese da ameaça (Hirschman, 1992). A reação beira o racismo social ao se acusar o povo de bárbaro, besta e demônio, ao caracterizá-lo como representante do Mal (espalha-se que nos estandartes dos insurrectos está escrito pilhagem e estupro). Paris é o próprio Inferno de Dante na visão dos partidários da ordem (Oehler, 1999, pp.39-44) ou uma Noite de São Bartolomeu para seus opositores, como Baudelaire (Oehler, 1999, p.141). Do outro lado, há também os gritos de “Abaixo a burguesia! Ditadura da classe operária!” (Oehler, 1999, p.77), ou o velho adágio dos tecelões lioneses (1834) “viver trabalhando ou morrer combatendo” (Oehler, 1999, p.142).
Numa análise contemporânea do pensador existencialista Jean-Paul Sartre, as jornadas de junho tornaram-se o pecado original da burguesia: “Em junho de 1848, os véus se rasgaram, e, por meio de um crime, a burguesia tomou tento de si mesma em sua realidade de classe; ela perdeu sua universalidade para definir-se, numa sociedade dividida, por relações de força com outras classes” (Apud Oehler, 1999, p.65).
A metrópole fraterna de fevereiro torna-se, entretanto, a necrópole fratricida de junho. Da fraternidade de fevereiro chega-se ao ódio de junho, pois saiu-se do alfa da concórdia para o ômega da insurreição. Flaubert qualifica isso como “fanatismo dos interesses” (Oehler, 1999, pp.83-84). A visão dicotômica do povo “bom” de fevereiro e o populacho “mal” de junho foi um maniqueísmo
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utilizado pela literatura e pela imprensa que, na verdade, é a grande responsável pela incitação ao ódio de classe (Oehler, 1999, p.165). Numa análise da época, Alexander Herzen afirma “a longo prazo, o verdadeiro progresso social só seria possível pela propaganda e instrução, não pela violência contra a classe dominante” (Oehler, 1999, p. 213).
A Constituição de 4/11/1848 faz a passagem de uma monarquia burguesa para uma república burguesa. Além de manter os princípios “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da Revolução Francesa, a Carta Constitucional tem por base a “propriedade, família, religião e ordem” (Inciso IV do Preâmbulo). Durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, esta é dominada pelos republicanos puros, cujo nacionalismo francês é contra as decisões do Congresso de Viena (limitação do território francês ao que era em 1793) e à aliança com a Inglaterra. Os republicanos puros combatem a burguesia financeira e fazem ataques ao comunismo e ao socialismo. Haviam tentado manter o domínio político aceitando a regência da Duquesa de Orleans, mas tiveram que aceitar a Proclamação da Segunda República. Os elementos socialistas do governo provisório são excluídos da Comissão Executiva, ao ser instalada a Assembléia Constituinte. Quando da insurreição de junho, a própria Comissão Executiva é dissolvida, excluindo-se, assim, os pequenos burgueses (Montanha) que deixam de apoiar o governo.
Cavaignac – general desde 1844 e governador da Argélia (em 1848), que comandara as tropas contra os insurrectos (durante as jornadas de 23, 24, 25 e 26 de junho) – toma o lugar da Comissão Executiva, com amplos poderes devido ao estado de sítio. Marrast, ex-redator chefe do National, torna-se o presidente da Assembléia Constituinte. Os ministérios, bem como todos os postos importantes, caem em mãos dos republicanos puros. Changarnier – general na campanha da Argélia, tenente-general do reino em 1843, comandante da divisão de Argel – manifesta apoio aos príncipes de Joinville e Aumale (filhos de Luís Felipe), mas estes recusam entrar na França com o
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Exército. Changarnier adere à República, assume como governador da Argélia, depois é eleito deputado, mas, após crise com o presidente Luís Bonaparte, ele volta a apoiar os monarquistas.
Os republicanos puros elaboram a Constituição Republicana durante a vigência do estado de sítio em Paris. A nova constituição é, no fundo, apenas a reedição, em forma republicana da Carta Constitucional de 1830. A Revolução de Fevereiro proclamara imediatamente a adoção do sufrágio universal (masculino) e direto, fato que não pôde ser desfeito. A batalha jurídica trava-se, então, nos direitos formais versus regulamentação em leis orgânicas. Havia a liberdade individual, mas limitada pela segurança pública; havia a liberdade de associação, mas limitada pela segurança pública; havia liberdade de ensino, mas dentro de condições estabelecidas pela lei e sob supremo controle do Estado; inviolabilidade do lar, exceto nas condições prescritas na lei. As leis orgânicas devem colocar em prática as restrições e regular o gozo das liberdades.
A Segunda República estabelece o unicameralismo, uma Assembléia Nacional (Câmara dos Deputados) eleita por 3 anos, com direito de reeleição e composta por 750 membros. O presidente da República é eleito de maneira direta, sem direito à reeleição, para um mandato de 4 anos por maioria absoluta de votos, em turno único, com no mínimo 2 milhões de votos do total de 10 milhões de eleitores. O presidente deve ter no mínimo 30 anos e não ter perdido a cidadania francesa. O presidente não pode dissolver a Assembléia Nacional sob pena de ser acusado de alta traição (seria julgado por crime de responsabilidade – impeachment). Segundo Marx, a Carta de 1848 provoca a sua própria destruição. O Poder Executivo e o Poder Legislativo constantemente jogam a va-banque (apostar tudo o que se tem). O presidente é eleito por sufrágio universal e não é reelegível, mas os 750 representantes do povo, também eleitos por sufrágio universal, são reelegíveis e a Assembléia Nacional é incontrolável, indissolúvel e indivisível.
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O presidente pode nomear e demitir os ministros, fazer nomeações para cargos públicos, usar o poder das Forças Armadas, conceder a graça presidencial (perdão da pena), suspender a Guarda Nacional e destruir, com o apoio do Conselho de Estado, os conselhos gerais, cantonais e municipais eleitos pelos próprios cidadãos. Ainda tem a iniciativa e direção de tratados com países estrangeiros. Quanto à Assembléia Nacional, cabe a ela o direito de declarar a guerra e celebrar a paz, realizar tratados comerciais e o direito de conceder anistia.
A eleição de Luís Bonaparte, ao cargo de presidente da República, é o início de uma série de violações constitucionais que levam ao fim da Segunda República. O Art. 44 da Constituição de 1848 dispõe que “o presidente da República Francesa não deverá ter perdido nunca sua cidadania francesa”. Luís Bonaparte era naturalizado suíço, portanto, havia deixado de ser cidadão francês. Em 10/12/1848, termina o estado de sítio de Paris sob o comando do general Cavaignac. Luís Bonarparte é eleito presidente da República e não há contestação à sua posse na presidência. Luís Bonaparte deveria indicar três nomes para uma eleição indireta, por maioria absoluta pela Assembléia Nacional, para a vice-presidência (Art. 70 da Constituição) o que não ocorre. Luís Bonaparte indica, entretanto, Barrot para primeiro-ministro, pois este tem o apoio do Partido da Ordem (maioria monarquista) o que configura uma diarquia de poder (Duverger 1993), mas sem possibilidade de dissolução da Câmara dos Deputados.
Luís Bonaparte teve, na eleição presidencial, amplo apoio do campesinato que pagara os custos da Revolução de Fevereiro; do Exército que havia feito a Conquista da Argélia (1841-1848) e não tinha recebido nem glória e nem remuneração adicional; da alta burguesia que via uma ponte com a monarquia e, finalmente, também dos proletários e da pequena-burguesia que colaboram para o flagelo de Cavaignac na eleição presidencial.
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O ocaso dos republicanos puros começa com a pressão monarquista chefiada pelo primeiroministro Barrot, para interromper a discussão das leis orgânicas que agora são do ensino e de culto. Há a proposta de dissolução da Assembléia Constituinte do deputado Rateau e a presença de Changarnier, general do Partido da Ordem sob o comando da Guarda Nacional, que passa em revista as tropas em Paris. Isso acaba gerando uma coação contra a Assembléia Constituinte a fim de obter a sua dissolução, visando a restauração do crédito, a consolidação da ordem, o fim dos arranjos provisórios e o estabelecimento de uma situação definitiva.
Após as eleições legislativas, configura-se uma maioria monarquista na Assembléia Nacional. O Partido da Ordem é formado por legitimistas e orleanistas. Quanto aos bonapartistas, dada a sua pequena representatividade, Marx os chama de mauvaise queue (apêndice ruim). A Montanha tenta rearticular-se e faz uma aliança do operariado com a pequena burguesia (denominada social-democracia). Entretanto, o chefe do partido Ledru-Rollin pede o impeachment de Luís Bonaparte, em 11/6/1849, por causa do bombardeio à Roma sem a autorização da Assembléia Nacional o que, portanto, violava o Art. 5 da Constituição. A proposta é derrotada no dia seguinte o que causa uma subordinação da Constituição às decisões majoritárias da Assembléia Nacional. A Montanha é destroçada e submetida ao controle do presidente da Assembléia Nacional. Luís Bonaparte sai, assim, fortalecido do episódio.
Após o recesso parlamentar, Luís Bonaparte demite o ministério Barrot-Falloux e indica o general d’Hautpoul, como ministro da Guerra, para compor o ministério mas sem o título de primeiro-ministro. O único homem com projeção parlamentar é Fould, com a pasta da Fazenda. Os insurrectos são vitoriosos nas eleições suplementares de 10/3/1850. Por causa disso, o Partido da Ordem aprova, em 31/5/1850, uma nova lei de imprensa suprimindo a imprensa revolucionária e a restrição do sufrágio, que visa também o controle sobre a eleição presidencial do segundo domingo
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de maio de 1852. O eleitorado francês é de 10 milhões, mas, com o corte de 3 milhões, o eleitorado passa a ser de 7 milhões, o que dificulta qualquer candidato de atingir a maioria absoluta em turno único e o mínimo legal de 2 milhões de votos para ser eleito presidente. Assim, os cinco mais votados (Art. 47 da Constituição) iriam para uma eleição indireta pela Assembléia Nacional controlada por uma maioria monarquista.
A morte no exílio de Luís Felipe (Castelo de Claremont, condado de Surrey, ao sul de Londres) provoca um revigoramento na discussão da mudança de cadeira presidencial para trono. Por um lado, Henrique de Artois (Conde de Chambord) já se considera Henrique V e chega a nomear ministério. Por outro lado, a Sociedade 10 de Dezembro (Exército particular de Luís Bonaparte) procura articular um plano de assassinato contra o general Changarnier (chefe da Primeira Divisão do Exército e da Guarda Nacional) e Dupin (presidente da Assembléia Nacional).
O conflito entre Bonaparte e Changarnier está estabelecido. A Comissão Permanente da Assembléia Nacional, em recesso, convoca o general d’Hautpoul e exige que sejam tomadas providências contra as indisciplinas verificadas na Sociedade 10 de Dezembro. Luís Bonaparte dissolve-a formalmente, mas o conflito com Changarnier continua, pois os jornais do Eliseu atacam Changarnier e os jornais do Partido da Ordem atacam Bonaparte. A Comissão Permanente quer declarar a pátria em perigo, mas Bonaparte destitui d’Hautpoul, enviando-o para a Argélia, e indica Schramm para substituí-lo no ministério. Bonaparte então envia mensagem à Assembléia Nacional garantindo a tranqüilidade. Enquanto nas Tulherias, quartel-general de Changarnier, espera-se uma declaração de guerra, do Eliseu veio uma declaração de paz.
O conflito entre o Poder Executivo (Luís Bonaparte) e o Poder Legislativo (maioria monarquista) continua com a demissão do comissário de polícia Yon que denunciara que uma ala
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dos dezembristas planejava assassinar Dupin e Changarnier. Os ministros da Justiça, da Guerra, da Marinha e da Fazenda sofrem algumas derrotas na Assembléia Nacional, mas Luís Bonaparte os impede de renunciar. Sentindo-se fortalecido, o presidente decide destituir Changarnier, baseandose numa falsa ordem do dia tornada pública por um jornal do Eliseu. Bonaparte consegue que esta destituição seja assinada pelos generais Baraguey d’Hilliers e Saint-Jean d’Angely. O comando da Primeira Divisão do Exército passa para Baraguey d’Hilliers e o comando da Guarda Nacional para Perrot. Segundo Marx, Changarnier considera o Exército como uma terceira força em igualdade de condições com os outros dois poderes, mas a Assembléia Nacional não o chama e nem o defende, prefere aprovar uma moção de censura e derrubar o gabinete por 415 a 286, mas já não existia a figura do primeiro-ministro e o presidente tampouco é atingido.
Luís Bonaparte indica um gabinete de transição, segundo o presidencialismo clássico, onde todas as indicações são de responsabilidade dele sem interferência do Legislativo. Após isso, parte para um presidencialismo de coalizão ao montar um ministério republicano com Lamartine e Billault, depois um parlamentar com a volta de Odilon Barrot, um legitimista com Vatimesmil e Benoist d’Azy, um orleanista com Maleville, até conseguir o retorno do ministério derrubado.
Os orleanistas e legitimistas procuram unidos manter a ordem burguesa, mesmo estando numa República. As propostas de Creton (orleanista e representante do povo), em 1849, 1850 e 1851, de revogar o decreto de exílio das famílias reais não são aprovadas por gerar divisões internas no Partido da Ordem.
Ao aproximar-se do final do mandato de Luís Bonaparte, há uma proposta de reforma da Constituição a fim de possibilitar a reeleição dele. Uma parte da burguesia apóia Bonaparte, outra parte da burguesia prefere a renúncia de Bonaparte e a eleição de Cavaignac. A proposta de reforma
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da Constituição é indefinida e ampla, ela recebe 446 votos a favor e 278 votos contra. Ocorre que eram necessários 3/4 dos 750 representantes do povo, isto é, 563 votos. Faltaram, portanto, 117 votos. Os orleanistas extremados, Thiers, Changarnier etc, votaram com os republicanos e a Montanha. O alto quorum praticamente inviabilizou qualquer alteração constitucional, engessando juridicamente a Segunda República. Se o quorum fosse de 3/5 (e não 3/4) e a reforma definida e objetiva seriam necessários 450 votos e, portanto, a possibilidade de discussão seria mais real. Levaria a um debate em três discussões com um mês de intervalo entra elas e não ao confronto final entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
A ameaça de golpe pairava sobre a Segunda República como a espada de Dâmocles (Marx, 1974, p.395). A burguesia financeira e a industrial defendem a ordem e a estabilidade do poder público devido às exigências do mercado financeiro e são contra as disputas entre os poderes Executivo e Legislativo. O Poder Legislativo está discutindo a Lei de Responsabilidades do presidente, quando Luís Bonaparte joga uma última cartada, ele propõe o restabelecimento do sufrágio universal. O gabinete renuncia e é substituído por um muito fraco e inexpressivo com a incumbência de conseguir aprovar a medida proposta pelo Executivo. A proposta é recusada por 355 a 348.
O Príncipe de Joinville, casado com Dona Francisca (irmã de Dom Pedro II do Brasil) e terceiro filho de Luís Felipe, lança a sua candidatura à presidência. O Partido da Ordem se divide não há mais maioria estável e todos os grupos tentam se articular esperando a eleição presidencial para assumir o poder. Luís Bonaparte dá então o golpe de Estado em 2/12/1851. Membros da Assembléia Nacional (reunidos sob uma maioria de orleanistas e legitimistas) votam a deposição de Luís Bonaparte, mas são presos.
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Os republicanos defendem o princípio institucional da temporalidade eletiva/rotativa do Chefe de Estado, mas não têm nomes fortes para a eleição e apóiam a República, mas não o presidente Luís Bonaparte. Os não-republicanos (orleanistas, legitimistas e bonapartistas) defendem o princípio da temporalidade hereditária do Chefe de Estado, eles têm nomes fortes para a eleição e apóiam não a República, mas sim a possibilidade de assumir o poder pela via da presidência da República. A partir do momento em que Luís Bonaparte sinaliza o desejo do continuísmo, a lógica política faz com que orleanistas e legitimistas defendam a República, quando na verdade defendem os próprios interesses em chegar à presidência como mostra a já lançada candidatura do Príncipe de Joinville.
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Conclusão
Luís Bonaparte tem o apoio do campesinato conservador (Marx, 1974, p. 404) e do Exército que quer o reconhecimento e melhores condições após a conquista da Argélia (1841-1848). O Exército é agora uma força organizada ao lado do poder burocrático e possibilita a implantação do projeto de desenvolvimento industrial, sob a ótica de uma modernização conservadora.
A Segunda República caracteriza-se pela luta de classes, pela luta por direitos (aspecto formal) versus a regulamentação em leis orgânicas (direito real). A Constituição é discutida e aprovada sob estado de sítio em Paris. Em vários momentos não há respeito à legalidade constitucional. Não há regulamentação sobre a relação de poder (Executivo versus Legislativo). O próprio Marx percebe isso ao dizer que os ministérios variam entre parlamentar, não-parlamentar, extraparlamentar e natiparlamentar.
As regras da Segunda República estabelecem que, se nenhum candidato obtiver a maioria absoluta dos votos em turno único (com mínimo de 2 milhões de votos de um total de 7 milhões de eleitores), há eleição indireta pela Assembléia Nacional (Câmara dos Deputados) por maioria absoluta dos 750 membros, isto é, 376 votos. Disputariam os cinco com mais votos populares – art. 47 da Constituição de 1848 (Duverger, 1957, p.94) – e não três candidatos como indicou equivocadamente Marx em seu clássico O 18 Brumário de Luís Bonaparte. A eleição indireta ocorreria, provavelmente, em junho de 1852, após as eleições presidenciais do segundo domingo de maio. É leitmotiv retomar o junho e mostrar como o impasse institucional levaria a uma nova luta de classes nas ruas, pois ninguém teria maioria absoluta para eleger o presidente. Diante da chantagem do “caos”, Luís Bonaparte aproveita-se disso para o golpe de Estado (Benevides, 1991, p.59). Après coup, a bête noire faz troar os canhões em 4/12/1851.
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A bandeira branca com flores-de-lis da Monarquia absolutista cai em 24/2/1848, dois dias depois é rejeitada a adoção da bandeira vermelha. A República “honesta” da bandeira tricolor perde o vermelho da fraternidade (em 23 de junho de 1848) ao massacrar os insurretos, perde o azul da liberdade ao rejeitar o impeachment de Luís Bonaparte (em 13 de junho de 1849), pois chama todos à legalidade após o junho de 1848 e, finalmente, perde o branco da igualdade ao negar o sufrágio universal (masculino) em 13/11/1851. A República “honesta” havia sido violada e perdida a sua virtude. Os direitos sociais, com as oficinas nacionais, haviam sido negados. Os direitos civis contra a tirania haviam sido negados com a não aprovação do impeachment, como também os direitos políticos, após o não restabelecimento do sufrágio universal (masculino).
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Referência Bibliográfica
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. (1991), A Cidadania Ativa. São Paulo, Editora Ática.
DUVERGER, Maurice. (1993), O regime semipresidencialista. São Paulo, Editora Sumaré. (Tradução de Échec au roi, Paris, 1978).
___________________. (1957), Constitutions et Documents Politiques. Paris, Presses Universitaires de France.
HIRSCHMAN, Albert.(1992), A retórica intransigência. São Paulo, Companhia das Letras.
MARX, Karl. (1974), O 18 Brumário de Luís Bonaparte (Coleção Os Pensadores. v.35). São Paulo, Editora Abril Cultural. pp 329-410.
OEHLER, Dolf. (1999), O velho mundo desce aos infernos. São Paulo, Companhia das Letras.
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Explicação sobre a Origem dos Ramos Orleanista e Legitimista
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Explicação sobre a Origem dos Ramos Orleanista e Legitimista Henrique IV – Maria de Médicis (1553-1610) (1573-1642)
Luís XIII - Ana de Áustria (1601-1643) (1601-1666)
Dois Filhos Origem dos Dois ramos
Felipe de Orleans (1640-1701)
Luiz XIV (1638-1715)
Duque de Orleans (1674-1723)
morte filho
Luís de Orleans (1703-1752)
morte neto
Felipe “Egalité” (1747-1793)
Luís XV (1710-1774)
Luís Felipe (1773-1850)
morte filho
morte filho Luís XVI Luís XVIII primogênito (1754-1793) (1755-1824)
Conde de Paris Luís XVII (1838-1894) (1785-1795)
Carlos X (1757-1836)
morte filho
Conde de Chambord (1820-1883) Ramo Orleanista
Ramo Legitimista
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Henrique IV e Maria de Médicis tiveram o filho Luís XIII que se casou com Ana de Áustria. O filho mais velho deles assumiu o trono como Luís XIV (ramo legitimista) e o outro filho Felipe de Orleans será o marco do ramo orleanista. Luís XIV perdeu o filho e o neto e, ao morrer, assume o seu bisneto Luís XV, mas que era menor, assim, o Duque de Orleans (filho de Felipe de Orleans) assumiu a regência tendo papel muito importante. Luís XV perdeu o filho e, ao morrer, assume o neto Luís XVI. Durante o início da Revolução Francesa, Felipe “Egalité” insta Luís XVI a abdicar e indicá-lo para a regência do futuro Luís XVII. Entretanto, ambos acabam guilhotinados. Assim, o Conde de Provence (futuro Luís XVIII) assume a regência no exílio, mas Luís XVII morre na prisão do Templo.
Após o período napoleônico, Luís XVIII assume o trono e, ao morrer, assume Carlos X. Este tivera o filho (Duque de Berry) assassinado em 1820 e, ao ser forçado a abdicar em decorrência da Revolução de Julho (em 1830), indica o neto Henrique de Artois (Conde de Chambord) para sucedê-lo ao trono. Entretanto, a regência da viúva Duquesa de Berry é impedida e Luís Felipe torna-se o rei dos franceses.
Luís Felipe perde o filho primogênito (Fernando de Orleans que tinha o título de Duque de Orleans) num acidente de carruagem em 1842. Ao ser forçado a abdicar em decorrência da Revolução de Fevereiro (em 1848), ele indica o neto Conde de Paris (chamado Luís Felipe como o avô) para sucedê-lo ao trono. Ocorre a aclamação do Conde de Paris sob a regência da viúva Duquesa de Orleans, mas, minutos depois, o local é invadido e é proclamada a Segunda República. O Conde de Chambord e o Conde de Paris tentam assumir o trono durante a Terceira República, após o fim do Segundo Império de Luís Bonaparte, mas sem sucesso.
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