Memorabilia

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índice 08

prefácio

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apresentação

Prof.ª Ana Elisabete de Gouveia Itamar Morgado

sobre arte 15 18 22 24 27 30 32 35 39 47 50 59

o que é ar te? (1961) o futuro na ar te (1961) novos rumos (1961) uma nova sensibilidade (1961) situação da ar te contemporânea (1961) bissier, bar tok: uma lição (ouvindo música) (1962) ação na ar te (1968) breves divagações sobre o tempo e a ar te (1972/3) o poder e a ar te (1977) abstração e realidade II (19..) um passeio no mundo do simulacro (1992) a utopia da ar te (1991)

da crítica 73 75 77

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a exposição polimaterialista (1962) homenagem a vicente do rego monteiro (1980) anotações sobre a pintura de reynaldo fonseca (laudator temporis acti) (1993) marcel duchamp (marchand du sel) (1996) morandi (1961) alber to burri (pintura) (1961) alber t r yder, pintor místico (1961) o lirismo paisagístico de guignard (1981) sobre alfredo volpi (1988)


das instituições 114 119 120 121 128 129

Defesa da Pintura (1996) A Respeito do Salão do Estado (1961) Por Uma Bienal Nordestina (1988) Salão Nacional, Vanguardas, e outras Mumunhas (19..) Car ta da Bienal de São Paulo Resposta à Car ta da Bienal

catálogos de exposições 107 112 114 116 97 100 102 103 105

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o céu que nos ofusca: jairo arcoverde (1992) sobre a pintura de plínio palhano (199.) a escolha de bete gouveia (1983) abstração e realidade (1990) a texturologia das calçadas de olinda (aprígio e frederico) (1982) papangus de sérgio lemos (2005) o mundo mágico de josé barbosa (1980) a ar te cosmogônica de fernando guerra (1982) a mão ausente e o olho interior (análise da pintura de ítalo bianchi) quatro ar tistas, quatro assinaturas (bete gouveia, isa, eudes mota e fernando lins) (1989) a pintura de anchises, ou a lógica do desconcer to (1983)

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memorabilia

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sobre o artista

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glossário: índice remissivo

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prefรกcio Ana Elisabete de Gouveia

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apresentação Itamar Morgado

Escrever a história pelas mãos de seus protagonistas é uma oportunidade almejada por todos os pesquisadores, especialmente no campo das artes, onde o processo de criação está intimamente ligado à subjetividade do artista, e as tentativas de desvendá-lo podem cair facilmente no terreno das especulações. Se, de um lado, o resultado pode parecer carente da definitividade do ato consumado, filtrado pelas lentes de um maior distanciamento temporal, de outro, o relato ganha em autenticidade e vigor, na medida em que os personagens abordados continuam em processo, suas obras atuais reproduzem o somatório das vivências acumuladas ao longo das três últimas décadas e dialogam com o universo da produção artística contemporânea. Quase todos os artistas pernambucanos focalizados nos escritos de Montez Magno a partir da década de 80 estão em plena atividade e têm, no Capítulo Memorabilia, oportunidade de expressar seus pontos de vista, refletindo sobre o momento da intersecção de suas carreiras iniciantes com o olhar crítico de Montez. Pernambuco, berço de críticos de arte da envergadura de um Mario Pedrosa e Mario Schenberg, não contava então com críticos especializados, como de resto todos os centros distanciados do eixo hegemônico Rio-São Paulo. Essa tarefa era relegada a jornalistas e intelectuais que, salvo honrosas exceções, nem sempre estavam amparados por credencial maior que o seu

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próprio diletantismo. Esses heroicos precursores da crítica local utilizavam seus espaços em jornais e revistas, na tentativa de estabelecer um juízo crítico sobre a efervescente produção artístico-cultural que se desenvolvia principalmente entre Olinda e Recife. Complementavam esse quadro artistas como João Câmara, José Cláudio e Montez Magno (os dois últimos colaboradores assíduos da coluna de Ladjane Bandeira no extinto Diário da Noite, na década de 60) que escreviam sobre o tema e repercutiam as novas tendências dos movimentos artísticos em escala nacional e internacional. A participação de Montez Magno reveste-se de importância especial por personificar aqui a vertente da abstração geométrica, corrente minoritária em Pernambuco, estado de forte tradição figurativista desde o Modernismo, para ficarmos num horizonte histórico limitado ao início do século passado. Apesar de não admitir a associação de seu nome com as correntes ditas de vanguarda de meados do século XX, como os movimentos concreto e neoconcreto, cujos artistas Montez conheceu no Rio de Janeiro e São Paulo, é notório o viés construtivo em sua obra, especialmente no que se refere à universalidade da linguagem em contraposição às limitações impostas pelas temáticas regionais. Entretanto, reafirmando a postura independente do artista, essa característica não impede que, em 1972, inicie o 1º Ciclo de “Barracas do Nordeste” uma de suas mais importantes séries,

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em que funde elementos da arquitetura popular regional com o rigor geométrico de suas construções. Montez, cuja primeira exposição individual ocorreu em 1957, já participara de diversas Bienais em São Paulo e no exterior, integrara o júri de seleção de Salões do Estado e representava a ruptura com os cânones vigentes. Era natural que os artistas da geração emergente, principalmente os que tinham afinidade estética com o seu trabalho, a ele recorressem para escrever textos de apresentação de catálogos de suas exposições. Sua abordagem é direta, analisando a questão estética e os aspectos técnicos da pintura com a autoridade de quem é do metier e, sobretudo, empregando a sensibilidade comum ao poeta e pintor, como ressaltou Sergio Lemos em seu depoimento, no Capítulo 5 deste livro. Mais do que propiciar a “legitimação” desses trabalhos, a opinião de Montez serviu como balizamento para esses jovens artistas, e contribuiu para que, trilhando diferentes caminhos, lograssem, ao longo desse período, consolidar suas carreiras e ocupar importantes espaços no meio artístico pernambucano. Nos textos aqui reproduzidos de edições do Diário da Noite do início da década de 60 (Capítulo I), nota-se a inquietação do jovem Montez diante das profundas transformações que vinham ocorrendo no território das artes, levando-o a divagações estéticas e filosóficas sobre as incertezas dos caminhos futuros da arte contemporânea. No Capítulo III “Das Instituições” aflora o lado combativo de Montez Magno, que tece severas críticas ao circuito oficial de museus e demais espaços expositivos nacionais e faz sugestões para o aperfeiçoamento do sistema que, alias, parece ter pouco evoluído desde então. Embora o período pesquisado seja curto, historicamente considerado, o observador mais atento irá identificar, paralelamente ao foco principal das narrativas, as transformações ocorridas ao longo desse tempo, que vão do campo tecnológico

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(dos monotipos do Diário da Noite aos textos digitais de nossos dias) ao surgimento de linguagens artísticas interativas (que Montez reconhece precocemente nomeando-as de arte participativa) passando por considerações sobre o atualíssimo tema das intertextualidades abordado em “Um passeio no Mundo do Simulacro”, publicado no Suplemento Cultural da CEPE em 1992. Nosso objetivo é proporcionar uma leitura prazerosa ao apreciador de arte e municiar pesquisadores e estudantes de informações precisas sobre o passado recente da história das artes pernambucanas.

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«

«sobre arte


o que é a arte?

Segundo Ernesto Grassi, em seu livro “Arte e Mito”, os gregos tinham um conceito muito diferente daquilo que chamamos arte. Arte é um termo latino e vem de ars, que é a tradução da palavra grega techné. Assim, para os gregos, uma obra de arte era uma obra de “técnica”. O significado da palavra grega techné, no entanto, muito diferia do seu atual sentido. Chamamos geralmente de técnica a um determinado conhecimento. Platão dizia que os termos techné e poiesis se equivaliam, significando a causa de tudo que transita “do não ser para o ser”. Ainda conforme Ernesto Grassi, a palavra techné significava “a soma de conhecimentos gerais demonstrados por uma forma particular”. Assim, deduzimos que uma obra de techné era aquela na qual se reuniam e se encontravam refletidos todos os conhecimentos e percepções de vida, do homem e do mundo. O autor já citado observa também que a palavra ars, em Latim, tem um duplo sentido, tanto significando artista como artífice. Neste caso, uma obra de arte pode ser ao mesmo tempo o produto de um artesão, como também de um artista. Não quer dizer, no entanto, que um artesão seja um artista. Nem que um pintor, que é um artista, seja um artesão. O artesão-alfaiate, por exemplo, possui apenas determinado conhecimento técnico (no sentido atual) para a confecção de uma roupa, ao passo que o artista- pintor possui conhecimentos gerais para a realização da obra de arte, o quadro. O fato é que a palavra arte não satisfaz, por não possuir um senti15


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do exato, uma só significação. Por outro lado, não podemos utilizar o termo grego techné por ter o mesmo atualmente significado muito diferente. Teremos que nos conformar com a primeira forma. Notemos agora que a característica principal que distingue a arte do artesão da arte do artista é que a primeira é feita para o uso prático, ela tem uma utilidade na vida diária, ao passo que a segunda é feita apenas para a contemplação. Ora, esta diferença básica pode nos servir como ponto de partida para uma melhor apreciação do que seja arte. Tomemos como exemplo uma escultura e um sapato. Do ponto de vista material, uma escultura poderá ser mil vezes mais valiosa, dependendo do material empregado. Pode-se fazer uma escultura de ouro maciço, mas um sapato assim não teria sentido. Do ponto de vista estético, creio que também não há duvida, pois ninguém irá dizer que um sapato, por mais bem feito e trabalhado que seja, será tão belo como uma obra de Fídias*. Do ponto de vista prático, pode-se objetar que a obra de arte, a escultura, não tem a menor utilidade prática, o que não quer dizer que não tenha alguma utilidade. Se uma coisa só é útil quando dela nos utilizamos para alguma coisa, então um quadro e uma escultura são úteis, pois nos servimos deles para decorar e embelezar a nossa residência. Do ponto de vista espiritual, também achamos que só mesmo um pobre de espírito dirá ter um sapato (mesmo que seja o do Papa) o mesmo conteúdo espiritual que tem um quadro de El Greco ou de Rouault. E assim, nos deparamos com o termo chave da questão: o conteúdo espiritual. A obra de arte se distingue da obra de artesanato pelo conteúdo de diversos valores que uma possui em sua totalidade, e a outra só parcialmente. Pois, se numa obra artesanal existe somente o valor técnico e estético, na obra artística encontramos todos os valores que, para os gregos, significavam a techné e que são de ordem moral, religiosa, filosófica, social, psicológica e estética. * Veja em Glossário (pág. 204) a biografia resumida dos artistas citados.


Temos, pois, dois pontos de apoio: 1º) a obra de arte não tem utilidade prática; 2º) o conteúdo espiritual. Há uma terceira questão a ser considerada: o poder de transmitir e comunicar com um grau de intensidade enorme, um sentimento, uma sensação, ou um conhecimento que consegue a obra de arte, mas não o consegue um objeto de utilidade prática. Até hoje não sabemos de alguém que tenha se arrebatado até o êxtase diante de uma cadeira, mas sabemos de muitas pessoas que, não só se sentiram arrebatadas diante de uma pintura, como chegaram até a sofrer uma completa conversão espiritual. Outro fato interessante é que só nos agradamos de um objeto quando ele se nos apresenta bem acabado, bem feito, trabalhado em bom material. Ele simplesmente nos agrada ou desagrada. Nem mais, nem menos. Não nos desperta nenhum outro sentimento. Ao contrário, uma obra de arte, um quadro, não tem de ser necessariamente bem acabado, bem feito e trabalhado em um bom material. Isto nos mostra que a técnica é mais importante na obra do artesão. Não o é, entretanto, na obra de arte. Um bom exemplo é a pintura de Van Gogh. A sua técnica deixa muito a desejar. O material que usava, muitas vezes era precaríssimo. Todavia, os seus quadros são considerados verdadeiras obras de arte. Por quê? Porque sentimos em seus quadros a existência de uma verdade que transcende a realidade. É a sua concepção das coisas, da vida e do mundo que ele nos mostra como uma conquista e percepção suas que, para nós, ainda não existia. Não víamos, até então, o mundo como ele via e, através de sua visão pessoal das coisas, começamos a nos aperceber de uma nova verdade, ou de mais uma verdade existente atrás de uma realidade visível. Essa transcendência e percepção de uma nova verdade é que compõe o conteúdo espiritual da obra de arte, revelado pela concepção do artista. Publicado no Diário da Noite em 20.07.61 17


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o futuro na arte

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A não ser que haja uma catástrofe de consequências inimagináveis, é licito dizer que o mundo caminha para uma unificação ideológicosocial. Este processo histórico é para nós de tal significação, que nele vemos a semente e a raiz das quais sairá o tronco comum para as artes de todos os povos. Partindo de tal fato, podemos antever um mundo no qual o interesse comum, coletivo, seja superior ao interesse particular. Num mundo assim, todos trabalhariam visando um só alvo: o bem-estar geral, o progresso e o desenvolvimento do homem. Seria então a Humanidade, no seu todo, um só bloco, para a perfeição do qual o homem em particular envidaria todos os seus esforços. Assim como no antigo Egito e na Idade Média havia uma uniformidade conseguida através de um ideal religioso, assim também, futuramente, poderá haver uma unidade estabelecida pelo ideal social. Desta forma, no campo artístico, embora cada um tivesse uma maneira diferente e própria de se expressar, todos, no entanto, seriam acordes no mesmo alvo a atingir. Para o leitor ter uma melhor ideia do que dizemos, basta olhar para a Renascença Italiana e ver que, sendo o numero de artistas tão grande e tão diversos os seus estilos, todos tinham um ponto de apoio que os unia: a presença constante da figura humana em seus moldes clássicos. Tal unificação e universalização da arte já começam a surgir na época atual. Vejamos o caso da pintura abstrata. Se na Renascença era a figura


que predominava nas obras dos artistas, já no abstracionismo tal não acontece, sendo justamente a não utilização da figura que predomina entre os pintores abstratos. Isto é, com certeza, um ponto de ligação. Todavia, cada artista, embora dentro da mesma tendência, se realiza de maneira própria e individual. A pintura abstrata japonesa, por exemplo, difere da pintura abstrata polonesa. Portanto, faltará com a verdade quem disser que todos os quadros abstratos são iguais. É tão igual um quadro de Antonio Bandeira a um quadro de Cícero Dias, quanto são iguais um Da Vinci e um Rafael. Não estamos aqui defendendo a arte abstrata, e sim constatando fatos. Mesmo porque não se pode defender tal ou qual modalidade de arte. Todas são legítimas e uma obra de arte não pede que seja defendida ou atacada, ela existe indiferente às nossas disputas. Muito menos estamos vendo no abstracionismo a arte do futuro. Ela (a arte abstrata) pertence ao presente, pertenceu ao passado e pode ainda vir a pertencer ao futuro, não porem como é realizada atualmente. Suponhamos agora que já estamos vivendo em tal mundo, em época remota. Podemos então propor três hipóteses: 1ª) Não haverá arte, pois o homem não precisará dela; 2ª) A arte se fundirá com a indústria e com a ciência; 3ª) haverá arte, mas ela será dirigida. Vamos afastar por enquanto a primeira hipótese. Vejamos a 19


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segunda: o entrosamento da arte com a indústria é coisa que sempre existiu. Apenas, hoje em dia, esse entrosamento está sendo ampliado devido à criação de indústrias novas com o advento da máquina. Já o casamento da arte com a ciência, além de ser recente, é assunto mais complexo. Pois não sabemos até que ponto a arte se confunde com a invenção. Na V Bienal de São Paulo, vimos um trabalho de Abraham Palatinik que muito nos chamou a atenção. Tinha o poético nome de “Verde e Laranja em Sequência Horizontal” e era formado por um complicado mecanismo elétrico. O aparelho em questão parecia um aquário retangular cuja parte da frente servia de mostrador e dentro do qual se locomoviam formas coloridas semelhantes a nuvens que tomavam os mais estranhos aspectos e que realmente tinham uma grande beleza. Notamos aí que, ao contrário da pintura comum, do quadro, que é estática, naquele aparelho mecânico a “pintura” se tornava dinâmica, cinemática. Achamos que se tratava mais de uma invenção artística do que propriamente de arte. Há poucos dias vimos no cinema, nas “Atualidades Francesas” algo de muito interessante, também. Tratava-se de um escultor francês que criava as suas peças usando de um mecanismo eletrônico. As “esculturas” constavam de uma placa metálica sobre a qual pairavam em plena e fantástica levitação, alguns pinos também metálicos, devido ao magnetismo provocado eletronicamente. Os pinos se moviam, ora para um lado, ora para o outro, para cima e para baixo, formando composições espaciais conforme a vontade do escultor que manipulava o aparelho. Essas invenções impressionam mais pelo sabor de novidade do que pelo conteúdo estético. Em ambos os casos, vemos apenas a extinção da arte, pois, se com a indústria ela apenas criará objetos bonitos de utilidade prática, com a ciência passará a ter o aspecto de invenções interessantes, porém sem outra significação. A terceira hipótese nos parece bastante provável e de mais aceitação. Haverá arte, porém ela será dirigida. Dirigida por quem


e para onde? Dirigida por todos e para um só fim. A arte voltará então a ser, como sempre foi, um meio, e não um fim em si mesmo. Qual será então o fim para o qual ela será dirigida? Ora, se como dissemos o alvo do homem dentro do utópico mundo que imaginamos é o aperfeiçoamento do todo, da Humanidade, então a finalidade da arte será, é claro, enaltecer e glorificar essa mesma Humanidade. Para enaltecer e glorificar a Humanidade, o artista só poderá escolher como modelo o próprio homem. A arte do futuro, portanto, será figurativa e terá de ser forçosamente clássica (não se confunda porém clássica com acadêmica). Pelo menos durante um certo período. Já podemos ver isso se realizando em alguns países de orientação socialista. Todavia, ainda podemos aventar uma quarta e última hipótese, uma hipótese conciliatória, digamos. Haverá três tipos de arte: arte industrial, arte científica e arte humanística. As duas primeiras se utilizarão de uma linguagem puramente abstrata e servirão, uma para dar conforto material e estético e a outra para conforto psíquico, uma espécie de recreio espiritual. A última, por fim, será na verdade a única verdadeiramente arte que se erguerá acima das demais (cujo caráter prático as coloca mais no plano artesanal e no da terapêutica estética) como forma artística por excelência, destinada a perpetuar no espaço e no tempo a imagem do Homem. Publicado no Diário da Noite em 06.07.61

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novos rumos

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Falamos, no artigo anterior, de uma “preocupação angustiosa” existente entre alguns pintores “informais”. Esta preocupação surge do problema atualmente em pé, de que a pintura de cavalete tem os seus dias contados. Ou melhor, de que o quadro como objeto e suporte para a realização da pintura já não satisfaz a muitos artistas de nossa época. Na verdade, tal problema existe, assim como a insatisfação e revolta contra os meios materiais de que dispõe o artista. Assim é que, para Alberto Burri, Lucio Fontana ou Planell, uma tela comum não deve ter a superfície lisa e bem cuidada ante a qual o artista deve se curvar, respeitando a sua integridade física. E por isso violam-na, rebentam-na, ferem-na e estraçalham-na, deixando-a a sangrar, para que esse sangue lhes dê nova vida, novas perspectivas e novos entusiasmos, muito embora depois as feridas sejam carinhosamente cuidadas e tratadas, restando uma cicatriz como denúncia daquela violenta revolta. Para outros, no entanto, essa revolta contra as formas e fórmulas estabelecidas tem um caráter mais cerebral e estético. A este outro grupo, mais pacífico, pertencem os artistas componentes do movimento neoconcreto. Alguns dentre eles acham que o quadro não deve ter forçosamente o formato padronizado pelas escolas anteriores, assim como as suas dimensões não devem ficar restritas a apenas duas: altura e largura. Uma terceira dimensão deve ser criada. Não, porém uma falsa terceira dimensão, como já se vem usando


há bastante tempo, ou seja, a ilusão de profundidade conseguida com a perspectiva. Porém, uma terceira dimensão real, formada pela própria estrutura e armação material do quadro. A esse elemento espacial os neoconcretos aliam o tempo como elemento e fator complementar do “quadro”. Desta maneira, eles criam a fórmula: estrutura, cor, espaço e tempo. Essa revolta, a nosso ver, serve apenas para mostrar que tal estado de insatisfação e rebeldia indica simplesmente que estamos num período de transição. Não podemos asseverar que o quadro ou a pintura de cavalete vão desaparecer. Podemos, e disto estamos convencidos, dizer que a arte tomará novos rumos e que as manifestações artísticas, que são frutos espirituais do homem, terão, no futuro, um sabor diferente. Publicado no Diário da Noite em 30.06.61

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uma nova sensibilidade

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A “pintura informal” que atualmente é considerada como vanguardista, traz consigo a característica de não utilizar formas figurativas, muito embora notemos em vários pintores “informais” a intenção nítida de sugerir ao apreciador, de uma maneira velada, a existência insinuante da figura. Há evidentemente aqui uma contradição que tentaremos esclarecer. A expressão “pintura informal” apareceu para substituir a designação de “tachismo”, que se dá às pinturas formadas por manchas (taches). Quando o “tachismo” começou a ser ridicularizado e o termo tomou um sentido pejorativo, então os seus adeptos resolveram adotar a palavra “informal” para designar a sua escola. Muitos ainda empregam os dois termos como se ambos significassem a mesma coisa. Sem querer fazer jogo de palavras, diremos que toda pintura tachista é informal, mas nem toda pintura “informal” é tachista. Aliás, o tachismo, dentro da escola informal não é mais do que uma tendência e ramificação, como por sua vez o informalismo é um ramo do Abstracionismo. Assim é que encontramos na escola informal as seguintes correntes: tachismo, “pintura de matéria”, ”pintura de ação”, expressionismo abstrato, abstracionismo-expressionista, etc. Na verdade o termo “informal” foi um achado infeliz, pois como pode um pintor marcadamente figurativo como Dubuffet ser informal?


Dubuffet usa de elementos figurativos em sua pintura, o que quer dizer que há um sentido formal em seus trabalhos. Além do que, como poderia um quadro ser informal? Mesmo que o quadro fosse completamente liso e de uma só cor, haveria a sua própria forma geométrica, a sua existência material, corpórea, com as suas dimensões que criaram no quadro uma delimitação formal. Chegamos à conclusão de que o termo é impreciso, incorreto e falso, pois a sua significação não corresponde, de modo nenhum, à obra assim denominada. Em vista do exposto, usaremos a expressão “pintura informal” não tomando em conta as considerações feitas por nós quanto ao seu sentido exato e sim, como referência a uma determinada manifestação artística. Existe nos pintores ‘informais’ um novo sentido estético e uma nova sensibilidade artística, aliadas, em alguns, a uma preocupação angustiosa de solucionar problemas até agora não resolvidos. Entre os primeiros, podemos citar Hartung, Kline, De Still, De Konning, Mark Rothko, dentre vários outros. No segundo grupo, nomeamos Alberto Burri, Lucio Fontana, Capogrossi, Antonio Music, Carlos Planell, Vicente Vela, estimulados por Tàpies, Fautrier, Dubuffet, etc. O primeiro grupo ainda se mantém ligado a um expressionismoabstrato, pois expressam um mundo sentimental e emotivo surgido quase sempre do contato direto com a natureza, que é percebida, sentida, usada e transformada conforme a interpretação e reação 25


de cada um. Para o segundo, o contato e a percepção sensitiva da natureza ocorre num sentido mais largo, mais amplo e sobretudo mais novo. Eis que surge agora um conceito perceptual muito mais profundo da natureza, que passa a ser também um sentido universal e cósmico. O artista descobre que existe uma realidade além e dentro da própria realidade. Ele então mergulha no espaço e no tempo, penetra na matéria e nas coisas que estão tão perto e tão longe e encontra um novo mundo. Mundo esse que se torna cada vez maior, mais estranho e mais misterioso. É como se ele trouxesse nos olhos as mais poderosas lentes dos mais potentes telescópios e microscópios e com elas passasse a explorar novas regiões até então ainda inexploradas. E com estas novas descobertas, com estas novas percepções, surge também uma nova sensibilidade.

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Publicado no Diário da Noite em 22.06.61

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situação

da arte contemporânea

Estamos vivendo num período de transição. Esta transição abrange todos os setores da vida, entre os quais destacaremos aqui o da arte. Podemos constatar isto, observando a existência de vários sintomas denunciadores de tal situação. Entre eles, citaremos apenas dois que são mais importantes: a) a instabilidade ou insatisfação do artista contemporâneo devido a uma saturação de cultura. b) a revolução social e industrial causada pelo incremento de novas ideias. É preciso, desde já, esclarecer e alertar aos mais desavisados de que tal estado de coisas, ou seja, o processo de transição que estamos sofrendo, não constitui motivo de alarme e desespero como querem e apregoam os arautos do derrotismo. Notemos que a arte nunca foi tão prolífica como no momento em que estamos vivendo. Digamos também que o que se fez e continuamos fazendo de um século para cá nas artes em geral, nada mais é que o resultado e o clímax de todas as realizações e experimentações ocorridas desde as mais remotas manifestações artísticas do homem. Por que existem instabilidade e insatisfação do artista contemporâneo? Por que o grande número de escolas e tendências que resultam numa prolificação desconcertante? Achamos que tal insatisfação tem sua causa no próprio homem, e não na arte. A arte é apenas reflexo, uma consequência e desdobramento do artista. Sabemos que o artista, como pessoa humana, 27


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está subordinado a dois fatores importantes: a época e a sociedade em que vive. A época e a sociedade por sua vez, são construídas e firmadas em vários pilares: filosóficos, religiosos, científicos, etc., que erigem o edifício social. Ora, numa época em que este edifício é construído com os materiais mais heterogêneos, em que a unidade estrutural é substituída por uma diversificação e dispersão dos componentes daquela estrutura, então o edifício ou cai, ou se projeta no espaço com uma forma estranha e absurda, cujas partes não têm, aparentemente, correlação com o todo. E é isto o que está acontecendo na parte do mundo em que vivemos. Como fruto dessa desorganização geral, o homem de hoje é também uma construção irregular, anômala. E o artista como homem-social sofre consequentemente o mesmo processo de desconjunção, o que faz transparecer em suas obras. Existindo, como existe, em nossa civilização o culto ao individuo, não é de espantar que sejam tantas as escolas e correntes modernistas de arte, uma vez que cada uma não é nada mais, nada menos, que a aplicação das ideias e teorias de um indivíduo (o artista) nas obras por ele executadas. As teorias modernistas se baseiam em formas intelectualizadas, o que vem demonstrar o caráter excessivamente cerebral da arte moderna. Ora, devido justamente a este caráter cerebral da arte contemporânea é que ela se tornou uma arte de elite, ficando o povo afastado e de certa maneira indiferente, por não compreender e penetrar no conteúdo e na origem de tais realizações. Isto quer dizer que não há um entrosamento entre o povo e o artista, fato este que se torna um dos principais motivos para os novos rumos que a arte vem tomando. O segundo fato importante - e que já mencionamos antes - é a mudança social que se opera no mundo e no crescente desenvolvimento industrial em seus múltiplos setores. Esta mudança social se realiza com base numa reforma político-econômica. No setor econômico, esta reforma é feita com a solução de vários


problemas, inclusive a criação de novas indústrias, aproveitamento das riquezas materiais e utilização de matérias primas de que dispõe uma região ou um país, baseada, por conseguinte, numa filosofia utilitarista, na qual a arte tem um papel assegurado: a contribuição e participação do artista será a de melhorar com seu talento e sensibilidade estética o nível artístico dos objetos de utilização prática. Haverá, então, um entrosamento do artista com o povo, pois ele participará diretamente para a efetivação do binômio arte-vida. No entanto, tal transformação não poderá causar o desaparecimento de certas formas de arte, como por exemplo, a pintura de cavalete, ou seja, o quadro. Pois, se alguma coisa existe que não tenha a menor utilidade prática, essa coisa é o quadro. Lembremo-nos ainda que a arquitetura moderna com seus grandes planos vazios, valorizando o espaço, tende a abolir o quadro da parede como objeto estranho à concepção e estética arquitetônica. Mas é aqui que vamos levantar uma questão: teria sentido o artista expressar a sua própria concepção de vida através de um objeto destinado a ter apenas uma utilidade prática que, com o uso, se gasta e desaparece? Poderia fazê-lo? Seria ele então um artista ou um artesão? O que é, na verdade, Arte? Publicado no Diário da Noite em 13.07.61

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sobre a ar te

bissier, bartok: uma lição (ouvindo música)

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Pela primeira vez eu estava ouvindo o concerto nº 2 de Bela Bartok. Ao mesmo tempo, deslizava suave pela sala um pensamento, e uma lembrança me chegou. Bela Bartok fazia musica moderna com instrumentação antiga; Julius Bissier fazia pintura nova com materiais corriqueiros. Percebi, então, a grande simplicidade. Ambos faziam arte em sua maior pureza usando de elementos, de certa forma, acadêmicos. Entendam: não que eles se tornassem acadêmicos também, mas justamente o contrário. Bissier pinta com têmpera, aquarela e nanquim sobre tela; pedaços pequenos de tela são aproveitados por ele e transformados em obras primas de simplicidade e lirismo. Bissier possui a força criadora e imaginativa de Paul Klee e a suavidade rebuscada de Morandi. Ao mesmo tempo impetuoso e constante, ele, no entanto, leva a palma, em se tratando de singeleza e ternura artísticas. O carinho com que Julius Bissier transforma uma simples garrafa em uma mancha da mais profunda densidade cromática é impressionante. Cada figura, então, adquire vida própria, deixando a sua vida anterior: o jarro não mais será jarro, a garrafa não mais garrafa. Eis aí, então, o milagre realizado: o objeto é reconhecível através de sua pintura, no entanto não podemos mais chamá-lo pelo seu antigo nome. Eu sei que ele utilizou uma xícara, um pote e um copo como modelos para aquele seu quadro; não posso, porém, dizer que o quadro agora seja a representação desses objetos, pois já possui vida própria.


Não me interessa também que ligação possa haver entre ambos. O quadro, colocado em minha frente, me conduz e me aponta outra realidade, aquela que o artista viu e o pintor conseguiu transmitir. Isto tudo me passou pela mente ouvindo Bartok que, utilizando o piano, instrumento martelado há mais de dois séculos, conseguia dele novas sonoridades, nada parecido com qualquer música que eu já tivesse ouvido em qualquer parte. Publicado no Diário da Noite em 02.02.62

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ação na arte

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Uma das características principais da arte atual é o seu poder de levar o espectador a uma ação. Este dado, a meu ver, é extremamente importante porque implica numa tomada de posição filosófica, da parte do artista (e também do público) que é nova, e sobretudo, adequada aos dias de hoje, prenúncio e preparação para os anos vindouros. É com a noção de movimento e depois com a utilização do próprio movimento real que alguns artistas começaram a criar obras, no começo deste século, que vêm dar um novo testemunho, com uma nova visão de realidade. A partir de construtivistas como Tatlin, Gabo, Pevsner e outros do grupo Bauhaus, de Marcel Duchamp, começa a quebra do mito sagrado da peça única e da obra de contemplação. Ação e contemplação implicam em duas atitudes diferentes perante a vida e o mundo. Não é porem gratuitamente, nem por acaso, que tal comportamento na arte começa a aparecer. Podemos dizer que a intensificação do processo socioeconômico (aumento de população + aumento das necessidades = exigência de novas soluções) ocasionou o surgimento de melhores meios de produção. A segunda revolução industrial veio criar, especialmente nos países mais desenvolvidos, um ritmo de vida mais intenso e veloz. A ação veio, portanto, substituir a contemplação, uma vez que o tempo social da vida contemporânea é mais curto e mais denso em relação, por exemplo, ao tempo social de dois séculos atrás, devido às constantes mudanças motivadas por tal necessidade


de novas descobertas. Os meios de comunicação tendo se desenvolvido paralelamente, criaram outro dado: recebemos informações de várias partes do mundo (ou de todo o mundo) e com isto absorvemos e permutamos influências de todos os tipos, isto é, queiramos ou não, o processo de universalização cultural é um fato. A arte não está desligada desse mecanismo social; pelo contrário, ela capta e, às vezes, antecipa de modo bem sensível, todas estas mudanças e transições históricas. A passagem da arte contemplativa para a arte de ação é um exemplo sintomático da situação transitiva que vivemos, ou seja, da necessidade de adequação por parte do homem moderno a um mundo cujo ritmo pulsativo de vida tende a se acelerar cada vez mais. Evidentemente, isto não ocorre em todos os países, pois há sociedades cujo processo vital está atrasado de muitos séculos, mas que serão obrigados, por força das circunstâncias, a se adequarem ao mundo moderno, por questão de sobrevivência. No plano artístico, também são várias as realidades e vários os níveis de progresso ou conquista de novos valores estéticos. Temos, no entanto, que dar mais apoio e ênfase à novidade (no sentido de originalidade criativa), pois esta é que representa a dinâmica da vida em seu estágio mais avançado. A arte do movimento, ou cinética, e a arte da participação, são as novas conquistas no campo estético, pois aliam à procura e à descoberta de formas originais, o desejo de se fazer agir sobre elas, recriando-as, possibilitando a todos o exercício e a vivência artísticos. 33


Penso que a arte da participação é mais um passo para o entrosamento maior da vida com a arte. Começamos já a produzir em série, desmitificando a peça única, reminiscência artesanal multissecular. Fazemos arte com sentido ambiental e outras correntes artísticas estruturam sua maneira de ser conforme a aguda percepção que têm alguns artistas criadores. O artista, atualmente, faz uso e amplia a sua percepção sensorial do mundo através de suas múltiplas possibilidades, dentro, é claro, das limitações que nos cercam. Com isto, a arte se estende a todos e estimula e desenvolve a nossa capacidade perceptiva. Possivelmente, a meu ver, isto nos levará cada vez mais a uma fusão do binômio arte-vida, pois as representações metafísicas do mundo irão se desbotando e desaparecendo em face da ampliação dos conhecimentos do homem com respeito a seu modo de ver, sentir, perceber e pensar sobre si mesmo e sobre as coisas que o cercam. A própria realidade e o poder do homem de penetrá-la e conhecêla melhor, trará e será em si mesma tão rica e cheia de inovações que o artista, e com ele o povo, poderão exercitar continuamente a sua sensibilidade estética, pois a meta da arte é de se reintegrar com a vida, de tal forma que todos possam participar criativamente de tudo o que for feito pelo homem para o homem.

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Rio de Janeiro, 1968

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breves divagações sobre o tempo e a arte

O passado é tão rico em mistério e surpresas quanto o futuro; ele é infinitamente insondável. Só a arte consegue penetrá-lo e captá-lo. Existe um quarteto para flauta, oboé, piano e harpa de Debussy que, impressionantemente, nos devolve o começo do mundo, as primeiras auroras, com um frescor inexcedível. O americano Morris Graves cria em seus quadros a sensação de vermos cenas milenares. A sensação de passado é, em nós, feita de impregnações vivenciais atávicas. Por isto, conscientemente desconhecemos o que fomos, há mais de cinquenta mil anos. No entanto, o nosso inconsciente está repleto de vivências, imagens, aderências visuais, sensitivas, instintivas. Por que o passado, às vezes, é pleno do presente? E o futuro se assemelha a uma reconquista? Certas tribos africanas desconhecem o que chamamos de ontem e de amanhã, passado e futuro. O tempo para eles não existe, ou é simplesmente uma unidade compacta. Por isto, o momento em que se faz, em que se vive, constitui em si mesmo um todo homogêneo, abrangendo tudo o que foi e o que será feito. O tempo é incorporado à própria carne e ao próprio sangue. Desta forma, viver seria a trajetória que o meu corpo faz, desde o seu nascimento, até o seu desaparecimento. Mas acontece que, para aqueles africanos, também a morte não conta, tudo se reduz a um interfluxo vital contínuo e é por isso que o tempo não conta para eles, porque tudo existe num processo perpétuo de continuidade. 35


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Passado, presente e futuro se fundem numa bola de ar que explode ou simplesmente não existe. E não existe mesmo, segundo Einstein e um pouco de esforço mental. Existe para nós, desde que tomemos alguma coisa como ponto de referência para um trajeto espacial. Se eu viajo do Recife a João Pessoa, o espaço percorrido determinará uma medida de tempo, duas ou três horas, por exemplo. Mas tal medida é apenas uma convenção inventada pelo homem para si mesmo, na realidade não existe, é uma entidade abstrata criada pelo homem. As obras de arte realizadas pelo homem possuem o mais misterioso segredo da fórmula einsteiniana: elas têm um caráter de intemporalidade marcante, do ponto de vista estético, pois historicamente elas encontram-se registradas. É realmente impressionante como obras realizadas num passado distante, há quatro ou quarenta mil anos, nos deixam intrigados diante do problema posto: por que ficamos sensibilizados diante de uma obra de arte realizada há tanto tempo, ou diante de obras realizadas em épocas diferentes? A obra de arte é intemporal, ou não? Parece que, quanto mais afastadas no tempo, as realizações artísticas adquirem uma propriedade particular, uma espécie de autonomia temporal. A que se deveria esta libertação do tempo, esta transcendência temporal? Uma vez perdidos os significados dos antigos padrões (por termos criado outros) ficamos sem apoio para o completo entendimento das obras do passado. No entanto, quando os padrões atuais se identificam ou se aproximam de algum modo dos padrões do passado, verifica-se, é claro, uma compreensão e aceitação maiores. A nossa época, porém, engloba padrões diferentes, mesmo que seja em um só meio social e cultural, o que não acontecia em épocas passadas. Por exemplo: os padrões estéticos da Idade Média eram impostos pela Igreja e se perpetuaram, século após século, até o começo do Renascimento, no séc. XV. No Egito, a codificação de alguns padrões estéticos atravessou


cerca de dois milênios e meio. Do Renascimento para cá, os padrões estéticos não só se diversificaram consideravelmente, como também passaram a ter uma duração bem menor, a ponto de chegarmos atualmente a um amontoado de padrões, novos e obsoletos, quase todos superados. A tentativa de se criar uma síntese já é uma indicação de que os padrões estéticos estão sendo rejeitados, aos poucos. Os padrões estéticos, todavia, são frutos dos padrões socioculturais. Se na Idade Média foi a religião que gerou alguns padrões e no Renascimento foi o humanismo filosófico acoplado à ciência da matemática e da geometria a base deles, hoje em dia é a ciência, juntamente com a tecnologia que, fundamentalmente, trata de chegar a uma síntese global, com a criação de sistemas incorporativos, cuja assimilação total e superação dos padrões vigentes determinariam uma ampla abertura e congraçamento das realizações culturais do homem moderno. Chegados a esse ponto, os artistas, livres de qualquer padronização, poderiam criar as suas obras desvinculadas do velho hábito de serem “testemunhas da sua época”, não mais um registro da História, pois este caráter documental, a arte o rejeita cada vez mais. É curioso como fizemos uma enorme curva no tempo para chegarmos à sua negação. Depois de vários milênios, voltamos à exaltação do momento presente, do agora, tal como sentiam e viam nossos antepassados. Toda a história humana está contida numa longa estrada curva, que vai do sentimento à conquista do pensamento e ao desejo de retorno por parte daquele. Retorno a quê? Ao começo? Ao casulo do qual tentamos nos libertar? A tecnologia é a expressão mesma desse desejo de libertação. O homem, conhecendo a natureza cada vez mais, aperfeiçoa o seu instrumental de libertação, a ciência propicia o uso real dos instrumentos criados pela inteligência humana. A arte antecipa intuitivamente essa realidade. Por isto, as relações de espaço-tempo criadas pela ciência diferem em sua aplicação das relações de tempo 37


e espaço criadas pela arte. Diríamos que existe um tempo científico e um tempo artístico, assim como existe um tempo histórico , um tempo biológico, um tempo psíquico, etc. As relações de espaço-tempo na ciência existem a partir de verificações de dados objetivos e provas da sua existência, criando parâmetros que servirão de norteamento a todos. Na arte, o processo é diferente: as relações de espaço-tempo podem ser meramente subjetivas, não sujeitas obrigatoriamente a constatações do mundo objetivo e da realidade conhecida. Desta forma, certas obras de arte podem antecipar, com notável poder intuitivo e perscrutador, realidades ainda por vir ou penetrar retroativamente no passado.

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(confirmar local) 1972,73

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o poder e a arte

Algumas considerações preliminares: Primeira: diz-se comumente que o dinheiro é a mola do mundo. No entanto, parece que são três as molas impulsionadoras da vida “civilizada” neste planeta. São elas, o sexo, o poder e o dinheiro. A ordem pode ser alterada circunstancialmente. Por trás da primeira e da terceira, existe subjacente a segunda, isto é, o poder, sendo significativo que se diga potência sexual e poder econômico. Seria o poder a força subjacente por trás de tudo, a força que impele, impede, faz progredir, faz recuar, regredir, que paralisa, que desenvolve, que propulsiona ou faz estancar o desenvolvimento do ser humano? Segunda: em outras circunstâncias (históricas) estaria eu a me preocupar com o problema existente entre o poder e a arte? Por exemplo: numa democracia em que a censura fosse abolida, onde a liberdade de expressão e de usufruição fossem reconhecidas e respeitadas como propriedades inerentes à autonomia da obra artística, haveria este tipo de problema? (1) Terceira: se existisse, subjacente, um poder a comandar todas as coisas na sociedade humana, a que poder nos referimos aqui? Ao poder político? Ou ao poder econômico? Ao poder ideológico? Ou ao poder militar? Com que tipo de poder estaria a arte em conflito ou em confronto? Este é um problema do artista brasileiro ou é um problema mundial? Diz respeito ao atual momento histórico, ou sempre existiu, em todas as épocas? Quarta: dispõe a arte de algum poder? É lícita esta pergunta? 39


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Vamos questionar aqui a relação entre o poder e a arte, um tema por certo fascinante, todavia pouco abordado por críticos e artistas, por sociólogos e cientistas políticos. (2) Recentemente o jornalista Walter Goodman, do New York Times, escreveu um artigo intitulado “O artista e o governante”, publicado no Jornal do Brasil, no qual se referia ao relacionamento, segundo ele, impraticável, quase irrealizável, entre os que criam obras de arte e os que exercitam e exercem o efêmero jogo do poder. Efêmero jogo do poder, vê-se logo, é um singelo eufemismo que eu, como artista, emprego parcialmente para designar aquilo com o que me relaciono à distância, por força das injunções, e com muita expectativa. (3) Walter Goodman apresenta-se um tanto incompleto em suas considerações, mas de qualquer forma ele levanta uma questão da maior importância, e acerta em cheio quando diz que “a repressão é o tributo que a mentalidade totalitária paga ao poder da arte”. No entanto, não fica explícito que poder é esse que a arte contém, pois não se trata propriamente de uma análise que ele faz a esse respeito, mas de uma constatação, de uma demonstração de fatos. Há, entre outros, um poder político. Mas será que existe um poder artístico? Outra questão: todo governante é, forçosamente, um poder político, mas nem todo político é governante. Isto nos mostra que a expressão “poder político” não é satisfatória para nós, pois muitos políticos não possuem poder nenhum, dele estando afastados centenas de quilômetros. (4) Seria então poder dominante a expressão mais adequada? Parece ser a mais aproximada ao que queremos dizer, mas ainda não é a mais acertada, porque o poder dominante nem sempre é arbitrário e totalitário. Então, diremos aqui, explicitamente, que nos referimos ao poder dominante arbitrário e totalitário, cujo instrumento de força empregado em relação à cultura artística (e às outras formas de cultura) recebe o nome de censura, que reprime, violenta, cerceia


e desrespeita o ato criador do artista e, consequentemente, a obra por ele criada. Mas, se há um poder que domina, é lógico deduzir-se que há outro poder que é por ele dominado. (5) Isso é discutível, mas os sociólogos e os cientistas políticos estão aí para isso mesmo, para discutirem e formularem conceitos sobre o poder e as suas diferentes formas de manifestação. Pois o poder se manifesta sob várias formas, entre as quais destacamos o poder ideológico, o poder político, o poder econômico, o poder militar, o poder religioso, o poder científico e o tecnológico. Existiria um poder artístico? Que poder conteria uma obra de arte? Nota-se, desde logo, algo de impessoal aqui: não é o artista que teria ou possuiria algum poder, mas a obra de arte. É aquilo que ele produziu, tornou concreto. No caso do governante, o poder torna-se pessoal, pois é o indivíduo que o detém. O poder que uma obra de arte pode conter é o de revelar um conhecimento, comunicar uma realidade apreendida, uma interpretação desta, ou o de ocasionar no espectador algum tipo de prazer ou até mesmo de êxtase. Diz-se, por exemplo, que Thomas Merton converteu-se ao catolicismo depois de ter visto um quadro de El Greco. É como se o quadro do pintor greco-espanhol, possuidor de algum poder, houvesse lhe revelado uma verdade ou conhecimento místico e religioso. Em alguns casos, a obra de arte contém um poder premonitório: ela antecipa em muito algumas realizações que o futuro trará. Um exemplo é a obra de Cézanne, que antecipou o Cubismo. Outro, melhor ainda, é o de Hieronymus Bosch, um precursor do Surrealismo. Em suas telas, o pintor Nicolas Roerich, no começo deste século, prenunciou os grandes conflitos mundiais que vieram a macular a história humana. Isto significa que o poder que o artista possa ter consiste em criar, com talento ou gênio, uma obra na qual se expresse ou conceitue 41


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a sua visão do mundo e das coisas, com o máximo de liberdade interior. Pois, mesmo que a mais nefanda das censuras o proíba de escrever, pintar ou fazer música, ainda assim o artista produzirá, mesmo que não publique, não exponha, não execute uma música ou não grave um disco. O artista encontrará meios, subterraneamente, para produzir. Seu mundo espiritual e intelectual poderá ser preservado, mas correrá o risco de ficar monologando, não sendo o seu trabalho partilhado pela coletividade. Toda censura à obra de arte é fruto de uma repressão, estando aí o ponto nodal gerador do problema que existe entre o poder dominante arbitrário e a realização artística. A frase de Walter Goodman, citada anteriormente, mostra-nos a relação dialética entre o repressor e o reprimido, entre o censor e o censurado, entre o poder dominante e o poder dominado. Por que se censura? Por que se reprime? Em todo poder dominante há uma fraqueza e uma insegurança, pois há o receio de que o que é dominado retome o seu próprio poder, a sua autonomia. Mas, que ameaça pode conter uma obra de arte, a ponto de que o poder dominante se sinta em perigo? Não nos consta que alguma obra de arte tenha jamais derrubado algum governo, algum governante. Quando o poder dominante totalitário exerce a sua força repressiva através da censura à obra artística, na verdade ele está temendo a força persuasiva intelectual e espiritual contida nas ideias, imagens, representações, informações, que um livro, um quadro, uma peça teatral, um filme, etc., possam ter. O poder dominante totalitário teme o pensamento, aquele que pensa e de que forma pensa e se exprime, pois a base de sustentação de todo governante que deseje se perpetuar no poder, consiste em criar um padrão político estável, uma situação que se prolongue o mais possível, sem mudanças, pois tudo que muda cria alterações profundas em sua própria estrutura. (6)


A estrutura do poder dominante, para ser sólida e prolongada, deverá criar padrões de estabilização. Mas, quando os cria, fatalmente se desgasta, se deteriora. Porque, ao criar padrões de estabilização, paradoxalmente também cria movimentos internos de insatisfação, de inconformismo, desejos de mudança. A arte que não se amolda a padronizações desse tipo elabora, através do artista, situações de inconformismo, mesmo porque faz parte da estrutura interior da realidade artística a necessidade constante de alterar os padrões culturais vigentes. Aliás, esta é uma contingência da própria condição humana. Há um evidente choque de forças momentaneamente desiguais, mas a História nos mostra que, passado algum tempo, o poder da arte, que fora temporariamente dominado, retoma a sua força, viceja e se perpetua, ao passo que, dos opressores, o tempo se encarrega de lhes apagar o contorno e a memória. Este é o verdadeiro poder da verdadeira obra de arte. A arte é autônoma enquanto criação espiritual ou mental, mas dependente de certas condições sociais e culturais, que por sua vez estão ligadas a fatores políticos e econômicos. O poder dominante criará, ou não, estas condições. Na Roma de Cesar Augusto e de Mecenas, o poder dominante (político) e o poder econômico se conjugaram para propiciar aos artistas e poetas condições favoráveis para a sobrevivência e cultivo da arte. Sabido é que Virgílio e Horácio, entre outros, eram protegidos de ambos os poderes. Assim também no Renascimento Italiano, principalmente na Florença de Lorenzo Médici, os artistas receberam apoio do poder dominante, mas em ambos os casos, (seria cansativo mencionarmos outros exemplos no transcurso da História) a arte era dirigida e o artista trabalhava em função das exigências e condições impostas pelo poder dominante. Só a partir do século passado, no Ocidente, é que o artista começa efetivamente a se libertar das injunções do poder dominante, quer político, quer econômico, muito embora esta última forma de poder, nos países capitalistas, até hoje exerça, sub-repticiamente, 43


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alguma influência na criação artística. (7) Contudo, na França, na Alemanha e mesmo nos Estados Unidos, no começo deste século, o Dadaísmo representou, historicamente, a mais violenta ruptura artística com qualquer forma de poder. Na Alemanha isto durou pouco tempo, pois o poder dominante totalitário nazista, centrado paranoicamente na figura de Hitler, tratou de eliminar qualquer traço de atividade criadora, fechando a Bauhaus, perseguindo, prendendo ou exilando artistas e intelectuais, impondo uma nova (leia-se velha) estética, acadêmica e grandiloquente. Na Itália fascista, o mesmo ocorreu e é curioso como o gosto ou preferência estética hitleriana e mussoliniana, como de outros ditadores, se inclinavam para o portentoso, o kitsch e o acadêmico nostálgico e decadente. A arte e o artista se tornam impotentes diante da força repressiva. A eles nada resta senão esperar que os ventos do bom senso e do respeito retornem. Deste ponto de vista, a arte é totalmente impotente diante da prepotência do arbítrio. O artista poderá, como cidadão, engajarse na luta política, e poderá até mesmo utilizar a sua arte como instrumento de luta. Porém, quando o faz, arrisca-se a tornar a sua arte panfletária, transformando-se ela depois, passado o período de luta, em apenas um documento histórico. Dificilmente ela atingirá elevados níveis de proposição estética e artística. Isso se deve ao fato de que a arte, neste caso, passa a ser também dirigida, momentaneamente apartada de seus verdadeiros fins culturais. A finalidade da arte é integrar o homem ao meio no qual vive, revelando-lhe aspectos não percebidos, quer da realidade correta, objetiva, quer da realidade abstrata, subjetiva. Daí a importância das vanguardas, quando autênticas, reveladoras de novas perspectivas culturais. O poder que uma obra de arte exerce, repetimos, diz mais respeito a outra área, ao campo cultural, muito embora este não esteja apartado da realidade política. Na verdade, tudo está interligado, não existindo áreas estanques. A política, a economia, a arte, a ciên-


cia, a religião, se interligam através de delicados fios que formam a complexa teia da sociedade humana. Na área cultural artística o poder da arte é exercido pelos efeitos, visíveis ou não, das forças de transformação que ela realiza, desde o simples vestuário até a organização urbanística e arquitetônica dos centros habitacionais. O poder da arte está diretamente ligado à mudança de padrões estéticos e culturais, num movimento ascensional de enriquecimento espiritual humano. Toda vez que esse movimento é interrompido, as forças retrógradas do poder totalitário que domina, não pela inteligência, não pela sensibilidade, mas pelo jugo da prepotência e do arbítrio, instalamse cegas e obtusas, faltando-lhes a capacidade de compreender que, sem liberdade de criação e de interpretação, nenhuma cultura, em nenhum país, pode se desenvolver. E, um país cuja cultura é mutilada através de censura aos seus artistas, intelectuais, cientistas, lamentavelmente estará fadado a ser lembrado num réquiem. Publicado no Jornal do Brasil, 1977

NOTAS DO AUTOR 1. A preocupação a respeito do Poder em relação à Arte torna-se mais aguda, naturalmente, nos países em que aquele se tornou arbitrário. Na Suécia, por exemplo, esta preocupação (se é que existe) não diz respeito à situação interna, mas extrapola as suas fronteiras. 2. Não conheço nenhum estudo ou ensaio sobre o tema aqui abordado. Isto, todavia, não quer dizer que não exista. Apenas desconheço. 3. Ao dizer “efêmero jogo do poder”, designando tal expressão como singelo eufemismo, noto que a ironia se torna inócua, uma vez que, por mais efêmero que seja o poder sob o qual estou sujeito, no tempo de sua duração ele é, de fato, uma força restritiva. O MDB e a ARENA, por exemplo, detêm uma pequena

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parcela de poder. Essa parcela lhes-é concedida pelo Executivo, à sua vontade. O MDB, por sinal, possui menos poder real que a ARENA, possuindo no entanto, em potencial, poder maior que o partido porta-voz do Governo. 4. John Locke distinguia entre poder ativo e poder passivo. Nicos Poulantzas se refere ao poder que domina e ao poder que é subjugado. Sobre o conceito de poder escreveram muitos sociólogos, pensadores e cientistas políticos. Entre eles, citamos Max Weber (Economia e Sociedade, Ensaios de Sociologia); Wright Mills (Poder e Política); Bertrand Russel (O Poder); Guglielmo Ferrero I(El Poder); Nicos Poulantzas (Poder Político e Classes Sociais); Charles Edward Merrian (Prólogo a la Ciencia Politica). 5. Charles Edward Merrian, em seu livro “Prólogo a la Ciencia Politica”, Cap. III-“O Estado Ideal” diz: “nascido em momentos de grande tensão e possuindo todos os instrumentos de destruição, o poder tende a perpetuar o momento de sua origem...”. Ainda Charles Edward Merrian, fala em “poderes dentro do poder, dentro do círculo deste, mas não parte dele” É o caso de mencionarmos o poder econômico exercido pelos “marchands”, galerias de arte, colecionadores, que formam o mercado de arte; o poder cultural não raro se alia ao poder econômico.

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Isto no que se refere ao campo cultural artístico.

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abstração e realidade

Faz alguns anos, escrevi (em textos para a obra de Anchises Azevedo e Eudes Mota) que toda arte visual tende à abstração, assertiva que retomo aqui com alguns acréscimos. De fato, uma observação mais cuidadosa na história da arte produzida pelo homem, leva-nos a quase radicalizar esta afirmação, não fora o verismo alcançado em certos períodos (arte clássica grega, Renascimento Italiano e, mais recentemente, Realismo Social e Hiper-realismo). Ainda assim, e apesar da aproximação verista obtida nas obras dos períodos e movimentos citados, podemos detectar graus diferenciados de abstração conseguidos, consciente ou inconscientemente pelos artistas realizadores de tais obras. A tal ponto que o prof. H.W. Janson em sua “Historia da Arte” (Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, pg.68) literalmente diz: “até a representação mais cuidadosamente realista é, em maior ou menor grau, uma abstração.” Não chego a tanto; ainda não. Estas considerações levam-nos a questionar a expressão “arte abstrata”, pois toda arte visual, em diferentes graus e níveis, contém elementos de abstração. O próprio Kandinsky, tido como o primeiro artista a realizar (em 1910) uma obra abstracionista, rejeitou posteriormente esta designação, chamando a sua arte de concreta. Para outros, no entanto, foi o lituano Mikalojus K. Ciurlionis o primeiro artista do século XX a realizar uma obra abstrata. O fato é que, anteriormente, artistas como Turner, Whistler, Monet, Seurat e Cézanne, já haviam alcançado um elevado grau de 47


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abstração em suas obras, sendo que estes dois últimos são provavelmente os antecipadores da abstração geométrica. Talvez seja mais apropriado falarmos de abstração formal ou geométrica e de abstração informal, mas ainda assim há um problema semântico na denominação correta dessas manifestações de arte não figurativa e não representativa. Até porque, uma obra de arte considerada abstrata pode ter uma figuração própria, particular, e ser assim representativa de alguma realidade, conhecida ou não. Como se vê, trata-se também de um problema filosófico, pertencente ao campo da estética e da historia moderna da arte, com a sua compulsiva necessidade de classificar os movimentos e tendências artísticas. De qualquer maneira, para fins didáticos, podemos dizer que o movimento chamado Abstracionismo surgiu no começo deste século na Europa, tendo como pioneiros e antecipadores os artistas acima citados. O Cubismo, oriundo de Cézanne, da arte negra, e da arquitetura mediterrânea (foi Matisse o primeiro a observar que era uma arte feita de cubos, e não o crítico Louis Vauxcelles, como alguns pensam), detonou os outros movimentos, tais como o Construtivismo Russo, o Suprematismo criado por Malevich, o Neoplasticismo, etc., que radicalizaram as suas propostas ao rejeitarem a realização de obras de arte ligadas com qualquer aspecto conhecido da realidade objetiva. Tais movimentos desencadearam depois o surgimento de uma cisão do ponto de vista conceptual, uma ala defendendo o primado da abstração formal e geométrica e a outra se distinguindo por realizações mais livres e espontâneas, o que gerou o abstracionismo informal. O primeiro grupo (sendo Mondrian um dos pioneiros) evoluiu para a arte cinética, para a arte concreta, neoconcreta e atualmente atua com o nome de neogeometrismo (neo-geo) maneirista, a meu ver. 0 segundo grupo subdividiu-se em expressionismo abstrato,


pintura de matéria (Escola Barcelonesa), tachismo, abstracionismo informal, lírico, etc. Esta ultima tendência praticamente desapareceu, e acredito que o próprio abstracionismo já pertence à história da arte. Não porem a abstração que, independentemente de ser ou não figurativa, ser ou não representativa, estará sempre vinculada à concepção e elaboração das obras de arte. Chegou-se, na década de 60, ao grau máximo de abstração com o Movimento Minimalista, surgido nos Estados Unidos. Hoje em dia, percebemos uma postura menos radical, por parte dos artistas mais evoluídos e conscientizados, de que a liberdade criadora, no campo das artes visuais, tende a criar um entrelaçamento maior, abarcando e usufruindo todos os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos, em busca de uma síntese que provoque a criação e a permanência mais duradoura das obras artísticas elaboradas neste final de século, umbral de uma nova realidade mais abrangente e universal. Falta data e local

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um passeio no mundo do simulacro

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Contam que Ingres, aos oitenta e dois anos, estava um dia em seu atelier tentando copiar um detalhe de uma obra de Giotto, quando um amigo seu, acercando-se do mestre, perguntou intrigado: “Mas, Jean, por que estás fazendo isto?” Ingres, (avec son violon...) voltando-se lentamente, respondeu: “Para aprender, meu filho”. Esta pequena e deliciosa história é uma síntese da resposta que José Cláudio deu ao poeta e jornalista Paulo Chaves e ao texto que este escreveu no Diário de Pernambuco, com o título “Obras de arte em duvidosa coautoria”. A resposta de José Cláudio é irretorquível; fiquei até surpreso com a sua sobriedade vocabular e maturidade intelectual, o que mostra um dado óbvio: pensar é o melhor remédio, desculpando-me pelo involuntário, mas inevitável trocadilho. No entanto, e apesar da excelência do texto de José Cláudio, há algumas coisas que precisam ser colocadas e acrescentadas. Por exemplo: o quadro que ele pintou referenciando e reverenciando o pintor Almeida Júnior através da tela “Saudades”, não pode ser rigorosamente chamado de cópia. Infelizmente não vi a exposição “Saudades” no Museu do Estado, estava ausente talvez, não me lembro. Mas, em que pese a precariedade da foto publicada no jornal Diário de Pernambuco da obra em questão, de imediato observa-se que a técnica empregada por José Cláudio não é a mesma que aquela empregada por Almeida Júnior. Só este dado já caracteriza não se tratar de cópia, mas de recriação. Além disto, J.C. alterou a composição original, retirando do lado


esquerdo o que me parece ser um portal com um chapéu escuro pendurado no alto. Ao fundo do quadro de Almeida Júnior, do lado direito, embaixo da janela aberta, existe uma espécie de sofá ou coisa parecida. José Cláudio retirou esta peça e colocou um animal (parece ser um cão com os dentes à mostra, em atitude nada amistosa, mas pode ser também um animal artificial, de pano ou outro material) ao lado da moça que lê uma carta. Sem dúvida, o quadro de Almeida Júnior é alusivo e referencial a duas telas do holandês Vermeer, grandíssimo pintor do qual Dali era fã: “La Liseuse” e “La Jeune Femme en Bleu”, em atitude de recolhimento e reflexão, enquanto lê. Todos esses dados indicam uma recriação pictórica feita pelo pintor José Cláudio homenageando ou reverenciando outro pintor, Almeida Júnior, que por sua vez homenageia outro pintor, Vermeer. Mas, há ainda outro dado: a recriação de J.C. do quadro de Almeida Junior é quase uma paródia, porque o cão colocado ao lado da leitora revela uma atitude antinômica, de oposição à atitude da moça que lê a carta. Esta se mostra numa atitude plácida de recolhimento, ao passo que o cão se mostra agressivo, como que rosnando, e só não é uma paródia completa porque a pose dócil da jovem é preservada por José Cláudio. Nos grandes museus do mundo (Louvre, Prado, Rijksmuseum de Amsterdam, Metropolitan de Nova York, o Hermitage de São Petersburgo) é comum o visitante esbarrar em algum pintor-copista, que realiza o seu trabalho de copiar uma obra (geralmente famosa) por encomenda de algum cliente, mas com a autorização da direção do museu. 51


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Ele realiza uma cópia, que é a transposição, o mais fiel possível - falamos aqui de pintura - de um quadro (tela ou painel*) onde a composição, as cores, o claro-escuro, a textura, todos os elementos existentes na peça original são transpostos com fidelidade e perícia artesanal. Isto é o que caracteriza uma cópia. Esta questão da cópia revela dois aspectos muito interessantes: sendo o copista um grande conhecedor (presume-se) da técnica pictórica, geralmente nos moldes clássicos, acadêmicos e convencionais, se ele realiza um trabalho de grande qualidade técnica, o seu trabalho não é também uma obra de arte? O outro aspecto diz respeito à obra de arte única. Nenhuma das formas proporcionadas pela atual tecnologia consegue reproduzir perfeitamente uma pintura, principalmente se a textura for mais destacada, como em Rouault e em Braque, para não falar nas “pinturas de matéria” da Escola Barcelonesa (Muñoz, Tàpies, Saura, etc.) Só se pode reproduzir fielmente uma pintura usando os mesmos meios materiais e técnicos usados no original, ou seja, a própria pintura. Ao contrário da cópia, como já foi dito, a recriação pictórica, ou interpretação, exige alterações em relação ao original, primeiramente usando uma técnica diferente, a própria técnica do pintor que recria; depois fazer acréscimos, exclusões, modificações na composição, etc. A recriação pictórica tem o seu equivalente na recriação poética e na recriação musical. Em poesia, há o exemplo, entre outros, do livro “Imitations”, de Robert Lowell e, em música, há Tchaikovsky referenciando Schubert (há um trecho da Sinfonia Inacabada usado em um balé por Tchaikovsky), e mais recentemente Bernstein na ópera “Candide” faz alusões referenciais a Donizetti, Verdi e outros. São recriações também os trabalhos da série que Picasso fez a partir do quadro “As Meninas”, caso citado por J. Cláudio. Esqueceu-se ele (ou não quis) de citar a série de telas pintadas pelo mesmo Picasso a *Painel é, rigorosamente, uma pintura sobre madeira e que pode medir 30x35cm ou menos, como em alguns pequenos quadros de Masaccio; pode também medir 300x200cm, mas não necessariamente deve ter grandes dimensões.


partir de Poussin (O Rapto das Sabinas) e das gravuras sobre Tauromaquia, a partir de Goya. Recriar é inventar, criar em cima de algo feito. Todos esses trabalhos de Picasso são recriações e reinterpretações, e não cópias. O estilo do mestre malaguenho, provavelmente o mais completo artista plástico (não gosto deste rótulo, mas vá lá) deste século, está sempre presente. No capítulo das cópias, falemos de Van Gogh que cortou, quero dizer, que copiou, à exaustão, alguns mestres europeus e posteriormente mestres japoneses, principalmente a Hiroshige. Vi, no Museu Vincent Van Gogh, em Amsterdam, vários álbuns grossos de gravuras japonesas que pertenceram a Van Gogh. Por sua vez, o grande pintor irlandês Francis Bacon*, recémfalecido, prestou uma bela homenagem a Van Gogh, pintando uma série interpretativa do genial “louco” holandês andando pelo campo, exposta na Documenta de Kassel. Enfim, bastam os exemplos aqui apresentados e mais os já relacionados por J. Cláudio, para mostrar ao leitor que esta prática da cópia, da recriação e da interpretação é coisa assente, corriqueira, historicamente aceita e praticada. Pela parte que me toca, poderia enumerar as cópias que fiz, entre 1954 e 1956, aqui mesmo em Casa Forte, de pintores do séc. XVI, como Da Vinci, Rafael e Grunewald (preciso fazer uma homenagem a esse imenso pintor). Cópias em crayon sobre papel canson, numa época de aprendizado e iniciação no desenho. Posteriormente fiz uma cópia da “Verônica” de Rouault, que me foi roubada (então eu era famoso...) óleo sobre tela pequena, isso em 1958, se não me engano. Tive também outros quadros roubados nesta gloriosa e honestíssima terra! No entanto, nunca copiei Morandi, como afirmou o veterano poeta e tradutor Paulo Chaves, em sua equivocada apreciação crítica, no começo deste artigo citada. Fiz vários trabalhos em Milão, sob o signo de Giorgio Morandi (este também está no meu panteão) em 1964, quando lá morava, mas não eram absolutamente cópias (e quem sou eu para chegar a tanto!), 53


sequer eram recriações, apenas o colorido morandiano impregnava as pequenas peças em madeira (painéis) que realizei naquele período. Quanto às homenagens que prestei a vários artistas que estão no meu panteão (vamos ver se me lembro de todas: a Max Ernst, a Marcel Duchamp, a Juan Sanchez Cotán, a Chardin; Eckhout não está no meu panteão, foi outra história) foram todas recriações e interpretações. Particularmente, acho que fui mais feliz nos trabalhos dedicados a Max Ernst e a Marcel Duchamp. A Série Eckhout, foi realizada entre 1980 e 1981, com grande dificuldade, porque só possuía 6 fotos a cores de um total de 12 pinturas realizadas por Albert Eckhout para o Príncipe Maurício de Nassau, entre 1637 e 1642, salvo engano. O que me encantou em Eckhout, nas suas 12 naturezas-mortas, foi o fato de ele as ter pintado paisagisticamente, o que destoava das naturezas-mortas da época, que eram todas, ou quase todas, pintadas em ambientes fechados, copas ou cozinhas. A luz do Nordeste brasileiro deve ter cativado a Eckhout, de modo que as naturezas-mortas nordestinas feitas por um holandês, são realmente fascinantes em sua realização. Além disto, em algumas delas eu percebi algo das pinturas realizadas por Max Ernest na sua longa temporada na Califórnia. Um dado talvez subjetivo, mas trata-se do meu olhar e da minha experiência. Nesta série, respeitei a composição original, mas fiz acréscimos ou exclusões e a pincelada, como observou bem Darel Valença, no meu atelier de Olinda em 1981, não era a mesma daquela de Eckhout. Meu Deus! Mas é claro que não, para um bom observador meia pincelada basta. Se realizei um bom trabalho, isto fica a critério e

* Pietro M. Bardi costuma dizer que Bacon é o maior pintor deste século, o que

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não é verdade. Picasso é muito superior, pois, além de deixar uma obra imensa,

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abarcou todos os gêneros da pintura: a paisagem, o retrato, o nu, a naturezamorta, cenas de conjunto, etc. Foi lírico, dramático, trágico, paródico etc., ao passo que Francis Bacon, parodiando a Santo Thomaz de Aquino, foi “um pintor de um só pincel”, sua pintura só abarca um gênero, o dramático.


julgamento dos outros. Como dizia Jan Van Eyck “Faço o que posso”. Em relação a Chardin, a história é outra. Em 1987 eu estava lendo muito sobre o Cubismo e fiquei sabendo que Braque (outro ídolo meu) andara vendo e absorvendo alguns ensinamentos do mestre francês e que lhe serviram para desenvolver o seu próprio trabalho “cubista”. O termo ainda não havia sido inventado por Matisse (e não pelo crítico Louis Vauxcelles, como alguns pensam). Isto, além de ter grande admiração pela obra de Chardin, pois ele nos deixou uma admirável lição de que se pode realizar uma pintura de excelente qualidade abordando temas simples, como ele fez. Também Morandi é outro exemplo disto. Chardin, no entanto, em sua época, era considerado um pintor menor, exatamente por causa dos temas que pintava. Diderot, todavia, que era um crítico de arte de grande conhecimento e sensibilidade, logo percebeu o valor de Chardin, e sobre a sua pintura escreveu com notável acuidade. Muito bem, a partir de dois trabalhos de Chardin, um pendant, intitulados “Les Attributs de la Musique Civile” e “Les Attributs de la Musique Guerrière” feitos sob encomenda de um nobre francês (bons tempos aqueles!) para a sua sala de música, realizei primeiramente dois estudos em papel Fabriano (70x100cm), e depois parti para a execução das duas peças nas mesmas dimensões dos originais (140,5x112cm). O que me interessava sobretudo era descobrir o que atraíra Braque para algumas obras de Chardin, e assim o meu estudo interpretativo mostrou-me que eram exatamente os cortes transversais e as diagonais empregadas por Chardin que serviram (também) de subsídio para as pinturas cubistas. Outras coisas de Chardin me interessavam, claro. É evidente que o meu trabalho não é mera cópia, até porque a técnica e o colorido de Chardin são perfeitos e eu estou muito aquém do grande mestre francês. Lembro-me que, naquele período (passei cinco meses pintando os dois quadros; encontram-se agora na Artefacto) Roberto Lúcio esteve em meu atelier e, tal e qual o amigo de Ingres, ficou intrigado por eu estar fazendo aquilo, achando inclu55


sive que era perda de tempo. Assim como P. Caldas, Roberto não compreendeu o sentido maior do meu gesto, que era o de aprender, apreender e com isto desenvolver e continuar o meu trabalho de pintor, melhorando-o. Considero que a questão principal relacionada às cópias e às recriações artísticas está no nível qualitativo obtido por quem as executa. Só existe pastiche quando a obra feita é de má qualidade. Visando ainda alargar e aprofundar os “temas propostos pelo colunista”, como disse J. Cláudio em sua resposta, poderíamos mencionar, além da cópia e do pastiche, também a paródia, o simulacro, a contrafação e a falsificação. Esta, por exemplo, é uma cópia mais requintada, pois se torna necessário ao falsificador realizar um trabalho tão convincente que até os experts, colecionadores e marchands o vejam como autêntico. David Stein c Elmyr de Hory foram falsários famosos. Orson Welles chegou a tratar da questão num filme polêmico chamado “Verdades e Mentiras”, no qual aparecia o último. Deixo claro que não defendo, apenas exponho o problema da falsificação e da cópia.

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o caso van meegeren

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Segundo Leonor Amarante (que desconheço) em seu breve texto do catálogo da mostra “Cópias e Pastiches”, realizada em 1988 no MAC de São Paulo, André Malraux em seu livro “Les Voix du Silence”, disse: “Todo artista começa pelo pastiche (para nós esta palavra francesa de origem italiana tem uma conotação pejorativa mais acentuada) e a maior parte dos grandes criadores já foi falsária”. E lembra ainda que Michelângelo esculpia falsas estátuas antigas. Watteau pintava falsos flamengos. Léger copiou Corot. Magritte, além de Paul Klee, é autor do “Max Ernst” hoje exposto na Galeria Nacional de Londres. Mas afinal, qual o artista que um dia não pensou em copiar seu ídolo ou um monstro sagrado qualquer (para mim, monstro sagrado é gente feia) e “brincar” com os cânones que o elevaram a condição de imortal? Tudo isto nos impele a uma reflexão.


O falsário holandês conhecido como Van Meegeren realizou uma façanha até hoje admirada pelos experts de arte: falsificou simplesmente a Vermeer de Delft, no período da 2ª Grande Guerra. Quadros falsificados: “La Bénédiction de Jacob”; “La Rencontre à Emmaús”; “Jesus Parmi les Docteurs”; “Le Christ et la Femme Adultère”, etc. As falsificações eram tão perfeitas (Van Meegeren estudou na Academia des Beaux-Arts de la Haye e era químico) que diretores de museus da Europa e experts atestaram como verdadeiros os falsos “Vermeer” pintados por Van Meegeren, sendo que até o ministro nazista Goering chegou a adquirir um desses quadros. A falsificação de obras de arte (especialmente pintura) é o grau mais alto em nível de falsificação técnica que se atinge, porque a obra falsificada passa por autêntica, inclusive, no caso de Van Meegeren, foram feitos testes de laboratório, com radioscopias e exames microespectroscópicos e nada atestou serem falsos os “Vermeer” pintados por ele, que usava telas antigas e trabalhava quimicamente nos pigmentos. Só posteriormente, com outros exames, constatou-se a falsificação. A pintura dita de cavalete tem essa característica única entre as formas de arte: são peças únicas, não reprodutíveis, não geram múltiplos, daí porque um quadro é, e deve sempre ser, valorizado ao máximo, desde, é obvio, que se trate de obra de qualidade artística reconhecida. Os escritos, o poeta fica com os originais de sua obra, depois de editá-la em livro, em centenas ou milhares de exemplares; o músico compositor fica com os originais das suas partituras e edita-as, do mesmo modo que um escritor; mas um pintor não fica com nada (fotografia? Não é a mesma coisa). Quando se desfaz de uma obra sua, nem sequer tem a certeza e a garantia de que a sua obra vai ser respeitada e conservada. E o pior é que nem o próprio pintor é capaz de pintar dois quadros totalmente iguais, salvo se for pintura plana, chapada, abstrata e geométrica, como é o caso de Victor Vasarely que tem uma equipe de artistas à sua disposição para tornar múltiplos os seus protótipos, multiplican57


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do-os 20, 30 vezes, ou mais. O ideal (talvez) seria termos copistas profissionais para as nossas obras, assim como existiam os monges copistas de textos antigos na Idade Média, nos mosteiros católicos. Mas isto é impossível; o traço, o desenho, a pincelada, a textura, e a energia que passa pelo meu braço não é a mesma daquela que passou pelos braços de Eckhout, de Chardin, de Max Ernst, etc., e é por isto principalmente, pela energia nervosa que é característica e marca de cada um, digamos uma “aura pictórica”, que é individual e intransferível e que chamam também de estilo e de técnica pictórica, por isto tudo é praticamente impossível se copiar a outro pintor. Não fora isto e Van Meegeren jamais teria sido preso. No entanto, às vezes sou levado a pensar que tudo pertence a todos, de modo que entre os artistas é como se existisse um laço simbiótico, intemporal, que os levasse a incorporar e a se apropriarem do que já foi realizado, criando assim uma cadeia de fatos e de atos interligados e contínuos. O grande escultor inglês Henry Moore, disse certa vez que muito devia a Brancusi e a Picasso, que a influência deles fora enorme sobre a sua obra. Só pedantes e autossuficientes ignaros (já tive o desprazer de ouvir a sandice de artistas jovens daqui, dizendo que nunca foram influenciados por ninguém!) Consideram-se originais, livres da influência dos outros, sejam grandes mestres ou não. Por último, resta a questão da liberdade de se fazer qualquer coisa, desde que o resultado seja bom, isto é o que interessa. Mesmo que o artista tenha encontrado o seu próprio caminho, isto se deve a que teve a sustentá-lo e a orientá-lo todo um passado rico de realizações que não são alheias ao seu trajeto. Se, vez por outra (não uma constante, claro), reverencia e homenageia a seus ídolos e mestres, isto deve ser visto como um humilde exercício de constante aprendizado, como o disse muito bem Ingres. Casa Forte, 03.08.1992 Publicado no Suplemento Cultural da CEPE, em setembro de 1992


a utopia da arte

preâmbulo Vou dar agora continuidade ao que foi dito e pensado em outra palestra, realizada no Festival de Inverno, na cidade de Garanhuns, no dia 25 de julho deste ano (1991). Naquela ocasião mostrei como, a partir da Renascença Italiana, no séc. XV, houve um processo de aceleração nos movimentos de arte, até chegarmos ao nosso século, com um acúmulo impressionante de escolas, tendências e movimentos artísticos. Também foi dito que a tecnologia, através da cibernética, da holografia e de outros meios, provavelmente será dominante no campo artístico do século que se aproxima, e que aquilo que atualmente chamamos de arte talvez sofra uma mudança tão grande, que no futuro não mais terá essa designação. Mas o futuro, como dizia o grande poeta e pensador português Antero de Quental, cujo centenário de sua morte está sendo comemorado agora, dizia ele que “o futuro é uma sombra mentirosa”. E, assim, se foi feita uma reflexão em termos prospectivos, fica realmente difícil dizer e antecipar o que acontecerá no século XXI, mesmo tendo em vista o campo de possibilidades que se abre ao nosso redor, como que impulsionando a uma visão antecipadora do que virá. Até porque, sempre há um grau de subjetividade muito grande nestas considerações e antecipações. Talvez um desejo oculto de que essas previsões venham de fato a ocorrer, talvez uma enorme insatisfação com o que acontece hoje em dia, ainda que tenhamos dados bastante palpáveis para neles ser alicerçada qualquer projeção no tempo.

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É possível também que considerações deste tipo dependam muito do ponto onde está localizado o observador. Ponto, como relação espacial e geográfica. Por exemplo: um artista que viva e trabalhe em Havana, terá essas preocupações, estará propenso a voos futurísticos? Ou simplesmente se preocupará com o aqui e agora? Em recente entrevista publicada no Caderno Letras, da Folha de São Paulo, o filósofo Karl Popper diz que “é errado pensar no que vai acontecer!” Talvez ele tenha razão, mas isto é tirar do homem a condição imaginativa de se antecipar ao futuro. Mesmo que as nossas preocupações não se realizem, pelo menos é uma aventura do espírito humano projetar-se no tempo, quer no futuro, quer no passado, de modo que o desejo de visualizar o que poderá ocorrer está, de certo modo, ligado à vontade de transformação do mundo.

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a arte como utopia

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A palavra utopia aqui é empregada não no seu sentido etimológico de não lugar, mas com o sentido de otimização de um determinado estado de coisas, ou ainda no sentido de se propor que aquilo que é feito pelo homem ao longo dos milênios e que nós, de algum tempo para cá, nomeamos como arte, tem subjacente, o propósito, mesmo quando inconsciente, de contribuir para a concretização de um mundo de nível mais elevado e menos tortuoso e desumano. Ao olhar a história do homem e, paralelamente, a historia da arte, verificamos que geralmente o que foi realizado em termos de criação artística está muito acima daquilo que se convencionou chamar de realidade, no seu sentido social, econômico e politico. A obra de arte, qualquer que seja a sua forma de expressão e de realização (música, poesia, pintura, etc.) transcende o dado real, a realidade direta e imediata, ainda quando a tome de empréstimo para criticá-la ou para representá-la de modo mais cru e contundente, tal como o fizeram, por exemplo, Goya e Picasso,


o primeiro com a série de gravuras “Os Caprichos” e “Os Desastres” e o segundo com a “Guernica” e “Massacre na Coréia”, sem mencionarmos outras obras de ambos os artistas, reveladoras de um inconformismo crítico perante o mundo. Ou ainda o grande poema de T.S. Elliot “Terra Devastada”, ou algumas sinfonias de Beethoven, de Shostakovski, entre tantos artistas que expressaram o seu descontentamento diante do desequilíbrio insano do mundo. Na verdade, não propriamente do mundo, mas daqueles que, tomando as rédeas do poder (para usar um lugar comum, todavia ainda válido) querem, a ferro e fogo, que nos curvemos a eles. É inacreditável mesmo que o Sr. Popper venha nos dizer, na entrevista citada, que “vivemos num período de conquistas magníficas no que diz respeito à justiça e à liberdade em geral”. Se isto fosse dito pelo Sr. Pangloss, personagem famosa de Voltaire, faria sentido, não como verdade, mas como representação de uma alienação. Nós que vivemos em “berço esplêndido”, onde “em se plantando, tudo dá”, nesta terra onde se dizia que Deus é brasileiro, que o Brasil é o país do futuro, e outras sandices, verificamos que a nossa geografia não faz parte do mapa mundi popperiano. Vivemos num país em que a miséria, a corrupção, a insensibilidade dos governantes, transformaram-se em um caso de patologia social. E, apesar disto tudo, ainda fazemos arte. Com isto quero mostrar que o desacerto do mundo nada tem a ver com os acertos da arte. Melhor dizendo, não é a arte que está errada ou se comporta como se fosse uma alienação (a arte só é alienada quando é ruim, mal realizada), mas sim o mundo que está em desordem, em estado de entropia. Estou convencido de que vivemos possivelmente o pior período da história do homem, e é por isto que a arte, se não traz nenhuma solução (até porque não é função dela a de resolver problemas sociais e ainda menos políticos) ela está imbuída de uma caracterís61


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tica única: a arte é uma espécie de “Felicidade Imaginada”, como dizia Jerzi Szacki em relação às utopias. Por isto a arte é uma utopia, ela invade o território do provável, habita todos os espaços, quer do inconsciente individual, quer do inconsciente coletivo, com as suas formas arquetípicas, seus signos e símbolos pertencentes à esfera do humano. Quero crer que, sem essa atividade, a da arte, em seus múltiplos aspectos e manifestações, o ser humano não passaria de um autômato, uma espécie de robô mecânico incapaz de vibrar com um acorde de Mozart ou Bela Bartok, indiferente e insensibilizado perante toda e qualquer manifestação estética que expressasse emoção e sentimento. Nenhum computador jamais substituirá a mão de Matisse. Depois da palestra realizada em Garanhuns, fiquei imaginando como será este “Admirável Mundo Novo”, o mundo do futuro, do século XXI, quando a engenharia genética provavelmente já terá povoado o planeta de androides. E lembrei-me do livro de Aldous Huxley, citado acima, onde havia um lugar chamado “A Reserva”, visitado pelos alfas e betas do Estado Mundial. Esta Reserva equivale aos 3º e 4º mundos, para onde Collor está nos levando. Mas há um dado curioso, pouco percebido até mesmo pelos artistas: a Alemanha, que é um país altamente desenvolvido econômica e tecnologicamente, manifesta, no campo das artes, um interesse enorme pela cultura artística terceiro e quarto-mundista, a ponto de enviar alguns de seus artistas para a África e para o Brasil, através dos chamados workshops. Parece que este interesse vem do fato de que, nos países superdesenvolvidos tecnologicamente, está havendo uma saturação nas formas de expressão artística, de modo que nós, os pobrezinhos terceiro e quarto-mundistas ainda temos uma reserva de imaginação artística que se expressa através de suportes convencionais (tela, papel, madeira, etc.), nos quais uma estética de emoção, digamos assim, continua preservada. Não é demais lembrar que o Cubismo, entre outras fontes, muito bebeu na arte negra africana,


oriunda de países subdesenvolvidos. É verdade que o chamado neoexpressionismo alemão, que entrou, juntamente com a transvanguarda italiana, em processo de desgaste, tem um antecedente famoso e poderoso que foi o Expressionismo do inicio deste século. Os alemães, curiosamente, apesar de todo o seu poder de elucubração teórica, filosófica e científica no campo das artes, talvez por compensação e complementação, têm revelado através dos seus poetas, pintores e músicos, uma tendência à exaltação emocional e exacerbação do sentimento. Não só o Expressionismo exemplifica isto, como também o Romantismo, surgido no final do século XVIII. Mas, já Grunewald, no século XVI, antecipava em suas obras esta tendência. Estas observações me parecem pertinentes, pois, na maioria, os seus artistas (alemães) não estão assim tão ligados à tecnologia, mas ligados ao uso de suportes tradicionais. Possivelmente há os pesquisadores, que empregam tecnologia avançada em seus trabalhos, mas são uma pequena minoria. Daí eu me perguntar de onde vem esse comportamento. Parece que isto se deu e se dá devido ao fato de que os alemães temem um conflito nuclear, uma catástrofe de tal porte que viesse a dizimar não só a eles, mas a todos nós deste planeta. Devido a essa consciência do perigo de acontecer tal tragédia, surgiu, na década de 80, a corrente do neoexpressionismo que, assim como a sua antecedente e precursora, deu ênfase à exacerbação e demonstração do sentimento expectante com vistas ao futuro. Isto explicaria também o interesse pelas manifestações de arte da África, do Brasil e de outros países da América Latina. De certa maneira, passa a haver um nivelamento através de realizações artísticas, cuja tônica é a mesma: a expressão. A arte de computador, ou cibernética, etc., são realizações através das quais o processo inventivo é mais presente e patente (sem trocadilho) do que o lado expressional. É difícil dizer exatamente como isto ocorre e porque ocorre, mas 63


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lembro-me de ter lido há muito tempo que Chan-Tsé, no século II a.C., já advertia para o perigo do homem deixar de usar as mãos em seus trabalhos, criativos ou não. Em se tratando especificamente de pintura, fica difícil concebêla sem o emprego de tintas e pincéis ou espátulas, mesmo que o suporte seja diversificado. Porque há o problema da matéria e nenhum computador do mundo é capaz de superar a matéria luminosa de um Rembrandt ou de um Morandi. Assim como nenhum computador poderá superar a flexibilidade e a “incerteza correta” da mão de Matisse. Quando o poeta português E.M. de Melo e Castro esteve aqui no Recife e realizou uma palestra no Gabinete Português de Leitura sobre o uso do computador como instrumento para a realização de formas poéticas, pensei de imediato no poema de Mallarmé “Un Coup de Dés” (Um lance de dados), um poema que parece computadorizado, talvez o primeiro poema espacial já escrito. A questão é a seguinte: um computador teria feito igual? Claro que, a manipular o computador, programando-o, estaria um poeta. Não poderia ser um poeta qualquer, mas um grande e talentoso poeta e, já que é assim, coloquemos o próprio Mallarmé diante da máquina, ou seja, o computador. Ele teria centenas e até milhares de combinações, de alternativas, de variantes, criando, portanto, mil soluções ou respostas para a criação de seu poema. Nova pergunta: suponhamos que Mallarmé fizesse quinhentas variações do longo poema “Un Coup de Dés”; será que alguma dessas quinhentas variações poderia superar a que nos deixou, em definitivo, o genial poeta francês? Eu penso que não. Penso que, ao deixar aquela forma como definitiva, depois de intensamente trabalhada, mental e intelectualmente elaborada, não há mais possibilidade de nada ser alterado. Tudo foi dito e expresso no poema da forma mais apropriada. E seria interessante que alguém se desse ao trabalho de pegar o poema de Mallarmé,


programasse-o em quinhentas variações e apresentasse aqui o resultado. Fica o repto. Esse dado expressional é extremamente importante para compreendermos porque as obras de arte do passado permanecem até hoje com grande poder de sedução e realização convincente. Falamos aqui da pintura, realizada através do suporte bidimensional, que os críticos de arte do Sul, possivelmente fazendo eco aos críticos europeus, chamam agora, num processo de catalogação, de “históricas”. Isto quer dizer que, o que fazemos aqui e os pintores de outras partes do mundo fazem, pertencem ao cadastro da História. Esta é uma questão a ser levantada: por que uma instalação (termo que designa atualmente a execução de trabalhos tridimensionais instalados em grandes áreas, com distintos significados) seria superior a um quadro? Pois, ao considerar um quadro como realização histórica, isto significa para eles que se trata de uma forma de arte superada. A ideia progressista em relação à arte não passa de um equívoco, já que a arte não progride, mas se transforma. A ideia de progresso deve ser aplicada à tecnologia. Esta sim progride, porque é da sua natureza sofrer alterações na sua eficácia e no seu uso, a sua melhor utilidade requer transformações qualitativas e funcionais. Nada e ninguém provam que uma obra de arte operada por um computador ou por holografia seja superior a uma tela de Chardin, de Vermeer, de Braque, etc. O ideal seria juntar expressão com invenção, mas até o momento atual nada do que foi feito neste século, nas variadas manifestações de arte experimental, arte cinética, instalações (um modismo que infesta a atual Bienal de São Paulo, modismo este imposto pela Documenta de Kassel e pela Bienal de Veneza), nada disto tem a força expressional de trabalhos realizados no passado. Pode parecer uma posição passadista da minha parte, ou conservadora, se preferirem, mas não é bem assim. O que tento demonstrar aqui é que certas formas de arte como a 65


pintura e a poesia, têm maior poder de comunicação quando o grau de expressão se torna mais forte e presente. Por exemplo: a poesia romântica, simbolista e expressionista tem um poder maior de comunicação e de duração histórica do que a poesia experimental, espacial, etc. Assim também, uma obra de arte construtivista tem menor possibilidade de permanência temporal (histórica) e comunicabilidade expressional do que uma obra de arte surrealista, de alto nível, claro.

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a inquietação do século XX

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Pessoalmente, considero que o século XX fechou o seu ciclo. Existem vários indicadores de que isto é uma verdade histórica. Grandes retrospectivas são realizadas de uma década para cá; artistas de grande porte como Picasso, Braque, Malevich, Lasar Segall, ou grupos de artistas representativos de uma época, como a mostra realizada em Viena recentemente com o título de “Egon Schielle e sua Época” ou a de “André Breton e os Surrealistas”, e outras que não me lembro agora, constituem dados indicativos de que há uma espécie de balanço em torno do que se realizou de mais importante neste século. Não há mais vanguarda, termo desacreditado pelos mais conscientes da situação artística atual, sejam artistas ou não. O que há, me parece, é um momento de transição. Todas estas manifestações que estão em maior evidência, como as performances, as instalações, a arte ambiental, etc., são um modo do artista contemporâneo projetar a sua insatisfação com as formas mais tradicionais da arte, saindo do suporte bidimensional da tela para concretizar mais realisticamente o seu desejo de liberdade e de rebeldia, através das formas tridimensionais, geralmente não representativas. Em vez de pintar uma cadeira, como Van Gogh, apresentar a própria cadeira, num exemplo tosco, apenas como ilustração do que pode ser realizado. O artista contemporâneo invade todos os espaços, realizando


temporariamente a sua utopia pessoal e efêmera. Tudo isto mostra que a característica do século XX se dá através da grande fragmentação das tendências e correntes artísticas, fruto de uma grande insatisfação e busca de algo novo, num ritmo acelerado de transformações e incursões em todos os territórios do fazer humano. Quero dizer que o artista contemporâneo incursiona pela física, pela química, pela sociologia, pela arqueologia, pela história, etc. Takis, W.Hayter, Yves Klein, a Família Boyles, Anselm Kiefer, são alguns exemplos de artistas que ilustram, através de suas obras, o interesse diversificado por tais ciências. Mas há um aspecto de fraqueza em muitas dessas manifestações: ao se tornarem apresentativas e não representativas, tais obras perdem, em muito, o caráter um tanto mágico e transcendente das obras de representação. Por serem mais imanentes, em geral, do que transcendentes, o imediatismo das suas propostas se dilui e se dissipa com maior velocidade, ou seja, o que é exposto e apresentado, se abarca um espaço maior em sua realização, perde no entanto na sua duração temporal, pois tais obras se tornam realizações do efêmero e são emblemáticas da época em que vivemos, marcada pelo ritmo alucinante das suas transformações . O que digo aqui não é apenas uma critica a todas essas manifestações do mundo atual, mas constatações do que existe e nos é mostrado.

nós e o mundo Duas manifestações artísticas têm se destacado em Pernambuco ao longo dos anos: a poesia e a pintura. Pernambuco é uma terra de poetas e pintores. Em ambas as manifestações há predominantemente um caráter expressional a ser destacado. Salvo uma ou outra exceção, o artista pernambucano não é um inventor (no sentido de descobridor e inovador de formas), tanto na pintura, quanto na poesia. 67


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O seu forte é a expressão, expressão que abarca não só um sentimento lírico e trágico do mundo, como também uma visão e até, em certos casos, uma reflexão poética das coisas e do homem. Mesmo quando o pintor envereda pelo campo da abstração formal, a sua pintura ainda contém elementos de expressão contida ou camuflada, aquilo que os críticos de arte chamam de “geometria sensível”. De modo que a pintura pernambucana é marcadamente expressional. A escolha e a continuidade de ser usado este modo visual de expressão são sentidas graças a uma tradição que vem de há muito. Mas esta tradição é de origem europeia, o fazer pictórico tal como o conhecemos é europeu e há na sociedade pernambucana uma afinidade e empatia com a estética renascentista. Daí a dificuldade que alguns artistas ainda têm, na aceitação e colocação de seus trabalhos, quando transgridem a estética representacional. O chamado mercado de arte daqui é incipiente, com s e com c, ou seja, é principiante e é ignorante. A maioria de nossos marchands pensa exclusivamente em lucros, a ponto de alguns trazerem do Sul pastiches e simulacros de arte que são impingidos àqueles que têm um poder aquisitivo maior, mas uma mentalidade estreita e uma sensibilidade menor, apesar de termos aqui excelentes artistas. Isto constitui um problema para o artista pernambucano: ele vive em uma região pobre, até certo ponto fechada, conservadora e, se é um profissional, vê-se tentado a fazer concessões para não sucumbir materialmente. Devido a isto, muitos talentos são estiolados e acachapados pelo brutal desdém e ignorância que se tem do valor intrínseco de uma obra de arte. E é sobre isso que prefiro falar, de arte e não de conveniências. “Na China, de todas as artes, a pintura ocupa o lugar supremo. Ela é objeto de uma verdadeira mística pois, aos olhos de um chinês, é a arte pictórica que revela, por excelência, o mistério do universo.” Este período, que traduzi do livro “Vide et Plein” (O Vazio e o Cheio), livro que me foi indicado pelo meu amigo Mario Schenberg, falecido no ano passado, faz distinção a uma das artes mais complexas inventadas pelo homem.


A pintura é uma arte de, e para a contemplação, no sentido dinâmico que Plotino dava a este termo, ou seja, mover-se dentro, adentrar-se. Esta dinâmica do espírito ou da alma, como queria Plotino, ou ainda da mente e do intelecto, como esclarecia Leonardo da Vinci ao dizer “Pittura é cosa mentale”, é que faz com que o suporte contemplado, isto é, o quadro, se torne força atuante e não passiva. As grandes obras da pintura universal (e nada impede que compartilhemos dessa universalidade) têm essa característica: elas levam e movimentam o espectador em direção a um conhecimento, não apenas a uma sensação (a sensação pertence à área do gosto, que é discutível). “Gostar ou não gostar é sempre gostar”, dizia Marcel Duchamp, e isto constitui só um degrau na escala para o entendimento de uma obra de arte. Pois é preciso compreender uma obra de arte, e já que falamos especificamente de pintura, é preciso compreender um quadro, aquilo que ele quer nos comunicar, nos transmitir, nos revelar. Quanto mais o quadro provocar o nosso interesse e nosso desejo de penetrá-lo, maior a sua carga conceptiva e expressional. Podemos inverter a proposição: quanto maior for a sua carga conceptiva e expressional, maior o nosso interesse e desejo de penetrá-lo, de apreender o seu conteúdo. Mas, a ação contemplativa requer um diálogo entre a obra e espectador, daí que se este não estiver apetrechado, (do ponto de vista da sensibilidade, do conhecimento, da informação, do seu poder de apreensão do conteúdo manifesto) se posto diante de uma obra de arte de alto nível pouco perceberá e sentirá, e então não haverá diálogo nem empatia. Já li que Thomas Merton, o monge trapista, converteu-se ao catolicismo após ter visto a tela de El Greco “O Enterro do Conde de Orgaz”, que está em Toledo. Mas já li também que Mahatma Gandhi, também religioso, não apreciava as obras de arte, não queria vê-las e, se as via, pouca ou nenhuma atenção lhes dava. Para ele, segundo li, não passavam de “Véus de Maya”, ou seja, ilusão. 69


A arte pode não passar de uma forma de ilusão, já que ela atinge principalmente os nossos sentidos, mas é uma ilusão que devemos cultivar, pois ela faz parte de um projeto humano e não divino e é uma forma de utopia que nos mantém permanentemente, pelo menos até agora, ligados ao território livre da “Felicidade Imaginada”.

sobre a ar te

Palestra proferida no auditório do Espaço Pasárgada, Recife em 25.09.1991 Publicado no Suplemento Cultural CEPE, em 1992.

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«

«da crítica


a exposição polimaterialista

Dizia não sei quem, mas não importa, que arte se faz com desespero. Com desespero e rebeldia foi que José Cláudio trabalhou a sua atual mostra na Rozemblit. Desespero, por se achar num mundo saturado de fórmulas obsoletas, de formas surradas e podres. Daí a revolta contra o já feito, o já entronizado, tudo o que apenas nos confirma e repete por linguagem imitativa o já confirmado e repetido: a pintura de tradição. Verdade seja dita, os repentes de José Cláudio não constituem novidade. As Bienais o confirmam. Presentemente, no entanto, isto não interessa. Por dois motivos: ser o Recife pela primeira vez espectador de tal realização; ser José Cláudio o primeiro pintor do Recife a mostrar tais experiências. Se, por um lado, há mérito na coragem e no arroubo do artista, há também uma queda que foi causada pela precipitação do expositor, pelo nível medíocre dos trabalhos, pela falta de madureza. Acontece, porém, ser esta queda honrosa, pois embora caindo, Zé Cláudio deve ter o apoio de nós todos, pelo seu destemor e desassombro, pela revolta contra a estagnação e conformação dos artistas aburguesados. O caso é que Zé estava preso e precisava quanto antes matar o carcereiro. Deixando para trás, impiedosamente o seu já cansado e saturado roteiro cotidiano (o desenho de cada dia nos dai hoje, à nanquim!) que muito lembra a penosa tarefa imposta aos presos de certas penitenciárias de fazer e desfazer nós de estopa, até à loucura, José Cláudio livrou-se da esquizofrênica obsessão de fazer penitência artística. 73


da crítica 74

Por isso sua queda tem a grandeza de um salto, pois ele sabia que todo novo nascimento implica em uma morte. Este foi o lado psicológico. Vejamos o estético: Para mim, apenas uma meia dúzia de trabalhos de sua exposição escapa ao incêndio. Os repentes, 8, 4, 5, P, N e 10 são, a meu ver, os melhores e que trazem uma maior consciência artesanal e um melhor aproveitamento do material. Na verdade, esses trabalhos ficam situados entre dois focos: pintura e escultura. Por usar de novas dimensões é que ele, Zé Cláudio, rompe o espaço quadrangular ou retangular, construindo novas perspectivas que mais dizem respeito à escultura e, até mesmo, à arquitetura. Pois alguns repentes sabem à maquete, por afinidade visual e construtiva. Em outros, a pureza da forma é substituída pela própria riqueza da matéria usada, descoberta e revelada aos olhos de quem ainda não se habituou a ver não somente lixo e podridão nas coisas gastas e podres. Surge agora uma contradição dentro de formas aparentemente iguais: de um lado a pureza formal e geométrica de um quadro, do outro o relaxamento das coisas anárquicas, dos objetos vagabundos, dos ferros e madeiras marginais, jogados no caixão do lixo, este próprio às vezes transformado inconscientemente em revelação de beleza aos olhos e espíritos atentos à menor descoberta. Também o relevo dos materiais empregados contribui para o surgimento de uma outra dimensão. O quadro ora avança, ora recua no espaço, criando uma profundidade e uma aproximação reais, porque palpáveis e concretas. A cor funciona por si, inerente aos próprios materiais utilizados pelo artista, sendo que este, por vezes, acrescenta um pouco de tinta em suas composições. Que estão, aliás, prejudicadas pelo fundo das paredes da galeria, que não se prestam a tais tipos de exposição, além do acúmulo de objetos que existem nas salas, interferindo assim na visão dos objetos-quadros do artista.

Publicado no Diário da Noite em 26.01.6


homenagem a vicente do rego monteiro

Vicente do Rego Monteiro pertence à linhagem dos tipos protéicos, dada a multiplicidade impressionante dos seus interesses, realizações e vivências. Uma personalidade ímpar na história da cultura brasileira, movendo-se pendularmente durante toda a sua vida entre largos períodos parisienses (como se buscasse ali um campo mais propício para o desenvolvimento das suas ideias) e retornos à sua terra de origem, o Recife (possivelmente desejando revigorar-se, reintegrando-se teluricamente à sua fonte renovadora), onde jamais conseguiu fixar-se, carregando mundo afora as suas raízes. Não cabe aqui, todavia, uma análise aprofundada, pela exiguidade do espaço disponível, da obra multifacetada do artista e da personalidade camaleônica do homem inquieto e impetuoso que foi Vicente. Registremos apenas que essa exposição, que ora se realiza no Museu do Estado de Pernambuco, é uma homenagem oportuna, embora incompleta, ressaltando apenas um dos vários caminhos trilhados pelo talento polivalente do pintor, escultor, gravador, poeta, tipógrafo, cineasta, dançarino, automobilista, etc. Registremos que Vicente, muito antes de deflagrada a Semana de Arte Moderna em São Paulo, já se antecipara, lá mesmo na capital paulista, em 1920, numa mostra em que o seu espírito pioneiro indicava uma nova abordagem de caráter nacional até então inexistente. Registremos os onze livros de poemas impressos por ele mesmo, na sua La Presse à Brás, em Paris, à espera de que sejam reeditados. Que essa mostra, mesmo incompleta, sirva não apenas como homenagem, mas como ponto de partida para a criação de um Museu 75


Vicente do Rego Monteiro, onde a sua variada e dispersa obra possa ser reunida e preservada, para que a cultura artística de Pernambuco e do Brasil façam justiça a um dos seus nomes mais brilhantes, a um dos talentos mais exuberantes que já tivemos. Que a concretização do Museu Vicente do Rego Monteiro sirva ainda, não só para a reunião e preservação da sua obra, mas que reúna e congregue também obras de outros artistas, já desaparecidos, como Nestor Silva e Joaquim do Rego Monteiro, entre outros, que estão a merecer igualmente, de todos nós, em geral, e do poder público, em particular, o respeito e a homenagem que a eles devemos.

da crítica

Falta data e local

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anotações sobre a pintura de reynaldo fonseca laudator temporis acti*

anacronismo, atemporalidade A pintura de Reynaldo é atemporal, anacrônica, ou seja, ela não se situa nos quadros da estética contemporânea.

técnica do século XVI Reynaldo adota uma técnica pictórica renascentista e flamenga (Holanda, Bélgica) dos séc. XVI e XVII. É justamente esta técnica adotada por ele que faz com que sua pintura não pertença ao nosso século. E também a concepção e a conceituação das figuras colocadas em suas telas. Principalmente isto.

desumanização e inumanização da figura. As figuras colocadas nos quadros de Reynaldo sofrem um processo de reificação, tanto as figuras de pessoas como as de animais. Seus modelos se tornam objetos parados, estáticos; são pintados como naturezas-mortas. Há uma desumanização da figura humana.

a questão do tempo Sendo estáticas, elas se tornam atemporais, quase não se pode situá-

* Louvador do tempo passado.

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las (as figuras) num determinado tempo histórico. Sob este aspecto, Reynaldo realiza uma obra instigante. Como situá-las historicamente?

o olhar Tudo se concentra no olhar. O olhar perverso. O ponto focal, o ponto de maior atração na pintura de Reynaldo Fonseca é o olhar de suas figuras. O olhar quase sempre é magnético, ele perscruta o espectador fixamente. (Menino com Pássaro, Menino com Ovo, A Carta, Mulher de Preto, Menino, Copo e Chave, etc.),às vezes com um desejo oculto de perversidade.

pintura narcísica Pinta para si mesmo. O quadro, como espelho. A pintura de Reynaldo é narcisista, assim como as de Ismael Caldas e João Câmara também o são. Sendo que, em Ismael Caldas, o narcísico é quase camuflado pelo olhar perverso, a maneira como vê o mundo e as pessoas. A pintura de Reynaldo é de extrema sensualidade. Nisto ele se aproxima de Ingres. O refinamento da matéria tratada com mão de seda, a voluptuosidade dos contornos das suas figuras e o auto-embevecimento do que é produzido (o pintor voltado para si mesmo), fazem de sua pintura objetos de contemplação narcisista. Isto, no entanto, não deve ser visto como demérito, é mais uma chave para compreender o pintor e sua pintura.

da crítica

balthus, o ídolo revisitado

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Mais sou menos entre 1959 e 1960, Reynaldo passa a ser influenciado pelo pintor francês de origem polonesa Balthus, considerado por Picasso como o maior pintor do século XX. Discutível, isso. Podemos dizer, com certeza, que Balthus é um


dos maiores pintores deste século, como o próprio Picasso, Braque, Matisse, etc. Melhor influência Reynaldo não poderia escolher. Balthus é genial. Mas, curiosamente, Reynaldo não é atraído pela técnica de Balthus. Estas notas foram escritas há muito tempo (5, 6 anos atrás), mas, no ano passado, em outubro de 1994, vi uma sala inteira com Balthus no Museu Georges Pompidou e pude admirar a técnica por ele empregada. A matéria é sempre grossa, ás vezes caspenta como um muro, o colorido suave, as dimensões grandes, e há qualquer coisa de Piero della Francesca e de Masaccio, mestres quatrocentistas que foram demoradamente estudados por Balthus, quando jovem. Balthus também é um pintor cuja obra é atemporal. Embora aborde temas de sua vivência pessoal, ainda assim o espectador é transportado para um mundo não muito preciso, ele transcende a sua época. Mas, ao contrário de Reynaldo, Balthus usa uma técnica mais ligada à estética do mundo atual, apesar de empregar a têmpera, que é um material muitíssimo mais antigo do que a tinta a óleo. Balthus não se subordinou, aliás com sabedoria, à tinta à óleo. Preferiu empregar uma tinta mais durável, o que lhe proporciona uma matéria mais rica. Evidentemente a sua concepção de quadro, as suas composições geralmente grandiosas, pesam muito para aproximá-lo de seus modelos quatrocentistas. Reynaldo, praticando a pintura a óleo, preserva e dá continuidade aos seus modelos renascentistas e, principalmente, flamengos. Quer dizer, Reynaldo é fiel aos grandes mestres do século XVI e XVII, assim como Balthus, de certo modo, é fiel aos mestres do século XV.

o gosto do público. a identificação e a apropriação do passado através da aquisição possível. A estética renascentista, que o Cubismo e o Dadaísmo trataram de anular e suprimir, continua firme, operando nos corações e mentes 79


do público em geral, o que explica a incompreensão e inaceitação por parte deste mesmo público das obras cubistas de Picasso (mas não de suas obras neoclássicas, pois Picasso percorreu todos os estilos e escolas pictóricas que se possa imaginar). Daí porque é praticamente impossível não gostar das obras de Picasso, pois o “cliente” tem a seu dispor um leque vastíssimo de opções. A não ser que este “cliente” ou espectador seja ignorante e desinformado. A s s i m sendo, Reynaldo satisfaz em grande escala o gosto renascentista dos seus clientes, que levará para casa uma obra de grande qualidade (pois Reynaldo é um requintado pintor) e não disponível na Europa. Reynaldo realiza o sonho da burguesia que vai a Paris ver o Louvre mas que, por ignorância e despreparo, recusa o Georges Pompidou.

contrafação? a pintura quase réplica. Não é cópia nem contrafação. Trata-se de recriação e, muitas vezes, criação mesmo. Balthus, Magritte, Botero, Vermeer e outros artistas célebres servem, às vezes, de modelos para uma recriação reynaldiana. Tanto Ismael Caldas quanto Brennand, João Câmara e muitos outros, fazem o mesmo. Noventa por cento ou mais dos artistas de todo o mundo, de agora e do passado, fazem ou fizeram isto.

da crítica

o tempo não existe. tudo não passa de uma ficção. hawkins. solaris.

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No filme russo Solaris, há uma parte em que a câmera foca em close total o quadro “Paisagem de Inverno”, de Brueghel. Lentamente, a câmera vai se afastando até que aparece este quadro, entre outros quadros pendurados na parede de um cientista. O filme é uma “ficção científica”, onde o tempo é extremamente elástico: ora recua, ora avança no futuro. O tempo, segundo o físico inglês Stephen Hawkins, não passa de uma ficção. Sendo assim, o sentido de contemporaneidade passa a ser discutível. O que é contemporanei-


dade? Paolo Ucello não traz em suas famosas batalhas um sentido de contemporaneidade? Para mim, traz.

cinco tvs em casa. recortes de jornal e revistas como modelos. contradição. fora do tempo, mas informado. Apesar de recusar a época em que vive, Reynaldo tem cerca de 5 aparelhos de televisão espalhados dentro de casa. Ele recebe diariamente jornais e, semanalmente, revistas, o que o torna mais informado ainda. Balthus vive isolado em um chalet famoso na Suíça (com a sua mulher e modelo coreana, também pintora) e penso que não vê televisão. Morandi não tinha televisor em casa e o seu atelier-quarto era uma cela monástica. Aliás, Morandi era da Ordem Terceira de São Francisco em Bologna, onde nasceu e morreu. Esta contradição de Reynaldo é curiosa: ele diz rejeitar a época em que vive, mas, ao mesmo tempo, vive ansiosamente querendo estar bem informado. É um voyeur de notícias, um devorador de imagens impressas e televisivas, um bisbilhoteiro do mundo externo.

a recusa da contemporaneidade. integração com o circuito. Reynaldo participa intensamente da vida “lá fora”, fora do seu reduto, da sua casa. Seus quadros são vendidos e enviados para vários estados brasileiros e até para o exterior. De modo que ele está integrado com o circuito social, mesmo de forma indireta. E ainda há o telefone. Esses dados pessoais mostram que Reynaldo não está assim tão isolado, apenas se locomove pouco, mas esta parece ser uma tendência que vai se firmando cada vez mais no mundo com as comodidades oferecidas pelo circuito eletrônico. Mostra também que o pintor, muitas vezes, se projeta através dos olhos expectantes e perquiridores de suas figuras. 81


as crianças na festa judaica do vizinho. modelos vivos e atuais. Faz alguns anos, 5 ou 6, eu e minha mulher Myrian, fomos convidados pelos vizinhos a comparecer a uma festa de casamento de um jovem casal judeu. A casa ficou lotada e o quintal também, de convidados de ambas as famílias. Mas, qual não foi o meu espanto, quando comecei a perceber várias crianças entre 4 e 7 anos, vestidas como algumas figuras infantis dos quadros de Reynaldo. Fiquei pasmo! Redobrei a atenção e a observação dos trajes dessas crianças e era isto mesmo: pareciam saídas das telas de Reynaldo; o vestuário inusitado, incomum, era usado por essas crianças, provavelmente judias. A cena ficou gravada até hoje.

da crítica

magritte, fernando botero. surrealismo? a invenção da “sua” realidade.

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Reynaldo Fonseca não é um artista inquieto. É um artista que encontrou seu estilo a partir dos grandes mestres do passado, tanto da pintura italiana como da pintura flamenga. Se não me engano, ele já declarou que gostaria de pintar como Van Eick. A técnica é parecida, mas a concepção é diferente. Reynaldo teve o bom senso de não “bordar” os seus quadros. Pelo contrário, ele aplica o conceito de redução e assim elimina o supérfluo; podem observar: a sua pintura é despojada, não há nada de excessivo nela. Todas as regras convencionais de pintura clássica lá estão: composição equilibrada, colorido sóbrio (lembra às vezes o colorido de David, pintor da época da Revolução Francesa), jogo de claroescuro bem esquematizado, matéria fina quase veludosa, e há um geometrismo discreto nas suas composições. Não sendo um artista inquieto e apesar de admirar alguns surrealistas como Magritte -e creio que também Paul Delvaux- Reynaldo


jamais ousou um lance mais transgressivo em sua pintura. As referências que ele faz a Magritte, a Botero e a Balthus (embora este último não seja um surrealista) são apenas circunstanciais, episódicas, tratando-se mais de referências de admiração, uma homenagem que ele faz aos artistas preferidos. O seu caminho, “a sua realidade”, em termos de arte, provavelmente ele a teria percorrido em qualquer época, depois do séc. XVII, mas estas são conjecturas perigosas, talvez falsas.

a criança adulta brinca com seus brinquedos perversos. o olhar que perfura. o que aparenta, não é. Reynaldo tem uma coleção de bonecas estranhas e belíssimas, raras. Evidentemente o olhar perfurante de algumas figuras de seus quadros, principalmente das crianças, vem do olhar pétreo, enigmático e inquietante de suas bonecas. Talvez fosse melhor dizer vítreo, em vez de pétreo. Quase que esse olhar, ou olhares, se aproximam dos olhares das crianças no quadro “As Meninas” de Velazquez, talvez o quadro mais genial que se pintou até hoje. De modo que estamos de novo dentro do processo de reificação ou coisificação do ser humano. As figuras humanas nos quadros de Reynaldo são todas objetos estáticos, parados, que contemplam o seu autor que, por sua vez, as contempla e, com os seus botões, parece dizer: o que aparenta, não é.

pintura especular Sendo uma pintura narcísica, a pintura de Reynaldo é autocontempladora, mais uma vez como a de Ingres. É especular, no sentido de espelho porque, sendo voltada para si mesma, autocontemplativa, é também autossuficiente, o que, aliás, deve ser a meta de toda pintura. Reynaldo sabe que faz pinturas, e não ilustrações e que as formas de pessoas e de animais por ele usadas são apenas modelos transforma83


dos por ele em puro fato pictórico. Ao contrário de Portinari, que foi seu mestre, Reynaldo não faz pintura literária.

pintores singulares: balthus, morandi, clovis trouille, melle, fuchs, bradley, reynaldo Tenho um grande apreço por artistas singulares, artistas que não podem ser classificados segundo tal ou qual corrente, escola, etc. Dos citados acima, apenas Morandi durante algum tempo (pouco) foi ligado a uma escola, a da chamada Pintura Metafísica, com De Chirico e Carrá. Depois, no entanto, criou o seu próprio universo. Talvez os mais originais sejam o francês Clovis Trouille e o austríaco E.Fuchs. Ocorre-me agora que poderia acrescentar M.C. Escher. Reynaldo também é um artista singular; apesar das influências já mencionadas, a sua pintura hoje em dia é um caso específico. Há um quadro de Reynaldo onde aparece um relógio sem ponteiros. Este quadro é um símbolo perfeito da atemporalidade da sua pintura. O tempo parou. Ou o tempo não existe. Novamente Hawkins.

a reencarnação de um pintor flamengo

da crítica

Quando visitei a Holanda, em 1975, estive em Amsterdam e depois fui a Delft. Fiquei impressionado com o meu “à vontade” caminhando pelas ruas de Delft como se a conhecesse de há muito, aquilo que chamam de déjà vu. Os espíritas diriam que, em outra encarnação, eu teria vivido naquela pequena cidade. Penso, às vezes, que Reynaldo é a reencarnação de algum pintor flamengo do século XVII.

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Casa Forte, 1993


marcel duchamp marchand du sel

É bastante oportuna a homenagem que se faz a Marcel Duchamp, que foi sobretudo um subversor das artes do nosso tempo, um artista único, detonador de todo um processo de reinvenção do fenômeno artístico, o mais original artista surgido neste século. Foi o seu gesto emblemático de virar ao contrário uma roda de bicicleta, com o garfo para cima*, que simbolizou a subversão causada por ele ao mostrar que um objeto comum, tirado do seu contexto usual, pode ser transformado em obra de arte. O caso de Marcel Duchamp é um caso muito especial e deve-se ter muito cuidado na abordagem feita à sua obra e à sua pessoa, dadas as complexidades de ambas. As influências literárias sofridas por M.D. tiveram efeito não sobre a sua pintura, que ele abandonou em 1914, mas sobre as peças (ready-mades, Grande Vidro, caixas, etc.), estimulando-o na descoberta de novos caminhos, que ele procurava e encontrou. Foram os livros de Raymond Roussel (Locus Solus, Impressions d’Afrique, etc.); Lautréamont (Les Chants de Maldoror); Jules Laforgue (Moralités Legendaires); G. Pawlowski (Voyage au Pays de la Quatriéme Dimension); Mallarmé (poesias) os que mais o influenciaram.

o ready-made

* Dunlop também havia exposto o seu pneu com o garfo para cima, não como arte, mas como invenção, no final do século passado.

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Embora o primeiro ready-made de M. Duchamp tenha sido “Roda de Bicicleta”(1913), só em 1915, morando em Nova York, é que esta expressão foi incorporada ao seu vocabulário artístico. Existia a expressão francesa object-trouvé (objeto achado), mas Duchamp precisava de outra forma, mais nova e mais adequada às suas ideias. O ready-made (pronto, feito, roupa pronta) foi um achado semântico de Duchamp, pois os seus objetos provêm, não da natureza e sim da indústria, são objetos fabricados selecionados por ele, subordinados a uma ideia, a um conceito.

da crítica

Podemos então observar o seguinte: a) Duchamp revela uma nova natureza, a natureza industrial, em oposição à natureza natural (natura naturans) desculpando-me pela redundância; b) há um cuidado muito grande de M.D. na seleção dos objetos transformados em ready-mades; não cai jamais no fácil, por isto a sua produção é pequena, reduzida; c) há sempre um conceito inerente a cada ready-made; d) o humor é sempre sutil, inteligente, revelador de um espírito percuciente. André Breton, aliás, considerava-o o homem mais inteligente do séc. XX.

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Os ready-mades ora são “retificados” ou “ajudados”. Exemplos: o ready-made “L.H.O.O.Q” (o da Mona Lisa com barbicha e bigode) é um ready-made retificado, já “Belle Haleine. Eau de Voilette” é um ready-made assistido, ajudado. Sabemos do gosto de M. Duchamp por jogos de palavras (jeux de mots) e por trocadilhos (calembours) e isto é evidenciado também nos títulos dados aos seus trabalhos. “Apolinére Enameled” é um ready-made retificado, ou seja, M.D. retificou algumas palavras da peça original e criou um jogo fonético com a palavra Apolinére em homenagem ao poeta G. Apollinaire, então ficou (subentende-se) Apollinaire Esmaltado (Enameled).


“Fontaine” (Fonte) é outro ready-made famoso de M. Duchamp. Aqui o jogo semântico é diferente: Duchamp nomeou de “fonte” a um objeto de uso (urinol de parede) encontrado nos mictórios. Há uma transgressão do sentido colaborada pela inversão do próprio objeto, virado ao contrário, e pela dupla conotação de fonte: uma, a do objeto que jorra água continuamente; a outra, a do usuário do urinol de parede, pois o ato de urinar - origina uma outra fonte. O conceito aqui está tanto na forma quanto no gesto. Ao enviá-lo para o Salão dos Independentes de Nova York, Duchamp assinou R. Mutt (este R não é de Robert) pseudônimo tirado de MottWorks, uma empresa de artigos sanitários. A fonte não foi rejeitada, simplesmente ficou escondida. Parece que Duchamp fazia parte do júri. Rrose Sélavy é um dos pseudônimos empregados por M. Duchamp. Não é título de algum ready-made, mas uma assinatura com múltiplos significados: Rose é um patronímico muito usado nos EUA (Rosenbaum, Rosenberg, com um r só) nas famílias judaicas, assim, ao usar o pseudônimo Rrose Sélavy, M.D. transforma-se em mulher. Rrose Sélavy é um anagrama de Eros c’est la vie (Eros é a vida) e, em 1921, Man Ray fez uma foto de Marcel Duchamp que a retocou com tinta negra reforçando a feminilidade dos traços. As mãos e o chapéu são de Germaine Everling, uma amiga de Francis Picabia.

os anos de pintura A partir de 1914, M. Duchamp deixou de pintar, salvo em 1918, quando atende a contragosto um pedido da sua amiga Katherine Dreier, milionária e mecenas das artes, realizando a belíssima pintura “Tu m’” (Tu m’emmerdes = Tu me aborreces). Os quadros de Duchamp com influência impressionista (de 1902 a 1907, mais ou menos) não foram pintados “quase por brincadeira”, como disseram, mas porque, ainda jovem, foi influenciado pelo Impressionismo, apesar de tardio. 87


da crítica 88

Logo em seguida, veio a influência dos fauves e dos cubistas, através dos seus irmãos Jacques Villon e Raymond DuchampVillon. Por trás dos cubistas, claro, estava Cézanne. Paradoxal, mas explicável, foi o simbolismo que mais atraiu a M.D., por todo o universo de representações simbólicas contidas nele, daí as suas leituras de Laforgue, Mallarmé, etc. Mesmo na fase da pintura, M. Duchamp foi um vanguardista, já que tanto o Fauvismo quanto o Cubismo eram vanguardas na época. Na verdade, a primeira ruptura na obra de Duchamp surge com a pintura “Moulin à Café”, de 1911, afastando-se do Fauvismo e antecipando, premonitoriamente, o primeiro ready-made, “Roda de Bicicleta”. Ele mesmo reconhece isto em entrevista dada a J. J. Sweeney em 1955 (ver Marcel Duchamp - Duchamp du Signe. Écrits). Mas a grande ruptura dá-se ao deixar de pintar, em 1914, quando descobre um novo caminho, extremamente pessoal. O “Nu descendo uma escada” tem duas versões: a primeira de 1911 e a segunda, a mais conhecida, de 1912. Apresentada na mostra Armory Show em 1913 (Nova York) o “Nu descendo uma escada nº 2” (Nu Descendant un Escalier n° 2), com mais três outras telas: “Jeune homme”, “Portrait de joueurs d’échecs” e “Le Roi et la Reine entourés du nus vites”, causou algum rebuliço, como já tinha causado (em maior escala) no Salão dos Independentes, Paris, em 1912, onde chegou a ser exposta, sendo retirada por pressão do pintor cubista Gleizes junto aos irmãos de Duchamp, que acabou retirando o seu quadro, que seria exposto depois na Galeria Dalmau, em Barcelona, e posteriormente adquirido no Armory Show com os outros três. “Nu descendo uma escada n°2” não é uma obra nem cubista nem futurista (Duchamp declarou que na época nunca tinha ouvido falar do Futurismo), mas ele considerava que neste quadro tentara “parar o movimento”. Sua preocupação, em 1912, ligava-se às pesquisas da cronofotografia de Marey.


o alquimista Opus Magnum: “La Mariée mise à nu par ses célibataires, même” é considerada a sua obra maior. No entanto, “Étant donnés: 1º la chute d’eau; 2º le gaz d’éclairage” é também uma grande obra, o seu canto de cisne, com enorme carga simbólica e esotérica, também uma obra de alquimista. Para a realização de “O Grande Vidro” (1915-1923), como é também conhecida “A noiva desnudada por seus celibatários, mesmo”, foram feitos vários estudos, desenhos e cálculos. Há notícias de que Duchamp esteve em Munique em 1912 em busca de um livro antigo sobre Alquimia. M.D. nunca confirmou isto, mas tanto André Breton quanto Arturo Schwarz referem-se com ênfase a este fato. “La MARiée mise à nu par ses CÉLibataires, même” (o título contém o nome do autor) teve várias interpretações: A. Schwarz acha que a Noiva seria a irmã mais ligada a Duchamp, Suzanne, havendo entre eles uma hipotética ligação incestuosa. Na frase, même faria um jogo fonético com m’aime (me ama), ou seja, A Noiva Desnudada por seus Celibatários (pretendentes) me ama, mesmo. Mas isto são conjecturas. Para Duchamp, la Mariée era uma espécie de “apoteose da virgindade”. Para Harriet Grossman e Sidney Janis, la Mariée representa a ascensão da Virgem Maria, e para Robert Lebel seria o mito do amor estéril. Pode ser tudo isto e muito mais. Como decifrar uma obra alquímica? Duchamp tinha outras preocupações, também. Ele queria realizar uma obra que não fosse pintura e estava interessado na quarta dimensão (havia lido G. de Pawlowski) e encontrou no vidro o melhor material para a consecução das suas ideias. A esta obra ele chamava de “retard en verre” (atraso em vidro), mas o próprio M.D. não sabia bem o que isto significava: “Eu quis dar a retard um sentido poético que não poderia mesmo explicar” (Entretiens avec Marcel Duchamp - tradução minha). 89


Compreendo o termo retard como “retenção”, pois M.D. queria que a tinta a óleo aplicada entre as duas folhas de vidro não se oxidasse, tendo vida mais longa. Houve também uma reabilitação da perspectiva, uma perspectiva científica feita através de cálculos. Foram feitas duas réplicas: uma por Ulf Linde, 1961, estando no Museu de Arte Moderna de Estocolmo e a outra por Richard Hamilton, em 1966, que está na Tate Gallery de Londres. A obra nunca foi terminada. Em 1933, ao ser transportada em um caminhão, sem nenhuma proteção, a peça sofreu várias rachaduras simétricas e Duchamp aceitou essa intervenção aparentemente desastrosa como algo fora da sua vontade, mas fruto de uma lógica secreta.

da crítica

A grande obra outonal de Marcel Duchamp: “Étant donnés: 1º- la chute d’eu; 2º- le gaz d’éclairage” (Sendo dados: 1º- a queda d’água; 2º- o gás de iluminação)

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Enquanto dizia-se que Duchamp só se dedicava ao xadrez (participou de vários torneios internacionais, jogou com o grande Alekhine), secretamente, em silêncio, durante exatos 20 anos (de 1946 a 1966), Duchamp trabalhou de modo intermitente nesta obra que é o seu canto de cisne. Só Teeny, sua mulher, sabia disto. Étant donnés é uma obra intrigante e instigante. Tem aquela mesma atmosfera da tela “A virgem dos Rochedos”, de Leonardo da Vinci, trabalho também esotérico, segundo alguns. Étant donnés (Sendo dados) é uma expressão usada pelos matemáticos em vista de um problema a resolver. Qual o problema? Não há problema, porque não há solução, diria M.D. Nem cabe aqui resolver isto. Trata-se de um ambiente fechado (não é uma instalação, mas um assemblage) no qual não se pode entrar. Vê-se através de frestas em uma porta velha que Duchamp trouxe de Gadaqués (Espanha) quando em visita a Dali.


É uma peça voyeurista. Há um corpo nu de mulher - seria uma alusão à virgem (Noiva) desnudada do Grande Vidro?- deitada sobre gravetos secos com as pernas abertas, o sexo sem pelos, não se vê o rosto, só um pouco do cabelo louro. Parece que o modelo inicial foi a escultora brasileira Maria Martins com quem M.D. teria “tido um caso”. Com o braço esquerdo mais ou menos levantado, ela segura uma lanterna a gás permanentemente acesa. A queda d’água ou cascata também não para (feito com um mecanismo ótico chamado Bec Auer) dando um sentido de moto perpétuo. Esta peça tem um subtítulo: “Yes, Virgínia”. A obra é fascinante e tem ligações secretas com o Grande Vidro. Assim, Duchamp em seu canto de cisne, volta à representação figurativa, em três dimensões. “A água e o gás, diz a “Caixa Verde” de M.D. (Manual de Instruções do trabalho), operam na escuridão e na escuridão aparecerá a “aparência alegórica”. Trata-se de uma alegoria de “Eros c’est la vie”, é o que me ocorre. No final de sua vida, entre 1967 a 1968, em Neuilly, Marcel Duchamp retorna ao desenho (era excelente desenhista) e à gravura, prestando homenagem aos grandes mestres do passado: Cranach, Courbet, Ingres, Rodin, são reverenciados pelo Mestre Alquimista, Marchand de Sel (Vendedor de Sal), livre e despojado de qualquer preconceito infantil, não vendendo, mas distribuindo generosamente, luminosamente, os segredos do seu espírito grandioso, guardados para sempre com o término da sua respiração. Casa Forte, 4 de julho de 1996

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fontes bibliográficas BRETON, A.- Le surrealisme et la peinture. Ed. Gallimard, 1965 CABANNE, P. Entretiens avec Marcel Duchamp Ed. Pierre Belfond : Paris 1967 DUCHAMP, M. Manual de instrucciones para Étant donné. El Paseante, nº 8, 1988, DUCHAMP, M - Ready-Mades, etc. Le Terrain Vague. DUCHAMP, M - Studio Internacional.(NY) Vol. 189. N° 973 DUCHAMP, M– Étant donnés. Art In America – NY MINK, Janis. Marcel Duchamp. A arte como contra-arte.:Ed. Tachen, Colonia 1996 PAZ, Octavio-Aparencia Desnuda:la obra de Marcel Duchamp. Ed.Era, Mexico, 1998 PONTOS, H.- Retrospectiva de M. D. no Palazzo Grassi. Veneza. Ed. Bompiani, 1993.. SCHWARTZ, A.- Duchamp – Ed. Hachette-Fabbri, 1969 SANOUILLET, M.,PETERSON, E. Duchamp du Signe - Écrits. Ed. Flamarion ,1994

da crítica

Catálogo- L’Oeuvre de Marcel Duchamp- Musée National d’Art Moderne, Paris

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morandi

Observando demoradamente a pintura de Giorgio Morandi, percebi que as suas naturezas- mortas do período metafísico são menos metafísicas do que aquelas que surgiram depois, liberadas do rótulo que possuíam quando o pintor bolonhês estava unido ao grupo formado por Carrá e De Chirico. Assim, percebi que, quando se usa um rótulo ou uma fórmula para se atingir um fim em arte, esta geralmente resulta artificial. Ora, penso que Morandi deve ter sentido e percebido o mesmo, daí a sua consequente e acertada separação da Escola Metafísica. No entanto, foi justamente este rompimento que, paradoxalmente, lhe deu o sentido exato para realizar uma obra cujo caráter realmente metafísico é, sem dúvida alguma, mais autêntico e original. A grande lição de G.Morandi é a de demonstrar que uma forma real pode e pertence também ao mundo da abstração metafísica quando é captada em sua íntima essência, ou seja, que devido a um processo de inversão ou retorno à fase primária da matéria, esta é percebida em seu estágio de desenvolvimento. O conceito grego (talvez platônico) de “poiesis”, significando a passagem do não ser para o ser, com referencia à obra de arte, pode ser aplicado a Morandi, porém somente depois que é executada e realizada a primeira fase, isto é, que Morandi passa do ser ao não ser, da matéria à não matéria, em termos pictóricos, ao transcender o objeto retratado. Depois de ter atingido esta meta é que realmente vem à tona o ser ou a matéria, porém já com características próprias. Por isto, os obje93


tos que Morandi usa como modelos (garrafas, potes, xícaras, jarros, facas) perdem a sua identidade material e objetal, e atingem uma outra dimensão existencial, ganham uma nova vida e uma nova consistência material e formal, uma aura, adquirindo, portanto uma realidade abstrata através de uma concepção concreta. Os objetos, na pintura de Morandi, sofrem como que um processo de transubstanciação. A matéria se espiritualiza.

da crítica

Milão, 1964

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NOTA DO AUTOR Morandi era um homem religioso. Ele era da Ordem Terceira de São Francisco. O seu atelier era de um ascetismo impressionante, como uma cela monástica. Isto (a sua religiosidade) explica o caráter transcendental das suas pinturas.


alberto burri pintura

Quando se diz pintura, a maior parte das pessoas associa logo à velha fórmula: tela, tinta e pincéis. Ora, pintura não implica necessariamente no uso convencional de tintas e pincéis. Assim é, que não poderia deixar de haver um choque tremendo para o leigo quando se depara com um quadro de Alberto Burri. Sabemos que este nome é completamente estranho (ou quase) para o público do Recife, que ainda pensa ser o Impressionismo a mais nova escola. O povo, aliás, disso não tem culpa, pois se vemos ainda hoje professores de pintura trabalhando com “técnica impressionista”!... De inicio devemos dizer que Burri não é um pintor iniciante. Muito ao contrário, trata-se de um artista maduro e de larga experiência artesanal. Por isso, frisamos que ele não surge como um aventureiro. Sua pintura é realmente revolucionária, pois põe abaixo todos os velhos tabus e preconceitos acadêmicos firmados através dos séculos. No entanto, são poucos, pouquíssimos até (sem mencionarmos os esnobes) aqueles que penetram ou sentem um quadro de Burri, devido a sua não facilidade de se entregar a ser sentido. Burri não faz concessões ao “bom-gosto” burguês nem aos conceitos babosos de arte e beleza. É aqui, então, que se nos afigura um problema e um fato que devem ser evidenciados: nem sempre a obra de arte é feita nos moldes suaves do “Belo”. O problema surge nestes termos: poderá uma obra de arte ser feia? Ora, teríamos que analisar mais profundamente o conceito de belo e de feio ao serem aplicados a uma manifestação artística. Poderíamos 95


da crítica 96

dizer, de um modo elementar, que belo é o que agrada aos nossos sentidos e feio é o que não agrada. No entanto, este conceito é falso, pois não se pode aplicá-lo num sentido absoluto porque a sensibilidade de uma pessoa não é igual à de outra. Assim é que, se para uns Van Gogh é genial e humano, para outros é primário e mórbido. O David de Michelangelo seria uma obra de arte, mas uma escultura primitiva africana, não. Daí verificarmos que o fator primordial para que uma obra de arte seja considerada como tal é a sua capacidade de despertar a nossa sensibilidade. Não importa que essa sensibilidade penda para um lado ou para o outro, isto é, para o feio ou para o belo. Alberto Burri nos surge então purificado desses conceitos mesquinhos formulados pelos enfatuados criadores de estética. Creio que não haverá maior impacto para um professor acadêmico de Belas-Artes do que se deparar frente-a-frente com um quadro de Burri. Tudo aquilo que é convencional é quebrado de um só golpe. Pois ele, Alberto Burri, não usa tela, tinta, pincel ou outros materiais acadêmicos. Até mesmo a grade de madeira, que é a base para qualquer quadro, é por ele desprezada. Chegamos mesmo a dizer que se trata de uma pintura franciscana, usando de uma metáfora talvez não muito feliz. É com lixo, com pobreza, com uma humilde coragem que ele realiza suas pinturas. É com pedaços de madeira, de pano, de metal, cola, piche e outros materiais estranhos que Burri cria e compõe seus quadros. Antes de tudo, para senti-los, é preciso vê-los de perto, e não por reproduções. Trata-se de uma pintura pobre (no sentido material) porque feita à base de miséria e pobreza. (Aqui abrimos um parêntese para dizer que não estamos falando do homem, mas sim de suas obras. Não nos interessa que ele seja pobre ou não). Parece-nos até que foi feita por um de nossos miseráveis irmãos sertanejos. É aí que ele adquire um caráter universal: onde existir miséria e


pobreza elas estarão retratadas nos quadros de Burri. Seja a miséria e a pobreza de um bairro italiano, nova-iorquino ou do Recife. É bem possível que o pintor não tenha tido a menor intenção de manifestar esse problema socioeconômico, o que, aliás, também não interessa, pois se alguém o sentiu é porque ele existe. É possível que a sua preocupação tenha sido apenas de ordem técnica e estética. Muitos talvez o sentiram sem perceber, por um processo inconsciente. Pode, também, ser o caso do próprio Burri. Este curioso fenômeno psíquico existe frequentemente nas obras de arte: um problema é posto sem a participação consciente e direta do artista. Voltemos, porém a atenção para a apreciação de um fato importante: para o apreciador de arte não avisado, o primeiro contato com os quadros de Burri causa tal impacto emotivo que o apreciador só tem duas atitudes a tomar: ou correr ou ficar, ou admirar ou se enojar. Já dissemos que Burri não admite concessões. Para ele, é tudo ou nada. No entanto, há uma terceira atitude que é a que sentimos quando vimos pela primeira vez expostas na V Bienal de São Paulo algumas de suas “telas”. O que sentimos foi um misto de atração e repulsão. Sentíamos que estávamos diante de algo novo e tão chocante que não sabíamos se apreciar ou se desprezar. Aos poucos, isto é, com o correr dos dias, aqueles quadros nos foram tomando e pouco a pouco nós nos sentíamos como se uma nova sensibilidade houvesse nascido dentro em nós. Burri, com apenas um quadro seu, nos sensibilizava mais do que toda a representação dos Estados Unidos, formada por jovens pintores americanos pomposos, vazios e exibicionistas, com seus “quadros”. Enormes, de metros e metros de esterilidade. Publicado no Diário da Noite em 25.05.61 97


da crítica

albert ryder, pintor místico

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Devido à noção arraigada que temos de que a mentalidade do povo estadunidense é “prática, objetiva e extrovertida”, dificilmente podemos imaginar um americano místico. Tal noção, em realidade, corresponde à demonstração dos fatos, pois nação alguma do mundo adota uma filosofia utilitarista e prática com tanto fervor e entusiasmo como os Estados Unidos. Portanto, falarmos de misticismo americano é como se considerássemos os brasileiros, um povo racionalista. Isto não impede, todavia, de encontrarmos nos States, pessoas com acentuada tendência mística, uma vez que, justamente o predomínio e a vulgarização de um sistema de vida cem por cento prático, levam o individuo (se portador daquela tendência) a procurar de alguma forma uma compensação a um alheamento do meio em que vive, e que chamamos geralmente uma “fuga”. A nossa época é, de certo modo, pouco propícia a tais realizações para as pessoas que desejam esse afastamento. Por isso são raros os casos particulares, que pouco afetam o todo, constituindo mesmo exceções. E não podemos nos furtar em considerar Albert Ryder uma exceção. Apesar de que tenha vívido no século passado, quando não existia ainda o absoluto império da técnica, nem a sociedade americana daquele tempo fosse tão padronizada como nos dias que correm, ainda assim podemos considerá-lo um marginal. E não só um marginal social (pelo que sabemos de suas excentricidades) como, e principalmente, um marginal da arte de seu tempo,


talvez de toda a história da pintura americana. Albert Ryder muito se aproxima dos artistas europeus tidos como “malditos”. No seu caso porem, essa denominação será aplicada um pouco suavemente, sabendo-se, como se sabe, que sua marginalidade existia nele como coisa natural, inerente à sua própria constituição artístico-psicológica. Não era como em Goya, uma revolta e um desespero, criados em diferentes bases sociais e humanas, e sim uma independência de seu espirito, avesso ao convencional e ao terra-a-terra. Ao contrário dos pintores seus contemporâneos, que eram todos naturalistas e procuravam transpor para a tela o ambiente urbano e paisagístico que copiavam sem nenhuma intenção criadora, Ryder nos surge como um artista no seu mais alto sentido, pois as suas obras nos mostram, antes de tudo, o seu poder de criar, de transformar, precedido por uma assimilação e penetração dos mistérios do mundo e da vida. Nele a revelação desses mistérios é dada de forma diferente. Em Rouault, por exemplo, é a angústia e o desespero religiosos que lhe dão uma nova visão existencial, espiritualizando o seu mundo artístico. Em Ryder, a descoberta e a revelação são feitas através da contemplação, não porém, totalmente mística. A revelação artística é, em suma, a descoberta do que se deve fazer, de como fazer, ou seja, o estilo. Albert Ryder, mais do que ninguém, era cônscio dessa revelação, pois ele próprio a descreve: “Vi a natureza brotando para a vida 99


sobre a minha tela morta. Era melhor que a natureza, pois vibrava com a emoção da criação nova”. Como todo místico, nele também o processo de criação se elaborava partindo de uma visão subjetiva. O mundo exterior apenas lhe dava o material que ele recolhia em sua mente e o devolvia depois em suas telas, despojado de suas características habituais. No território do subconsciente, brotavam, dia a dia, mais esplêndidas, as paisagens de cores maduras, de luz irreal (que muito lembram a Rembrandt) nascidas, no entanto, do real mundo subjetivo.

da crítica

Publicado no Diário da Noite em 21.09.61

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o lirismo paisagístico de guignard

Exímio e refinado colorista, Alberto da Veiga Guignard transitou com extrema facilidade e muita sensibilidade em três gêneros de pintura: o retrato, a paisagem e a natureza-morta. Sem dúvida alguma influenciado pelos pintores do século passado, como Van Gogh e Bonnard, e do conterrâneo Matisse, Guignard soube também absorver certos ensinamentos dos mestres chineses antigos na pintura de paisagem de grande refinamento e maravilhoso cromatismo. A perspectiva aérea criada pelos chineses foi esplendidamente usada por Guignard em suas paisagens mineiras, nas quais confirma o destacado talento colorístico aliado a uma visão onírica e lírica de seu tempo. O mundo pictórico visual desse artista de ascendência francesa por parte de pai, reflete e projeta um lirismo poético que é fruto da sua própria maneira de ver o mundo, não o dramatizando, mas, ao contrário, tornando-o mais ameno e suportável, onde a utopia da beleza plasmasse as formas e as coisas por ele retratadas. Parece-me que, no panorama da pintura brasileira deste século, nenhum pintor conseguiu, com mais leveza, sutileza e criatividade, captar de forma tão poética e lírica a paisagem do mundo externo, quer do campo, quer da cidade. Embora os seus retratos e naturezas-mortas sejam igualmente notáveis, é na paisagem que Guignard encontra a sua mais alta expressividade lírica, possivelmente porque nela, ou nelas, realizasse melhor e mais adequadamente o seu desejo de maior liberdade, até mesmo de fuga ou de encontro com regiões etéreas, criando para si alguns 101


mundos cuja suprarrealidade encanta o espectador de olhar mais acurado e sensível e que tenha por tais “visões” paisagísticas uma profunda empatia. Guignard é, sem favor, um dos nossos maiores pintores líricos contemporâneos, um desses artistas privilegiados que conseguem, com pequenos toques mágicos, aliviar o mundo de suas tensões e agruras.

da crítica

Casa Forte, 1996 (confirmar)

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sobre alfredo volpi

Em 1959, na Galeria Ambiente, em São Paulo, meu amigo Paulo Mendes de Almeida (naquela época diretor da Bienal de São Paulo), diante de um senhor forte e corado, não aparentando os seus sessenta e tantos anos, indagou-me quem era. Eu não sabia e fiquei calado, constrangido pela situação incômoda. Tratava-se de Volpi, que só em 1962 vim a conhecer melhor, quando morava em São Paulo, tendo sido convidado para uma festa de aniversário em homenagem ao grande pintor. Tendo passado algum tempo fora do Brasil, só em 1966 reencontro Volpi no atelier do pintor Décio Vieira em Copacabana, no Rio, onde ele costumava se hospedar duas ou três vezes por ano. Foi aí que, vez por outra, encontrava Volpi, ora trabalhando, ora participando de alguma conversa (mais como ouvinte do que interlocutor) com o Décio ou algum visitante. Volpi falava pouco e detestava teorizar sobre arte. Conta-se que, em sua casa, estavam reunidos os irmãos Campos (Augusto e Haroldo), Décio Pignatari, Mario Schenberg e Umberto Eco, este de visita a São Paulo, e não sei mais quem, conversando sobre arte e literatura, quando Volpi levanta-se e diz: “Vocês fiquem aí conversando, que eu vou trabalhar”. E se foi para o atelier. Havia algo de monge zen nele: o trabalho diário, disciplinado, o amor pelo que fazia, uma certa religiosidade em seu fazer silencioso e limpo, puro. A sua própria pintura já transmite isto: uma arte luminosa, construída em cima de formas e cores que se expressam por si próprias, tendo alcançado nos últimos anos uma autonomia total, 103


livre de injunções ou sugestões extra-pintura, assim considerada como linguagem que contém suas próprias leis. Importante para isto, em sua obra, foram o afastamento gradativo da representação figurativa e o emprego da têmpera em lugar da tinta a óleo. Sua pintura, a partir da década de 40, se torna mais luminosa e a matéria mais refinada, tudo indicando que a escolha pela têmpera se tornou indispensável para a sua evolução artística e artesanal; dificilmente ele teria conseguido com tinta a óleo os efeitos obtidos com têmpera. Apesar de que a sua pintura (o colorido e a matéria) guarda ressonâncias com a dos muralistas pré-renascentistas (talvez inconscientes) e alguns temas tenham perpassado em sua obra, como é o caso dos mastros (lembram os torneios medievais) e das catedrais, sua obra no final da sua vida (última década) torna-se cada vez mais independente de qualquer dado referencial, criando seu próprio código de valores plástico-visuais, que é, na verdade, o objetivo de toda arte livre e autêntica. Volpi cumpriu seu círculo vital e artístico de uma forma exemplar, a sua expressão pessoal na pintura atingiu aquela meta que todos nós artistas desejamos: a perpetuação no tempo.

da crítica

Casa Forte, 1988

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«

«das instituições


defesa da pintura

Vi e ouvi, na TV, entre incrédulo e surpreso, a fala absurda do curador da Bienal de São Paulo tratando com desdém e ultraje o suporte tradicional da tela, chamando de “este pedaço de pano estirado” ou coisa semelhante, querendo ele dizer, equivocadamente, que a pintura estava superada por outras formas de arte tais como performances, instalações, vídeos, etc. Sendo ele, se não me engano, professor de Artes da USP, deveria saber que “este pedaço de pano estirado” serviu para a realização de obras primas como “Lição de Anatomia” e “A Ronda Noturna”, de Rembrandt; “As Fiandeiras”, “A Rendição de Breda”, “As Meninas”, de Velazquez; “A Virgem dos Rochedos”, de Leonardo da Vinci; “La Mort de Germanicus”, de Poussin; “A Leitura”, de Vermeer, estas algumas das centenas de obras primas criadas desde o surgimento da pintura a óleo provavelmente no século XIV, muito antes dos irmãos Van Eick, segundo Edson Motta em seu livro “Iniciação à Pintura”. De lá até hoje, no suporte bidimensional da tela, estão registrados e concretizados o Renascimento Italiano e o Alemão, a pintura flamenga dos séculos XV, XVI e XVII, o Maneirismo (em seu verdadeiro sentido como o explica Gustav R. Hocke), o Barroco, o Neoclássico, o Romantismo, o Naturalismo, o Impressionismo, o Simbolismo, o Fauvismo, o Expressionismo, o Cubismo, o Surrealismo, o Suprematismo, o Construtivismo, o Futurismo, o Tachismo, o Expressionismo Abstrato, a Arte Cinética (virtual), a Pop Art, o Minimalismo, a Transvanguarda e o Neo-Expressionismo, deixando de citar, propositalmente, outros movimentos e escolas surgidas ao longo destes 107


das instituições 108

séculos. Pois bem, em todos estes movimentos e escolas, “este pedaço de pano estirado”, ou seja, a tela, foi empregado como suporte para a projeção e realização pictórica de seus autores, conforme as ideias de cada um, e este é um fato notável pois, a mesma tela branca recebe diferentes cores, formas e matérias segundo a projeção mental e intelectual de cada artista, isto sem considerarmos pintores como Rousseau, ou os nossos José Antônio da Silva ou Chico da Silva, näifs, pintores intuitivos, não teóricos. Sabemos hoje em dia que a sede do pensamento, das emoções, das sensações, é o cérebro. Ver um quadro é uma operação bastante complexa e abrangente. Não preciso tocar nas maçãs de Cézanne para saber e sentir a sua forma, peso e até um certo odor característico de um fruto. Percebo que um quadro de Braque ou Picasso, cubista, tem uma volumetria desdobrando o objeto, facetando-o, fragmentando-o, embora os cubistas rejeitassem a terceira dimensão oriunda do Quattrocento Italiano. E, apenas olhando, percebo o movimento virtual das telas de Marinetti e G. Severini ou ainda os movimentos e vibrações das telas de Vasarely ou de outros artistas cinéticos que, embora usem formas tridimensionais, também usaram a tela. Ninguém disse melhor do que Leonardo da Vinci ao declarar que “Pittura é cosa mentale”. Claro, pintura é uma arte para pessoas sensíveis e inteligentes, não é para idiotas, isto, é claro, em se tratando da boa pintura. A pintura, seja ela em madeira (painel) ou tela, é uma arte muito peculiar, com o seu sentido de singularidade, ou seja, ela tem o caráter de ser única em seu aspecto de execução e concepção. O crítico de arte norte-americano Clement Greenberg chamava a isto de “univocidade”, o mesmo que escrevi acima. Nenhuma instalação feita nesses últimos cinquenta anos, a partir de Duchamp, passando por J. Beuys & Cia. chega sequer aos pés do genial quadro de Velazquez “As Meninas”, do qual Picasso fez 46 variações em tela, talvez o quadro mais complexo jamais pintado.


Nada tenho contra as instalações, tendo eu mesmo realizado entre 1968 e 1969, no Rio de Janeiro, quando lá vivia, alguns esboços e estudos de arte ambiental, termo que foi substituído por instalação. Considero um equívoco dos maiores a subestimação verbalizada pelo curador-chefe da Bienal de São Paulo em relação à pintura. Já na Bienal de 1994, o mesmo curador aqui citado, incorreu no mesmo erro, de modo menos grosseiro e primário como agora, tendo na época, de forma um tanto agressiva, respondido a ele o pintor Julian Schnabel que, aliás, fez um filme sobre Basquiat recentemente. Nesta atual Bienal de S. Paulo, o ponto alto e mais importante não são as instalações e performances, mas as salas especiais de Paul Klee, Picasso, Edvard Munch, Wilfredo Lam e Goya, que entrou a fórceps como moderno. Neste caso por que não botar Bosch e Brueghel como precursores do Surrealismo? São estes pintores (mais outros que estão lá) que têm os seus “pedaços de panos estirados” (leia-se tela) que formam o núcleo mais importante da Bienal e é curioso que o professor Nelson Aguilar não se apercebeu da enorme contradição em que caiu. E ainda no plano da pintura, mesmo não sendo em tela, há o grande mural do norte-americano Sol LeWitt, um trabalho que deveria ser preservado, assim como a pintura mural africana dos Ndebele, que formam, as duas, interessante realização pictórica, representantes de culturas tão diferentes. As instalações, que viraram modismo e não constituem novidade, muitas vezes são obras bastante interessantes quando o autor, além do talento, sabe adequar a sua ideia à realização do trabalho. Muitas instalações feitas nas últimas décadas se ressentem de uma melhor realização conceitual, pois alguns artistas “ouviram cantar o galo”, mas não sabem onde. Quando bem concebida e realizada, uma instalação, sem dúvida, merece a nossa admiração e reflexão, de modo que, como já disse, nada tenho contra as instalações. No entanto, há uma coisa perturbadora: só existe a História da 109


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Arte porque existe um acervo artístico conservado há milhares de anos, muito embora saibamos que muita coisa foi destruída ou se perdeu. Na Bienal de São Paulo de 1994, depois de fechada, cerca de 80% das instalações ali mostradas foram para o lixo. Isto é preocupante. Ou seja, a obra de arte (no caso instalação) deixou de existir, tornou-se peça efêmera, nada restou dela, a não ser o registro fotográfico e cinematográfico, o que não é a mesma coisa, tratandose de linguagens diferentes. As instalações da atual Bienal irão para onde? Para o lixo? Talvez uma ou outra seja preservada, mas devido ao grande espaço geralmente ocupado por estas manifestações de arte, fica difícil para os museus e galerias tê-las em seu acervo, o que constitui um enorme problema. E assim, a História da Arte terá um grande buraco, pois se as instalações (termo um tanto inadequado) vão para o lixo, o que restará da sua memória? Fotos? Não é a mesma coisa. Por fim falemos um pouco da própria Bienal e do seu tema “A Desmaterialização da Obra de Arte no Fim do Milênio”. Para começo de conversa, o tema não é novidade nenhuma. Em 1973, a crítica de arte norte-americana Lucy Lippard escreveu um ensaio intitulado: “Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972. New York. 1973.” Está no livro “Conceitos da Arte Moderna”. Do ponto de vista semântico, o termo “desmaterialização” é impróprio, já que o mesmo significa imaterialidade e aniquilamento da matéria. Seria mais apropriado e adequado o uso da palavra transformação, ou transmutação ou ainda transmudação. Mas, já que o curador persistiu no termo adotado, deveria ter realizado salas especiais de Yves Klein, Lúcio Fontana, Alberto Burri e Frank Stella, entre outros, inclusive Miró. Todos eles, de uma maneira ou de outra, violentaram ou alteraram o suporte tradicional.


A própria questão do tema é discutível. Imaginemos que aqui no Recife haja algum artista fazendo algo interessante (e há), mas cujo trabalho fuja do tema da “desmaterialização”. Ou em Belém do Pará, ou em Curitiba, ou em Marselha, Munique, Kyoto ou na Cochinchina. Então se deixa “de escanteio” uma obra de qualidade, seja ela de qualquer categoria, só porque não está enquadrada no tema dado? A Documenta de Kassel, pelo menos, não comete este erro. E agora mesmo lembrei-me de dois grupos de artistas nos EUA, um em Nova York e outro em São Francisco (presumo que ainda existam) que trabalham verdadeiramente com a desmaterialização do suporte, desde a década de 70. Eles empregam um tipo de luz cuja fonte não é vista, e criam no centro do espaço de uma grande sala a ilusão de volumes. O espectador tem a impressão de que está vendo sólidos blocos com formas geométricas e nada disto na verdade existe. A arte holográfica e a arte cibernética poderiam ter destaque nesta Bienal, isto se considerando o tema dado. Voltando à pintura, é ingenuidade ou falta de lucidez considerá-la superada ou extinta; ainda tem um longo caminho pela frente. Não é o caso, porém, das bienais; estas ou se reestruturam ou terão um fim melancólico, dentro de 15 ou 20 anos. Na verdade, o que precisamos é de grandes exposições compactas e não fragmentadas como está ocorrendo. É necessário também que os críticos de arte e os curadores não subestimem a arte da pintura, que é um procedimento atávico, nas diferentes formas como ela é feita, seja qual for o suporte, quaisquer que sejam as concepções, e nisto está a sua grandeza e universalidade. Em qualquer cultura, de qualquer povo, em todas as épocas, a pintura sempre existiu como expressão, e até na recusa de algum tema, e nas suas infinitas formas de transformações, no seu pluralismo.

Casa Forte, 10 de outubro de 1996 111


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a respeito do salão do estado

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No dia 7 de setembro teremos inaugurado mais um Salão Oficial de Pintura (que deveria ser de Artes Plásticas), o vigésimo patrocinado pela Secretaria de Educação e Cultura e pelo Museu do Estado de Pernambuco. Eis aqui uma realização artística que bem melhor poderia ser efetuada, se para isso existisse uma contribuição mais eficiente do poder público. Os salões anuais têm sido organizados de tal forma, que só os participantes dos mesmos comparecem à inauguração, sendo a frequência de publico praticamente nula. Diremos que, até mesmo os artistas locais, muitos deles, nem sequer se dão ao trabalho de uma pequena visita ao Museu, sem falarmos da esquivança em concorrer aos prêmios. Estes são tão insignificantes e mixurucas (usando uma expressão sulista) que não despertam o menor interesse de se obtê-los. Por isso, propomos ao Sr. Diretor do Museu do Estado e ao Sr. Secretário de Educação e Cultura, que sejam melhorados os prêmios, pois desse modo os artistas locais se interessarão em concorrer ao Salão. O Reitor da Universidade do Recife poderia instituir (como fez o extinto Reitor Joaquim Amazonas) uma premiação para os trabalhos expostos. Outro fato que exige atenção é o da publicidade: 1º) Os catálogos deveriam ser melhor confeccionados; 2º) Deveriam ser impressos cartazes anunciando a abertura e a duração do Salão e colocados em lugares frequentados, como


o Aeroporto, a Estação Rodoviária, Estação Central, Galerias de Arte, Universidades, Colégios, Livrarias, etc. Anúncios através da Imprensa, Rádio e Televisão. Assim feito, a frequência aumentaria e o público entraria em contato com os artistas da terra. Recife é uma cidade de 1 milhão de habitantes, já possui público para exposições de arte. O que falta, a nosso ver, é um maior interesse e entusiasmo dos patrocinadores e das entidades que promovem o Salão Anual. Que o Dr. Jose Maria de Albuquerque, diretor do Museu do Estado, bote a máquina para funcionar, pressione o Sr. Secretario de Educação e Cultura, movimente os artistas e intelectuais no sentido de obtermos um salão à altura dos nossos pintores, desenhistas, escultores, arquitetos e gravadores e, assim fazendo, projetaremos o nome de Pernambuco através dos estados vizinhos, atraindo artistas de todo o Nordeste que vivem à espera de uma oportunidade para tornar conhecidos os seus trabalhos. Cabe ao Recife, Capital do Nordeste, o privilégio e a obrigação de se tornar centro cultural e artístico desta parte do País.

Publicado no Diário da Noite em 31.08.61

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por uma bienal nordestina

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Praticamente isolado, o Nordeste padece a agonia de se ver discriminado em vários setores da arte, sem que os poderes públicos tomem qualquer iniciativa. Isto em relação aos dois centros do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Por incrível que pareça, o Recife vem se deteriorando a cada ano que passa. Não temos mais editores. Quantos cinemas foram fechados? O Rivoli, o Coliseu, o Boa Vista, o Ideal, o Torre, etc., etc... Aqui não aportam mais as companhias de ópera, de ballet, sinfônicas, indo todas para o Sul, principalmente o eixo Rio-São Paulo, e é sobre este hegemônico que queremos falar. Que há uma hegemonia (poder e preponderância de uma cidade sobre as outras) cultural do Rio de Janeiro e de São Paulo sobre o resto do país, é fato reconhecido pelos próprios cariocas e paulistas. No caso das artes plásticas, também é flagrante esta realidade. Os grandes museus, as melhores galerias, os grandes salões de arte, a Bienal de São Paulo, se situam no citado eixo. O poder econômico, sem dúvida, desempenha e atua como força impulsionadora e sustentadora do que lá se realiza ou já existe. Se aqui não temos este poder econômico temos, no entanto, uma força criadora no campo das artes, reconhecida por todos. Façamos desta força o ponto de apoio, a base para a realização de algo maior. Proponho uma Bienal do Nordeste, como polo congregador de toda esta vasta região propiciadora de tantos talentos artísticos. Além de sua função eminentemente cultural, uma Bienal do Nordeste no Recife serviria também como incentivo ao turismo


nacional e internacional, trazendo divisas para o nosso Estado. Que o Governo do Estado de Pernambuco, que a Prefeitura do Recife, a EMPETUR, a Secretaria de Cultura, a FUNDARPE, encampem este projeto, criando formas e meios para que o mesmo possa vir a ser concretizado o quanto antes, pois esta é uma ideia que não pode cair no vazio. Caso contrário, algum outro estado a realizará. Casa Forte, 19 de julho de 1988

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salão nacional, vanguardas e outras mumunhas

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Apesar de que todas as atenções estejam, neste momento, voltadas para a próxima eleição presidencial e apesar das declarações alarmistas e cretinas do senhor Mario Amato, que deveria ser enquadrado por crime contra a segurança nacional, está havendo uma polêmica cultural e artística em torno do XI Salão Nacional, de grande importância para todos nós, neste momento de transição política e histórica. Tendo participado em 1983 do júri de seleção e premiação do Salão Nacional de Artes Plásticas (título que é, em si, generalizante) composto naquela época por sete pessoas de vários estados do País, incluindo o então diretor do INAP-Instituto Nacional de Artes Plásticas, Paulo Herkenhoff, esse júri funcionou tendo como base critérios por ele próprio estabelecidos, e não impostos por aquele órgão. A polêmica que está acontecendo deve-se ao fato de que os critérios adotados na seleção e premiação dos artistas concorrentes foram impostos pela direção do INAP, como um dogma que a Comissão de Seleção teria que adotar em seus trabalhos de triagem. Os critérios adotados, segundo estou informado, foram os de “materialidade e de representação”. Tudo bem. Acontece que não foi a Comissão de Seleção que os formulou, e sim a direção do INAP, sendo assim cerceada a Comissão no seu direito de adotar livremente os critérios de seleção que considerasse melhores. Penso que, a cada ano, caberá à Comissão de Seleção e Premiação estabelecer os critérios que regerão seus trabalhos, com toda a liberdade que a função exige e não aceitando dogmas pré-estabelecidos.


Pois, se os critérios viram dogmas a serem aceitos anualmente pelas comissões que se sucedem, isto quer dizer que se trata de um jogo de cartas marcadas e quem não tiver o naipe escolhido por antecipação ficará automaticamente fora do jogo. Dito isto, quero dizer que considero a destituição de Iole de Freitas do cargo que ocupava frente ao INAP, um ato arbitrário e autoritário. A discussão que está havendo agora deveria ter acontecido há muito tempo, pois o Salão Nacional não é feudo de ninguém, não deve e não pode ser, daí que deveria haver uma assembleia a nível nacional para o encaminhamento e solução destas questões. Se os critérios adotados por este XI Salão foram os da materialidade e de representação, cabe aos seus organizadores esclarecer o que entendem por estes dois termos, pois eu, particularmente, faço uma leitura diferente deles, bastando dizer que o pintor Arcângelo Ianelli (um dos maiores do Brasil), preenche, a meu ver, a exigência do conceito de materialidade, apesar de empregar têmpera em suas telas (um suporte antigo), material este já usado no Antigo Egito e que José Cláudio, em vários de seus quadros, satisfaz também o conceito de representação, no sentido filosófico do termo. A não ser que seja dada uma conotação diferente e subjetiva a estas duas palavras e, se for assim, teremos uma nova Torre de Babel semântica. A discussão, esclareço logo, não pode ser a nível pessoal, mas intelectual e, para um melhor entendimento destas questões, começarei abordando o conceito de contemporaneidade. 117


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o conceito de contemporaneidade

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Contemporâneo é tudo aquilo que convive conosco no nosso tempo, mas o termo contemporaneidade deve ser tratado com mais elasticidade, pois envolve a questão da temporalidade histórica e assim não diz respeito apenas àquilo que é feito ou existe neste momento. Por sinal, muitas obras de arte que são produzidas agora carecem do sentido de contemporaneidade. O filósofo italiano Benedetto Croce criou a doutrina da contemporaneidade de toda a História (Teoria e História da Historiografia) segundo a qual, o passado histórico (não só o mais recente, como também o mais remoto) pode estar impregnado do sentido de contemporaneidade, desde que aquilo que se torna objeto de nosso interesse é resgatado para o nosso momento histórico e compreendido e sentido como elemento que não perdeu a sua vitalidade, já que “só um interesse da vida presente pode mover-nos a investigar um fato passado”, como assinala A.Waismann. Assim, o passado se torna coisa viva, atuante e não morta, como queriam os positivistas. Partindo deste raciocínio croceano, que via na História um processo vivo e atuante, fica mais fácil compreender porque artistas como Piero della Francesca, Paolo Ucello, Rembrandt, Velasquez e outros, convivem conosco até hoje e são apreciados exatamente porque não perderam o sentido de contemporaneidade. Eu poderia ir mais longe e citar artistas da Antiguidade. Se o passado fosse morto, e não pleno de energia, iriamos descartar automaticamente tudo o que a ele pertencesse. Mas o homem é um animal cumulativo, daí a necessidade de se formar um acervo histórico, que nos serve de arquivo e fonte das experiências e conhecimentos do que foi realizado no passado, que pode nos abastecer no presente e nos impulsionar, como uma mola, para o futuro. Uma das vedetes desta XX Bienal de São Paulo, o artista americano Frank Stella, tem o seu trabalho atual alicerçado em quem? Em Poussin, em Rubens, em Caravaggio, em Kandinsky, em Liubov


Popova. Ele sabe das coisas e percebeu inteligentemente que podia incorporar algumas realizações do passado (atualizando-as), o que está fazendo. Se o passado fosse letra morta, os grandes poetas gregos da antiguidade pré-clássica, tais como Homero, Hesíodo, Arquíloco e outros mais, não seriam lidos. E pergunto: ao ler o poema “A Grande Arte” de Arquíloco, não parece que estamos diante de um poeta do século XX?: ”Tenho uma grande arte/Eu firo duramente/ Aqueles que me ferem.”

o descrédito da vanguarda Sabemos hoje em dia que a palavra vanguarda perdeu a “aura” que tinha e só os desinformados e pretenciosos ainda a usam. Este termo (avant-garde) surgiu no século XVII e foi usado no vocabulário militar francês, significando a tropa de soldados mais adestrados e fortes, que vai na frente para a batalha. Tal expressão só veio a ser empregada no campo das artes, com mais assiduidade e empenho, a partir do começo deste século, na França, estendendo-se para o mundo ocidental até que, no final da década passada, passou a ser questionada. De fato, além da pretensão daqueles que se consideravam vanguardistas (aos quais, por sinal, fui atrelado durante muito tempo pela crítica do Sul) e que se colocavam à frente dos demais artistas que não rezassem pela mesma cartilha, havia ainda o fato de que todo movimento considerado vanguardista surgia automaticamente natimorto, já que, passados alguns anos apenas, outro movimento vinha a substituir o anterior, e assim por diante, fazendo crer que a criação artística morria periodicamente, tendo que ser renovada no curto espaço de tempo entre uma Bienal e outra ,ou (vá lá) entre uma quadrienal (Kassel) e outra. Por esta lógica absurda e implacável, o Cubismo teria anulado o Expressionismo, o Dadaísmo anulado o Cubismo, o Surrealismo 119


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anulado o Dadaísmo, o Abstracionismo anulado o Surrealismo, e assim por diante. Ora, nada prova que Kandinsky estivesse à frente de Picasso ou este à frente de De Chirico. Isto se deve ao equívoco de certos artistas, ao considerarem que há progressismo em arte, como se esta tivesse as mesmas características da tecnologia e da ciência. Como vivemos em um século em que a experimentação e a dinâmica da tecnologia exigem uma renovação e desenvolvimento constantes, criou-se a falsa ideia de que a arte sofre e exige o mesmo processo. Se fosse assim, os artistas cinéticos, que estão ligados à tecnologia, (ou estavam, já que não há mais notícias deles, o que é lamentável) seriam os donos da verdade. A ideia de vanguarda pressupõe não só o fato de estar à frente dos demais, como também a de que há um fim em si mesmo nesta busca frenética atrelada a um progressismo constante. Ora, nem os cientistas aceitam mais a ideia de finalismo, portanto, em arte, que é outro departamento, isto funciona menos ainda. Felizmente compreendeu-se que não é bem assim, de forma que, achar que o conceito de materialidade colocado pelos dirigentes do Salão Nacional é conditio sine qua non na produção e criação da obra de arte dita contemporânea, é incorrer em outro equivoco. Não é o simples uso de materiais considerados “contemporâneos” que irá provocar o surgimento de uma obra de arte de alto nível, ou de invenção original. Bastaria, neste caso, usar o acrílico, o nylon e o alumínio e a obra já surgiria imbuída de alta qualidade. Lembremo-nos que Kandinsky, Mondrian e Malevich criaram obras de arte de grande originalidade e invenção empregando suportes e materiais convencionais como a tela, pincéis e tinta a óleo de tubo. O material era convencional, mas a ideia, o conceito estético é que era o gerador do seu alto grau de inventividade. E o Cubismo, o movimento talvez mais importante deste século, não apareceu


com Braque e Picasso usando os mesmos materiais que já usara Vermeer? Com isto, não quero absolutamente descartar e minimizar o emprego de materiais e suportes diversos, mas apenas mostrar que, em determinados campos da arte (o da pintura, por exemplo) os materiais tradicionais ainda podem ser usados em função de uma ideia inovadora. Mas eu não arriscaria a afirmar com tanta convicção, como o fez Celso Marconi, de que o pincel e a tela jamais serão superados. Até porque tais materiais estão afeitos apenas a uma técnica, que é a da pintura. As várias categorias de arte têm a sua própria técnica e algumas formas de arte estão umbilicalmente ligadas à tecnologia, tais como a holografia, a arte de computador ou cibernética, o raio laser como instrumento e veículo de criações artísticas (a eletricidade, a luz, o gás neon) empregados em obras de arte cinética, etc. A meu ver, a diversidade e variedade dos meios de expressão, de invenção e de realização de arte, só fazem enriquecer culturalmente aquilo que chamamos de civilização. Trata-se apenas de uma escolha pessoal: usar pincel, tinta e tela, ou o computador e a holografia. Por sinal, dois dos maiores pintores brasileiros, ambos considerados de vanguarda, Eduardo Sued e Arcângelo Ianelli, pintores não figurativos, que fazem uma pintura geométrica abstrata, trabalham com materiais convencionais: o primeiro com tinta a óleo sobre tela e o segundo com têmpera, um material usado desde a antiguidade.

academicismo e hegemonia do eixo rio-são paulo O sentido restritivo dado por Raul Córdula ao termo academicismo em sua carta para Celso Marconi leva-nos a uma outra leitura e interpretação: esta expressão não está só ligada às Escolas de Belas Artes, até porque hoje em dia creio que elas não mais existem. 121


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Emprega-se este termo em sentido mais abrangente, significando academicismo toda arte que é realizada a partir de determinadas fórmulas e conceitos já usados e repetidos. Por exemplo: a repetição e continuação do chamado neoexpressionismo já são consideradas uma forma de academicismo, porque vêm se repetindo continuamente, sem ocasionar nenhuma ruptura ou saída. Esta é também uma forma de academicismo. Existem outras. Todas demonstram que pode haver uma conotação deste termo fora das Escolas de Belas Artes e de Academias, de onde, aliás, este termo se originou, na Grécia Antiga. Não concordo com Raul quando diz que “reagir à hegemonia do eixo Rio- São Paulo é, no mínimo, uma ingenuidade”. Concordaria se, em lugar do verbo reagir, tivesse posto reconhecer, o que é outra coisa. De fato, não se pode deixar de reconhecer que há uma hegemonia do eixo Rio-São Paulo sobre os demais estados do País. Mas eu acho que seria saudável reagir a esta hegemonia. Como? Criando um polo cultural e artístico forte e dinâmico, uma Bienal do Nordeste, por exemplo. Devemos reagir, sim, a esta hegemonia e lutarmos e construirmos um centro dinâmico de cultura e arte, que emule com os do Sul. Na época do Renascimento Italiano, Roma rivalizava com Florença, assim como hoje em dia, Chicago e São Francisco rivalizam com Nova York. Porque, a aceitar passivamente esta situação, é melhor irmos todos para São Paulo ou para o Rio de Janeiro, mas esta não é a solução correta. Devemos melhorar o Salão do Estado, ampliá-lo, reformulá-lo, criar estímulos com premiações que mereçam de fato este nome. Criar um novo Museu de Arte Contemporânea, com instalações maiores e melhores, com ampliação do acervo através de aquisições. Fazer com que os marchands e marchandes se interessem e invistam mais na produção dos nossos artistas, pois temos aqui artistas de alto nível. E, repito, por que não criarmos uma Bienal do Nordeste?


Nós artistas, não temos condições para isto, mas o Governo do Estado, a Prefeitura, juntamente com os industriais e empresários, poderiam sacudir a poeira da inércia e da falta de visão social, cultural e histórica. Assim, o Nordeste poderia rivalizar com os grandes centros do Sul e, quem sabe, o Paulo Francis viria morar por aqui. Argh!

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Ilmo. Sr. FRANCISCO MATARAZZO SOBRINHO Presidente da Fundação Bienal de São Paulo

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Prezado Senhor Observando a XII Bienal de São Paulo, constatei um fato interessante: havia mais público junto aos trabalhos de participação (propostas ambientais, sensoriais, etc.) do que nas salas cujos trabalhos exigiam uma demorada apreciação contemplativa. Este é um fenômeno típico de nossos dias, cuja dinâmica se efetua sobretudo na ação, isto é, o espectador quer participar ativa e criativamente daquilo que lhe é mostrado, já que as possibilidades de criação, para ele, nem sempre estão abertas. Impressionou-me vivamente, por exemplo, a sala da representação alemã, pela ausência de público, dada a “frieza” dos trabalhos expostos. Não que não fossem de alto nível, mas de baixa comunicabilidade, no sentido de que o publico não empatizava com o que lhe era mostrado. A comunicação era feita, neste caso, seletivamente, para poucos. Ao contrário disto, os painéis do artista Fred Forest atingiram em cheio o desejo e a necessidade do público de participar, de algum modo, da Bienal. Fiquei realmente impressionado com o que vi e com o que li, nas folhas de papel penduradas nos painéis de Fred Forest. Parece-me que isto é um ponto de partida e de experiência. A direção da Bienal e os seus organizadores devem ter ficado atentos para este fato. Poder-se-ia, portanto, partindo da proposta do artista Fred Forest, ser feito o mesmo, de forma ampliada é claro, em relação à Bienal Nacional (Brasil, Plástica 74). Seria uma Bienal Aberta ou Bienal Experimental, usando-se um critério permissivo e receptivo até agora ainda não empregado em qualquer bienal, segundo penso. Sendo a Bienal Nacional uma bienal aberta, cujo critério de permissividade e de receptividade seriam os únicos existentes,


é claro que nenhum júri seria formado, nenhum júri de seleção, esclareço. No entanto, existiria um júri de premiação e os prêmios seriam de aquisição e de bolsas de estudo. A palavra permissividade talvez soe um pouco forte, mas aqui é empregada no sentido de permitir a todas as pessoas residentes no Brasil mostrar, de alguma forma e em seus vários e ilimitados níveis, aquilo que fazem ou que são capazes de realizar. A meu ver, seria uma experiência fantástica, muito embora perigosa e arriscada, uma vez que seria quase incontrolável. Mesmo assim seria possível estabelecer alguns pontos básicos visando alguma ordem e organização. Mas, por outro lado, esta experiência poderia, pelo confronto criado, gerar nos artistas participantes um maior grau de consciência e responsabilidade, pois deles, em princípio, é que dependeria o êxito ou o fracasso da Bienal. Em suma, ao artista seria dada uma parcela de responsabilidade na parte organizacional da Bienal, através da escolha, envio e, em certos casos, da própria montagem dos trabalhos.

pontos básicos de organização A Bienal, através dos órgãos de comunicação, em todo o País, convidaria a todas as pessoas nascidas ou residentes no Brasil, a participarem com quaisquer tipos de trabalhos da Bienal Nacional (Brasil, Plástica 74) que eu, aqui, chamarei de Bienal Aberta ou Bienal Experimental. Os artistas enviariam de 3 a 5 trabalhos, dentro das seções de desenho, gravura, pintura, escultura, objetos, colagem, montagem, etc. Em se tratando de propostas (qualquer que seja a modalidade) apenas um trabalho poderia ser enviado. Os temas seriam livres; todas as tendências seriam aceitas; não haveria júri de seleção; haveria júri de premiação. Os prêmios seriam de aquisição e de bolsas de estudo. A partir da data de divulgação do convite para a Bienal Aberta 127


(Brasil, Plástica 74) digamos 15 de março, os trabalhos que fossem chegando iriam sendo logo montados, até 15 de setembro. Desta data, até a data da inauguração, em outubro, seriam completados os trabalhos de montagem e de organização final. Seriam estabelecidas e criadas, desde já, seções de desenho, gravura, pintura, escultura, objeto, etc., com a finalidade de serem criados espaços organizados e específicos. As propostas (ambientais, sensoriais, conceituais, etc.) seriam colocadas entre as seções já referidas no item anterior. Em caso de que o pavilhão da Bienal não suportasse (do ponto de vista do espaço) o volume de trabalhos enviados (coisa que não acredito vá acontecer), neste caso a direção da Bienal entraria em acordo com museus e órgãos culturais (Salão Paulista, por exemplo) capazes de receber e expor o excedente. Seria criada uma Comissão Organizadora, para o recebimento e montagem dos trabalhos enviados, em caráter permanente. A montagem dos trabalhos/propostas ficaria a cargo do artista ou equipe responsável pelo mesmo.

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considerações

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Desejo fazer ver, uma vez mais, que a proposta que ora faço, teria um caráter eminentemente experimental. Pela primeira vez, seria a Bienal transformada em verdadeiro laboratório, sem discriminações, censuras, preconceitos e tabus. A vantagem dessa proposta é a de que, sendo uma Bienal aberta a todas as tendências e atuações artísticas no Brasil, os estudiosos, os críticos, as entidades culturais (como museus, fundações, salões, galerias, etc.) e a própria direção da Bienal, teriam uma visão de conjunto na qual, desde a manifestação da arte mais acadêmica até a mais vanguardista, lhes seriam mostradas como uma realidade de fato da atual situação artística brasileira. Muitos protestarão, numa atitude tipicamente elitista, achando que se deve separar o joio do trigo. A estes eu pergunto :quem é


que pode, atualmente, declarar com toda certeza, o que é joio e o que é trigo? Tendo o artista (foi Allan Kaprow que o disse) chegado ao ponto, neste século, de afirmar que “arte é tudo aquilo que o artista quer que o seja”, quem poderia contestar tal afirmativa? Além do mais, vivemos numa época de multiplicidade e não de unidade, ao contrário de outras épocas no passado, quando uma visão unitária do mundo podia reunir a todos dentro de uma só bitola. Vivemos também, de duas décadas para cá, uma espécie de liquidação de valores, fórmulas, etc., quase uma prestação de contas permanente de tudo o que o homem vem realizando em sua longa trajetória histórica. E isto tudo tem, evidentemente, uma razão de ser, pois estamos no final de uma época. Natural, portanto que, a esta altura, a Humanidade faça um balanço de todas as suas atividades, uma retrospectiva total de toda a sua obra. Eu, particularmente, acho que toda e qualquer manifestação criativa (artística ou não) é digna de respeito, uma vez que se trata de um depoimento pessoal, individual, seja de que nível for. É preciso que se compreenda que, se para um Duchamp existe determinado e restrito público, para um primitivo, ingênuo, ou o que quer que chamem, também existe um público diferente. Se existem níveis de diferenciação entre os artistas, também é fato que o mesmo ocorre entre os espectadores, o público. Havendo, como realmente há, no Brasil, um verdadeiro mosaico de culturas, é impossível, sob pena de se anular a participação de públicos diferentes, estabelecer-se qualquer critério normativo e seletivo. Existe, inclusive, uma defasagem cultural muito acentuada. Querer, por exemplo, que em Sergipe se faça arte cibernética, parece-me um absurdo. Mesmo numa cidade como Recife (a segunda do mundo em crescimento) conta-se na metade dos dedos da mão esquerda os que estão ou pretendem estar fazendo vanguarda. Não que a vanguarda tenha de ser necessariamente boa (algu129


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mas vezes é exatamente o contrário), mas por se tratar de movimentos que visam à superação do já feito, tentativas de abrir novos caminhos, é que ela deve ser estimulada e cultivada. Ora, tal acontece não só aqui em Pernambuco, como em quase todo o Brasil. Desta maneira, a defasagem fica mais acentuada quando se compara o que é feito entre o Rio e São Paulo em relação aos demais estados brasileiros (dos territórios, nada posso dizer). Não há, evidentemente, termos de comparação. Isto nos leva a uma total impossibilidade para a adoção de critérios seletivos, uma vez que a adoção de tal ou qual critério tem de ser baseada em modelos específicos e circunstanciais e também locais. O modelo sulista, por exemplo, está em desacordo com o modelo nortista ou o nordestino, e assim por diante. Porque, se uma comissão julgadora do Sul se desloca para o Norte, levará consigo, implicitamente, o modelo sulista. E vice-versa. Reconheço que a tarefa para a diretoria executiva da Bienal de São Paulo é bastante difícil, mas eu não vejo, no momento, outra saída. Isto não quer dizer que a minha proposta seja a única verdadeira, a única que possa ser aplicada. Pode ser que surjam outras, mais capazes e melhores, pois não me arrogo em dono da verdade. É possível que alguém veja com mais clareza do que eu agora estou vendo. Acredito mesmo que a soma de todas as propostas e sugestões que serão enviadas poderá lançar alguma luz sobre tais problemas. Finalizando, quero dizer que a minha proposta é dupla: é não só a minha modesta contribuição para a “Brasil, Plástica 74”, como também uma proposta- trabalho, uma vez que a realização de uma Bienal Aberta ou Bienal Experimental seria em si uma proposta aberta, no sentido de que todas as críticas, acréscimos, cortes, melhorias, etc., seriam tomadas como uma colaboração a este trabalho.

XIII bienal de são paulo A representação brasileira seria formada por quarenta artistas selecionados da Bienal Nacional (Brasil, Plástica 74) e dez ou quinze artistas


convidados pela direção da Bienal, que não tivessem participado da Bienal Nacional. Cada artista exporia dez trabalhos, no caso de desenho, pintura, gravura, escultura, objeto, etc., e um trabalho, no caso de propostas audiovisuais. Desta forma, todos os que participassem da Bienal Nacional teriam igual chance de participar da Bienal Internacional. Os artistas convidados seriam aqueles que estão (ou estavam) residindo no estrangeiro, ou artistas residentes no País, de inegável valor e cuja obra constitua em força representativa de nível internacional. O júri de seleção seria o mesmo composto para premiar os integrantes da Bienal Nacional. Com os cumprimentos de Montez Magno

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«catálogos de exposições «


o céu que nos ofusca

jairo arcoverde: retrato do artista

Trata-se de um holandês disfarçado. Poderia ser a reencarnação de Van Gogh ou de Brueghel, o Velho. Mas é neste último que me fixo, na sua fisionomia. Comparem o retrato de Brueghel, mais ou menos na mesma idade de Jairo, um desenho, e vejam como são impressionantemente parecidos. Nada a ver a pintura de um com a pintura de outro, portanto vamos até Van Gogh, um artista solar (dispensada à época do Borinage), como Jairo Arcoverde, este um nordestino do Nordeste brasileiro, cujo céu ofusca e protege. É a segunda vez (ou é a terceira?) que escrevo sobre a pintura de Jairo Arcoverde. Observo que o seu trabalho ao longo desses quinze anos, mais ou menos, mantém uma coerência digna de registro. Não há mais dúvida que Jairo encontrou o seu caminho e nele se mantém, apesar de insistirmos (nós, os observadores) em referenciá-lo com a e b, com artistas europeus (Klee e Miró), que sempre citamos como pontos de apoio à sua obra. Mas, qual o artista que não tem ligação com outro artista? Isto não tem a menor importância. Estou convencido de duas coisas: todo artista sofre influências, o que é bom, é positivo, é normal, não há nada de errado nisto; só pedantes e autossuficientes dizem “não sou influenciado por ninguém”. É, sim. Ou foi. O melhor é usar de honestidade e dizer: “fulano muito me influenciou, a ele devo muita coisa”. Aos poucos, a influência vai diminuindo e sendo absorvida, até que o artista passa a andar com os próprios pés. A segunda coisa da qual estou convencido é que, se um artista 133


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trabalha em cima das ideias de outro artista, da sua forma, mesmo que o seu trabalho pareça um duplo, se no começo chega a ser quase um carbono, com a continuidade, passados 30, 40 anos, a sua obra termina tendo um estilo próprio. Estas duas coisas são parecidas, mas não são iguais. No primeiro caso, há uma influência, às vezes até mesmo inconsciente; no segundo caso, o artista se apropria da ideia de outro artista e a desenvolve à sua maneira, ao seu estilo. No caso de Jairo, que é diferente, a constância e a coerência da sua temática, do seu universo radiante, luminoso e dionisíaco, mostram que ele fez a sua escolha. Miró? Miró muito deve a Klee; e já observaram como Calder deve muito a Miró? Por sinal, falando em Calder, muita coisa dele tem enorme parentesco com o origami japonês. Penso que tudo pertence a todos e apenas damos continuidade, de uma forma ou de outra, ao que foi ou ao que é feito pelo homem. A obra pictórica de Jairo irradia luz e calor, por isto mesmo chamo-a de solar. Mas ela também irradia um outro tipo de calor, mais subjetivo e emocional: sua pintura não é depressiva, mas entusiástica, de exaltação, quase uma epifania.Ela provoca e passa ao espectador uma sensação de conforto placentário, por isto ela vai aos primórdios e nos transmite uma primeira impressão do mundo. Ela é primitiva neste sentido: passa o sentimento primordial de assistirmos ao nascimento de formas primevas, originais. Nesta atual mostra, a linha tem papel de destaque em sua pintura, mas não se trata de linha convencional de desenho, mas é a linha-traço como forma adelgaçada ou forma comprimida que se manifesta em primeiro plano; linha plasmadora dos signos e de alguns símbolos, criando uma dinâmica de espaço pictórico que leva a um movimento ótico. O conjunto é ativo e virtualmente cinético. Refiro-me ao conjunto de formas e linhas em uma só tela, não ao conjunto de quadros expostos, que cria outro tipo de cinetismo. A espatulação do suporte (tela colada, lona, estopa, o que seja) cria uma base granulada propícia ao saltitante balé das cores em


Capa do catálogo da exposição na galeria Artespaço (Recife)


linhas distribuídas quase que numa coreografia aleatória. Os signos, geralmente referenciais à cultura visual indígena, dão-nos a sensação de algo mais ligado aos nossos antepassados pré-históricos e, sem dúvida, percebemos indicações quase paleográficas de um mundo a ser desvendado. São também grafites em tela, uma recusa às formas acadêmicas, uma bem dosada explosão de cores e signos, onde o preto faz contraponto ao branco, mas existindo sempre a presença destacada de cores quentes, fortes e vibrantes, amarelos, vermelhos atenuados por verdes e azuis que entram na paleta de Jairo, não só como referenciais simbolicamente paisagísticos, mas como meio de “esfriar” um pouco o campo visual e pictórico, que seria explosivo sem esse recurso atenuante. Trata-se de uma pintura para ser sentida mais do que pensada, pois é a exaltação do sensorial que ela realiza.

catálogos de exposições

Casa Forte, 1992

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sobre a pintura de plínio palhano

O que se nota de imediato na pintura de Plínio Palhano é a pincelada nervosa, inquieta, impulsiva, e seu desempenho técnico calcado numa gestualidade veloz; a sua paleta condicionada aos tons escuros, aos sépias avermelhados, só não se tornando monocromática por causa dos rápidos azuis e dos insinuantes verdes, ao mesmo tempo em que explosivos amarelos dão-lhe um toque passional de grito ou espasmo, tudo isso indicando que esse pintor é um expressionista, ou seja, um pintor que deixa aflorar as suas emoções e os seus sentimentos quase que numa violência expressional sem controle. Dissemos quase, porque se não o fosse, Plinio faria uma pintura puramente gestual e abstracionista, infernal e anárquica. Falamos que a sua pincelada é nervosa, inquieta, etc., e a partir daí podemos relacionar o seu modo de pintar com o de outros pintores pernambucanos atuais como José Cláudio, Ana Ivo e Piedade, todos eles pertencentes à mesma família de pintores expressionistas gestuais, em que pese a diferença entre eles e da temática abordada, e do maior ou menor conhecimento técnico-factual. A representação e a expressão são a tônica da pintura pernambucana, de agora e de antes, pois somos uma zona de resistência, como diria Marta Traba (crítica de arte argentina residente na Colômbia), uma vez que as influências externas , as informações visuais que nos chegam, são todas filtradas inapelavelmente, passam por um crivo do qual sobram algumas referências e revivescências são adaptadas. A arte pernambucana é conservadora, em geral; as exceções a isso são raras e nem sempre felizes. 137


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No caso de Plínio Palhano, a sua fonte maior vem de um trio de artistas dos mais expressivos, pois é em Soutine, Daumier e Van Gogh que Palhano encontra a sua base de apoio e parentesco, por afinidade eletiva, sendo isto reconhecido pelo próprio pintor. Ao nos referirmos aqui às influências, aos parentescos e afinidades do trabalho de Plínio com o de artistas estrangeiros, isto em nada o desabona, até pelo contrário, os seus mentores artísticos são todos de alto gabarito, o que já lhe é uma credencial considerável. Octavio Paz, por sinal, na introdução do livro “Sendas de Oku de Matsuo Basho”, diz que “el hombre es los hombres y la cultura, las culturas”, significando isso que tudo o que é humano pertence a todos os homens e a todas as culturas. De modo que, o receber influências ou ter afinidades com tal ou qual artista, deve ser encarado com mais naturalidade e não com preconceitos e provincianismos. Na exposição ora em curso, o tema abordado é o homem do campo, o trabalhador braçal dos canaviais, os cortadores de cana, a gente simples e humilde na sua rotina, repetindo os mesmos gestos na sua trabalheira cansativa, assim como nós, os urbanos, a nosso modo ou a modo diverso, também repetimos todos os dias os nossos gestos de ontem. Os próprios títulos já referenciam e, por sinal, reverenciam também a escolha dos temas abordados (Tombando Cana, Amolando Foice, Trabalhador Cortando Cana, Pondo Cana no Cambito, Água para o Trabalho, Ao Trabalho, etc.) o que mostra ser Plínio um artista preocupado (pelo menos plasticamente) com os mais desfavorecidos econômica e socialmente, sendo a pintura eivada de um sentimento dramático. Do ponto de vista meramente técnico, os quadros “O Trabalhador”, “Força” e “Tombando Cana II” são, a meu ver, os mais bem realizados, com a pincelada mais segura e um emprego mais denso e mais adequado de tinta. Parece também que as maiores dimensões das telas poderiam proporcionar ao pintor uma disponibilidade de espaço mais propí-



cia ao exercício de sua gestualidade. Há também uma tendência para a abstração informal quando as formas figurativas são meramente insinuadas ou, às vezes, quase camufladas, nem sempre havendo, portanto, uma concreção da figura. Sente-se, no conjunto, que a força da pintura de Plínio Palhano está na dramaticidade da expressão, na velocidade do gesto, levando o espectador mais pelo caminho da sensação, do sentir, da sensorialização, pois não se trata de uma pintura cerebral, muito embora também nos leve a algumas reflexões.

catálogos de exposições

Falta data e local

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a escolha de bete gouveia

Esta é a primeira mostra individual de Bete Gouveia, que poderia ter exposto os seus trabalhos há mais tempo, mas que preferiu, conscientemente, esperar até que pudesse exibir um conjunto de obras no qual transparecesse algum amadurecimento, dando-lhe mais confiança para entrar com o pé direito no circuito artístico local. Este momento chegou e, assim, Bete não perdeu nada em esperar, atitude que deviam adotar vários de nossos improvisados artistas, que se lançam em exposições apressadas, imaturas, embalados por elogios desprovidos do menor senso crítico, às vezes sem terem realizado um mínimo de estudos, completamente jejunos de conhecimentos técnicos pictóricos, num desrespeito total à coletividade, à cultura e a si próprios, pois quem expõe, se expõe. Felizmente para nós, não é o caso de Bete Gouveia, que vem, há quase dez anos, trabalhando silenciosamente, sem nenhuma ansiedade exibicionista, sem se preocupar com o mito curricular, esse grande enganador dos jovens carreiristas. A série de trabalhos de Bete Gouveia que será aqui enfocada, na qual o elemento vegetal (folhas de bananeiras) assume uma importância enorme no seu desenvolvimento pessoal e artístico, vem confirmar aquilo que ela, a pintora, já demonstrara possuir através dos trabalhos anteriores: talento. Sabe-se que é importante que o artista domine bem o seu métier, a técnica pictórica (quando pintor, é claro) para que, a partir da realidade factual, do fazer artístico, possa realizar obras nas quais o seu conhecimento dos materiais utilizados, venha a demonstrar a sua maestria.

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Quadro “Bananeiras”, de 19xx


No entanto, técnica sem talento jamais produzirá o que chamamos “obra de arte”. Também e ainda, não é o caso de Bete Gouveia, que embora não seja uma virtuose da pintura (mas tudo indica que caminha para isso) é portadora de um talento incontestável. A sua pintura atual, esta que está sendo exposta, percorre uma trajetória de grande ousadia e desbravamento em termos pessoais já que, partindo de um elemento da natureza, o elemento vegetal (a folha de bananeira) pouco a pouco ela vai se distanciando dele, a tal ponto que nos últimos quadros da série, aquele elemento que servira de ponto de partida deixou praticamente de existir, permanecendo, todavia algum resquício, uma espécie de “fragrância” da forma original. Nas primeiras telas (refiro-me a esta série das bananeiras) o colorido lembra muito o de Aldo Bonadei, pintor paulista já falecido, sendo que o “objeto” pertinente à sua escolha se desdobra em planos quase cubistas. Aos poucos, porém, esses planos vão sendo reduzidos, e as formas, ampliando-se, criam uma economia de espaço pictórico, ocasionando com isso uma quase ruptura com a realidade conhecida, a vegetal, da qual a artista se afasta por um processo gradativo de abstração. Aquilo que ainda serve de elo entre os últimos e os trabalhos iniciais é o que chamei acima de “fragrância”, é o resíduo colorístico, o tratamento da matéria pictórica (textura) que formam essa fragrância. Isto, do ponto de vista sensorial, diria quase olfativo, pois a pintura de Bete Gouveia exala uma sensualidade colorística e textural que, inclusive, é a tônica da sua personalidade criadora. Mesmo no uso de cores frias (os azuis, os verdes), essa sensualidade quente transparece, ela se evidencia pelo grau de expressão conseguido, daí ser justamente esse ponto que a afasta da abstração pura, muito embora, nas últimas telas, a presença do suprematista Kasemir Malevich se faça notar nas formas recortadas e amplas que invadem o espaço do quadro. Ora, esta presença malevichiana nos últimos trabalhos da série se torna evidente pela composição das formas retangulares recortadas (a geometrização do elemento vegetal) e inseridas no espaço também 143


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retangular da tela, sendo que um dos lados esfuma-se gradativamente, como se querendo fundir-se com o plano de fundo. Mas, o que separa Bete de Malevich é também o uso da cor, esta ainda ligada ao elemento vegetal, como se recusasse penetrar em elucubrações puramente formais e pictóricas, resistindo a uma autonomia completa. Esta resistência é típica dos artistas pernambucanos (salvo uma ou outra exceção) alguns deles podem chegar até um certo elemento de ruptura, depois o “nec plus ultra” (não mais além) estabelece uma barreira de vidro, invisível, da qual, creio, a maioria não tem consciência. Este ponto é, a meu ver, de suma importância para a evolução posterior da pintura de Bete Gouveia, pois ela se encontra agora numa encruzilhada: ou se fixa repetitivamente no que já conseguiu, ou dá uma guinada de 180 graus e envereda pelo difícil, penoso e quase sempre incompreendido caminho da abstração, que Mondrian chamava pura. Mondrian, por sinal, é o exemplo máximo que se conhece de desbravamento e despojamento da forma até as ultimas consequências, ele que partiu da paisagem e de elementos vegetais (árvores, flores) até chegar à pura geometrização do espaço pictórico. Tudo vai depender da própria pintora, ela é que poderá decidir-se entre os dois caminhos que agora estão à sua frente: ou se rende à facilidade do que já foi conseguido (e vai engrossar a turma dos acomodados e comercializados), ou se lança à aventura maior, que é o fulcro de toda arte autêntica, rompendo com o fácil e com a acomodação (e desse modo passará a evoluir em plena liberdade e autonomia de visão) gerando perspectivas mais sadias e mais convenientes para si própria. Espero que Bete Gouveia escolha o segundo caminho, aquele que a conduzirá ao nível artístico de uma Tomie Ohtake ou de uma Mira Schendel, pois a artista tem à sua disposição todo um universo muito rico de realizações e descobertas, já que talento e sensibilidade não lhe faltam. Local, 1983


abstração e realidade

Primeiramente observemos a peça “Cabeça de Ídolo”, escultura em mármore do ano 2.000 a.C., proveniente da Ilha de Amorgos, na Grécia, que se encontra atualmente no Museu do Louvre: não fora a legenda e eu diria tratar-se de um trabalho do escultor romeno Brancusi, tal o grau de abstração nela contido. Não tem olhos, boca, orelhas, nem cabelos. Só uma forma ovalóide, cortada rente no topo e uma forma triangular no lugar do nariz. E ainda assim reconhecemos, de imediato, tratar-se de uma cabeça humana. Salvo no período clássico grego, no Renascimento Italiano e no recente hiper-realismo, simplificando, nota-se o desejo e a vontade do artista em criar uma realidade autônoma, mesmo quando ainda está vinculado a algum dado formal da realidade objetiva, imediata e sensível. Para uns, foi o russo Wassily Kandinsky quem realizou o primeiro trabalho completamente abstrato, em 1910. Para outros, porém, foi o lituano Mikaloius K. Ciurlionis quem executou a primeira obra de caráter totalmente abstrato. Trata-se de uma questão bizantina (aliás, os ícones bizantinos têm um alto grau de abstração e a colagem provavelmente surgiu com eles), pois já Monet (Os Nenúfares), Turner (as marinhas), e Whistler (paisagens noturnas) haviam alcançado um grau elevadíssimo de abstração em suas pinturas, sendo eles os pioneiros da corrente abstracionista. Eu diria, por sinal já disse em textos sobre Anchises Azevedo e Eudes Mota, anos atrás, que toda arte visual tende à abstração. Corroborando esta afirmação, leio agora na pág. 681 do livro “História

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da Arte”, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o que diz o seu autor, o prof. H. W. Janson: “até a representação mais cuidadosamente realista é, em maior ou menor grau, uma abstração”. Para efeito meramente documental, digamos que o Abstracionismo, como movimento e corrente, surgiu no começo deste século, na Europa, tendo se desenvolvido e multiplicado ao longo deste nosso inquieto e turbulento século, em inúmeros segmentos e facções. Sem dúvida, foi o Cubismo o movimento detonador das primeiras obras de caráter abstrato, seguindo-se a ele, resumidamente, o Futurismo, o Construtivismo, o Suprematismo, o Neoplasticismo, o Concretismo, a Arte Cinética, o Tachismo, o Abstracionismo Expressionista, o Minimalismo e agora o Neogeometrismo (Neo-Geo). Existe, porém, uma divisão importante a ser destacada nos movimentos da arte abstrata (expressão posteriormente rejeitada por Kandinsky e Mondrian e que me parece também insatisfatória). Bifurca-se em duas linhas de visão e concepção: uma é formal, construtiva, geométrica, e a outra é informal, mais livre e espontânea, sem o rigor exigido pelos teóricos e praticantes da arte formal e geométrica. Outro dado a ser mencionado é o de que muitos artistas da linha formal geométrica (Kandinsky, Mondrian, Barnett Newman), ou menos formais (Yves Klein, Mark Rothko) tendem a realizações de arte de fundo místico-religioso. Por sinal, o tantrismo tibetano e hindu tem realizações no campo da estética que se anteciparam, há séculos, da arte geométrica ocidental. A estética tibetana tantra, por exemplo, chega a considerar que o suprassumo da abstração é o vazio, do que tiveram notícia, com certeza, Yves Klein e Mark Rothko, com a execução das suas telas monocromáticas, em que o despojamento formal atinge o máximo. O minimalismo americano da década de 60 também navegou por estas águas (Donald Judd, Sol LeWitt, Robert Morris, Ad Reinhardt, etc.) mas, não tendo o suporte conceptivo de fundo mais convincente, tratando a arte como mero deleite sensorial, desgastou-se por falta mesmo de uma proposta que transcendesse o olhar narcísico de seus


Catálogo da exposição coletiva “Abstração e realidade”, de 1990


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autores. E esta é uma questão a ser ressaltada: quando o artista realiza obras não figurativas, sem um suporte teórico mais profundo e convincente, corre o risco de realizar peças puramente decorativas, o que pode gerar e tem gerado reações do público leigo, ao se deparar com trabalhos cujo conteúdo inexiste e cuja “vida” e duração perceptiva são pequenas. Mas isto, digamos, não é apanágio da arte não figurativa (expressão também questionável), mas da chamada arte figurativa, na qual muitos desacertos e equívocos são cometidos em nome de uma pretensa verdade. Tal é o caso das contrafações encontradas pelo mundo afora, e também do conservador e autoritário Realismo Social. No Brasil, diz-se que foi o pernambucano Cícero Dias o primeiro pintor abstracionista a se engajar nesta corrente. Da década de 50 para cá, Pernambuco produziu vários artistas cujas obras se pautavam e se pautam por uma maior autonomia conceptiva, pela arte não representativa e não figurativa, tanto seguindo a linha formal geométrica, como a linha informal mais livre, geralmente mais organicista e visceral. No momento atual, esta mostra representa o que é realizado pelos artistas pernambucanos ligados a esta corrente, desde há algum tempo, ou mais recentemente. Tem a ligá-los o sentimento comum de que o campo das atividades artísticas não pode e não deve ser atrelado a ortodoxias de caráter estético-ideológico, mas que a arte constitui, provavelmente, o único território, hoje em dia, livre para a manifestação e projeção da utopia existencial do homem. Casa Forte, 8.10.1990 III Mostra de Arte Abstrata (1990) Galeria Metropolitana de Arte Aloísio Magalhães - Recife


a texturologia das calçadas de olinda aprígio e frederico

Leonardo da Vinci, no séc. XVI, ficou encantado ao descobrir, nos muros e paredes de Florença, todo um mundo de impressões e sugestões advindo da textura e das manchas neles existentes. Não sei se era hábito dos florentinos rabiscar desenhos e grafismos nos muros e nas calçadas, mas é possível que sim, porque essa prática é inerente ao ser humano desde priscas eras, e porque é próprio do homem registrar através de traços e desenhos, em superfícies as mais diversas, seus pensamentos e sentimentos. Em várias cidades do mundo, com certeza, encontrar-se-ão em seus muros e em suas calçadas esses registros que os irmãos Aprígio e Frederico recolheram das calçadas de Olinda, não sendo, portanto apanágio desta última a existência de grafismos. No entanto, o mérito desses dois irmãos artistas consiste em que eles documentaram de forma mais completa o microuniverso dos desenhos existentes nas calçadas de Olinda. Eles poderiam ter ampliado a sua documentação incluindo também o grafismo dos muros, o que criaria o confronto entre os planos horizontais das calçadas e os planos verticais dos muros, suportes nos quais se encontram tais desenhos. Poderiam também, pura e simplesmente, fotografar a sua pesquisa, mas, tal processo provavelmente não teria a força e a pureza que têm as gravuras monotípicas por ele realizadas, que contêm algo do que Jean Dubuffet chamava de art brut, na sua espontaneidade e simplicidade aparentes. Esses trabalhos são fruto da observação atenta de dois transeuntes 149


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cujos olhos se dispuseram a “varrer” o chão por onde pisavam, detectando nas calçadas de cimento (material este já conhecido pelos romanos), uma série de acontecimentos registrados em signos e escrituras, feitas por anônimos. Ao olhar atento desses dois artistas e de outras pessoas que perceberiam a riqueza sígnica (e por vezes simbólica) que se estende horizontalmente aos nossos pés, podemos contrapor uma situação inversa, a do transeunte ausente e alienado dessa realidade. O nosso hábito visual de olharmos mais ao nível de nossa própria cabeça, às vezes um pouco acima ou um pouco abaixo, é talvez uma consequência do nosso comportamento psicológico e sociológico, um condicionamento da rotina e da retina. É verdade que não podemos exigir que todos andem sempre de olhos voltados para o chão, como tamanduás à cata de formigas, como também seria estranho que centenas ou milhares de pessoas ficassem de olhos voltados para o céu, como no quadro surrealista “L’Attente”, de Richard Oelze. Mas, o olhar atento daqueles que sabem ver e não simplesmente olhar se dispõe a flagrar qualquer realidade, seja em que nível for. Dessa forma, Aprígio e Frederico, como outros já o fizeram, flagraram com acuidade o mundo de referências sígnicas paralelo e situado aos seus pés. Porém, além de o flagrarem, também o registram o que, em suma, se transformou no registro de registros. Os registros impressos em cimento nas calçadas de Olinda, principalmente serviram para que os dois artistas deles se utilizassem como matrizes de seus trabalhos, grafismos e desenhos executados por pessoas desconhecidas, sob os mais diversos humores e intenções. Quase diria que Frederico e Aprígio funcionaram como verdadeiros arqueólogos do contemporâneo, se tal expressão não fosse tão contraditória, apesar de me ser simpática. Seria melhor talvez, dizer (para não ferir os ouvidos acadêmicos e bem comportados), que eles, os artistas aqui em foco, realizaram um trabalho de histo-


Gravrura “Calçada” da exposição A Texturologia das Calçadas de Olinda, de 1982


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riografia visual de registros recentes. Podemos detectar nos trabalhos de Aprígio e Frederico algumas referências oportunas: as suas gravuras (no sentido mais amplo) são predominantemente texturais e têm alguma conotação com as obras dos chamados “pintores de matéria”, pertencentes à época do informalismo abstrato, tais como Tàpies, Cuixart, Tharrats, Vila Casas, Mies, todos da quarta escola barcelonesa, que se situa entre as décadas de 50 e 60, e mais com a obra do francês Fautrier. Por acaso, ou aleatoriamente, o material recolhido por eles se ajusta a essa observação, que me parece procedente. O conjunto das gravuras ou registros tem muito a ver também com as pinturas e incisões gravadas sobre rochas, realizadas pelos homens pré-históricos em diferentes regiões do mundo, inclusive as que se encontram na Paraíba, no Piauí, em Minas Gerais e em São Paulo. Foi realizada uma espécie de mapeamento monotípico das calçadas de Olinda, o que, sem dúvida, além do valor artístico, histórico e documental, nos leva a pensar que também se trata de um trabalho sociológico, já que os desenhos, os textos, os signos, os símbolos e grafismos texturais recolhidos, constituem um excelente material de estudo para a semiologia, a psicologia, e as ciências sociais. Um dado curioso é a existência, muitas vezes, da escrita especular, ou invertida, que nos remete a Leonardo da Vinci e Lewis Carroll, ambos cultores desse tipo lúdico de inversão escritural. Por sinal, os próprios Frederico e Aprígio costumam realizar, vez por outra, este sistema especular de escrita em seus quadros a óleo, criando uma inversão da imagem, como um negativo. Há também a registrar aqui o aspecto hieroglífico desses trabalhos, quando alguns signos e grafismos se tornam de difícil leitura e interpretação, invertendo e abstratizando o processo de comunicação. A textura do material (cimento) transportada para o papel, tornando-se gravura, cria um distanciamento interessante em


consequência da granulação obtida e do efeito causado pelo contraste do preto-e-branco, parecendo ao espectador, por vezes, estar apreciando grandes superfícies topográficas arenosas vistas do alto. O microcosmo dos signos implantados nos desenhos das calçadas amplia-se através da fragmentação granular dando a ilusão, ás vezes, de constelações estelares com seu desenho transformado em grandes trajetórias. Assim, a poética adstrita a um espaço limitado e inferiorizado pelo uso se transmuda em poética de grande transcendência, confirmando que a arte se caracteriza especialmente por seu poder alquímico de transmutação e não pelas falsas e fáceis pirotecnias, tão a gosto dos pseudo-artistas. Por último, vale a pena dizer que nos trabalhos dos talentosos artistas Aprígio e Frederico, realiza-se uma incursão ao território da natureza artificial, em contraposição à natureza natural, pois que esses trabalhos são baseados em outros trabalhos já realizados pelo próprio homem em seu habitat urbano. Aqui, o homo faber se une ao homo ludens e provoca e cria em seu próprio ambiente, artificialmente, ou seja, com os artifícios do seu fazer, uma nova realidade com características especificamente suas. Local, 1982

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catálogos de exposições

os papangus de sergio lemos

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Pernambuco é provavelmente o estado brasileiro cuja riqueza cultural artística, de cunho popular, se manifesta com a maior diversidade. Principalmente durante o Carnaval, as manifestações de arte popular e folclórica se apresentam com impressionante força criativa. Além dos grupos folclóricos de bumba-meu-boi, cavalo-marinho, caboclinhos, os exuberantes maracatus, existem algumas manifestações de caráter muito popular, que são os grupos de mascarados em algumas cidades do interior pernambucano, como Pesqueira, onde se apresentam os Caiporas; em Bezerros são os Papangus e, em Triunfo, alto sertão, os Caretas. Os Papangus e os Caretas são de grande originalidade e força expressional, cada um desses grupos, com a sua estética particular. Os Papangus, no entanto, estão muito próximos do grotesco e se prestam a infinitas variações fisionômicas, proporcionando assim, aos pintores de talento, um rico manancial para as suas realizações. Creio que o pintor Sergio Lemos tenha sido o primeiro, ou um dos primeiros, a se utilizar do tema dos papangus de Bezerros e, mesmo que não tenha sido o primeiro, desconheço outro pintor que haja realizado um trabalho de resultados tão felizes, do ponto de vista técnico e factual, no caso dos papangus. É importante destacar e frisar que houve uma adequação perfeita entre a ideia e a realização material, pois este é um dado a ser considerado: o pintor deve saber que suporte material deverá usar e qual a técnica a ser empregada nele. Vermeer jamais poderia ter realizado a sua finíssima pintura, a não



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ser em tela de linho ou pranchas de madeira preparadas (painéis), assim como Miró encontrou o material adequado para a sua solta e livre pintura, no emprego do grosso tecido de juta. Assim é que Sergio Lemos, ao adotar a juta grossa para a realização pictórica dos seus papangus, acertou em cheio no material escolhido e o resultado não poderia ter sido melhor. Sendo as figuras dos papangus grotescas e deformadas, elas podem servir como caricaturas satíricas dos vários tipos humanos cujo aspecto fisionômico é, não apenas resultado de deformações físicas, como também morais, daí porque se prestam às maravilhas para a crítica social e política. Basta lembrar a pintura de Goya (O Enterro da Sardinha) e de James Ensor (A Entrada de Cristo em Bruxelas) para termos uma ideia aproximativa do que está aqui escrito e que Sergio Lemos, de modo diferente e pessoal, está há mais de dois anos transpondo para as suas telas que, infelizmente (para os portuenses) não serão exibidas em sua próxima mostra, na Fundação Júlio Resende. Vale porém registrar que, recentemente, Sergio trabalhou em papelão sanfonado de grandes dimensões, e, devido ao material utilizado, criou efeitos de vibração e movimento que os artistas cinéticos chamavam de moiré, um artifício puramente ótico, visual, mas cujo resultado é um jogo de imagens instigante. Também ele reservou para esta mostra, desenhos coloridos de pequeno formato dos quais e sobre os quais realizou duplos, conseguidos em xeroarte, alguns retrabalhados, criando um contraponto bastante sugestivo entre os desenhos coloridos e os trabalhos em xeroarte. O conjunto da obra agora exposto pode ser visto e entendido em três técnicas diferentes, todas abordando o mesmo tema dos Papangus de Bezerros. Casa Forte, 31 de março de 2005


o mundo mágico de josé barbosa

Vendo os trabalhos do artista olindense José Barbosa em suas variadas e múltiplas técnicas de elaboração, duas coisas logo ressaltam: quer trabalhando em pintura, desenho, gravura, talha ou escultura, a unidade temática é flagrante, a atmosfera magicamente carregada é quase uma constante, o que nos leva a observar que a sua obra é de uma integridade total, ou seja, José Barbosa é sempre fiel à sua subjetividade interior, fruto também do mundo objetivo que o marcou vivencialmente; a representatividade desse mundo está ligada teluricamente à paisagem real e mitológica da sua sempre presente Olinda. Fator importante em seu trabalho, qualquer que seja o gênero ou categoria, é o traço, o desenho. A cor, que comparece com muita assiduidade, salvo nas gravuras, é uma complementação necessária à exacerbação do mágico, do mítico e do semi-onírico. Estou convencido de que não se trata de um artista instintivo, como muitos o apresentam, mas um intuitivo cuja inteligência não é conceitual, mas expressional. Devemos acrescentar que José Barbosa, apesar de jovem, é um homem bastante viajado e vivido e esses dados invalidam a observação superficial e simplista dos que o tacham de instintivo. É substancialmente importante ressaltar mais uma vez a unidade e integridade do seu fazer artístico, pois vivendo cerca de seis anos na Europa, ele foi capaz de permanecer intacto, do ponto de vista de sua percepção e concepção pessoais manifestas ricamente em sua obra. Evidentemente, algumas incorporações e assimilações aconte157



ceram, mas não a ponto de lhe desviar o caminho a percorrer. Essas incorporações são muito sutis, e só um olho mais atento descobrirá ressonâncias as mais diversas, incluindo-se entre elas o uso deliberado da perspectiva linear, em alguns trabalhos, ou de algo ligado à nova figuração (um Pignon ou um Alechinsky, por exemplo) ou até mesmo de um Turner tropical, em algumas paisagens mais recentes, nas quais massas de manchas difusas impregnam as suas aquarelas de uma expressiva indefinição que se situa no mundo da passagem do não ser para o ser. Mas, curiosamente, nesse ultimo caso, não se trata de algo metafísico, mas de algo vitalmente ligado à seiva vegetal do mundo aparente, concreto. A enorme sobrecarga de símbolos e imagens míticas que povoam a sua obra bem que poderia ser comparada a uma imensa árvore carregada de frutos os mais diferentes, entre os quais ele, José Barbosa, sobrevoa aladamente, colocando e retirando as formas que, a seu bel-prazer compõe, por vezes eroticamente, o seu mundo aglomerado de objetos por ele colecionados e expostos com grande vigor. Pois esse é também um traço do seu talento: a vitalidade exuberante que existe em toda a sua obra, como a dizer que aqui é a sua morada, a sua fonte, mesmo quando arrisca alguns voos transcendentais. Local,1980

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catálogos de exposições

a arte cosmogônica de fernando guerra

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O trabalho de Fernando Guerra, desenvolvido em três linguagens (pintura, desenho, colagem) tem grande aproximação com o abstracionismo expressionista da década de 50, com a arte taoísta e, às vezes, com a pintura caligráfica japonesa. No primeiro caso, a aproximação se daria com o conhecimento e a aceitação do próprio artista, que considera o abstracionismo a corrente mais adequada à sua realização expressional. Todavia, nos outros dois casos (arte taoísta e pintura caligráfica japonesa) a afinidade existente decorre de um processo indireto, daquilo que Carl Jung chamava de “inconsciente coletivo”, o que explica, do ponto de vista psicológico, o fato de que, em diferentes regiões do mundo, certas manifestações artísticas revelam uma constante simbólica através de formas universais. O próprio Fernando Guerra fala a respeito do automatismo como processo por ele adotado na elaboração dos seus trabalhos, principalmente nos desenhos. Este dado reforça o que foi dito acima, pois ao empregar a “escrita automática” como processo instigatório do inconsciente psíquico, formas arquetípicas afloram naturalmente na execução dos seus trabalhos. Daí, por exemplo, a já citada aproximação com a arte taoísta, cuja estética se caracteriza por uma visão dinâmica e cósmica do mundo, na qual todas as partes do real se fundem numa só corrente que flui e que se alterna constantemente.


Os trabalhos de Fernando Guerra possuem uma dinâmica cosmogônica na qual forças energéticas operam e fluem através de verdadeiros rios, condutores perenes, ativos e silenciosos. Nos desenhos em preto-e-branco, os aspectos cósmicos (lembram galáxias em movimento ou em explosão) percebe-se um maior vigor expressivo, talvez porque o contraste seja mais intenso do que nas pinturas, onde o colorido chega a ser quase monocromático. Mesmo nas colagens, quando o artista, como que querendo deter o fluxo rítmico de seu desenho, recorta e superpõe algumas formas, ainda aqui o movimento repentinamente tolhido só o é enquanto detalhe, pois os espaços deixados propositalmente vazios estão plenos de energia contida, ainda não ativada. A aproximação com a pintura caligráfica japonesa se efetua mais visivelmente nos desenhos, e aqui nos lembramos do americano Mark Tobey, cujas “escrituras brancas” poderiam ser um ponto referencial em relação a alguns trabalhos de Fernando. No caso da pintura, há dois pontos a serem observados: a tendência de Fernando elaborar formas que perigosamente se aproximam do barroco tardio, o que deve ser evitado e, outro ponto, a necessidade, a meu ver, do emprego de dimensões maiores para o suporte da pintura, na qual o gestual contido poderia se expandir melhor, ampliando o universo cosmogônico e galáctico, expressos geralmente com um sentimento místi161


co e contemplativo. No conjunto, tanto as pinturas quanto os desenhos e as colagens formam um universo uniforme, uma vez que a tônica desses trabalhos, o leitmotiv, continua sendo o mesmo para as três linguagens. Isto mostra que, mesmo utilizando o mecanismo da escrita automática, Fernando possui, subjacentemente, uma estrutura de organização que ordena o seu mundo particular, a sua visão subjetiva projetada em termos de elaboração artística.

catálogos de exposições

Local 1982

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a mão ausente e o olho interior análise da pintura de ítalo bianchi

Há pessoas que são artistas e só se assumem como tal em idade madura, depois de 50 ou 60 anos. É um mistério. As causas dessa ausência tão demorada são provavelmente de ordem psicológica, algum bloqueio, autopoliciamento, etc. Ou (quem sabe?), de ordem puramente prática, material, alguma impossibilidade restritiva que trava o individuo em assumir aquilo que nele existe de forma latente e que será ou não algum dia projetado e realizado. Mas, talvez, tais pessoas descubram que “a arte é o caminho da liberdade”, no dizer de H. Lefebvre. Ítalo Bianchi, a quem conheço há mais de vinte anos, sempre foi para mim um artista, com grandes conhecimentos de arte, só que a sua mão esteve ausente durante longos anos, salvo quando exerceu a arte da cenografia, em São Paulo. Depois, ausentou-se novamente, apenas exercitando o olhar agudo e cultivado nas obras de arte alheias. O tempo, no entanto, soube pacientemente esperar que este milanês pragmático e programático se decidisse por fim a por as mãos nos pinceis e nas tintas. Com isto, o Recife pode se regozijar com o feito de ter sido o lugar predestinado para o surgimento deste novo artista. Fui dos primeiros a ver quadros de Ítalo, no ano passado, e fiquei surpreso diante de uma pintura leve, fina e quase evanescente, porém dinâmica, com os dégradés quase oníricos, a revelarem uma sensibilidade apuradíssima à disposição de uma mente organizada (ostinato rigore) que tem respaldo longínquo na Itália renascentista, quando a arte da pintura tinha embasamentos científicos 163



(matemática, geometria) aplicados por Piero della Francesca, Masaccio, Da Vinci, etc. Há um lirismo evanescente em sua pintura que introduz, a meu ver, um elemento temporal de caráter subjetivo (vagas formas da memoria?) que Ítalo talvez recuse, por ser um homem de formação materialista e pragmática. Essas formas executadas em dobras são possivelmente a chave (o punctum saliens) para a completa compreensão do seu olho interior. É aqui que temos um ponto de divergência, pois, em arte, a subjetividade é parte integrante da obra realizada e negá-la parece-me um tour de force inócuo. Mesmo as obras de arte ditas de caráter objetivo e concreto possuem um substratum subjetivo que, por mais que o artista queira negá-lo, termina sendo sentido e percebido pelo olho percuciente do espectador. Daí que temos, de um lado a realização factual, os seus quadros, pintados de três anos para cá, e de outro, as suas declarações em entrevistas e no texto do catálogo da mostra que ora se realiza na Galeria Ranulpho, das quais, em geral, discordo. Ítalo defende a ideia de que a obra de arte deve ser imanente, isto é, cada peça, cada quadro, existe e é realizado a partir de suas próprias leis estéticas inerentes à sua própria realidade física. Os minimalistas tentaram, e de certo modo conseguiram este objetivo, principalmente em formas tridimensionais, mas igual aos concretistas, ao suprimirem a emoção (em todas as suas variações) e a expressão, tornaram as suas obras meros objetos de atenção efêmera. As realizações (as suas pinturas) de Ítalo, até certo ponto são coerentes com as suas declarações e pontos de vista, quando se diz um pragmático, alertando o leitor/espectador para o fato de que a sua pintura deve ser vista sob o ângulo da semiologia*, que estuda principalmente o sistema de signos. Vista sob esse ângulo, a pintura de Ítalo representa, às vezes, uma

*ciência que existe há muito tempo e que só a partir do século passado, com Charles Sanders Peirce e Ferdinand de Saussure, passou a ser sistematizada.

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contradição: o geometrismo abstrato que executa, com seus signos semióticos (ou semiológicos) nem sempre ausenta o significado em proveito do significante. As passagens de tons, os dégradés, as dobras, o referencial inconsciente (alguns quadros sugerem cenários abstratos, outros lembram as linhas verticais e diagonais das lanças dos três painéis de Paolo Uccello, “A Batalha de San Romano” de 1458, etc.) trazem e traem um componente subjetivo que pode ser traduzido ou decodificado em um significado, que o autor provavelmente não pensou em colocar. Desse modo, alguns quadros (ver lâminas I, III e IV; V Cobalto, Vermelhos Opostos), perdem o caráter de imanência, conceito tão caro a Ítalo. A meu ver, e isto é uma opinião pessoal, a pintura de Ítalo deveria ser chapada, frontal, sem nenhum jogo ótico (resquício de quando tinha dez anos e “descobriu a lógica ilusionista e da perspectiva ótica”), sem dégradés, sem nuances cromáticas, que dão um clima evanescente e até mesmo onírico às suas composições, para que houvesse melhor adequação entre a teoria (conceito de imanência) e prática (elaboração pictórica). Talvez seja a maneira de pintar, a diluição da tinta até a atomização da matéria pictórica, a pintura pulverizada, lembrando o uso de aerógrafo (que Ítalo não usa), a supressão proposital da marca do pincel (Mondrian raspava com gilete as suas pinceladas), que é uma forma de rejeitar a própria identidade. Talvez seja isto o ponto crucial de uma aparente contradição. Mas isto também pode ser a sua marca, o seu estilo. Apesar dessas observações, registro aqui a alta qualidade do seu metiér, a finura e a delicadeza da sua elaboração pictórica, prejudicada pelo uso de molduras negras, que nem sempre se adequam às suas peças. Uma pintura luminosa, dosadamente colorida, jamais dramática, eu diria mesmo que é de um geometrismo lírico e, como se trata de obra estética finamente elaborada, ela traz em sua projeção física algo de hedonista, de prazeroso, de sensório. Destacaria, nesse sentido, os quadros “Traços em V”, “Lâminas I, II


e IV”, “Tema Laranja I”, “Traços em Leque” e “Tema Brasileiro”, sem prejuízo para os demais, já que se trata de escolha pessoal. Quando falo em luminosidade na pintura de Ítalo, não é no sentido tradicional de “luz e sombra”, mas no de uma luz inerente à sua paleta, que por sinal ainda não tem um “tom pessoal” (mas isso é exigir demais, ele só tem três anos de trabalho!), uma vez que o pintor alterna separadamente (de per si, em cada quadro) cores frias e cores quentes. Sob esse aspecto, pode-se também considerar que as suas composições ora tendem a uma contração, ora a uma expansão, a uma centralização e a um “vazamento” do suporte pintado. Os quadros intitulados “Vermelhos Opostos” e “Naipes Vermelhos” contêm elementos composicionais que o referenciam junto a Josef Albers (da série “Homenagem ao Quadrado”) e a Vasarely, da década de 60, ambos pertencentes à mesma família de pintores abstracionistas formais, sendo que o segundo é possuidor de uma pintura mais dinâmica, ligado ao Movimento da Optical Art, da qual Bianchi, a seu modo, se aproxima. Seria este, a meu ver, o caminho a ser seguido por Ítalo, caso tivesse se iniciado há mais tempo: o da Op Art, ou da arte cinética, isto porque além do rigor formal, da luz quase imaterializada (Gabriele d’Annunzio dizia que “a cor é o desejo da matéria em se tornar luz”), o movimento propiciado pelas linhas e cortes diagonais, a sua própria inclinação pessoal por uma pintura de fundo conceptual científico (seu atelier, como o de Mondrian, é impressionantemente limpo e organizado, e visto e nomeado como laboratório), tudo isto me faz pensar que o suporte tradicional seja por ora apenas um trampolim com vistas à utilização de algum meio tecnológico, tal como a holografia. Quanto a isto, só o futuro dirá, e o próprio Ítalo saberá decidir entre o suporte tradicional, o quadro de cavalete (por enquanto um sonho longamente cultivado e finalmente realizado), e os novos meios eletrônicos que estão aí, antecedendo o século XXI. Casa Forte, 3 .04.1990 167


a pintura de anchises

catálogos de exposições

ou a lógica do desconcerto

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Exatamente dez anos depois da sua exposição na Galeria de Arte da Casa das Crianças de Olinda, Anchises Azevedo retorna com outra mostra de singular importância. Desta vez será em sala especial montada no XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, convidado que foi, em boa hora, pela direção do Museu do Estado e pela Secretaria de Cultura que, dessa forma, não só lhe prestaram uma homenagem mais do que justa, como também o retiram do ostracismo em que se encontrava, talvez involuntariamente. Em 1973, quando da mostra referida acima na Casa de Olinda, escrevi um longo texto sobre os trabalhos ali apresentados, no qual fiz uma espécie de histórico da trajetória do pintor aqui enfocado e que até hoje me parece válido, de modo que, passados dez anos, eis que encontro nos presentes trabalhos de Anchises uma enorme fidelidade ao caminho que resolvera percorrer com inusitada coragem e coerência. Anchises é um colorista, disso não tenho dúvida, um dos poucos aqui existentes, e dizer colorista significa dizer um exultante das cores, as quais, no seu caso, estão profundamente vinculadas à nossa luminosidade nordestino-africana. Mesmo na série “Elegias à Olinda”, onde alguns signos são postos em função de criar para o espectador um correlato com a paisagem local, mesmo aí a exaltação e exultação da cor são tão patentes que se transformam em epifanias, cantos de alegria. A permanência de linhas verticais, da paisagem verticalizada, que são uma constante da pintura de Anchises, estão a se afirmar, aos poucos, como elementos incorporados definitivamente ao seu



catálogos de exposições 170

estilo pessoal: por força do hábito, por necessidade da construção de um espaço verticalizado, por opção de um dado referencial e por todo o significado que essa escolha traz. A sua paleta, cada vez mais luminosa, afasta-o gradativamente de qualquer sentimento dramático, existente, por exemplo, nas telas da exposição de 1973 e em trabalhos anteriores, isto porque Anchises, como Matisse e Miró, ou como o nosso grande colorista que foi Guignard, tem o gosto pela pintura pura, sem macetes camufladores. Ela (a pintura) é direta, franca, sem subterfúgios, e por isso mesmo é fruto de uma sensibilidade exaltada, que faz da própria linguagem pictórica o seu leitmotiv. Até as suas linhas propositadamente irregulares, as suas pinceladas em que a marca da trajetória dos pinceis fica registrada, o empastamento das tintas, a matéria pictórica não provocada por desejos de efeitos maceteados e sim por autenticidade implícita ao fazer e ao pintar despojadamente, tudo isto nos mostra um artista cuja sensibilidade está voltada para o sensorial e para o retiniano. A meu ver (e muita gente possivelmente concordará com isso) a parte mais alta e mais forte do seu trabalho consiste naquilo que chamarei pinturas fílmicas, os grandes rolos de papel nos quais Anchises alcança um nível de qualidade criativa muito superior ao das telas de formato comum. São verdadeiros filmes pictóricos, onde o artista registra uma espécie de documento vivencial autobiográfico, criando um código particular e uma escritura própria, rica de signos e de símbolos, cuja interpretação pertence mais ao domínio do subjetivo e cuja tradução pode, portanto, variar segundo a leitura que fizer o espectador. Alguns desses rolos são de grande beleza plástica e rítmica e, sem dúvida alguma, muito mais prenhes de uma “carga” energética e simbólica do que as que se encontram nos quadros de tamanho convencional. Nos rolos onde surgem os brancos ectoplásmicos, essa “carga” e essa energia se tornam algo cósmicas e transparece uma certa espiritualidade sexual, no sentido que a filosofia e a doutrina tântricas dão a essa complexa realidade humana.


Em seu conjunto, as pinturas de Anchises revelam também outro aspecto interessante: o da musicalidade encontrada na alternância dos signos e das linhas intercaladas, dos pontos e fragmentos soltos espacialmente, formando como que uma notação musical, em que os sons às vezes metálicos dos amarelos vibrantes jogam em contrapontos com sépias e ocres discretos, trompete versus fagotes. Destacaria ainda duas telas de particular importância por serem criações que guardam certa autonomia de linguagem: o quadro (sem título) em que uma grande forma ovoide circular é praticamente bombardeada por elementos fragmentados e contundentes, numa referencia inusitada a Kandinsky e Malevich, sem, no entanto perder a sua própria identidade. A tela em questão conserva ainda as pertinazes listras verticais que, aliadas ao conjunto das outras formas fragmentadas, sugerem ora um distanciamento em perspectiva, ora uma aproximação quase explosiva, uma pulsação constante (seria um pulsar?) cujo sentido cósmico é por demais evidente. Noutro quadro (Escrita) a pintura, ao contrário, é frontal e o conjunto dos elementos fragmentados jogados ou dispostos sobre um azul violeta nos leva a um cinetismo virtual e aparente. Mas há algo de estranho nesse quadro, que é a sua relação com realidades opostas. Tais como: a sua verossimilhança com painéis eletrônicos e a sua aproximação com o Monumento Cósmico, de Torres Garcia, que por sua vez nos leva aos relevos da arte incaica. Como já destaquei, há todo um código particular e de caráter subjetivo na pintura de Anchises, em que a fragmentação aparentemente desordenada cria uma lógica do desconcerto, no sentido em que, para o espectador, será exigida uma maior atenção, sem a qual o gostar ou não gostar (a sensibilidade apurada ou a falta de) não serão suficientes para aceitar e compreender, ou repelir e desentender uma obra que tem inerente a si uma semiótica que exige uma decifração, mas cujo dado principal e indicador é a biografia do seu autor. Local 1983 171


grupo dos 4

catálogos de exposições

4 artistas, 4 assinaturas

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Vários são os caminhos da arte, todos eles difíceis. O da pintura é um dos que exigem mais do artista, que precisa aliar o domínio da técnica de forma adequada à concepção e idealização da obra. Sem esta adequação, o resultado será sempre precário e insatisfatório. Os quatro artistas que agora expõe em conjunto (Bete, Isa, Eudes e Fernando) escolheram um caminho parecido, mas não igual. Cada um, à sua maneira, trilha o difícil caminho da abstração formal, geométrica, que deu, neste século, os maiores teóricos da estética contemporânea, tais como Kandinsky, Malevich, Mondrian, Max Bill, etc. Cada um, no entanto, através das suas obras, revela as características próprias das suas personalidades. Demonstram assim uma saudável autonomia de voo. O trabalho de Isa, por exemplo, pode ser chamado de colagem pictórica (a rigor não é pintura), com grande disposição ao lúdico e ao experimental. Em seus quadros, a fragmentação do espaço pictórico leva-a constantemente a um approach cinético. Exatamente o contrário acontece com a pintura de Bete Gouveia. Seus espaços, geralmente serenos e matizados, dão ao espectador a sensação estética de planos metafísicos em que o elemento contemplativo é sentido e usufruído quase de maneira onírica. Bete trabalha a tinta acrílica quase como pastel, tal a suavidade lírica e prazerosa que consegue transmitir em suas telas, consequência talvez de sua técnica de superposições de finas camadas de tinta, aplicadas pacientemente. Os dois pintores do grupo, Eudes e Fernando, começam a ter




características comuns: ambos praticam uma pintura que eu chamaria “telúrica”, onde a matéria e a textura grossa e compacta indicam uma preferência em direção ao que se denomina hoje de “neo-geo” ou “neogeometrismo”, principalmente nas últimas composições de Fernando Lins, que realiza uma “pintura não convencional”, que ainda o conduzirá a resultados mais ousados, se para tanto insistir. Embora Eudes Mota seja mais comedido no uso de materiais convencionais (tinta a óleo sobre tela), não o é, no entanto, na forma como trabalha com suportes, substituindo os clássicos quadrado e retângulo por formas geométricas inabituais e inventivas, que são, ao mesmo tempo, as próprias composições de suas obras. Todos eles demonstram, em conjunto, que a arte pernambucana não está acomodada. Pelo contrario, vive um momento de ricas contribuições. Local, 1989

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«das «memorabilia instituições

««


depoimento sobre montez magno Por Jairo Arcoverde

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montez magno e a geração de 1970 Por Plínio Palhano

Os jovens artistas da geração de 1970 tinham como espelho os das anteriores, principalmente aqueles que admirávamos como um dos pilares da arte realizada em Pernambuco. E um deles era Montez Magno. Um artista consolidado, com opiniões críticas sérias e confiáveis; procurávamos, nele, ouvir os conhecimentos e necessitávamos de saber algo sobre nós mesmos. Uma geração de autodidatas é o que se poderia dizer, apesar também de nos apoiarmos na experiência desses artistas. A vida era a nossa escola, não existia, como hoje, essa alternativa propagada de que, para ser artista, tem de frequentar mestrados e doutorados. Nós abríamos os livros de forma prazerosa, sem o “cabresto” dos orientadores atuais das universidades, que dão os rumos para a defesa de teses, quase sempre semelhantes umas às outras. Imaginem um Picasso com uma viseira dessas. Para nós, uma opinião sobre o nosso trabalho ou um texto crítico com a assinatura de Montez Magno era um aval de grande importância. Como as de Gilvan Samico, Jomard Muniz de Britto, Francisco Brennand, José Cláudio, Raul Córdula, João Câmara, Ypiranga Filho, Wellington Virgolino, entre outros de gerações diferenciadas. Esses foram alguns dos artistas que reverenciávamos, não esquecendo os pais do modernismo regional e nacional, como Vicente do Rego Monteiro, Joaquim do Rego Monteiro, Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e Aloísio Magalhães. Fomos também os herdeiros do Atelier Coletivo, liderado por Abelardo da Hora. Em 1982, procurei Montez Magno para mostrar uma série de 179


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pinturas sobre trabalhadores rurais, cortadores de cana-de-açúcar da Zona da Mata pernambucana, que a intitulei de Paisagem de nossa vida. Na oportunidade, administrava, por herança, uma pequena propriedade, onde existia essa terrível monocultura, destruidora do homem e do solo, onde tive a ideia de registrar aquelas pessoas enfrentando, no trabalho, um sol escaldante e em condições desumanas: uma prática de toda a região. Eram flagrantes de suas atividades, isto é, plantando, colhendo, transportando a cana; velhos, crianças, mulheres, todos, ali, suando para receber o seu sustento, uma sobrevivência dura ao sol a pino. Também pintei garotinhas, isoladamente, com a sua maneira de vestir, modesta, florida, e velhos lenhadores e senhoras envelhecidas pelo ofício e pela pobreza. Toda a pintura baseada em cores terrosas e alguns toques mais fortes de verde, azul, vermelho, e, às vezes, um amarelo intenso, tudo em pinceladas nervosas, gestuais. Montez, paciente e atencioso, olhou cada quadro, fez as suas anotações e escreveu uma apresentação — Sobre a pintura atual de Plínio Palhano —, que considero séria e aguda. Abordou o lado expressionista do autor, o parentesco com outros artistas locais, como José Cláudio, Piedade Moura, Ana Ivo, e os de âmbito histórico internacional: Soutine, Daumier, Van Gogh. Creio que ele tenha dado o perfil do que viu naqueles trabalhos com a verve crítica sem a falsa complexidade que encontramos comumente nos textos atuais de certos curadores, nos quais nem o público nem ninguém sabe o que eles querem dizer. Entrou no lado técnico, na concepção, execução, estudando todos os ângulos do pintor. Um texto raro na fortuna crítica sobre a minha obra e que permanece uma representação do olhar verdadeiro sobre a arte e o artista.

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Recife, 29 de abril de 2012


aprígio e frederico Por Aprígio Fonseca e Frederico Fonseca

A primeira vez que vimos obras de Montez Magno, foi no I Salão de Arte Global no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, em Olinda, no ano de 1974, onde obteve o Prêmio de Pintura. Ficamos impressionados com as três obras apresentadas, pinturas sobre tecidos com estamparias borradas, sucatas da produção têxtil industrial. Desde então, apesar de só o termos conhecido pessoalmente em 1977, acompanhamos suas atividades com bastante interesse. Quando fomos residir em São Paulo, em 1978, Montez manteve contato regular conosco através de cartas, sendo uma das primeiras pessoas a quem comunicamos a ideia do resgate, e desenvolvimento plástico posterior, das inscrições anônimas nas calçadas de Olinda. Voltamos a morar em Olinda em 79, e neste mesmo ano realizamos os trabalhos da série ‘Que viva Canudos’, que seria exposta no ano seguinte no MASP a convite do Diretor Pietro Maria Bardi. Para escrever sobre os trabalhos, convidamos Montez, que gentilmente aceitou, aprofundando assim os elos de amizade e respeito entre nós. Ao concluirmos a primeira e longa etapa das impressões monotípicas das inscrições (1978-79-80), realizadas diretamente no cimento das calçadas e na cerâmica dos pátios externos de igrejas de Olinda, Montez, que já estava a par do processo, deu uma enorme contribuição ao trabalho, produzindo um extenso e profundo texto, analisando não só do ponto de vista plástico, mas sugerindo ramais para várias áreas do conhecimento, como a sociologia e a psicologia, transmitindo erudição, sensibilidade e 181


real envolvimento com o assunto. Portanto, declaramos nossa admiração pelo autor, dentre outras séries, das “Barracas do Nordeste” (que temos como um dos trabalhos mais importantes da arte brasileira), pelo autor de poemas e prosas, e pelo amigo!

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Olinda/São Paulo, 21.03.2012

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sergio lemos Entrevista a Itamar Morgado e Bete Gouveia

Sergio, a rigor, sua pintura não tem afinidades, do ponto de vista formal, com a pintura de Montez. O que o levou a procurá-lo para escrever sobre o seu trabalho? Faz muitos anos que conheci Montez, na década de 70, quando ele veio de São Paulo. Na verdade já o conhecia desde a Escola de Belas Artes. O meu motivo de escolhê-lo pra escrever esse texto é porque Montez tinha uma visão muito ampla sobre todos os movimentos artísticos, e ele aceita todos os movimentos. Isso é que é fantástico, ele não tem escola; se o trabalho é bom, não importa que tendência o artista tem. O segundo motivo é pela sua sensibilidade. Penso que é muito importante quando uma pessoa vai falar sobre a obra do outro, porque não é só falar no sentido estético e técnico da pintura. É o sentido que ele tem, que vai profundamente na alma do quadro. Porque um bom quadro tem que ter alma e ele, como poeta e também artista, tem essa sensibilidade de ver além disso, o que é muito importante quando penetra na alma do artista, porque ele vai dar vida àquele quadro, e Montez tem essa sensibilidade de captar tudo isso, além da cultura fantástica que ele tem, muito vasta. Então isso é que me levou a optar por ele para escrever o texto, porque geralmente os críticos de arte só veem a parte técnica, não se aprofundam mais do que isso. São raríssimos, a não ser um que seja poeta mesmo, aí você consegue, como Walmir Ayala que tinha belíssimos textos. A subjetividade na arte é fundamental e Montez vai dentro dessa visão. Eu gosto desse texto; além de analítico é 183


catálogos de exposições

muito profundo, porque ele vai dentro da sensibilidade do artista, então ele procura também ver essa parte do artista. Eu gostei muito desse texto de Montez quando ele escreveu sobre os Papangus, porque ele abrange toda a formalização do quadro.

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Na época, como você recebeu o texto? Teve algum ponto que lhe tocou, que você não tinha percebido? Sim, às vezes ao próprio artista passa despercebido, porque o artista está tão envolvido que precisa de uma visão de fora. Porque ele está vendo de fora, mas ao mesmo tempo ele penetra no quadro. Geralmente os textos dele são muito bons. Não são cansativos Tem muitos textos que se tornam cansativos, porque, geralmente, são textos muito técnicos e o grande público não vai entender coisa nenhuma porque, quando você escreve, tem que saber que está escrevendo para pessoas que às vezes não tem conhecimento cultural sobre isso. Você vai fazer uma análise para que essas pessoas entendam. Quem não está dentro do universo da arte não entende. Muitos deles são textos que são uma cultura de capa de livro, que não se tem a sensibilidade de captar aquilo que se lê. Escrevem para mostrar que tem cultura, são herméticos. Isso é que eu acho muito ruim quando se vai fazer a análise de um quadro. Os textos de Montez permitem que outras pessoas também penetrem no universo desse quadro, dentro da visão analítica dele. Isso é fundamental, no trabalho de Montez. Eu sempre procurei Montez pra fazer esses textos sobre o meu trabalho, que ele já acompanha há muito tempo. Apesar do tema Papangus não ter nada a ver com o universo de Montez, que é mais contido, ele é capaz de ter essa visualização maior e gostar do trabalho. Ele não vê a escola, ele vê a obra. Local, 24.03.2012.


fernando guerra Por Fernando Guerra

Reporto-me à ludicidade para intrinsicar as minhas pesquisas e composições voltadas com afinidades ao expressionismo. Da obra expressante, tem-se a matéria contra a forma, um padrão estético e antropológico de interpretação do mundo. Inúmeros resíduos vivos do Romantismo compõem as minhas expressões, talvez contidas naquelas manifestações artísticas que revelam uma “constante simbólica através de formas universais”. Existe uma ansiedade natural de apossar-me do real, talvez ou certamente pelos desenhos, ou pela construção das palavras que me instigam à liberdade. Há, na verdade, uma dualidade entre o encontro do sujeito com o objeto representado, um corpo-a-corpo entre a realidade e a ficção. Uma mulher “deformada” como fazia Picasso, expressandose assim: isso não é uma mulher, é uma pintura... . Em termos pictóricos, as cores e pinceladas deixam de exprimir as emoções e as sensações suscitadas pelo motivo, mas emergem da ressonância que o objeto desperta e indaga da psique do artista, levada aos olhos do fruidor. Mergulhados em um século racionalista e em busca da tarefa de construção e transformação deste mundo industrial e tecnológico, o expressionismo revela mais que uma atmosfera amarga das crises contidas na euforia lasciva dos tempos modernos. Revela uma paixão grandiosa pelo arcaico e o primitivo..., uma esperança na integração cósmica dos seres, tensão entre a liberdade e o aprisionamento, entre o individual 185


e o coletivo, entre a razão e o instinto... .A deformação expressionista de Segall me enche de entusiasmo e enriquece o meu cenário e a minha literalidade barroca, como uma civilização, ancorada em uma ideia de revolução universal. É sempre possível pensar em um embate cultural... Montez sempre pioneiro, universal e intransferível.

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Santelmo, Buenos Aires, março de 2012

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depoimento sobre montez Por Anchises Azevedo

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grupo dos 4 Por Isa do Amparo

Isa, o Grupo dos 4, composto por você, Bete Gouveia, Eudes Mota e Fernando Lins, na década de 80, foi bastante inovador na medida em que se expressava por meio da abstração geométrica, contrapondo-se à pintura figurativa predominante na cena local. Como era Olinda naquela época? Foi uma fase grandiosa que Olinda passou, em termos de cultura. Um agrupamento de muitos artistas, com várias tendências, artistas de fora, artistas daqui... Então a cidade era uma abundância de cultura mesmo. Era uma época bem diferente de agora. Tinha o mecenato, que era o de Baccaro, que segurou Olinda durante trinta anos como um celeiro de artistas, de artes. Era um colecionador, era artista, então isso, hoje em dia, já decaiu. Baccaro está velho, se dispersou, praticamente não tem memória dele em Olinda, e essa memória também daquela época que agregou tantos artistas aqui, ela empalideceu. Então era um momento muito bom de experiência artística. O ex-marido de Bete Gouveia, Dr. Gil Braz, que era meu terapeuta (acho que de Fernando Lins também) sentiu que havia algo em comum entre nós. A formação partiu de uma sugestão dele. Ele nos apresentou. Foi assim. E o papel de Montez Magno na história do grupo? A minha relação com Montez vem desde a década de 78, quando o conheci na Bahia, expondo na primeira e única Bienal que teve na Bahia. Nessa época eu vivia com Humberto 189


Magno e nos tornamos muito próximos de Montez. De 78 para cá, todo ano eu vinha pra Recife e nos hospedávamos com Montez. Ele ia à Bahia nos visitar. Tínhamos uma relação quase de família. Montez foi o meu grande mestre. Foi quem me abriu uma janela para um outro tipo de arte que eu desconhecia. Através dos objetos, através da visão que ele tinha, dos trabalhos dele, dos livros dele, da música... então, para mim, meu “pai” em arte é Montez. A influência que eu sinto até hoje partiu da visão que Montez nos deu de usar qualquer recurso para representar alguma coisa. Então, além da amizade, havia uma afinidade artística? Sim. Até hoje, apesar de termos nos afastado, cada um em seu ateliê, mas em todo o meu trabalho há sempre algo que ficou gravado da minha experiência de convívio com Montez.

memorabilia

Entrevista concedida a Itamar Morgado em 14.04.2012, na residência-ateliê da artista, na Rua do Amparo em Olinda.

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grupo dos 4 Por Bete Gouveia

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Local, data

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grupo dos 4 Por Fernando Lins

Tenho grande prazer em relembrar e escrever sobre o nosso Grupo dos 4. Nosso agrupamento foi realizado com afetividade e efetividade para desenvolver nossa crença artística com base na abstração geométrica. É importante mencionar que, apesar de termos a mesma ótica e sensibilidade, cada um de nós seguíamos nossos anseios criativos de forma autônoma, com inquestionável peculiaridade. Nosso grupo contava sempre com a participação de Montez Magno, que nos prestigiava com seu apreciável apoio. Assim foi o nosso convívio nesse momento proveitoso e inesquecível, primando pela arte abstrata e pela amizade. Recife, 14 de abril de 2012

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grupo dos 4 Por Eudes Mota

Fez jus a todas as suas séries ao longo de sua carreira. Embora o trabalho de Montez mude imensamente, é um artista de muitas facetas, um artista conceitual, um artista de processo, um guru da arte geométrica brasileira. Quando foi convidado como padrinho/conselheiro, nos ensinou que a arte geométrica sempre está interligada nas diferentes emoções e que formas, linhas e cores estão além do tempo real. O quadrado também nos foi apresentado com muita profundeza intelectual. A imagem sempre apareceu sutilmente em quase toda sua obra, com muita sensibilidade. Ele sempre teve um grande interesse pela literatura; suas poesias nos influenciaram. Apresentou-nos um monte de pensadores fundamentais para esse tipo de coisa de comunicação do olhar.

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Recife, 11 de abril de 2012

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Grupo dos 4 em 1989

Grupo dos 4 em 2012


«das «sobre instituições o artista

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montez magno na visão de:

Mário Schenberg “A visão de Montez está voltada para o mundo exterior. Como a maioria dos artistas brasileiros, repele o informalismo e busca sempre a forma bem definida. A intuição de um fundo caótico do Cosmos e o sentimento místico da nuvem do desconhecimento não encontraram expressão na arte brasileira contemporânea, basicamente otimista e voluntarista.” São Paulo, 16 de dezembro de 1962 (texto de catálogo de exposição individual realizada em Madrid, 1964)

Theon Spanudis “Há muita poesia de solidão e profundidade metafísica, de força contida e peso material em seus agrupamentos solitários. Montez Magno é uma das vozes mais originais e promissoras da jovem pintura brasileira” São Paulo, setembro de 1963 (exposição na Galeria Seta)

Lygia Pape “Seus trabalhos - o conjunto - tem uma reminiscência de coisa já conhecida, guardada na memória, o inconsciente coletivo das experiências visuais.” Rio de Janeiro, dezembro de 1968 (Publicado no Diário de Noticias, sobre a exposição individual realizada no IBEU-RJ)

Aracy Amaral “Partindo do mesmo tema (barracas e banquinhos de festas) Montez Magno recria, com um rigor não pretendido pelo artista popular, porém a partir de sua inspiração, quadros a óleo sobre tela ou madeira, um Construtivismo que nos remete também a certos resultados formais, embora cromaticamente diferenciado, de um Volpi dos anos 50. As cores cálidas, intensas, 197


(os verdes e amarelos-bandeira combinados com vermelho intenso ou azul-cobalto) a comunicar uma liberdade total de cor sem a preocupação do bom gosto “civilizado”, mas atento ao rigor compositivo como diretriz maior deste grande pintor do Nordeste contemporâneo” Aracy A. Amaral, no texto de apresentação da exposição “O Popular como Matriz”, MAC-USP, 85, posteriormente publicado em Textos do Trópico de Capricórnio, Ed. 34. SP, 2006

Cesar Leal “Em seu livro Dentro da Caixa, cinza”, Montez Magno conseguiu uma poesia altíssima, livre das influências parnasianas que tanto contaminaram a expressão poética dos que escreveram poesia no Brasil, após a Semana de Arte Moderna de 22” “Entre o Leão e o Tigre”: Ed. Massangana, Recife, 1988, comentando livro editado por M&M Editor em 1980.

Luiz Carlos Monteiro “A poesia de Montez Magno esquiva-se e resiste ao simplismo presente na artificialidade do acúmulo vocabular, que apenas preside a construção indiscriminada de versos. E parte para momentos filosóficos, entre flashes e laivos retoricizados que guardam, como um de seus vértices mais eminentes, a indagação metafísica do mundo” Clarissa Diniz: “Montez Magno” (org) , Ed.Paés, Recife, 2010.

memorabilia

Paulo Herkenhoff

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“A partir de 1968, a ação experimental de uma geração emergente (Cildo Meireles, Arthur Barrio, Antonio Manuel, Raimundo Colares, Luiz Alphonsus, Ascânio MMM, Ana Vitória Mussi, Ivens Machado, Cláudio Paiva, entre outros) justificou o juízo histórico do crítico Francisco Bittencourt, para quem “o MAM (carioca) tornou-se naturalmente o centro de onde evoluíam os momentos mais avançados da arte brasileira”. É de direito reconhecer que Montez Magno compôs aquele ambiente”. Paulo Herkenhoff: “Montez Magno” (org) Clarissa Diniz, Ed.Paés, Recife, 2010.


montez magno: um artista da transição histórica

Montez Magno de Oliveira nasceu em 1934 na cidade de Timbaúba, região agreste de Pernambuco. Filho do poeta e jornalista Balthazar José de Oliveira e da professora Sebastiana Veras de Oliveira, Montez chega ao Recife, ainda em 1934, cidade para onde sua família se transfere. Em 1942, matricula-se no G.E. João Barbalho, onde realiza seus primeiros trabalhos manuais, pinturas e desenhos. Em 1943, seu pai se torna prefeito da cidade de Afogados da Ingazeira, onde permanecem até 1945, ano em que voltam a morar em Recife. Em 1950, sob a influência do pai, escreve seus primeiros poemas. Em 1954 inicia seus estudos na Escola de Belas Artes do Recife com o prof. Mário Nunes, por um curto período, optando em vez disso pelo estudo autodidata, quando passa a se dedicar integralmente à arte. Em 1957 se estabelece em Olinda e divide o atelier com os pintores Adão Pinheiro e Anchises Azevedo. Ainda em 1957 realiza sua primeira exposição individual no Instituto dos Arquitetos do Brasil. Em seguida, 1958, recebe o 1º prêmio do XVIII Salão de Pintura do Museu do Estado de Pernambuco. Em 1959, faz uma viagem ao sudeste do país (Rio de Janeiro e São Paulo), onde participa de importantes mostras como, o VIII Salão Nacional de Arte Moderna (Rio de Janeiro) e a V Bienal de São Paulo, além de importantes coletivas, onde tem a oportunidade de conhecer nomes significativos no campo das artes, entre eles Alexander Calder, Volpi e o crítico Paulo Mendes de Almeida. Mais adiante, em 1962, passa a residir em São Paulo, participa do IX Salão Paulista de Arte Moderna, do Salão do Trabalho (Galeria da Folha) e do XI Salão Nacional de Arte Moderna (Rio de Janeiro),

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memorabilia 200

além de mostras coletivas. Em 1963, começa a trabalhar em espaço cedido pela Fundação Armando Álvares Penteado, participa do XII Salão Paulista de Arte Moderna, da 1ª Exposição do Jovem Desenho Nacional, e realiza individual na Galeria Seta (SP). Nesse período, amplia seus contatos e amizades com artistas, críticos, poetas e escritores como, Mário Schenberg, Theon Spanudis, Aracy do Amaral, Lygia Pape e artistas do Grupo Concreto e Neoconcreto. Em 1964, ganha bolsa de estudos para a Espanha pelo Instituto de Cultura Hispânica de Madrid, onde passa a residir e ali realiza três exposições individuais, fazendo em seguida viagens pela Grécia, Itália e França. No retorno ao Brasil, em 1966, entre idas e vindas a São Paulo e Olinda, participa de outras importantes exposições tais como, XIV Salão Nacional de Arte Moderna (RJ), Seventeen Latin American Painters from the VIII São Paulo Bienal (MAM, RJ, e itinerâncias), XVI Salão Nacional de Arte Moderna (RJ, 1967), I Bienal de Artes Plásticas da Bahia (Salvador, BA, 1967), IX Bienal de São Paulo, IV Salão de Brasília (1967), XII Salão Nacional de Arte Moderna; realiza individual na Galeria Instituto BrasilEstados Unidos (1968) e 1ª Feira de Arte do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1968). Em 1969, retorna por uns meses à sua residência em Olinda e, em 1970, passa a lecionar escultura na Universidade Federal da Paraíba pelo período de dois anos. A partir de então, fixa residência no Recife, onde continua a concentrar sua produção artística repleta de participações e premiações em mostras nacionais e internacionais, tais como, o 1º Prêmio no I Salão Global do Nordeste (Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco) em 1974, a mostra Poéticas Visuais (Museu de Arte Contemporânea da USP, São Paulo) em 1977, a 7ª Bienal de Valparaíso (Chile) em 1985, a III Bienal de Havana (Cuba), em 1989 a coletiva RECIFE - Raízes e Resultados (Porto, PT) em 1994, a exposição Contemporâneos no Acervo do MASP (SP) também em 1994, e Brasil Século XX (Fundação Bienal de São Paulo) em 1996. Ainda em 1996 participa da XXIII Bienal de São Paulo e da V Bienal de Poesia Visual e Experimental da Cidade do México (México).


Entre as décadas de 70 até o presente, realizou várias exposições individuais apresentando, em cada uma delas, diferentes linguagens da sua trajetória como, a mostra da Petite Galerie (Rio de Janeiro - 1973) onde expõe pinturas e objetos, a exposição da série Barracas do Nordeste em 1985 (Centro de Convenções de Pernambuco), a individual no MAMAM (Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife), em 2000 com a série Branca e a série Portões e a série Tantra no Museu do Estado de Pernambuco em 2006 e a série Thânatos no Instituto de Arte Contemporânea – UFPE, Recife em 2010. Em 2011, realiza no MAMAM uma grande exposição retrospectiva (Montez Magno: 55 Anos de Arte) abrangendo mais de 150 obras selecionadas dentre a sua extensa produção artística, a partir do ano de 1957. Além do seu exercício como artista, Montez atuou diversas vezes como membro de júri em importantes Salões de arte, entre eles o XV e XVI Salões de Artes Plásticas de Pernambuco, o 6º Salão Nacional de Artes Plásticas do Rio de Janeiro. É autor de vários textos curatoriais, principalmente para os jovens artistas das gerações surgidas em finais da década de 80 até o início da década de 90 em Pernambuco, onde era notória a escassez da crítica especializada. Menos conhecida, mas não menos importante que seu trabalho em artes plásticas, sua produção literária registra mais de 10 livros de Poesia editados, que muitas vezes revelam uma estreita ligação entre o poeta e o pintor. Dono de uma obra vasta e heterogênea, e com uma trajetória de mais de cinco décadas transitando interdisciplinarmente por diversas linguagens e áreas do conhecimento, o artista é, inegavelmente, um dos mais significativos criadores da história das artes visuais de Pernambuco e do Brasil. Resumo biográfico extraído da dissertação de Mestrado “Os Microplanos de Montez Magno e os infra-minces de Duchamp: a hipersensível vastidão de um ínfimo intervalo” da Prof.ª Ana Elisabete de Gouveia, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPB/ UFPE em abril de 2012 201


Montez Magno ladeado pelos pesquisadores Bete Gouveia (esq.) e Itamar Morgado e a diretora do MAMAM Beth da Matta, por ocasião da abertura da exposição retrospectiva “Montez Magno 55 Anos de Arte” em 2011.



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glossário

índice remissivo dos artistas citados

A Abraham Palatinik

Pintor e gravurista.

(1928 - ) Rio Grande do Norte, Brasil Um dos precursores da arte cinética no Brasil.

Almeida Júnior

Ad Reinhardt

(1913 – 1967) EUA Pintor abstrato expressionista.

(1850 – 1899) São Paulo, Brasil Introduziu a temática regionalista na pintura acadêmica brasileira. Ana Ivo

Allan Kaprow

(1927 - 2006) EUA Pintor e performer (happenings).

(1946 - )Alagoas, Brasil Pintora alagoana radicada em Recife.

Albert Ryder

Anchises Azevedo

(1847-1917) EUA Pintor romântico, cujas paisagens retratam as forças irresistíveis da natureza.

(1933 - )Bahia, Brasil Pintor e gravador baiano que vive e trabalha em Pernambuco. André Breton

Alberto Burri

(1915- 1995) Itália Pintor abstrato informal.

(1896 - 1966) França Escritor francês, poeta e teórico do Surrealismo.

Aldo Bonadei

Arcângelo Ianelli

(1906 -1974) São Paulo, Brasil Pintor integrante do Grupo Santa Helena.

(1922 - 2009) São Paulo, Brasil Pintor, escultor, ilustrador e desenhista brasileiro que fez parte do grupo Guanabara.

Pierre Alechinsky

(1927 -) Bélgica 205


Anselm Kiefer

americano na década de 80.

(1945 - ) Alemanha Pintor e escultor da escola neo-simbolista.

Bete Gouveia

Antônio Bandeira

(1922 - 1967) Ceará, Brasil Pintor brasileiro, integrante do Movimento Modernista de Fortaleza, na década de 40.

( 1957 - ) Pernambuco, Brasil Pintora, pesquisadora, professora, com Mestrado em Artes Visuais pela UFPE. Nos últimos anos vem se dedicando ao estudo da obra de Montez Magno. Bissier, Julius

Aprígio e Frederico Fonseca

(1954/1956 - ) Pernambuco, Brasil Irmãos artistas. Pintores, gravuristas e desenhistas.

Bosch, Hieronymus

Barnett Newmann

à

glossário

Balthus (Balthasar Klossowski de Rola)

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Bonnard, Pierre

(1867 - 1947) França Pintor francês.

B (1905 –1970) EUA Pintor americano ligado abstração geométrica.

(1893-1965) Alemanha Pintor e aquarelista alemão.

(c. 1450 –1516) Holanda Pintor holandês que criou um imaginário fantástico para representar conceitos morais e religiosos. Para muitos, precursor do Surrealismo.

(1908 – 2001) França Pintor franco-polonês, famoso por retratar, magistralmente, adolescentes em poses sensuais.

Botero, Fernando

Basquiat, Jean-Michel

Boyle, Mark

(1960 –1988) EUA Pintor que iniciou sua carreira grafitando muros em Nova Iorque e tornou-se um dos ícones do neoexpressionismo

(1932 - ) Colômbia Pintor e escultor cuja obra se caracteriza por figuras rotundas e estáticas.

(1934 - 2005) Escócia Fez parte de um grupo de artistas colaborativos baseados em Londres, conhecido como Boyle’s Family.


da

(1876-1957) Romênia Escultor romeno radicado na França.

(1571 - 1610) Itália Pintor de vida conturbada, que usava personagens mundanos como modelos para a pintura de cenas bíblicas. Suas obras são de grande dramaticidade, pelo uso magistral do contraste entre sombra e luz.

Braque, Georges

Carrà, Carlo

(1882 - 1963) França pintor e escultor. Juntamente com Picasso, fundou o Cubismo, um dos movimentos artísticos mais importantes do Século XX.

(1881 - 1966) Itália Pintor ligado ao Futurismo e à Escola Metafísica de De Chirico.

Bradley, William H.

(1868 -.1962) EUA Ilustrador, tipógrafo e designer. Brancusi, Constantin

Brennand, Francisco

(1927 - ) Pernambuco, Brasil Ceramista e pintor pernambucano, cujo atelier, em Recife, foi montado nas ruínas de uma antiga fábrica da família. Brueghel, Jan (o Velho)

(1568-1625) Bélgica Um dos mais notáveis pintores flamengos.

C Calder, Alexander

(1898 - 1976) EUA Escultor e pintor conhecido por seus móbiles.

Cézanne , Paul

(1839 -1906) França Pintor pós-impressionista que forneceu as bases para os movimentos modernistas do início do século XX, como o Cubismo, ao reproduzir em seus trabalhos, as formas fundamentais da natureza: a esfera, o cilindro e o cone. Capogrossi, Giuseppe

(1900 - 1972) Itália Pintor italiano, expoente da Escola Romana (Novecento).

Chardin, Jean-Baptiste-Siméon

(1699 - 1779) FRANÇA Um dos mais célebres pintores do barroco francês

Caravaggio, Michelangelo Merisi 207


Chico da Silva (Francisco Domingos da Silva) (1910 - 1985) Acre, Brasil Pintor naïf radicado em Fortaleza, cujos trabalhos foram expostos internacionalmente. Cícero Dias (1907 - 2003) Pernambuco Pintor pernambucano radicado em Paris, expoente do Modernismo brasileiro. Um de seus últimos trabalhos foi o piso da Praça do Marco Zero em Recife (2002). Clovis Trouille (Camille Clovis Trouille) (1889 1975) França Pintor caracterizado por pinturas lúgubres e críticas ao militarismo e à religiosidade. Apesar de não ter muita identidade com o movimento, Breton o declarou surrealista.

Corot, Jean-Baptiste Camille (1796 – 1875) França pintor paisagista e retratista da escola realista francesa.

glossário

Courbet, Gustavo (1819 -1877) França pintor anarquista francês pertencente à escola realista.

208

Cranach (Lucas Cranach der Ältere)

(1472 -1553) Alemanha Pintor e gravurista renascentista, pintava temas religiosos católicos e, depois, retratos de líderes protestantes, por influencia de Martinho Lutero, de quem se tornou grande amigo.

Cuixart (Modest Cuixart i Tàpies) (1925-2007) Espanha Pintor catalão da Escola Barcelonesa

D Darel Valença (1924 - ) Pernambuco Gravurista, pintor, desenhista, ilustrador e professor pernambucano. Daumier, Honoré-Victorien (18081879) França Pintor, litógrafo, ilustrador e chargista, considerado um dos pioneiros do naturalismo. David, Jacques-Louis (1748-1825) França O mais característico representante do neoclassicismo na França. Pintor oficial da Corte Francesa e de Napoleão Bonaparte. De Chirico, Giorgio (1888 –1978 )Itália Pintor italiano, nascido na Grécia. Pré-Surreliasta, fundou a Escola


Metafísica.

Nordeste brasileiro.

De Konning, Willem

Eduardo Sued

(1904 - 1997) EUA Nascido na Holanda, migrou para Nova Iorque ainda jovem, tornando-se um expoente do expressionismo abstrato.

(1925- ) Rio de Janeiro Pintor, gravador

Décio Luiz Monteiro Vieira (1922-1988) Rio de Janeiro Pintor e desenhista, integrante do Grupo Neoconcreto. Em 1966, trabalhou com Volpi no afresco Dom Bosco para o Palácio dos Arcos em Brasília. Donald Clarence Judd (1928- 1994) EUA pintor e escultor minimalista norteamericano.

e

desenhista

ligado ao movimento concretista. Edvard Munch (1863 -1944) Noruega Pintor simbolista, precursor do Expressionismo. Seu trabalho mais famoso é “O Grito”. El

Greco

(Doménikos

Theo-

tokópoulos) (1541- 1614) Espanha Grande pintor, escultor e arquiteto grego que desenvolveu a maior parte da sua carreira em Toledo, Espanha. Suas pinturas privilegiam a dramaticidade em detrimento da descrição.

Dubuffet, Jean Philippe Arthur (1901 -1985) França Foi um pintor francês que rejeitava a estética da arte ocidental. Denominou seu estilo de art brut (arte bruta).

Eudes Mota (1951- ) Pernambuco Pintor pernambucano ligado à abstração geométrica.

E Eckhout, Albert (1610 -1666) Holanda Pintor, desenhista e botânico que integrou a comitiva de Mauricio de Nassau para pintar a natureza do

F Fautrier, Jean (1898 -1964) França Pintor e escultor francês. Fídias 209


glossário

(c. 490 a.C - c. 430 a.C.) Grécia Célebre escultor da Grécia Antiga, autor de duas das mais famosas esculturas da Antiguidade, a Athena Parthenos e o Zeus Olympeios.

210

Ernst Fuchs (1930 - )Áustria Pintor, desenhista, gravador. Um dos fundadores da Escola Vienense de Realismo Fantástico.

G

Francis Bacon (1909 - 1992) Irlanda Pintor anglo-irlandês, descendente colateral de Francis Bacon (filósofo do período Elisabetano). Seu trabalho é perturbador, chegando a ser grotesco, criando imagens que se distanciam dos padrões convencionais de beleza.

Gino Severini (1883–1966) Itália Pintor integrante do Movimento Futurista, também associado ao Neoclassicismo e o “Retorno à Ordem”.

Francis Marie Martinez Picabia (1879 - 1953) França Pintor e poeta, esteve ligado ao Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo de André Breton.

Gabo, Naum (1890 - 1977) Rússia Escultor que se destacou no movimento do Construtivismo russo e na Arte Cinética.

Frank Philip Stella (1936 - ) EUA Um dos mais importantes artistas contemporâneos da escola minimalista americana.

Giotto di Bondone (1266 -1337) Itália Foi um pintor e arquiteto pré-renascentista, a quem se atribui a introdução da perspectiva na pintura.

Fred Forest (1933 - ) França artista francês multimídia, nascido na Argélia. Ficou conhecido no Brasil por suas ações realizadas na Bienal de São Paulo de 1973, que lhe renderam um prêmio de comunicação e uma prisão pelo regime militar da época.

Gleizes, Albert Léon (1881 - 1953) França Pintor francês que, em 1910, alinhou-se ao movimento cubista. Goya, Francisco de (1746 - 1828) Espanha Pintor, desenhista e gravador, retratou magistralmente o período


conturbado em que viveu, na série de gravuras “Os desastres da Guerra”. Grunewald (Mathis Gothart Niethart) (1470 -1528) Alemanha Pintor sacro, tido entre os maiores pintores germânicos do gótico tardio. Guignard, Alberto da Veiga (1896 - 1962) Rio de Janeiro Pintor brasileiro, que viveu na Alemanha, é conhecido principalmente por retratar paisagens mineiras e naturezas-mortas.

H Hans Hartung 1904- 1989) Alemanha Pintor franco-alemão, conhecido pelo seu estilo abstrato-gestual. Suas pinturas são consideradas precursoras da abstração lírica norteamericana. Henry Spencer Moore (1898 -1986) Inglaterra Escultor e desenhista britânico que considerava essencial o respeito do artista pela natureza do material. “A pedra dura não pode representar a maciez da carne” Hiroshiga, Utagawa (1797-1858) Japão

Pintor e gravador japonês, muito conhecido por suas gravuras de paisagens. Humberto Magno (19x47 - ) Pernambuco Pintor, muralista e arquiteto pernambucano, participante de Movimento da Ribeira, cuja formação inclui passagem pela Escolinha de Arte de Augusto Rodrigues no RJ.

I Ingres, Jean-Auguste Dominique (1780-1867) França Pintor e desenhista, discípulo de David, atuou na passagem do Neoclassicismo para o Romantismo. Ítalo Bianchi (1924 -2008) Itália/Brasil Cenógrafo, pintor e publicitário italiano, radicado em Recife (PE).

J Joseph Beuys (1921 -1986) Alemanha Artista gráfico, performer, escultor, professor, dedicado à pedagogia da arte e estudioso da Antroposofia. Um dos mais influentes artistas do século XX.

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José Antônio da Silva (1909 – 1996) São Paulo Um dos mais importantes pintores primitivos brasileiros. José Barbosa da Silva (1948 - ) Pernambuco Pintor, gravador, entalhador e escultor de Olinda (PE) , com exposições realizadas no Brasil e na Europa, onde morou por longo período. José Cláudio da Silva (1932 - ) Pernambuco Pintor pernambucano que integrou expedição à Amazônia em 1975, a convite do cientista e músico Paulo Vanzolini. A série de pinturas sobre a Amazônia encontrase exposta no Palácio Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo.

glossário

João Câmara Filho (1944 - ) Paraíba Pintor e litógrafo paraibano radicado em Olinda-PE. Premiado nacional e internacionalmente. A série “Cenas da Vida Brasileira” um de seus trabalhos mais conhecidos, pertence ao acervo do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) em Recife.

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Joaquim do Rego Monteiro (1903-1934) Pernambuco Irmão de Vicente do Rego Monteiro.

Segundo o crítico Walter Zanini, um dos primeiros pintores brasileiros atraído pela pintura abstrata. Josef Albers (1888 - 1976) Alemanha/EUA Pintor e educador americano nascido na Alemanha. Sua obra funde a pintura tradicional europeia com a nova arte americana. Foi professor da Bauhaus. Juan Sánchez Cotán (1560 -1627) Espanha pintor barroco espanhol, famoso pelas suas pinturas de cenas religiosas, naturezas-mortas (bodegones) e retratos. Julian Schnabel (1951 - ) EUA Pintor integrado ao movimento neo-expressionista americano. É também cineasta, tendo dirigido o filme “Basquiat” (1996), “O Escafandro e a Borboleta”, dentre outros. (2007)

K Kandinsky, Wassily (1866 -1944) Rússia Pintor e aquarelista, professor da Bauhaus e introdutor da abstração no campo das artes visuais, associando esse conceito ao campo musical. Integrou o grupo “Cavaleiro Azul” e foi um dos mais impor-


tantes artistas do Século XX. Klee, Paul (1879 - 1940) Suiça Pintor, desenhista e poeta suíço, naturalizado alemão. O seu estilo tem referencias de várias tendências artísticas como o expressionismo, cubismo, e surrealismo. Escreveu intensamente sobra e teoria das cores. Kline, Franz Jozef (1910 - 1962) EUA Pintor associado ao expressionismo abstrato.

L Lasar Segall (1891-1957) São Paulo Foi um pintor, escultor e gravurista brasileiro nascido na Lituânia. Um dos primeiros modernistas a expor no Brasil, influenciando o Movimento Modernista Brasileiro que se seguiu. Judeu, abordava temas sobre o sofrimento humano: a guerra, a perseguição e a prostituição. Léger, Jules-Fernand-Henri (1881 - 1955) França Pintor e litógrafo, deixou de lado os conceitos impressionistas ao conhecer Braque e Picasso em 1911. A partir daí, incorporou elementos cubistas à maior parte de sua obra.

Leonardo da Vinci (1452-1519) Itália Uma das figuras mais importantes do Alto Renascimento, que se destacou como pintor, escultor, inventor, arquiteto, botânico, anatomista, etc. Considerado um dos gênios da Humanidade e arquétipo do homem do Renascimento, pela sua criatividade e pelas suas múltiplas habilidades. Pintou a enigmática “Mona Lisa”, a obra de arte mais famosa do mundo ocidental. Lyubov Sergeyevna Popova (1889-1924) RÚSSIA pintora integrante da vanguarda russa, que ganhou espaço importante no mundo da arte soviética, dominado por artistas do gênero masculino. Lucio Fontana (1899 - 1968) Argentina/Itália Nascido na Argentina, de pais italianos, criou o conceito de Espacialismo, aplicado às suas telas cortadas (tagli), que têm laços com a Arte Povera.

M Maurits Cornelis Escher (1898 - 1972) Holanda Artista gráfico, conhecido por suas litografias e xilogravuras de construções arquitetônicas impossíveis 213


Magritte, René François Ghislain (1898 -1967) Bélgica Foi um dos principais artistas surrealistas belgas. Malevich, Kazimir (1879 - 1935) Rússia pintor russo que, em 1915, estabeleceu as bases para o Suprematismo, uma das mais importantes correntes do século XX. Marcel Duchamp (1887 - 1968) França Pintor, escultor, poeta e enxadrista francês, criador dos ready-mades. Revolucionou o mundo da arte ao afirmar que a ideia (conceito) se sobrepunha à materialidade do objeto artístico. Influenciou todas as gerações que lhe sucederam e suas ideias, ainda hoje, suscitam debates entre os teóricos e estudiosos das artes.

glossário

Marinetti, Filippo Tommaso (1876 -1944) Itália Escritor, poeta, editor, ideólogo, jornalista e ativista político italiano, nascido no Egito. Foi o criador do Movimento Futurista, que influenciou diversos movimentos artísticos do século XX.

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Mark Rothko (1903 -1970) EUA Nascido na Rússia, naturalizado estadunidense, foi um pintor expres-

sionista abstrato, cuja obra estava voltada para a busca da espiritualidade do homem moderno, por influência das teorias filosóficas de Friedrich Nietzsche. Mark George Tobey (1890-1976) EUA um dos pioneiros da pintura expressionista abstrata dos Estados Unidos. Participava da “Escola do Noroeste” americana. Masaccio (1401-1428) Itália pintor do Quattrocento, foi o primeiro grande pintor italiano depois de Giotto e o primeiro mestre da Renascença italiana. Desviou-se das idealizações góticas para uma visão mais humanista, coerente com o espírito renascentista. Matisse, Henri-Émile-Benoît (1869- 1954) França Desenhista, gravurista e escultor, mas, principalmente, pintor. Classificado inicialmente como fauvista, destacava-se pelo uso da cor e pelo desenho fluído. Exerceu forte influencia sobre os modernistas. Max Bill (1908 - 1994) Suiça Designer gráfico, designer de produto, arquiteto, pintor, escultor. Professor na Escola Ulm, influenciou o perfil da Escola Superior de


Max Ernest (1891- 1976) Alemanha Pintor alemão, viveu também nos Estados Unidos e na França, integrado ao movimento surrealista.

Miró, Joan (1893 - 1983) Espanha importante escultor e pintor surrealista catalão. Em Paris, entrou em contato com as tendências modernistas como os Fauvismo e Dadaísmo.

Mies van der Rohe, Ludwig (1886-1969) Alemanha / EUA Arquiteto norte-americano de origem alemã. É considerado, com Walter Gropius, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, um dos arquitetos mais importantes do século XX.

Mondrian, Pieter Cornelis (1872 -1944) Holanda Pintor holandês criador do Neoplasticismo, movimento que procurava reduzir a pintura a seus elementos mais puros em termos cromáticos e espaciais.

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475-1564) Itália Pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano, considerado um dos maiores criadores da história da arte do ocidente.

Monet, Oscar-Claude (1840 -1926) França O mais célebre entre os pintores impressionistas. Seu quadro, “Impressão, nascer do sol”, gerou uma crítica irônica do escritor Louis Leroy, que acabou sendo adotada pelo grupo de artistas para batizar de Impressionismo o movimento nascente.

Desenho Industrial, no Brasil.

Mikalojus Konstantinas Čiurlionis (1875-1911) Lituânia Pintor e compositor que contribuiu para o Simbolismo e a Art Nouveau e foi representante da época do fin de siècle. Mira Schendel (1919 - 1988) Suiça/Brasil Artista plástica suíça radicada no Brasil, hoje considerada um dos expoentes da arte contemporânea brasileira.

Morandi, Giorgio (1890 - 1964) Itália importante pintor italiano. Asceta, ficou conhecido por sua precisão na pintura de natureza morta, atribuindo características metafísicas aos objetos retratados. Morris Graves (1910-2001) EUA Certamente o mais excêntrico dos 215


artistas da Escola do Noroeste, que também incluiu Mark Tobey, Kenneth Callahan, e Guy Anderson. Optou por separar-se da sociedade em sua busca para pintar representações simbólicas da consciência que, em seus quadros, podiam tomar a forma de um cálice, ou um pássaro. Muñoz, Juan (1953 - 2001) Espanha Escultor que usava materiais diversos em seus trabalhos, como papel machê, resina e bronze. Em 2000, recebeu o “Premio Nacional de Artes Plásticas de España”, falecendo no ano seguinte.

N Nestor Silva (1911-1937) Pernambuco Pintor e caricaturista que viveu nos mocambos do Recife. Principal ilustrador da obra de Mário Sette.

glossário

P

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Paolo Ucello (1397 -1475) Itália Pintor do Quattrocento italiano, que se destacou pelo efeito de relevo obtido pelo contraste de luz

(chiaroescuro) e a sensação de profundidade gerada pela técnica da perspectiva. Paul Delvaux (1897- 1994) Bélgica Pintor ligado à corrente surrealista, fixado em temas misteriosos, criando um universo onírico e pessoal, com certo grau de erotismo. Pevsner, Sir Nikolaus (1902 -1983) Alemanha/Inglaterra designer, arquiteto, professor, historiador. Picasso, Pablo Ruiz (1881-1973) Espanha/França Pintor, escultor, ceramista, gravurista, cenógrafo espanhol radicado na França. Criador do Cubismo juntamente com Georges Braque e Juan Gris, é considerado um dos maiores artistas do século XX, por ter influenciado a gênese de importantes movimentos e outros grandes artistas da sua época. Piero Della Francesca (1415 - 1492) Itália Pintor italiano do Quattrocento. No século XV, Piero Della Francesca desenvolve uma pintura pessoal e solene, misturando figuras geométricas e cores intensas, cuja obra ficou no esquecimento até princípios do Século XX, quando estudiosos passaram a considerá-lo uma importante expressão da arte itali-


ana do período renascentista. Planell, Carlos Planell ( ? - ) Espanha Artista espanhol que expôs na X Bienal SP. Portinari, Cândido (1903 - 1962) São Paulo Um dos mais consagrados pintores brasileiros, destacou-se por retratar questões sociais do Brasil. Pintou o painel “Guerra e Paz” para a sede da ONU em Nova York e o mural da Biblioteca do Congresso em Washington. Sua obra revela influencias do Surrealismo, Cubismo e dos muralistas mexicanos. Poussin, Nicolas (1594 - 1665) Franca/Itália Foi um pintor francês, que trabalhou quase que exclusivamente em Roma. É um dos maiores representantes do Classicismo do século XVII.

R Rafael Sanzio (1483- 1520) Itália Um dos mestres da pintura e da arquitetura da Escola de Florença que forma, juntamente com Michelangelo e Leonardo Da Vinci, a tríade de grandes pintores do Alto Renascimento.

Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606 -1669) Holanda Pintor e gravador. O maior pintor do chamado “Século de Ouro dos Países Baixos”, ápice da influência holandesa na política, ciência, comércio e na cultura (especialmente a pintura) Richard Oelze (1900- 1980) Alemanha Pintor alemão classificado como surrealista. Robert Morris (1931-) EUA Escultor e escritor modernista estadunidense, ligado à corrente minimalista e à Land Art. Rodin, Auguste (1840 -1917) França Escultor que rompeu com as normas acadêmicas ao adotar o conceito de non finito (não acabadas, sem acabamento) em suas obras. Por isso, muitos o consideram um verdadeiro Impressionista. Roerich, Nicolas (1874 -1947) Rússia Pintor, escritor, historiador, poeta e líder intelectual russo. Rouault, Georges Henri (1871 - 1958) França Pintor, artista gráfico e litógrafo, ligado ao Fauvismo e Expression217


T

ismo. Rousseau, Henri-Julien-Félix (1844- 1910) França Pintor autodidata, inserido no movimento pós-impressionista.

S Saura, Antonio (1930 - 1998) Espanha Artista plástico espanhol, irmão do diretor de cinema Carlos Saura. É considerado um dos maiores artista da Espanha nos últimos 50 anos. Seurat- Georges Pierre (1859 –1891) França pintor pós-impressionista que, ao criar o Pontilhismo, alterou o curso das tendências artísticas predominantes (Impressionismo) em direção à arte moderna.

glossário

Sol LeWitt (1928 - 2007) EUA Pintor, escultor e muralista, usou as variações de elementos cúbicos, explorando as relações entre superfície e volume. Foi um dos protagonistas do Movimento Minimalista nos Estados Unidos.

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Soutine, Chaïm (1893 - 1943) França Foi um pintor expressionista da Escola de Paris.

Takis, Vassilakis (1925 - ) Grécia Artista que iniciou a carreira como escultor e direcionou-se para a exploração dos fenômenos físicos da natureza, principalmente as ondas sonoras provocadas por campos magnéticos. Tàpies i Puig, Antoni (1923-2012) Espanha Pintor, escultor, artista gráfico e teórico da arte, tornou-se um dos mais importantes artistas de sua geração. Tharrats, Joan-Josep (1918-2001) Espanha Pintor, gravador e escritor catalão. Tatlin, Vladimir Evgrafovič (1885 - 1953) Rússia Pintor, escultor, cenógrafo e arquiteto, idealizador do Construtivismo. Projetou o Monumento à Terceira Internacional, que nunca chegou a ser executado, por falta de fundos. Tomie Ohtake (1913 - ) Japão/Brasil Pintora e escultora nascida no Japão e radicada em São Paulo. Sua obra abrange pinturas de abstração informal e esculturas de grandes


dimensões instaladas em locais públicos. Torres Garcia, Joaquín (1874 - 1949) Uruguai Pintor, desenhista, escultor e professor uruguaio, de projeção internacional. Turner, Joseph Mallord William (1775 - 1851) Inglaterra Pintor romântico inglês, cujas paisagens se enquadram na categoria do “Sublime”, pela atmosfera enevoada e por realçarem a insignificância do homem diante da grandeza da natureza. Alguns críticos o consideram um dos precursores do Impressionismo, em função dos seus estudos sobre cor e luz.

V Van Eyck, Jan (1390 -1441) Bélgica Pintor flamengo do século XV. Foi também o fundador do estilo pictórico do gótico tardio, influenciando em muito o Renascimento nórdico. Alguns historiadores atribuem a ele o pioneirismo no uso da tinta a óleo de secagem rápida. Van Gogh, Vincent Willem ( 1853 -1890) Holanda Pintor pós-impressionista

fre-

quentemente considerado um dos maiores de todos os tempos, cuja obra só veio a ter reconhecimento após a sua morte. Vasarely, Victor (1908 -1997) Hungria Pintor e escultor húngaro radicado na França, fundador da Optical Art (OP ART) que usava figuras geométricas para criar sensação ilusória de movimento. Velazquez, Diego Rodríguez de Silva y (1599 - 1660) Espanha Pintor, retratista, principal artista da corte do Rei Filipe IV de Espanha. Manet o considerava “o pintor dos pintores”. Sua obra prima é “As Meninas” que foi “recriada” por importantes pintores, incluindo Picasso. Vermeer, Johannes (1632 - 1675) Holanda O segundo pintor holandês mais importante, depois de Rembrandt. Usava magistralmente a luz e a transparência das cores. Vicente Vela (1931 - ) Espanha Pintor abstracionista e cenógrafo que participou de diversas exposições internacionais, incluindo a V BIENAL de SÃO PAULO. Considerado um dos maiores nomes da pintura espanhola nas décadas de 219


70 e 80. Vicente do Rego Monteiro (1899 -1970) Pernambuco Pintor, desenhista, escultor, professor e poeta pernambucano, que viveu por muito tempo em Paris, onde angariou prestígio entre os grandes artistas de sua época. Artista múltiplo, foi precursor do Movimento Modernista Brasileiro. Seus temas vão do religioso aos motivos indígenas, com influências cubistas. Vila Casas, Juan (1920-2007) Espanha Escultor e pintor da Escuela Pictórica Barcelonesa. Volpi, Alfredo (1896 - 1988) Itália / Brasil Pintor brasileiro nascido na Itália, um dos expoentes da segunda geração do Modernismo. Autodidata, usava a têmpera sobre tela em seus trabalhos e ficou conhecido como o pintor das “bandeirinhas”.

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W

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William Hayter, Stanley (1901- 1988) Inglaterra Pintor e gravador ligado ao Surrealismo na década de 30 e ao Expressionismo Abstrato a partir dos anos 40.

Wilfredo Óscar de La Concepción Lam y Castilla (1902- 1982) Cuba Pintor, escultor e ceramista cubano.

Y Yves Klein (1928- 1962) França Pintor e performer francês, classificado por alguns como neodadaísta. Suas ações antecipam o que hoje chamamos de arte contemporânea. Criou e registrou o IKB (International Klein Blue) tonalidade de azul que usava em seus trabalhos.



Artista: Montez Magno Coordenação editorial: lorem ipsum lorem Organização: lorem ipsum Entrevista: lorem ipsum Pesquisa e cronologia: lorem ipsum Revisão: lorem ipsum Programação visuai: lorem ipsum design Fotografias: lorem ipsum Capa: lorem ipsum, série tal, 20x25cm, 1978. Coleção do artista.

B912d Magno, Montez, 1923 Memorabilia - Crítica de arte e outros escritos. / Montez Magno, organização de Itamar Morgado; coordenação editorial de Lorem Ipsum, pesquisa e cronologia de Lorem Ipsum. Recife, 2012. 180 p: 16x22cm: il., color ISBN: 934-923-423-234-1 1. Arte Brasileira - Séc. XX. 2. Arte Brasileira - Séc XXI. 3. Entrevistas. 4. Artistas - Brasil - Entrevistas. 5. Fotografia. CDD (22): 9420.03 CDU 77


Este livro foi composto com as fontes Minion Pro, Myriad Pro e American Typewriter, e impresso em papel P贸len. Editado na gr谩fica Facform em maio de 2012, Recife (PE).



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