Junho de 2014 Número 101
Cadernos de Viagem
VIII Raid do Kwanza Sul
Estávamos em pleno deserto do Namibe. Passámos por uma família herero. Parámos e demos umas latas de conserva. De imediato a abriram e comeram. No final para limpar a boca, baixaram-se, pegaram numa pedra e limparam o queixo sujo com a gordura que escorrera. Estávamos noutro mundo, na Angola profunda, bem longe do modo de vida que conhecemos.
@ M. Margarida Pereira-Müller infobus, Comunicação e Serviços, Lda Tel.: 00351-214351054 Email: guidapereiramuller@yahoo.com
2014/06/04 A partida Muita foi a minha admiração quando recebi um email a informarem-nos de que deveríamos estar no aeroporto às 6h45. O quê?! Mas o voo não é só às 11h?! Para quê tão cedo. Mas cumpridores como somos, chegámos ao aeroporto às 6h47. Quando nos aproximámos no balcão de check-in da TAAG, que só abriria às 7h, já a fila era
longa. Bem, pelos vistos, os viajantes para Angola gostam todos de madrugar. Pusemonos numa fila para grupos e a dada
altura chegou a vez de o nosso grupo fazer o check-in das bagagens. A fila normal era cada vez maior. Apesar de termos feito o check-
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A viagem
Logo à partida de Lisboa se tem de começar a treinar a paciência, uma virtude muito preciosa em Angola
in em casa, não tinha olhado para o cartão de embarque. Foi só quando a funcionária mo devolveu com as etiquetas da bagagem é que me saltou à vista a hora de embarque: 9h50! Espanto novamente: como 9h50? O voo não é às 11h? Mas a TAAG conhece a rapidez dos seus procedimentos e os seus passageiros. O avião tinha uma posição remota, isto é, não tinha manga, e os passageiros do 777-300, que ainda por cima estava overbooked , teriam de chegar ao avião de autocarro. Entrámos no avião às 10h, mas os últimos passageiros só chegaram perto das 12h! Partimos às 12h15 com 75 minutos de atraso – e apesar de nos ter sido pedido para fazer o check-in das bagagens com uma antecedência de 4h15!!!! O voo A arrumação dos passageiros dentro do avião também não foi fácil. A maioria traz muita bagagem de mão, bem além do volume com 5 kg permitido. Conseguir
colocar todas as malas e malinhas, sacos e saquinhos, casacos e compras das lojas francas nas bagageiras superiores é um ótimo exercício de logística que nem os passageiros nem o pessoal de bordo domina. Passageiros passeiam-se com a sua bagagem de mão pelo avião à procura dum espacinho nas bagageiras onde a passam deixam – se procurassem outro seria mais fácil….. Vislumbram um espacinho minúsculo e logo pensam que têm o seu problema resolvido. O seu … têm, o dos outros não. E que muitas vezes deixam a bagagem com o rabo de fora o que impede que as baga-
geiras de fechem. Mais tempo perdido: as hospedeiras deslocam-se pelo avião para fechar as bagageiras, mas muitas recusam-se a fechar por estarem obviamente overbooked tal como o avião. “Oh, não fecha!” Exclama então admirada a hospedeira. “Tenho de chamar o meu colega. Pode ser que ele consiga”. O colega vem, empurra um pouco a mala. A porta continua a não fechar. Pergunta a quem pertence a mala. Pelos vistos a ninguém, porque ninguém se acusa. Eu diria que será de algum passageiro lá de trás mas como o descobrir? O comissário tira tudo o que está na bagageira… para voltar a pôr lá tudo. Volta a tentar fechar. Continua a não fechar. Decide finalmente retirar a mala e tentar encafuá-la noutro sítio. Assim se compreende como o voo atrasa. Bem, finalmente, foi anunciado que o embarque estava terminado. Portas em crossed check. Começam os anúncios de segurança. Estranhei não terem pedi-
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do aos passageiros sentados na fila de emergência com os televisores de pôr e tirar que os guardassem. Será que iriam permitir a descolagem com os aparelhos de fora? Mesmo antes da descolagem, um comissário foi coloca-los um a um nos seus “esconderijos” nos assentos. Prontamente foi servido o almoço. A escolha do prato principal era pescada cozida com batatas (quem é que se lembra de oferecer um prato de dieta a bordo?!) e novilho com massinha. Decidi-me por este e por vinho tinto para o acompanhar. A entrada de salmão fumado não foi má. O prato principal porém foi horrível. A camada de baixo da massa estava… encruada e a de cima …. seca do forno. As couves de Bruxelas desfaziam -se de tão cozidas que estavam. Os pedaços de novilho estavam gelatinosos. A sobremesa era um “wannabe” bolo da floresta negra com um sabor muito artificial. O
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que salvou o almoço? O pãozinho com manteiga e as bolachas de água e sal com queijo La vache qui rit. Durante um tempo houve turbulência. Os anúncios para que as pessoas se sentassem e pusessem os cintos de segurança foram feitos em duas ocasiões… só em português… Ora, os estrangeiros que soubessem a língua de Camões! A chegada Angola igual a sempre. O avião aterrou às 19h10. … mas só saímos do avião lá para as 20h. O caminho para aviões é curto mas como só circulavam dois autocarros a saída foi demorada. Ao chegar ao terminal, deparámo-nos
com as habituais longas filas para o controlo dos passa-
portes – filas que começavam fora do edifício. E mesmo assim, como toda esta lentidão, a entrega das malas foi igualmente lenta e demorada. Finalmente, com todas as malas em nosso poder, saímos do terminal onde nos esperava já a Elsa da Câmara de Almada e o Pedro Cristina que organizou o raid. Devido ao adiantado da hora, a ida para o hotel foi rápida, sem os habituais engarrafamentos de Luanda. Jantar, 1º briefing e cama. Amanhã começa verdadeiramente a aventura.
5 de Junho 2º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Luanda— Lobito (599 km)
Ao sairmos do avião senti o mesmo bafo quente e o cheiro de África tal como há 40 anos
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5 junho - Luanda-Lobito Noite curta. Partida do hotel às 6h30. O autocarro era pequeno demais para todos os participantes. Foi difícil conseguir enfiar todas as pessoas mais a bagagem mas por fim lá partimos para Talatona onde estavam os nossos jipes. Senti-me numa verdadeira lata de sardinhas! Os nossos jipes, novinhos em folha, com somente 112 km do conta-quilómetros, esperavam por nós nas instalações da Robert Hudson, uma empresa do Grupo Salvador Caetano que representa a Ford em Angola. A bagagem de todos os participantes foi distribuída pelos dois jipes com canópia: o Saída de Luanda
nº 9 e o nº 11, que os tinha sido atribuído. Saímos da Robert Hudson às 8.30 em
arrancar em direção ao sul. Eram 9h23. O trânsito em Luanda estava caótico como habitualmente. Até aqui nada de novo. O importante era mantermosmos na coluna, mas havia sempre uns abelhudos e uns candongueiros atrevidos que tentavam avançar a todo o custo. Na Robert Hudson
formação por ordem numérica. Não fomos porém longe: logo aí, ainda em Talatona, os 17 jipes foram atestar numa bomba da Sonangol. Finalmente estávamos prantos para
Pouco depois da Ponte Molhada, uma ponte de recebeu este nome pois fica sob, em vez de sobre, a água com chove muito (!), o trânsito começou a melhorar. Calmamente chegámos ao Miradouro da Luz, um local fantástico onde a erosão esculpiu maravilhosamente as falésias, dando-lhes formas
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Material bélico abandonado na estrada
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diversas que realçam xávamos para trás a devido à diversidade província de Luanda das cores da areia. e do outro lado da Foi também aqui a ponte entrámos na estreia da chamada província do Kwanza “casa de banho entre Sul que dá o nome portas”. ao nosso RAID. Logo a seguir, passáA estrada asfaltada mos o rio Kwanza, continuava, mas já pela ponte consEntrada de Porto Amboim truída no início dos anos 70 do século XX e recuperada há alguns anos. Uma ponte com pornada da confusão de tagem! Um a um, os Luanda. Deixou de jipes paravam, recehaver lixo à beira da biam o recibo mas estrada, mas lindos não pagavam. O paimbondeiros, grangamento foi feito na des e pequenos, totalidade pela orgamais largos e mais nização. estreitos. Tínhamos chegado à zona da Porto Amboim
árvore mítica angolana. Passagem rápida por Porto Amboim, a cidade que está geminada com Almada desde 1997. Quando aqui chegaram em 1587, os portugueses deram o nome de Benguela, mas abandonaram o povoado pouco depois. Voltaram quase dois séculos depois, batizando a nova localidade de Benguela Velha. A povoação é elevada a vila em 1923 e muda o nome para Porto Amboim, passando a ter o estatuto de cidade no início de 1974. Seguimos para Sum-
Assim que se sai de Luanda, deixamos para trás a confusão. A vida nas províncias é muito mais humana
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Sumbe
. Sumbe foi fundada pelo Conde de Redondo, daí ter recebido no nome de Nova Redondo, que manteve até à independênci a
be, a antiga Novo Reum grupo de mulhedondo, onde almoçáres a lavar a roupa e mos lindamente num os respetivos filhos a restaurante mesmo brincar na água. Toem cima da praia. da a caravana para Gostaria de ter tomatirarmos fotografias. do o meu primeiro banho Lavando no rio nas águas angolanas, mas os locais desaconselharamme por a água estar muito barrenta. Já tínhamos percorrido 329 km. Reconfortados com uma caldeirada Ao final da tarde, no de cabrito e outras meio da confusão da delícias, seguimos hora de ponta, cherumo à província de gámos ao Lobito. Benguela. Ao passar A origem do nome da uma ponte, vimos cidade, que chegou a
Lobito
ser elevada a concelho em 1843, vem do substantivo pitu, antecedida da partícula classificativa olu; assim teríamos OLU+PITU, a “porta, o passadiço, a passagem “ que as caravanas de carregadores, ao descer dos morros vindos do interior, percorreriam, antes de atingirem a “praça comercial” da Catumbela. Com o uso continuado e o tempo, tal substantivo comum passaria a nome próprio, pelo que iria perder o “o” inicial,
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logo Lupitu que acabou por ser aportuguesado para Lobito. O jantar foi no restaurante em frente do hotel, com muito marisco e especialidades angolanas. Já no final, um grupo folclórico local veio dançar, cantar e tocar para nós. Estavam pintados com as pinturas que se fazem por altura da festa da inicial feminina e masculina. O curioso: numa das danças, as mulheres, bastante mais fortes que os homens, lançavam os homens pelo ar. Depois do jantar, o Hans-Jürgen e eu apanhámos a boleia dum espanhol amigo do Manuel Laranjeira, da Câmara de Almada, e fomos até ao Hotel Términus onde os meus Pais passa-
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ram a primeira noite quando a minha Mãe chegou da metrópole. O hotel Términus foi inaugurado a 29 de Dezembro de 1932,
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no seguimento duma política de expansão dos caminhos de ferro. O decreto concedendo a Robert Williams, engenheiro escocês que foi grande colaborador de Cecil Rhodes, autorização para construir e explorar uma linha férrea da baía do Lobito á fronteira leste de Angola foi assinado a 28 de Novembro de 1902, tendo sido a concessão fei-
ta pelo prazo de 99 anos. Tinha nascido a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela SARL (CFB). A gerência do hotel foi entregue à Wagon -Lits, em exploração conjunta com o CFB, sendo obrigada a prestar um bom nível de serviço. A tema da abertura foi assertivo: “Para dignificar a cidade do Lobito perante os passageiros que desembarcavam ou embarcavam no Lobito”. A cidade era conhecida como a “sala de visitas de Angola” tendo no Hotel Términus o seu ícone de referência. Durante o longo período da guerra passou por várias etapas, tendo albergado cidadãos cubanos durante bastante tempo após o que esteve encerrado durante os últimos anos de conflitos. A 28 de Novembro de 2001, em cumprimento do contrato de concessão, procedeu-se na Direcção Geral do CFB, à cerimónia do Ato de Entrega ao Governo de
. Lobito continua agradável e serena como antigamente
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6 de Junho - Lobito - Namibe (423 km)
. As praias do Lobito orladas de palmeiras continuam convidativas
Angola, rubricado entre as partes pela cessante CFB e pelos representantes do Governo de Angola, que ficou subrogado de todos os direitos do concessionário, entrando imediatamente na posse do Caminho de Ferro, com todo o material circulante, edifícios e dependências, incluindo portanto o Hotel Términus, denominado Edifício 622. A 3 de Janeiro de 2005 foi aprovada a privatização total dos bens móveis e imóveis, bem como as áreas adjacentes, indispensáveis á expansão do Hotel, pertencentes ao CFB, a favor da IMOGESTIN SA. que reabilitou o lendário Hotel Términus, preservando a sua traça e identidade originais e devolvendo-lhe a sua grandeza e imponência de outrora. O hotel Términus continua assim a ser um edifício histórico e um hotel emblemático, sem igual em todo o país. No hall en-
va. As paredes tinham fotografias antigas e assim pude imaginar com mais precisão o reencontro dos meus Pais. Regressámos a pé ao nosso hotel. Lobito é uma cidade tranquila onde se pode passear a pé e como a noite estava muito agradável foi um verdadeiro prazer.
contrámos o diretor do hotel, Diogo Roquete, e, como o mundo é uma formigunha, era de Fronteira… O hotel está muito bem recuperado e voltou a ter o glamour antigo. Na esplanada da sala de jantar, ouviam-se as ondas de que a minha Mãe tanto falaRestinga do Lobito
6 de Junho - 3º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Lobito - Namibe (423 km) Hoje foi o primeiro dia com picada. Uma picada ainda simples, mais pista de terra batida do que picada propriamente dita. Antes de sairmos da cidade, demos uma volta pela famosa restinga do Lobito. Na rotunda da ponta da restinga, o padrão dos descobrimentos que ali tinha sido colocado durante a época colonial foi substituído por um barco. Alguém nos disse que este barco tinha sido o que o atual Presidente da República, José Eduardo dos Santos tinha utilizado para a sua fuga de Angola após a eclosão da lu-
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na guerra entre a coroa espanhola ea hota contra o poder colonial português em novembro de 1961 – uma informação que não conseguimos confirmar. Seguimos para a bela Benguela, uma cidade que teve o seu início, como já vimos, na atual Porto Amboim. Em 1617, Manuel Cerveira Pereira fundou a atual cidade de Benguela. Vivia -se em Portugal a chamada União Ibérica; dois anos antes, Filipe II mandara separar o Reino de Benguela do resto de Angola por causa das grandes minas de cobre, tendo a região sido administrada autonomamente até 1869. Benguela esteve também metidas
landesa, tendo sido ocupada por forças da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais entre 1641 e 1648. Benguela é conhecida como a cidade das acácias rubras, pois durante o mês de Novembro florescem as acácias, deixando as ruas e os parques da cidade com tons de verde e vermelho. A nossa passagem pela cidade foi muito curta, somente para se ficar com uma ideia de como está a cidade atualmente. A caravana seguiu para Dombe Grande e para o rio Cimo onde entrámos na picada até Lucira. Um trajeto calmo Enseada de Lucira
que se fez sem sobressaltos. Em latim, “lucira” significa “lumiosa”. Terá sido essa a explicação para o nome desta vila piscatória? No tempo colonial, ali foi construída uma fábrica de conservação de peixe que após a saída dos Portugueses ficou parada e ao abandono. O governo está agora a recuperar essa antiga fábrica para ali fazer uma unidade de congelação de pescado. Aqui em Lucira juntaram-se ao grupo de raidistas a São e o Lanucha que presenteou o grupo com um passeio de traineira pela bela baía de Lucira, incluindo a gruta com a imagem de Nossa Senhora. A ideia seria boa, não fora a traineira cheira tanto a peixe que misturado com o odor a óleo e a gasóleo, fez com que alguns de nós enjo-
A enseada de Lucira convida à meditação. Daí não se estranhar a estátua a Nossa Senhora numa das grutas
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assem. De novo em terra, e com os pés firmes, pudemos ficar a ver os gaiatos a mergulhar para a água – e alguns de nós não se fizeram rogados e refrescaram-se também nas belas águas da baía. Mas não havia tempo para descanso. Se bem que só faltassem 132 km para o Namibe e estes serem feitos por estrada asfaltada, tínhamos que nos despachar pois ao final da tarde teríamos de estar presentes no lançamento da monografia “Namibe, terra da felicidade” na cidade do Namibe. Foi fundada em 1840 e, até 1985, foi denominada "Moçâmedes". É o terceiro maior porto de Angola, depois de
Luanda e Lobito. É também o terminal do caminho-de-ferro do Namibe. Quando chegámos ao palácio do governador, um grupo folclórico esperava-nos para nos dar as boas vindas com algumas canções e danças da região. Interessantes eram os sapatos dos homens
que tinham na sola uma série de latinhas que iam fazendo música à medida que dançavam. Lá dentro seguiu-se a apresentação do livro com todo o protocolo – ninguém podia en-
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trar no palácio do governador sem calções ou de tops de alcinhas – que foi intercalada com música e danças. A receção terminou com uma belíssima e farta receção onde não faltou o sumo de múcua e missângua. Mesmo já “atestados”, não nos fizemos rogados para o jantar no Clube Náutico onde nos pudemos deliciar com o famoso caranguejo do Namibe. Uma delícia! 7 de Junho - 4º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Namibe Como hoje a saída foi mais tarde, o HansJürgen e eu pegámos em duas bicicletas do Peixe seco
Antiga fábrica de conservas
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7 de Junho - Namibe hotel e fomos até à praia apesar de se ter levantado um grande vendaval e uma tempestade de areia. Fomos até à Praia Amélia, uma das muitas belas praias de cidade de Namibe. Passámos pela capela onde as crianças estavam a ter catequese – no regresso, apesar de a igreja já estar fechada, as crianças ali se mantiveram a jogar ao mata – e chegámos à praia onde os pescadores estavam a arranjar as redes. Dois israelitas, que ali trabalham na prospeção de urânio, preparavam a vela do windsurf. De regresso, contra o vento e contra o relógio, o caminho foi mais difícil. Mas chegámos a tempo. Da bicicleta saltámos para o jipe e partimos para a foz do rio Giraúl, passando pelo porto praticamente abandonado. Como no grupo havia muitos engenheiros, a cur-
ta viagem foi uma verdadeira aula de Engenharia Civil, tema: construção de pontes. O rio Giraúl é um potente rio durante a época das Foz do Giraúl
chuvas, ficando quase seco na época do cacimbo. Assim o encontrámos, sem conseguir sequer chegar ao mar. Um banco de areia barrava-lhe o caminho,
Farol do Giraúl
formando uma bela paisagem que nós admirámos do cimo das falésias rochosas. Talvez pelo vento que se tinha levantado, a zona esta a sofrer uma invasão de libelinhas. Um pouco mais à frente, parámos no belo, mas já muito destruído, farol da Foz do Giraúl. A hora do almoço aproximava-se e fomos para o centro da cidade para um bairro de casinhas coloniais onde se instalou Filipa Henriques, tendo ali montado o restaurante Tubiacanga . Desculpe? Tubiacanga ? Isso não é nome de novela brasileira? Certo. Nos anos 90, a novela passava na televisão angolana. A vida de Filipa Henriques estava muito difícil. Ela revia-se naquela novela. E disse: Se algum dia tiver um negócio próprio vou chamálo Tubiacanga . Entretanto perdeu o emprego e começou a fazer pastéis e bolas de Berlim. O negócio começou a
A origem do nome Giraúl vem da palavra “hondgirahul” que significa “o caminho acabou”
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Namibe
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A cidade de Namibe é pequena mas acolhedora
render e Filipa Henriques abriu uma pequena tendinha no r/ch da sua casa que foi crescendo e crescendo chegando ao restaurante que tem hoje em funcionamento. Ela própria dá formação aos seus empregados, da cozinha e da sala. O almoço que nos serviu foi muitíssimo bom: de lagostas (enormes!) a caranguejo, a calulu de peixe com funge, passando por lulas recheadas e muitas outras iguarias, não esquecendo as sobremesas. De barriga cheia fomos conhecer o deserto de areia ali mesmo na cidade. Parámos na praia para um refrescante banho, infelizmente só aproveitado por uma meia dúzia de participantes. Às 17h, um pequeno grupo sepa-
rou-se da caravana e foi até à igreja de Santo Adrião para participar na missa. A primeira pedra desta igreja foi lançada oito dias antes da chegada da 1ª colónia de Pernambuco (Brasil), em 1849. A exigência de um templo foi solicitada por Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro (chefe da expedição), ainda no Brasil, como condição para a partida. Nesta igreja estava reunido um grupo de carismáticos e a mis-
sa estava a ser celebrada pelo bispo. Foi uma missa muito vivida, muito intensa que continuou para lá da celebração. À saída, as pessoas juntaram-se no adro e começaram a cantar, a dançar e a louvar o Senhor. É grande a religiosidade deste povo.
8 de Junho - 5º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Namibe – Foz do Cunene Hoje a noite é passada num acampamento diretamente nas margens do rio Cunene. À nossa frente, na outra margem do rio, elevam-se grandes dunas de areia fina e encarniçada, já no
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8 de Junho - Namibe—Foz do Cunene Deserto do Namibe
lado namibiano. A lua ainda não está cheia, mas com a ajuda dum céu totalmente estrelado, ilumina o acampamento. Apesar de estarmos na época do cacimbo, o rio está com algum caudal e romanticamente ouvimos o marulhar das águas. Estamos a 30 km da foz. Vai ser de certeza uma noite fantástica, diferente. A chegada foi espetacular – mas algo desorganizada. O deserto do Moçâmedes, agora deserto do Namibe, é tão espetacular como no outro lado da fronteira. Um deserto com várias personalidades, várias facetas. O deserto do Namibe ocupa uma área de 310.000 km2 e é dos desertos mais antigos
e estéreis do mundo. A sua área ocupa uma extensão que corre ao longo da costa atlântica, desde o Rio Olifants, na Província do Cabo, África do Sul, até São Nicolau, hoje Bentiaba, no Sul de Angola. Ocupa uma plataforma rochosa entre o Oceano Atlântico e as escarpas do platô interior. Montanhas isoladas erguem-se do deserto e as enor-
mes dunas de areia podem atingir 400 m de altura. Logo à saída da cidade do Namibe, parámos para prestar homenagem ao antropólogo de origem portuguesa Ruy Duarte de Carvalho que pediu para que as suas cinzas fossem enterradas no deserto, sob um monte de pedras, como tradicionalmente os sobas hereros são enterrados. Este regente agrícola de formação e antropólogo de coração dedicou-se a estudar as várias tribos herrero do Namibe. A sua principal obra, “Vou lá visitar pastores”, está eternizada neste monumento. Passados alguns km, saímos do alcatrão e entrámos numa pista fantástica
O Namibe é uma província multicultural sendo habitado há séculos pelos hereros
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. Welwitschia Mirabilis, uma planta milenar que só existe nesta região (Angola e Namíbia)
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através do deserto que nos permitiu andar a 150! Mais velozes do que na autoestrada! A felicidade durou porém somente uns 60 km. Pedras pequenas soltas, areia, pedra cortante ou pedra-faca (montanhas de xisto com formações exóticas), montes e vales e até um desfiladeiro fizeram com que a caravana de jipes se desorganizasse. Os furos seguiam-se uns após os outros. Tudo isto não impediu porém que nos espantássemos com a beleza da paisagem. Primeiro um deserto de pedra onde despontavam inúmeras welwitchias miriabilis, incluindo uma de 1,65 m de altura. Estas plantas são endémicas, existindo somente aqui em Angola e na Namíbia. Chegam a ter milhares de anos, sobrevivendo sem água e com sol. A Welwitschia Mirabilis é uma planta milenar contemporânea dos dinossauros apenas existente no deserto do Namibe, em Angola e na Namíbia. Esta espécie vegetal
foi descoberta a 3 de Setembro de 1859 pelo botânico explorador austríaco Frederich A. Welwitsch. A Welwitschia é uma planta da família das gimnospérmicas, adaptada à vida nas regiões desérticas. É uma planta de caule de grandes dimensões, com a forma de um gigantesco cogumelo dilatado e côncavo de 50 a 75 cm de altura que parece partida pelo golpe de um machado em tiras. As suas grandes folhas, duras e muito largas, deitadas no chão, arrastam-se
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pelo deserto podendo atingir dois ou mais metros de comprimento. As suas flores são unisexuadas. Os estames masculinos atingem aproximadamente 6 cm (antenas com 3 divisões) localizam o óvulo estéril envolto pelo periano. É tão diferente, morfologicamente de todas as espécies botânicas conhecidas, que não se inseria em nenhum dos géneros já descritos pela Ciência. Houve, por isso, a necessidade de criar um género novo, o qual ainda se conserva, como uma única espécie consequentemente. Passado algum tempo, entrámos então no Parque Nacional do Iona, uma zona protegida com uma superfície de 15 150 km2. Flora muito reduzida, de quando em quando uns burros, umas gazelas,
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copos de pé alto. E um enorme panelão de salada de atum e umas cabras, uns nguelengues e uns orixes. Dizem que também ali vivem elefantes, impalas, zebras, onças, leões, avestruzes e rinocerontes. Seres humanos vimos somente dois pastores, mais ninguém. O almoço foi servido na Espinheira, debaixo dumas grandes espinheiras com uma sombra magnífica. Parecia uma cena tirada do “Out of Africa”: uma comprida mesa com toalha, pratos de porcelana,
com uma cor alaranjada. Quando chegámos ao acampamento, as tendas estavam montadas, o “restaurante” pronto para receber os raidistas, WCs e duches. Um luxo no meio do deserto.
grão. A paisagem é típica de savana africana. Paisagem a perder de vista, ao longe
. 9 de junho 6º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Foz do Cune-
uns montes, capim amarelo baixo, e junto ao Cunene, umas magníficas dunas. O sol punhase e a areia ficou
ne - dunas Hoje o plano era ir à Baía e à Ilha dos Tigres. Mas… a natureza não foi favorável e nem com seguimos lá chegar. O primeiro obstáculo foi sair do acampamento. Vencer uma diferença de 80 m de altitude em areia foi um verdadeiro desafio para os jipes. Uns conseguiram à primeira (entre eles o Hans-Jürgen – grande condutor TT), outros à segunda, à terceira e outros….
O deserto foi o caminho escolhido pelos Portugueses para saírem de Angola após a independênci a
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9 de Junho - Foz do Cunene — dunas
. Para alguns raidistas, este acampamento foi a sua primeira experiência de campismo
tiveram de ser puxados pelo cabo. Ao fim de 2 ½ horas, todos os carros estavam finalmente na parte de cima da duna. Para quem não estava a conduzir foi um espetáculo ver os jipes a subirem a duna a toda a velocidade… e a pararem atascados no “degrau” antes do cume. Voltavam a deixar descair o carro para tentar de novo. Todo o percurso foi em areia, primeiro no deserto. Areia dourada a perder de vista. Somente areia, areia, areia. Depois surgiram aqui e além um ou outro arbusto, baixo. Ao longe vimos orixes, chitas, chacais – vimos os que não estava a conduzir. Os condutores tinham de estar bem
concentrados na condução. 4H. 2ª/3ª mudança. Pé a fundo no acelerador. Caso contrário era atascanço certo. Finalmente chegámos à praia, a alguns metros da rebentação. 48 km de praia. O vento era tanto que só se ouvia a areia a bater no carro. Os jipes corriam paralelos à água, velozes para não atolarem. As lagoas, escondidas em manchas de areia escura, escondiam pântanos, um perigo para os jipes: carros que por lá passam, atolam imediatamente por causa das areias semi-
movediças. A inexistência de pista fazianos voar constantemente, troços havia
que eram uma verdadeira massagem tremidinha…. Quando alcançámos as dunas antes da Baía dos Tigres, fomos forçados a pa-
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rar. As calemas - alterações que ocorrem periodicamente no nível das águas do mar, causadas pela interferência da força de gravidade, ou seja, com a influência
da Lua e Sol, sob o campo gravítico do planeta Terra – tinham cortado o caminho e não havia passagem. Uma hipótese era escalar a duna e depois descêla – uma aventura desafiante e possivelmente sem final feliz pois o vento era fortíssimo, levantava imensa areia e ninguém sabia em que estado estava a duna. Enquanto se discutia o que fazer, avistá-
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mos ao longe uma família de baleiaspiloto. Ou seriam golfinhos? Dali da praia e sem binóculos não era possível confirmar. Mas eram animais felizes, brincando, pulando – enfim, fazendo um espetáculo para nós. Após uma hora de ponderação, decidiuse abortar o passeio à Ilha dos Tigres. Grande desilusão, mas nada havia a fazer. O almoço, inicialmente previsto para a Baía dos Tigres, foi no posto fronteiriço da Foz do Cunene, mais abrigado do vento. Uma meia dúzia de casas onde uma mão cheia de soldados guarda a fronteira! Entretanto, já passavam das 17h e resolvemos esperar pelo pôr-do-sol, uma espera que valeu a pena. O outro lado da medalha: os 100 km do caminho de regresso foi todo feito à noite!
10 de junho - 7º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Foz do Cunene – Quedas do Monte Negro (208 km) A noite foi muito fria, com a temperatura a rondar o 6º C! no entanto, dentro da tenda e do meu saco de dormir, dormi lindamente, de fio a pavio. O despertar foi bem cedo, às 5h pois teríamos de chegar a Monte Negro ainda com luz e para os pouco mais de 208 km de hoje iríamos necessitar umas 10 h! Para evitar demorar-
. Terá sido a garroa ou as calemas que destruíram o caminho pelas dunas?
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10 de Junho - Foz do Cunene — Monte Negro
. É fácil imaginar a vida nas grutas pelos primeiros povos que habitaram esta região
mos novamente 2h30 para subirmos a duna da Foz do Cunene, os jipes ficaram quase todos no cimo, só descendo os jipes das malas. Mesmo assim, não conseguimos sair tão cedo como se pretendia. Um jipe chocou com uma pedra, não conseguindo andar nem para a frente nem para trás. Para o libertar demorou-se mais de meia hora. Depois havia que pôr ar nos pneus, pois a picada de hoje não seria de areia mas de pedra. Só que… a saída das dunas ainda era arenosa. Alguns jipes ficaram atolados e tiveram que voltar atrás, tirar um pouco de ar e voltar a tentar. Outros tentaram…. de marcha a ré. O principal era conseguir ul-
trapassar as dunas. Tivemos de conduzir com muito cuidado pois a picada era terrível com muita pedra-faca ou pedra cortante, troncos, amontoados de folhas secas, leitos secos de rios. Trata -se de xisto lascado que se espeta nos pneus e logo os rebenta. A região tem grandes lajes de xisto que explodem com a grande diferença térmica entre o dia a e anoite. Ao explodir, partem em inúmeras lascas, pontiagudas (daí o nome de pedra -faca) que são um perigo para os pneus. É claro que com um cenário destes muitos foram os pneus se furaram, ou melhor, rebentaram. Alguns ficaram verdadeiras obras de arte. Voltámos a passar na Espinheira onde parámos numa gruta
pré-histórica. Como era Dia de Portugal, o Laureano sugeriu cantarmos o hino nacional – e esta ação ser gravada para as televisões. De quando em quan-
do um rapaz herrero a guardar as suas cabras ou as suas vacas. A pergunta que sempre fazíamos era como se alimentava o gado, o que poderia comer ali no meio das pedras. Passámos também por famílias, nómadas, que vivem completamente isoladas do mundo. Parámos junto de uma com-
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posta por um homem, as suas duas mulheres e quatro ou cinco filhos. Demos um par de chinelos à mulher que ficou feliz; calçou-os, mas… não sabia andar com elas! Demos também uma conserva; sabiam abri-la. Começaram logo a comê-la, usando a tampa co-
mo colher. No final, para limpar a boca, baixaram-se, pegaram numa pedra e limparam a boca! Os hereros são um povo nómada e vivem da pastorícia. As mulheres usam saias feitas com peles de animais, muitos colares de missangas, alguns dos quais amassados com uma
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pasta feita de raízes aromáticas de árvores e terra que assim evitam que os maus cheiros cheguem ao nariz. O cabelo das mulheres é empapado com uma pasta feita com bosta de boi, raízes de árvores, erva e terra. Os rapazes rapam o cabelo deixando somente uma espécie de penacho no alto da cabeça que é igualmente empapado com aquela pasta e com que fazem uma espécie de corno para cima na parte de trás da cabeça. O acampamento foi feito num terreno pertence à polícia angolana, muito perto da aldeia. Os aldeãos deviam estar em festa pois do kimbo ouvia-se alta musicata até altas horas.
11 de junho - 8º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Quedas do Monte Negro – Quedas do
Ruacaná De manhã, banho no rio Cunene. Mas banho a sério com sabonete e tudo. No único lugar protegido por troncos onde o jacaré não poderia entrar. Quando nós chegámos estavam ali nesse sítio dois soldados a fazer a higiene matinal. Ao lado havia uma prainha; pensei banharse ali. Logo os soldados e os locais me avisaram: “Aí nunca. Vem jacaré. É a hora de jacaré aparecer. Só pode mesmo lavar-se ali onde estão os soldados”. Esperei então que os sol-
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11 de Junho - Monte Negro—Ruacaná
. Ao estrangeiro parece que o governo central esqueceu os distritos e as suas gentes
dados saíssem e entrei eu, qual ninfa ou princesa a banhar-se como nas lendas. Como na história do Gigantecenoura: “No caminho, viu a filha do rei da Silésia a banhar-se no rio com as suas aias e ficou apaixonado.” (http:// www.fnac.pt/Contos -e-Lendas-doMundo-MargaridaPereira-Muller/ a83700) Mas não, naquela manhã não passou pelo rio nenhum gigante, nem bruxo. Tomei banho em paz e sossego. Saída do banho, tal como eu casa, limpei -me à toalha e pus a minha loção. Entretanto, foi para o banho o cliente seguinte… Entre o nosso acampamento e o rio Cunene havia algumas
casas do kimbo. E passámos pelo local onde as pessoas fazem os tijolos de terra para com eles construírem as suas casas. Como na canção infantil alemã, „Wer will fleissige Handwerker sehn“: “Stein auf Stein, Stein auf Stein, das Häuschen wird bald fertig sein“ (https://
www.youtube.com/ watch? v=dt6YqvCylh4). Como estamos na época do cacimbo, as quedas de água do Monte Negro praticamente não têm água e assim seguimos logo caminho após o pequeno-almoço. A picada continuava de pedra, mas a paisagem já era totalmente diferente. Já não era o deserto puro e duro, lembrava um pouco a savana, já com pequenas árvores. No meio do caminho, a caravana parou: um mais velho tinha elefantíase e precisava de ir a um posto médico. Rapidamente, se arranjou lugar na caixa de um dos jipes e o mais velho e seu acompanhante foi levado de carro até onde tinha de ir. Ao fim de 100 km
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chegámos à povoação de Angumbe, onde a caravana parou para fazer alguns donativos para a escola. Como o professor estava a almoçar, os donativos foram entregues junto do moderno posto de saúde ao soba. Os participantes do RAID estavam rodeados de homens e mulheres da tribo herero . Muitas crianças aproximaram-se para ver o
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que se estava a passar. Aproveitámos então esse grupo de crianças e contei-lhe ali a história guineense do Macaquinho do Narizito Branco (http:// www.fnac.pt/Contos -e-Lendas-daLusofonia-MMargarida-PereiraMuller/a329582), que explica como os tambores apareceram na Terra. Seguimos viagem até ao Chitado onde procurámos o monumento ao acidente da Força Aérea Portuguesa. A 10 de novembro de 1961, um avião Dakota da Força Aérea Portuguesa, com altas patentes portuguesas a bordo, passou por cima da pista do aeroporto do Chitado a baixa altitude. Levava os motores na potência de cruzeiro, o trem recolhido e bloqueado, pois não pretendia aterrar. De repente, a ponta da asa bateu numa árvore que sobressaía das outras cerca de 15 metros. O avião rodou sobre si mesmo, ficou em voo invertido, caiu, incendiando-se imediatamente. Todos os passageiros morreram. Duas senhoras da
povoação sabiam onde estava o monumento. A pedido do Lanucha, entraram no nosso jipe e levaram-nos lá – as senhoras estavam excitadíssimas de terem falado com o famoso General Lanucha que combateu valorosamente os sul-africanos quando estes invadiram o sul de Angola no início dos anos 80 do século XX. A cruz posta no local do acidente ainda lá está. A placa com o . As populações que vivem no deserto têm de ser autossuficient es para sobreviverem
nome dos acidentados já desapareceu, assim como uma asa do avião que durante décadas ali ficou esquecida no meio da lavra. A noite já caía e ainda nos faltavam 80 km. Chegámos a Ruacaná, fronteira com a Namíbia já noite escura. O acampamento foi
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12 de Junho - Ruacaná—Fazenda 3 N
. As diferenças dos caudais de água dos rios na estação do cacimbo e na estação das chuvas é abismal
feito sobre um socalco de cimento. Por causa da escuridão, um participante caiu sobre a quina do cimento tendo esfolado os joelhos até ao osso – valeu-lhe a pronta intervenção da Irene Martins, médica gastroenterologista, que ali virou rapidamente uma fantástica enfermeira a fazer curativos de toda a espécie.
12 de junho - 9º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Quedas do Ruacaná – Fa-
zenda 3 N (421 km) Veio-nos cumprimentar ao acampamento o Administrador de Ruacaná, Fernando Hifilenya Naikete, que trouxe com ele o soba e o líder da comunidade. Nas mãos , o soba trazia uma embalagem tetrapak de vinho tinto! O soba é escolhido por consenso pelos mais velhos da comunidade; antigamente a sucessão era feita por linhagem, só os da linhagem do soba podiam ser eleitos sobas. Chamou-me a atenção um pauzinho que o soba trazia preso na orelha. Perguntei ao Administrador para que servia (o soba não falava Português). “Para coçar a cabeça”. É claro! Com a pasta de lama seca que usam no cabelo é impossível coçar a cabeça quando têm comichão. Um pauzinho ajuda. Deixámos o acampamento e fomos ver as quedas de água do Ruacaná. Logo início – e depois mais tarde – uns cornos no chão: um
voodoo que foi feito para dar sorte no concurso das 7 Maravilhas de Angola. Infelizmente não resultou. É óbvio que as quedas do Ruacaná nunca iriam ganhar. Como poderia? Não que lhe falte be-
leza, mas o concurso baseia-se no voto popular. As comunidades pedem o voto às pessoas. Como Ruacaná poderia ganhar se tem pouquíssimos habitantes e a maioria sem acesso à TV, a luz, etc?! As Quedas do Ruacaná são um conjunto
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de cataratas e rápidos no Rio Cunene. A queda principal tem 120 metros de altura e cerca de 700 metros de largura, em cheia máxima. O conjunto constitui uma das maiores quedas de água de África. Devido ao uso da água do rio para a geração de energia, irrigação e abastecimento público, as quedas de água ga-
nham um aspeto mais majestoso durante a época das chuvas. Infelizmente, estávamos na época do cacimbo e assim só vimos um fiozinho de água. Uns 80 km depois de Ruacaná, paragem em Naulila. Sem sabermos o que nos esperava no percurso,
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tínhamos colocado na janela do nosso jipe uma bandeira alemã e uma bandeira portuguesa. A paragem em Naulila foi para vermos um monumento ali colocado em homenagem aos portugueses que morreram no massacre feito pelos alemães, que ficou conhecido como o “Desastre de Naulila” ou o “Combate de Naulila” que teve lugar a 18 de dezembro de 1914. Também ainda existem três campas coletivas alemãs. Como vem descrito em http:// www.momentosdehi storia.com/ MH_05_01_01_Exerc ito.htm, de acordo com Marco Fortunato Arrifes, na sua obra "A Primeira Grande Guerra na África Portuguesa, Angola e Moçambique (1914-1918)", a questão do ataque do posto de Naulila, resultou de uma acção punitiva alemã por causa da situação gerada em volta do incidente de 19 de Outubro de 1914, e apesar de se verificar a existência de deficiências organizativas e materiais, os portugueses conseguiram resistir durante algum tempo. (…) a defesa de Naulila teve falta de di-
recção e de comando, esforços dispersos que nunca chegam a termo, muito embora a grande maioria das forças empenhadas se tenham batido com energia, tenacidade e valor. (…) A força portuguesa em Naulila dispunha de 400 homens de infantaria europeus, 180 homens de infantaria indígena, 3 peças de artilharia Erhardt e 4 metralhadoras, mais uma reserva de 240 homens de infantaria europeus, 60 indígenas e 2 peças de artilharia Canet. A força alemã do Major Frank compunha-se de 490 homens de infantaria, 150 auxiliares indígenas, 6 peças de artilharia e 2 metralhadoras. O combate foi muito duro e obrigou a uma retirada das forças portuguesas de Naulila para a segunda linha em Donguena.” Seguimos em picada não muito má mas com muito pó até Xangongo, antiga Vila Roçadas, onde entrámos no alcatrão, onde abastecemos os carros. O meu Pai esteve aqui no Forte Roçadas em 1948 e eu queria ver o pórtico estava imortalizado numa foto. Quando Lanucha aqui esteve a
. A versão dos acontecimento s de Naulila difere se lermos os relatos portugueses e os alemães
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. O Forte Roçadas nos anos 40
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comandar este forte, erguido em 1906 na margem direita do rio Cunene, por forças portuguesas sob o comando do então Capitão José Augusto Alves Roçadas, e que serviu como base militar para ataques e ocupação das áreas do sul de Xangongo, o pórtico ainda estava de pé, mas agora já não existe. Como o tempo escasseava, não nos foi possível entrar na vila para ir ver de perto o forte. Seguimos por alcatrão até ao desvio para a Fazenda 3 N, de Luís e Joca Nunes, situada na Tunda dos Gambos, delimitada pelo Parque do Bicuari. 80 km de picada! Somos porém recompensados quando entramos na fazendo onde foi construído o Vihua Lodge, um complexo hoteleiro de grande conforto a 1270 m de altitude onde foram introduzidos animais selvagens importados da Namíbia. Depois de almoço, fizemos um pequeno safari onde porém só vimos gazelas, gnus, avestruzes e zebras. Mais sorte tivemos à noite. Estando o
Hans-Jürgen e eu no economato a ver os nossos emails, chegou o administrador do lodge, o Sr. Leite. Conversámos animadamente e a dada altura e perguntanos se tínhamos tempo e queríamos ir ver uma coisa. Resposta afirmativa. Subimos Naulila
para o jipe. Ele tinha de ir fechar algo e após o ter feito, levou-nos a um safari noturno privativo! Uma girafa pastava calmamente numa clareira. Ao ver as luzes do jipe, foge para a floresta, correndo com harmonia. Continuámos no trilho e de repente passou mesmo em frente do jipe um enorme gunga ou elã (Taurotragus oryx). Um susto! Gazelas
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fugiam assim que viam as luzes. Chegámos porém a uma zona sem uma única gazela. Estranho!, disse o Sr. Leite. Parou o jipe, apagou as luzes e apontou a lanterna para a floresta. Lá estava a onça com os seus olhos a brilhar! As gazelas tinham-na sentido e, pura e simplesmente, fugiram para não serem apanhadas. 13 de junho - 10º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Fazenda 3 N – Lubango (194 km) Se para lá tivemos de fazer 80 km até à Fazenda 3 N (Vihua Lodge), de regresso, esses 80 km de pó e “altos e vales” também tiveram de ser repetidos para conseguirmos chegar ao asfalto. 50 km adiante voltámos a sair da estrada alcatroada, para nos voltarmos a meter à picada: 30 km até à Unguéria. Aí chegados, arrumados os jipes em espinha muito ordeiramente, pegámos nos saquinhos com o nosso farnel (uns deliciosos pregos de gnu preparados no Vihua Lodge) e seguimos pelo trilho atrás de quem sabia o caminho. Chegámos a uns ro-
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13 de Junho - Fazenda 3 N — Lubango
chedos altos. Nada de quedas de água. Somente um ribeirinho que tivemos de atravessar saltando de pedrinha em pedrinha. Somente ao treparmos para os rochedos, nos deparámos com uma queda de água que caía para um pequeno lado protegido de todos os lados por rochedos. A água chamou-me como sempre faz. Rapidamente despi os calções e deixeime deslizar por uma pedra muito suave para dentro da água. Estava fantástica, com uma temperatura mesmo convidativa; deixei-me envolver por este elemento que é o meu: a água. Tentei nadar até ao sítio onde a água caía, mas a corrente
era forte e fiquei a uns 2 -3 metros. Reconfortada com este banho refrescante, voltámos aos jipes e partimos por picada até à cidade
de Lubango, ex-Sá da Bandeira, capital da Província da Huíla, e conhecida como a “cidade jardim”, tão bem cuidada era. Segundo podemos ler na Wikipedia, “data de 1627 o primeiro contacto europeu com as terras do planalto angolano. A soberania portuguesa inici ou-se em 1769 com
a criação do presídio de Alva Nova. Os primeiros sinais de povoamento europeu são dos bóeres , por volta de 1880. Pouco depois surgiram os madeirenses que, em Janeiro de 1885, fundaram a colónia de Sá da Bandeira” Paragem obrigatória no miradouro em frente da serra da Leba onde pudemos observar a famosa estrada serpenteada. A Serra da Leba é um gigantesco rochedo com uma altitude de 1845 m e com uma inclinação de 1 km e que forma um paredão que divide a região planáltica da Huíla, de altitudes elevadas, para a região desértica do Namibe. Já no século XIX se sentia a necessidade de criar
. Um lago convidativo a um mergulho
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. Por todo o lado se encontram vestígios da passagem dos Portugueses
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uma estrada que ligasse estas duas regiões para o escoamento e transporte de pessoas e mercadorias. A estrada em serpente cravada na encosta da montanha foi começada a planear em 1915 e terminada em 19691974. Tem 42 curvas e percorre uma distância de cerca de vinte quilómetros. Conta-se que o general Ferreira D' Eça “ofereceu” milhares de autóctones para ajudar no do transporte de máquinas e de homens, abastecimento, arruamento pesado, mu-
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nições etc.). A primeira vez que vi esta estrada, a maior obra de engenharia em Angola de todo sempre, foi a 29 de abril de 1974 durante a minha viagem de finalistas (do Instituto de Odivelas) a Angola – e agora ali estava a vê-la 40 anos. Antes de irmos jantar ao Casino Olimpia do Lubango, fomos pôr a tralha ao Pululukwa Resort, um
madeira, ora em pedra, e decoradas com imenso gosto e colocadas no meio dum grande terreno onde circulam livremente animais africanos como as zebras, as avestruzes, as gazelas, entre outros. Na língua umbundo, “pululukwa” significa “descanso” - e é precisamente isso que o resort oferece. Propriedade do grupo COSAL, este luxuoso resort pensado ao mais ínfimo pormenor, é um projeto arrojado, im-
aldeamento turístico muito harmonioso com 60 “cubatas”, implantadas em três “aldeias” com características diferentes, ligadas por longos passadiços, ora em
plantado numa área com vários hectares, serpenteado por um rio, e pontilhado com vários lagos, em casamento perfeito com a natureza. Foi inaugurado em agosto de
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2012 e é equiparável a bons lodges sulafricanos ou namibianos O jantar no Casino do Lubango foi muito animado. 14 de junho - 11º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Lubango – Huambo (405 km) Tantos planos para uma manhã só! É claro que o tempo não chegou e só saímos do Lubango por volta das 15h. Depois do belíssimo e
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relaxado pequenoalmoço no Pululukwa Resort, partimos para a Tundavala, onde foi emocionante voltar 40 anos e 2 meses depois. É impressionante esta fenda natural, muitíssimo profunda e estreitíssima no fundo. Trata-se de um enorme abismo de cerca de 1200 m situado na Serra da Leba. É nos penhascos da Tundavala que termina o Planalto Central de Angola. Aqui o planalto excede 2200 metros de altitude e cai
abruptamente para cerca de 1000 metros de altitude, provocando um desnível deslumbrante com fendas colossais na montanha. A paisagem que se tem deste monumento natural com muitos milhões de anos é colossal. São muitas as histórias que correm à volta da Tundavala. Que foi usada durante a Guerra Colonial para atirar angolanos que lutavam pela independência e, durante a Guerra Civil, para atirar elementos da fação oposta, que existem enterradas na terra cápsulas de bala de kalashnikov, usadas em fuzilamentos sumários, e sei lá que mais. Uma maravilha desta natureza liberta a imaginação de todos que por ali
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Pululukwa significa “descaso”
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14 de Junho - Lubango — Huambo
. Sá da Bandeira era conhecida pelos seus produtos lácteos
passam. No caminho para o Cristo Rei, paragem rápida no “Chalet”, um café a 3kms da fábrica da Coca-Cola com um cenário relaxante e onde se podem comer produtos lácteos da “Queijaria Serra N’Tandavala”: queijo curado, queijo fresco, iogurte natural, natas, manteiga e leite fresco pasteurizado. Já durante o tempo colonial, Sá da Bandeira era conhecida pelas suas indústrias lácteas que produziam belíssimo leite, ótimo queijo e fantástico iogurte. Foi então que o Kata-
na sugeriu que fôssemos à Senhora do Monte, um local de romaria popular no tempo colonial e que ainda hoje junta a população em agosto, nas festas da cidade. No cimo do monte há uma capelinha incapaz de comportar todos os fiéis. Daí ter sido construído um templo ao ar livre num patamar mais abaixo. No monte fronteiriço está imponente o Cristo Rei, de braço abertos a proteger a cidade. Terá sido por isso que a cidade foi poupada aos martírios da guerra? Em abril deste ano, a ministra da Cultura de Angola, Rosa Cruz e Silva anunciou que a estátua, com 14 metros de altura e considerada património nacional, vai sofrer obras de restauro. Além da restauração da estátua, cujo nariz e os dedos da mão direita merecem maior atenção, as auto-
ridades angolanas pretendem também reabilitar todo o espaço envolto do edifício e a própria localidade. O monumento, mandado construir em 1957 por colonizadores da Ilha da Madeira é praticamente uma réplica do Cristo Rei de Almada em Portugal. Ao contrário das outras três
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estátuas do Cristo em países de língua portuguesa (Rio de Janeiro, Almada e Díli), a construção do Cristo Rei de Lubango não teve cunho religioso. A ideia nasceu do engenheiro português Carlos Sardinha que viu nas montanhas um cenário ideal para construção do monumento. Após de terminada a obra, o monumento passou a ser um ponto privilegiado dos religiosos. Com tantas paragens, quando chegámos à loja Mabílio de Albuquerque onde pretendíamos comprar panos, já estava fechada. Seguimos para a catedral, onde decorria a consagração de mais um sacerdote. O almoço na pastelaria Arte Doce fez atrasar muito a partida. A maior parte da estrada era alcatroada (mas com
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grandes buracos de quando em quando), mas os últimos 92 km, entre Caconda e Cuíma, eram de picada – que iríamos fazer à noite com valas, burcas, pessoas, animais, motoretas. Ainda por cima, um carro partiu o amortecedor e tudo se atrasou. Chegámos ao Huambo às 21h30, ainda a tempo de jantarmos um delicioso calulu de carne seca, regado por um vinho tinto Chaminé. Depois de jantar, o Hans-Jürgen e eu fomos à procura da casa dos meus Pais. Como referência, tínhamos…uma fotografia da minha Mãe à porta da sua vivenda. Felizmente, este tipo de vivendas eram típicas das casas dos oficiais e conseguimos que nos indicassem o Bairro dos Quartéis, agora Bairro de Santo António. Só que era noite cerrada, não havia luz e não havia pessoas na rua para perguntarmos. Ainda parámos no quartel mas o soldado que estava de guarda nada sabia. Desistimos e decidimos voltar no dia seguinte. 15 de junho - 12º
dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Huambo – Waku Kungo (300 km) Logo de manhã, voltámos ao “local do crime”, ou seja ao Bairro de Santo António. E agora com luz, foi fácil encontrar. O bairro está a ser demolido. As vivendas pequenas já não existem, mantém-se de pé, em ruínas, somente as casas comuns de dois andares e as paragens dos autocarros. No entanto, sempre que mostrava a fotografia, todos se lembravam da casinha com a planta do sisal à frente – uma visita que muito me emocionou. Quando nos juntámos de novo à caravana, fomos em grupo até um jardim onde está a estátua do general Norton de Matos, o fundador da cidade. Esta paragem tinha todo o interesse não só histórico, mas também
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A paisagem a partir da Tundavala é esmagadora
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15 de Junho - Huambo—Waku Kungo
. Procurámos o sítio onde os meus Pais viveram—e encontrámos
pessoal: no grupo estava o Pedro Norton de Matos, bisneto do general. Durante a construção da linha da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, concebido para drenar os minérios da região do Catanga para a costa do Atlântico, e estando o acampamento do empreiteiro Pauling estabelecido cerca do km 370, começou a ser aí recebida correspondência, vinda de Inglaterra, endereçada a "Pauling Town Angola". Ao chegar a Luanda como governador geral da colónia de Angola, o General Norton de Matos não
gostou desta história deu ordems aos Cor-
reios para devolverem toda a corres-
pondência que assim viesse endereçada com a indicação de "destino desconhecido", para assim marcar bem o domínio português na Província do Huambo. Na altura não havia nenhuma povoação na região. Norton de Matos procurou nos mapas de então, qualquer coisa
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que lhe sugerisse um nome; só encontrou a referência a um pequeno forte, o Forte do Huambo, criado por Portaria nº 431,de 20/09/1903,
onde se tinham praticado alguns feitos heróicos. Essa representação foi o bastante para lhe indicar a magnífica posição geográfica, política económica e militar do futuro Centro Ferroviário, a que deu o nome de Cidade do Huambo, por Diploma Legislativo de 8 de Agosto de 1912. Imediatamente proibiu a construção de casas de adobe, pau-
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a-pique ou outros materiais semelhantes na cidade. Em 1928, o então governador Vicente Ferreira mudou-lhe o nome para Nova
Lisboa, que manteve até 1975, com a intenção de aí criar a nova capital de Angola, um plano que nunca passou do papel. O General Norton de Matos foi homenageado em 1962 com uma estátua, financiada por subscrição pública, obra do arquiteto português Euclides Vaz, que rodeou das quatro virtudes: Prudência,
Justiça, Fortaleza e Temperança (que alguém pensou tratarem-se das quatro mulheres do general….). Com a independência, as estátuas foram retiradas da rotunda do Palácio do Governador onde estavam, tendo sido colocadas numa rua lateral, juntamente com a estátua de Vicente Ferreira. Todas estão cravejadas de balas mas resistiram à guerra. Tendo homenageado o fundador da cidade, o grupo quis também fazer uma paragem junto da estátua de Agostinho Neto, o fundador da nação angolana, colocada no local onde costumava estar a estátua do general Norton de Matos. È complicado uma caravana de 17 jipes deslocar-se dentro das localidades. Perderam-se uns quantos jipes e quando um grupo tentava chegar à rotunda meteu-se em contramão por uma rua. Azar dos azares, na rotunda estava a passar uma carrinha da Polícia, que logo para. Os soldados saltam ágeis da caixa aberta, prontos a intervir. O 1º carro da caravana lá explica o que se passa. Os soldados foram compreensíveis, pa-
. Os Angolanos respeitaram as estátuas do fundador da cidade, o General Norton de Matos
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. Nova Lisboa estava preparada para ser a nova capital do império português?
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ram o trânsito e deixam entrar a caravana na rotunda. Depois de vermos Agostinho Neto sentado a escrever, partimos para Waku Kungo. Apesar de o antigo colonato da Cela ser o nosso destino final para este dia, tivemos 300 km de estrada alcatroada mas cheia de buracos, alguns dos quais verdadeiras crateras. A stressante viagem foi recompensada. Após uns 30 km de picada depois de Waka Kungo e passando por um kimbo, onde se ofereceram algumas coisas ao soba, chegámos às margens do rio Keve onde nos esperava um lauto almoço à “Out of Africa” e uma série de hipopótamos que aí vivem. Foi um grande espetáculo ver estes grandes animais nadar, mer-
gulhar, respirar e tentar sair da água, ali mesmo a alguns metros de nós.
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. Junto ao rio Keve vivemos um momento de “Out of Africa”.
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16 de Junho - Waku Kungo — Luanda 16 de junho - 13º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Waku Kungo – Luanda (388 km) Último dia do RAID. Quase 400 km até Luanda, 20 dos quais numa estrada péssima, pior que muitas picadas e ainda por cima com muito trânsito: o troço entre Dondo e Kambambe. No entanto, parámos ainda a 60 km de Waka Kungo, na vila de Kibala para deixar mais uns quanto donativos e para visitar o internato da missão católica Nossa Swenhora das Dores, apoiada pela Zungueiros Solidários de Angola, uma ONG fundada por profissionais da Comunicação Social que dedicam seu tempo a levar Carinho, Amor e Solidariedade a outros! Segundo Armindo
Laureano, o coordenador-geral desta ONG, “tudo começou em Setembro de 2009, quando um grupo de colegas da TV Zimbo decidiu comemorar o dia Herói Nacional (17 de Setembro), organizando uma viagem de autocarro para o Lobito (Benguela). Na altura tratou-se apenas de uma viagem, um passeio, mas um ano depois, em Setembro de 2010, na 2ª edição, Kapanda (Malange) foi o destino escolhido: um passeio turístico de colegas e também uma visita à Barragem Hidroélectica de Kapanda, numa actividade em que contaram com o total apoio do GAMEK. Foi o início das acções de solidariedade, a que deram o nome de "Zungas da Solidariedade": inseridas no Projecto Angola Minha, estas zungas têm como objectivo levar carinho, amor e
solidariedade às populações mais carenciadas de Angola. Para o efeito, o grupo tem realizado actividades filantrópicas, recreativas, culturais, sociais e de preservação do meio ambiente”. Por volta das 16h, chegámos à selva urbana que é Luanda, já com saudades das paisagens desérticas do Namibe. Após a entrega dos jipes, fomos para o hotel esperar pela hora da partida do avião e ver o jogo do Mundial entre Portugal e a Alemanha. O Raid chegara ao fim, mas o que vivenciámos nestes 11 dias ficará para sempre nas nossas memórias!