CADERNOS DE VIAGEM, nº 122 - Palácio do Governador

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Julho de 2016 Número 122

Palácio do Governador Diálogo entre História e arquitetura

Em Lisboa não nasceu somente um novo hotel de cinco estrelas. O Hotel Palácio do Governador é mais do isso. É uma herança da nossa história. A história de todos os Portugueses.

Texto: Margarida Alves Pereira infobus, Comunicação e Serviços, Lda Tel.: +351-214351054 Email: guidapereiramuller@gmail.com

Este edifício servia

ção da casa à fun-

ou residência-

de residência ao

ção de governador

oficial dos gover-

governador da Torre

da Torre de Belém.

nadores da Torre

de Belém. Terá sido

No final do século

de Belém.

mandado construir

XVII essa ligação

em 1519 por D. Gas-

mostra-se porém

par de Paiva, o pri-

real com D. Luis

meiro governador da

Manoel de Távora

Torre de Belém em

(6º conde de Ata-

terrenos aforados

laia), apesar de não

aos monges hieroni-

estar ainda claro se

mitas. Nem sempre

terá sido residência

foi clara a associa-

de família somente

No entanto, a história deste local é ainda mais antiga e leva-nos ao período romano. Há uns 2000 anos, os romanos construíram aqui


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Cetárias para a produção do garum

dução de garum, uma pasta fermentada feita com as vísceras de peixe, uma atividade económica fundamental na província da Lusitânia. Quando D. Gaspar Paiva mandou construir o seu palácio

como fundamentais

mais) foram construí-

na dieta alimentar

dos em torno de um

em especial dos con-

pátio central. O aces-

tingentes militares

so dos trabalhadores

espalhados pelo vas-

aos tanques era feito

to Império Romano,

através de um corre-

graças à sua longa

dor. O seu pico de

durabilidade, visto

produção poderia

serem conservados

atingir os 550m3 e

em sal. Segundo os

teria capacidade para

historiadores, o

encher mais de 15

garum vindo da Lusi-

mil ânforas, o equi-

tânia era dos melho-

valente a 5 navios

res, pois o peixe da

romanos. A sua loca-

nossa costa era de

lização e dimensão

alta qualidade.

fazem deste sítio um de Portugal.

Nas escavações para a construção do hotel foram encontradas

O cheiro intenso e

diversas ânforas,

desagradável destas

recipientes de barro

fábricas de garum

usados pelos Roma-

levava à sua constru-

nos para transporte

ção preferencial na

de diversos produtos,

periferia das cidades.

como vinho, azeite ou

Os preparados de

garum. A maior parte

peixe eram não só

das ânforas recolhi-

muito apreciados

das terá sido produ-

aproveitou as estruturas da fábrica de garum como alicerces do novo edifício. De planta retangular, com uma área de 1500 m2, os tanques para a fermentação do peixe (foram identificadas 32 cetárias,

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mas seriam muitas

dos mais importantes uma unidade de pro-

d e

Planta da fábrica romana


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d e

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zida em olarias loca-

coberta por uma

O Palácio do Gover-

lizadas no estuário

cobertura de telhas,

nador

do rio Tejo – no entanto, as diferentes ânforas aqui descobertas mostram-nos também que por aqui passaram vinho e azeite provenientes da Península Itálica, da Bética e do Norte

O pátio de entrada do Palácio do Governador onde são bem visíveis as cetárias

de África. assente em traves de A arquitetura da fábrica de prepara-

madeira, apoiadas em colunas de tijolo.

Tudo indica então que no século XVI esta unidade de pro-

dos de peixe

As paredes das cetá-

dução de preparados

Esta fábrica de pre-

rias (tanques) eram

de peixe já não esti-

construídas com

vesse em atividade

pedras trabalhadas

quando a Torre de

de calcário e basalto,

Belém foi construída

ligadas por uma

e daí terem sido

argamassa de boa

aproveitados os

qualidade e poste-

muros para alicerces

riormente revestidas

do futuro palácio do

com opus signinum

governador da Torre

(uma mistura de

de Belém.

parados de peixe era semelhante a outras do Império Romano: planta retangular com os tanques dispostos em torno de um pátio central aberto, separados por um corredor. Os tanques de maiores dimensões eram utilizados para a produção dos preparados piscícolas, enquanto os mais pequenos, localizados no corredor, seriam utilizados para armazenamento de alguns dos ingredientes principais. A zona de produção era

argamassa e pedra calcária), que poderia chegar a ter três camadas, de modo a tornar os tanques impermeáveis. O mesmo material (opus signinum) era usado para os pavimentos e assentavam num enrocamento de pedras de basalto.

O palácio terá sido usado até ao século XIX por oficiais em serviço na Torre, sendo a sua afetação à torre muito explícita. No entanto, desconhece-se a data em que os condes de Atalaia terão vendido o imóvel ao estado. Quando nasceu a


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d e

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moda dos banhos na

descendente de anti-

arquitetónico foi

praia de Pedrouços,

gos governadores da

entregue à dupla Jor-

D. Maria II, D. Pedro

Torre de Belém.

ge Cruz Pinto e Cris-

e D. Luis terão usado a habitação como local de veraneio. Inicialmente a casa funcionava como residência de férias e o marquês deixou que a residência do escrivão da torre de belém e os escritórios dos oficiais de registo do porto continuassem a funcionar neste espaço, bem como armazéns.

Em 1864, D. João Manoel de Meneses passou a viver definitivamente no palácio. Após a sua morte em 1890, a casa transitou para a sua viúva e herdeiros. Ao longo do século XX a casa foi sendo subalugada a diversos particulares (asilo, colégio feminino de invocação a Nossa Senhora do Carmo, fábrica de

D. Luís terá residido

rolhas, leitaria marí-

na casa já depois de

tima, oficina meta-

rei, em 1862, antes

lúrgica e outra de

de fixar residência

reparação de redes

oficial no Palácio da

de pesca) e institui-

Ajuda. Após as mor-

ções estatais (Escola

tes suspeitas de três

de Pesca de Lisboa,

dos seus irmãos,

Caixa de Previdência

houve quem não con-

e Abono da Família

siderasse adequado

dos Profissionais da

que o monarca per-

Pesca e Centro regio-

manecesse no Palá-

nal da Segurança

cio das Necessidades,

Social de Lisboa).

o que originou a sua ida para Pedrouços, ainda que em 1854 a casa tenha sido vendida pelo estado ao segundo marquês de Viana, D. João Manoel de Meneses,

O palácio foi adquirido pelo Grupo Nau que o transformou, após mais de uma década de trabalhos, num hotel de cinco estrelas. O projeto

tina Mantas, tendo a decoração do interior ficado a cargo de Nini Andrade Silva. “A intervenção arquitetónica na antiga Casa do Governador da Torre de Belém define o que entendemos por Projeto Sincrónico: a coexistência de diferentes espaços-tempos, através da recuperação e integração dos vários estratos históricos existentes no edifício (dos achados arqueológicos das cetárias romanas dos séc. 1 e III d.C., da fundação manuelina, à caracterização do período barroco e à renovação arquitetónica contemporânea)”, escrevem os arquitetos na brochura sobre o hotel. A entrada faz-se pelo pátio onde permanecem as cetárias da antiga fábrica romana. O lobby da receção situa-se na antiga Capela, de invoca-


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quartos de diferentes tipologias arquitetónicas, integrando três suites principais, um restaurante de autor, Ânfora, situado no embasamento abobadado com terraços e esplanada

Um quarto

ligada à piscina exterior. O jardim é dota-

ção mariana, assina-

nos lambris de azule-

do de um tanque

lada por uma cruz e

jos nas salas e sui-

desenhado ao longo

duas estrelas, em

tes. Os terraços vira-

de parte da fachada

alusão à Virgem

dos a sul oferecem

sul e de uma piscina

como estrela da

aos hóspedes e visi-

central envolvida por

manhã, uma instala-

tantes uma esplana-

um deck de madeira

ção feérica contem-

da privilegiada sobre

com escotilhas eleva-

porânea formada por

a piscina exterior, a

do num solário, cuja

tubos de aço inox,

Torre de Belém e o

imagem reforça a

evocativa de um

Rio Tejo.

evocação de memó-

órgão ou do feixe dos raios luminosos do Espírito Santo, conforme figura num dos painéis de azulejos e figurava no retábulo do altar desaparecido, ambos dedicados à Anunciação.

Procurou respeitar-se o traçado original do edifício. Nos salões, foram preservados os tetos de masseira, a sua azulejaria setecentista original, os fogões de sala barrocos, os arcos e abó-

O valor histórico-

badas de tijolo origi-

arquitetónico genuí-

nais das salas do

no revela-se em cada

piso do embasamen-

um dos cinco pisos

to, o portal barroco

do hotel: nos tetos

dos fogaréis e as

em abóbada da sala

outras cantarias ori-

de restaurante, nos

ginais.

arcos sucessivos das salas do piso térreo e

O hotel alberga um programa de 60

rias náuticas. Do interior um grande spa dotado de uma extensa piscina interior podem ver-se os muros romanos. O espaço com área de 1200 m2 inclui uma piscina de 25 m com 2 cascatas, duche de sensações, fonte de gelo, sauna, banho turco, três salas de massagens, duas salas de relaxamento e ginásio.


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