De carro de Joanesburgo a Inhambane

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Setembro de 2004

Número 18

Cadernos de Viagem

De carro de Joanesburgo a Inhambane 1º dia – LisboaJoanesburgo O sonho do HansJürgen foi finalmente realizado: ir a Moçambique. Tantas foram as histórias familiares de África que ouviu neste últimos 21 anos que tinha mesmo de ir lá pessoalmente ver o local onde se passaram todas essas aventuras. E assim, a 2 de Março, demos nós início à nossa aventura africana.

A nossa aventura africana começa na ... Alemanha. Sem sabermos bem porquê, os voos para a África do Sul estão todos mais que cheios – ou melhor, até sabemos a razão: de acordo com estatísticas apresentadas recentemente, a África do Sul revelouse o destino turístico com um crescimento mais rápido a nível mundial, tendo recebido 6,4 milhões de visitantes em 2002 um aumento de ca. 20,1% em relação a 2001. Até ao último instante, trememos interiormente: iríamos ou não no único voo LH de Munique para Joanesburgo. Por fim, lá obtivemos o nosso cartão de embarque.

2º dia – Joanesburgo

-Maputo Aterrámos por volta das 8h da manhã em Joanesburgo. No aeroporto, as pessoas estavam todas com um ar estival... Uau! Tínhamos chegado ao Verão. Antes de iniciar a viagem de carro, fomos à casa de banho e pusemo-nos à turistas: calções, top e sandálias. A viagem podia começar. A estrada que liga Joanesburgo à fronteira é muito boa: só os primeiros 80-100 km são de auto-estrada, mas os restantes não são maus. O pior é que todo o percurso é a pagar... Pinga-pinga-

Portagem em Machadodorp – a influência portuguesa na África do Sul

pinga... Os terrenos ao longo da estrada estão todos tratados com enormes plantações a perder de vista: primeiro de milho, depois de citrinos e finalmente de cana do açúcar. A uns 200 metros da fronteira, aparece um sinal: “A estrada N4 vai terminar aqui”. E de repente, logo a seguir ao sinal, a estrada torna-se uma estrada de 4ª, com um piso péssimo – Moçambique aproxima-se. Passagem da fronteira Ainda não saímos do carro e já sentimos a confusão da fronteira. Praticamente não há sinais para nada. Vamos seguindo os carros da frente: quando eles pararam, nós também parámos e estacionámos. Saímos meio tontos do carro, sem saber para onde ir. Tudo parece que está em construção ou que é o tal provisório/ permanente.


Já ouvimos falar muito português. Vamos perguntando o que temos de fazer às

moçambicano, este vira-se para mim e diz simpaticamente: “E agora vem a parte mais chata: meterse no carro e ir para casa!” E ofereceme um sorriso de ponta a ponta.

Fronteira de Ressano Garcia

outras pessoas que estão a passar a fronteira e que têm ar de o fazerem regularmente. Aos pouco lá vamos entendendo o funcionamento da fronteira, que papéis preencher, que carimbos ir buscar, que pagamentos fazer – e é, aqui, que nos apercebemos de dois pontos fundamentais: * rand e meticais são, na realidade, moedas “oficiais” em Moçambique. Tanto faz pagar numa ou noutra moeda, ambas são aceites em todo o lado e toda a gente sabe fazer o câmbio! * a influência portuguesa é ainda muito grande. Em vez de dizerem o valor em milhares de meticais, cortam os três últimos dígitos e dizem contos! Tal como em Portugal no tempo do escudo... Após a revisão do carro pelo polícia

Logo atrás da fronteir a, surge uma pequena aldeia de comércio: muitas, mesmo muitas barraquinhas de venda. A estrada volta a ter a qualidade da estrada sul-africana – e o mesmo sistema de portagem: mais pinga, pinga, pinga... O que porém salta logo à atenção é o facto de, neste lado da fronteira, os campos não estarem tratados; não se vê nenhuma plantação. Será que o terreno aqui é mau? Ou será que pura e simplesmente não há investidores nem grandes agricultores? Com o passar dos dias em Moçambique, verificámos que, infelizmente, a resposta era a segunda. Moçambique não produz nada, não tem nada, importa TUDO! Toda a economia moçambicana

encontra-se num estado de profundo subdesenvolvimento: 43% da população subsiste no estado pobreza absoluta. A esperança de vida é de 46 anos! Uma hora após a passagem da fronteira, passamos ao lado dos bairros de lata típicos dos limites urbanos de cidades de países cuja capital é o único pólo de atracção. Bairros de lata, com lixo, lixo, lixo, lixo à entrada, lixo entre as ruelas, lixo em todo o lado, esgotos ao ar livre.

acordo pessoal entre o director da Siemens/Moçambique e o director do Polana... Quem não tem padrinhos... O hotel é lindo no seu estilo colonial. A parte antiga foi, felizmente, deixada como era – mas devidamente renovada, claro! O elevador é ainda o original, dando mais um toque romântico ao hotel. Este imponente edifício foi construído pelo Delagoa Bay Land Syndicate, a partir dum projecto de Walter Reid. A construção durou 19 meses, tendo sido inaugurado a 1 de Junho de 1922. Ficámos num quarto da ala antiga com vista sobre a piscina – onde fomos logo dar um mergulho - e Oceano Índico. Muito bonito! Por sugestão do Rui Bragança, da Siemens em Moçambique, fomos jantar ao Clube Naval, onde

Maputo, a capital, foi durante a guerra civil, um dos únicos locais seguros do país. Aqui não chegou a guerra. Mas fez com que as populações procurassem aqui o refúgio, a protecção que as suas aldeias e vilas não lhes ofereciam. Não tendo dinheiro para alugar casas, as pessoas foram construindo as suas barracas nos limites da cidade. Após 570 km, chegámos finalmente ao Polana, o ex-libris da cidade, que estava ao nosso dispor por Em frente da piscina do somente... Polana US $75, graças a um


comemos... 1 kg de camarão grelhado – uma delícia!

3º dia – Maputo Acordar preguiçoso – não tínhamos horários nem planos a cumprir. Só dar um passeio pela cidade, que já foi Lourenço Marques. Mergulho na piscina – e saímos para a cidade. O primeiro objectivo era trocar dinheiro (ainda continuávamos sem meticais). O segundo era tomar o pequeno almoço numa pastelaria como se estivéssemos em Portugal. O terceiro, e último objectivo do dia, era descobrir a cidade. Maputo fica na Baía do Espírito Santo, também designada por Delagoa Bay e já foi considerada uma das cidades mais bonitas, melhor ainda, “charmosas”, do mundo. Hoje... bem, hoje em dia, o bairro

do Polana, cujo nome vem do régulo que antigamente governava esta zona, é realmente bonito, limpo, apetecível, com o Hotel Polana, embaixadas e o palácio presidencial, uma das residências oficiais do Presidente Chissano. O terreno que circunda a casa encontra-se patrulhado por guardas armados – mais: não é permitido andar pelo passeio em frente da casa!!!!!! A avenida principal, Av. Julius Nereyere, cruza com duas outras avenidas principais: a Av. 24 de Julho, Dia das Privatizações, e a Av. Eduardo Mondlane, o primeiro presidente da Frelimo. Estes são os três eixos orientadores da capital moçambicana. Mas assim que se sai deste triângulo, a cidade muda logo de feição. Maputo está impressionantemente decadente: a degradação de uma grande parte dos edifícios (quase todos, edifícios ainda do tempo colonial não recuperados – só os que servem para escritórios ou organismos do estado estão mais ou menos arranjados), a escassa recolha de lixo – até nos perguntamos se por acaso há um

sistema organizado de recolha de lixo, tais são os montes que se vêem em todo o lado -, os passeios e as ruas

Depois do pequenoalmoço muito tardio na esplanada duma pastelaria na Av. 24 de Julho demos verdadeira mente início ao nosso passeio.

Primeira paragem, numa zona ainda relativame nte limpa, o Conselho Municipal, a antiga Câmara Municipal de Lixo, lixo e mais lixo Lourenço Marques, num estado lamentável construído 1945 em cheíssimos de buracos, estilo neoclássico. os pedintes e os Durante o tempo vendedores. Fiquei até colonial, as palavras com a impressão que "Aqui é Portugal" naquela cidade a encontravam-se grande maioria da inscritas na parte população é vendedora frontal do edifício, ambulante – sim, mas foram removidas ambulante porque após a independência. andam pela cidade Vale a pena entrar. No com as suas mércolas hall de entrada, isqueiros, tabaco, existem maquettes das jornais, cassetes, cidades de Maputo e discos, pentes, blusas, Marracuene tal como fósforos, sapatos, eram nos primeiros fruta, cabides, tempos. Mas que pena legumes, etc...- no não lhes ser dado o braço. Nas ruas vendedevido relevo! Estão se de tudo! A maioria num canto, dos habitantes que completamente às vivem em Maputo e escuras e com os arredores estão vidros com tanto pó desempregados e que mal se consegue vivem à custa do enxergar o que lá está mercado negro ou dentro! "informal", conhecido localmente por "dubanengue".


A vista que se tem da escadaria do Conselho Municipal pela Av. Samora Machel abaixo até ao Oceano é lindíssima. Logo ao lado temos a catedral, construída em 1944, em forma de cruz; infelizmente, as placas do tecto estão a cair e urgem obras de recuperação. É uma catedral muito simples, feita por arquitectos portugueses ... que se esqueceram que estavam num país tropical. Ou seja, mesmo quando está vazia, a igreja é muitíssimo quente. Como será durante os serviços religiosos, cheia de gente! Continuamos a descer a Av. Samora Machel e temos, sempre do lado esquerdo, primeiro o Centro Cultural Franco-Moçambicano, que se encontra instalado num magnífico edifício . O centro é dos principais dinamizadores culturais de Maputo. Um pouco mais abaixo, temos a Casa de Ferro, desenhada por Gustave Eiffel em 1892, e que foi feita inteiramente em ferro. Apesar de ter sido destinada para casa do Governador, este nunca lá morou pois era demasiado quente para o clima sub-tropical de Maputo. É actualmente sede do Departamento de Museus.

Ao lado da Casa de Ferro, está o Jardim Tundurouru, um jardim botânico. Graças às suas árvores muito frondosas, quase todas classificadas com informação sobre as espécies e sua origem, é o sítio ideal para passear durante as horas mais quentes do dia. Foi desenhado em 1885 pelo arquitecto paisagista britânico Thomas Honney. Em frente da entrada, ergue-se, de dedo em riste, a estátua de Samora Machel (19331986), primeiro Presidente da República Popular de Moçambique. Esta estátua de bronze foi erigida depois da sua morte num acidente de aviação na África do Sul. É altura de descansar um pouco – os pés começam a pedi-lo e o calor a apertar. Temos o café Continental, cuja esplanada é o local ideal para ficar a observar o movimento da cidade. Foi aqui que vimos passar dois grupos de meninos de rua do Maputo, crianças que vivem da e na rua e sobrevivem graças a mil e um expedientes. Quase em frente do café, um belo antigo edifício colonial, já em ruínas, sobrando-lhe somente as fachadas. Já refeitos, seguimos para a Fortaleza. No caminho, uma loja de

pronto a vestir chamou-nos a atenção: parecia que estávamos em plenos anos 50/60 e que o tempo tinha ficado parado. À porta, um casal idoso, com quem conversámos. Vieram para Lourenço Marques em 1953 e montaram aquele negócio. Após a independência ficaram, esperando que a situação melhorasse. E foram esperando e ficando – até se terem tornado uma espécie de museu. Chegámos então Fortaleza, que fica completamente invisível no meio de tantos edifícios semialtos e de tanto... lixo. A Ffortaleza é uma das construções mais antigas da cidade. O estilo de construção, assemelha-se grandemente a outros fortes portugueses espalhados pela costa este africana. È actualmente um museu militar, com relíquias do passado colonial moçambicano No meio, uma estátua a cavalo de Joaquim Mouzinho de Albuquerque, o homem que prendeu Gungunhana. Estamos agora em plena zona do Porto de Maputo que é considerado, pela Suazilândia e províncias do norte da África do Sul, como o Porto de melhor acesso ao mar. Foi construído

em 1784. O ambiente de idêntico ao de qualquer porto por esse mundo fora: estivadores, vendedores, malandros, mendigos – altura de ter mais atenção à carteira, pois mais valores não levávamos. Continuando a deambular, chegamos à Praça dos Trabalhadores, onde se ergue, imponente, outro edifício que ninguém deve deixar de ver: a Estação dos Caminhos de Ferro de Maputo. No centro da Praça existe um monumento dedicado aos soldados moçambicanos que combateram na Primeira Grande Guerra Mundial. A escultura mostra uma mulher, que segundo a lenda, matou uma cobra que vinha, há já algum tempo, a aterrorizar a população local. Segundo consta, a cobra mergulhou para a morte, num recipiente de papas de aveia a ferver, que a mulher carregava à cabeça. A cobra pode ver-se, no monumento, erguendo-se dos pés da mulher. Da estátua, observemos a Estação dos Caminhos de Ferro, desenhada em 1910 por Gustave Eiffel, donde sobressai a enorme cúpula central que serve para permitir a entrada de luz e circulação de ar no edifício. As estruturas


originais de ferro forjado, bem como as suas colunas de mármore encontram-se ainda intactas. Dentro da estação, poderá ver duas locomotivas originais a vapor, que datam do século XIX. A visita ao Mercado Central, bastante degradado, veio mesmo a calhar, pois no preciso momento em que estávamos a entrar – de nariz tapado devido ao cheiro nauseabundo das montanhas de lixo – caiu um grande chuvada tropical. Apesar de não ser o maior mercado da cidade, vale a pena vê-lo pelo seu burburinho, dos vendedores de camarão, caranguejo, peixe, caju, legumes e fruta. Estamos em plena zona “quente” de Maputo, que me lembrou – pelo seu ambiente – ao “downtown” de Los Angeles, onde nenhum turista se atreve... As ruas são um buraco pegado, os passeios estão atolados de vendedores. A caminho do Museu da Revolução, demos com um loja cheia de mulheres. Entrámos. Era uma loja que só vendia capulanas a preços muito atraentes ( de 35.000 a 100.000 meticais, ou seja, de 1,40 a 10 euros!). Comprámos logo ali cinco capulanas – em

Roma sê romano. Cá fora dois homens estavam à beira de se esmurrarem. Muita gente à volta. E de repente, vejo-me rodeado por dois rapazolas, um dos quais mete a mão ao bolso dos calções – azar dele, vislumbrou algo rectangular e, pensando tratar-se dum telemóvel, tentou roubar-mo. Mas o que eu tinha no bolso era somente... um pacote de lenços de papel! Passamos o lindíssimo edifício da Fundação Aga Khan e chegamos finalmente ao Museu da revolução, que mostra, tal como nome indica, a história da Revolução em Moçambique, através de documentos, recortes de jornais, mapas e fotografias. Existem também alguns exemplares de armas e uniformes usados na altura. Logo à entrada, o carro particular de Eduardo Mondlane. O museu está um pouco abandonado o que mostra que o fervor revolucionário já passou... Agora era altura de regressar a casa. Os pés já quase se recusavam a andar, após mais de 10 km de passeio. Banho na piscina e jantar no Clube Marítimo com mesas mesmo à beira-mar e

um céu carregado de estrelas e cometas. E mais uma vezes nos deliciámos com camarão grelhado.

4º dia – MaputoBilene

ambulante e muita gente na rua. Mas passados uns 5 quilómetros, tudo fica mais calmo – até a estrada melhora para um nível muito satisfatório. Pegada à província de Maputo está a província de Gaza, com paisagens de savana a perder de vista: arbustos baixos,

Afinal havia uma pastelaria mesmo ao sair do hotel... Fomos à pastelaria anexa ao Polana, comprámos umas empadas e regressámos ao nosso quarto – para variar, mudámos ontem de quarto para a ala nova, o Pequeno-almoço em frente do Polana Mar, para Índico um quarto com vista directa capim, alguns para o Índico e uma coqueiros (poucos), e varanda muito muitas árvores cujo simpática. E foi ali que nome desconheço. A tomámos o nosso província é conhecida pequeno-almoço. como o celeiro do país, Deixámos então onde se cultiva Maputo e começámos a principalmente arroz nossa viagem para o no vale do rio Limpopo Norte. Durante a noite – mas no entanto não tinha chovido vi culturas algumas. Só copiosamente e as ruas algumas machambas. É de Maputo estavam também uma importransformadas em tante origem de autênticos rios de produtos como a grande caudal. banana, algodão e Cheguei a pensar que milho. não iríamos conseguir Sucedem-se aldeias e passar com o nosso vilas coloniais abandocarrito. Mas vá lá, a nadas com as suas nossa casquinha de noz lindas casinhas em levou-nos a bom porto. estilo português mas A saída da cidade é em ruínas ou em uma grande confusão. avançado estado de A estrada é mazita, há degradação. E, no muito comércio entanto, a uns 500 m


das casas coloniais abandonadas, surgem os agrupamentos de palhotas, quer redondas, quer rectangulares, à maneira tradicional: telhados de colmo, paredes de folhas de palmeira entrançadas misturadas com barro, rodeadas de paliçadas protectoras. Ao princípio, não conseguia compreender porque razão os moçambicanos não ocuparam, pura e simplesmente, as casas abandonadas pelos portugueses. Mais tarde, compreendi: essas casas nada têm a ver com a sua cultura. Precisam de estar bem junto da natureza, nos seus palmeirais, em sítios onde possam viver em contacto directo com a natureza, cozinhar ao ar livre, conviver debaixo das casuarinas, das bananeiras, dos pés de papaia, dos cajueiros e das palmeiras. Até Bilene, só passámos por três vilas: Marracuene, Manhiça e Macia, onde virámos para Bilene. Marracuene situa-se a 31Kms de Maputo e os portugueses, ao chegarem aqui pela primeira vez, no século XVI, encontraram alguma resistência por parte da população. Durante o tempo colonial foi considerado como um

dos locais mais populares para passar férias, mas durante os vários anos de guerra sofreu uma grande degradação. Trata-se de uma pequena vila pitoresca, com raízes históricas, e para os amantes da arquitectura, vale a pena dar uma volta pela vila para observar o casario colonial. Macia é uma típica vilazita (será cidade?) de província, a 150 km de Maputo, na estrada principal, a EN1. É aqui que se vira à direita em direcção a Bilene, que fica a 33 km. No século XIX, Bilene teve muita importância; para aqui vieram os nguni (vátuas ou aungunes, na terminologia colonial), um dos ramos dos zulus, trazidos pelo régulo Sochangane, avô de Ngungunhane (Gungunhana na terminologia colonial), que se recusou subjugar aos portugueses. Sochangane, depois chamado Manukuse, alarga o reino — a que dá o nome de Gaza em homenagem ao seu bisavô — e estabelece a capital em Chaimite, mais tarde tornada na aldeia sagrada dos ngunis. Teve aqui a sua capital. É aqui que morre em 1858.

Bilene fica à beira da lagoa Uembje, com 27 km de largura e 5 km de comprimento, com águas azuis cristalinas, muito calmas, graças à sua forma de concha, protegida das grandes correntes pelas dunas que a delimitam. A areia é dourada e muito fina. Mas, mesmo com este cenário paradisíaco, Bilene estava deserta, ou melhor, só lá estavam os seus poucos habitantes. Nem um turista. Fomos os únicos a pernoitar nessa noite em Bilene. O restaurante só nos serviu a nós: umas bicudinhas grelhadas, muito frescas, deliciosas.

5º dia – Bilene – Inhambane Seguimos viagem, tendo como objectivo pernoitar em Inhambane. Logo à saída de Macia, espraia-se aos nossos olhos o maravilhoso vale do rio Limpopo. A ponte que o atravessa tem portagem – mas só no sentido Norte-Sul. A 80 km de Bilene, temos Xai-Xai, antiga Vila de João Belo, a capital da província de Gaza. A praia fica a 12 km – quilómetros a perder de vista de areia branca, mas suja, e um

mar muito bravo, com grandes ondas. A praia do Xai-Xai já conheceu melhores tempos, na época colonial, quando era uma das praias preferidas, assim como Bilene, para os habitantes de Maputo. Agora, está meia abandonada, com dois grande hotéis fechados – um deles mesmo em ruínas. Ao fim da tarde chegamos finalmente a Inhambane, “terra de boa gente”, como lhe chamou Vasco da Gama quando por ali passou na sua viagem para a Índia devido à sua afável população nativa. E acima de tudo, a terra onde nasceu a Lena! Em tempos coloniais, a cidade tinha uma qualidade de vida apreciável, muito comum no interior de Moçambique e que em Inhambane tinha um sabor especial. Como estava quase a escurecer, dirigimonos directamente para a praia de Tofo, onde, inexplicavelmente, não havia lugar para ficar! Ficámos numa casinha da D. Aida, muito abafada, que cheirava a mofo. Jantámos na praia, lagostas grelhadas, sob um tecto de estrelas. Que romântico!


6º dia – Inhambane e Maxixe Dia dedicado por inteiro à descoberta da terra da Lena, da terra sobre a qual a Mamã tantas histórias nos contou, a terra do Jeremias, a ordenança do Papá – que eu tinha a incumbência de encontrar. Pequeno-almoço na Pastelaria Moçambicana, no centro da cidade. Paragem no quartel para tentar visitar – tentativa frustada pois o comandante não estava para dar a autorização por causa da visita de “Sua Excelência”. Tenho de perguntar ao graduado de serviço: - Mas quem é sua Excelência? - É o camarada presidente. Fiquei esclarecida. Da entrada, consegui vislumbrar a casa do comandante, com a sua enorme varanda a

todo o comprimento. Seguimos para o hospital, onde nasceu a Lena. E depois para a igreja de N. Sra da Conceição – a igreja velha, em estilo bem português, mesmo ao lado da grandiosa igreja nova, e da Conservatória de Registos e Notariado, num estado mais do que decadente. A cidade tem um ar muito simpático, parado no tempo. Mantém-se as casas coloniais, mais velhas e sem restauro, mas lá estão de pé, a dar o aspecto colonial e acolhedor. A província de Inhambane é conhecida pela região dos 2 milhões de palmeiras. Na realidade, está coberta por coqueiros, mangueiras e cajueiros.

As etnias desta região, os Vátuas, os Bitongas e os Chopes, vivem aqui desde o século XV, mesmo antes da chegada dos portugueses. Inhambane já era, na altura, um porto famoso, pois era um entreposto muito importante para as relações O hospital de Inhambane, comerciais onde a Lena nasceu

Tivemos assim que ir a com os árabes. Em Maxixe, que fica na 1498, Vasco da Gama estrada principal do atraca em Inhambane lado outro da baía de e aqui fica durante Inhambane. Para quem cinco dias, antes de não quer fazer os 60 seguir viagem para a km entre uma cidade e Índia ". Mas a presença outra, pode optar pela efectiva dos ligação fluvial. Maxixe comerciantes é uma cidade portugueses data de comercial, com um 1550, quando a cidade porto fluvial muito se torna um verdadeiro activo, onde param os porto de comércio e lindos barcos de velas um importante placa triangulares. giratória para produtos coloniais, como os escravos e o marfim Voltamos para em 1928, Inhambane Inhambane para era a terceira cidade procurar o Jeremias. mais populosa de No caminho parámos Moçambique, logo após ainda numa escola de Lourenço Marques e mato, com as salas de Beira. aula em palhotas, sem Toda esta importância mobília nenhuma: os foi-se esvaindo com o tempo. Por não se encontrar directament e na estrada nacional que faz a ligação sul-norte, Inhambane foi ficando esquecida – e Uma palhota como sala de aula ainda bem, duma escola no meio do mato – os pois mantém meninos escrevem sobre as pernas assim o seu aspecto de princesa meninos estavam todos adormecida no tempo. sentados no chão, Esse facto traz, porém, escrevendo sobre as desvantagens, por pernas. Aqui exemplo, a nível de entregámos o nosso abastecimento de monte de canetas, gasolina. Não havia em blocos de notas e Inhambane nenhuma roupa. bomba com gasolina sem chumbo - e o À saída de Inhambane, nosso depósito estava vi um senhor de idade. quase no zero. Perguntei-lhe se


conhecia um senhor chamado Jeremias. - Claro, o sargento Jeremias. Dê aí um papel e lápis e eu desenho-lhe como lá chegar! Seguimos em direcção ao Tofo e na curva grande, deixámos a estrada alcatroada e metemos por uma picada. Ali estava a casa verde do Jeremias.

saiu do exército. Recebeu 200 contos de indemnização, com os quais comprou o bar que está junto da picada que o vai para a ponta da Barra a esquerda e, para direita, a praia do Tofo. Há neste cruzamento o bar Babalaza, um restaurante famoso na zona estando assim quase sempre cheio nas noites de fim-desemana.

Bastou dizer-lhe: - O meu pai foi comandante aqui no quartel nos anos cinquenta. Para ele replicar: - O capitão José Alves Pereira. E ali ficámos uma boa meia-hora a conversar, com o Jeremias a contar-nos historietas

O Jeremias a falar comigo do Papá, da Mamã e da Nucha. E contou-nos como, após a independência,

7º dia – Inhambane e Xai-Xai Passamos a manhã a gozar a praia de Tofo. É uma praia muito segura, com águas limpas, cristalinas, azuis-esverdeadas, mornas. Como é bom ficar ali na beira-mar, a sentir as águas quentes do Índico a acarinharem o nosso corpo! Mas, “en toute chose il faut considérer la fin” e assim tivemos que dizer adeus a este paraíso e rumar para sul. O caminho já é conhecido. Uma nota porém sobre Gungunhana, o “Leão de Gaza”, cujas histórias da sua captura quase atemorizaram e pertenciam à filosofia

colonial – daí virem em governos portugueses", todos os compê ndios escolar es. Virand oà esquer da em Inharri me, A praia do Tofo vamos ter a o "régulo sanguinário", Manjacaze, que como o classificam os Gungunhana jornais nos últimos estabeleceu para anos. É Ngungunhane capital do seu reino. (Gungunhana na ortografia colonial) Segue a descrição da capturado por chegada de Mouzinho de Gungunhana a Albuquerque em Portugal, após dois Chaimite, a 28 de meses de viagem de Dezembro de 1895. barco. “Manhã cedo, 13 de Março de 1896, o vapor "África" fundeia a meio do Tejo, frente a Cacilhas (...) Lisboa está em festa. Milhares de pessoas acorrem ao cais para ver o último trofeu de guerra da monarquia. É a "fera cruel", o "pesadelo de todos os

A nossa cabana na praia do Xai-Xai

Depois de horas de insistências, alguns jornalistas conseguem permissão de subir a bordo. Encontram o grupo de 16 prisioneiros a estibordo num exíguo espaço mal iluminado com dois patamares de beliches. Nas esteiras superiores está Ngungunhane com sete das suas rainhas (as outras recusaram-se a acompanhá-lo)”.


E nós demos-lhe 170.000 meticais (6,5 euros). Corrupção ao vivo.

8º dia – XaiXai-Maputo No caminho, duas notas dignas de referência. Na estrada cruzámonos com mais de 50 carrões sul-africanos a rebocar barcos, igualmente potentes. O que se estaria a passar para a zona de Inhambane? Tivemos a resposta mais tarde: ia realizar-se um concurso de pesca de alto mar! Segunda nota: durante todos estes dias, fomos parados quatro vezes pela polícia. Três vezes encontrámos polícias simpaticíssimos, que nos mandavam seguir viagem, sem sequer querer ver os nossos papéis. O quarto... não foi bem assim. Parounos, disse-nos que íamos a 70 e só podíamos ir a 60 e, por isso, tínhamos de pagar uma multa de 1 milhão de meticais, ou seja, 50 euros. O HansJürgen fala com ele, que não temos tanto dinheiro, se não se pode chegar a um acordo. -Está bem, dê-nos o que tem para o nosso almoço!

Chegámos a Maputo à hora de almoço. Após check-in no Holiday Inn, voltámos a dar a volta pela cidade, desta vez de carro, para fotografar tudo de novo – o primeiro rolo tinha ido “ao ar” e não tínhamos documento fotográfico

nenhum. Fomos ainda ao mercado do peixe, onde ainda não tínhamos estado. É um mercado ao ar livre onde se diz haver o melhor peixe e marisco da cidade, apanhado nas redondezas de Maputo. Parámos também na Artedif, uma cooperativa de artesanato, na Av. Marginal, que tem como particularidade vender peças feitas

somente por deficientes. Último jantar de camarão.

9º dia – MaputoJoanesburgoLisboa O adeus a Moçambique.

Haverem os de voltar.



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