Por terras moçambicanas

Page 1

Março de 2010 Número 62

Cadernos de Viagem Por terras moçambicanas Duas semanas por terras moçambicanas não deu

para ver tudo o que tínhamos em mente. Temos de lá voltar para ir descobrir o norte e o noroeste. Em 2003, fizemos a costa entre Maputo

e Inhabane. Este ano partimos à descoberta da faixa central entre BeiraChimoio-QuelimaneNampula e Ilha de Moçambique.

6ª feira, 5 de Fevereiro

@ M. Margarida Pereira-Müller guidapereiramuller@hotmail.com

Partida para Joanesburgo, a primeira etapa da viagem, via Zurique. Os dois voos correram na perfeição, sem problemas, sem atrasos. À nossa espera em Joanesburgo o Martin Snoek com o filho e o Armando Bôto , o coordenador do ensino de Português na África do Sul/Namíbia/ Suazilândia, com uma colega. Enquanto os meus companheiros de viagem tentavam despachar as

malas para a Beira — diga-se de passagem, tentativa vã — eu trocava ideias com os dois professores de português para um futuro acordo de sessões de leitura na África do Sul com alunos de Português. Terminada a conversa, seguimos com os Snoek que simpaticamente nos puseram a casa à disposição para essa noite. Mais: organizaram um belo braai para o qual também convi-

daram um casal luso-sulafricano. As conversas decorreram soltas — e provaram que há muitas tensões étnicas na África do Sul. Os problemas raciais estão longe de estar resolvidos, a poligamia do presidente não é bem aceite, a escolha de negros para lugares de chefia é posta em causa.


Página 2

C a d e r n o s

d e

V i a g e m

Joanesburgo-Beira-Gorongosa uma duração de 1h30.

Em África nada foge ao ritmo africano e nós temos de nos adaptar — em Roma sê romano

Depois de um pequeno almoço à base de fruta tropical, os Snoek levaram-nos para o aeroporto. A nossa grande questão era saber se iríamos conseguir embarcar no voo da SAirLink com os nossos 160 kg de bagagem! Mas estávamos protegidos pelos deuses e conseguimos não só fazer o check-in dos 120 kg de roupa e material escolar para a Gorongosa, como ainda conseguimos mandar para o porão duas das nossas malas. Já aliviados de tanta tralha, fomos ainda à drogaria comprar um anti-inflamatório e um colírio, que nos fizeram bastante jeito durante toda a viagem. O voo com a SAirLink foi muito agradável. O avião era pequeno, mas como ia bastante vazio, não nos sentimos apertados. E ainda tivemos direito a serviço de bordo apesar do voo só ter

O aeroporto da Beira continua pequeno, tal como era em 1971. A mão cheia de passageiros que desembarcou dirigiuse ao terminal. O

guichet da Serviço de Fronteiras é espelhado do lado de fora, ou seja, nós não conseguimos ver se estamos a falar para alguém ou para o boneco… Bem, lá entregámos os passaportes, pagámos o visto e… disseramnos para avançarmos e esperarmos junto ao tapete de bagagens. Estas chegaram, uma a uma as pessoas iam retirando as suas malas e saindo do terminal, Até que ficámos só nós, especados

com os nossos 10 volumes à espera, à espera, à espera… Os funcionários da alfândega foram-se embora e nós ali especados à espera. O Chico Ivo que tinha ido ao aeroporto para falar connosco e combinar o nosso encontro no final da viagem, entrou para a parte dos passageiros e ficou ali na cavaqueira connosco. Até que, quando já estávamos quase a desesperar, surgiu radiante o funcionário com os nossos quatro passaportes. O passo seguinte era levantar o carro alugado via internet na Europcar de Lisboa. Mas onde estavam os funcionários da Europcar? Andámos para cima e para baixo, subimos e descemos a escadaria — muito mal cheirosa — aeroporto, vimos a única loja aberta (!), e nada. Até que finalmente lá apareceu uma senhora que nos atendeu. Final-


N ú m e r o

6 2

mente, já perto das 15h, deram-nos o carro e nós lá partimos, felizes e contentes rumo à Gorongosa. Passámos pela Lusalite, de que tanto a Milú Santana nos falara —, passámos vilas, aldeias e quintais de palhotas. Do meio dalgumas palhotas saía o fumo das comidas a serem preparadas. À beira da estrada, grande actividade comercial: em bancas de matope (adobo) ou simplesmente no chão, vende-se fruta, legumes, madeira, capulanas, jerricans, enfim, tudo o que é neces-

Página 3

sário. Cruzavam-se connosco ao longo das estradas homens, mulheres, crianças transportando tudo à cabeça ou nas suas bicicletas: jerricans amarelos de água, feixes de lenha, sacos de carvão, galinhas ou cabras vivas, fruta,

cadeiras, etc. Mesmo ao cair da noite, à hora do encerramento , chegámos aos portões de entrada da Reserva da Gorongosa. O Sr. Bonde Escova, funcionário ainda do tempo dos portugueses, recebeu-nos com toda a correcção e cortesia. Sente-se o esforço que o governo está a fazer com a ajuda da Fundação Greg Carr para tornar a colocar a Gorongosa no circuito das grandes reservas naturais de África. Foram recuperados antigos fun-

cionários, novos estão a ser recrutados e formados, há preocupações ambientais. Mas foi necessário começar da estaca zero. Do fulgor e da riqueza dos anos 70 com uma das mais densas populações de vida selvagem de toda a África, incluindo os big five, e mais de 500 espécies de pássaros resta o local. Na época colonial, o histórico acampamento de Chitengo tinha piscinas, bar e clube nocturno, uma estação de correios e um posto de abastecimento de combustível, urgências, loja de artesanato e um restaurante. Durante a

XXXX


Página 4

C a d e r n o s

guerra civil, praticamente tudo se perdeu: as casas foram abandonadas, os animais foram caçados para alimentar quem tinha fome — mas também para alimentar a cobiça dos caçadores furtivos. Outros fugiram. 95 % dos animais de grande porte desapareceram e os ecossistemas foram alvo de grande pressão. Dos 4000 elefantes que havia, sobrou um. Dos leões nem um. Dos 14 mil búfalos, seis mil zebras, seis mil boiscavalos, quase quatro mil hipopótamos, tudo desapareceu. Mantiveram-se os macacos e alguns crocodilos. Actualmente, nos 4000 km² do Parque Nacional da Gorongosa (PNG) e graças ao esforço de repopulação da Fundação Carr já existem quase duas dezenas de zebras, três centenas de elefantes e alguns hipopótamos, além de muitos animais de pequeno porte. Vimos muitos

facoceros, oribis, impalas, cudos, crocodilos, galinhas de mato, inhacosos (pivas), imbabalas, macacos comuns, macacos de cara preta, pala-palas, elandes, alguns cabritos cinzentos. Até vimos um gato serval e, para espanto do ranger que nos levou no último dia à famosa Casa dos Leões (sem leões, para muita

d e

V i a g e m

O restaurante, de arquitectura bem africana totalmente aberto nos lados, serve todas as refeições e snacks. Os bungalows têm ar condicionado (que funcionam enquanto os geradores estão ligados. Entre as 22h e as 5h30, a vida faz-se à luz de velas… e sem ar condicionado). Infelizmente, a piscina estava fechada. Comunidade do Vinho

pena nossa), um grupo de bois-cavalos (gnus), dos 180 que foram reintroduzidos em Setembro de 2007, vindos da África do Sul. Também o acampamento do Chitengo está a ser recuperado para receber turistas.

A Fundação Greg Carr apoia também a Comunidade do Vinho, a mais próxima do PNG, do outro lado do rio Pungué, que faz a fronteira natural do parque. Para lá chegar, há que atravessar o rio de piroga! Sim, um barco escavado num tronco de árvore. No dia seguinte à nossa chegada fomos lá entregar a roupa e o material escolar que trouxemos. A Fundação Carr e o PNG construíram a escola primária completa e o centro de saúde com maternidade. Depois de atravessarmos o rio, já na outra margem, andámos aprox. 2 km até


N ú m e r o

6 2

Página 5

As camisolas e as saquetas de pano para as crianças foram distribuídas sala a sala.

à escola. Apesar de ainda só serem 9h30 da manhã, o sol já picava na pele. Passámos pela grande árvore acolhedora de pessoas e conversas, e falámos com o secretário da comunidade. Dissemos-lhe que trazíamos roupa para as crianças da escola, mas também para bebés. A notícia depressa se espalhou pela aldeia. Pouco depois de termos chegado à escola, já estavam dezenas de mães com os seus bebés à espera da oferta de roupa. Começámos por fazer a distribuição às mães na sala dos professores, mas devido à enchente, mudámo-nos para uma sala de aula.

Cansados, com fome e sede, regressámos ao acampamento. Bué Maria Ao final do dia, fomos com o guia Adolfo Macadona até Bué

tintas e produtos farmacêuticos. E ficámos a conhecer a bela e romântica história de Bué Maria, a mulher que se apaixonou sem ser correspondida e que desapareceu misteriosamente daquele rochedo (bué, em língua local). Cascatas de Murombodzi Estando na reserva aproveitámos para fazer uma caminhada pela Serra da Gorongosa, indo até às cascatas de Murombodzi.

Maria para ver o pôrdo-sol - que não vimos por estar tudo encoberto. Mas vimos belas alamedas de palmeiras boraço, as palmeiras africanas (Borassus aethiopiuma ), cuja resina (sura) se pode beber sem problemas até três horas após ter sido recolhida — mas que começa a fermentar passado esse tempo e fica um delicioso vinho. E vimos alamedas de acácias xanthophloea, tão ricas em tanino que são utilizadas na elaboração de

Grande parte do desenvolvimento do ecoturismo centra-se na Serra da Gorongosa – uma fonte vital de água para o parque e habitat natural para muitas espécies raras de aves e plantas. O PNG está a trabalhar com as comunidades que aí vivem para proteger a serra, formando guias e cobrando taxas de entrada na serra, cujo valor é depositado numa conta bancária gerida pela comunidade. Os turistas que optem por fazer caminhadas na serra estarão a contribuir directa-


Página 6

C a d e r n o s

d e

V i a g e m

motivador. Deixámos o carro no quintal do Sr. Esteves, o encarregado do régulo de Murombodzi que tem por função gerir o livro de visitantes da cascata e recolher os 100 meticais da entrada no regulato. mente para o negócio do ecoturismo e oferecer à comunidade local uma alternativa às queimadas agrícolas destrutivas. Do acampamento do Chitengo até à Vila da Gorongosa são aprox. 40 –50 minutos. No final da vila, sai-se da estrada nacional e metemos por uma picada, muito estreita, somente com a largura do jipe, ladeada de machambas de milho e de mapira! De quando em quando cruzavam-se connosco homens que iam trabalhar nas machambas, mulheres que iam ao rio lavar a roupa ou que iam buscar água e crianças no caminho para a escola com o seu banquinho da escola à cabeça. Connosco foi o Sr. Castro, um jovem guia, muito solícito e

A caminhada de aprox. 5 km (1h— 1h30) do parque de estacionamento até às cascatas é dura — especialmente na época das chuvas, durante as quais os caminhos não são limpos e, por isso,

estão cheios de capim, bem verde, fresco e alto. É selva pura! E nós sem catana para abrirmos o caminho! O terreno é muito acidentado com subidas e descidas, o que fez a Ana Mª pensar várias vezes em desistir. Mas o Castro dizia sempre: “A Sra. D. Ana Mª vai até às cascatas. Eu levo-a lá”. E não é que levou mesmo? E valeu a pena. A

quantidade de água que cai cheia de força e energia pelos diversos patamares rochosos é tal que o barulho mal nos deixa ouvir o que os outros dizem. Com a ajuda do Castro subimos até ao último patamar e tomámos banho debaixo das cascatas. A força era tal que quase nos derrubava. A água era límpida, cristalina, fresca. Saindo debaixo do caudal e dando um passo em frente, tivemos um espectáculo inesquecível: um arco íris de 360º connosco no meio!!!!! Fantástico!


N ú m e r o

6 2

Página 7

Chimoio raminho de oliveira mas … um preservativo….

Fomos essencialmente a Chimoio para a Ana Mª reviver a sua terra natal. Foi em Vila Pery, actualmente Chimoio, que eu passei parte das férias grandes de 1971. Queria ver o quartel, mas não me deixaram entrar… A Ana Mª teve mais sorte: pudemos entrar no antigo hospital, agora transformado em biblioteca da escola de técnicos de saúde, e o actual hospital. O que mais nos fascinou foi porém o mural na parede junto à porta de entrada do hospital: uma pomba não da paz, mas da luta anti HIV — é que a pomba tinha no bico não o

Chimoio, a capital da província de Manica, tem uma localização privilegiada por se encontrar no corredor da Beira que liga o Zimbabwe à Beira, ou seja, à costa. O nome original da cidade foi Mandingos, embora haja bases históricas para concluir que Chimoio foi criado num local que se chamou originalmente Chimiala. Mandingos foi fundada em 1895, mas a partir de 1916 recebe o nome de João Pery de Lind, governador do território pela Companhia de Moçambique, tornando-se Vila Pery. Foi elevada a cidade a 13 de Julho de 1969. Ao aproximarmo-nos da cidade, vemos logo a chamada

“Cabeça de Velho”, uma formação rochosa que lembra a cabeça dum velho. Assim que entramos na cidade, temos logo a primeira lição de História no mural alusivo à independência (25 de Julho de 1975) pintado na Praça dos Heróis. A cidade é um museu vivo no que respeita a arquitectura colonial. Interessante é também a mesquita. De Chimoio fomos para Quelimane. No caminho passamos por vilas, aldeias e quintais onde ainda muito falta. A água tem de ser tirada à bomba, a escola é debaixo da árvore, a procura de energia leva a desbastar as florestas ea transformar as árvores em carvão vegetal.

Em Chimoio aprendi a fazer matapa, que senhora que pilava o amendoim para esse “caril”.


Página 8

C a d e r n o s

d e

V i a g e m

Quelimane Atra-

vessámos a novíssima ponte de Caia, inaugurada em 2009 e que ficou com o nome do actual presidente da república... A cidade de Quelimane, , que nos recebe com lindos coqueirais e uma grande actividade comercial, está situada a 20 km da foz do rio dos Bons Sinais, vivendo da pesca, do porto e da agricultura (bananas, ananases, cocos). Era um importante centro comercial suaile quando os portugueses ali chegaram em 1498, tendo sido definitivamente ocupada em 1530. Actualmente, está muito mal tratada, com muitas ruas sem alcatrão e com enormes buracos que parecem cra-

teras. A belíssima Catedral Velha está em ruínas. Terá sido construída no último quartel do século XVIII com as rendas da escravatura para memória futura e salvação das almas dos negreiros. Nas lajes do chão repousam os restos mortais de ilustres portugueses que governaram a Zambézia.

Pernoitámos no hotel Chuabo, mesmo em frente à catedral e ao rio e com uma vista magnífica dos andares mais altos. Com os seus oito pisos é o edifício mais imponente de Quelimane. Foi construído nos anos 60 do século XX quando a Zambézia prosperava. Nessa altura, Lindolfo Monteiro, o

maior empresário da região, mandou edificar este grandioso hotel com 130 camas, 63 quartos, restaurante e snackbar. No interior, há fantásticos pormenores da arquitectura dessa época como a larga escada em caracol que dá acesso aos andares superiores. Depois de 30 anos entregue ao Estado, o Chuabo voltou à exploração privada em Novembro de 2005. Precisa no entanto duma grande remodelação.


N ú m e r o

6 2

Página 9

Mocuba e Nampula

A estrada de Quelimane para a ilha tinha pedaços bons e pedaços completamente estragados. Até Mocuba a estrada estava óptima. Mas logo a seguir à ponte de Mocuba, o alcatrão foi-se e durante 50 km tivemos somente buracos, buracos, buracos. Felizmente, ao longo do caminho havia muito que ver: mais escolas debaixo de árvores, vendedores de galinhas vivas que eram agitadas para cima e para baixo para chamar a atenção dos automobilistas, vendedores de fruta, vendedores de amendoins e, depois já para os lados de Nampula, de caju, enfim, toda a vida na estrada. Nampula, a 3ª cidade de Moçambique, tem um ar mais arranjado do que Quelimane e até do que Chimoio. A sua economia está essencialmente liga-

da à produção de castanha de caju, algodão, tabaco, pedras preciosas, urânio e outros minerais. No centro da cidade, fica a catedral, a primeira do mundo dedicada a Nossa Senhora de Fátima. É um edifício de duas torres e uma cúpula maciça.. Foi sagrada no dia 23 de Agosto de 1956, pelo Cardeal D. Teodósio Clemente de Gouveia.

ilustrativas da vida quotidiana e da cultura moçambicana. Nas traseiras do museu, artesãos macondes e macuas fazem e vendem os seus objectos tradicionais, como as esculturas de pau-preto e olaria, produção de artigos de palha como é o caso das peneiras, cestos, esteiras entre tantos outros.

O Museu Nacional de Etnologia, inaugurado pelo Presidente Craveiro Lopes, em Agosto de 1956, teve o projecto original pelo arquitecto Mário Oliveira, entretanto várias vezes transformado. Alberga diversas obras

Entre Nampula e a Ilha, parámos em Carapira para visitar a igreja que os combonianos aí construíram há já 45 anos e que agora tem anexada uma escola técnica. Irmãos e leigos tentam manter viva a chama de Daniel Comboni que queria que o Instituto que fundou a 1 de Junho de 1867 fosse uma família missionária de padres e irmãos.


Página 10

C a d e r n o s

d e

V i a g e m

Ilha de Moçambique

Quando em 1498, Vasco da Gama chegou à ilha, esta era dominada pelo sheik árabe, Mussa Ben Mbiki ou Mussal A'l Bik, que deuo nome à ilha

Finalmente chegámos à Ilha de Moçambique, capital da província ultramarina portuguesa até ao século XIX. Foi decretada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1996. É a Ilha, aonde os Vasco da Gama chegou em 1498; nessa época era senhor da ilha um sheik árabe, Mussa Ben Mbiki ou Mussal A'l Bik, que acabaria por ver o seu nome atribuído à ilha colocada sob a dependência do vice-rei da Índia. Os portugueses fixaram-se na ilha de Moçambique, em 1507.

1971

O cruzamento secular e histórico de vários povos que ali sucedeu faz com que a importância histórica-cultural da Ilha ultrapasse as fronteiras nacionais A parte mais antiga, a cidade de macuti, é constituída de adobe. Com as suas casas toscas, feitas de canas horizontais e barro, e telhados de

colmo, é bem diferente da cidade de pedra de coral e cal. Na cidade de macuti (palmeira cuja seiva misturada com arreia faz uma espécie de cimentos), as ruelas são de areia e não há saneamento básico. As casas da cidade de pedra têm o telhado (de pedra) inclinado para a recolha das águas pluviais que são conduzidas para três cisternas, que 2010 depois é distri-

buída pelas cidades desta parte da ilha. Na cidade de macuti, a água é retirada de poços. A ilha tem vários pontos de interesse histórico-cultural como o é o caso do Museu de Arte Acra, capela Manuelina (único exemplar em Moçambique), Palácio de São Paulo, templo Hindu, Monumento Luis de Camões, Fortaleza de São Sebastião, entre outros monumentos. A Fortaleza de São Sebastião foi-nos toda explicada pelo Sr. José Andrade, um jovem guia de 29 anos. Cheia de mistério é a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, a primeira capela portuguesa construída no hemisfério sul na África Austral em 1522. Nesta capela estão diversos túmulos entre os quais o do bispo Sebastião Morais, o 1º bispo jesuíta do Japão, expulso desse país por ter querido acabar com a cultura japonesa. Morreu em 1588. A construção desta capela está ligada a


N ú m e r o

6 2

Página 11

Beira uma lenda popular. O monstro manuanti satisfazia todos os desejos. Bastava dizer: “Quero uma casa aqui” e a casa aparecia precisamente nesse lugar. Dizia: “Quero um poço aqui”, e o poço aparecia nesse preciso lugar. Um dia, ele disse: “Quero uma igreja aqui” e naquele lugar apareceu a capela de Nossa Senhora do Baluarte. O baluarte que está mesmo atrás da capela é o único da ilha sem canhões — para protecção da capela. Interessante é a cadeia subterrânea — da qual agora só se vê o local. Só tinha uma entrada/saída. Se o prisioneiro, normalmente escravos com visão e prisioneiros de guerra, não morria (apodrecia, seria talvez a palavra certa) na masmorra,

era levado à igreja para que o padre lhe abençoasse a alma a Deus. Daí seguia para o campo da morte para ser fuzilado. Se por acaso, o soldado falhava, o prisioneiro era poupado, mas tinha de voltar para o cárcere — e o soldado era fuzilado no lugar do prisioneiro. O Museu da Ilha está instalado na antiga casa de visitaras do governador, toda decorada à

moda indo-europeia. A saída/entrada da Ilha faz-se por uma longa ponte estreitíssima de 3.5 km, construída em 1969. Regressámos à Beira, a 2ª cidade do país. Foi fundada em 1887 numa área conhecia pelo nome de Aruângua, tendo recebido inicialmente o nome de Chiveve, de um curso de água

local. A cidade recebeu o nome actual em homenagem ao Príncipe da Beira, D. Luís Filipe. O seu porto é muito importante, sendo a ligação ao mar do Corredor da Beira que liga o Zimbabwe ao Índico. Já no tempo colonial, a Beira tinha daí grande importância. Espelho dessa importância é a belíssima estação dos caminhos de ferro, construída em 1968, tendo sido na altura considerada pela revista americana "Newsweek" , como a mais bela de toda a África e a sétima colocada numa lista que compreende nove estações ferroviárias eleitas, mediante monitoria especializada feita em todos os continentes.

Beira recebeu o nome em homenagem a D. Luís Filipe, Príncipe da Beira


Página 12

C a d e r n o s

d e

V i a g e m

Rio Savane

São muitas as comunidades que vivem inteiramente da pesca

A cidade ainda tem uma grande colecção de edifícios coloniais, alguns dos quais bem recuperados — e outros completamente abandonados, como o Grande Hotel, um hotel de luxo inaugurado em 1954,

tendo-se tornado durante a guerra civil num campo de refugiados. Hoje em dia, ainda 1000 pessoas habitam o complexo, que se tornou num ver-

dadeiro bairro de lata na vertical. Todo o soalho de madeira foi arrancado e usado como lenha para cozinhar. Muito popular é a praia do Macuti, dominada pelo barco que aí se afundou mesmo em frente do farol. Muito bem instalados no Jardim das Velas, passámos aí dois dias de descanso — alimentados a camarão gigante acabado de pescar e grelhado pelo Hans-Jürgen.

Fizemos ainda uma excursão até Nhan-

gau, um projecto social de apoio a idosos acarinhado nos anos 40 pelo então capital Pinto Soares, e ao Rio Savane, uma praia na foz do rio do mesmo nome, a 34

km da Beira. O complexo turístico é engraçadinho: os bungalows estão espalhados no meio do coqueiral. Ainda estávamos a arrumar as nossas coisas, quando um macaco de cara preta se veio sentar mesmo à frente da nossa janela! Mesmo ao lado um lugarejo de pescadores, no qual toda a comunidade se dedica à faina, quer pescando, quer arranjando as redes, quer secando o peixe. O peixe fresco é vendido na cidade. O peixe seco é vendido para a província.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.