Calejadas Memรณrias Mario Fragoso
CalejadAs Memรณrias Mario Fragoso
Copyright © Mario Fragoso Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor. Coordenação editorial Atrito Arte Capa, projeto gráfico e editoração Marco Tavares Apresentação José Maschio Fotos Celso Pacheco Esse livro foi impresso através do Programa Municipal de Incentivo à Cultura PROMIC 18-067 - nome do projeto Memórias Calejadas
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Bibliotecária: Marlova Santurio David – CRB-9/1107 F811c
Fragoso, Mario. Calejadas memórias / Mario Fragoso. – Londrina : Atrito Arte, 2019. 108 p. : il. Obra reúne 19 biografados. ISBN 978-85-6258-684-2 1. Trabalhadores da construção civil – Biografia – Paraná . 2. Construção civil – Narrativas – Paraná. II. Título. CDU 82:69(81)(091)
SEI nº 19.024.070400/2017-99
Atrito Arte Editora Av. Arthur Thomas, 342 - Londrina - Paraná - Brasil - CEP: 86065-000 E-mail: atritoart@gmail.com - www.facebook.com/AtritoArte
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Operário em Construção
Vinícius de Moraes
Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão. De fato, como podia Um operário em construção Compreender por que um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia... Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse, eventualmente Um operário em construção. Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão - Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário, Um operário em construção. Olhou em torno: gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento! Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário. Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia - Exercer a profissão - O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia. E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção Que sempre dizia sim Começou a dizer não. E aprendeu a notar coisas A que não dava atenção: Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uísque do patrão Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão. E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte Na sua resolução. Como era de se esperar As bocas da delação Começaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão. Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação - “Convençam-no” do contrário - Disse ele sobre o operário E ao dizer isso sorria. Dia seguinte, o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação E sofreu, por destinado Sua primeira agressão. Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: Não! Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão Muitas outras se seguiram Muitas outras seguirão. Porém, por imprescindível Ao edifício em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia. Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário. De sorte que o foi levando Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: - Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem bem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não. Disse, e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não! - Loucura! - gritou o patrão Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu. E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão. Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão. E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão. Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construído O operário em construção.
ÍNDICE In memorian . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Seo Reinaldo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Bia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Lindelma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Luis Cesar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Osvaldo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Paião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Rubão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Seo Armando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Seo Arnaldo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Seo Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Seo Hélio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Seo Jadir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Seo João . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Seo José . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Seo Paulo Pestana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Seo Zé Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Seo Zé Rufino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Silvana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Zé Macário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Zezão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .104
In memorian Armelindo Lino do Nascimento, Eletricista Geraldo Gonçalves da Silva, Eletricista José de Souza, Marceneiro (sócio fundador do Sintracom-Londrina) Moises Natel dos Santos, Seo Moises, Servente Pedro Elias do Nascimento, “Pedrão”, Poceiro Sebastião Braz Ramos Filho, “Tiãozão”, Pedreiro . . . Anacir Antonio de Andrade, Armador (Toledo-PR) Climar Ribas dos Santos, “Cabrita”, Classificador de Expedição no mobiliário (Medianeira-PR) Estes, companheiros de jornada sindical na Fetraconspar (Federação dos Trabalhadores na Construção e no Mobiliário do Paraná) e na Nova Central Sindical do Paraná . . . Nos noventa anos de vida de Londrina, inicialmente denominada Patrimônio Três Bocas, centenas, talvez milhares de trabalhadores perderam a vida ou sofreram mutilações que os incapacitaram pro ofício. Impossível nominar um por um, pois na gênese da cidade, os operários não tinham registro em carteira de trabalho. Por isso, através dos citados acima, reverenciamos aos que doaram o suor e o sangue que deram o ponto exato pro concreto e a massa usados na construção de Londrina.
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Agradecimentos Seo Joaquim e Donevanira, os irresponsáveis que me colocaram no mundo, claro, em primeiro lugar. Vô Dilo e Mãe Véia, avós maternos, que acolheram o primeiro neto e o apoiaram até partirem rumo ao desconhecido. Rose, Djalma, Ana Luzia, Glaucia, Liene e Gerson, manos que me suportam desde que foram dados à luz. Marina e Giovanni, meus filhos biológicos, e Maria Clara, menina que se permitiu ter-me como pai durante uma década. Professor Francisco de Assis Lemos de Souza, então presidente do Sindiprol (Sindicato dos Professores de Londrina), que me levou pra entidade quando, em 1981, fui demitido sem justa causa da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Nesta entidade, minha pré-escola de Jornalismo, na qual tive o privilégio de conviver com cabeças pensantes, qualificadas e, sobretudo, humanistas. Denilson Pestana da Costa, pelo apoio irrestrito. Nitis Jacon, atriz, médica psiquiatra e diretora do Grupo Proteu-UEL, que me ensinou a ver o mundo com olhar atento e consciente das responsabilidades do ser político perante os conflitos inerentes à humanidade. Todos os humanos seres com os quais tenho convivido desde os primeiros passos em Congonhinhas, aldeia onde aprendi a ler, escrever e dialogar com Zeus e o mundo. Fatima Santos e Christine Vianna, propositalmente citadas por último, por terem sido a pedra no meu tênis, incômodo fundamental pra que este livro não ficasse pelo caminho.
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APRESENTAÇÃO A expressão popular meter a mão na massa é velha conhecida. E com suas variações, enfiar, pôr, colocar ou mesmo botar. Literalmente significa iniciar o trabalho. Não deixar para depois. Na construção civil, seja o cabra meia colher ou colher inteira, a massa (cimento, areia e água) não pode passar do ponto. Muito dura não dá liga, muito mole (excesso de água) não assenta. No Brasil com um passado e presente escravocratas, quem coloca mesmo a mão na massa são os trabalhadores manuais. É atividade de menor valoração na escala social. Esse povo com a mão na massa não aparece nas placas de inauguração. Seus nomes não se transformam em nomes de ruas. São os invisíveis de uma sociedade formatada em castas sociais. Onde o ter é mais que ser. Mas eles existem. Estão aí com histórias, lindas histórias de lutas, conquistas e derrotas. Que viver é isso. É pelejar. São os muitos zés, os ´´oreias secas``, os manés da vida. Uma multidão quase sempre escondida. Gente que com seu trabalho constrói casas, apartamentos, bairros e cidades inteiras. Gente que não usa terno ou gravata, maiores símbolos de nosso caráter ornamental. Gente com mãos calejadas. Com histórias quase esquecidas. Quase esquecidas. Não são mais. Em um trabalho minucioso, a tecer palavras e sonhos. A reconstruir histórias de vidas bem vividas. E bem contadas. Esses construtores estão a sair do anonimato. E ganhar páginas e livro. Mario Fragoso é o que os africanos chamam de ´´saco de palavras``. E é com palavras, escritas, que o nosso ”dieli” (o contador de histórias da cultura mandinga) retira esses trabalhadores da invisibilidade. 20
Os “dielis” africanos se identificam como a memória dos homens, através da palavra. Fragoso, com a palavra escrita, registra memórias de cidadãos comuns. Trabalhadores valentes. Em cada história toda uma trajetória de idas e vindas, derrotas e sucessos. Histórias de migrações internas. Do sacolejar da vida em busca de dignidade pessoal e social. Homens e mulheres. Ao contar suas histórias, Fragoso faz também antropologia social. Que ser repórter é isso. Ter sensibilidade. As “Calejadas Memórias” com as quais Mario Fragoso nos brinda é um livro a ser comemorado. Não é sempre que o trabalhador manual, o cidadão comum, assume o protagonismo de sua história. E foi nisso, de dar protagonismo aos invisíveis, que Fragoso rompe com nossa história. E nos ensina: é possível sim, o Brasil mudar sua cultura. E humanizar a vida. Humanismo que precisamos todos. José Maschio repórter
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Seo Reinaldo
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A rua Santa Terezinha, na vila de mesmo nome, Zona Leste de Londrina, nos anos 1960, era uma via poeirenta no estio e enlameada quando chovia. Vezemquando as mães, aos berros, ordenavam às crianças que adentrassem os quintais e fechassem os toscos portões enquanto a boiada descia o morro, compondo uma típica cena de cidade agropastoril. As casas eram todas de madeira, sendo que muitas eram casebres característicos de favelas. No número 226 residia uma família composta pelo Carpinteiro italiano, Rinaldo Folco, “Seo Reinaldo”, a mineira Dona Cida e os filhos Antonia, Rosa, João, Carlos, Cristina, Zézinho e Ana Luzia. Exercia o ofício na Construtora Brasília e viajava o tempo todo. Quando estava em Londrina, usava o final de semana, feriado e raras férias pra aumentar a velha casa dos fundos e construir outra, melhor e maior, na frente do terreno. Dar um trato no forno de barro, construir uma nova cerca de balaústres... Católico fervoroso, ia à missa dominical, atuava nos Congregados Marianos, ajudava na quermesse e ainda tinha energia, paciência e fé pra tentar arrebanhar ovelhas desgarradas do rebanho de Deus, como este escriba curioso que gostava de vê-lo batendo massa, assentando tijolos, levantando paredes... Nunca soube porque trocara a Itália pelo Brasil. Sozinho. O que sei é que foi uma das pessoas mais dignas que me foi concedido conhecer. Não esmoreceu nem com a poliomielite que acometeu o recém-nascido José Rinaldo, o Zézinho, evento que entristeceu não só os Folco, mas, também, os Almeida, os Gouveia, os do Carmo, os Brambilla... Quando Seo Reinaldo emitiu o último suspiro, fui me despedir dele. Abraçar seus filhos e filhas, meus amigos e vizinhos na infância e um pedaço da adolescência. Reviver as alegrias e tristezas vividas na Vila Santa Terezinha, então porteira de Londrina – meu céu, meu chão – nos anos 1960. 25
Penso, agora, que estas “Calejadas Memórias”, publicação que tem por objetivo prestar uma homenagem às mãos que construíram e seguem fazendo e refazendo a Metrópole do Norte do Paraná, possa muito bem ter sido, inconscientemente pensada naquele velório da rua Santa Terezinha, pois o primeiro nome lembrado foi do Seo Reinaldo. Esta gente simples, honesta e trabalhadora. A porção da humanidade que faz valer a pena ser parte deste todo tão esfrangalhado. Gente como o italiano que mantinha um leve sotaque, fala mansa, braços fortes e mãos hábeis, como convém a um Carpinteiro da construção civil. Aquele que faz as caixas de madeira que moldam o concreto. Então é isso, Seo Reinaldo. A primeira calejada memória, será a do senhor. Depois vem a do Seo Arnaldo, Seo Jadir, Seo Zé Rufino, Seo Hélio, Seo Paulo, Macário... Gente que alquebrou o corpo, sente dores horríveis, mas não reclama. Sabe da importância do trabalho de cada um na construção de Londrina – nosso céu, nosso chão. Muito obrigado aos que são apresentados neste livro, Muito obrigado ao lenhador que derrubou a primeira árvore, pois era preciso abrir clareiras na mata pro Patrimônio Três Bocas germinar. Muito obrigado aos milhares de londrinenses, vindos de todos os cantos da Terra, que construíram a cidade onde caminham nossos pais, filhos, sobrinhos, netos...
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BIA
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Nascido em Paranagi, distrito de Sertaneja, cerca de 80 km ao Norte de Londrina, Aparecido Bia da Silva, o “Bia”, passou a infância ajudando os pais, Avelino e Maria Cecília, no trabalho nas roças de café, algodão, pasto e, também, na criação de gado. De lá foi pra Santa Fé, também no Norte do Paraná, onde começou a trabalhar como “bóia-fria” na colheita de algodão, cuidando de cafezais, capinando soja e roçando o mato pra fazer pasto. Aos 12 anos, em 1971, a família veio pra Londrina e foi morar no Jardim Santiago, à época distante periferia da Zona Oeste da cidade. Ainda muito jovem começou a trabalhar na construção civil. “Orêia seca”, isto é Servente, porta de entrada pra todo trabalhador que só tem a força física a oferecer ao capital. Com muito esforço, Bia foi crescendo no setor e se tornou um Pedreiro de mão cheia. Daqueles que todo construtor quer ter em seu grupo de trabalho. Como fizeram e fazem muitos trabalhadores na construção civil, Bia também correu trecho, sempre com o objetivo de melhorar a renda familiar, pois tinha se casado com Dona Sueli, esposa que o acompanha há 38 anos, apesar das trapalhadas cometidas pelo zeloso pai, que bebeu tudo o que podia até que um susto o fez acordar e perceber que a vida é um bem precioso e precisa ser preservada. Sóbrio há vários anos, ele lembra com carinho das pessoas que conheceu e conviveu ao longo das jornadas cotidianas de construtor das cidades. Sofreu um acidente leve, mas se lembra com tristeza de uma fatalidade que presenciou em uma obra em Nova América da Colina, cerca de 60 km ao Nordeste de Londrina. “O Santos, que era Mestre de Obras, caiu do quinto piso da obra”, relata. Ao longo do tempo que trabalhou na construção civil, até se aposentar, Bia contabiliza a perda de 4 ou 5 amigos e companheiros de trabalho. Por isso, sente-se 29
feliz por ter militado no Sintracom-Londrina (Sindicato dos Trabalhadores na Construção e no Mobiliário). “Antigamente, era difícil passar um mês sem que alguém morresse no trabalho. Com a NR-18 (Norma Regulamentadora da segurança no ambiente de trabalho da construção), com a fiscalização sem trégua do Sindicato, a gente parou de ver nossos amigos morrendo por causa da falta de segurança”, comemora. Atualmente, Bia passa a maior parte do tempo paparicando a netinha Maria Vitória. Sobre o trabalho na construção civil, diz que foram tantos prédios que ajudou a erguer que nem lembra os nomes. Para ele, o importante foi ter trabalhado bem, cumprido as tarefas que lhe eram passadas e, também, ter tido tempo e disposição pra atuar no Sindicato e ajudar a melhorar a vida dos milhares de londrinenses que atuam no setor.
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LINDELMA
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Nascida em Cafeara, 110 km ao Noroeste de Londrina, em 1961, Lindelma Furtado de Melo Chionpato, vivia um sonho de menina de boa família. Seu pai, Joaquim, era pequeno comerciante e vereador mais votado da cidade e sua mãe, Dona Dionésia, era servidora pública municipal. Trocando em miúdos, a menina Lindelma tinha uma vida pra lá de feliz, se comparada com a vida dura dos pequenos agricultores da região. Aos 13 anos, viu o pai, após sofrer uma rasteira política, incontinenti, entrar no carro e vir embora pra Londrina, pra nunca mais voltar. Foi em janeiro de 1975, poucos meses antes da geada negra que dizimou a monocultura cafeeira, base da economia do Norte do Paraná. Lindelma veio em seguida e foi morar na casa do Tio Antonio, na Vila Isabel, Zona Leste de Londrina. Pra se ter uma ideia da mudança no padrão de vida, ela lembra que na casa do tio, apenas a cozinha e a sala tinham piso cimentado. “Os demais cômodos eram de chão batido”. O pai se estabeleceu em Londrina com uma pequena mercearia e Lindelma o ajudou até os 16 anos, quando começou a trabalhar no departamento comercial da Gráfica Líder. Nesse emprego, a menina de Cafeara atendia grandes empresários de Londrina e região. Gente das famílias Fuganti, Penachi, Takahara, além do lendário Celso Garcia Cid. Logo, trocou a gráfica pelo escritório do construtor Délio Teixeira Proost de Souza, que construía prédios com recursos próprios e, depois, entregava-os ao Banestado que se incumbia de conceder financiamentos aos adquirentes. Como o edifício localizado na esquina da avenida Duque de Caxias com a rua Espírito Santo. E foi justamente uma locatária daquele prédio que fez a vida de Lindelma mudar o roteiro. Dona Helena trabalhava na Cohab-LD (Companhia de Habitação de Londrina) e sugeriu que ela fizesse participasse do teste seletivo pra auxiliar administrativo que a companhia iria realizar. 33
Fez a inscrição, disputou a vaga e a conquistou. E de lá não mais saiu, apesar dos percalços enfrentados e das injustiças sofridas. “Cursei História na UEL, fiz Direito, pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior, mas a companhia não considerou, como fez com outros servidores que, ao se graduarem, tiveram promoções na empresa” de economia mista de Londrina. A servidora que se orgulha da cidade que ajudou a construir, realizando o sonho da casa própria pras pessoas de baixa renda, acredita que as perseguições sofridas na empresa ocorreram por ter-se tornado diretora do Sintracom-Londrina. Apesar de tudo, Lindelma diz-se realizada, pois foi o Sindicato que proporcionou a ela ir até Havana, Cuba, no Encontro Internacional da Construção Civil, evento que discutiu a inclusão da mulher em todos os setores da construção e não apenas na limpeza e no cafezinho.
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LuĂs Cesar
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Londrinense da gema, nascido no “Buracão” da Vila Portuguesa, área central da cidade, em 1983, Luís Cesar dos Santos cumpre nesta publicação o papel de elo de ligação entre os demais homenageados, todos aposentados, e os trabalhadores na construção civil de Londrina do presente e do futuro. Ele trabalhava na fábrica de “Fumo Peão”, tabaco que faz o maior sucesso, sobretudo entre a população de baixa renda de Londrina, do Paraná e de outros estados brasileiros. Após ficar anos como encarregado de produção, mas recebendo o salário de servente, que era baixo, resolveu tentar a sorte numa metalúrgica. Não se saiu bem. Na busca de uma alternativa de trabalho e renda, resolveu fazer o curso de Grueiro oferecido pelo Sesi. Ao final do curso, pelo desempenho nas aulas teóricas e práticas, dentre 370 alunos, foi selecionado para ser contratado pela construtora Plaenge como Gremalheiro, ou seja, operador de elevador em canteiros de obras. Ainda não era o cargo almejado, “mas já era um salário melhor do que o de Servente”. Após um ano como Gremalheiro finalmente passou para a função de Grueiro, função que exerce há seis anos. Inquieto e sempre buscando meios de melhorar a vida da família – esposa e três filhas -, Luís Cesar se esforçou e concluiu o ensino médio. Por conta da escolarização e pelo fato de ser bem quisto por todos nos locais onde trabalha, logo que chegou na construção civil, a pedido do engenheiro da obra candidatou-se ao cargo de cipeiro (CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Apesar de novo no emprego foi eleito e desempenhou a função durante vários anos. Ao participar dos encontros de cipeiros promovidos pelo Sintracom-Londrina, logo foi notado pela direção da entidade como potencial sindicalista. Assim, nas últimas eleições da entidade foi convidado a fazer parte da chapa e, agora, é 37
diretor do Sindicato. Claro que a entrada no movimento sindical não alegrou a empresa. Ele acredita que, apesar de alguns resmungos da empresa e de seus prepostos, tem realizado bem seu trabalho como representante eleito com a missão e o compromisso de defender os trabalhadores na construção civil no embate cotidiano trabalho x capital, que se acirra em momentos de economia em baixa e milhões de desempregados. “Os patrões chantageiam o trabalhador, obrigando-o a executar tarefas perigosas, muitas vezes sem o uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual). Se o trabalhador reclama, o chefe diz: é melhor você fazer, pois tem um monte de desempregado de olho no seu emprego e isto faz operário correr riscos”. Apesar dos percalços, Luís Cesar não se intimida e segue em frente na representação sindical. “Faço tudo com paixão, sentimento que anda em falta no ser humano deste tempo que vivemos”.
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OSVALDO
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As boas recordações, memórias lembradas com o coração, são muitas. Porém, como ocorre com a maioria da população da Terra, a classe trabalhadora, em geral todo trabalhador brasileiro torna-se, involuntariamente, colecionador de memórias tristes. Trágicas. É o caso do Pedreiro Osvaldo Gonçalves de Oliveira, 49 anos, único desta publicação ainda na ativa. Filho de Guarantã-SP, com um ano de vida a família instalou-se em Prado Ferreira – 60 km ao Norte de Londrina. Eram meeiros em lavouras de feijão e milho, além de, claro, cuidarem do cafezal. A geada negra de 1975 empurrou-os pra Londrina. Virou “bóia-fria” no cultivo de rami. No trabalho, viu um colega ser mutilado pela “periquito”, máquina que deu a Uraí, 55 km ao Leste de Londrina, a “capital mundial do rami”, o indesejado título de “cidade dos homens sem braço”. Dos 539 casos registrado no Paraná, entre 1975-80, 323 ocorreram em Uraí. Em 1979, começou na construção civil. Foi “fichado” na Construtora Simamura, na construção do Conjunto Habitacional Jácomo Violin, nos “Cinco Conjuntos”, Zona Norte de Londrina. Ali, viu de perto a tragédia, mas fora do canteiro de obras. “Perto do ‘Lago Cabrinha’, tinha o ‘trevo da morte’, onde muitos trabalhadores na construção morreram atropelados”. Aí começou a militância de Osvaldo. Os trabalhadores se juntaram, interromperam o trânsito no local e uma rotatório foi construída. Depois, saiu na briga pela redução da tarifa no transporte coletivo urbano. Esta, infelizmente, ficou só na vontade. Depois, na construção, viu um trabalhador cometer suicídio saltando de um prédio em construção. Como naquele tempo o Sindicato ainda não conquistara o auxílio-funeral, “os amigos tinham que fazer uma ‘vaquinha’ pra pagar o sepultamento de quem morria no trabalho”. 41
Pegou gosto pela militância em prol de um mundo melhor e saiu candidato a vereador. Os 361 votos obtidos não foram suficientes, mas não desanimaram Osvaldo a continuar na luta. Atualmente é presidente da Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Sebastião de Melo Cesar, também na Zona Norte. No domingo de manhã que compartilhou sua história de vida, Osvaldo dividia a atenção com um risonho bebê. “É sua neta?” Riu e contou. “A gente é ‘Família Acolhedora’. A E...... está com a gente há cinco meses. Vamos ficar com ela até a Justiça decidir com quem ela vai ficar, pois sua guarda está em disputa”. Gesto de amor pela humanidade, sentimento comum entre os trabalhadores na construção civil. Essa gente de corpos e feições duras, mãos grossas e calejadas, mas de coração mais mole do que pudim. Gente como o Osvaldo e sua esposa.
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PAIÃO
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Paulista de Tapiratiba-SP, na Alta Mogiana, perto da divisa com Minas Gerais, o Pedreiro José Fernandes Paião, nem conheceu a terra natal, pois a família se mudou pro Paraná quando ele tinha cinco meses de idade. Vieram pra Congonhinhas, cerca de 100 km ao Sul de Londrina. Seu pai, José Francisco, boiadeiro e retireiro em terras paulistas estabeleceu-se como porcenteiro pra formar uma plantação de café. Aos sete anos de idade, Paião começou a trabalhar no cafezal, pra ajudar o pai. Ele e seus 14 irmãos paridos pela mãe, Isabel. “Parecia que era divertido por a enxadinha nas costas e ir pra roça”, lembra. O problema, reclama, era o frio lascado da região. Apesar de tudo, Paião diz que “era difícil, mas tinha fartura. A gente criava porco, galinha, pato, angola, peru, cabras e outros animais domésticos”. Seis anos depois de chegarem no Paraná, com a roça de café formada, Seo José Francisco voltou a trabalhar como retireiro – aquele que ordenha as vacas pra retirar o leite que alimenta os humanos. Era um tempo do Brasil deixando de ser rural e se tornando urbano. O êxodo rural era intenso e isto fazia com que as famílias ciganassem por aí até encontrar um local bom pra se viver. No caso de Paião, por exemplo, entre 1958 e 1973, a família rodou por São Sebastião da Amoreira, Santa Cecília do Pavão, Congonhinhas, Santa Cecília do Pavão, Nova Santa Bárbara, Tamarana – então distrito londrinense -, até chegar em Londrina. Na verdade, Paião veio sozinho pra Londrina. Como ocorria com muitos jovens que tencionavam mudar de vida e estabelecer-se na cidade grande. Chegou e foi morar com um tio, no Jardim Leonor. Seu primeiro emprego na cidade foi numa beneficiadora de rami. 45
Ficou sete meses por lá como Auxiliar Geral. Cargo similar ao Servente na construção civil. Depois foi pra Londrimalhas, grande empresa do ramo de camisetas e outras malhas, onde trabalhou durante três na tinturaria. Enquanto aprendia a fazer tingimento e clareamento, matriculou-se no curso de Pedreiro do Ipolon (Instituto Politécnico de Londrina). As aulas eram aos domingos, mas apesar do cansaço, desdobrava-se pra qualificar-se e mudar de profissão. Em 1976, enfim, começou a trabalhar na construção e percebeu que, na verdade, pouco aprendera no curso que frequentara. Com esforço e dedicação, tornou-se um Pedreiro de mão cheia. Em 1993, foi cooptado por um diretor do Sintracom-Londrina e não se arrepende, apesar das dificuldades enfrentadas historicamente pelo sindicalismo brasileiro e mundial. “Se não tivesse entrado no Sindicato, talvez tivesse chegado a Mestre-de-Obra, mas não me arrependo. No Sindicato aprendi muita coisa que interfere na vida das pessoas e pude conhecer lugares que não conheceria apenas com meus recursos”.
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Rubão
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Ao enviuvar, o avô Francisco enveredou pela bebedeira e a jogatina, vícios que interferiram na decisão dos filhos de deixar Altinópolis-SP e tentar a sorte no Norte do Paraná, onde Rubão, aliás, Rubens Adalberto Siena, chegou com três anos de idade. A família se instalou em 22 alqueires na Água do Tigre, no Distrito de São Luiz. E pra provar que o que não está bom pode piorar, quando ainda derrubavam a mata, teve uma grande geada e o Pai do Rubão, Reinaldo, queria voltar. A morte da Irmã, Cecília, 7 anos, reforçou a ideia do Pai de retornar a São Paulo. Só que os filhos firmaram posição por ficar e a família seguiu avermelhando os pés na abençoada terra vermelha de Londrina, fruto de intensa atividade vulcânica milhões de anos atrás. Só que, pelo jeito, o Pai tomara gosto pela ciganagem. E comprou terras em Grandes Rios, no coração do Paraná. Em 1963, uma “geada de canela”, que atinge o cafeeiro próximo do solo, queimou os 22 mil pés de cafés do sítio de Londrina. Os cafeeiros de Grandes Rios tiveram boa produção, mas o Pai, ao invés de investir, emprestou o dinheiro prum primo que aplicou-lhe um solene calote. Não demorou e o jovem Rubão veio pra cidade, em 1969 e conseguiu o primeiro emprego como empacotador do Viscardi. Bocudo que só ele, não durou muito lá. Foi demitido por desrespeitar o patrão. Depois foi auxiliar de enfermagem na Santa Casa, de onde saiu pra ser cobrador de ônibus. Um passageiro tentou agredi-lo com uma foice e levou uma martelada de bater pneu. Perdeu o emprego, claro. E virou motorista do jornal “Panorama” e, em seguida, da TV Coroados. A construção entrou em sua vida quando foi contratado pela Cohab-LD como fiscal de obras. Na construção do Conjunto Semiramis de Barros Braga. “Cinco Conjuntos”. Se você quiser saber a história do “Cincão”, é só falar 49
com o Rubão, pois ele acompanhou a construção da região mais popular de Londrina. Não foi fácil, pois quando chovia, a Kombi que levava os trabalhadores não chegava até. O jeito era caminhar até a rodovia, avenida Brasília. O joelho não é mais aquele que chegou em Londrina aos três anos de idade, vindo de Altinópolis-SP, mas o Rubão não é homem de se deixar abater diante dos desafios. Quando o Sindicato dos Trabalhadores na Construção e no Mobiliário de Londrina e Região (Sintracom-Londrina) promovia festas juninas, Rubão preparava um quentão que ninguém punha defeito. Por essas e por outras, apesar da idade chegada e das dificuldades de locomoção, Rubão olha pra trás e sente orgulho de tudo que fez e Londrina agradece por sua contribuição na construção da Metrópole do Norte do Paraná.
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Seo Armando
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Viver a vida com bom humor é o lema de Seo Armando Bezerra da Silva, 67 anos, aposentando, mas ainda na ativa. Ele conta que seu pai o batizou como Ormando, pra rimar com o nome do irmão mais velho, Orlando. Batizou, mas não fez o registro de nascimento, descuido que lhe causaria muitos problemas pela vida afora. “Quando fui me alistar, pediram o registro que eu não tinha”. Daí, o pai, ao tentar resolver a situação, viu que teria de pagar uma multa. Pra contornar o enrosco, disse que ele havia nascido em Luanda-PE, cidade inexistente. Após muitas idas e vindas, foi registrado como Armando, nascido em Alto Paraná, quando, na verdade, foi dado à luz em Adamantina-SP. Ele conta as trapalhadas paternas e gargalha da confusão. Na escola, onde entrou com 8 anos, mesma idade que começou a trabalhar na limpeza de pés de café, em Alto Paraná, a professora se recusava a chama-lo de Ormando e, daí, virou Armando. Conta e gargalha gostoso. Nasceu em Adamantina, mas nem se lembra da cidade, pois os pais foram pra Paraíba. Retornaram ao Paraná e foram morar em Santa Fé, Norte Central, onde se casou com Dona Benedita. Tempos depois, já casado, em 1975, veio morar em Cambé, Região Metropolitana de Londrina. Como só sabia trabalhar na roça, onde gostava de pescar, jogar futebol e “emprestar” goiabas dos pomares vizinhos, “como o Chico Bento”, personagem das histórias em quadrinhos de Maurício de Souza, virou Servente, onde ficou apenas uma semana. “Morava em Cambé, e vinha a pé a Londrina, pois não tinha dinheiro pro ônibus”. Sem alternativa, virou “saqueiro”, braçal que carregava na cabeça as sacas de café. “Sempre fui “patolinha” (homem musculoso, forte). Por isso foi fácil virar “saqueiro”. Com o fim da cafeicultura, Seo Armando foi trabalhar como desfibrador no benefício de algodão. Finda a safra, perdeu o emprego. Um dia, andando pelo 53
Centro de Londrina à procura de um trabalho, encontrou o amigo Vicente Trajino, que fora seu professor de catequese, que o levou pra Plaenge, onde foi “fichado” como Auxiliar de Armador. Ficou por lá quase 10 anos e se tornou Encarregado dos Armadores. Por participar da greve geral de 1985, foi demitido e processado por atuar nos “piquetes”. Virou autônomo até que um Mestre de Obras o chamou pra trabalhar com ele. Ciganou por Santa Catarina, São Paulo e Paraná. Voltou pra Cambé onde aposentou-se como Mestre de Obras, mas não ficou muito tempo parado. “A palavra trabalho me deixa cansado, mas aceitei o convite pra trabalhar como Armador na Alphaville, pois não queria mais ser Mestre de Obras e fiscalizar o trabalho dos outros”. Um dos orgulhos de Seo Armando é ter trabalhado na construção do centro de treinamento da SM Sports, gestora do Londrina Esporte Clube. “Cada pedaço daquele chão tem os rastros dos meus passos”, conta e gargalha.
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Seo Arnaldo
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Boa parte, talvez a maior, dos trabalhadores na construção civil, veio da roça. Sem qualificação pro mercado de trabalho, ficava feliz ao conseguir uma vaga de Servente. O faz tudo. O “orêia seca”, apelido que vem do tempo em que os sacos de cimento eram carregados até a betoneira. No fim do dia a orelha estava devidamente cimentada com a poeira que se misturava com o suor do trabalhador. Seo Arnaldo, 78 anos, ciganou um tanto por aí até fincar raízes em Londrina. Virou Servente. Trabalhou duro e não foi promovido sequer a meio-oficial. Castigo dos patrões pelo fato do trabalhador ter-se tornado diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil e no Mobiliário de Londrina e Região. Denuncia, mas o tom não é de lamúria. Pelo contrário, agradece ao Sindicato por tudo que pode viver através da entidade. Dos congressos e das marchas que participou. Curitiba, Brasília, São Paulo. Encontro com brasileiros de todas as cores, falares e pensares. Gente trabalhadora. Gente verdadeiramente do bem. Da solidariedade. Se precisar encontrar o Seo Arnaldo, sem conhece-lo, não tem erro. É só procurar um afro-mineiro de metro e sessenta e pouco, cabelos e bigode milimetricamente aparados, camisa e calça vincadas e sapatos engraxados. Suspeito que os bem cuidados panos são obra da Dona Cícera. Esposa. Mãe, amiga, companheira, parceira de uma vida. Que segue na simplicidade de sempre. Nem a vida dura que o jovem Arnaldo, aos 22 anos, enfrentou ao sair de casa, em Penha de França-MG, pra tentar a sorte no Paraná. Chegou sozinho, mas junto com outras 10 famílias que pra cá se dirigiam com a “ilusão de chegar no Paraná e conseguir comprar um sitiozinho.” Antes de deixar as Minas Gerais pra “tráis”, trabalhou na roça de milho, feijão e arroz, garimpo em lavra de cristal e roçagem de pasto. O currículo era bom. Foi parar em Maria Helena, Oeste do Paraná. Foi pra roça plantar algodão, feijão, 57
milho e arroz. Depois, foi porcenteiro em três mil de cafés, que lhe garantiriam 40% do café colhido. Se não fosse a geada negra de 1975... Teimou mais um ano, mas em 1976 resolveu deixar a zona rural e virar homem urbano. Ele, a esposa e dois filhos – Agnaldo e Adilson. Foi morar na Fraternidade. De lá foi pro Jardim Marabá, onde construiu um barraco de lona, pra abrigar a si e aos seus, que desabou durante um temporal. A vida seguiu e agora Seo Arnaldo mora numa confortável casa na Zona Leste de Londrina. Como se percebe, a vida do “orêia seca”, com muito orgulho, não foi nada fácil. Mas se você encontrá-lo por aí, tenha a certeza que ele o acolherá com um sorriso que só as pessoas de consciência tranquila têm pra oferecer.
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Seo Francisco
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A história de vida de Seo Francisco Martin, marido da Alaide, confunde-se com boa parte dos que fazem parte desta coletânea de perfis de aposentados da construção civil. Nascido em Apucarana, em 1954, cerca de 50 km a Sudoeste de Londrina, perdeu o pai, João, carpinteiro, aos três anos de idade. Isto obrigou sua mãe, Dona Maria, a se mudar pra Arapongas, onde conseguiu seu primeiro emprego, com 14 anos, num posto de gasolina, pois precisava ajudar a mãe a criar as irmãs menores. De lá foi pra Jaguapitã, cerca de 50 km ao Noroeste de Londrina. Nessa cidade começou a vida de construtor. Desmanchava e reconstruía casas de madeira. Depois foi vender filtros d’água no Mato Grosso, tentou montar uma ferraria e acabou indo pra São Paulo-SP e, em seguida, Curitiba. “O serviço escasseou por aqui e tive que ir procurar em outros lugares”, explica. Na volta a Londrina, foi trabalhar na Construtora Brasília, à época a maior da cidade. Foi convidado pela empresa pra ser o caseiro de uma chácara da família Alho da Silva, proprietária da construtora, mas a dedicação devotada não o poupou de ficar dois meses sem receber salários quando a Brasília entrou em declínio. Nada que o faça guardar mágoas ou ressentimentos. Nem o fato de descobrir, algum tempo depois, trabalhando como construtor autônomo, ser portador de uma doença grave – anemia megaloblástica, patologia causada pela deficiência de vitamina B12 no sangue. “Estava assentando tacos e notei que estava com dificuldades pra me levantar”, lembra. Pra quem, como ele, estava na casa dos 40 anos, a trágica descoberta poderia ser interpretada como o fim da vida. Mas este, decididamente, não foi a forma como Seo Francisco encarou a situação. Que poderia se tornar pior, pois a filha Crislaine, aos 18 anos, foi diagnosticada com a mesma doença. 61
Passado o choque inicial, começou a fazer hidroterapia pra fortalecer o corpo lesado pela anemia. E foi aí que a vida de Seo Francisco adquiriu uma nova motivação pra seguir a vida de aposentado compulsoriamente. Começou a nadar. E dando braçadas na piscina e na vida, quem diria, acabou se tornando Paratleta. Mais do que isso, Paralímpico. Trajetória que começou a traçar em 1997, cerca de dois após a descoberta da doença, quando começou a nadar competitivamente na modalidade “crawl”, nas provas de 50, 100 e 400 metros. Quando se deu conta, estava representando o Brasil no Parapan do Rio de Janeiro-2007. Assim, o que poderia ser um tombo, Seo Francisco transformou numa pirueta e segue feliz na vida.
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Seo Hélio
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A boa-fé e a honestidade trazidas na mala da cidade nordestina onde nasceu, Garanhuns-PE, também terra natal do ex-presidente Lula, foram as responsáveis pela ruína financeira do construtor Hélio Ferreira de Moraes, 83 primaveras, verões, outonos e invernos. Por conta da boa-fé, não conferia os pagamentos que fazia, via escritório de contabilidade, dos compromissos sociais e previdenciários dos trabalhadores que contratava. Tempos depois começou a ser cobrado, via Justiça, dos encargos, pois o contador o passara pra trás. Pra não ser chamado de desonesto, desfez-se do patrimônio que amealhara com muitos anos de trabalho pesado. Vendeu casas e dois caminhões pra quitar sua dívida com os trabalhadores, até porque os conhecia de perto e não iria, de jeito nenhum, deixá-los a ver navios. Conta com uma indisfarçável tristeza nos olhos, mas não o faz com lamúrias. Resigna-se por, como disse, não ter-se preparado para a velhice. E não foi por falta de trabalhar, pois o pernambucano não era de fazer corpo mole pro trabalho. Ao chegar em Londrina, 1960, foi morar na Vila Santa Terezinha e depois mudou-se pra Vila Iara, à época “porteiras da cidade”. A primeira da Zona Leste e a segunda da Zona Norte. Filho do Mestre-de-Obras Ataíde, que era formado na Escola de Belas Artes e trabalhava na edificação de fachadas. A família de Seo Hélio veio pra São Paulo quando ele tinha 8 anos e estabeleceu-se em São Paulo, capital, onde residiu até os 23 anos no bairro do Jabaquara. Em 1957 mudou-se, desta vez sozinho, pra Ourinhos, na divisa com o Paraná, onde viveu durante dois anos, até resolver vir tentar a sorte em Londrina, então conhecida como “Capital Mundial do Café”. Chegou e foi parar num canteiro de obras. Como pequeno empreiteiro, o popular “gato”, tocou a obra da “Drogasil”, 65
farmácia que existiu na rua Maranhão, ao lado do Cine “Ouro Verde”. Aos 75 anos, parou de trabalhar, mas vez ou outra pega uma obra pra não esquecer o ofício. Segundo ele, “tá difícil atuar no setor da construção, pois uma obra que custaria R$ 540 o metro quadrado, tem gente pegando por R$ 350”. Nem tudo, porém, são lembranças indesejáveis. Seo Helio tem muito orgulho da Filha Edra, Comunicóloga formada pela Universidade Estadual de Londrina, menina poeta com vários livros de poemas publicados. Nos lançamentos dos livros da Edra, apesar de ser um homem de pouca leitura, está sempre lá, todo garboso, prestigiando e apoiando a Filha inquieta e agitadora cultural.
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Seo Jadir
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“Foi em Diamantina(MG), onde nasceu JK”, como no “Samba do Crioulo Doido”, de Sérgio Porto, que Seo Jadir de Oliveira veio ao mundo em 1942. Em fevereiro, mês do carnaval, mas isso não tocou o homem temente ao Criador, que até hoje toca saxofone nos cultos da Assembleia de Deus do Jardim Santa Rita, Zona Oeste de Londrina. Seo Geraldo, o pai, marceneiro artesão que fabricava móveis rústicos, deixou a família nas Minas Gerais e veio pro Paraná quando Seo Jadir tinha seis anos de idade. Algum tempo depois, chegou a notícia de que ele fora assassinada e até hoje a família não sabe como isto aconteceu. Dona Maria Rita, a Mãe, resolveu também vir pro Paraná e se estabeleceu com os quatro filhos em Lobato, cerca de 120 km ao Noroeste de Londrina. Dona Maria Rita foi trabalhar num restaurante e amasiou-se com um homem que não queria os filhos dela. A irmã Teresa foi parar num abrigo em São Paulo e perderam contato com ela. Os irmãos Expedito e Moacir foram morar com um tio em Assaí, cerca de 50 km ao Sul de Londrina. O menino Jadir ficou com a mãe e o padrastro, mas por causa de maus tratos, também resolveu ir embora. Antes, porém, viu o padrasto ser morto com dois tiros de cartucheira por desavenças com vizinhos. Neste meio tempo, Seo Jadir conhecera o espanhol Rafael Nunes, que o ensinou a trabalhar na construção – madeira e alvenaria -, em troca de casa, comida, roupa, mas nada de dinheiro. Lá pelos 16, 17 anos, resolveu procurar o irmão em Assaí. Chegaram a se ver num bar, mas não se reconheceram. Quando souberam da irmandade, foi trabalhar com o Expedito nos algodoais que cobriam a região. Depois, foi pra Astorga, com 19 anos, e trabalhou como Servente pro construtor Paulo Salgado, que não o promovia a Pedreiro de jeito nenhum. Desgostoso com a situação, aos 25 anos, veio pra Londrina, onde foi apelidado de “Cipó”, por conta do corpo magro, 69
mais a timidez, o jeito calado de ser. Caiu na mão de um “gato” – pequeno empreiteiro mau caráter que lesa o trabalhador dia sim e outro também – que o levou pra uma obra em Uraí, cerca de 60 km ao Leste de Londrina. Perambulou por São Paulo-SP, onde dormiu de favor num canteiro de obras e trabalhou sem registro e sem salário, contando com a ajuda dos companheiros de trabalho. Veio pra vizinha Bela Vista do Paraíso e de lá foi pra Matinhos, Litoral do Paraná, trabalhar na construção da associação do finado “Banestado” onde ficou durante 10 anos. Enfim, retornou a Londrina nos anos 1980 e trabalhou até se aposentar. Revisitando o passado, Seo Jadir lembra do trabalho e da militância sindical. E o faz com a serenidade de quem acredita ter dignificado a existência. Não conseguiu estudar, mas aprendeu a tocar violino, trumpete e saxofone, talento que devota a Deus, com a mesma dedicação e empenho que dispendia nos canteiros de obras.
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Seo João
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Uma história de vida comum. Semelhante a muitas que se vê por aí. Por aqui. João Passos dos Santos, 64 anos, Seo João. Sergipano de Segredo, Distrito de Aquidaban. Temporão, veio ao mundo, quando o irmão mais novo tinha 20 anos. Nem conheceu o pai, José Luís, que abandonou a família quando o bebê fora dado à luz havia oito meses. A mãe, Dona Maria, seguiu tocando a vida com a ajuda de Deus e a força de seus braços. O problema é que a aldeia perdida no agreste sergipano não tinha muitas opções de trabalho. Ou era a roça, que dependia das raras chuvas do semi-árido, ou o trabalho como lavadeira ou empregada doméstica. “Hoje, quando meus filhos reclamam da comida, conto pra eles que na minha infância, tinha dia que colocava farinha de mandioca no prato e misturava com água, pra matar a forme. Nem sal tinha pra dar um gosto”. Passada uma década de muito trabalho e privações, Dona Maria resolveu trocar Sergipe pelo Paraná. O destino seria Assaí – cerca de 50 km ao Sul de Londrina -, onde residia o filho Isidoro, já falecido. Foram morar na Água do Jataizinho e, claro, trabalhar nas roças de algodão, cultura predominante na região, até que o “bicudo” infestasse as plantações e provocassem a erradicação da cotonicultura. Em seguida trocaram de morada, ainda na zona rural. Foram pro Pau D’Alho, de lá pra Santa Cecília do Pavão, cidade vizinha. Fixaram residência no bairro rural dos Quarenta, trabalhar na propriedade de Celestino Procópio, figura carimbada da localidade. Ficou por lá até 1976, quando o algodão saiu de cena e abriu espaço pra soja. Chegara a hora de levantar acampamento. Seo João veio parar no Jardim Interlagos, Zona Norte de Londrina, onde ficou durante 10 anos, “na mesma casa”. De lá foi pro Jardim Paraíso, Zona Norte, e de lá, enfim, pra sonhada casa própria, Conjunto Violin – “Cinco Conjuntos” -, na mesma região. 73
O primeiro emprego foi na estiva – “Saqueiro” – na Brasway, onde ficou cinco anos. Aí, chegou na construção civil como Servente na Brastec, claro. Aprendeu o ofício, mudou de função e de empresa, foi pra Mavilar e de lá pra A.Yoshii, onde ficou até se aposentar, dois anos atrás. Aposentou-se, mas não parou de trabalhar. Homem temente a Deus que não se esquece das obrigações no apostolado da oração na Paróquia Santa Luzia, Seo João faz tratamento de um câncer na próstata em estágio inicial. “Nós, homens, somos trouxas. Por isso disse que se o doutor tentasse meter o dedo em mim eu batia nele. Agora, com a doença, se precisar enfiar o braço, tenho que aguentar.” Seo João também ressalta sua participação na diretoria do Sintracom-Londrina. “Sinto orgulho de fazer parte do Sindicato. Amo aquela entidade e as pessoas que fazem parte dela.”
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Seo José
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Mineiro de Miraí, onde foi dado à luz em 1932, chegou em Londrina no início dos anos 1990. José Alfredo Lima, 87 anos, Seo José nos canteiros de obras, nas andanças e na militância sindical. Como São José Operário, padroeiro e santo protetor dos trabalhadores na construção civil e no mobiliário. Saiu da cidade natal com os pais aos 12 anos de idade, um tempo de guerra mundial. Um tempo de muitas inquietações, angústias e dúvidas no dia-a-dia da classe trabalhadora, aquela que sempre paga a conta das estrepolias, das irresponsabilidades cometidas pelo capital, pelos donos dos meios de produção. Como ocorreu com a maioria dos trabalhadores na construção civil. Seo José também ciganou um bom pedaço da vida, até que fixou residência em Londrina. Com os tais “50 anos em 5” prometidos pelo ex-presidente Juscelino Kubstichek, o “presidente bossa nova”, a partir dos anos 1960 intensificou-se o êxodo rural. No caso de Seo José, a ciganagem começou a partir de Caratinga e Itanhomi, em Minas Gerais, passou por São Paulo-SP, onde ficou apenas três meses, chegou à Fazenda Taquaruna, bairro rural de Londrina e daqui foi pra Ortigueira – 135 km ao Sul da Metrópole do Norte do Paraná -, onde formou o “Sítio Fortaleza”. Sempre no “cabo do guatambu”, Seo José, a esposa, Dona Liberina – falecida no ano passado – e os filhos tocavam roças de arroz, feijão, milho e algodão. “Tudo roça branca”. Com a abertura da nova fronteira agrícola, Rondônia, nos anos 1980, Seo José foi tentar a vida em Pimenta Bueno, empreita que não obteve sucesso. De volta a Londrina, em 1990, analfabeto funcional, Seo José cumpriu a sina dos homens sem qualificação e virou Servente na construção civil. Apesar da idade “avançada”, pois estava com 58 anos, deu conta do recado e aposentou-se, 77
com muito orgulho, como “orêia seca” e ajudou a construir muito do que se vê por aí. “Não tinha boa escrita e, por isso, não consegui aprender o serviço dos oficiais”. Também encontrou fôlego e disposição pra militância sindical, logo que que começou a trabalhar nos canteiros de obras. Inclusive, por conta da atividade sindical, por ter estabilidade no emprego, nos últimos anos atuava como vigia nas obras. Não virou oficial, mas viu o Filho João Roberto aprender tudo do ofício de construtor. Aprendeu tão bem que foi construir em Portugal, onde morou alguns anos. Olhando pra trás, apesar da memória um tanto confusa, natural pra quem tem tanta memória guardada, Seo José diz sentir-se realizado com tudo o que fez na vida. Tanto que, enquanto a mobilidade permitiu, não passava um dia que fosse sem dar uma passada no Sindicato pra rever os amigos, bater papo e alegrar a vida de aposentado.
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Seo Paulo Pestana
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Aventureiro, aos 16 anos saiu de casa, em Grão Mogol-MG, onde nascera no sítio de 150 alqueires mineiros da família, terra coberta com cafeeiros e pasto pro gado leiteiro. Foi pra Porteirinha trabalhar com gado e de lá seguiu pra Belém-PA. Virou oleiro e fazia telhas. Lá pelos 20 anos, veio pra Paraguaçu Paulista-SP trabalhar nas lavouras de algodão. Um ano depois estava no Paraná. Alvorada do Sul. Inquieto, foi pra Cascavel, no Oeste, abrir picada pros fazendeiros tomarem a terra. Quando percebeu, estava no meio de um conflito agrário violento. “Teve um dia que morreram nove jagunços abatidos pelo Exército”, lembra. Ao perceber o tamanho da encrenca em que se metera, voltou pra Alvorada do Sul e foi trabalhar na Fazenda Itimura, onde ficou uma dúzia de anos. Cuidava da lavoura, mas também plantava arroz, feijão e milho e criava porcos e galinhas em 1,5 alqueires. Com o represamento do rio Paranapanema, na construção da Usina Capivara, teve sua terra alagada e desgostou-se com a perda. Veio pra Londrina. Foi morar com a família no “Grilo da Caixa Econômica”, atual Jardim Nossa Senhora da Paz. Virou o quê? Servente de Pedreiro. Suava a camisa durante o dia e à noite estudava o ofício de Pedreiro, cujo salário é muito maior. Aposentou-se como Contramestre, ao conquistar o respeito dos patrões e dos companheiros de canteiros de obras. Que foram muitas. Estão por aí, espalhadas por Londrina. Além de outras cidades do Paraná – Foz do Iguaçu, Cascavel, Medianeira, Maringá e Rolândia. Como a maioria dos operários da construção civil, Seo Paulo também guarda na memória, com tristeza, a morte de um amigo e vizinho. “O José Bispo de Oliveira, que era Servente, deve ter sofrido uma vertigem e despencou do 27o. andar em construção”. Foi no tempo que Londrina bateu o macabro recorde de 97 acidentes fatais, entre 1986-88. Choques elétricos, quedas 81
e soterramentos, as causas mais frequentes. Seo Paulo também sofreu uma queda, mas sobreviveu, apesar da perda de um testículo. Que não afetou a virilidade, nem a fertilidade. Pois a Dona Lourdes, sua esposa e companheira, ainda lhe deu os filhos André e Andréia, depois do acidente. Que vieram se juntar aos irmãos Denilson, Ailton, Vilson, e Roberto. Que o presentearam com uma penca de netos e bisnetos. Uma das alegrias de Seo Paulo foi ver o filho Denílson, que desentortava pregos na construção, “ganhar seu primeiro arreio de Carpinteiro”, profissão que exerceu até se tornar diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, entidade que é o atual presidente. Juntos, ajudaram a construir o edifício Terra dos Imigrantes. Na esquina da Pernambuco com a Piaui. Essa, Seo Paulo lembra com orgulho.
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Seo Zé Ferreira
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Mineiro de São José do Jacuri, José Ferreira de Almeida, conhecido nos canteiros de obras como Zé Ferreira, chegou no Paraná em 1960, com 22 anos de idade. Foi morar em Bandeirantes, onde ficou até 1969 trabalhando na lavoura. De lá foi pra Iretama, Região Centro-Oeste, onde trabalhou como porcenteiro. Seo Zé Ferreira lembra com tristeza deste período vivido em Iretama, pois foram dois anos perdidos. “A lei de lá eram dois revólveres na cinta”, conta. O que fez se lembrar da infância, adolescência e o começo da juventude vividos nas Minas Gerais, quando a família vivia como porcenteira. “A gente assumia todos os riscos e as despesas e, no final da safra, pagava 50% da produção pro fazendeiro”, explica. Por conta disso, em geral, terminava o ano devendo no armazém, que também era do dono da terra. Se quisesse sair, ir trabalhar em outra propriedade, tinha que arrumar um fazendeiro que assumisse a dívida contraída com o anterior. Além disso, a escola mais próxima ficava a 40 km de distância e não havia transporte escolar. O pouco que aprendeu das letras e dos números, foi obra da Tia Geralda, irmã da mãe. “Ela tinha os livros da primeira até a terceira série do primário e me ensinou a ler, escrever e fazer contas”, lembra. Assim, com tanta dificuldade resolveram correr mundo. Depois da experiência malsucedida de Iretama, Seo Zé Ferreira veio pra Londrina, “sem lenço e sem documento”. Foi parar num canteiro de obras da Construtora Shangri-lá. Após seis meses de trabalho, pediu as contas. O que o salvou de sofrer um grave acidente, pois três dias após ter-se demitido o andaime que trabalhava despencou e o Mestre de Obras quebrou-se todo. Outro problema enfrentado pelos trabalhadores na construção civil eram os constantes atrasos do pagamento dos salários. “Teve um mês, que estava chegando o dia do vale e a gente ainda não tinha recebido o salário do mês 85
anterior. Eu não tinha dinheiro nem pra comprar leite pros meus filhos”, fato que o levou a pedir as contas e saiu sem receber o acerto e o salário atrasado. Confiou no engenheiro responsável pela obra e conseguiu, meses depois, receber o que lhe era devido. Foi nesse tempo que foi “fichado” na Plaenge, grande construtora, onde ficou 11 anos. Acabou saindo desta empresa por divergência com o Mestre de Obras, pois fazia serviço de Armador, mas era registrado e recebia salário de Servente. Apesar dos pesares, com muita luta, Seo Zé Ferreira que, ao chegar em Londrina foi morar na favela Dona Tedi, conseguiu realizar o sonho da casa própria onde curte a merecida aposentadoria e recebe os netos, grande alegria de sua vida.
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Seo Zé Rufino
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Apesar do esforço, não conseguiu segurar a lágrima que brotou nos olhos. Foi no momento que lembrou da morte da Mãe. Trabalhava numa obra da Construtora Khouri, em Minas Gerais, e o encarregado Luis negou-lhe o pedido de licença e um adiantamento pra vir a Londrina despedir-se da responsável pela sua existência. O encarregado negou, mas o Mestre-de-Obras interferiu e o engenheiro atendeu ao pedido. Da mesma forma, emocionou-se ao lembrar dos companheiros de trabalho que perderam a vida na construção do Catuaí Shopping Center. “Mais de dez”, lamenta. Como o companheiro que chegou tarde pro trabalho, mas cedo pra morrer... Sua casa no Jardim Leonor, está com problemas no telhado. E ele não pode consertar. As pernas caminham com dificuldade. Muita dificuldade. A maior parte do tempo, usa bengalas. Sina de trabalhador da construção civil. Colunas estropiadas. Pernas bambas. Mãos trêmulas. Nada, porém, que lhe tire a alegria de viver. De receber os amigos. Participar das reuniões e das mobilizações do Sindicato. De viajar pelo Brasil na luta por dias melhores para a classe trabalhadora. Consciência formada no canteiro de obras. No convívio com operários que moram nas mais distantes periferias e, muitas vezes, nem uma casa decente pra abrigar os familiares conseguem. Quem vê Seo Zé Rufino, com seu metro e cinquenta e pouco, nem de longe imagina a força deste brasileiro nascido em Santo Anastácio-SP, onde trabalhou em lavouras de café como porcenteiro. Em 1963, trocou a cidade natal por Londrina. Começou como Servente a serviço de um “gato” – subempreiteiro que costuma ser cruel com o trabalhador. Depois, virou “peão de trecho”, ou seja, viajava pra todo lado a serviço da empresa onde estivesse “fichado” – registrado na carteira de trabalho. Só não foi pro Uruguai porque os filhos, Welington e Wesley, então com 14 e 15 anos, “viviam 89
um momento perigoso. De se perder na vida. Não podia ficar longe deles”. Não foi pro Uruguai, mas passava tempo longe de casa, da mulher e dos filhos. Como no tempo que trabalhou na construção da usina hidrelétrica Salto Segredo, na divisa de Mangueirinha com Reserva do Iguaçu, no Sudoeste do Paraná. Apesar da obra ter sido tocada por uma grande empreiteira – Camargo Correia -, a lembrança não é boa. “A gente ficava meio que esquecido por lá”. Pra trabalhar em paz, dar o melhor de si, em Londrina ou nas andanças, Seo Zé Rufino sempre contou com a retaguarda da esposa e companheira há 42 anos, Dona Marilza Amélia. Que o ajuda a cuidar do jardim e da horta. E a receber os cinco netos que enchem de alegria o casal. Gente simples e feliz com o pouco que tem, como a maioria do povo trabalhador.
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Silvana
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Não faz muito tempo, o canteiro de obras era um ambiente exclusivamente masculino. A mulher, quando entrava, era pra fazer café e limpeza e olhe lá. No tempo de Dilma Rousseff na Presidência da República, com o projeto “Minha casa minha vida” na máxima potência, faltou mão-de-obra e a mulher cavou seu espaço. Foi o caso da Silvana do Nascimento Lima Vicente, dada à luz há 40 anos em Cambé, cidade limítrofe de Londrina. Menina que teve uma infância pobre, mas que era “vivida em liberdade”, bem diferente do tempo presente pautado pela violência decorrente da desigualdade social e da insegurança que assombra as famílias brasileiras. Silvana cursou supletivo até a 7ª série, já adulta, pois começou a trabalhar aos 14 anos. Foi babá, empregada doméstica, faxineira de condomínio, tia do cafezinho e faxineira de cooperativa. Em 2014, estreou na construção civil na Construtora Dinardi, mesma empresa em que o pai, Seo Fermino, se aposentou. Foi contratada como Servente, mas assentava azulejos e arriscava-se, também, nas instalações hidráulicas. Foi por essa época que mulher foi descoberta como excelente profissional de rejunte, acabamento final das construções. “Não se trata de desmerecer os homens, mas a mulher faz acabamento com mais carinho e atenção”. Trabalhadora na construção civil há cinco anos, atualmente Silvana encontra-se fora do canteiro de obras, mas não por demonstrar inapetência pro ofício. O prédio que ajudou a edificar pra ir lá, arranhar o céu, ficou pronto e, como a construtora não tinha outra obra pra tocar, deveria ter sido demitida, mas isto não aconteceu. Como diretora do Sintracom-Londrina, outra conquista da mulher trabalhadora na construção civil e nas outras 10 categorias representadas pela entidade laboral, Silvana tem estabilidade no emprego. Não pode ser demitida, pois se a 93
empresa adotasse tal procedimento, teria que pagar os salários dela até o fim do mandato e mais um tempo de carência. Assim, acabou sendo destacada pela construtora pra trabalhar numa fazenda da empresa em Sertanópolis, 40 km ao Norte de Londrina. A função: auxiliar o caseiro que a empresa mantém no local. “Acabei virando uma faz tudo na fazendo. Se o caseiro vai roçar o mato, vou junto recolhendo o que precisa ser descartado ou levado pra outro local. Da mesma forma se for carpir, semear, podar ou o que mais tiver pra ser feito por lá.” Silvana acorda às 4h30, toma o ônibus das 5h15 e acaba de amanhecer em Sertanópolis. Cansativo, né? Sem dúvida, mas ela tira de letra e arruma tempo e disposição pra participar das reuniões do Sindicato e cuidar dos filhos Vinícius, 15 anos e Gabriel, 11, e, ainda, pra sentir saudades do primogênito Renan, 21, atualmente residindo em Portugal. Meninos que ela cria sozinha. Uma legítima mapai, papãe.
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Zé Macário
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Nascido em Quirapá-PE, em 1950, com dois anos de idade desembarcou do pau-de-arara em Santa Cruz do Rio Pardo-SP, em 1952, numa época de intenso vaivém na zona rural brasileira, com as famílias ciganando de um lado pro outro até encontrar um bom lugar pra viver, trabalhar e criar os filhos. Com José Macário da Silva, não foi diferente. Logo após chegar no Estado de São Paulo, sua família veio pro Paraná e circulou por várias cidades. Sertaneja, Sertanópolis, Ibiporã, São Jerônimo da Serra, Terra Roxa, Sertanópolis, Londrina, Castro, Telêmaco Borba e, enfim, Zé Macário criou raízes com a mulher e os filhos em Londrina. Logo ao chegar, foi “fichado” como Servente na construção civil, onde trabalhou de 1981 a 2015 e se aposentou como Pedreiro. Antes, porém, de fixar-se nos canteiros de obras, Zé Macário, no dizer do caboclo, fez de um tudo. Trabalhou em todo tipo de lavoura que existia pelo Paraná afora, onde perambulou entre 1956 e 1981, foi tratorista, caminhoneiro e pequeno sitiante. No início, como o salário de Servente era baixo, fazia tanta hora extra que, muitas vezes, recebia um salário maior do que os Pedreiros. Por conta disso, ele lembra que na empresa Planos trabalhou na construção de mais de 10 edifícios. Apesar do baú da memória estar abarrotado de boas recordações, Zé Macário também guarda muitas tristezas. Ele também trabalhou na construção a toque de caixa do Catuaí Shopping Center e, por isso, fica triste ao se lembrar dos 10 ou 12, número jamais confirmado, de companheiros de canteiro de obra que morreram na edificação daquele templo do consumismo. “Naquele tempo, não tinha as medidas de segurança que hoje existem”, relata com tristeza. E não era só a falta de segurança que rondava o trabalhador na construção civil. Ele conta que na construção do Catuaí, o trabalhador tinha um problema adicional. A comida. 97
“No começo, era boa. Trocou e piorou. Trocou de novo e piorou de vez”, conta Zé Macário. “O mestre levou duas marmitas pra casa, deu pros cachorros que rejeitaram a comida”. Por essas e por outras, o trabalhador na construção civil só conseguia resolver seus problemas parando de trabalhar. “A gente fazia greve. O Zézão (José Aparecido Martins, também apresentado nesta publicação) ia de moto e eu de bicicleta e a gente parava as obras”, lembra com satisfação. “Ia pro piquete levando a marmita na garupa da bicicleta”. E nem sempre tinham as reivindicações conquistadas. Ele conta que numa greve numa obra da Khouri, o chefe falou que pagaria o mês em dobro se eles voltassem ao trabalho. “A gente acreditou, encerrou a greve e no fim das contas ele não cumpriu o prometido”. Apesar dos percalços, Zé Macário sente muito orgulho quanto circula por Londrina e vê tudo o que construiu nesta cidade.
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Zézão
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Nascido no “velho oeste” paulista, Anhumas, com um ano de idade o menino José Aparecido Martins, “Zézão” pela vida afora, veio parar em Ourizona, no então chamado Norte Novo do Paraná, perto de Maringá. O pai José Odete, lavrador, veio pra nova fronteira agrícola recém-aberta pra ser porcenteiro na cafeicultura que cobria todo o Norte do Paraná. Foi em 1955. Seis anos depois, o pai adquiriu 12 alqueires de terra em Umuarama, Oeste Paranaense, em sociedade com o avô do Zezão e dois cunhados. “Na primeira noite por lá, debaixo de uma tenda de lona, ouvimos até urro de onça”, lembra o Pedreiro. Na manhã seguinte, café com arroz e palmito, miolo da palmeira Jussara, que existia em abundância na floresta. O primeiro trabalho foi abrir a picada na mata, na base da foice, machado e enxada, até chegar na água. Seo José pegou um trabalho no sítio vizinho, do “Zé Carioca”. Quando se dirigia ao trabalho, não percebeu que estavam derrubando uma árvore de grande porte e esta caiu sobre ele. Ferido, foi levado até Curitiba, mas não resistiu e faleceu na capital do Paraná. A mãe, Dona Maria José, casou-se com Antonio Pereira. Daí, aos 16 anos, Zézão foi morar em Curitiba, na casa do tio Expedito. Junto foi o irmão mais velho, Berto, que logo engajou-se na construção civil e Zézão foi lavar carros na Praça Osório, no centro da capital. Depois, foi “fichado” pela primeira vez, perto dos 18 anos, como entregador de jornais pela Folha de São Paulo. E foi autorizado a ir e voltar de casa com a bicicleta da empresa. “Economizava o dinheiro do ônibus e ainda tinha a tarde toda pra fazer entrega no bairro e ganhava uns trocados extras”, conta. Em 1972, entrou na construção civil. Aos 19 anos virou Pedreiro. Logo em seguida, virou “peão de trecho”, pra economizar com o aluguel e a refeição. Viajou por muitas cidades, 101
construiu muita coisa, mas em 1978, recebeu uma carta da mãe, novamente viúva, pedindo-lhe que viesse pra Londrina, pois precisava de sua ajuda pra criar os irmãos menores. Passado um tempo, voltou pro trecho, pra ganhar um salário melhor. Voltou e foi trabalhar numa grande construtora local. “Muito da riqueza que a Plaenge acumulou, saiu do não pagamento dos direitos dos trabalhadores”, denuncia. Nas idas e vindas, acabou virando diretor do Sintracom-Londrina. Aqui se casou com a Shyrlei teve os filhos Augusto e Fernanda. Cumpriu a sina de ciganar até estacionar na Metrópole do Norte do Paraná. Um vencedor, como todos que calejam as mãos construindo as cidades onde moramos. No tempo presente, diz sentir “um grande desânimo com o engessamento do pensamento nacional à direita”. Apesar de tudo, garante viver “sem arrependimentos e, se precisar, fará tudo de novo. Pelo menos até onde o corpo aguentar.”
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Epílogo A ideia inicial era pesquisar a história de edificações históricas de Londrina e, a partir delas, tentar encontrar familiares dos primeiros londrinenses que tivessem trabalhado nas construções. A empreita revelou-se impossível, pois nos primeiros anos de Londrina – meu céu, meu chão, década de 1930, ainda não existiam as leis que protegem o trabalhador, as mesmas que, no tempo presente, estão sendo solenemente revogadas. A Catedral Metropolitana, por exemplo, que tem sua história muito bem documentada no “Livro Tombo”, que me foi mostrado pelo Monsenhor Bernardo Gafá, então Paroco da igreja do Sagrado Coração de Jesus, nada registra algo sobre construtoras e trabalhadores que edificaram três templos naquele local. Desde a igrejinha de madeira, que tem uma réplica em escala reduzida no Campus-UEL (Universidade Estadual de Londrina), passando pela de estilo neo-gótico, substituída pela atual, de uma modernidade de gosto duvidoso, mas que hoje faz parte da paisagem urbana da área central. Como não seria possível encontrar descendentes dos primeiros construtores, a opção foi pedir ao Sintracom-Londrina (Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil e no Mobiliário) que indicasse 20 aposentados, os quais teriam suas histórias de vida relatadas nestas “Calejadas Memórias”. No caminho, resolvemos incluir, também, um ou outra ainda na ativa, simbolizando a ligação entre o passado, o presente e o futuro das mãos que constroem e reconstroem a cidade, mas não são lembradas. Nas prosas com os cabelos brancos, corpos arqueados pelo peso dos anos neste essencial trabalho que exige força e 104
disposição, ouvi histórias que muito se assemelham. Origem comum rural. Baixa escolaridade. Apego ao trabalho como forma de conquistar a humana dignidade. Abandono paterno, orfandade nos primeiros anos de vida, permeiam os relatos dos londrinenses vindos de vários estados brasileiros pra construir a Metrópole do Norte do Paraná. Rasteiras aplicada pela vida, digo, maus empresários, que se transformaram em piruetas. No fim das contas, sem pretensão literária, chegamos ao final desta publicação que tem por objetivo homenagear os milhares de homens e algumas mulheres a quem agradecemos por tudo que construíram e que cumprem, entre outras, as funções de abrigo, escola, “hospital, lupanar e prisão”, como no poema “Epílogo”, de Charles Baudelaire, ao se referir à cidade. mario fragoso Jornalista
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Calejadas Diploma de
Memórias Honra ao Mérito
Calejadas MemĂłrias foi composto em Univers Light e impresso em papel polen 90g (miolo) e cartĂŁo supremo 240g (capa) em agosto de 2019
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PROMIC: 18-067 SEI nยบ 19.024.070400/2017-99