TFG - Memorial Sensorial da Ditadura Militar no Brasil

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memorial sensorial um ensaio da memรณria da Ditadura Militar no Brasil



memorial sensorial um ensaio da memรณria da Ditadura Militar no Brasil

Marcella Funicello Bezerra de Melo Orientador Prof. Ivanir Neves Reis Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Centro Universitรกrio Belas Artes Sรฃo Paulo Junho de 2019



sensu

senso:

do latim sensu, que significa tino, atenção.

sen.so sm 1. Qualidade de sensato; cautela, circunspecção, prudência. 2. Faculdade de julgar, de entender, de sentir; entendimento, juízo, percepção, sentido.

sensato: sen.sa.to adj 1. Que tem juízo; que age ou pensa com cautela, prudência e sabedoria; precavido, prudente, sábio. 2. Que é conforme ao bom senso. 3. Habilidade de distinguir o certo do errado, o bem do mal ou o falso do verdadeiro.

sensorial: sen.so.rial adj m+f 1. Relativo às sensações 2. Sensível, percebido através dos sentidos; palpável: fenômenos sensoriais. 3. Referente ao processo por meio do qual um estímulo, interno ou externo, causa uma reação (física ou emocional): sistema sensorial.


agradecimentos


Gostaria de agradecer a minha família pelo apoio, paciência e con-

forto em qualquer período do percurso da faculdade: Maria Regina, minha mãe, Rafael, meu irmão, minhas avós, Olga e Alzira e, meu namorado, Julio.

Também agradeço ao meu orientador, Ivanir Neves Abreu, que

desde o princípio abraçou a ideia e trabalhou junto comigo para a evolução desta. Cada orientação foi um aprendizado diferente que levarei para a vida profissional. E por me ensinar e inspirar, em suas aulas, a me apaixonar por Arquitetura.

À professora Aline Nasralla, que desde o começo, também mostrou

interesse no tema, acreditou e ajudou quando o processo estava apenas nos primeiros passos.

E à faculdade pelo crescimento pessoal obtido; pelos amigos que

me acompanharam nesta fase, que levarei para a vida, em especial a Laura Ruas, que me acompanhou na visita do local escolhido; e pela participação do Centro Acadêmico Joan Villà (CAJ), que foi um privilégio ter feito parte de projetos dentro e fora do ambiente acadêmico tão importantes ao lado de colegas tão sonhadores.



Minha dor ĂŠ perceber Que apesar de termos feito tudo, tudo Tudo o que fizemos NĂłs ainda somos os mesmos E vivemos Ainda somos os mesmos E vivemos Ainda somos os mesmos E vivemos como os nossos pais Antonio Belchior


sumรกrio


introdução 13

a proposta 94 I. o partido arquitetônico 94

conceitos 15 I. fenomenologia 15

II. arquitetura sensorial

18

III. memória 20

. memória individual e coletiva

. patrimônio material (lugar de memória)

. patrimônio imaterial

. memória polícia, silêncio e esquecimento

96

III. o memorial 100 . o processo criativo

. o percurso interno

IV. o restauro 128

V. a homenagem às vítimas

133

VI. desenhos técnicos

136

referências 142

contexto histórico I. o ciclo vicioso

II. o programa e o percurso

29 29

II. a diradura militar:

a linha do tempo

anexo I: estudo de casos

146

29

o território 65

I. o Programa de

Lugares de Memória

65

II. o antigo DOI-Codi

68

. a ocupação ao longo do tempo

. o processo de tombamento

. visita ao local

III. situação atual do patrimônio e da memória da Ditadura

88 11


introdução


A memória é um assunto cada vez mais estudado e discutido entre acadêmicos, pesquisadores, historiadores, arquitetos etc. Por conta da globalização, o avanço da tecnologia e a “aceleração do tempo”, muitas culturas foram absorvidas pelo padrão e suas memórias desapareceram, por conseguinte as pessoas insolaram-se e perderam a noção do espaço social. Após gerações e gerações, em que a memória não foi valorizada, a identidade – coletiva e individual – não tem mais onde se apoiar em raízes do passado. E, uma vez que isto acontece, sua visão de futuro também é adulterada, por não saber o que foi feito ou não, se foi um sucesso ou um erro. É um ciclo vicioso temporal. As gerações novas possuem conhecimentos fragmentados do passado e estão sem identidade, por isso a volta ao passado e a procura pela valorização do que tem história referencial. Quando determinado período marca de certa forma a História local, deve-se haver um lugar desta memória, uma prova verdadeira e física do quê aconteceu, sem possíveis manipulações. À exemplo, todos os períodos ditatoriais do Brasil, desde Marechal Deodoro da Fonseca, o Estado Novo e a Ditadura Militar, necessitam que seus bens históricos sejam tombados, restaurados a um memorial para contar suas respectivas histórias, por se tratarem do fim da democracia e livre arbítrio, de traumas, medos, repressão, censura, manipulação etc. Como é comum não ser um assunto discutido e ser preferível o esquecimento, a história se repete e outro golpe na iminência de acontecer. Assim dito, a recente Ditadura Militar, de 1964 a 1985, foi um período de muitos locais clandestinos e não-oficiais utilizados nos quais falta todo um adequado levantamento, destes, pelo país. Com exceção de São Paulo, que por meio de estudos feitos pela Pinacoteca junto à Prefeitura, apontaram todos os lugares, tanto de repressão quanto de resistência, mas apenas alguns deles são tombados: o antigo DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), hoje o Memorial da Resistência, que já foi restaurado e sua exposição aberta ao público; a antiga Auditoria da Justiça Militar, onde foi aprovado para ser o Memorial da Luta pela Justiça; e o antigo DOI-Codi, hoje ainda o 36º Distrito Policial, tombado e há intenções de torná-lo um memorial público; entre outros.

O objetivo deste Trabalho de Finalização de Curso é aproveitar a intenção de memorial proposta para o antigo território do DOI-Codi – composto por um edifício, onde a 36ª DP está instalada e outros quatro que eram utilizados pelos militares na época e hoje estão abandonados, dois galpões que sevem de depósito para a Polícia e dois pátios internos usados como estacionamento – e propor um projeto de restauro e intervenção no local, a ponto de preservar as suas memórias e estruturar um programa de necessidade cultural. O Destacamento de Operação de Informações e Centro de Operações para Defesa Interna (DOI-Codi) era um imóvel não-oficial e fechado ao público, onde se tinham supostas ideias o que acontecia pelos gritos ecoados pelo entorno e boatos, e realmente, de fato, se soube a verdade apenas após a sua desativação, a partir dos depoimentos de ex-presos, da reanálise das mortes forjadas e da investigação dos documentos emitidos no local (apesar de muitos terem sido propositadamente adulterados ou destruídos). Portanto, todas as memórias de dor vividas internamente dos edifícios são as essências do patrimônio imaterial e o motivo do tombamento do local, apresentadas no processo nº 66.578/2012 do Condephaat. A proposta de restauro respeitará isto e, o que foi reformado pela Polícia pós-regime militar, será reconstituído. Contudo, por estas memórias de dor terem sido suprimidas por anos por quem as experienciou, é difícil despertá-las apenas com espaços expositivos convencionais. De acordo com Michael Pollack, em “Memória, Esquecimento e Silêncio”, quando em situação de trauma, o cérebro tende a esquecer os fatos objetivos, como datas, e a lembrar das exatas emoções sentidas – não só lembradas pelo cérebro, mas pelo corpo todo. Em suma, este TFG é um equipamento cultural público acessível a todos os cidadãos, um exemplo de valorização ao patrimônio histórico material e imaterial e um marco para a cidade da memória da Ditadura Militar no Brasil, proporcionando interações, reflexões e debates sobre e, a intenção é que as pessoas realmente saiam com uma diferente perspectiva política e social de que outrora violação aos direitos humanos não se repita, além de sentimentos de respeito e empatia aos que sofreram. Os tempos tenebrosos da ditadura no Brasil precisam ser discutidos para não serem esquecidos, propor um memorial é uma estratégia para isto. 13


conceitos


eu não posso pensar-me como uma parte do mundo como o simples objeto da biologia, da psicologia e da sociologia (...) Tudo aquilo que eu sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 3).

I. Fenomenologia A Fenomenologia é o estudo dos fenômenos e das sensações humanas, a partir das nossas experiências no mundo, real ou imaginário; “é a doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do conhecimento”, nas palavras de Edmund Husserl (1958, p.22), um dos primeiros pensadores filosóficos a estudar este termo, no século XX. Em “A Ideia da Fenomenologia”, divide as suas teorias em quatro lições, uma das quais: O fenómeno psicológico na apercepção e na objectivação psicológicas não é realmente um dado absoluto, mas só o que é o fenómeno puro, o fenómeno reduzido. (...) já não significa conjuntamente a imanência real, a imanência na consciência do homem e no fenómeno psíquico real. (HUSSERL, 1958, p. 26 e 27)

E ainda outra teoria: Não tem sentido algum falar das coisas que simplesmente existem e apenas precisam de ser vistas; (...) que existem a percepção, a fantasia, a recordação, a predicação, etc., e que as coisas não estão nelas como num envólucro ou num recipiente, mas se constituem nelas as coisas, as quais não podem de modo algum encontrar-se como ingredientes naquelas vivências. (HUSSERL, 1958, p. 32)

Minha percepção é [portanto] não uma soma dos dados visuais, táteis e auditivos: eu percebo de uma maneira total com todo o meu corpo, eu me apodero de uma estrutura única das coisas, uma maneira única de ser, que fala com todos os meus sentidos ao mesmo tempo (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 19).

Logo, Merleau-Ponty acredita que a ciência e a fantasia caminham juntas, porém quem define quem é o ser humano, é apenas ele próprio, através de suas percepções, imaginação e conhecimentos. Totalmente de acordo com as crenças de Merleau-Ponty e, se não totalmente, quase, contra as do Husserl, o arquiteto Juhani Pallasmaa disserta: As experiências sensoriais se tornam integradas por meio do corpo, ou melhor, na própria constituição do corpo e no modo humano de ser. A teoria psicanalítica introduziu a noção de imagem ou esquema corporal como o centro de integração. Nossos corpos e movimentos estão em constante interação com o ambiente; o mundo e a individualidade humana se redefinem um ao outro constantemente. A percepção do corpo e a imagem do mundo se tornam uma experiência existencial contínua; não há corpo separado de seu domicílio no espaço, não há espaço desvinculado da imagem inconsciente de nossa identidade pessoal perceptiva. (PALLASMAA, 2012, p. 38).

Portanto, Husserl defende que a fenomenologia é baseada em uma ciência puramente comprovada e justificada a partir de um “dado absoluto”, ao invés de ser transcendental e/ou imaginário (como chama de fenômeno reduzido). Para ele as únicas experiências reais que vivemos e vemos é a obra da nossa consciência, nossa genética e nossa anatomia. Já o filósofo e psicólogo Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), em suas obras, como “A Fenomenologia da Percepção” e “O Visível e Invisível”, deu continuidade aos tão falados estudos husserlianos da fenomenologia na época, porém com opiniões contrárias: Eu sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu “psiquismo”,

E conclui:

E ainda acrescenta: Vivemos em mundos nos quais o material e o mental, o experimentado, o recordado e o imaginado se fundem completamente uns com os outros. Por conseguinte, a realidade vivida não segue as regras de espaço e tempo conforme a física as descreve. Poderíamos dizer que o mundo vivido é fundamen15


talmente “acientífico”, se avaliado de acordo com os critérios da ciência empírica ocidental (PALLASMAA, 2017, p. 60 e 61).

O conceito da fenomenologia é discutida por diversos pensadores, uns escolhendo as vertentes científicas para explicar suas teorias (Husserl), outros, as “acientíficas” (Sartre, Heidegger, etc) ou até o equilíbrio entre elas (Merleau-Ponty e Pallasmaa). No mestrado de Arquitetura da Paula Amorim, com título “Fenomenologia do espaço arquitetônico: Projeto de requalificação do Museu Nogueira da Silva”, ela esquematiza os pensamentos sobre Fenomenologia de Juhani Pallasmaa no livro “Os Olhos da Pele”, assim ilustrará o que foi apresentado anteriormente:

3. A importância da audição na experiência espacial

1. A visão e a transferência sutil com o tato e o paladar

2. As mãos como órgãos para o pensamento 16

4. O confronto entre o sujeito e uma obra de arte


Diagramas de apoio de texto Paula Amorim, p. 60-70, 2013

5. Os elementos da arquitetura

6. O contraste significativo entre as ruas

da cidade antiga e as ruas da cidade atual 17


(O local) diz respeito às nossas reações perante a nossa posição no espaço. É fácil de exemplificar: quando entramos numa sala pensamos “Estou cá fora”, depois “Estou a entrar Ali para dentro” e finalmente, “Estou Aqui dentro”. Este tipo de percepção integra-se numa ordem de experiências ligadas às sensações provocadas por espaços abertos e fechados que nas suas manifestações mórbidas são a agorafobia e a claustrofobia (...) Uma vez que nosso corpo tem o hábito de se relacionar instintiva e continuamente com o meio-ambiente, o sentido de localização não pode ser ignorado (CULLEN, 1971, p. 11).

II. Arquitetura Sensorial Em nossa contemporaneidade, a Arquitetura sensorial perdeu forças em uma sociedade cada vez mais tecnológica e globalizada, muitos arquitetos estão projetando somente para atrair olhares e demonstrar poder. O ato de sentir a Arquitetura é um conceito complexo e, como toda arte, relativo: vai além de paredes, teto e piso, todos os sentidos devem ser simultaneamente acionados e proporcionar sentimentos à sociedade. A verdadeira função da arquitetura para a sociedade contemporânea é analisada por Juhani Pallasmaa, em “Essências”: Penso, contudo, que a arquitetura é por sua própria natureza lenta e silenciosa, uma forma de arte com baixa energia emocional em comparação com as artes dramáticas de impacto afetivo imediato. [...] A função da arquitetura não é nos fazer chorar ou rir, mas nos sensibilizar para que possamos entrar em todos os estados emocionais. [...] Acredito em uma arquitetura que desacelera e foca a experiência humana, em vez de acelerá-la ou difundi-la (PALLASMAA, 2018, p. 30-31).

O arquiteto Steen Eiler Rasmussen, em “Arquitetura Vivenciada”, explica como as pessoas deveriam analisar qualquer construção arquitetônica para se obter uma total experiência imersiva: Compreender arquitetura, portanto, não é o mesmo que estar apto a determinar o estilo de um edifício através de certas características externas. Não é suficiente ver arquitetura; devemos vivenciá-la. Devemos observar como foi projetada para um fim especial e como se sintoniza com o conceito e o ritmo de uma época específica. Devemos residir nos aposentos, sentir como nos circundam, observar como nos levam naturalmente de um lado para outro (RASMUSSEN, 1986, p. 32).

Tão defensor quanto da Arquitetura Sensorial, o arquiteto Gordon Cullen fez uma vasta e detalhada pesquisa de campo em cidades do mundo todo para comprovar suas teorias de paisagem urbana através das percepções e emoções humanas, e cita como seria a definição de local para ele: 18

Assim, o local acima descrito é associado a toda arquitetura interna e externa, que podem ser detectadas a partir do percurso entre e através delas e a análise de seus cheios e vazios, que proporcionam as sombras e luzes (“abertos e fechados”). Assim dito, o impacto emotivo da luz é extremamente intensificado como uma substância imaginária e pode ser trabalhado em projeto com, aos ditos, “abertos e fechados”.

O artista de luz James Turrell fala da “luz como uma coisa”: Eu, basicamente, faço espaços que capturam a luz e a retém para sua percepção física, [...] é uma constatação de que os olhos estão abertos e você permite essa sensação, o tato sai dos olhos como uma sensação (TURRELL, 2000, p. 1).

Para ele, os níveis de iluminação normais de hoje são tão elevados que acaba-se não a sentindo propriamente: É óbvio que não somos feitos para essa luz, que fomos feitos para a penumbra. O que isso significa, então, é que somente quando os níveis de luz são muito baixos é que nossas pupilas se dilatam. E quando elas efetivamente dilatam é que de fato começamos a sentir a luz, quase a tocá-la (TURRELL, 2000, p. 2). Em concordância à James Turrell, Juhani Pallasmaa, em “Os Olhos da Pele”, aponta o quão a escuridão, quase ou total, é importante para a percepção estar mais aguçada e menos distraída, do que se o ambiente estivesse excessivamente iluminado:


A imaginação e a fantasia são estimuladas pela luz fraca e pelas sombras. Para que possamos pensar com clareza, a precisão da visão tem de ser reprimida, pois as ideias viajam longe quando nosso olhar fica distraído e não focado. A luz forte e homogênea paralisa a imaginação. (PALLASMAA, p. 43)

E ainda acrescenta, relacionando com o tato:

mais do que uma máquina apta a produzir certas reações humanas predeterminadas (ZEVI, 2000, p. 161).

Após esta citação, ele transcorre uma lista de elementos simbólicos da arquitetura e as sensações que causam, como a linha horizontal, que dá o sentido de racional e intelectual por ser paralela à terra; o cubo que representa a segurança e a integridade por suas dimensões serem todas iguais; entre vários outros.

O olho é o órgão da distância e da separação, enquanto o tato é o sentido da proximidade, intimidade e afeição. O olho analisa, controla e investiga, ao passo que o toque aproxima e acaricia. (...) As sombras profundas e a escuridão são essenciais, pois elas reduzem a precisão da visão, tornam a profundidade e a distância ambíguas e convidam a visão periférica inconsciente e a fantasia tátil (PALLASMAA, 2012, p. 44).

Logo, a luz tende a estar ausente experimental e emocionalmente até que seja contida pelo espaço, concretizada pela matéria que ela ilumina, ou transformada em substância ou ar colorido por meio de uma matéria mediadora, como neblina, bruma, fumaça, neve ou geada (PALLASMAA, 2018). A audição também é analisada por Pallasmaa: Os ouvidos escaneiam os limites do espaço e determinam sua escala, sua forma e sua materialidade; os ouvidos tocam as paredes. (...) O poder da audição em criar uma sensação do espaço pode ser imediato e inesperado (PALLASMAA, 2017, p.51).

Visto a outro ponto de vista, o arquiteto Bruno Zevi, em “Saber Ver Arquitetura”, cita os tipos de interpretação arquitetônica existentes, cujas fisiopsicológicas são interessantes pela explicação da teoria do Einfühlung: (A teoria do Einfühlung) segundo a qual a emoção artística consiste na identificação do espectador com as formas, e por isso no fato de a arquitetura transcrever os estados de espírito nas formas da construção, humanizando-as e animando-as. Olhando as formas arquitetônicas, nós vibramos em simpatia simbólica com elas, porque suscitam reações em nosso corpo e espírito. Partindo dessas considerações, a simpatia simbolista tentou reduzir a arte a uma ciência: um edifício não seria 19


III. Memória O Brasil é um país riquíssimo em diversidade étnica e, por consequência, na cultura e na história. Possui milhares de patrimônios materiais, como monumentos e sítios históricos, e imateriais, como qualquer tipo de manifestação transmitida oral ou gestualmente, de ancestrais para descendentes, em um ciclo de inúmeras gerações, criando-se uma memória coletiva. Uma vez recebida a manifestação e a memória, são recriadas coletivamente e modificadas ao longo do tempo. . MEMÓRIA INDIVIDUAL E COLETIVA A memória individual não é simplesmente uma capacidade mental e, sim, envolve o corpo inteiro. As memórias não permanecem escondidas somente nos secretos processadores eletroquímicos do cérebro: elas também são armazenadas no esqueleto, músculos e pele. Todos os sentidos e órgãos pensam e lembram. (PALLASMAA, 2018, p. 26).

No site do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão que gerencia e fiscaliza a preservação destes patrimônios em escala nacional, há um artigo da historiadora Natália Guerra Brayner, em que compara a identidade de uma pessoa com a memória coletiva de um povo: A identidade de uma pessoa é formada com base em muitos fatores: sua história de vida, a história de sua família, o lugar de onde veio e onde mora, o jeito como cria seus filhos, fala e se expressa, enfim, tudo aquilo que a torna única e diferente das demais (BAYNER, 2012, p. 7).

Em outras palavras, “durante sua vida, as pessoas constroem suas identidades ao se relacionarem umas com as outras em diferentes contextos e situações” (BAYNER, 2012), e compara em escala comunitária: As pessoas de cada grupo social compartilham histórias e memórias coletivas, (...) estão ligadas por um passado comum e por uma mesma língua, por costumes, crenças e saberes comuns, coletivamente partilhados. A cultura e a memória são 20

elementos que fazem com que as pessoas se identifiquem umas com as outras, ou seja, reconheçam que têm e partilham vários traços em comum. Nesse sentido, pode-se falar da identidade cultural de um grupo social (BAYNER, 2012, p. 8).

Logo, a autora relaciona a memória individual e a coletiva, como são interdependentes e juntas formam a identidade de um local, de uma comunidade, que provável que esteja unida por conta destas memórias compartilhadas do que a um senso inato de solidariedade. Esta relação também foi abordada por Maurice Halbwachs, que reforça em seu livro “Memória Coletiva” a importância da construção harmônica coletivamente e individualmente da memória: Memória coletiva é uma corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade nada artificial já que retém do passado somente aquilo que está vivo ou é capaz de viver na consciência de um grupo que a mantém (HALBWACHS, 1990, p. 81 e 82).

E critica quando o grupo perde esta consciência e impõe as memórias individuais acima da coletiva: Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum (HALBWACHS, 1990, p. 34).

Em outras palavras, a memória coletiva deve sempre permanecer viva e transmitida de geração para geração em um ciclo. A memória individual é a comprovação do compartilhamento de uma vivência em conjunto, uma parte desta memória coletiva. Para que esta seja reconhecida na história e reconstruída, segundo o autor, o indivíduo não deveria romper com o clico, deixar de lado seus costumes e/ou tradições, pois, assim, seu depoimento perderia valor e a memória morreria, tanto a individual como a coletiva. Assim como Maurice Halbwachs, Pierre Nora discute a diferença entre a memória e a história, e como a primeira defasou-se com o passar dos anos, em um


mundo global onde costumes, crenças e tradições perderam valores: a memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadeira missão é destruí-la (NORA, 1993). Discorre mais sobre esta diferença em “Entre Memória e História: A problemática dos lugares”: A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história uma representação do passado. (...) A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. (NORA, 1993, p. 9).

E ainda: Aceleração da história. (...) uma ocilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção global de qualquer coisa como desaparecida – uma ruptura de equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou vivido no calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição do ancestral, sob o impulso de um sentimento histórico profundo. A ascensão à consciência de si mesmo sob o signo do terminado. (...) Fala-se tanto de memória porque ela não existe mais (NORA, 1993, p. 1).

. PATRIMÔNIO HISTÓRICO MATERIAL (LUGAR DE MEMÓRIA) A curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este momento particular da nossa história [a globalização]. Momento de articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória porque não há mais meios de memória (NORA, 1993, p. 7).

Acima, Pierre Nora critica os lugares de memórias e como são interpretados atualmente, em um mundo padronizado sem memória e apressado. Afirma que a consciência de manter as memórias coletivas vivas pela sociedade é fun-

damental para que estes lugares consigam fazer seu papel de representar esta. São apenas os instrumentos de intermédio entre a memória e a população. Nora discorre o lugar de memória ideal: São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente. Mesmo um lugar com aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. (...) Os três aspectos coexistem sempre. É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante, ao mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por um pequeno número uma maioria que deles não participou (NORA, 1993, p. 21 e 22).

Deve haver um equilíbrio entre estes três aspectos. Além disso, há diferentes tipos de arquitetura em relação à memória: um que não consegue resgatar ou tocar o passado e outro que evoca um senso de profundidade e continuidade sem qualquer referência formal. Independentemente, todos devem estabelecer um diálogo respeitoso com o passado, tanto distante quanto imediato: ao mesmo tempo que a obra se impõe como um projeto único, ela também revive e revitaliza o passado (PALLASMAA, 2018). Para Juhani Pallasmaa, estas construções podem tanto provocar a memória quanto a imaginação: A edificações atuais servem como importantes mecanismos da memória: (...) elas materializam e preservam a passagem do tempo e a tornam visível (...) e elas nos estimulam e inspiram a recordar como a imaginar. Memória e fantasia, recordação e imaginação, são relacionadas entre si, e as relações sempre têm conteúdo situacional específico. Aquele que não consegue se lembrar, tem muita dificuldade para imaginar, pois a memória é o solo da imaginação. A memória também é o terreno da identidade pessoal: somos o que lembramos (PALLASMAA, 2018, p. 16-17).

21


Portanto, para ele, estes lugares evocam memórias e sensações, como pesar, êxtase, melancolia, felicidade, medo ou esperança, mantendo as percepções de duração e profundidades temporais: Não temos como conceber ou lembrar o tempo como uma mera dimensão física; podemos apenas compreender o tempo por meio de suas realizações, mediante os vestígios, lugares e eventos da ocorrência temporal (PALLASMAA, 2018, p. 17).

E ainda: As edificações e seus vestígios, os patrimônios históricos, são ruínas que estimulam a pensar nas vidas que já desapareceram e a imaginar o destino de seus ocupantes falecidos, têm um poder especial de evocar e emocionar (...) e imaginar. A incompletude e a fragmentação possuem um poder evocativo especial. Estes fragmentos isolados bastam para fazer surgir a experiência de um ambiente construído completo (PALLASMAA, 2018, p. 19).

Pode-se concluir que: os lugares de memória materializam fatos históricos e evocam sensações em quem os visita, acionando tanto a imaginação quanto a memória (como Pallasmaa defende), porém para de fato a memória permaneça viva, deve-se entender que ela pura, já morreu mas, com a história associada ao que restou dela (Pierre Nora), chega-se à identidade pessoal e coletiva do local. Deve ser um processo construtivo dos cidadãos, através de debates e conscientizações. E, não utilizar os edifícios históricos como a única fonte da memória. . PATRIMÔNIO HISTÓRICO IMATERIAL Por definição da UNESCO, o patrimônio imaterial são as memórias coletivas compartilhadas entre um grupo social específico, desde tradições, rituais, expressões de vida, até sentimentos em comum exprimidos em determinada época vivida por este grupo. É particularmente vulnerável, uma vez que está em 22

constante mutação e multiplicação de seus portadores, apesar de manter um senso de identidade e continuidade. No artigo de Marli Lopes da Costa e Ricardo Vieiralves de Castro, há análises de diversos autores com relação a definição de patrimônio e memória, e explicam o porquê são assuntos tão discutidos atualmente. Nesta reflexão, citam M. J. Pinheiro, que “Houve uma mudança de percepção temporal a partir da década de 1980, quando o Ocidente passou a atribuir maior valor ao passado expressado pelo desejo de recordação total” (Pinheiro, 2004, citado por Costa e Castro, 2008). E ainda, aponta os tipos de situações em que há a necessidade da recordação: A primeira seria uma tentativa de recuperar as possibilidades não realizadas como propiciadoras de um futuro mais atraente; em segundo, a volta de passados não resolvidos, sem luto, ligados a processos políticos dolorosos; a terceira seria uma tentativa de reinterpretar o passado, representando uma desfiguração da memória; a quarta seria motivada pela conscientização do homem de seu atual poder de interferir na mortalidade da natureza (Pinheiro, 2004, citado por Costa e Castro, 2008, p. 125 e 126).

Ou seja, em todas as opções, é a necessidade do homem de voltar e analisar o passado, compreendê-lo, não repetindo os erros e multiplicando os acertos e, assim, achar uma identidade própria atual, pois é “do vínculo com o passado que se extrai a força para a formação de identidade” (Bosi, 2003, citado por Costa e Castro, 2008). Surgem outras questões no artigo sobre patrimônio imaterial: Como registrar os bens imateriais escolhendo apenas alguns bens simbólicos a eles associados, sem engessar seus conteúdos, as sensações, os sentimentos e emoções tão necessários à preservação dessa cultura imaterial e sem fazer com que esses costumes tradições, formas de fazer e saber se fixem e percam o potencial de reconstrução no presente? É possível dar continuidade a um fazer, um saber ou um modo de viver sem cair no erro de se impor sobre a dinâmica própria que essas


comunidades ou grupos possuem quanto à continuidade, manutenção e preservação de suas tradições e costumes? (Costa e Castro, 2008, p. 126).

partir de “políticas de preservação”, além de ser frequentada e discutida pelo grupo social, para que não seja esquecida, degradada ou destruída. Sobre esta conservação:

E, em seguida, a resposta: Como salienta Oliveira (2003), para além de um sentido estático que por vezes, ou por vício ou mesmo por ingenuidade, caracteriza o patrimônio, deve-se se pensar este como um espaço em que se constituem práticas sociais, cujas relações são a um só tempo, complexas, dinâmicas e dependentes daqueles que nelas se envolvem. Segundo a autora, a polivalência dos espaços cria campos possíveis de práticas sociais diversas, “os lugares nada significam se não levarmos em conta os agentes a que estas instituições estão sujeitas”. Talvez, se partíssemos dessa concepção, sua preservação se daria em função da preservação das diversas possibilidades de interpretá-lo e nesta formulação, o material gera o imaterial, num processo circular e retroalimentado, sendo na prática impossível haver qualquer separação entre esses elementos. (Oliveira, 2003, citado por Costa e Castro, 2008, p. 126).

Logo, concluindo o pensamento no item anterior sobre Patrimônio Material e deste: os lugares de memória ou patrimônios históricos materiais têm a função de abrigar suas memórias respectivas e, não de mantê-las vivas. Esta função é para o grupo social cujas memórias os representam ou afetam de certa forma. “O material gera o imaterial”, ou seja, a preservação do material proporcionará práticas e encontros sociais imateriais, reconhecendo o vínculo entre a identidade social e o espaço da cidade.

. MEMÓRIA POLÍTICA, SILÊNCIO E ESQUECIMENTO

- Política da Memória:

A memória social ser reconhecida como patrimônio, ser conservada a

Trata-se, em verdade, de prática social que pode ser identificada nas famílias, nos grupos religiosos, nos grupos étnicos e profissionais, nos partidos políticos, nas instituições públicas e privadas, e de modo particular, nos museus (...) Se aquilo que se preserva é considerado como suporte de informação e como alguma coisa passível de ser utilizada para transmitir (ou ensinar) algo a alguém, pode-se falar em documento e memória (...) em política de memória (CHAGAS, 2009, p. 160).

- Memórica Política: É a ação política, não necessariamente partidária, que faz coincidirem memória, identidade e representação nacional, confundindo identidade com pertencimento e operando no sentido de transformar “uma” representação nacional “na” marca expressiva nacional, “uma” representação de memória “em” memória, como se o nacional e a memória pudessem ser enquadrados e fixados (CHAGAS, 2009, p. 136).

Onde há poder, há resistência, há memória e há esquecimento. O caráter seletivo da memória implica o reconhecimento de sua vulnerabilidade à ação política de eleger, reeleger, subtrair, adicionar, excluir e incluir fragmentos no campo memorável, ou seja, manipulação de informação do que será dito e ouvido. Ao se tratar de memória política, pode-se dizer que é relativa e notável, a intervenção dos juízos de valor. O sujeito não se contenta em narrar como testemunha histórica ‘neutra’. Ele quer também julgar, marcando bem o lado em que estava naquela altura da história, e reafirmando sua posição ou matizando-a (BOSI, 1998). Em sua definição: A memória política, ao ser invocada, não reconstitui o tempo passado, mas faz dele uma leitura, banhada nas experiências objetivas e subjetivas daquele que lembra. (...) Por mais na23


tural que possa parecer, essa memória é construção que se atualiza no presente e projeta-se no futuro (CHAGAS, 2009, p. 138).

Logo, todas as experiências retratadas por um indivíduo nunca serão totalmente verdadeiras, vão ser baseadas em suas ideologias (que pode ter mudado desde o período da lembrança até o presente), partidárias ou não, suas crenças pessoais e, até ser modificada, por indução de informação dada externamente.

nova imagem, nas novas interpretações de seu passado individual e no de sua organização (POLLACK, 1989, p. 10).

Dito anteriormente os pensamentos de Maurice Halbwachs, seu ponto de vista sobre memória individual e coletiva, e dito sobre memória política, Michael Pollak aponta os pontos negativos deste, em “Memória, Esquecimento, Silêncio”: Halbwachs, longe de ver nessa memória coletiva uma imposição, uma forma específica de denominação ou violência simbólica, acentua as funções positivas desempenhadas pela memória comum, a saber, de reforçar a coesão social, não pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo (...) Em vários momentos, Maurice Halbwachs insinua não apenas a seletividade de toda a memória, mas também um processo de “negociação” para conciliar memória coletiva e memórias individuais (POLLACK, 1989, p. 3 e 4).

E a transmissão desta memória não é somente oralmente, em histórias e relatos, e sim, em documentos – como livros, revistas, jornais, filmes, discos, fotografias etc. Parece claro que a transmissão de memória política, ao valer-se de documentos, no sentido mais amplo do vocábulo, tem também uma intenção pedagógica, um desejo de articulação entre os que foram e os que vieram depois, uma vontade de formar e produzir continuidades. Lançando mão de múltiplas fontes documentais, os grupos políticos e sociais recorrem ao passado pela via da memória, não tanto para remonta-lo, mas sim para reconta-lo, reinterpreta-lo e conferindo-lhe atualidade (CHAGAS, 2009, p. 138 e 139).

Em outras palavras, os experientes, que viveram outrora, acreditam que se contar aos não-experientes do presente suas memórias reinterpretadas da sua visão da verdade, irá ensinar e doutriná-los. Isto acontece conscientemente ou inconscientemente. Os grupos políticos, como sindicatos e partidos, também podem modificar seus testemunhos, sua imagem e suas ideologias, conforme seus interesses. Toda organização política veicula seu próprio passado e a imagem que ela forjou para sim mesma. Ela não pode mudar de direção e de imagem brutalmente a não ser sob risco de tensões difíceis de dominar, de cisões e mesmo de seu desaparecimento, se os aderentes não puderem mais se reconhecer na 24

- Silêncio e squecimento:

E cita Halbwachs: “Para que nossa memória se beneficie da dos outros, não basta que eles nos tragam seus testemunhos: é preciso também que ela não tenha deixado de concordar com suas memórias e que haja suficientes pontos de contato entre ela e as outras para que a lembrança que os outros nos trazem possam ser reconstruída sobre uma base comum” (HALBWACHS, 1968, p. 4, citado por POLLACK, 1989, p. 4).

Portanto, não é considerada memória coletiva, a composição de memórias individuais distintas e únicas, com suas similaridades e diferenças e, sim há uma pré-seleção e somente as semelhantes entre si que são consideradas como memória coletiva. Porém a problemática é: quem decide se uma certa memória individual é ou não coerente com às do grupo? À esta questão, Pollack responde: Numa perspectiva construtivista, não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidifi-


cados e dotados de duração e estabilidade. Aplicada à memória coletiva, essa abordagem irá se interessar, portanto, pelos processos e atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias (POLLACK, 1989, p. 4).

E ainda:

dido sobre uma questão tão grave, ou até mesmo de reforçar a consciência tranquila e a propensão ao esquecimento dos antigos carrascos, não seria melhor se abster de falar? (POLLACK, 1989, p. 6)

O silêncio tem razões bastante complexas, muitas vezes revisitar a memória de trauma é psicologicamente doloroso e, como muitas vezes o registro não vale a pena, as pessoas privam-se e optam por esquecer. Assim, a memória esfacela-se:

Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à “memória oficial”, no caso a memória nacional. Num primeiro momento, essa abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados uma regra metodológica e reabilita a periferia e a marginalidade. Ao contrário de Maurice Halbwachs, ela acentua o caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva nacional (POLLACK, 1989, p. 4).

Logo, culturas de camadas da sociedade são silenciadas e suas memórias, julgadas não--importantes ao registro da memória oficial nacional (“subterrâneas”), essa subversão além de injusta, em momentos, é difícil de ser concedida: Por outro lado, essas memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados. A memória entra em disputa (POLLACK, 1989, p. 4).

Assim dito, em momentos da História de uma nação em que envolve opressão e violência em escala nacional – seja em guerras civis e mundiais, seja em ditaduras e golpes – por conseguinte, em que haja muitas situações de dor e traumáticas em toda a sociedade, o silêncio e esquecimento é maior ainda. O silêncio parece se impor a todos aqueles que querem evitar culpas as vítimas. E algumas vítimas, que compartilham essa mesma lembrança “comprometedora”, preferem elas também, guardar silêncio. Em lugar de se arriscar a um mal-enten-

Essas lembranças proibidas, indizíveis ou vergonhosas são zelosamente guardadas em estruturas de comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante. Por conseguinte, existem nas lembranças de uns e de outros zonas de sombra, silêncios, “não-ditos”. As fronteiras desses silêncios e “não-ditos” com o esquecimento definitivo e o reprimido inconsciente não são evidentemente estanques e estão em perpétuo descolamento. (...) É moldada pela angústia de não encontrar um escuta, de ser punido por aquilo que se diz, ou, ao menos, de se expor a mal-entendidos (POLLACK, 1989, p. 6).

E estes mal-entendidos são mais propícios de serem acusados os considerados marginais e excluídos da sociedade e, isto é decidido pelo grupo “dominante”: A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa, (...) uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor (POLLACK, 1989, p. 7).

Além disso, Pollack explica: Distinguir entre conjunturas favoráveis ou desfavoráveis às memórias marginalizadas é de saída reconhecer a que ponto o presente colore o passado. (...) Sobretudo a lembrança de guerras ou de grandes convulsões internas remete sempre ao presente, deformando e reinterpretando o passado. As25


sim também, há uma permanente interação entre o vivido e o aprendido, o vivido e o transmitido (POLLACK, 1989, p. 7).

Esse trabalho de controle da imagem da associação (ou enquadramento da memória) implica uma oposição forte entre o “subjetivo” e o “objetivo”, entre a reconstrução de fatos e as reações e sentimentos pessoais. A escolha das testemunhas (...) é percebida como tanto mais importante quanto a inevitável diversidade dos testemunhos corre o risco de ser percebida como prova de inautenticidade de todos os relatos (...) é preciso portanto escolher testemunhas

Ou seja, as histórias dos excluídos é dita por eles, na perspectiva dos “dominantes”, esses não têm a voz para dizer ou não dizer suas memórias e experiências. O poder de culpar é uma linha tênue que os “dominantes” possuem, dependendo da situação do presente, se lhe convêm ou não culpar tal grupo, e a resposta sempre deve ser favorável aos seus interesses. Porém, logo quando há oportunidade os marginalizados possuem do espaço público para reivindicarem sua voz:

O problema que se coloca a longo prazo para as memórias clandestinas e inaudíveis é o de sua transmissão intacta até o dia em que elas possam aproveitar uma ocasião para invadir o espaço público e passar do “não-dito” à contestação e à reivindicação; o problema de toda memória oficial é o de sua credibilidade, de sua aceitação e também de sua organização. Para que emerja nos discursos políticos um fundo comum de referências que possam constituir uma memória nacional, um intenso trabalho de organização é indispensável para superar a simples “montagem” ideológica, por definição precária e frágil (POLLACK, 1989, p. 9).

Por isso, em toda a história das nações, houve manifestações e greves em espaços públicos, pois sempre haverá uma parcela insatisfeita e, ironicamente, que forçam para serem ouvidos onde são predominantemente inaudíveis. Atualmente, por mais que haja um enraizamento deste pensamento de exclusão, a conscientização e o monitoramento estão espalhando-se. A cada dia que passa, mais grupos sociais lutam por sua voz de fala e pelo respeito e aceitação de suas memórias. Além de manifestações públicas, Michael Pollack apresenta soluções a estas memórias inaudíveis para que sejam inseridas na memória nacional a longo prazo, e que tenham a visibilidade que merecem: a primeira, recolher e selecionar testemunhas sóbrias e confiáveis, sem misturar seus julgamentos pessoais do fato em si; a segunda, publicar seu conteúdo em institutos públicos onde a população possa acessar e ter conhecimento. Pollak explica a primeira: 26

sóbrias e confiáveis aos olhos dos dirigentes, e evitar que “mitômanos que nós também temos” tomem publicamente a palavra (POLLACK, 1989, p. 10). Logo, os indivíduos sendo objetivos com seus testemunhos, o levantamento de dados do fato histórico não será adulterado por conta de divergências pessoais e as informações públicas serão apresentadas “neutras”. Já a segunda solução: Além de uma produção de discursos organizados em torno de acontecimentos e de grandes personagens, os rastros desse trabalho de enquadramento são os objetos materiais: monumentos, museus, bibliotecas etc. A memória é assim guardada e solidificada nas pedras (...) quando vemos esses pontos de referência de uma época longínqua, frequentemente os integramos e nossos próprios sentimentos de filiação e de origem, de modo que certos elementos são progressivamente integrados num fundo cultural comum a toda a humanidade (POLLACK, 1989, p. 10).

Se todas essas memórias não-ditas fossem apresentadas em instituições públicas e patrimônios históricos (lugares de memória), assim a longo prazo, a população tomaria como referência histórica de seu passado e aceitaria. Além destas soluções, Pollack cita que o cérebro humano, quando em situação de grande dor e trauma, tende a esquecer os fatos objetivos, como datas e localidades, mas sim, as exatas emoções sentidas, e não são lembradas só pelo cérebro, mas pelo corpo todo. Nas lembranças mais próximas, aquelas de que guardamos recordações pessoais, os pontos de referência geralmente apresentados nas discussões são de ordem sensorial: o barulho, os cheiros, as cores (POLLACK, 1989, p. 11).

Com esta perspectiva, os lugares de memória que captarem as emoções e as sensações sensoriais vividas em determinado período histórico, além dos


dados, farão com que a população sinta empatia, imagine, compreenda e respeite. Com todas as memórias coletivas aceitas na da nacional, será um fator fundamental para a perenidade do tecido social e das estruturas institucionais de uma sociedade.

Em conclusão: Assim, o denominador comum de todas essas memórias, mas também as tensões entre elas, intervêm na definição do consenso social e dos conflitos num determinado momento conjuntural. Mas nenhum grupo social, nenhuma instituição, por mais estáveis e sólidos que possam parecer, têm sua perenidade assegurada. Sua memória, contudo, pode sobreviver a seu desaparecimento, assumindo em geral a forma de um mito que, por não poder se ancorar na realidade política do momento, alimenta-se de referências culturais, literárias ou religiosas. O passado longínquo pode então se tornar promessa de futuro e, às vezes, desafio lançado à ordem estabelecida (POLLACK, 1989, p. 11).

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contexto histรณrico


I. o ciclo vicioso

II. a ditadura militar: a linha do tempo

A história da República brasileira é conhecida pelas inúmeras tentativas de golpes militares, sendo que, em vários casos, foram bem-sucedidos pela atuação de vários setores do Exército, que, ao se sentirem ameaçados ou insatisfeitos, desrespeitaram as instituições democráticas representativas e interviram à força, assumindo o governo temporariamente ou não. Os golpes mais significativos na história do país, foram: o de Marechal Deodoro da Fonseca em 1889, impondo governo constitucional sob o imperial, porém com total poder ao presidente; o de Getúlio Vargas, em 1937, instituindo o Estado Novo, que redigiu-se uma nova constituição inspirada por itens das constituições fascistas, dava a Vargas o direito de intervir nos poderes Legislativo e Judiciário. E, em destaque neste trabalho, o Golpe de 1964 que iniciou o regime ditatorial dos militares até 1984. Com apoio dos Estados Unidos, por suspeitas de que o Brasil se tornasse comunista, interveio no governo brasileiro de modo que fortaleceu os políticos direitistas e enfraqueceu o apoio de João Goulart, na época, presidente. Assim, entre diversas situações, este acabou deposto às forças e os militares assumiram o poder, instituindo, conforme em diante, diversos atos institucionais e decretos, até alterarem a constituição em 1967.

legenda dos fatos: ano

fatos cronológicos

- política, social e economia no Brasil - sistema repressor na ditadura - cultura no Brasil - mundial

fotos da repressão

fotos da resistência

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O jogo da democracia de Ziraldo Revista “Pif-Paf” n.2, junho de 1964. Fonte: Acervo Millôr Fernandes IMS



1960 antecedentes ao golpe

- Inauguração de Brasília; - Alta inflação: descontrole econômico - EUA infiltra-se no governo brasileiro; - Revolução Cubana: Fidel Castro e Che Guevara no poder de Cuba.

1961

- Fim da presidência de JK. - Jânio Quadros assume e logo renuncia no mesmo ano. - Assume seu vice, João Goulart (partido PTB) - Muro de Berlim

1963

- “Revolta dos Sargentos”: aumenta a oposição de Jango - Martin Luther King: “I have a dream” - John F. Kennedy morre, Lyndon Johnson assume.

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1964 golpe militar

- “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” contra o governo de João Goulart - Operação Popeye: tropas do general Mourão Filho rumo ao Rio de Janeiro - João Goulart é deposto, oficializado o golpe - Operação Brother Sam: ajuda naval da Marinha dos EUA para pressionar o Jango a ser deposto - General Castello Branco na presidência (partido ARENA): início do regime militar - Criada a AI-1 e o Serviço Nacional de Informação (SNI), que comandaria o DOI-Codi, - Extinta a UNE (União Nacional de Estudantes): despolitizar os jovens universitários. Apesar de ilegal, continuou ativa - Pif-Paf, revista dirigida por Millôr Fernandes, é lançada. - Estreia do show Opinião, musical como resistência cultural - Golpe militar na Bolívia 33


Nesta página, em sentido horário: . Tropas na Operação Popeye Fonte: Memórias da Ditadura . Porta-aviões da Marinha americana na Operação Brother Sam Fonte:US Navy Archive . Marcha da Família com Deus pela Liberdade, Fonte: Folha Imagem Na página ao lado, em sentido horário: . Deposição de João Goulart Fonte: Acervo Última Hora . Matéria da insturação dos primeiros atos constitucionais Fonte: Memórias da Ditadura . Tomada do forte de Copacabana durante o golpe Fonte: Evandro Teixeira . Castello Brancojá presidente é recebidos por soladados Fonte: Folha Imagens



Revista “Pif-Paf”, nº 2, p.15 e 21, de 1964, Rio de Janeiro. Millôr Fernandes. Fonte: Acervo Millôr Fernandes IMS


“Podem me prender, Podem me bater Podem até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não.” Versos de ‘Opinião’, samba de Zé Keli imagem ao fundo: Show “Opinião” no Rio de Janeiro, com Nara Leão, Zé Keti e João do Vale Fonte: Iconographia/Memorial da Resistência


1965

-Criada a AI-2 (extinção dos partidos políticos) e AC-4 (bipartidarismo entre ARENA e MDB) -Suspensas as eleições diretas

1966

-Estouram greves de estudantes apesar da repressão - Criado o AI-3 e AI-4 - Nasce o MPB (Música Popular Brasileira) televisionada por festivais na Record -Golpe militar na Argentina

1967

- Falece Castello Branco e Artur da Costa e Silva na presidência (partido ARENA) - Constituição de 1967: Lei de Imprensa, censura a liberdade de expressão - Início do “Milagre econômico”

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1968 anos de chumbo

- Criado o AI-5: todo tipo de manifestação passa a ser reprimida - Estudante Edson Luís morto pela Polícia Militar: provoca maior resistência - “Passeata dos 100 Mil”: a maior manifestação pós-golpe - Álbum “Tropicália” é lançado: crítica do nacionalismo da MPB - Depredação da peça Roda Viva e do Teatro Galpão por membros do CCC (Comando de Caça aos Comunistas)

1969

- Costa e Silva doente, Emílio Médici (partido ARENA) é eleito indiretamente; - Instala-se a Lei de Segurança Nacional: pena de morte, prisão perpétua, expulsão e banimento; - Criada a Operação Bandeirante (Oban), junto ao 36º Departamento Policial de São Paulo: repressão da oposição não-oficial - Assassinato do líder da Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella - Primeiro número do jornal “O Pasquim”: humor político que luta contra o regime 39


Nesta página, em sentido horário: . Castello Branco passa tropa da Lei de Segurança Nacional em revista, em 1967 Fonte: Iconographia . Confronto em manifestação entre polícia e estudantes, em 1968 Fonte: Evandro Teixeira . Costa e Silva em visita a Rio Grande do Sul, em 1968 Fonte: Assis Hoffmann


Nesta página, em sentido horário: . Criação do partido militar, ARENA, em 1966 Fonte: CPDoc JB . Poster com imagens dos agentes do CCC (Comando Caça aos Comunistas) pós-destruição de teatros e universidades Fonte: Memórias da Ditadura . Agressão policial na Passeata dos 100 Mil, em 1968 Fonte: Evandro Teixeira


“A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá” Versos de Roda viva, de Chico Buarque, canção premiada no Festival de Música da TV Record

Nesta página, em sentido horário: . Passeata dos Cem Mil, em 1968 Fonte: Memória da Ditadura . Capa do primeiro álbum da Tropicalia, em 1968 Fonte: Memórias da Ditadura . Intelectuais promovem manifestação contra a ditadura, em 1968 Fonte: Acervo Última Hora


Nesta pรกgina, em sentido horรกrio: . Jornalistas protestam com a Lei de Imprensa, 1967 Fonte: Iconographia . Charge de Fortuna satirizando a censura nos jornais, em 1967 Fonte: Memorial da Democracia . Durante Passeata dos Cem Mil, esudante picha no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1968 Fonte: Kaoru/ CPDoc


1970

- Sequestro do embaixador suíço em visita ao Brasil, Giovanni Enrico Bucher, e do embaixador da República Federal da Alemanha, Ehrenfried von Holleben, pela esquerdista ALN - É criado os Destacamento de Operações e de Informações (DOI) e os Centros de Operações de Defesa Interna (Codi) em todo o Brasil - Em São Paulo, substitui-se a Oban, os agentes ficam especializados em tortura - Brasil tricampeão;

1971

- Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Henning Albert Boilesen, responsável pelo financiamento do DOI-Codi/SP, é morto por grupos de luta armada - Início de regime militar ditatorial, inspirado no Brasil, na Bolívia

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1972

- Operação Condor: governos militares da América do Sul condenam ações de repressão - Lei Anistia Internacional: Relatório com relação de nomes de torturadores e torturados no Brasil, é vetado sua publicação na imprensa brasileira - As Forças Armadas iniciam combate à guerrilha do Araguaia: resistência esquerda é dizimada

1973

- Fim do “milagre econômico”: primeiro choque do petróleo, crescimento do PIB de 14%, o maior já visto - Início de regimes militares ditatoriais, inspirados no Brasil, no Uruguai e no Chile.

1974

- Escolhido por Médici, Ernesto Geisel na presidência (partido ARENA) - Censura prévia de rádio e televisão. Permitida propaganda eleitoral. - A economia brasileira sofre com a crise do petróleo. - O partido da oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), elege políticos em 22 estados - DOI-CODI/SP: Carlos Alberto Brilhante Ustra é substituído pelo general Ednardo d’Ávilla Mello no comando do local. 45


Nesta página, em sentido horário: . Estudante é carregado por oficiais do exército após confronto em manifestação, em 1970 Fonte: Evandro Teixeira . Pátio do quartel da Polícia do Exército que abrigou o DOI-Codi carioca Fonte: Karuo/ Memorial da Democracia . Trecho em obra da Transatlântica, rodovia planejada de ir do Piauí ao Acre Fonte: Heraldo / Memorial da Democracia Na página ao lado, em sentido horário: . Soldados da ação repressiva das Forças Armadas na região do Araguaia Fonte: Fundação Mauricio Grabois . Jornal “Opinião” aplicou tarja preta em página para explicitar a censura de matéria sobre sucessão presidencial, em 1973 Fonte: Memorial da Democracia . Geisel durante a sua posse na presidência, em 1974 Fonte: Imagem Manoel Pires / Folhapress



“Hoje você é quem manda Falou, tá falado, não tem discussão A minha gente hoje anda Falando de lado e olhando pro chão Você que inventou esse estado Inventou de inventar toda escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar o perdão Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...” Trecho da música “Apesar de Você” de Chico Buarque, que virou hino da resistência logo no seu lançamento


Nesta página, em sentido horário: . O corpo de Henning Albert Boilesen, funcionário do DOI-Codi/SP, morto por um comando guerrilheiro, em 1971 Fonte Estadao Imagem . Charge do Angeli, em 1972 Fonte: Memórias da Ditadura . Perua C-14 de agentes esquerditas mobilizados durante o sequestro do embaixador suíço Fonte Fundo Última Hora Na página ao lado, em sentido horário: . Soltura de presos políticos trocados pelo embaixador Bucher, pouco antes de embarcarem com destino ao Chile Fonte: Fundo Última Hora . Charge de Ziraldo no jornal alternativo “O Pasquim”, em 1971 Fonte: Memorial da Democracia


1975 início do declínio

- Regime militar começa a perder apoio até mesmo dentro das Forças Armadas. - DOI-Codi/SP: Assassinato do jornalista Vladimir Herzog: simulação de suicídio e revolta popular. - O DOI-Codi é renomeado por Setor de Operações (SOP). - Fim da Guerra do Vietnã.

1976

- Atentados anticomunistas pelos capitais do Brasil - Morrem os ex-presidentes: em JK e Jango: suspeita de estarem ligadas à Operação Condor - Assassinato do metalúrgico Manoel Fiel Filho, na dependências do SOP. - Ambas mortes (de Herzog e Manoel) causaram tanta repercussão popular que Geisel demitiu o general Ednardo D’Vila Mello do comando do II Exército. - Argentina: golpe militar instala o “terror de Estado”

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1977

- Congresso é Fechado - Pacote de Abril: eleição direta dos governadores, nomeação de senadores biônicos. - Geisel rompe o acordo militar com os EUA; -Jimmy Carter, novo presidente dos EUA, visita o Brasil e posiciona-se publicamente contra o governo brasileiro

1978

- General João Batista Figueiredo (partido PDS) é eleito presidente da República pelo colégio eleitoral; - AI-5 extinto por uma emenda constitucional. - Nova Lei de Segurança Nacional: extinção da Comissão de Investigadores e do banimento político

1979

- Greves de trabalhadores: mais de três milhões param em todo o país - Restabelecimento do pluripartidarismo - Fim do Decreto n.477 (repressão aos estudantes) - Lei da Anistia: abertura de cárceres e permissão da volta dos exilados, porém impede a punição dos agentes do Estado que violaram os direitos humanos 51


Nesta página, em sentido horário: . A simulação de suicídio de Herzog no DOI-Codi/SP, em 1975 Fonte: Silvaldo Leung/Fundo Deops Apesp . Documento do prontuario de Manoel Fiel Filho após sua morte forjada por suicídio, em 1976 Fonte: Fundo Deops . Plenario do Congresso vazio, devido à decretação do recesso parlamentar pelo Pacote de Abril em 1977 Fonte: Orlando Brito/ Ag. O Globo


Nesta página, em sentido horário: . Visita do presidente dos EUA, Jimmy Carter, e Geisel ao fundo, em 1978 Fonte: Sonja Rego . Em sua campanha, garotar recusa-se a cumprimentar João Figueiredo Fonte: Guinaldo Nicolaevsky . Posse da presidência de João Figueiredo, em 1979, sucessor de Geisel Fonte: Folhapress


“Meu Brasil! Que sonha com a volta Do irmão do Henfil. Com tanta gente que partiu Num rabo de foguete.” Trecho de “O bêbado e o equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco sobre o exílio político.

Nesta página, em sentido horário: . Charge de Angeli, em 1976 Fonte: Folha de S. Paulo . Presos politicos em greve de fome reinvindicando a Lei da Anistia, Fonte: Memórias da Ditadura . Manifestação reinvindicando a Lei da Anistia Fonte: Memórias da Ditadura


Nesta página, em sentido horário: . Cortejo fpunebre a Jango, em 1976 Fonte: Memórias da Ditadura . Charge de Angeli, 1978 Fonte: Folha de S. Paulo . Ato ecumênico em homenagem a Vladimir Herzog Fonte: Memórias da Ditadura


1980

- DOI-codi/SP: é desativado o SOP (Antigo DOI-Codi), permanecendo o 36ºDP até hoje

1981

- Atentado do Riocentro: tentativa de uma bomba durante show do Dia do Trabalhado, executada por dois militares do DOI-Codi e que acabaram morrendo: comprova que havia armações durante a Ditadura

1982

- Vitória da oposição em vários dos estados mais populosos do país - Crise da dívida externa: o governo pede ajuda ao Fundo Monetário Internacional

1983

- Greve Geral: acordo entre todas as correntes sindicais, há paralisação no país por um dia e aumenta ainda mais a pressão sobre a ditadura.

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1984

- Comícios pelas Diretas Já! reúnem milhões para reivindicar a aprovação da emenda que restabelece eleições diretas para presidente - “Estado de emergência”: o governo censura imprensa e aumenta a repressão, em resposta à votação pelo Congresso que prevê eleições diretas. Assim, não foi aprovada a Diretas Já - MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é criado: luta por Reforma Agrária

1985 volta da democracia

- Emenda Constitucional garante o retorno dos partidos comunistas à legalidade - Todas eleições são restabelecidas diretas: Início da Nova República - Tancredo Neves é eleito presidente da República pelo colégio eleitoral - Com a morte de Tancredo antes da posse, o vice José Sarney assume a presidência

1988

-5ª Constituição da República: a Constituição cidadã -A Assembleia Constituinte amplia o mandado de Sarney de 4 para 5 anos, acaba com a censura e criminaliza a torturaw

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Na página ao lado, em sentido horário: . Matéria da Folha de S. Paulo sobre a votação negativa às Diretas Já Fonte: Memórias da Ditadura . Tancredo logo após sua eleição, saúda o Congresso, em 1985 Fonte: Memorial da Democracia . Pós-Atentado do Riocentro, agentes morrem no carro por acionar a bomba antes Fonte: Memórias da Ditadura Nesta página, em sentido horário: . Eleição indireta de Tancredo é festejada sob a cúpula do Senado Federal Fonte: A. Dorgiva/Fotos Públicas . Cortejo fúnebre a Tancredo Neves Fonte: Antonio Ribeiro/Editora Abril . Posse de José Sarney, em 1985 Fonte: Memórias da Ditadura


“Quero falar de uma coisa Adivinha onde ela anda Deve estar dentro do peito Ou caminha pelo ar.” Trecho da música “Coração de estudante”, de Milton Nascimento e Wagner Tiso, virou um tipo de hino nas camapnhas das Diretas Já!


Na página ao lado, em sentido horário: . Charge de Angeli, em 1980 Fonte: Folha de S. Paulo . Grupos participam de manifestação pró-reforma agrária durante o Congresso do MST Fonte: Arquivo MST . Charge de Angeli, em 1980 Fonte: Folha de S. Paulo . Manifestação das Diretas Já, em Poto Alegre Fonte: Jornal de Comércio Nesta página, em sentido horário: . Manifestação das Diretas Já em Curitiba Fonte: Memórias da Ditadura . Cartaz de anúncio das Diretas Já em São Paulo Fonte: Centro de Documentacao e Memória Unesp . A própria manifestação na Praça da Sé Fonte: Imagem Luiz Carlos Murauskas/ Folha Imagem



Página da revista “Pif-Paf” n.8, de 27 de agosto de 1964. Fonte: Acervo Millôr Fernandes IMS


o territรณrio


I. Programa Lugares de Memória Antes de analisar o terreno e sua história, é interessante levar em conta, que a cidade é cheia de locais que possuem a mesma memória da ditadura, sendo conhecida ou não. E, de certa forma, eram codependentes ao fazerem parte de uma rede de funções dentro do regime militar.

Este livro mapeia, detalha o funcionamento destes locais e especifica a conexões entre eles. No caso do território escolhido a ser proposta a intervenção, o antigo DOI-Codi, os que estavam diretamente conectados com este eram os seguintes locais:

O Programa de Lugares da Memória (PLM) é uma iniciativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo junto à Prefeitura que busca informações, por todo o Estado de São Paulo, vestígios e conexões de lugares emblemáticos no período da ditadura militar, tanto de repressão quanto de resistência. O Projeto foi solicitado em 2007 e a implantação envolveu uma série de etapas e diferentes equipes de pesquisadores entre os anos de 2010 e 2016. Cabe sublinhar, entretanto, que as primeiras pesquisas foram realizadas ainda em 2008, durante a implantação do Memorial da Resistência, visando ao entendimento desses lugares e as possibilidades de apropriação do ponto de vista museológico. O Programa é dividido em quatro projetos: Inventário, todo o estudo documental dos lugares da repressão e resistência da época; Exposição, a que se encontra no Memorial da Resistência (antigo DEOPS) e que se tem a intenção de propor nos demais; Sinalização do Lugares, a partir de parcerias privadas e públicas; Museu de Percurso, que proporcionaria um tour de visitação a estes Lugares. Por conta de limitação orçamentária, os últimos dois projetos foram adiados. Em 2017, no 50º ano de golpe militar, lançou-se um livro publicado em parceria com a Prefeitura pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade, possui todo trabalho levantado no PLM: “Memórias Resistentes, Memórias Residentes: lugares de memória da resistência e da repressão em São Paulo durante a ditadura”.

Mapa do municópio de São Paulo com lugares de memória da ditadura Fonte: livro “Memórias Resistentes, Memórias Residentes”, 2017

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lugares de memória de repressão: 1. DOI-Codi 2. Quartel General II Exército (comandava o DOI-Codi) 3. FIESP/SP (financiou o DOI-Codi) 4. IML/SP (falsificava as certidões de óbitos dos mortos pelo DOI-Codi) 5. Auditoria da Justiça Militar (quando convocado, era o local dos julgamentos dos presos do DOI-Codi) 6. Deops/SP (como o DOI-Codi, era um órgão de repressão, trocava-se presos entre eles) 7. Presídio Tiradentes (recebia transferência dos presos do DOI-Codi, após suas informações sobre a oposição serem extraídas)

Informações tiradas do livro “Memórias Resistentes, Memórias Residentes”, 2017

entorno próximo 66


entorno imediato

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II. o antigo DOI-Codi

Isométrica do local atualmente Infografia: Fabiana Maranhão, Bruno Landim Pedersoli, Filipe Campoi e Fernando Barros. Fonte: Notícias Uol 68


. A OCUPAÇÃO DO TERRENO AO LONGO DOS ANOS O local está situado na Rua Tutóia, 971, bairro da Vila Mariana, São Paulo, próximo à Avenida 23 de Maio e ao Parque Ibirapuera. Em seu entorno há o edifício da IBM e a Igreja Nossa Senhora do Sacramento. O acesso principal é pela Tutoia, possui um acesso dos fundos, pela Rua Tomás Carvalhal, murado até hoje onde ficavam as guaritas. Na esquina entre esta e a Rua Tutoia há uma praça pública. O terreno é composto por cinco edifícios e dois pátios internos, hoje estão divididos em dois lotes (antigamente era apenas um). Ambos pertencem ao Estado de São Paulo, um sendo a sede da 36ª DP e a DECAP (Departamento de Política Judiciária da Capital), com estacionamento de carros na entrada da Rua Tutoia como no pátio interno, enquanto o outro lote, com entrada para a Rua Tomás Carvalhal, é uma oficina de carros do Departamento de Homicícios e de Proteção à Pessoa (DHPP). Com exceção do edifício da 36ª DP, os demais edifícios estão sem uso e abandonados. O auge de seu funcionamento foi em1969, após o início dos Anos de Chumbo, da instalação do AI-5 e do aumento da repressão, logo da resistência, quando foi necessário o governo tomar medidas para deter a oposição e agir de forma não-oficial e clandestina, seguindo as Diretrizes para a Política de Segurança Interna vindas de Brasília, deu-se início a Operação Bandeirante (OBAN), um plano piloto para uma política nacional de segurança pública, uma proposta inovadora, com atividades integradas entre as forças repressivas. O terreno escolhido foi sede da Oban e recebeu financiamento de empresários e políticos, além de armamento do Exército: Como não dispunha de verbas consignadas em orçamento, coube a Antônio Delfim Neto – futuro Ministro da Economia – e a Gastão Vidigal – dono do Banco Mercantil de São Paulo – reunir os representantes de grandes bancos brasileiros para pedir fundos, procedimento repetido na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) (...) no sentido de contribuírem para garantir a “paz nos negócios”. Centro aglutinador de esforços, a Operação Bandeirante, além de contar com forças policiais e militares em seus efetivos com o financiamento do

empresariado, também recebeu o apoio de autoridades políticas paulistas (JOFFILY, 2008, p.33).

Na sede da OBAN ocorriam os interrogatórios preliminares, permeados por abusos de poder, torturas e mortes, à margem da legalidade. Foi determinado que todo e qualquer indivíduo relacionado a atividades políticas suspeitas deveria ser encaminhado (sequestrado) ao local. Logo, o órgão seria responsável por centralizar as informações e encaminhar as ações apropriadas. A Operação Bandeirante, por um ano desconfigurou diversas organizações de esquerda com suas atividades: o projeto piloto foi um sucesso. Com a necessidade de aumentar o porte (de militares envolvidos e armamentos) e profissionalizar a organização interna, virou política de segurança pública nacional, em 1970. Assim, criou-se o DOI-Codi, Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, distribuindo-o em sedes pelo país: São Paulo/SP (1970), Rio de Janeiro/RJ (1970), Recife/PE (1970), Brasília/DF (1970), Curitiba/PR (1971), Belém/PA (1971), Salvador/BA (1971), Fortaleza/CE (1971) e Porto Alegre/RS (1974). Em São Paulo, o DOI-Codi foi instalado no mesmo local onde era o Oban e funcionou durante 10 anos, de 1970 a 1980, em combate a políticos e militantes esquerdistas, além de advogados e familiares destes também. Construiu-se novos edifícios com salas de torturas e interrogatórios e celas para portar mais presos, recebeu mais agentes, combustível – fornecido pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) –, mais armamento, viaturas e munição do Ministério do Exército, melhorou a comunicação, etc. Tinha conexão com o DEOPS e outros locais estratégicos de repressão – dependendo dos casos, havia troca de prisioneiros entre eles – e todos sob comando do Sistema Nacional de Informação (SNI). Todos que vinham como suspeitos eram submetidos aos “interrogatórios preliminares”: As informações obtidas por meio destes interrogatórios preliminares não tinham valor jurídico por duas razões: a primeira é justamente a ilegalidade da existência do DOI-Codi, portanto, tratava-se de informações colhidas de maneira ilegal, e em segundo, pelo método empreendido pela organização para obter tais informações. A tortura como método de obter confissão e informações foi aprimorada na OBAN (CONDEPHAAT, 69


2013, p. 22).

“Casa da vovó”, “Hotel Tutóia”, “Inferno” e “Hospital”, foram nomes dados sarcasticamente pelos agentes que trabalhavam no local. Ao todo, eram 250 militares comandados pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que respondia diretamente a SNI. As atividades internas eram divididas entre Centro de Operação de Defesa Interna (CODI), responsável pelo planejamento e organização das ações, e os Destacamento de Operação de Informações (DOI) eram responsáveis pelas capturas, averiguações e interrogatórios (JOFFILY, 2008). Além desta divisão, também existiam três equipes que trabalhavam de 24 por 48 horas. As equipes eram divididas em três seções: Busca e Apreensão; Interrogatório/investigação (momento das torturas em que atuavam alguns oficiais, militares e também civis); De Informações e Análises (equipe com alto poder de concentração e análise sobre as informações “colhidas” dos presos durante os interrogatórios).

Segundo testemunhos de ex-presos e documentos levantados no site da Comissão Nacional da Verdade, ao serem sequestrados, eram encapuzados, e logo quando entravam no complexo, os agentes recebiam-nos em um tipo de círculo sem saída e espancavam-nos no pátio interno. Em seguida, eram levados às salas de interrogatório no primeiro andar, onde também ficavam as salas de tortura e, muitas vezes, dependendo de como o detido agia no interrogatório já era torturado em seguida. Depois de horas, eram direcionados às celas no térreo. E, diariamente, eram torturados com intenções de conseguirem informações das organizações militantes. Isto quando eram os militantes presos. Quando o militante não cooperava nas respostas ou quando os parentes eram tidos como suspeitos, eram também presos no DOI-Codi. Os militantes e seus parentes ficavam separados em celas distantes, porém na hora da tortura, ficavam em salas vizinhas para, propositalmente, poder se ouvir os gritos. Isso quando não torturavam, ou até matavam, no mesmo ambiente, um de frente do outro. Inúmeros exemplos ocorreram de pais assistindo torturas de seus filhos e vice-versa, ou até de mães grávidas que dão luz nas celas e são torturadas psicologicamente de que iriam matar seus bebês, entre outras atrocidades. Foi o caso de Ivan Seixas, que foi preso aos 11 anos com seu pai, mãe e irmã, ouvia os gritos das torturas de seu pai, até que um dia foi a óbito. Em “Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante a ditadura civil-militar no DOI-Codi”, o depoimento da ex-presa Darci Miyaki, recolhido pelo Memorial da Resistência, detalha como era a rotina das torturas:

Organograma do funcionamento interno do DOI-Codi e II Exército em São Paulo. Fonte: Processo de tombamento nº 66.578/2012, Condephaat. 70

Uma coisa que era terrível, depois que você passa por aquele período de tortura, é interessante. Logo no início, a tortura era diária e praticamente sem interrupção. Você passa de uma equipe para outra. Depois passa a ser mais espaçado, se tem um pouco mais de folga. Depois é assim: quando me davam café da manhã eu pensava, puxa, agora de manhã eu não vou ser torturada. Quando não me davam almoço eu ia voltar para a tortura. E uma coisa que eles faziam que era estudar. Conforme caia um companheiro e ele estava sendo torturado, eles abriam, tinha uma porta de ferro que isolava as celas do restante lá do DOI-Codi. Eles abriam para nós ouvirmos os


gritos. Gente vocês não sabem o que significa isso. Então os pensamentos que te ocorrem é o seguinte: Você lembra do que você passou. Depois você pensa assim: Quem caiu? Será que me conhece? Será que vai falar de mim? Será que eu vou voltar para a tortura? A bem da verdade aquilo lá, o que você tem praticamente o tempo todo é medo (MIYAKI, 2014).

Portanto a tortura era considerada eficiente até certo ponto, porém era necessária. Segundo o relatório chamado “Interrogatório” feito pelo Centro de Informações do Exército (CIE), apresenta a necessidade de “métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência”. A tortura é considerada “ineficiente” por induzir o interrogado a inventar respostas. Mas segundo o fundador do CIE, Adyr Fiúza: “Não admito a tortura por sadismo ou vingança. Para obter informações, acho válida”, disse ao Estadão, em 1993. Além disso, o ato da tortura não era algo totalmente impulsivo, se o prisioneiro detinha informações valiosas era torturado até certo ponto diariamente e ficava sob cuidados de médicos, para avaliar sua resistência e garantir que pudesse continuar a ser interrogado. Além disso, o prisioneiro era tratado para reduzir danos fisicamente perceptíveis, pois se fosse apresentado a um tribunal, não deveria apresentar evidências de que foi vítima de tortura como método de confissão, por ser uma prática ilegal.

Gráfico de denúncias de torturas por ano, entre 1964 e 1977. Fonte: Brasil Nunca Mais/ Revista Superinteressante

O governo recebia denúncias incessantemente, ao todo foram 6.016 denúncias feitas por 1.843 pessoas, entre 1964 e 1977, segundo documentos oficiais. Porém nunca eram processadas a ponto de fazer uma diferença no sistema. O Estado criou artimanhas para evitar investigações possíveis, através de corrupção, associações ou mesmo ameaças: juízes e promotores preveniam denúncias, e diretores de hospitais e médicos fraudavam autos de corpo de delito e autópsias (os do DOI-Codi eram feitos no Instituto Médico Legal, na Zona Oeste de São Paulo). No livro “Brasil Nunca Mais”, de D. Paulo Evaristo e Cardeal Arns, explica-se alguns dos métodos utilizados de torturas: Pau de Arara – Consiste numa barra de ferro que é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra o joelho, sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado cerca de 20 ou 30 cm do solo. Eletrochoque – Dado por um telefone de campanha do Exército que possuí dois fios longos que são ligados ao corpo, normalmente nas partes sexuais, além dos ouvidos, dentes, língua e dedos. Pimentinha – Trata-se de uma máquina constituída de uma caixa de madeira, em cujo interior possuí um ímã permanente, no campo do qual gira um rotor combinado, de cujos terminais uma escova recolhe corrente elétrica que é conduzida através dos fios para os terminais. Afogamento – Conhecido como um dos complementos do pau-de-arara. Um pequeno tubo de borracha é introduzido na boca do torturado e passa a lançar água. Cadeira do Dragão – O torturado é obrigado a se sentar em uma cadeira, tipo barbeiro, com correias revestidas de espumas, além de outras placas de espuma que cobriam seu corpo. Seus dedos são amarrados com fios elétricos, dedos dos 71


pés e mãos, iniciando-se uma série de choques elétricos, e ao mesmo tempo outro torturador com um bastão dá choques elétricos entre as pernas e o órgão genial. Geladeira – O preso é colocado nu em um ambiente de temperatura baixíssima e dimensões reduzidas, onde poderia ter sons estridentes.

(EVARISTO e ARNS, 1985, p. 34-37)

Estes métodos foram herdados do Estado Novo (1937-1945), da polícia civil (que já torturava presos comuns no dia a dia), de técnicas britânicas (que não deixam marcas físicas) e alemãs (a Cadeira de Dragão foi utilizada no governo nazista na Segunda Guerra Mundial). Além de algumas técnicas terem sido introduzidas pelos próprios empresários que financiavam o DOI-Codi. Para transmitir esse tipo de conhecimento, no início da implantação de tortura, a comunidade de segurança chegou a promover aulas práticas nos centros repressivos – como a que o tenente Ailton Joaquim deu na Vila Militar, em 8 de outubro de 1969 (vide imagem).

tos, Medalha do Pacificador, “por ter-se distinguido no cumprimento do dever por atos pessoais de abnegação, coragem e bravura, com risco de vida”. Sob as inúmeras horas de torturas físicas e psicológicas por dia, durante semanas, estima-se que mais de oito mil pessoas foram presas, dentre elas, 50 mortas, segundo a Comissão da Verdade, por causas declaradas como suicídio, em confronto ou atropelamento, sendo que na verdade, os agentes montavam cenários, elaboravam falsos laudos periciais e certidões de óbito e buscavam ocultar a causa da morte dos corpos dilacerados, que eram enterrados em qualquer lugar. A pessoa simplesmente desaparecia. Foram descobertos três cemitérios que eram recorrentes dos agentes do DOI-Codi enterrem os corpos, em valas clandestinas, sem nomes ou com nomes alterados na lápide. São eles: o cemitério Dom Bosco (em Perus), na Zona Norte; o cemitério da Vila Formosa, na Zona Leste; e o cemitério Campo Grande, na Zona Sul. Porém ainda há muitas famílias há procura de seus parentes desaparecidos. Por mais enlouquecedor e insurportável era o dia-a-dia no DOI-Codi, os presos resistiam e ajudavam uns aos outros: a solidariedade como ato de sobrevivência e, de certa forma, de resistência. Canções para celebrar as solturas ou fortalecer a moral dos mais abatidos, cuidados com os que saíam das torturas e protestos de socorro para os que corriam risco de vida algumas das divesas formas de apoio entre os que estavam sendo interrogados e torturados. Durante o governo de Ernesto Geisel, por ser um momento político de retorno à democracia, inicia-se um processo de desativação dos aparatos repressivos montados pelo Estado. No caso do DOI-Codi de São Paulo, o grande marco desse processo é a saída do comandante do II Exército, o general Ednardo d’Ávilla Mello, removido pelo presidente após os casos de assassinato do jornalista Vladmir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, respectivamente em 1975 e 1976. Essas mortes causaram grande comoção social, gerando intensas mobilizações nas ruas.

Ilustração da suposta aula: 1- choque, 2- Cadeira do Dragão, 3- Crucificação, 4-Geladeira, 5- Telefone, 6-Pau de Arara, 7-afogamento, 8- uso de animais, 9- Palmatória, 10- produtos químicos/ Fonte: Revista Superinteressante

Os torturadores recebiam recompensas se alcançados resultados impecáveis ao sistema. Carlos Alberto Brilhante Ustra, que assumiu o DOI-Codi paulista em 1970, em menos de dois anos depois, recebeu o maior dos reconhecimen72

A desativação do DOI-Codi ocorreu em 1982, através da Portaria Interministerial nº 13-Sec. Com isso, cria-se o Setor de Operações (SOP), no mesmo local do DOI-Codi, um órgão responsável por operações de informações, e ficará ativado até 1985, no final da ditadura militar.


“Tiraram a minha roupa e me obrigaram a subir em duas latas. Conectaram fios ao meu corpo e me jogaram água com sal. Enquanto me dava choques, Ustra me batia com um cipó e gritava me pedindo informações” Gilberto Natalini médico e ex-preso.


. O PROCESSO DE TOMBAMENTO O conjunto de edifícios dentro do perímetro do antigo DOI-Codi foi tombado por dois órgãos: o municipal, CONPRESP (Resolução SC-25 de 2014), e o estadual, CONDEPHAAT (Resolução nº 10/2017). Porém, antes de detalhá-los, é importante frisar que, em 2010, antes até da Comissão da Verdade ser criada, Ivan de Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE), apoiado de outras entidades (Grupo Tortura Nunca Mais (São Paulo), Fórum dos Ex-Presos Políticos do Estado de São Paulo, Núcleo de Preservação da Memória Política e Comissão de Familiares de Presos Políticos Mortos e Desaparecidos), solicitou a abertura de estudo de tombamento no local no CONDEPHAAT.

No mesmo ano, em 25 de setembro de 2013, foi visitado o local por Deborah Neves, a historiadora responsável pelo processo, Ivan Seixas e Maurice Politi, ambos representantes da Comissão Estadual da Verdade e do Núcleo Memória, Kátia Fellipini, do Memorial da Resistência, acompanhados do delegado da época, Castro Nilsson, para anexar um parecer técnico (nº 256/2012) ao processo de tombamento do Condephaat, assim, fez-se uma vistoria mais detalhada.

Com isto, em 2012, foi aprovado este pedido pelo colegiado do CONDEPHAAT, abrindo, assim, o estudo de tombamento (processo nº 66.578). No mesmo ano, já estava funcionando a Comissão da Verdade e em 2013, visitaria o local (como anteriormente explicado), foi emitido um parecer técnico pela UPPH (Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico) repleto de informações e, junto a ele, um documento assinado pelo coordenador da Comissão, Claudio Lemos Fonteles, solicitando que o edifício se tornasse um “local de memória, verdade e justiça” (RUBINO, 2012). Na visita ao local feita pela Comissão da Verdade em 29 de janeiro de 2013, foi reportada pela Rede Brasil Atual e entre outras imprensas presentes. Em matéria explica como foi o evento. Segundo Luís França, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, presente na visita: Os locais onde foram realizadas as torturas estão sendo usados como depósito de sucata, móveis velhos, como pudemos constatar pela visita, além de estar totalmente desconfigurados do que era naquele período. A Ordem dos Advogados fará um relatório para que seja preservada a memória disso aqui e, se realmente foi desconfigurado, que retorne ao estado anterior. Queremos que seja criado aqui ou um memorial ou um museu da tortura.” (BREDA, 2013).

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Vista do DOI-Codi nos anos 1970. Fonte: Arquivo Nacional

O edifício 1, de acordo com a imagem acima, é a sede do 36ºDP. Metade do edifício aos fundos (existia uma parede como divisão dos setores), situava-se a sede principal do DOI-Codi, e após o regime militar foi reformada e hoje é o depósito do Decap. No térreo aos fundos, onde se situavam as celas, hoje são depósitos com paredes de vidro e o piso foi alterado para vinílico. A solitária que ficava ao lado das celas, hoje é um depósito de documentos antigos e materiais em desuso (vide imagens). Totalmente um descaso da parte da Polícia, em des-


configurar um local cheio de memórias imateriais não-contadas. Reformas realizadas depois da passagem dos presos políticos, além do tempo decorrido desde que estiveram no local, fizeram com que muitos deles tivessem dificuldade de identificar onde ficavam celas e salas de tortura. Ninguém soube afirmas com certeza, por exemplo, em qual cômodo o jornalista Vladimir Herzog, em 1975, foi fotografado após “enforcar-se” com o próprio cinto numa janela (BREDA, 2013).

Portanto, o que concluíram sobre a reforma: As alterações que foram identificadas em vistorias e, também, de acordo com o relato dos ex-presos, nos dão pistas de que a configuração do edifício foi bastante alterada ao longo do uso pelo próprio DOI-Codi, como após sua desocupação aos órgãos da Polícia Civil – Instituto de Criminalística. Nesse sentido, inferimos que as alterações produzidas durante o uso do DOI-Codi serviam tanto para adaptar o edifício às demandas quanto como para apagar eventuais vestígios das atividades ali praticadas. (...) recomendamos que sejam feitas prospecções arquitetônicas em todo o edifício a fim de identificar as alterações às quais o edifício foi submetido (NEVES, 2013, p. 85).

São cerca de dez salas vazias, distribuídas em dois andares, algumas com camas de ferro velhas. Muita poeira. As torneiras estão sem água, algumas janelas não têm vidro, portas e fechaduras quebradas, alguns pisos faltando no chão.

E sobre o restante do terreno: Do outro lado de um muro construído após a ditadura – e onde presos políticos garantem que era a entrada da “masmorra” – funciona o estacionamento da subfrota do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil. Também há tanques de combustível para abastecer as viaturas. No pátio, carros apreendidos e destruídos. Dentro do prédio, mais salas vazias, um escritório, camas para os funcionários de plantão e arquivos relativos às atividades atuais da repartição (BREDA, 2013).

Ou seja, foi alterado o local pelo DOI-Codi e pela Polícia para evitar futuras evidências e acusações no futuro. Além disso, no parecer informa que não há registro público das plantas originais dos edifícios na época da ditadura. Houve tentativas de engenheiros, funcionário do Estado, em 1979 e 1981 que pediram para fazerem o registro público do local e não foi autorizado pelos militares. Mantinham segredo por ser um local não-oficial: sem registro, sem provas. Logo, o material que se tem hoje é: o levantamento de projeto hoje pós-reforma, feita arquiteta-técnica do UPPH feito em 2013, e os depoimentos de ex-presos de como era os edifícios de fato, através de suas lembranças. E ainda sobre a visita, já nos edifícios 2 e 3, o descaso é maior, o total abandono:

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. configuração interna na época da ditadura:

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a reforma da Polícia pós-ditadura:

peles de vidro piso vinílico sem uso/abandonado depósitos e almoxarifados área de lazer criada pelo 36º DP sem alteração 78


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1. Foto panorâmica do ambiente onde eram as celas. No meio do pátio ficava erguido um muro de pedras que impedia a visão entre as celas. 2. A divisão da delegacia em duas partes: do lado direito, ficava a delegacia, do lado esquerdo, o DOI-CODI. No piso superior, a marca está presente no piso da delegacia, com essa intervenção grosseira realizada no piso de granilite, pois ali havia uma parede erguida. 3. Ala esquerda da antiga carceragem, onde ficavam as celas 4. Ala direita da antiga carceragem, onde ficavam as celas 5. Hoje, as celas, depósito de materiais da Decap Fonte: relatório da vistoria e fotografias de Deborah Neves, no processo de tomabemento do Condephaat, 2012/2013

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1. A porta à esquerda era a entrada para a solitária. Ao fundo, área externa entre o prédio e o muro, em frente ao que hoje é uma “área de lazer” com churrasqueira da delegacia; 2. A porta era a solitária no piso térreo, ao lado das celas; 3. Imagem externa da solitária, vista pela Rua Tutoia; 4.Imagem interna deste ambiente; 5.Visita da Comissão da Verdade, em 2012, ao edifício 5, onde eram os alojamentos do militares 6. Corredor do primeiro pavimento do edifício 2 7. Escada do edifício 2 8. Corredor do segundo pavimento do edifício 2 9. Uma das salas de tortura no edifício 2, na foto ex-presos que acompanharam a vistoria Fonte: relatório da vistoria e fotografias de Deborah Neves,no processo de tomabemento do Condephaat, 2012/2013


Durante o processo do levantamento para o tombamento, foi feito o parecer da Silvana Rubino, consultora do CONDEPHAAT, opinando sobre a importância do tombamento não pelo seu “apelo estético particular”, mas sim por “carregar uma difícil simbologia política”, e ainda: A questão dos lugares que ganham relevância por remeterem a acontecimentos traumáticos é relativamente recente nas práticas patrimoniais (...) Afinal, não há consenso sobre tais memórias, sendo que muitos poderiam advogar seu esquecimento, tanto para evitar a lembrança do trauma como, em outros grupos, por não querer tocar em um tema que poderia trazer consequências inesperadas (RUBINO, 2012, p. 2).

non aedificandi, na cota baixa do terreno, deve ser preservada a sua configuração espacial; prédio 5 eram os alojamentos, devem ser preservadas fachadas e a volumetria; por fim, as guaritas (6), devem permanecer as aberturas laterias voltadas para a Rua Tomás Carvalhal. O conjunto é isento de área envoltória, sendo o entorno isento de aprovação do órgão.

E acrescenta: Eis o teor deste parecer: menos preocupado com as características da edificação e argumentando por um tombamento de patrimônio material baseado nas memórias difíceis de um momento longo e sombrio de nossa história recente. Material, pois não se trata do reconhecimento de um espaço onde se produziu uma prática social coletiva relevante para um dos muitos grupos formadores da sociedade brasileira. É mais que isso: os eventos que lá ocorreram são indissociáveis da materialidade do “prédio cinza” (RUBINO, 2012, p. 1 e 2).

Rubino conclui que “o tombamento seja a medida inicial para se fazer deste espaço um memorial aberto ao público” e alegando que a delegacia deveria ser realocada, pois a possibilidade de visitação seria limitada e para este tipo de memorial, tem que ser livre e sem restrições de acesso.

Em 2014, foi publicado no Diário Oficial a resolução SC-25 do tombamento pelo CONDEPHAAT, com o perímetro delimitado e as especificações detalhadas de cada edifício para sua preservação (vide imagem). A divisão foi: prédio 2-a e 2-b eram do Setor de Inteligência do DOI-Codi (hoje, são depósito e almoxarifado do DECAP), devem ser preservadas a configuração espacial interna dada pela subdivisão de salas, as fachadas e a volumetria; prédio 3 (hoje o 36ª DP e o DECAP), devem ser preservados o espaço interno do pavimento térreo, onde ficavam as celas, hoje as salas da DECAP, e a volumetria; o pátio interno (4) é área

Mapa do perímetro de tombamento. Diário Oficial, 2014. Fonte: Condephaat

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Em seguida, a Resolução de Tombamento nº 10 do CONPRESP foi publicado, em 2017, concorda com todos os pontos e exigências apresentadas na resolução do CONDEPHAAT. Com relação ao Zoneamento, a região é Zona de Uso Misto (ZUM), com exceção das margens da Avenida 23 de Maio que são Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto (ZEUP), ou seja, áreas que incentivam a densidade demográfica e implantação de transporte público, o que só beneficia o projeto do memorial. O perímetro do DOI-Codi é Zona Especial de Preservação Cultural – Bens Imóveis Representativos (ZEPEC - BIR), dado os tombamentos. Se o memorial for aprovado por estes órgãos de preservação, uma possibilidade de financiamento é através da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) do Ministério da Cultura, como o Memorial da Luta pela Justiça foi aprovado no segmento “Restauração de Patrimônio Material”. Uma vez aprovado, passa a ser permitidos doações e patrocínios de pessoas físicas ou jurídicas, segundo o site da OAB. É um projeto de memorial da ditadura militar focado nos advogados de políticos que foram presos por exercerem suas funções, propõe a restauração do edifício histórico utilizado por estes advogados na época, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo.

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. FOTOS VISITA ENTORNO EXTERNO

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1 Fotografias de Laura Ruas e Marcella Funicello, 2019

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Fotografias de Laura Ruas e Marcella Funicello, 2019

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III. situação atual: patrimônio cultural e memória da Ditadura no Brasil O artigo “Questões Contemporâneas do Patrimônio Cultural”, de Sabrina Fontenele e Silvio Oksman, explica o porquê o assunto memória e patrimônio estão cada vez mais discutidos: As questões relativas à preservação do patrimônio cultural têm ganhado cada vez mais espaço nas discussões sobre cidades, arquitetura e manifestações culturais diversas. Essa ampliação não é tema novo. Esses novos olhares vêm sendo discutidos desde o início do século XX por diversos autores que tentam compreender a necessidade de se ampliar o debate e o reconhecimento de espaços carregados de valor, para além da valorização de monumentos consagrados, no sentido de abranger representações e memórias de uma parcela maior da sociedade (FONTENELE E OSKMAN, 2018, p.243 e 244).

E ainda: Temas como “lugares de memória e consciência” e “patrimônio imaterial” abrem o debate para muito além do restrito grupo que até então tratava das questões de reconhecimento e preservação e patrimônio cultural” (FONTENELE E OSKMAN, 2018, p. 244).

O patrimônio cultural está sendo considerado além da estética, do estilo arquitetônico ou do status do proprietário de determinada época, e está caminhando junto à história da cidade, atualizando-se aos fatos que a história revela. Por exemplo, recentes casos de degradação, vandalismo e destruição de patrimônio icônicos como atos de chamar atenção às suas reinvindicações sociais (FONTENELE E OSKMAN, 2018). Como a pichação no Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera, ou no Pateo do Collegio, no Centro de São Paulo, foram reinvindicações da camada marginalizada da população paulistana sem voz e, com o poder do patrimônio, ampliaram seus discursos. Este novo debate de integrar novas culturas de grupos sociais e nomeá-las como patrimônio, é justamente para ampliar a representatividade e aceitação no município, estado e país. Porém eleger um edifício, é o mínimo dos 88

problemas na situação atual da cultura do Brasil. Primeiro, o acesso irregular à cultura. Na cidade de São Paulo, por exemplo, em estudo feito em 2017 pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ibope Inteligência, dos 800 paulistanos acima de 16 anos entrevistados, 24% não frequentam nenhuma atividade cultural. O fator principal limitador é a renda familiar: os que recebem até dois salários mínimos representam 36% dos que não realizam nenhuma das atividades culturais. No grupo daqueles que frequentam todas as atividades da pesquisa, 34% recebem mais de cinco salários mínimos. As variáveis que diferenciam o perfil daqueles que frequentam todos e nenhuma das atividades avaliadas, são a escolaridade, a classe social e raça. Predominam mulheres brancas mais velhas e mais escolarizadas entre os que frequentam todas, já entre os que não vão à nenhuma, o perfil é de mulheres mais velhas negras ou pardas e menos escolarizadas. Os dois tipos de perfil, ainda que contrastantes, estão nas regiões Leste e Sul. Pontando, além do déficit da educação na cidade, as atividades de cultura estão exigindo um alto nível de escolaridade para a sua compreensão. Já a situação atual do patrimônio histórico, os que já são tombados, possuem pouco apoio financeiro do governo para manutenção e defeitos, resultando em parte ou total da sua destruição. De acordo com a pesquisa de um especialista em gestão de risco, José Luiz Pedersoli Júnior, em entrevista à revista Veja, pelo menos um patrimônio por ano é destruído, nos últimos dez anos. Só este ano, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, o Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu e o Farol do Saber Cícero Marcelino, no Maranhão, foram transformados em ruínas. Sem contar, os que estão previstos a serem os próximos da lista, em estado de abandono e degradação. Portanto, o governo tem o papel fundamental de valorizar a cultura e propor políticas públicas, sem elas a identidade social desmorona. Se propusessem e/ou reestruturassem as ações políticas que incluísse atenção aos órgãos culturais e de patrimônio histórico, a sociedade entenderia a sua importância e valorizaria. E isso não só no Brasil, como no mundo. Em países latino-americanos que também sofreram as ditaduras cruéis militares, é forte a aversão da população e do governo publicamente de que foi uma época obscura e que não se repetirá e nos lugares dessas memórias dolorosas, hoje são memoriais.


No caso da Argentina, a sociedade organizou-se em diversas frentes para poder tratar do tema, a fim de não deixar que a violência do Estado fosse, por um lado, esquecida, e, por outro, ficasse impune. Grupos como as “Asociación Madres de Plaza de Mayo” e “memoria aberta” continuam fazendo um intenso trabalho de investigação sobre os acontecimentos que mantêm o debate aberto e num processo contínuo, que tem levado a julgamentos sucessivos dos envolvidos e à punição dos culpados. (FONTENELE E OSKMAN, 2018, p. 249).

No caso do Brasil, existem iniciativas para a valorização da memória, como o Programa de Lugares da Memória (PLM), feita pela Pinacoteca do Estado de São Paulo junto à Prefeitura, que busca informações por todo o Estado de São Paulo de vestígios e conexões de eventos repressivos e emblemáticos no período da ditadura militar (o projeto foi especificado à cima, no capítulo “Território”). Outra manifestação a favor desta memória, foi a Comissão Nacional da Verdade, criada pela lei 12.528 em 2012, depois de anos de luta de familiares e ex-presos, para que em dois anos e meio apresentassem um relatório investigativo dos “crimes de agentes do Estado contra cidadãos que lutaram contra a repressão”. Entregue em 2014, em que Dilma Rousseff era presidente, não apresentava punições criminais, porém, tinha o objetivo de “apurar graves violações de direitos humanos” e “convocar pessoas para depor e prestar esclarecimentos sobre determinados casos”, segundo uma matéria no site Memórias da Ditadura. “Pela primeira vez, nesse relatório, o Estado assume oficialmente os crimes dos quais já falou a respeito em livros e dossiês”. Durante a execução do relatório, “colheram 1121 depoimentos, 132 deles de agentes públicos, realizou 80 audiências e sessões públicas pelo país”, além de fazerem perícias “acompanhadas de peritos e vítimas da repressão, em sete unidades militares e locais utilizados pelas Forças Armadas no passado para a prática de torturas e outras graves violações de direitos humanos”, de acordo com o site da Comissão. Com os documentos de uma destas visitas e a abertura do processo no Conpresp e Condephaat, conseguiu-se o tombamento do DOI-Codi, o maior centro de tortura na época, localizado em São Paulo. Apesar de ainda estarem abandonados os edifícios, atualmente, o espaço é ainda utilizado pelo 36° Distrito Policial da Vila Mariana.

Com seu tombamento, a expectativa é que seja utilizado como centro de memória das violências aos direitos humanos do passado ditatorial. Entidades de direitos humanos, familiares e ex-presos políticos têm atuado significativamente no sentido de que o lugar passe a ser observado como lugar de memória da ditadura. E quanto mais visibilidade, mais jovens identificam-se e frequentam ou associam-se à esta luta. Com isto, a Comissão inspirou vários grupos de pesquisadores, ex-presos e familiares a se unirem, sendo hoje mais de 300 associações funcionando em todo o país. Todos lutam pelas verdades escondidas serem descobertas e atuam para que lugares, como do antigo DOI-Codi, passem a ser observados como lugares de memória da ditadura. Em 2007, o artista Fernando Piola realizou o projeto “Operação Tutóia”. Apresentando-se como jardineiro, o artista, aos poucos, substituiu toda a vegetação dos jardins do edifício do DOI-CODI por plantas de folhagem vermelha. Depois de alguns meses de trabalho, o tom de vermelho chamava atenção na fachada. Tratava-se de uma manifestação que trazia à tona a memória da violência ocorrida naquele espaço décadas antes (FONTENELE E OSKMAN, 2018, p. 250).

Desde 2014, em que a ditadura militar completou 50 anos, estes grupos organizam, todos os anos, a descomemoração do golpe militar, um ato político-cultural denominado “Ato Unificado Ditadura Nunca Mais: 50 anos do golpe militar” no pátio de acesso externo do 36º DP, para reivindicar a memória, a verdade e a justiça dos mortos e ainda desaparecidos. Entretanto, alguns obstáculos também estão sendo enfrentados àqueles que querem justiça como: o presidente eleito Jair Bolsonaro defender e venerar o ex-comandante do DOI-Codi na época e responsável por inúmeras violações de direitos humanos, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (em matéria da Globo e da Carta Capital). Este não foi punido penalmente por conta da Lei de Anistia de 1979 e, apenas, foi indenizado por danos morais a apenas uma família (o caso da família Teles, segunda a matéria da Carta Capital), enquanto casos como do jornalista Luiz Merlino (segundo matéria da Globo) e Carlos Danielli foram rejeitadas as denúncias, estes entre inúmeros casos.

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Além disso, após a descoberta da vala clandestina de Perus no Cemitério Dom Bosco, zona norte de São Paulo, em 1990, segundo matéria do Globo, iniciou-se a procura por ossos para serem analisados e identificados se seriam ou não de desaparecidos da ditatura, pois acreditava-se que era um dos locais que os militares descartavam os corpos das vítimas. O Grupo de Trabalho Perus responsável por esta identificação e vinculado à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, iniciou o trabalho em 2014, analisando 1.047 caixas com ossadas e desde então, pertencentes de 6 pessoas foram identificados. Porém com a troca de governo, o repasse de verbas foi quase zerado e, com o decreto 9.759 em 2019, o presidente Jair Bolsonaro acabou com conselhos e comissões e congelou o Grupo de Trabalho Perus, com a justificativa de que “Quem procura osso é cachorro”, além de ser um ato sem fundamentos, é desrespeitoso às famílias que procuram pelos seus parentes desaparecidos. O Ministério Público ainda não tomou uma decisão sobre o decreto, até lá o projeto está parado. Outro casos de regressão, foi no carnaval de 2018, o Ministério Público proibiu a circulação de um bloco que se propunha a acontecer em frente ao edifício do DOI-CODI e que “reverenciaria” as ações de violência e tortura que ali ocorreram, ironizando a violência com um perigoso discurso que compactua e enaltece a atuação do governo militar na ditadura brasileira. (FONTENELE E OSKMAN, 2018). Em 2019, no 55º ano do golpe, o coletivo de historiadores e pesquisadores, “História da Disputa: Disputa da História”, propõe caminhadas pela cidade, passando por lugares de memória e abrindo debates ao público, estavam caminhando pacificamente pela Alameda Casa Branca, onde há o memorial do Marighella, foram repreendidos pela polícia “por estarem incomodando os moradores” e forçados a mudar de trajeto a uma avenida principal sem movimento de pedestre, ou seja, quanto menos verem, menos saberão que há este tipo de reinvindicação nas ruas. Conclui-se que, em termos de valorização do patrimônio e da cultura, o Brasil há muito no que evoluir, necessita da frequência maior da população em equipamentos culturais e do incentivo e investimento do governo. A memória, por um outro lado, entrou em um processo de reconheci90

mento, focando aqui, na memória difícil da dor durante a ditadura militar. Com iniciativas como a Comissão da Verdade e o Programa de Lugares de Memória e tombamentos de lugares de memória, há mais espaço debates, aprendizados e estudos e posicionamento de diferenças de forma aberta, com respeito e sem violência. Porém, em termos de justiça aos desaparecidos e mortos, politicamente e judicialmente, o caminho é longo e demorado. O governo ainda precisa posicionar-se publicamente para admitir, de uma vez, os crimes e as violações dos direitos humanos cometidos pelos militares durante a Ditadura, além de condenar os infratores devidamente. O silêncio faz menção que, subliminarmente, ainda apoie e concorde com o que foi o regime militar, já que muitas vias públicas ainda permanecem nomeadas com nomes de ditadores e agentes da repressão; diversos ex-ditadores e políticos da época da ditadura foram eleitos em cargos políticos atualmente na democracia; etc. Por ser uma democracia, temos que aceitar.

Imagens na página ao lado, no sentido horário: . 4° Ato Unificado Ditadura Nunca Mais, no pátio interno do antigo DOI-Codi, em 2017. Fonte: . Folder de divulgação do 1º Ato Unificado, no pátio interno do antigo DOI-Codi, em 2014. Fonte: Aline Lourenço/ Vitruvius, 2018 . Rosas postas nas portas de entrada em um dos edifícios do antigo DOI-Codi, após o 6º Ato Unificado Ditadura Nunca Mais. Foto: Marcella Funicello . Pichação no Pateo do Collegio. Foto: Alberto Ricci, 2018 .


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a proposta


93


I. o partido arquitetônico . A ENTRADA

hoje

lotes confrontantes

36º DP

RUA TUTÓIA

proposta

94

RUA TUTÓIA


. O PERCURSO

. ESCALAS HUMANAS PROPOSTAS

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II. o programa e o percurso Um edifício será construído nos lotes confrontantes ao território do antigo DOI-Codi: um memorial sensorial, ou seja, será composto de ambientes expositivos sensoriais que captam as emoções sentidas para despertar a memória e imaginação de quem visitar. Estes ambientes são de acordo com a linha do tempo da Ditadura Militar e traça-se um percurso entre eles. Através da Fenomenologia, haverá jogo de luz e sombra, pé direito alto e baixo, texturas, sons, cores etc., para uma experiência além do visual, introspectiva e individual, onde cada um buscará concentração emocional. Por ser um local pesado e exaustivo psicologicamente, os ambientes sensoriais serão intercalados com espaços expositivos convencionais (com telões e painéis informativos e analíticos). Os pátios internos, cujas superfícies estão tombadas, serão espaços de performances, danças e interações sociais de debates. Já no subsolo destes, haverá uma área expositiva em homenagem aos desaparecidos e mortos durante a ditadura com todos os nomes listados, para os visitantes associarem a enorme consequência que teve o período. No entrono imediato, externo ao território escolhido, há uma praça pública, em que será reformada para representar “a volta da democracia” dentro do percurso do memorial. Portanto, o percurso da exposição permanente consistirá em: primeiro, pelo novo memorial sensorial, para realmente sentir empatia pelas memórias ou recordá-las; segundo, pelos edifícios tombados, onde realmente aconteceram estas; terceiro, o subsolo, após sentir e presenciar os locais de memória, prestar homenagem às vítimas; e por último, na saída do conjunto proposto, uma praça pública, finalizando todo o percurso da linha do tempo da Ditadura e “comemorando” a democracia. À parte da exposição permanente, o programa de necessidade também consiste em espaços de exposições temporárias, auditório, foyer, cafeteria, biblioteca pública, área de pesquisa e área técnica e de apoio aos funcionários do memorial. 96


MEMORIAL SENSORIAL

RESTAURO

HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS

APOIO CULTURAL

97



“Eu tinha 16 anos quando me levaram com o meu pai. Eu ouvia seus gritos e observei sendo espancado até a morte” Ivan Seixas, ex-militante e membro da CNV


III. o memorial sensorial

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. O PROCESSO CRIATIVO PASSO I: CONCEITOS DE ARQUITETURA SENSORIAL

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PASSO II: BRAINSTORM DA DITADURA E ESTUDO EXPOGRÁFICO A PARTIR DAS EMOÇÕES DA DITADURA

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PASSO III: REFERÊNCIAS DE EXPOGRAFIAS SENSORIAIS

tortura

interrogatório

fonte das imagens: Pinterest

prisão

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desaparecidos e mortos fonte das imagens: Pinterest 104


corredores

performances fonte das imagens: Pinterest 105


PASSO IV: DEFINIÇÃO DA EXPERIÊNCIA IMERSIVA DA EXPOSIÇÃO O partido do projeto arquitetônico e da expografia do memorial sensorial foi a linha do tempo da Ditadura, ao identificar cada momento ocorrido durante o período, foi traçado o percurso. Cada momento será representado por três ambientes com propostas expositivas diferentes sensoriais e imersivas. A primeira é o ambiente visual comum, com textos explicativos, refletores com vídeos e imagens, que proporciona pouca carga emocional. No segundo, o foco é a audição: o ambiente quase totalmente escuro em que se reproduziria trechos de música, poesia ou depoimentos relacionados ao momento específico. O terceiro é o sensorial a partir da Arquitetura, com luz e sombra, texturas, pe direito alto ou baixo, etc. Assim, a intenção é o público possuir uma experiência única com diversos tipos de abordagem do assunto dentro de só percurso, fazendo com que não se torne monótono, e com que mergulhem e foquem no que está sendo exposto, apenas assim conseguiriam acessar suas memórias e imaginações mais profundas.

AMBIENTE I informativo usual, foco no sentido visual

106

AMBIENTE II pouca iluminação, foco no sentido auditivo

AMBIENTE III a partir da arquitetura, mistura de todos os sentidos


PASSO V: DEFINIÇÃO DO PERCURSO EXPOSITIVO

O revestimento de concreto com a coloração diferente para cada ambiente proporcionará distinção dos ambientes externamente

expectativa esperança ambição

choque surpresa confusão traição

medo revolta insegurança

impotência angustia vulnerabilidade dor

injustiça solidão

liberdade igualdade luto resiliência

A cada trio de ambientes, um período da ditadura exposto, com base nas sensações possíveis sentidas na época 107


PASSO VI: DEFINIÇÃO DA CIRCULAÇÃO E DA ARQUITETURA

O projeto é composto por blocos de concreto autoportantes implantados propositalmente desnivelados para proporcionar um percurso caótico e desconfortável.O deslocamento entre os blocos são rampas para se aumentar sutilmente este desconforto.

rua tutoia implantação esquemática

cortes explodidos esquemáticos

108


a ru

ia tรณ tu

109



“Lembro até hoje o ranger da porta de aço, quando era aberta, me vinha o medo de ser escolhido” Idibal Pivetta, advogado e preso 8 vezes.


o percurso interno do memorial



. O PERCURSO INTERNO LEGENDA: AMBIENTE I AMBIENTE II AMBIENTE II

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antecedentes


ambiente claro, porém com o pé direito diminuindo ao longo do caminho, com rochas pendentes associação a aproximação do golpe militar e o desconhecimento popular deste ambiente claro, pé direito alto, com visão a um jardim associando à democracia e a esperança de crescimento do país antecedente da ditadura


o golpe

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contraste de ambiente escuroalto, com um ambiente pésem direito comespaço visão a um jardim claro no seuclaro, interior a identificação visual no quê está à exposto dentro e a esperança de crescimento associando democracia associação à surpresa que foi o golpe

do país antecedente da ditadura

ao entrar no ambiente, identifica-se uma escultura clara porém caótica associação à confusão popular no pós-golpe salas expositivas sobre o processo do golpe

exposição fotográfica

rampa que inicia com visão da rua, e termina com as paredes estreitas e pouca iluminação associação ao quê se tornou gradativamente o Brasil pós-golpe

exposição filmográfica de “O Dia que durou 21 anos”, que ilustra o envolvimento dos EUA


a repressĂŁo

118


censura

exposição filmográfica com trechos de filmes e depoimentos sobre a censura, a repressão e a violência

exílio “Meu Brasil! Que sonha com a volta Do irmão do Henfil. Com tanta gente que partiu Num rabo de foguete”

associação a solidão e exclusão do exílio político

ao se aproximar, tem a visão de um jardim, e o impedimento de ir até ele

ambiente escuro e pé direito baixo, com um ponto de luz ao fundo reproduzindo a música “O bêbado e o equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco, sobre exílio político


prisão

ambiente escuro, pé direito baixo e estreito reproduzindo depoimentos de ex-presos e suas experiências de sequestro

ambiente com “rasgos” nas paredes, formando um jogo de luz e sombra similar à cela de prisão o mesmo ambiente em um “labirinto” associando a impotência de saída da prisão


interrogatório

torre estreita com pé direito altíssimo, com uma abertura no topo porém gradeado e uma escada fora de alcance para a saída associando à prisão e a perca de esperança

ambiente excessivamente claro por conta de uma luminária pendente em movimentos circulares associando ao desconforto e violência dos interrogatórios


a repressĂŁo

122


ambiente e estreito, reproduzindo depoimentos específicos de ex-presos de quando foram torturados

tortura com equipamentos

afogamento

tortura psicológica

ambiente excessivamente claro com a instalação de equipamentos de tortura utilizados na época sala com projeção de vídeo de água em movimento reproduzindo o som de água intercalado com o de afogamento

sala com caixas de som instaladas em um círculo, cada uma reproduz depoimentos diferentes, assim quem está no meio do círculo sente desconforto e confusão associação à tortura psicológica


a repressĂŁo

124


tortura com famílias

ambiente amplo com iluminação direta de uma abertura para um espaço externo., há esculturas rachadas e separadas por uma rachadura no piso, associando às torturas de presos feitas na frente de seu familiares, as rachaduras representam a dor e a perda destes

tortura de crianças

abertura com vista para o exterior, onde há esculturas de diferentes dimensões instaladas próximas associando às crianças torturadas


o declĂ­nio

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rampa instalada externamente do memorial com vista do entorno e dos edifícios tombados

exposição sobre as consequências sociais da ditadura ambiente com mezanino e janelas de tamanhos diferentes e distribuição desordenadas associando aos “furos” do declínio da ditadura e o rastro enorme de danos sociais


diretas já!

ambiente com luminárias e com pé direito alto, com cartazes e fotografias da Diretas Já associando a um reviravolta marcante na história do país: a luta pela democracia


volta da democracia

após a experiência imersiva do memorial, um mirante com vista para os edifícios tombados do antigo DOI-Codi e do pátio interno, local de performances temporárias

mirante


IV. o restauro

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exposição permanente

reconfiguração interna para o projeto original

exposição permanente

configuração interna atual mantida (projeto original)

apoio cultural desinstalação do 36º DP e configuração interna nova

apoio adm.

configuração interna nova

Vista do DOI-Codi nos anos 1970. Fonte: Arquivo Nacional

exposição permanente

configuração interna atual mantida (projeto original)

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. PROPOSTA DOS EDIFÍCIOS 1, 2 E 3

LEGENDA: DOI-CODI: reformado alteração total da reforma da Polícia reconstituição para a planta original troca de piso e paredes de concreto; 36º DP: original Reforma dos ambientes para o apoio do projeto proposto, troca de piso e paredes do corredor de vidro;

DOI-CODI: original mater paredes e pisos atuais para exposição permanente proposta; Circulação vertical acessível proposta que conecte ambos edifícios

132


Como a memória imaterial destes edifícios foi negligenciada, desde a desativação do DOI-Codi. A proposta é reconstituir o que foi modificado e manter seu interior no aspecto atual, degradado, com infiltrações e materiais de revestimentos desgastados. Abrindo como uma exposição ao público, é uma forma de denúncia e prova de como é tratado um patrimônio de tamanho importância na história do Brasil. Além disso, é proposto, nos locais das antigas celas e salas de tortura, intervenções artíticas inspiradas na obra da artista finlandesa Pia Männikkö, que são tecidos transparentes suspensos seguidamente e, são impressas neles silhuetas de pessoas em diversas posições deslocando-se, e, por serem transparentes, torna-se um rastro de movimento, que neste caso, representaria os presos na época, fazendo jus a suas memórias.

hoje Uma das salas de tortura do edifício 2 em seu estado atual, na foto ex-presos que acompanharam a vistoria. Fonte: Processo de tombamento do Condephaat, Deborah Neves, 2013

proposto Colagem da intervenção artística proposta a partir da obra de Pia Männikkö, “Oudosti tuttua”, como um rastro das movimentações dos presos na época da repressão. Colagem: Marcella Funicello

133


proposto Colagem da intervenção artística proposta a partir da obra de Pia Männikkö, “Déjà Vu IV”, como um rastro das movimentações dos presos na época da repressão. Colagem: Marcella Funicello

hoje Fotografias dos ambientes no edifício 1: hoje, depósitos, antigamente, celas. Fonte: processo de tombamento do Condephaat, Deborah Neves, 2013.

134


V. a homenagem aos desaparecidos e mortos

135


. PÁTIO INTERNO: PERFORMANCES

0.00

-1.80

-3.50 136


. SUBSOLO: EXPOSIÇÃO COM NOMES DAS VÍTIMAS

2.00

-3.50 137

-4.50


pavimento tĂŠrreo

VI. desenhos tĂŠcnicos


subsolo


primeiro pavimento


segundo pavimento


corte AA e BB

corte AA


corte BB


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anexo: estudos de caso


I. MUSEU JUDAICO DE BERLIM

tinuidade, que leva a uma escada íngreme com diversas vigas irregulares atravessando em diagonal de parede a parede e seu final leva a uma parede, representando a vida dos judeus abruptamente interrompida. Nos demais pavimentos há espaços expositivos e uma biblioteca. Este projeto foi escolhido para estudo de caso pelo conceito e sensibilidade projetual para retratar o evento histórico, tanto a volumetria inspirada na Estrela de Davi com diversas aberturas irregulares, a planta do subsolo com os três eixos, os desníveis usados para dar a sensação sutil de desconforto e o jogo de luz e sombra. A própria arquitetura do Museu é uma exposição multissensorial e imersiva. Além do projeto, foi escolhido pelo programa de necessidade, cujos demais dos pavimentos dispõem de biblioteca e exposições temporárias.

Implantação do Museu do Holocausto. Fotógrafo: Bitter Bradt, 2001. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/799056/classicos-da-arquitetura-museu-judaico-de-berlim-daniel-libenskind. Acesso: 25 nov. 2018.

O Museu Judaico está localizado em Berlim, na Alemanha, foi projeto do Studio Libeskind e aberto ao público em 2000, com área de 15.500 m². Seu único acesso é pelo subsolo do Museu Nacional de Berlim, antigo Tribunal Prussiano de Justiça de 1735. Ao descer as escadas, o percurso no seu interior foi pensado de acordo com a vida de um judeu na época do Holocausto e depara-se com três caminhos: O Exílio, que direciona para o jardim externo com blocos de concretos idênticos e o solo desnivelado, representando os judeus exilados; o Holocausto, uma torre de 25 metros de altura com uma única abertura na cobertura e uma escada de marinheiro alta demais para alcance, ou seja, o visitante vê a “saída” porém não a alcança, sente-se enclausurado e em pleno silêncio ensurdecedor, fazendo alusão às vidas de judeus presos no Holocausto; e por último, o caminho da Con-

Vista da escada para os demais pavimentos que termina em uma parede. Fotógrafo: Bitter Bradt, 2001. Disponível em: https://www.archdaily.com. br/br/799056/classicos-da-arquitetura-museu-judaico-de-berlim-daniel-libenskind. Acesso: 25 nov. 2018. 149


II. MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS

o ambiente em que há velas em todo o perímetro da sala com visão a todos os desaparecidos e assassinados da época. Também, pelo programa de necessidade e a praça rampeada generosa no térreo, em que se integra com o entorno harmonicamente e que se torna um espaço público.

Vista da Museu, do corpo d’água e da praça pública. Fotógrafo: Nico Saieh, 2010. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/795304/ museu-da-memoria-e-dos-direitos-humanos-mario-figueroa-lucas-fehr-e-carlos-dias. Acesso: 25 nov. 2018.

É um projeto ganhador de concurso dos arquitetos Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos Dias, em Santiago, no Chile, que aborda a memória da ditadura e violação dos Direitos Humanos no país. Foi inaugurado em 2009, com área de 10.9000 m². O subsolo há o setor de pesquisa com arquivos e biblioteca, e no primeiro, segundo e terceiro pavimento a exposição. A estrutura é metálica com quatro apoios, duas vigas centrais vierendeel, a vedação quase toda de vidro e revestimento externo de cobre, material chileno. Há uma praça pública rampeada que dá acesso ao museu, nivelada com escadarias e há conexão com o metrô. O interior do projeto é composto por caixas suspensas, segundo o conceito do ato de lembrar a memória por fragmentos, e o percurso entre elas é livre, as circulação das extremidades há a visão para o exterior dada a transparência da vedação, como se fosse um repouso da exposição dolorosa. Foi escolhido pelo conceito por abordar fatos obscuros com a luz natural, em um ambiente com luz e leve e por abordar a dor de uma forma sutil, como 150

Sala de exposição em homenagem aos mortos e desaparecidos. Fotógrafo: Nico Saieh, 2010. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/ br/795304/museu-da-memoria-e-dos-direitos-humanos-mario-figueroa-lucas-fehr-e-carlos-dias. Acesso: 25 nov. 2018.


III. PARQUE DA MEMÓRIA

Além do projeto paisagístico, há um edifício, cujo programa de necessidade é: um espaço de arte, chamado Sala Pays (Presentes, Ahora y Siempre), que abriga exposições, conferências e debates sobre o tema. E é nele que funciona o Centro de Informação sobre os desaparecidos, uma biblioteca, um arquivo de imprensa e oficinas educativas. Foi escolhido este projeto, por ser um memorial também da ditadura na América Latina, pela sensibilidade que a aborda, pela localização estratégica escolhida e pelas esculturas com diferentes conceitos e abordagens. Além da planta do parque que o percurso forma um ferida.

Percurso do parque ao longo do Monumento às Vítimas do Terrorismo do Estado. Fotógrafo: Mario Garcia, 2008. Disponível em: https://revista. drclas.harvard.edu/book/el-parque-de-la-memoria. Acesso: 25 nov. 2018.

Com uma área de 14 hectares, o parque público localiza-se na zona norte de Buenos Aires, na Argentina, a 300 metros do Aeroporto Jorge Newbery, onde havia a câmara de tortura militar que partiam do aeroporto com os denominados “voos da morte” em que transportavam as vítimas, que logo eram jogadas no rio.

Percurso do parque ao longo do Monumento às Vítimas do Terrorismo do Estado. Fotógrafo: Maria Garcia, 2008. Disponível em: https://revista.drclas.harvard.edu/ book/el-parque-de-la-memoria. Acesso: 25 nov. 2018.

Projetado pelo estúdio Baudizzone-Lestard-Varas e inaugurado em 2007, busca abordar a memória destas vítimas da violência da ditadura, de forma silenciosa, artística e sutil. Há diversas esculturas ao ar livre no seu decorrer, dentre elas Monumento às Vítimas do Terrorismo do Estado, um bloco extenso e alto de concreto em uma rampa em forma de ferida gigante no gramado em direção ao rio, com todos os nomes incluídos no relatório produzido pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CoNaDep), no período de 19691983, estes foram propositalmente localizados até mesmo uma pessoa de baixa estatura pudesse tocá-lo com a mão, para que as crianças também se inteirem do projeto. Outra informação é a idade que tinham na época, muitos menores de idade entre 14 e 18 anos. No caso das mulheres, se estavam grávidas ou não. 151


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