Biografia José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (Aveiro, 2 de Agosto de 1929 – Setúbal, 23 de Fevereiro de
esperançado devido à sua “memória de galinha” e
digressões da Tuna e do Orfeão Académico. Em Maio de
“inteligência de paquiderme”. É por essa altura que
1964,
começa a cantar o fado coimbrão.
Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para
andarilho tornou-se, quer pela força mobilizadora das suas canções corporizadas numa voz límpida e poderosamente modulada,
quer
pela
sua
espontaneidade
livre
e
revolucionária, num dos símbolos da resistência contra a ditadura salazarista entre as décadas de 50 e 70. Durante os três primeiros anos de vida, vive com uns tios maternos em Aveiro, pois o pai é colocado em Silva Porto (Angola) como delegado do Procurador da República. Em 1933, parte para Angola para se juntar à família e aí permanece até 1937, recebendo da mãe, professora primária, a primeira instrução. Após um breve retorno a Aveiro, volta a partir, desta vez para Lourenço Marques (Moçambique), onde a família vive entretanto, devido a nova transferência do pai. Em 1939, ele e o irmão regressam a Portugal, enquanto os pais e a irmã partem para Timor. Desta vez, ficará em Belmonte, a cargo do tio
João III, em Coimbra, passando a residir com o irmão, em casa da tia Avrilete, uma viúva e beata que, segundo o irmão, “fosse como fosse, queria mandar o rapaz para o céu”. Experimenta então um ambiente e uma educação moldados pelo conservadorismo católico, onde a única vantagem foram os conhecimentos melómanos do tio Filomeno que terão influenciado e educado o gosto e o ouvido de José Afonso. No liceu, José Afonso não é bem visto pelos professores que imita e ridiculariza. Também as notas não são brilhantes e aos 17 anos, numa carta à irmã, em vésperas dos exames do 6º ano, descreve-se pouco
actua
na
Sociedade
Musical
fazer a canção «Grândola, Vila Morena» que viria a ser, no
na Universidade de Coimbra, onde conciliará os estudos e
dia 25 de Abril de 1974, a senha do Movimento das Forças
a vida boémia do fado. Assim se começa a relacionar com
Armadas (MFA) para o derrube do regime ditatorial. Entre
cantores e guitarristas ligados ao fado coimbrão e a cantar
1964-1967, vive com Zélia em Moçambique, onde
em festas de aniversário e baptizado com amigos. Em
reencontra os seus dois filhos. Nos últimos dois anos, dá
1950, casa com Mª Amália Oliveira, uma jovem costureira
aulas na Beira. Aqui musicou Brecht na peça A Excepção e
de 18 anos, com quem viveu até 1955 e de quem teve dois
a Regra. Em Moçambique nasce a sua filha Joana (1965).
filhos, José Manuel e Helena. Para sustentar a família, dá
Em 1967 regressa a Lisboa esgotado pelo sistema
explicações a alunos do liceu e trabalha como revisor para
colonial. Deixa o filho mais velho, José Manuel, confiado
o Diário de Coimbra. Em 1953, grava os primeiros discos,
aos avós em Moçambique. Colocado como professor em
ambos intitulados Fados de Coimbra, acompanhado por
Setúbal, sofre uma grave crise de saúde que o leva a ser
famosos guitarristas como, António Brojo e António
internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas.
Portugal. Ainda em 1953 é chamado para cumprir o serviço
Quando sai da clínica, tinha sido expulso do ensino oficial.
militar obrigatório em Mafra. A crise conjugal e as
É publicado o livro Cantares de José Afonso, pela Nova
dificuldades
família
Realidade. O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José
acentuam-se. Entre 1955 e 1958, inicia uma vida errante
Afonso recusa invocando a sua condição de classe.
de professor em Mangualde, Aljustrel, Lagos, acabando
Dedica-se então a dar explicações e a cantar com mais
por ser colocado em Faro.
assiduidade nas colectividades da Margem Sul, onde é
económicas
para
sustentar
a
No Algarve, sua “pátria adoptiva”, já separado de
nítida a influência do PCP. Pelo Natal de 68, edita o álbum
Mª Amália e com dificuldades económicas (o que o leva a
Cantares do Andarilho. Em 1969, com a Primavera
enviar os dois filhos para Moçambique, para junto dos
marcelista,
avós), iniciará um processo de consciencialização política,
movimento sindical e nas acções estudantis em Coimbra.
seguindo de perto a candidatura de Humberto Delgado, em
Edita o álbum Contos Velhos Rumos Novos e o single
1958. Rompe com a tradição de Coimbra, editando os LPs
«Menina dos Olhos Tristes» que contém a canção popular
Balada de Outono, Coimbra e Baladas de Coimbra.
«Canta Camarada». Recebe o prémio da Casa da
Conhece ainda Zélia, sua segunda mulher, de quem terá
Imprensa para o melhor disco, distinção que repete em
mais dois filhos, Joana e Pedro, e que o acompanhará até
1970 e 1971. Pela primeira vez num disco de José Afonso,
ao fim da vida. Entre 1961-62, segue de perto a crise
aparecem outros instrumentos que não a viola ou a
estudantil universitária e realiza várias digressões pela
guitarra. Nasce o seu quarto filho, Pedro.
paterno, Filomeno dos Santos, para terminar a instrução primária. Em 1940, faz exame de admissão ao Liceu D.
Afonso
Em 1949, matricula-se em Histórico-Filosóficas,
1987), ou simplesmente Zeca Afonso, é uma figura ímpar da canção popular portuguesa. Poeta, cantor-trovador e
José
José
Afonso
participa
activamente
no
Em 1970 é editado o álbum Traz Outro Amigo
Europa. Em 1963 termina o curso e até 1964 mantém-se
Também, gravado em Londres, nos estúdios da Pye, o
ligado à vida académica coimbrã, participando em várias
primeiro sem Rui Pato, impedido pela PIDE de viajar.
Participa, em Cuba, num Festival Internacional de Música
Em 1981, após dois anos de silêncio, regressa a
Popular. Pelo Natal de 1971, é lançado o álbum Cantigas
Coimbra com o seu álbum Fados de Coimbra e Outras
do Maio, sob a direcção musical de José Mário Branco,
Canções. Trata-se da mais bela versão do fado de
nos estúdios de Herouville, um dos mais caros e afamados
Coimbra, interpretada por Zeca Afonso em homenagem a
da Europa, que é geralmente considerado o melhor disco
seu pai e a Edmundo Bettencourt, a quem o disco é
de José Afonso. No ano de 1972, o álbum chama-se Eu
dedicado. Actua em Paris, no Théatre de la Ville.
Vou Ser Como a Toupeira, gravado em Madrid, com a
Em 1982 começam a conhecer-se os primeiros sintomas
participação de Benedicto, um cantor galego amigo de
da doença do cantor, uma esclerose lateral amiotrófica.
Zeca.
sua
Trata-se, aparentemente, de um vírus instalado na espinal
«peregrinação», cantando um pouco em todo o lado.
medula que, de uma forma progressiva, destrói o tecido
Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS. Em Abril é
muscular e, normalmente, conduz à morte por asfixia. Em
preso e fica 20 dias em Caxias até finais de Maio. Na
29 de Janeiro de 1983, realiza-se o espectáculo no Coliseu
prisão política, escreve o poema «Era Um Redondo
com José Afonso já em dificuldades. Nesse mesmo ano é
Vocábulo». Pelo Natal, publica o álbum Venham Mais
reintegrado no ensino oficial, tendo sido destacado para
Cinco, gravado em Paris, em que José Mário Branco volta
dar aulas de História e de Português na Escola
a colaborar musicalmente. A 29 de Março de 1974, o
Preparatória de Azeitão, cidade onde reside. A doença,
Coliseu, em Lisboa, enche-se para ouvir José Afonso,
agrava-se.
Em
1973,
José
Afonso
continua
a
Em 1985 é editado o último álbum, Galinhas do
Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire, José Barata Moura, Fernando Tordo e outros, que
Mato. José Afonso já não consegue cantar todos os temas,
terminam a sessão com «Grândola, Vila Morena». Militares
sendo substituído por Luís Represas («Agora»), Helena
do MFA estão entre a assistência e escolhem «Grândola»
Vieira («Tu Gitana»), Janita Salomé («Moda do Entrudo»,
para senha da Revolução. Um mês depois dá-se o 25 de
«Tarkovsky» e «Alegria da Criação»), José Mário Branco
Abril. De 1974 a 1975 envolve-se directamente nos
(«Década de Salomé»), em dueto com Zeca, Né Ladeiras
movimentos populares. O PREC (Processo Revolucionário
(«Benditos») e Catarina e Marta Salomé («Galinhas do
em Curso) é a sua paixão. Estabelece uma colaboração
Mato»). Arranjos musicais de Júlio Pereira e Fausto.
estreita com o movimento revolucionário LUAR, através do
Em 1986 apoia a candidatura presidencial de Maria
seu amigo Camilo Mortágua, dirigente da organização. Em 1976, apoia a candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho
e
publica
o
Com
as
Lourdes
Pintassilgo,
católica
progressista.
José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de
Minhas
1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada,
Tamanquinhas. O álbum Enquanto Há Força, (1978) de
vítima da doença, diagnosticada em 1982. O funeral
novo com Fausto, reflecte as suas preocupações anti-
realizou-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas,
colonistas e a sua crítica mordaz à Igreja. Em 1979, é
da Escola Secundária de S. Julião para o cemitério da
editado o álbum Fura Fura, com a colaboração musical de
Senhora da Piedade, em Setúbal.
Júlio Pereira e dos Trovante.
álbum
de
[F 17 – Abril de 2010]