O SABER E O FAZER
M USEU DO F OLCLORE
NO
C oleção C adernos
de
F olclore
22o Volume
o
São José dos Campos 2012
Coleção Cadernos de Folclore Realização
Edição de textos
Prefeitura Municipal de São José dos Campos Fundação Cultural Cassiano Ricardo Diretoria de Patrimônio Histórico
Avelino Israel
Idealização CECP - Centro de Estudos da Cultura Popular
Angela Savastano
Gestão do projeto Francine Maia
Revisão de textos Teruka Minamissawa
Fotografias
Maria Siqueira Santos Fábio Martins Bueno Acervo Museu do Folclore
Design gráfico
Colaboração
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Pesquisas e textos Fábio Martins Bueno
Magno Studio
Tratamento de imagens e editoração Rafael Souza Gabriel Sá
Impressão
JAC Gráfica e Editora Ltda. Ficha Catalográfica Elaborada por Cíntia Cássia Soares – CRB 8R/ 8848
B942s Bueno, Fábio Martins. O saber e o fazer no Museu do Folclore / Fábio Martins Bueno -- São José dos Campos / SP: CECP/FCCR/Prefeitura Municipal de São José dos Campos, 2012. p. 108: il.; 21x24cm. (Cadernos de Folclore ; v.22)
1. Cultura Popular / Folclore – São José dos Campos – SP 2. Arte Popular / Artistas Populares – São José dos Campos 3. Programa Museu Vivo – Museu do Folclore/Centro de Estudos da Cultura Popular e Fundação Cultural Cassiano Ricardo I. Título. CDD: 390 CDU: 398
Todos os direitos reservados Fundação Cultural Cassiano Ricardo Avenida Olivo Gomes, 100, Santana - CEP 12211-115 São José dos Campos - SP - Brasil Telefone: (12) 3924-7318 (Museu do Folclore) www.fccr.org.br – sec.museufolclore@fccr.org.br
Sumário Agradecimentos iniciais 7 O Valor da Cultura Popular 9 Sonhos que se tornaram realidade 10 Programa Museu Vivo 11 Apresentação 13
Cap. 11 - Artesanato em Taboa Luis Pereira dos Santos 57 Cap. 12 - Figuras de Barro Luiz Paulo Ragazini 61 Cap. 13 - Paçoca e Doces de Amendoim Antonio Franscisco Pereira 65
Cap. 1 - Picote Maria Alzira da Rosa 17
Cap. 14 - Folia de Reis Jesus Pereira de Lima 69
Cap. 2 - Presépio Joaquim Alves de Lima 21
Cap. 15 - Moçambique Benedito Rodrigues dos Santos 75
Cap. 3 - Brinquedos de Madeira Renato Vieira 25
Cap. 16 - Folia de Reis Sebastião Marcolino 81
Cap. 4 - Charrete Argemiro Barbosa Nicoletti 29
Cap. 17 - Figuras de Barro Maria Benedita dos Santos 85
Cap. 5 - Bolinho da Roça Maria José Oliveira 33
Cap. 18 - Jongo Laudeni de Souza 91
Cap. 6 - Figuras de Barro Maria Benedita Vieira 37
Cap. 19 - Barcos e Canoas Carlos Lourenço 97
Cap. 7 - Pastel de Milho Amélia Oliveira da Silva 41
Considerações Finais 101 Referências Bibliográficas 102 Perfil do Pesquisador 103 FCCR 104 CECP 105 Agradecimentos 106 Relação das Edições Anteriores 106
Cap. 8 - Artesanato em Taboa José Marques Moreira 45 Cap. 9 - Viola Caipira José Soares da Silva 49 Cap. 10 - Viola Caipira Olavo José de Almeida e Daniel José de Almeida 53
o
A gradecimentos
iniciais
Às pessoas que buscam as expressões poéticas de suas vidas.
A
os ‘fazedores’ que me receberam para uma prosa, um diálogo, uma entrevista, uma escuta. Aos conselhos de Angela Savastano e seu empenho na leitura dos textos e participação em algumas entrevistas, bem como por sua postura profissional de agregar pessoas e potencializá-las. À Francine Maia pelo constante diálogo na estruturação do projeto. Ao jornalista Avelino Israel pelas sugestões na redação do texto. À Maria Siqueira Santos pelo auxílio na transcrição das entrevistas e leitura crítica dos textos. À Flavia Diamante pela participação na entrevista com o piraquara Vadér. Ao Washington Freitas pelo empréstimo dos equipamentos de iluminação. Agradeço também aos funcionários do Museu do Folclore: Janice Ribeiro de Aboim Chaves,
pelo empenho em contatar os ‘fazedores’; Mariana Castro Teixeira, pela pesquisa das fotografias do acervo do Museu do Folclore; Andrelina Paiva de Souza Tomaz, pelas informações sobre o Museu Vivo e participação nas reuniões; Bruno Francisco Diniz Marinho, pelo diálogo e forças empenhados do novo projeto com os ‘fazedores’; à Joseana Aparecida de Souza, garantindo o funcionamento da estrutura financeira; William Roberto Garcia, por ajudar no contato com seu tio Vadér; ao Guilherme Augusto Pereira e à Manoela Horácio da Silva Mourão, pelo atendimento no museu. Todos contribuíram direta e indiretamente para o acontecimento: a produção do livro ‘O saber e o fazer no Museu do Folclore’. Fábio Martins Bueno
O
valor da cultura popular
A
decisão de publicar de forma inédita, pela Coleção Cadernos de Folclore, um livro que aborda o Museu Vivo, um dos mais importantes programas desenvolvidos pelo Museu do Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), sob coordenação do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP), é de extrema importância para o registro e a valorização da cultura popular local e regional. Em 14 anos de existência, o programa já beneficiou mais de 150 ‘fazedores’ da nossa cultura popular, contribuindo para que as diferentes manifestações tivessem mais visibilidade e que a população pudesse tomar conhecimento da sabedoria dessas pessoas. A edição deste livro, não só reforça estes dois principais objetivos, como também certifica o sucesso da iniciativa. Este 22º volume da Coleção Cadernos de Folclore representa, ainda, um momento de reflexão sobre o próprio programa no contexto das atividades do Museu do Folclore. Ao expor, em um livro, o perfil de 19 ‘fazedores’, contando um pouco da vida e da cultura popular de cada um, fica a certeza de que vale a pena continuar investindo na estrutura e divulgação de tão valioso programa.
A propósito, o incentivo à produção de obras literárias sempre foi uma tônica da FCCR, que tem em eventos, como Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura e Semana Cassiano Ricardo, as melhores oportunidades de divulgação dos autores joseenses. Além de outras iniciativas como projetos literários aprovados pela LIF e concurso de redação realizado anualmente. Poder realizar este projeto, mais uma vez, em parceria com o CECP, não é só gratificante para a FCCR, mas, acima de tudo, é ter consciência de que em São José dos Campos se faz uma cultura voltada para todos, da erudita à popular, sem qualquer discriminação. Temos certeza de que este livro é uma justa homenagem aos ‘fazedores’ que sempre nos cativaram com sua simplicidade e sabedoria. Fundação Cultural Cassiano Ricardo Diretor Presidente – Exercício 2009 – 2012
S onhos
A
que se tornaram realidade
conteceu, um sonho se tornou realidade! Assim, Hélio Augusto de Souza, então prefeito de nossa cidade nos idos de 1985, tornou possível a criação da Fundação Cultural Cassiano Ricardo. Com estudo aprimorado, foi realizado com a comunidade joseense um estatuto envolvendo os mais diversos setores da cultura do município, o que resultou na formação de várias comissões. Nesta época tiveram início os trabalhos da Comissão Municipal de Folclore, com o objetivo de formar, informar e registrar as mais diversas manifestações da cultura popular existentes e tão presentes em cada ser. Com estudo e documentação feitos pela comissão, pode-se avaliar a importância de cada gesto, do pensar, do agir e do sentir na nossa personalidade. Com o tempo a realidade mudou e a Fundação Cultural Cassiano Ricardo ganhou um novo estatuto e uma nova dimensão de programação. Chegava ao fim as comissões e o trabalho voluntário de seus integrantes. Mas a Comissão de Folclore não se deu por vencida e o sonho continuou, se transformando numa nova realidade. Afinal, um trabalho de muitos anos não podia se perder. Novos estudos e novos trabalhos tiveram início, possibilitando a formação
do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP), que deu continuidade ao que vinha sendo realizado pela extinta Comissão de Folclore, sempre com a preocupação de formar, informar e registrar as manifestações populares da comunidade. Com o CECP continuamos conhecendo a riqueza popular que possuímos. Hoje estamos envolvidos em cursos pedagógicos, de pós-graduação, criamos uma biblioteca especializada em cultura popular (Biblioteca Maria Amália Corrêa Giffoni), um museu da cultura popular (Museu do Folclore) e também o Programa Museu Vivo, que nos deixa sentir o dia a dia, a vivência rica dos fatos que tornam o ser humano mais completo. Carrego comigo, até hoje, a felicidade de ter participado, desde o início, da Comissão Municipal de Folclore e da formação do CECP. Hoje sou mais feliz, mais realizada. Obrigada Hélio Augusto de Souza! Obrigada Fundação Cultural Cassiano Ricardo! Maria Helena Weiss Folclorista, participou da extinta Comissão Municipal de Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo e da criação do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP).
P rograma M useu V ivo A fala e o fazer do próprio dono do saber
E
m 1986, quando foi criada a Fundação Cultural de São José dos Campos, agora chamada Fundação Cultural Cassiano Ricardo, um grupo de pessoas foi convidado para participar da Comissão Municipal de Folclore, uma das seis comissões que fariam parte do Conselho Deliberativo da instituição. Foi missão desta Comissão Municipal de Folclore propor ações que definissem uma política cultural na área do folclore, para São José dos Campos. Na verdade, ser um banco de ideias, sugeridas e propostas para serem executadas pela Fundação Cultural. Essas ideias eram defendidas pelos coordenadores de cada comissão, entre seus pares no Conselho Deliberativo. Defendida a proposta, julgada e aprovada, era executada pela Fundação Cultural. A proposta da Comissão Municipal de Folclore era ser agente de mudança social, por meio de ações de formação, informação e divulgação do folclore da região. Para isso foram propostos cursos de folclore para informar e preparar pesquisadores nesta área, detectar, documentar e registrar as principais manifestações de cultura popular em São José; e definir um espaço onde poderiam ser aglutinadas essas documentações e objetos recolhidos em campo. Surgiu o
Museu do Folclore. Instalado e inaugurado em 1999, já com as portas abertas, aconteceu uma rica relação entre os visitantes e o espaço onde está localizado e instalado o museu. A primeira exposição de longa duração dialogou com o público sobre os ciclos da vida; a segunda sobre os traços culturais da nossa região e a terceira sobre patrimônio imaterial. Em todas percebemos que esse diálogo seria muito mais rico se fosse possível usar não só os objetos e artefatos expostos, mas a fala e o fazer do próprio dono do saber. Nasceu o Programa Museu Vivo... “lugar de encontro de gerações, trocas de memórias, identidades, culturas, etnias, gêneros, grupos sociais, enfim, lugar de reconhecer o outro, lugar de encantamento, de poesia e de conhecimento” (Gabriela Aidar). Então, o Programa Museu Vivo foi idealizado e criado para que esse diálogo acontecesse... “lugar onde identidades culturais podem ser identificadas e reconhecidas, onde a produção de diferentes se evidencie sem que o outro seja o diferente” (Gabriela Aidar).
Mudança social Havia a constatação que em São José dos Campos, pelo seu crescimento acelerado motivado por diversas razões, seus habitantes desconheciam o potencial da sua cultura, os traços culturais que os identificavam como filhos desta região, mostrando até certo preconceito sobre sua própria cultura. Trabalhar o sentimento de pertencimento e a consciência de ser dono de uma herança, de um bem cultural que o distingue e o faz rico pela diferença, seria o primeiro passo para ajudar esse homem a crescer como cidadão, como pessoa, como ser humano e fortalecê-lo para participar de conscientes decisões de mudanças. Incluí-lo nesse processo, para que ele faça parte dessa mudança social. As mudanças sociais só acontecem, de fato, com a participação das pessoas que necessitam, desejam, podem e devem participar diretamente do processo. Não raras vezes o homem vivencia uma situação de exclusão simplesmente pelo desconhecimento de seu papel na sociedade, do desconhecimento da sua capacidade de participação usando seu saber. O indivíduo fica excluído. Nas palavras de Gabriela Aidar, “a exclusão social pode ser entendida também como uma cidadania incompleta.” E ainda, “o museu pode contribuir para regeneração social em nível local ou ser catalisador de
mudanças sociais mais abrangentes.” O Programa Museu Vivo tem esta proposta, esta finalidade. Acontece aos domingos, das 14 às 17 horas no Parque da Cidade, em torno do Museu do Folclore, reunindo diferentes ‘fazedores’ de São José dos Campos. Angela Savastano Presidente do Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP
C apĂtulo 1
Maria Alzira da Rosa
Dona
Alzira
P icote
O momento de picotar o papel
olha novamente, dobra, recorta. Maria Alzira da Rosa, a dona Alzira, 60 anos, mergulha com destreza em seu fazer artístico. “Quando estou fazendo, não penso em nada, me esvazio.” Mediante o vai e vem da tesoura, sem desenho, entre tantas bifurcações inscritas nas ranhuras do papel, das suas mãos surgem pássaros, cálices, ramos e corações. Ela não sabe explicar de onde provêem os motivos que picota no papel, mas sabe falar do tempo de quando eles chegam à sua consciência, um espaço aberto em seu cotidiano. “No dia em que estou com a cabeça meio quente, eu pego para fazer”, diz com cativante gargalhada. Na sala de sua casa, dona Alzira exibe com orgulho o certificado emoldurado na parede, exatamente cinco anos depois de sua emissão pela Comissão Paulista de Folclore. Conta que antes do reconhecimento do seu trabalho pelo Museu do Folclore, poucas pessoas davam valor ao seu trabalho. “Algumas pessoas para quem eu dava os picotes de presente enrolavam e colocavam no bolso.” Quando chegou ao Vale do Paraíba, em meados de 1977, dona Alzira veio acompanhada de seu marido, Lupércio Francisco da Rosa. Por indicação da tia, que conhecia a região, ficaram na cidade de Santa Isabel, a 60 quilômetros da cidade de São Paulo. Lá trabalhou cinco anos em uma tecelagem, como ajudante de produção, enquanto o marido trabalhava como montador de móveis. Tiveram a primeira filha, guardaram economias, e venderam a casa de Santa Isabel para comprar terreno na cidade de São José dos Campos, no Bairrinho, região leste da cidade, onde nasceram seus ou-
O
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l h a , d o b r a , r e c o r ta ,
tros dois filhos. O tempo passou, os filhos cresceram e o primeiro marido morreu. Hoje, dona Alzira vive junto com seu segundo marido, João Batista Silva dos Santos, alagoano que há 16 anos mora na cidade. São Paulo, uma terra de muitas terras. A trajetória de dona Alzira revela um pouco da trajetória de seu artesanato. Sua mãe fazia picotes quando ainda moravam em São José da Boa Vista, norte do Estado do Paraná. De lá veio o picote, que morreu e renasceu na família de dona Alzira. “A minha mãe fazia, mas eu nunca me interessei. Eu achava que estava estragando o papel. Aí um dia o médico dela falou assim: ‘sua mãe está lúcida desse jeito, porque ela faz este tipo de trabalho’. Mas isso nem me passou pela cabeça fazer. Aí, passado um tempo, minha mãe enfartou, mas eu não aprendi nada. Se hoje eu faço, é de cabeça.” O trabalho mostrado na ilustração foi produzido em papel alumínio reciclado de papel de embrulho. Dentro do círculo oval apoiado na base de um cálice, se espalham ramos e aves entre o signo do coração. Dona Alzira confessa que, geralmente, não conversa enquanto picota. “Faço quando estou mais na tensão do trabalho, no esquecimento.” Mas abriu uma exceção e falou sobre o cálice que surgia no papel. “Se uma pessoa não quiser ficar com este cálice, pode dividir e ficar um em cada lado, cortando no meio. Eu tenho fé que muita coisa que a gente faz não é pra gente... então ela vem com calma (a figura no papel), esse é
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C apĂtulo 3
Renato
Vieira
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B rinquedos
de madeira
A filosofia de vida de um artista popular
e estudo.” Se com o dado pode um jogador desafiar o outro, seu Renato desafia as pessoas que passam em frente a sua casa com triângulos, retângulos e outras formas geométricas. Ao caminhar pela manhã na praça do Jardim Satélite, pode-se vê-lo trabalhando na manutenção externa da casa, juntando as folhas que caíram durante a madrugada. Pintado no muro de sua casa está o jogo matemático, as fórmulas de cálculos e os desenhos geométricos. Junto a eles os preceitos de vida, as proporções sagradas. Renato, 91 anos, chegou a São José dos Campos no início da década de 1980 vindo de Itajubá (MG), onde trabalhava como projetista delineador na fábrica de armas do Ministério da Guerra. Aprovado em concurso, passou a trabalhar no então Centro Técnico Aeroespacial (CTA), hoje Departamento de Ciência e Tecnologia Espacial (DCTA), onde se aposentou aos 70 anos de idade, a contragosto, porque a legislação trabalhista não permitia que ele continuasse trabalhando. Ainda assim, ficou mais dois meses “só para acertar as coisas.” A partir de então, passou a trabalhar em sua casa, onde intensificou a produção de brinquedos de madeira. Uma das comunidades para quem apresenta seu trabalho é o Museu Vivo. “Lá (no Museu do Folclore) eu fui levar os brinquedos e as crianças saíram correndo brincando, um com o outro. A dona Angela (Savastano) pediu para eu fazer a montagem dos brinquedos e mostrar tudo para eles, então os que iam ficando prontos eles iam pegando e saíam correndo pra brincar.” A estação de trem, a vila, o armário e a cama das bonecas, o mecanismo que movimenta as asas da borboleta, os porta-retratos com contornos de animais, o suporte da bobina de sacos plásticos na cozinha, os aviões de madeira pendurados ao longo do beiral do telhado, o carretel de pipa. As criações em madeira de seu Renato são diversas, certamente a lista está incompleta, e é provável que não sejam suficientes duas tardes inteiras para conhecer todas. De forma geral, há invenções para adultos, jovens e crianças.
“
R
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a l i , r a l i , pa z , amor, prosperidade
C apítulo 7
Amélia Oliveira da Silva
Dona
Amélia 41
P astel
de milho
As memórias do prato na família compartilhadas na cozinha
“
dentro de uma vasilha. Depois que ela estiver escaldada, a gente tem que sovar até que ela dê a liga. O polvilho a gente escalda com gordura fervendo, para ele dissolver. Depois a gente incorpora ele nessa massa para poder ter jogo de abrir. Para cada quilo de farinha de milho, você usa duas colheres de polvilho azedo.” Na casa de dona Amélia a cozinha é um espaço especial. Além de ser o espaço para a arte da culinária, é também por onde a intimidade familiar é compartilhada, por onde ocorrem e ocorreram muitas das relações entre as gerações. Sua filha, Dulcinéia, além de compartilhar a receita sem qualquer reserva, relata a importância que o prato manteve na economia da família quando eles viviam em Itajubá, Minas Gerais. “Nós fomos criados com esse pastel da minha mãe, mesmo quando meu pai estava vivo, a gente vendia na feira, lá na porta de casa. Todo domingo a gente vendia. A gente colocava numa mesa, porque a feira era na rua da minha casa. Aí, minha mãe ia fritando e passando para gente vender. Também por dois anos eu vendi na escola, eu ia lá, minhas irmãs estavam estudando, ficava do lado de fora porque não podia entrar. Já tinha um bar que vendia as coisas lá, senão eles pegavam as coisas da gente. Aí eu avisava: olha já estou aqui fora! Aí, elas pegavam e
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s c a l d a a fa r i n h a d e m i l h o
C apítulo 9
José Soares da Silva
Zéda
Viola
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V iola
caipira
Um compositor às margens do rio Paraíba do Sul
Z
é um importante violeiro da cidade de São José dos Campos. Participa do Museu Vivo acompanhado de seus alunos, ex-alunos e amigos, violeiros experientes e recém-iniciados na arte de cantar e tocar viola. Desde que se aposentou como pedreiro, há 23 anos, dá aulas de viola em vários bairros da cidade pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR): Santana, Vila Tesouro, Eugênio de Melo, Dom Pedro, Novo Horizonte. Além disso, participa da Folia de Reis e da dança de São Gonçalo. José Soares da Silva, apelidado Zé da Viola, nasceu em 11 de dezembro de 1938 no bairro Vila dos Pinheiros, região oeste da cidade. Saiu do bairro com a família quando estava com 14 anos, morou em outras regiões da cidade e, atualmente, mora em uma casa às margens do rio Paraíba, na Vila Esmeralda, região norte. Em sua fala, a vida na Vila dos Pinheiros é uma memória atualizada com detalhes. “Meu pai era piraquara, morava no sítio e vendia peixe na feira, e eu, com minha mãe, que tocava a lavourinha, plantava cana, feijão, milho. Com 8 anos eu já tinha uma enxadinha. Lá era um sítio, tinha cafezal, plantação, só que não tinha ponte, era uma balsa que passava. Eles traziam tudo no lombo de burro e no carro de boi, naquele tempo não tinha caminhão. Só aqueles ricaços que tinham aqueles fordinhos. Era tudo levado naqueles balaios no lombo do burro, no cangaio. O mercadão não tinha banca, ponhava tudo no chão para vender. Eu era pequeno, mas lembro de quando vinha com meu pai. O que tinha mais lá era pescador e o pessoal que tra-
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é da viola
C apítulo 10
Olavo José de Almeida e Daniel José de Almeida
Danilo Daniel &
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V iola
caipira
A gente não sabia tocar, batia no violão e cantava
O
65 anos, é o Danilo. Junto com seu irmão, Daniel José de Almeida, 59 anos, formam a dupla Danilo e Daniel. Tocam e cantam no Museu Vivo na companhia do Zezinho, violão e voz. Além deles, outros amigos e parentes participam da cantoria. A maioria participa também das rodas de viola que ocorrem nos ranchos durante os finais de semana. “Tem uma sobrinha que mora perto da represa do Jaguari, sempre quando a gente vai para lá aos domingos, junta todo mundo, você precisa ver o tanto de gente. E eu falei para ele: o culpado disso foi nós dois”, lembra Olavo. Os dois irmãos chegaram a São José dos Campos em 1978, vindos do norte do Paraná, da cidade de Apucarana, local onde começaram a cantar e tocar. “A gente começou a cantar quando morava no Paraná, a gente morava no sítio e quando trabalhava na roça a gente gostava de carpir cantando. Daí, na volta, a gente se reunia e fazia uma cantoria. Tinha um violão, mas a gente não sabia tocar, batia no violão e cantava. A gente sempre ouvia aquele programa do Edgar de Souza, a gente não perdia”, conta Olavo. A conversa prossegue com Olavo. “A gente chegava da roça à tardinha, a primeira coisa que a gente fazia era ligar o rádio. Lá não tinha televisão, era só rádio, a gente ouvia muito Tonico e Tinoco, Zico e Zeca, Jacó e Jacozinho, essa turma mais antiga. Até que hoje a música que a gente mais canta é do Tonico e Tinoco, Zico e Zeca, Jacó e Jacozinho, foi essa a turma que a gente mais pegou.” Daniel explica que “para ser a primeira voz e a segunda voz a gente
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l av o j o s é d e a l m e i d a ,
C apĂtulo 16
SebastiĂŁo
Marcolino
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F olia
de
R eis
A dedicação às bandeiras da Folia de Reis Estrela-Guia de São José
“
gente ganha muita fita. O povo faz promessa e põe muita fita. Então a gente sai com a bandeira com pouca fita e ela acaba carregando tanto que acaba a gente precisando tirar a fita, compreende, tanto que o povo põe como promessa. Eles fazem promessa quando a gente repete a visita, eles sabem que a gente vai voltar e fazem a promessa, tira a fita e mede no corpo, tem um problema na saúde, eles fazem promessa e vai grampeando fita. Tem família que escreve o nome da família inteirinha na fita!” Sebastião Marcolino, 79 anos, é embaixador da Folia de Reis Estrela-Guia de São José dos Campos. Ele apresenta com entusiasmo as duas bandeiras que guarda em sua casa, ambas da mesma folia, mas utilizadas em ocasiões distintas. Na menor delas, feita para levar no carro quando o grupo sai de uma região para outra, há uma pintura do encontro dos três Reis Magos com o menino Jesus nos braços de Maria, ao lado dela está José. Na maior, utilizada durante os festejos, estão pintados os três Reis Magos montados em camelos, seguindo a estrela-guia, atravessando o deserto. Há 65 anos Sebastião faz a folia de reis. Começou quando vivia em Minas Gerais, em Conceição do Rio Verde, acompanhando seu pai, José Marcolino. “Eu ajudava meu pai desde a idade
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bandeira, o seguinte: a
C apĂtulo 18
Laudeni
de Souza
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jongo
O ponto e os tambores
“
T
chega e quer cantar um ponto ele grita: ‘Machado!’ Aí para tudo e a pessoa canta. O jongo, antigamente, os escravos usavam para se comunicar, mas também para o lazer deles. Com os pontos eles se comunicavam, falavam sobre coisas do dia a dia, da pretensão deles, de uma fuga, que algum escravo tinha apanhado. Muitas vezes o sinhozinho estava ali perto. Eles falavam na língua deles, o sinhozinho não sabia o que eles estavam falando, ou se não, quando eles estavam fazendo roda de jongo, cantavam só o que entendiam. Às vezes, quando o sinhozinho estava ali perto, aquela pessoa que não tinha nada a ver, que eles não gostavam, vinha para tomar conta deles. Uma pessoa que não entendia do serviço, não entendia de nada, aí eles cantavam para o outro: Com tanto pau no mato, embaúba é coroné! Por quê? Embaúba é uma madeira que tem no mato, mas que não serve para nada, não serve para fazer moirão, não serve para botar fogo, só serve para dar formiga. Então, o que eles queriam dizer que com tanto pau no mato Embaúba é coroné? Que com tanta gente boa para estar ali, mandando neles, mandando fazer as coisas, vai mandar uma pessoa que não tem nada a ver? Que não tinha aquele relacionamento?” Quem assim explica é Laudeni de Souza, líder do Grupo de jongo Mistura da Raça. O grupo nasceu em São José dos Campos em 2002, num tempo em que o jongo na cidade estava somente na memória das antigas gerações. Laudeni cresceu vivendo o jongo em Barra do Piraí, Vale do Paraíba Fluminense. Cantava o jongo com seu pai, mestre Dovalino de Souza, da Comunidade
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oda vez q ue um jongueiro
Este livro foi composto com a família tipográfica Adobe Caslon, corpo 11,5 / 15 e impresso em Couché Fosco 150g/m. Tiragem de 1500 exemplares. São José dos Campos, dezembro de 2012.
realização