TFG I Mahyra Nabuco

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Orientador: Prof. Dr. Celso Lomonte Minozzi

A [RE] CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO PALCO DA VIDA URBANA

MAHYRA ARNEIRO NABUCO São Paulo 2016



UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

A [RE] CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO PALCO DA VIDA URBANA

Trabalho final de graduação apresentado à Banca Examinadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para a conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo.

São Paulo 2016



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A ideia, a princípio, era ser breve. Mas acredito que seja importante agradecer e reconhecer as pessoas que foram fundamentais durante este trabalho e, sobretudo, durante este ciclo. Primeiramente, gostaria de agradecer ao meu professor e orientador, Celso Minozzi, pela paciência, generosidade e, sobretudo, pelas conversas e reflexões que sustentaram esta pesquisa. Aos professores desta instituição que cada um com o seu modo, deixaram em mim um pouco de si através da troca de conhecimentos em sala de aula, das palavras durante um atendimento, das lembranças na reflexão de um livro, ou até mesmo, pela simples e grata memória de encontra-los pelos corredores da universidade. À minha família por todo apoio e carinho, razão pela qual este trabalho virou realidade. Em especial à minha mãe, Mary Arneiro, exemplo de determinação e persistência ,ao meu pai, Júlio Cesar, por compartilhar comigo toda sua sabedoria, ao meu irmão Rodrigo Nabuco por ter sido solicito e presente em momentos cruciais e à minha tia Aurea Arneiro e meu primo, Gustavo Arneiro, por todo acolhimento e carinho. Ao Antonio Candal pelo amor e companheirismo e por todas as vezes me disse que eu ia


conseguir, diante de todas as vezes que eu duvidei. O seu amor foi combustível e potência À todos que estiveram ao meu lado, em consciência ou não, que dividiram angústias e alegrias nos bancos do ‘’bosque’’, símbolo dos momentos de desconexão da rotina alucinante. Em especial, Natália Loureiro. Aos meus amigos do Fuscão, que entre encontros e desencontros fizeram estes cinco anos se tornarem inesquecíveis. À Gabriela Orlandi por todo companheirismo e conforto; ao Pedro Pontes por todo conhecimento e apoio; ao André Raeder por toda irmandade; à Denise Cruz por me acompanhar nesse último ano; à Camila Valladao por todo embasamento e reflexões; à Alessia Schiavo por todas as conversas; à Natalia Oliveira por todos os desabafos;à Amanda Melo por todo carinho; à Natalia Tieri por todas as dicas; à Isabela Serro Azul por toda afeição; à Marcela Barros por toda compreensão. Ao time de handebol feminino, por ter me proporcionado tantos momentos emocionantes e por ter me dado à oportunidade de praticar este esporte que eu tanto amo. Aos meus amigos do intercambio, Caue Volpe, Amadeu Silva, Murilo Caron, Gabriela Melo, Raquel Byrro, Raquel Tiezzi, Pérola Iamamura, Serena La Porta, Carol Rocha, Alba Fiduccia, Ana Costa, Luana Bezerra, Neuza Lima, Diego Silveira, que compartilharam comigo tantas experiências. Em especial minha irmã Jana Linsen, que apesar da distância sempre esteve presente. Aos meus amigos de vida, os quais compreenderam o ano atarefado e mesmo assim se fizeram presentes, Mariana Zanardo Dessotti, Marianna Kuraoka, Ricardo Ianuzzi e Isabela Bordin e Haryadne Carniel.

À todos o meu muito obrigada!




“A questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nos mesmos e a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos.” ( DAVID HARVEY)


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Este trabalho trata do modo de apropriação do espaço público no centro da cidade de São Paulo por parte de seus usuários e habitantes. Nessa perspectiva, a pesquisa se utiliza de pilares conceituais que abordam a questão antropológica e sociológica da cidade com base nas obras de Richard Sennet e Paola Jacques. A obra de Sennet será fundamental para elucidar a importância dos papeis públicos para a constituição da identidade do homem urbano e a ruptura do equilíbrio entre as esferas pública e privada na cidade contemporânea. A periodização realizada tem como propósito destacar os eventos históricos da cidade que transformaram a maneira de como os indivíduos se apropriam dos espaços públicos. Este percurso histórico acompanha as mudanças na apropriação do espaço, tanto no uso cotidiano, como nos grandes eventos simbólicos, até chegar à cidade contemporânea. Para analisar a complexidade contemporânea, torna-se necessário compreender as mudanças impostas pelas tecnologias e os novos meios de comunicação que influenciaram de forma direta no modo de apropriação e atuação dos indivíduos no espaço urbano. A reflexão acerca das novas tecnologias será realizada com base nas obras de François Ascher e Pierre Levy. Palavras chave: espaço público; ser público; cidade contemporânea; apropriação; tecnologias.


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This graduate project explore the downtown occupation of the city of SĂŁo Paulo, considering part of its users and inhabitants. In this perspective, the research analyze conceptual pillars that address the anthropological and sociological question of the city based on the Richard Sennet and Paola Jacques publications.Sennet’s work will be the baseline in elucidating the importance of public roles in shaping the identity of urban man and breaking the balance between public and private spheres in the contemporary city. The periodization done aims to highlight the historical events that have transformed a way of how individuals take use public spaces of the city. This historical path accompanies the changes in the space appropriation, both in daily use, as the great symbolic events, until arriving at the contemporary city. In order to analyze the contemporary complexity, it is necessary to understand the changes imposed by the technologies and new means of communications, which had a significant impact in the way of appropriation and performance of the individuals in the urban space. Reflection of the new technologies will be develop based on the François Ascher and Pierre Levy publications. Keywords: public space, citizen, townee, contemporary city, appropriation, technology.


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Inquietações

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Capítulo 1 – O espaço público como expressão da identidade

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1.1.

Corpo e cidade

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1.1.

O esvaziamento da praça, e o consequente declínio do homem público. 44

1.2.

Espaço público e história

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1.3.

São Paulo [espaço e historia]

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Capítulo 2 - O espaço público na cidade contemporânea

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2.1.

Dinâmica espacial e visual

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2.2.

A influência da era digital

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2.3.

Ciberespaço

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2.1.

São Paulo e suas alternativas

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Capítulo 3 - Consideracoes finais

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Capítulo 4 - Referências Bibliográficas

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A escolha por abordar como tema deste trabalho, a apropriação do espaço público no centro da cidade de São Paulo, é fruto de uma inquietação pessoal a respeito dos modos de se construir a cidade e a consequente relação da mesma com os seus habitantes. O fascínio diante das questões urbanas e da cidade em si, foi se intensificando ao longo desses seis anos, como estudante de Arquitetura e Urbanismo. Os temas e questões abordados em sala foram se acumulando em meus pensamentos, fazendo com que eu me atentasse para cada passo dado na cidade. O gosto pelo centro se intensificou quando eu fui pela primeira vez à Virada Cultural, em 2010. Soma-se a isso o período de dois anos em que trabalhei na subprefeitura da Sé, onde eu tive a chance de conhecer mais a fundo o centro da cidade e sua dinâmica cotidiana. Entre os anos de 2014 e 2015, tive a oportunidade de morar em Valladoid, na Espanha. Uma cidade de escala bem menor, que vive intensamente seus espaços públicos. As ruas e as praças são o palco da vida, jovens, idosos, crianças, exceto durante a “ciesta1” ,ocupam estes

1 1 Hábito espanhol de retirarem-se no lar por umas 3 horas para descanso. Durante este período as lojas se fecham e a rua fica vazia. Na cidade de Valladoid isso acontecia das 14:hrs às 17:hrs, no entanto este horário pode variar de acordo com a cidade.


espaços de forma intensa e efetiva. Uma cidade pequena de hábitos simples, típicos de interior, com um cheiro característico e uma arquitetura própria. A Espanha foi a porta de entrada para a Europa e outros tantos lugares que tive a oportunidade de conhecer. O contato com diversas culturas, diversas escalas de cidades e climas, me proporcionaram novas experiências e novas relações com o meio urbano. O meu estudo acerca do meio urbano teve início durante o intercambio, quando eu cursei as matérias de “Teoria de la ciudad’’, e “La ciudad como hecho artístico” nas quais eu tive um contato mais próximo com diversos teóricos que de maneira direta ou não, estão presentes nesta pesquisa. A destacar: Richard Sennet, Olivier Mongin, Peter Hall, Camilo Sitte, Hillier, Susane Grolle, entre outros. Na volta ao Brasil, toda a experiência e conhecimento adquirido vieram à tona, aflorando minha inquietação diante da cidade de São Paulo e a maneira de como nós, habitantes, nos relacionamos com ela. Diante deste contexto, ao definir o tema de pesquisa, optei por estudar, justamente, o desenrolar das ações humanas e das práticas sociais nos espaços urbanos, ou seja, a maneira de apropriação e interação entre os indivíduos e esses espaços e compreender quais são as exigências do ser público quanto à forma de representação espacial para que o mesmo se torne perceptível, uma vez que, é a presença deste ser que irá qualificar tais espaços. Visto que o objeto é identificar a maneira que o indivíduo ira se apropriar do espaço na metrópole contemporânea, é necessário entender qual a dimensão do público neste contexto, bem como compreender quais são as exigências deste ser quanto à forma de representação espacial para que o mesmo se torne perceptível. Para isso, será fundamental conceituar a importância dos papeis públicos para a constituição da identidade do homem urbano e o momento de ruptura do equilíbrio entre as esferas públicas e privadas. É necessário compreender, também, a 20


conceituação das características do espaço que induzem esta relação, a destacar: o significado, a diversidade, a inserção na cidade e os próprios aspectos físicos. Nessa perspectiva, o estudo tem como foco buscar um entendimento do espaço público como um locus de uma cultura urbana compartilhada, que tem suas bases em valores coletivos, uma cultura que incentiva o convívio com os opostos, a diversidade e, sobretudo que tenha como resultado um espaço público ativo e atrativo. Tendo em vista os assuntos a serem abordados, esta pesquisa é composta por três capítulos. No primeiro, faremos uma análise dos espaços públicos ao longo da história, com o intuito de apontar as mudanças que estes espaços foram sofrendo e de que como a sua configuração implica no modo de interação do ser público. Este capítulo irá nos mostrar o espaço público como expressão de identidade, a qual é alterada em função de aspectos econômicos e sociais, bem como o momento de ruptura do equilíbrio entre as esferas públicas e privadas, e o consequente declínio do homem público. Vale realçar as questões antropológicas da cidade, que nos farão refletir a relação entre o corpo e a cidade. Após realizar a periodização dos espaços públicos ao longo da historia do mundo Ocidental e, sobretudo da cidade de São Paulo, no segundo capítulo, abordaremos as questões inerentes à cidade contemporânea, abrangendo as dinâmicas espaciais e visuais, o modo de ocupação do espaço público no centro da cidade de São Paulo e a influência que a tecnologia e os meios de comunicação exercem no modo de apropriação do espaço público por parte de seus usuários. Por fim, realizarei algumas considerações acerca deste tema, com o intuito de relacionar os assuntos abordados na tentativa de encontrar mecanismos que proporcionem uma melhor relação entre a cidade e seus habitantes. Longe de realizar qualquer conclusão, vejo esta pesquisa como um modo de trazer à tona as questões inerentes à cidade e o modo de apropriação dos espaços públicos pelos seus habitantes. 21



Capítulo 1 O espaço público como expressão de identidade


O crescimento acelerado e desordenado das grandes cidades no século XX e a aplicação dos conceitos do urbanismo moderno, publicados na carta de Atenas, resultou a criação de espaços inóspitos, desprovidos de urbanidade, acolhimento e identidade, conceitos que estão intrinsicamente relacionados. Este crescimento tão acelerado, fez com que os habitantes destas grandes cidades não digerissem as transformações ocorridas, perdendo a orientação que tinham em relação ao desenho de uma praça ou rua. Soma-se a isso, a priorização do automóvel nas urbanizações que teve como consequência a segregação social, a hostilidade aos pedestres e a própria perda de identidade, mudando o significado original da rua como o primeiro ambiente de convívio social. Essas alterações, nas palavras de Sennet, fizeram com que deixássemos de acreditar que o que circunda tenha qualquer significado1. Assim, a partir de meados da segunda metade do século XX, em meio ao fracasso urbanístico no movimento moderno e do crescimento desordenado, que os arquitetos e urbanistas perceberam que havia algo de errado com as grandes cidades. Elas careciam de algo. É neste momento que nasce o espaço desurbano, hostil aos pedestres e ao corpo2, que instiga arquitetos, urbanistas e outros pesquisadores a iniciarem uma reflexão capaz de ir além dos preceitos limitadores e das regras do modernismo ditadas pelos congressos internacionais de arquitetura e pela própria lógica econômica da época. A última reunião da CIAM ( Congres Internationaux d` Architecture Moderne) em 1959, gerou insatisfações ao grupo do Team X, o qual deu início às críticas que questionavam a

1 SENNET,1988, p.31 2 As conceituações do Team 10 já apontam nessa direção no final dos anos 50, assim como as deliberações dos derradeiros CIAMs. A referência ao corpo da ênfase a um tipo específico de hostilidade que é conceituada por Bernard Tschumi, como “violência arquitetônica”. (TSCHUMI, B., 1994, p.121-140.) 24



Figura 2 : Playground de Aldo Van Eyck em AmsterdĂŁ.

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ausência da dimensão humana nos espaços da cidade moderna. Nas perspectivas deste grupo, a nova arquitetura deveria dar início a práticas participativas e criativas, dando possibilidade para a intervenção coletiva nos processos projetuais. Isso com o intuito de gerar um entendimento sobre a responsabilidade social entre aqueles que concebem a cidade e aqueles que habitam. O arquiteto Holandês Aldo Van Eyck, membro do Team X, deu início à experimentação espacial com a construção do seu primeiro playground, em 1947, na cidade da Amsterdã como uma medida emergencial, diante de um cenário devastador do pós-guerra. A cidade carecia de habitação, espaços de uso coletivo e de serviços. Esse projeto marcou a passagem da organização hierárquica do espaço, ate então defendida pelos modernistas, e presente no Plano de Amsterdã de 1934, a uma arquitetura cujo objetivo era algo novo, o espaço dedicado à atividade humana e a interação. A instalação dos playgrounds foi feita com o objetivo de inaugurar um local de encontro, que desse voz à vida cotidiana, resgatando a relação com a vizinhança. Eyke viu nos vazios da cidade uma oportunidade para uma intervenção temporária, transformando esses espaços abertos em lugares 3. De acordo com Rosa4 esses espaços foram criados pela circunstância, apropriação e utilização temporárias, por instantes e situações em um conceito que tangencia a Teoria dos Momentos de Henri Lefebvre, na qual a cidade é definida como uma estrutura aberta a diferentes temporalidades que constantemente estabelecem novos códigos no espaço físico de forma lúdica e trivial. Esses argumentos nos direcionam para outra ideia de entender e fazer da cidade, fundamentada na reinterpretação do existente. Segundo Lefebvre5 o uso de terrenos baldios revela uma operação tática que tira proveito do potencial oferecido por situações de mudança 3 O conceito de lugares foi empregado de acordo com a definição de Marc Augé e que será discutida nesta pesquisa mais adiante. 4 Ver o artigo do autor Marcos Rosa. Revisitando os playground de Aldo van Eyck.2011, Vitruvius 5 Henri Lefebvre. Crítica da Vida Cotidiana, publicada em 1947 que tinha como objeto a periferia da cidade de Paris. 27


Figura 3 : ‘‘ The Naked City’’ - Guy Debord

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em momentos de reconstrução urbana. A partir da reflexão e do fracasso do movimento moderno, a relação da cidade com o seus habitantes passou a ser discutida por diversas disciplinas, sobretudo depois dos anos 1960, demonstrando a inquietação gerada no modo de produzir as cidades e a consequência disto na maneira como nos relacionamos com o território que vivemos. No âmbito das artes visuais, alguns grupos manifestaram interesse acerca desta questão, estabelecendo uma interface com o espaço público e colocando a cidade como plataforma de suas experiências e manifestos. Entre eles estão os Situacionistas, Fluxus, Land Art e paisagistas contemporâneos. A Internacional Situacionista difundiu um pensamento urbano que teve sua base fundamentada em ideias, práticas e procedimentos dos letristas reunidos em torno de Guy Debord, fundador do movimento. A psicogeografia, a deriva e, principalmente, a ‘’construção de situações’’ formaram a base de todo este pensamento. Como dito por Jaques6, as questões tratadas na revista Potlach inicialmente mais ligadas à arte, à superação do surrealismo, e principalmente às ideias de ir além da arte, passaram a tratar da vida cotidiana em geral, da relação entre a arte e vida e, em particular, da arquitetura e do urbanismo, sobretudo da crítica ao funcionalismo moderno. Entre os diversos procedimentos situacionistas, a deriva se apresenta como uma forma de vivência para romper com a racionalidade das representações dos espaços dominantes e se define como um comportamento ‘’lúdico – construtivo’’ que esta vinculado a uma percepção/ concepção do espaço urbano como um labirinto a ser decifrado e descoberto através de uma

6 JAQUES, Paola Berenstein. Breve histórico da Internacional Situacionista – IS. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n.035.05, Vitruvius, abr. 2003 29


experiência direta. Assim, os denominados Situacionistas caminhavam pelas cidades e construíam mapas psicogeográficos com base em procedimentos preestabelecidos e de percepções sensoriais dos espaços. A ideia central da tese situacionista era que, por meio da construção de situações, se chegaria à transformação revolucionária da vida cotidiana. ‘’ Em função do que você procura, escolha uma região, uma cidade de razoável densidade demográfica, uma rua com certa animação. Construa uma casa, Arrume a mobília. Capriche na decoração e em tudo que a completa. Escolha a estação e a hora. Reúna as pessoas mais aptas os discos e a bebida convenientes. A iluminação e a conversa devem ser apropriadas, assim como o que está em torno ou suas recordações. Se não houver falhas no que você preparou, o resultado será satisfatório. ’’ (Revista Potlach, n.14, novembro de 1954, apud Paola Jaques)

Ou seja, os situacionistas chegaram a uma conclusão contrária àquelas dos arquitetos modernos. Enquanto estes acreditavam que a arquitetura e o urbanismo poderiam mudar a sociedade, os situacionistas estavam certos de que era a própria sociedade que deveria mudar a arquitetura e o urbanismo. Nessa perspectiva o modo situacionista impulsionou a vivência e a experimentação da cidade. Os habitantes passaram de espectadores a construtores e transformadores de seus próprios espaços. `` A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da noção de espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado ä alienação do velho mundo o principio característico do espetáculo: a não participação. Ao contrario, percebe-se como as melhores pesquisas revolucionárias na cultura tentaram romper a identificação psicológica do espectador como herói, a fim de estimular 30


esse espectador a agir, instigando suas capacidades para mudar a própria vida. A situação é feita de modo a ser vivida por seus construtores. O papel do ``publico``, se não passivo pelo menos de mero figurante, deve ir diminuindo, enquanto aumenta o numero dos que já não serão chamados de atores mas, num sentido novo do termo, vivenciadores.`` (DEBORD, Guy. Relatório sobre a construção de situações e sobre as condições de organização e de ação da tendência situacionista internacional. Apud JAQUES, Paola.)

Sob esta mesma perspectiva de errâncias urbanas, o grupo neo-dadaísta Fluxus, propôs ideias semelhantes, que marcaram as artes das décadas de 1960 e 70. Este grupo, criado por George Maciunas, teve início durante um festival Internacional de música na Alemanha e era integrado por artistas de várias partes do mundo que se opunham aos valores burgueses, às galerias e ao individualismo. Eles propunham uma nova forma de fazer e entender a arte, aproximando-a do cotidiano das pessoas. Para tal, se aproveitavam das ruas e esquinas para a realização de suas ações e intervenções. Foi à época dos ‘’happenings’’ em Nova York. Já os integrantes do grupo Land Art, além de atuar na paisagem urbana, tinham um envolvimento físico com a natureza. Estamos falando de um tipo de arte em que o terreno natural, em vez de prover o ambiente ele é o próprio trabalho de modo a integrar-se com a obra. Esses movimentos, sobretudo, o Situacionista, foram essenciais para a cidade e suas novas dinâmicas. Esses grupos tinham a cidade como um produto da experiência, um espaço vivido que expressa o processo ativo de experimentar o espaço e produzi-lo simultaneamente. De um modo geral, a partir destes movimentos, a prática artística no mundo ocidental, passou a conceber respostas aos questionamentos a respeito do sentido das cidades. O denominador comum entre esses artistas, e suas ações urbanas, seria o fato de que eles veem a cidade como um campo de investigações artísticas aberto a outras possibilidades sensitivas, e assim, possibilitam outras maneiras de se analisar e estudar o espaço urbano através de suas obras e

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Figura 4: Manifesto Fluxus publicado em 1963, por Maciumas

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Figura 5: Intervenção do movimento Fluxus

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Figura 6: Intervenção do coletivo ‘‘Manga Rosa’’ defronte à Praça Roosevelt

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experiências7. No Brasil, modernistas e tropicalistas também experimentaram a cidade de forma crítica. Flavio de Carvalho, nos anos de 1930 já mantinha uma relação entre arte e vida urbana que muito se aproximava das experiências do surrealismo parisiense, com as quais ele teve contato durante seus anos de estudo em Paris. Ao voltar, foi ele que introduziu a circulação destas ideias no Brasil, principalmente por meio das suas deambulações urbanas. Hélio Oiticica, com a obra ‘’Delirium Ambulatorium’’, mostra sua aproximação com os ideais Situacionistas de 1960 e a relação com a rua e seus acontecimentos é ressaltada em todos os trabalhos. Em São Paulo essas experiências tiveram início no final dos anos 1970, durante o período militar, num contexto no qual as experiências coletivas transmitiam o afastamento do ambiente público da cidade e a necessidade de uma ação urbana. Diante deste cenário, podemos destacar a atuação de dois coletivos: 3nós3, formado por Judilson Jr., Mario Ramiro e Rafael Franca e o Manga Rosa, liderado por Nelson Brissac e Jorge Bassani. Esses dois grupos buscavam o resgate desses espaços ocultos para que os mesmos se tornassem palco das insatisfações que estavam eclodindo na própria sociedade. Podemos dizer que, de certa forma, estava implícita uma ideia de urbanismo na qual o indivíduo e o seu modo de agir no espaço da cidade se tornavam protagonistas, proporcionando encontros necessários para a revolução. Uma das propostas deste grupo foi a Arte ao ar Livre, que se concretizou através da Mostra Permanente de Arte (em) Out Door em São Paulo, que teve como produto a instalação de um painel em frente à Praça Roosevelt, cujo tema era atuação no espaço público e a possibilidade de torná-lo palco de encontro.

7 Henri Pierre Jeudy, Paola Berenstein Jacques : Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e politicas culturais, 2006,p.131. 35


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Perante aos acontecimentos abordados no item anterior, procura-se entender agora, no âmbito sociológico, quais os significados dessas ações sobre os habitantes do território urbano. Para isto, tomaremos como base o trabalho de Paola Jacques, o qual coloca que a experiência urbana, em suas diversas escalas de lugar e de tempo, permanece no próprio corpo daquele que a experimenta. ‘’ A cidade é lida pelo corpo como um conjunto de condições interativas e o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo em sua corporalidade, o que passamos a chamar de corpografia urbana. Esta corpografia das cidades seria uma cartografia corporal, ou seja, parte da hipótese de que a experiência urbana fica inscrita em diversas escalas de temporalidade, no próprio corpo daquele que a experimenta, e dessa forma também o define, mesmo que involuntariamente.” (PAOLA JACQUES, Corpografias urbanas: as memórias das cidades nos corpos, Seminário de história da cidade e do urbanismo,2008)

Estudos como este, nos quais a relação entre o corpo e cidade nos sugerem algumas alternativas em relação ao processo de espetacularização das cidades contemporâneas, nas quais o próprio corpo é o mecanismo resistente a esta espetacularização, são fundamentais para compreendermos o ambiente urbano de hoje.




Nessa perspectiva, o foco da corpografia urbana é entender como os indivíduos se apropriam do território da cidade. Segundo Jacques, o verbo apropriar é utilizado no sentido da experiência corporal sobre um determinado lugar, sendo empregado como uma maneira de apreender o território por meio de experiências mais interessantes e convidativas de interação com outros corpos no espaço urbano cotidiano. Portanto, de acordo com a autora, para que esses anseios se efetivem é necessária uma compreensão inicial acerca das pré-existências corporais resultantes da experiência no espaço existente. Ou seja, entender a cidade e a maneira com que ela atua em nossos corpos subjetivamente. Para tal, a autora também defende a prática da errância como um instrumento da experiência urbana, uma ferramenta subjetiva e singular. A questão central do errante está na experiência ordinária, diretamente relacionada com a questão do cotidiano. De Certau nos mostra que há um conhecimento espacial próprio desses praticantes, ou seja, uma corpografia própria, que ele relaciona com um saber subjetivo, lúdico e amoroso1. Por outro lado, a autora também aborda uma possibilidade de ação diante da cidade, que ao contrário da errância, se trata de uma ação crítica e política ativa. Jacques define esta possibilidade como micropoderes sensíveis, ações táticas que tem o objetivo de ocupar o espaço comum da cidade para construir e propor outras experiências. Vale realçar a importante referência da linguística e da semiótica na interpretação e legibilidade de um masterplan de uma cidade, determinando a forma com que os traçados viários, o parcelamento do solo, as tipologias dos edifícios e a própria forma geral da cidade são

1 PAOLA JACQUES, Corpografias urbanas: as memórias das cidades nos corpos, Seminário de história da cidade e do urbanismo,2008 40


interpretadas. Em relação à interpretação da cidade, tomaremos como base o autor Kevin Lynch, em seu livro “ A imagem da cidade” ( 1982), no qual ele propõe o quanto é importante a percepção da cidade, uma vez que a imagem da cidade histórica persiste através do tempo e se dá para além de uma leitura morfológica. Ou seja, o que vale é a imagem que cada habitante constrói e guarda da cidade. Lynch é um autor fundamental quando falamos das relações espaciais da cidade. Ele propõe um “modo agradável” de olhar a mesma. O urbano é visto por ele como um conjunto de sequências espaciais onde, nas palavras do autor: “os elementos móveis de uma cidade e, em especial, as pessoas e suas atividades, são tão importantes quanto as partes físicas estacionárias” .( LYNCH,K. 1982,p.48). Esse modo de interpretação do autor, levando em consideração a maneira como os edifícios e pessoas constroem uma cena urbana, é a essência do conceito de urbanidade. ‘’ (....) A urbanidade é composta, por algo que vem da cidade, da rua, do edifício e que é apropriado, em maior ou menor grau, pelo corpo, individual e coletivo. A urbanidade, assim entendida, estaria precisamente nesse modo de apropriação da situação pelas pessoas, seja na escala do edifício, seja na escala da cidade. Urbanidade não é sinônimo de vitalidade, no sentido de presença de pessoas, embora possa incluí-la. Nesse contexto o corpo naturalmente é o parâmetro; o comportamento espacial. A medida da delicadeza, da civilidade, é demonstrada pela conduta do corpo, individual e coletivo; em sua presença, em sua ausência, em sua postura. Ou seja, a urbanidade está no modo como essa relação espaço/corpo se materializa“. (AGUIAR, DOUGLAS, 2009)

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Esta apreciação estética relaciona intrinsecamente os elementos físicos que constituem a cidade, incluindo seus elementos inertes (os espaços públicos e edifícios) e seus elementos animados (pessoas e veículos). Tal relação permite a formulação de um entendimento no qual o indivíduo e o próprio corpo são protagonistas para a construção dos espaços públicos ativos e atrativos. Nessa perspectiva, a relevância deste tema está relacionada com a sua importância para a qualificação das grandes cidades. Soma isso o fato de que nos últimos anos, a questão da cidade, dos espaços urbanos, e de mobilidade passou a serem postos em pauta e discutidos abertamente, englobando até mesmo as pessoas mais leigas, que apesar de não conhecerem a fundo o tema, percebem a ausência de urbanidade e identidade na maioria dos espaços da cidade de São Paulo.

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Figura 9 : Abstração da corporografia urbana. 43


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A relação entre o espaço público e seus usuários sempre foi uma questão substancial para àqueles que pensam e estudam a cidade. Nessa perspectiva, com base nos conceitos até aqui abordados, os quais nos convergem para um pensamento no qual o individuo é o protagonista da cena urbana procura-se entender agora, de que modo às mudanças morfológicas, econômicas e sociais das cidades interferem na relação entre o homem público e o espaço urbano. A convivência entre cidadãos nos espaços públicos está relacionada com a constituição da res-publica e, numa perspectiva mais individual, interfere na formação do próprio senso de identidade desses homens. ‘’Uma res publica representa, em geral, aqueles vínculos da associação e de compromisso mútuo que existem entre pessoas que não estão unidas por laços de família ou de associação íntima: é o vinculo de uma multidão, de um povo; de uma sociedade organizada. ‘’ (SENNET, 1988, p.16)

A ação essencial de um cidadão é de se aventurar e caminhar no espaço coletivo e isso é o que o difere de um indivíduo que tende a ser cético aos interesses comuns. O espaço público é o local onde estranhos se encontram e trocam interesses em comum.


Mito do Narciso Na tentativa de concretizar o homem público dos novos tempos, Sennet cai no mito de narciso. Narciso era um garoto provido de grande beleza, mas que ao nascer recebe a profecia que terá vida longa desde que nunca veja seu próprio rosto. Ao crescer se torna um jovem bonito e desejado, porém orgulhoso e arrogante de modo que preferia viver só. Certo dia, depois de ser amaldiçoado por todos os pretendentes rejeitados, resolve se banhar em uma fonte clara. Ao debruçar-se, se depara com sua própria imagem e acaba por passar dias observando, até que, após dias sem se alimentar, morre. O mito alegoriza o egoísmo de desprezar o mundo, e como apaixonarse por si próprio pode ser perigoso. Na psicologia, o narcisismo é o nome dado a um conceito desenvolvido por Freud que determina o amor exacerbado de um indivíduo por si próprio e , sobretudo, por sua própria imagem.

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Figura 10 : Narciso (1590) - Caravaggio


‘’ É a ágora, espaço onde os problemas privados são traduzidos para a linguagem das questões públicas e soluções públicas para os problemas privados são buscadas, negociadas e acordadas’’. (BAUMAN, 2001, p.49)

No entanto, nota-se que essa dinâmica esta suscetível à ruptura, na medida em que os espaços para este tipo de manifestação estão sendo esvaziados ou transmutados em locais comerciais, contentores dos fetiches da sociedade moderna. Durante este processo é possível observar o declínio do homem público, que foi estudado pelo autor Richard Sennet em seu Livro ‘’O declínio do homem público: as tiranias da intimidade’’. Nesse livro, Sennet conta a origem do narcisismo, chamado por ele de ‘doença contemporânea’ a qual provoca a morte do espaço público, na medida em que vai avançando no interior da cultura social. ‘’... a tese deste livro é a de que os sinais gritantes de uma vida pessoal desmedida e de uma vida pública esvaziada...são resultantes de uma mudança que começou com a queda do Antigo Regime e com a formação de uma nova cultura urbana, secular e capitalista.‘’(SENNET, 1999, p.30).

Em seu discurso, o autor aponta a expansão do capitalismo e o advento do secularismo, sobretudo ao decorrer do século XIX, como os fatores que desencadearam o desequilíbrio entre as esferas publicas e privadas. A expansão do modo capitalista implicou uma serie de mudanças estruturais e morfológicas do ambiente urbano. O crescimento das instalações fabris e o consequente deslocamento das populações trabalhadoras para as suas proximidades, fizeram com que o centro das grandes cidades passasse a abrigar a população burguesa, segregando o território em estratos sociais. 47


Soma-se a isto a influência do secularismo, que contribuiu para que o lado individual sobressaísse em relação ao coletivo, fazendo com que o individualismo passasse a ser dominante nas relações de troca. Nessa perspectiva, Sennet aponta o esvaziamento da esfera pública na cidade contemporânea, como uma consequência da hipervalorizarão da intimidade, da privacidade, do retraimento e do silêncio. Para o autor, as sociedades do Antigo Regime 1tinham na plateia e no teatro lugares que se refletiam, uma vez que concebiam um mundo em que as pessoas poderiam ser estranhas umas as outras e poderiam conviver com essa diversidade através de códigos simbólicos, como por exemplo, o modo de se vestir ou de falar. Tais interações favoreciam o enriquecimento das relações públicas e proporcionavam o desenvolvimento de uma política propriamente pública. Segundo o autor, a essência da civilidade é o encontro de pessoas em um local público e tal civilidade desempenha um papel fundamental na própria individualidade do ser, uma vez que, ao conviver com diferentes indivíduos, o ser ganha uma capacidade de compreensão sobre si mesmo. Essa compreensão, de acordo com a psicanálise, pode gerar um conflito interno do eu e, consequentemente, gerar um desconforto. `` Descobriu-se que o homem se torna neurótico porque não pode suportar a medida de privação que a sociedade lhe impõe, em prol de seus ideais culturais, e conclui-se então que, se estas exigências fossem abolidas ou bem atenuadas, isto significaria um retorno a possibilidade de felicidade`. ( FREUD, 2011,p.32).

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O antigo regime refere-se a um sistema social e político aristocrático que foi instaurado na França.


Em seu livro, o Mal estar na civilização, Sigmund Freud, trata das consequências que a vida em sociedade causa no ser humano. Na obra, o autor constata que os homens estão sempre em busca da felicidade e que, portanto, se a vida em sociedade traz conflitos internos ela, consequentemente, gera sofrimento. Nessa perspectiva, a sociedade tende a se individualizar, alterando as concepções do seu espaço privado. `` O eu de cada pessoa tornou-se o seu próprio fardo; conhecer-se a si mesmo tornou-se antes uma finalidade do que um meio através do qual se conhece o mundo.`` (SENNET, 1988,p.16).

O retraimento da esfera pública se deu em função do desenvolvimento da individualidade. Sennet aponta o êxodo rural como uma das principais condicionantes para a resguarda da sociedade diante dos ‘’estrangeiros’’. Esses estranhos provenientes do campo, que chegaram às cidades tornaram caóticas as definições geográficas, causando um receio no homem urbano quanto à definição desses estrangeiros. É neste momento que se inicia uma tendência em utilizar a reclusão da esfera privada como um mecanismo de defesa do público. Soma-se a isso a ascensão da classe burguesa que tinha na individualidade uma ferramenta de elevação social. O comércio capitalista, por meio da “fetichização da mercadoria’’ também contribuiu para este pensamento, uma vez que as novas lojas de departamentos induziam o comprador a pensar que determinadas mercadorias iriam alterar sua personalidade. Chegamos ao ponto no qual a personalidade e a aparência eram prioridade nas relações sócio econômicas. A própria concepção de sociedade perde seu significado cedendo lugar a uma definição do social como um conjunto de personalidades. Neste contexto a espontaneidade passa a ser vista como uma anormalidade.

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Figura 11 : ‘‘Omphalos’’ ( 2004-6) - Anish Kapour, Chicago.


A importância da aparência disseminou a sensação de que tudo sobre uma determinada pessoa poderia ser lido ou interpretado pelos detalhes e diante disto, o mecanismo de defesa foi à privacidade. Esse retraimento do homem para a vida privada, de acordo com Sennet, foi definindo duas estratégias indentitárias possíveis: a total reclusa no domínio privado, ou a personalização no domínio público, mais especificamente, na politica, gerando a ‘’cultura do espetáculo’’. ‘’Distanciava-se a semelhança da vida das pessoas com o palco, os homens estavam se tornando atores mais sérios e menos expressivos do que seus antepassados’’.(SENNET,1999,p.241)

Frente a esta cultura, o importante não era o discurso do homem público e sim a personalidade que ele apresentava e esta é a grande diferença em relação às sociedades do antigo regime. Sennet descreve o teatro do século XVIII como um locus de algazarra, interação, debate e discussão, enquanto que no século XIX, era o local do silêncio entre a personalidade do espetáculo (o ator) e o resto das pessoas que se julgavam carentes de tal personalidade. Esse silêncio era uma forma de defesa diante de um estranho e de uma possível relação social, era, portanto, uma maneira de se manter distante da sociedade; as pessoas passaram a estar em público e ao mesmo tempo sozinhas e a relação entre o palco e a rua estava agora invertida2. Outro sintoma desta sociedade intimista são as formações de comunidades definidas por Sennet como destrutivas, nas quais os homens receosos em construir relações sociais se refugiam em pequenos círculos sociais identitários. Sob esta perspectiva, só há uma interação entre os indivíduos que compartilham os mesmos códigos de caráter, rompendo com a politica do bem social. Ou seja, de acordo com Sennet, a procura por interesses comuns é destruída pela 2 (SENNET, 1999, p. 272) 51


busca de uma identidade comum. Este tipo de organização teve como consequência a germinação de dois problemas contemporâneos. O primeiro é que os indivíduos pertencentes a essas sociedades passaram a encarar as pessoas externas a elas como inimigos. Já o segundo diz respeito à própria comunidade, a qual ao formar laços estreitos de intimidade entre seus ‘’membros’’ acaba gerando uma segregação dentro dela mesma. ‘’ As pessoas somente podem ser sociáveis quando dispõem de alguma proteção mútua; sem barreiras, sem limites, sem a distância mútua que constitui a essência da impessoalidade, as pessoas são destrutivas, não porque a natureza do homem seja malévola... mas porque o efeito último da cultura gerada pelo capitalismo e pelo secularismo modernos, torna lógico o fratricídio, quando as pessoas utilizam as relações intimistas como bases para as relações sociais’’. (SENNET,1999,p.379)

É neste contexto que o cidadão enquanto ator desempenha um papel fundamental na preservação da cena pública. O homem ator compartilha suas emoções e interage com a cidade, fazendo com que a mesma seja o palco da vida. Temos, portanto, um resgate ao conceito que estava presente no Theatro Mundi, o qual colocava o mundo como um grande teatro no qual cada indivíduo deveria exercer seu papel. Ou seja, o teatro como expressão da sociedade. Para Sennet, a relação do teatro com a cidade pode ser definida em quatro partes: ``...existe, entretanto, um relacionamento lógico entre palco e rua. Esse relacionamento lógico tem quatro partes: primeiramente, o teatro compartilha de um problema, não com a sociedade em geral, mas com um tipo especial de sociedade – a cidade grande. É um problema de plateia – especificamente de como suscitar crença na aparência de alguém em um meio de estranhos; em segundo lugar, podem surgir na cidade regras para tornarem fiáveis 52


aparecimentos perante estranhos que tenham uma continuidade de conteúdo em relação às regras que dirigem as respostas ao palco da época. Em terceiro...uma geografia publica...Em quarto lugar, a expressão social será concebida como uma apresentação, para os outros, de sentimentos que significam em si e para si ao invés de sê-lo como uma representação, para os outros, de sentimentos presentes e reais para cada eu.`` (SENNET, 1988, p.66)

Figura 12 : Berlin 53


Figura 13 : ‘‘Máscara sensorial’’ (1967) -Lygia Clark Para Clark, a arte deveria ser experimentada. Cada obra dela exige que o espectador saia de seu papel meramente passivo para assumir uma forma única com a sua criação. Segundo Clark, as máscaras sensoriais seriam um meio de fazer o homem encontrar o fantástico dentro de si. Ao usar a máscara, cada um poderia experimentar momentos de integração com o mundo exterior ou uma interiorização, que poderia chegar ao isolamento absoluto. Cada reação dependia das respostas cerebrais dadas aos estímulos. Nas palavras de Clark, ‘’as máscaras permitem habitar um espaço intermediário entre o real e a fantasia, entro o exterior e o interior.’’

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Essa passagem de Sennet nos remete a repensar a relação entre o indivíduo e a arte e a dificuldade que o mesmo tem em expressar seus sentimentos no ambiente público. Com exceção dos indivíduos que possuem uma veia artística e a consequente capacidade de expressar seus sentimentos, o ser desprovido desta habilidade, sente-se inseguro em exercer esta interpretação e se torna plateia. Mas a grande questão, e o que diferencia um ser artista é a capacidade que este tem de se distanciar do seu próprio eu ao usar uma máscara para atuar neste cenário urbano. E este distanciamento que é essencial para o convívio em sociedade. ‘’Usar a máscara é a essência da civilidade. As mascaras permitem sociabilidade pura. Distante das circunstâncias de poder, do mal estar e dos sentimentos privados das pessoas que as usam.’’ (SENNET, 1900,p.39)

No entanto, o teatro não possui apenas atores, ele também possui plateia, ou seja, a cena pública da qual estamos falando é a interação entre estes fatores, ator – público, palco-plateia. Pois um indivíduo pode usar a máscara e se manter em silêncio. Diante destes conceitos, faz-se necessário o estudo da evolução do espaço público na história da progressão das cidades, que surgiram com uma função politica, que foi substituída por um caráter comercial, que deu lugar a cidade industrial, e que por sua vez, está cedendo lugar, a algo novo. Em cada um desses períodos, temos diferentes dinâmicas de apropriação do espaço público por parte de seus habitantes.

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No decorrer da história, o espaço público tem sido parte substancial na formação da identidade das cidades ocidentais. Este local que, a princípio foi caracterizado como um território de convivência e intercambio social, político e econômico entre seus habitantes, modificou-se ao longo do tempo. Em vista disso, com o intuito de compreender a atual conformação dos espaços públicos, faremos uma breve contextualização destes espaços ao longo da história. Nas cidades-estado gregas, a ágora desempenhava o papel de espaço público mais visado e valorizado. Atuava como um espaço de reunião, no qual havia a circulação de produtos, ideias e pessoas, independente do câmbio de bens. Era na ágora que as pessoas de uma mesma comunidade se relacionavam elas saiam de seus oikos1 e iam se reunir neste grande centro. Segundo Lewis Mumford (1982), a Ágora grega tinha no âmago da sua origem uma função de um centro político e comercial. Ou seja, a ágora era um misto de um local de mercado e reunião. Para Saldanha2 ,mais do que a praça de mercado a Ágora seria um espaço central na

1 Na Grécia Antiga, o oikos era o nome dado para a unidade básica de uma sociedade, formada pelo chefe, representado pelo homem mais velho, sua família (filhos e esposa) e seus escravos, que conviviam em um mesmo ambiente doméstico. É uma palavra de origem grega e que pode ser traduzida para o português como “casa”, “ambiente habitado” ou “família”. 2 Saldanha 1993 apud DE ANEGELIS; DE ANGELIS NETO; CASTRO, 2004 apud DE EMILIO, PAULO, 2010


vida urbana, símbolo da presença do povo na atividade política. Frente a este contexto, o local passou a se tornar o centro da polis, uma vez que os edifícios públicos da cidade foram sendo construídos ao redor deste lugar onde as pessoas se encontravam com frequência. Outra questão relevante no que diz respeito à cena pública, era o momento de descontração e diversão. E daí a importância da presença do teatro, que estava intrinsecamente relacionado à vida da Ágora, e desempenhava um papel fundamental no cotidiano da população. A prática teatral estava intrinsicamente relacionada à atividade política, no entanto, também desempenhava o papel do lazer. Podemos dizer que a ágora foi precursora do fórum romano, e das grandes praças do mundo ocidental, atuando como um exemplo de espaço público como locus de uma cultura urbana compartilhada, diversificada e ativa. ‘’O espaço público-político, para os gregos um espaço comum a todos (koinon), onde os cidadãos se reúnem, é a esfera na qual todas as coisas são primeiro reconhecidas em sua multilateralidade’’. (ARENDT, 2009, p.228)

Para os romanos, as relações sociais, as atividades comerciais e religiosas ocorriam no centro do Fórum, o qual se caracterizava como um espaço público. O Fórum romano seria um espaço heterogêneo e multifuncional, cuja origem estaria na necessidade de possuir um mercado comum para a prática comercial entre as diversas tribos estrangeiras pertencentes à sociedade romana. Diferente da ágora grega, o fórum era configurado por imponentes edifícios públicos, os quais abrigavam as funções políticas e representavam a monumentalidade do Estado. A migração das discussões politicas para dentro destes edifícios rompeu com o equilíbrio existente entre as esferas públicas e privadas na Grécia Antiga, uma vez que a atividade política passou a ser 58


Figura 14 :Theatro de Herodes -GrĂŠcia 59


Figura 15 :Fรณrum Romano 60


exercida dentro destes edifícios. Esta mudança do local destinado à atividade política deu início ao processo de retraimento da esfera pública. Já na Idade Média, a mudança da estrutura da cidade e da própria sociedade levou a uma diminuição da vida urbana, acarretando mudanças em relação ao modo de utilização dos espaços públicos e das praças, as quais passaram a ter funções específicas de acordo com as necessidades das atividades que a circundavam. Neste contexto, os direitos públicos foram suprimidos, ou seja, havia uma indefinição quanto à extensão das esferas públicas e privadas. Segundo Habermas (2003), o conceito de representatividade pública estava relacionado à autoridade do senhor feudal, do rei e do sacerdote. Ou seja, ao estar relacionado ao cargo, o espaço público era o palco de encenação da monarquia, caracterizando-o como um espaço excludente. O espaço público na cidade medieval não apresentou uma cisão com o espaço privado, ele era comum e contínuo, no qual estavam localizados os edifícios privados. Segundo Leonardo Benévolo, esse espaço público era dividido entre episcopado, o governo municipal, as ordens religiosas, e as corporações. Tais edifícios se articulavam por meio de uma rede de ruas estreitas e irregulares que compunham um espaço comunitário com várias praças. Essas praças eram o ponto de reunião da população, onde eram realizadas trocas mercantis, manifestações da vida política, condenações e apresentações de cunho artístico. Segundo a definição de Sitte, a praça medieval era um espaço livre, onde se desenvolviam os principais acontecimentos da vida cotidiana, representando um local de interação social. Nessa perspectiva, ela também era o local de manifestação do ser público, ao concentrar as atividades atreladas ao cotidiano e propiciar a integração. A Piazza de San Marco, em Veneza, é a única praça da cidade e constitui um exemplo da praça medieval. Ela foi palco dos principais acontecimentos na cidade durante a República de 61


Veneza. Sua posição diante da boca do grande canal favorecia a conexão com a zona comercial de 3Rialto. Esta posição também definiu a importância do comércio para esta sociedade que tinha nesta atividade um modo de interação entre os indivíduos. A Praça de San Marco é cercada por uma trama de ruas e edifícios que contrastam com a ordem da praça. O conjunto se beneficia do teor dramático entre os mundos antagônicos. Além de ser o coração da cidade, a praça ainda é o local onde acontecem os fatos mais importantes, como por exemplo, o famoso carnaval de Veneza. Os poetas e contadores de histórias permitiram que fosse transmitida a cultura e o modo de vida de quem vivia na Idade Média. Esses atores teatralizavam a vida urbana que já era, propriamente, um teatro em si. Em seu livro, O Apogeu da Cidade Medieval, Jacques Le Goff descreve a peça ‘’O jogo da folhagem’’de Adam de Halle, encenada na praça em meio ao espaço público em 1276. Essa peça retratava uma manifestação de uma sátira aos ‘’estados’’ e de certo afogo da população frente à incerta vitória da cidade sobre o sistema feudal. Segundo o autor, a cidade carrega o teatro na praça, transforma a si própria em teatro e a faz falar em linguajar vulgar4. Segundo Heidegger, em seu livro “Language’’,a poesia é capaz de concretizar as totalidades que escapam a ciência, por isso ele usa o poema ``Uma noite de inverno`` de George Trakl para concretizar os fenômenos da vida cotidiana.

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Rialto era uma importante zona comercial (LE GOFF, 1980, p.382)


Uma noite de inverno Quando a neve cai na janela E os sinos noturnos repicam longamente, A, mesa, posta para muitos, E a casa está bem preparada. Há quem, na peregrinação, Chegue ao portal da senda misteriosa. Florescência dourada da árvore da misericórdia. Da força fria que emana da terra. O peregrino entra, silenciosamente, Na soleira, a dor petrifica-se, Então, resplandecem, na luz incondicional, Pão e vinho sobre a mesa. (GEORGE TRAKL, Uma noite de inverno,1913)

De acordo com a interpretação de Heidegger, o poema concretiza o caráter do local, que serve como pano de fundo para os acontecimentos. Ele distingue o espaço interior do espaço exterior, apresentando a soleira como limite entre o público e o privado. Assim como nas praças descritas anteriormente, o espaço é marcado temporalmente pelo sino, que se sobressai e carrega em si mesmo a vida coletiva ao informar a hora e os acontecimentos previsíveis e imprevisíveis que ocorrem na cidade. O som constitui parte do espaço da cidade, ocupando sua totalidade e trazendo parte do ambiente privado (interno) para o público (externo). O sino configura-se, portanto, como um símbolo. ‘’ O repicar do sino ao anoitecer chama os homens, como mortais, a presença do divino’’ (NORBERG SCHULZ apud Heidegger, p.446)

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Figura 16 :Piazza de San Marco, Veneza

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Da mesma forma que o sino atua como um marco temporal, a rua induz ao ato do menir, que surgiu com os caçadores do paleolítico como uma forma de demarcar a paisagem. ‘’A rua que eu acreditava que fosse capaz de imprimir à minha vida giros surpreendentes, a rua com as suas inquietações e os seus olhares, era o meu verdadeiro elemento: nela eu recebia, como em nenhum outro lugar, o vento da eventualidade.’’ (BRETON,1924)

Essa passagem de André Breton, publicada no Manifesto Surrealista de 1924, elucida o sentido original da rua, como palco do cotidiano e da convivência. Posteriormente, no Renascimento, o crescimento urbano, e o desenvolvimento do mercantilismo implicaram em mudanças sociais que acarretaram novas formas em relação ao espaço público. A praça adquire uma função estética, vinculada à ordem e a disciplina em contraste com a espontaneidade do espaço medieval. Para Segawa5, a contraposição das noções de polivalência versus hierarquização, na época de transição da Idade Medieval para a Era Moderna, resultou na transição da praça medieval de uso múltiplo para uma praça renascentista regida pela ordem e pela disciplina. Este contraste também se deu na forma de apropriação entre os indivíduos e o espaço público, que passou a adquirir um caráter monumental e contemplativo. Seguindo uma ordem cronológica e histórica, a Praça Barroca também possui um valor monumental, destacando os palácios, as igrejas e as habitações. A praça deixa de abrigar os mercados que migram dos espaços livres centrais para locais específicos. Tal modelo de praça passa a valorizar a monumentalidade, enaltecendo a vegetação e os espaços de estar atuando como um centro de reunião da aristocracia europeia. Esse modelo de praça, ao exaltar

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SEGAWA 1996 p. 47 65


Figura 17 :Piazza del Campo, Siena 66


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o monumental e os edifícios, se distancia do meio público, convergindo os fluxos e as atuações para dentro de edifícios privados e restringindo os espaços circunscritos em meio a esta trama para a aristocracia, desvalorizando o convívio com os opostos. A cidade de Paris, nos anos 1680, passou por transformações formais, rompendo com a tipologia medieval e instaurando um novo modelo de praça. Foi neste contexto que esses locais passaram a adquirir maiores dimensões, tornando-se monumentais. Tal modificação alterou a conformação das aglomerações, restringindo a liberdade de reunião. De acordo com Sennet, a reunião de uma multidão se tornou uma atividade especializada; acontecia em três lugares: no café, no parque para pedestres e no teatro6. ‘’Há muitos séculos a vida popular vem se retirando das praças públicas e mais acentuadamente em tempos recentes sendo quase compreensível que tenha diminuído tanto o interesse da grande massa pela beleza das praças que acabaram por perder grande parte de seu sentido original.’’ (SITTE, 1992, pág. 113)

Neste mesmo contexto, após o incêndio de 1666 a cidade de Londres também passou por transformações, sobretudo, em relação à organização dos espaços públicos. As praças tiveram suas funções alteradas e passaram a ser implantadas entre os espaços de moradia, se distanciando do seu caráter público original e se aproximando do privado. ‘’A característica essencial dessas praças estava em não terem sido feitas para serem ocupadas por vendedores de rua, acrobatas, floristas e assim por diante... ‘’(SENNET, 1988, p. 88)

6 (SENNET, 1988, p.87) 68


A partir da metade do século XVIII, intensificou-se o desequilíbrio entre a esfera pública e a privada na medida em que desenvolvimento da burguesia mercantil e intelectual promoveu uma reestruturação no sentido da vida pública. A praça e a rua perdem força como símbolos de espaços públicos. Teatros, bares e cafés passam a protagonizar as alternativas de sociabilidade e firmam-se como instituições no imaginário da sociedade burguesa. A cidade, com suas galerias, boulevards e jardins, tornou-se o espaço de afirmação de uma burguesia ascendente. O resultado foi à criação de uma cidade monumental, composta por grandes eixos e boulevares que transformaram a configuração urbana das cidades. O modelo de rua tradicional foi substituído por um sistema de circulação e fluxos distanciando-se da uma escala humana. A praça deixou de ser um local de reunião e passou a ser um elemento de composição do sistema viário, tornando-se um local de passagem e entroncamento. Essa nova escala da cidade moderna anunciou um novo fenômeno para os espaços públicos: o esvaziamento e a perda das características tradicionais e que teve como consequência o declínio do homem público. Tal processo consolidou-se no séc.XX, sobretudo a partir da implantação de planos viários e complexos sistemas de circulação urbana, que resultou na conformação de grandes espaços urbanos e grandes estruturas, materializados em autoestradas, viadutos, eixos rodoviários, trincheiras e passarelas. Esta periodização dos espaços públicos nos permite perceber as transformações que estes espaços foram sofrendo ao longo da história das cidades e entender como as mudanças sociais, culturais e econômicas tem influência direta em relação ao modo de apropriação destes espaços e na maneira de como o ser público de manifesta.

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Figura 19: A cidade de Paris, 2015

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Assim como toda grande metrópole, a cidade de São Paulo também conta com um centro tradicional que simboliza seu marco histórico que serve de referência para a sua memória coletiva. ‘’ O centro como símbolo, território e significado é claramente um elemento estruturador da urbanidade de uma cidade ‘’ (VILLACA, 2000)

Nessa perspectiva, tendo o centro como a origem, neste subcapítulo iremos fazer uma análise histórica da cidade de São Paulo, com o intuito de entender a dinâmica e a conformação dos espaços públicos da cidade ao longo da história de modo a evidenciar como os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais influenciaram a configuração destes espaços e o modo como os habitantes de manifestam. A fundação da comunidade1 em 1554, formada pela consolidação da vila ao redor do Pátio do Colégio, de acordo com Mauro Calliari em seu estudo sobre o resgate da urbanidade em

1 Morse usa o termo ‘’comunidade’’ para definir as relações nesse período, pelo senso de coesão implícito entre os habitantes. Mauro Calliari, 2014, p. 63.


São Paulo, apresentava uma vida pública marcada pelas rotinas de uma comunidade pequena e culturalmente isolada do resto do território. Por mais que essa sociedade fosse pautada por regras de comportamento para cada grupo social, as atividades da vida comum integravam esses grupos sociais em uma única comunidade. O local escolhido para ser ocupado, tinha barreiras, como por exemplo, a Serra do Mar, o que dificultava o trânsito de pessoas, mercadorias e ideias. Outro aspecto característico desta ocupação, segundo Caio Prado Junior 2era a qualidade das terras ao redor deste povoamento, que por não serem boas para o plantio, fizeram os fazendeiros se instalar em terrenos mais distantes, se afastando do centro. Este fato exerceu uma grande influência na relação entre a elite agrária e a vila. Segundo Calliari, a mudança administrativa e o status político ajudaram a inverter a tendência de os fazendeiros morarem afastados da cidade, gerando reflexos na vida pública ao dar início a uma preocupação formal a respeito da qualidade arquitetônica dos prédios públicos. Diante deste cenário, a partir de 1788 foram feitas algumas melhorias nos espaços públicos: o chafariz de Tebas, a ponte sobre o Anhangabaú, a ladeira do Piques (atual Ladeira da Memória), o início da pavimentação das ruas, e, inclusive, a construção do Teatro Ópera, o primeiro da cidade. Vale realçar também, as reformas das igrejas e conventos desde o final do século XVIII e ao longo do século XIX.3 “Homens conversando, mulheres cobertas com roupas pesadas e pudendas, acompanhadas por pajens e escravos circulando com mercadorias vindas do vale. Na São Paulo desse período, mais importante que o seu padrão de ação social ou cultural popular era o senso de relações humanas de seus habitantes.

2 PRADO JUNIOR, Caio. “ A cidade de São Paulo. São Paulo. Cia das Letras,1983 apud Mauro Calliari. 3 Mauro Calliari. “Espaços públicos de São Paulo: o resgate da urbanidade”. Dissertaçao apresentada ao Programa de Pós-Graduacao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Valter Caldana, 2014 p.65; 74


Assim, os homens desse período sempre se saudaram nas ruas, mesmo quando estranhos. ’’(MORSE,1970,p.54-55 apud Mauro Calliari)

Outro marco em relação aos espaços públicos e a vida da cidade foi à fundação da Academia de direito em 1828. A escolha, de São Paulo como uma das sedes desta instituição (a outra foi cidade de Olinda) considerou o clima da região, a proximidade com o Porto de Santos, o baixo custo de vida e a vontade política do Imperador de descentralização de algumas instituições. A instalação de uma faculdade mudou a rotina da cidade, que ate então era pacata, sem grandes agitações. A demanda dos estudantes para espaços de diversão e debates refletiu no uso extensivo do espaço público. Assim como nas outras sociedades descritas anteriormente, havia uma grande influência da religião na vida pública, com a realização das missas e a anunciação do sino para indicar a hora de recolher. Podemos dizer que uma das maiores influências da igreja tenha sido na própria configuração dos espaços públicos, criados nos largos e adros das igrejas e mosteiros.4 O ato de ir até as fontes e chafarizes também proporcionava um encontro cotidiano. Além das religiões e dos atos cívicos, a ocupação das ruas também acontecia por motivos festivos, como por exemplo, as festas juninas, que tiveram início no século XVIII e o carnaval, que passou a ser celebrado em meados do século XIX. Na segunda metade do século XIX, iniciou-se um processo que iria desencadear uma transformação profunda em relação à dinâmica econômica e social de São Paulo. Sob a perspectiva de Calliari, a proclamação da República, com participação importante da elite

4 Sun Alex destaca, em seu livro O projeto da Praça, que a tradição das praças públicas no Brasil tem menos a ver com os espaços cívicos e mais a ver com os espaços criados a partir do acolhimento dos fieis das igrejas. Mauro Calliari, 2014.p.71 75


Figura 20: Estรกtua Rei do Momo no carvanal de rua de Sรฃo Paulo em 1936 76


Figura 21: Largo SĂŁo Francisco, Faculdade de Direito

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paulistana, deu novo impulso ao desejo de fazer a cidade refletir essa liderança. Este reflexo pode ser percebido na aparência das ruas centrais que já ao final do século XIX, mostravam o resultado do embelezamento através da pavimentação, a presença de guias e calçadas para pedestres. Algumas avenidas que foram construídas nos loteamentos privados, também apresentavam características que demonstravam a tentativa da reprodução dos boulevares franceses, tais como a arborização e o desenho das calçadas. Podemos citar como exemplo a Avenida Paulista. A criação do Parque da Luz em 1825, nas palavras de Calliari, é um ponto importante na história da relação da cidade com seus espaços públicos: o início da preocupação com o embelezamento e a fruição pública, e também o início da ocupação das áreas a oeste do triângulo histórico. O inicio da preocupação com o embelezamento deu ao espaço público um caráter contemplativo e monumental, assim como nas cidades renascentistas e barrocas. Ou seja, temos aí, um ponto importante em relação à dinâmica de apropriação destes espaços. Os espaços que, de acordo com Morse, na comunidade eram os locais de encontro e de práticas cotidianas, passaram a ser reconfigurados segundo as vontades da elite, imponto uma rigidez que impedia a livre atuação do ser público. O período entre 1898 e 1910, sob a gestão de Antônio Prado, foi icônico quanto ao desejo de transformação. Foi nesta época que foi realizada uma reforma no centro velho de São Paulo, com a abertura de grandes espaços públicos, como o Anhangabaú, a Praça do Patriarca, a Praça da Republica, a Praça da Sé e o Parque Dom Pedro II. Na gestão seguinte a preocupação com os jardins e as praças se manteve presente. O prefeito Raimundo Duprat, contratou o urbanista francês Joseph-Antoine Bouvard, que realizou vários projetos de paisagismo e reformas em áreas públicas icônicas. A destacar: o Vale do 78


Anhangabaú, o Parque Dom Pedro II e o Parque Trianon. No entanto, a influência européia e o grande crescimento populacional também contribuíram para o crescimento da cidade para além do centro, estabelecendo diferenças sociais mais nítidas. No inicio do século, o centro tradicional da cidade era caracterizado por ser um local de consumo, comércio e negócio das elites, englobando a Estação da Luz, a Praça da Sé, Pátio do Colégio, Largo São Francisco, Rua Florêncio de Abreu, Rua Santa Ifigênia, etc. O afloramento da presença popular teve início com o final da escravidão e a necessidade de um grande contingente de mão de obra para suprir o crescimento industrial da cidade em razão do capital acumulado com a exportação do café. Neste contexto, afluem novas classes que mudaram o quadro social vigente ate então . São eles: proprietários, comerciantes, imigrantes e estrangeiros. O desapontar dessas classes culminou com um grande crescimento demográfico. Em meio a esta movimentação populacional, a cidade de São Paulo recebeu pessoas de diversas regiões do Brasil e do mundo, reunindo num mesmo espaço diversas culturas e costumes. Foi neste contexto que um hábito social passou a difundir-se: os grupos humanos buscavam se reconhecer, num processo contínuo de acusar semelhanças e dessemelhanças entre si, associando modos de ser e comportamentos às origens demográficas e culturais de cada individuo do grupo5. A clara demarcação da esfera pública entre homens livres e escravos, deu lugar a uma nova fase, marcada pela presença de outros atores sociais na cidade o que resultou em atritos em função da diversidade de classes e etnias no espaço urbano. Sob o ponto de vista da apropriação dos espaços públicos este crescimento pode ser encarado

5 JORGE, Luís Antônio. São Paulo: transformação e permanências para uma cultura cosmopolita. Drops, São Paulo, ano 14, n. 075.03, Vitruvius, dez. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.075/4992>. 79


como um grande divisor de águas na dinâmica da cidade e na sua relação com os espaços. O aumento da diversidade nas ruas, com a chegada de um grande contingente de imigrantes e da Abolição da escravidão, gerou conflitos característicos de comunidades compostas por diversas culturas e nacionalidades. Neste momento a elite paulistana, com o intuito de estabelecer regras de ocupação deste espaço, cria em 1875, o Código de Posturas6. Este código pode ser interpretado como uma ferramenta para tornar a rua exclusiva, ao impor as vontades da elite perante aos outros usuários, com a intenção de segregar essas classes em espaços públicos circunscritos. Portanto, a história da cidade de São Paulo, nos remete a uma cidade construída por correntes migratórias externas e internas e a consequência foi à convergência de costumes nos espaços urbanos o qual gera uma indagação em relação à presença de identidades ‘’estrangeiras’’. Nas palavras de Jorge7, São Paulo pode ser vista como um mosaico de lembranças de outros lugares que cada imigrante ou cada grupo social trouxe como valor de cidade ou de urbanidade. Memórias de outros lugares e memórias do já fora destruído, nutrem os valores desta cidade que e concreta, mas e também, representação de outras cidades e culturas. O resultado desta sobreposição das representações construiu um cosmopolitismo na cidade, na qual o conhecimento da experiência do outro, do estrangeiro, também e uma forma de se reconhecer nas mesmas condições. Ao passo que para alguns indivíduos o choque com diferentes culturas gera em desconforto em

6 O código de posturas de 1875 foi uma consolidação de leis de ordenamento do espaco e saneamento. Estabelecia largura de ruas e avenidas, altura dos prédios e numero de andares e ainda regulava o uso do espaco publico, em particular proibindo o uso privativo das ruas, que deveriam ser mantidas abertas à circulação. (ROLNIK,1999,p.32 apud Mauro Calliari) 7 JORGE, Luís Antônio. São Paulo: transformação e permanências para uma cultura cosmopolita. Drops, São Paulo, ano 14, n. 075.03, Vitruvius, dez. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.075/4992>. 80


relação ao próprio ‘’eu’’ e um retraimento da esfera pública, para outros essa universalidade e encarada como uma oportunidade de novas vivências pessoais e urbanas. Ao falarmos do crescimento urbano da cidade de São Paulo no último século, podemos caracterizá-lo por duas problemáticas: o abandono das áreas centrais e o crescimento fragmentado e disperso da cidade. Tais problemáticas serão fundamentais para entendermos o cenário atual. A partir da década de 1980 os bairros centrais começaram a perder moradores. De acordo com os dados da Sempla (Secretaria Municipal de Planejamento), no período entre 1990 e 2001, os distritos da Sé e República perderam cerca de 20 mil habitantes, passando de uma população de 82mil habitantes para cerca de 62mil. Tal processo de esvaziamento populacional só começou a ser revertido na ultima década, quando, de acordo com o Censo de 2010, ocorreu um crescimento populacional de 19%. Sob a perspectiva de Meyer8, a dinâmica da dispersão urbana instalou-se na cidade de forma intensa e gerou um novo paradoxo urbano. Enquanto as áreas providas de equipamentos de infraestrutura e transporte de massa encontram-se num processo de esvaziamento populacional, são abertos novos setores de expansão urbana. O resultado deste processo foi à subutilização dos recursos disponíveis nas áreas centrais. Este processo de dispersão gera impactos importantes em relação ao uso do espaço público, sobretudo, no âmbito da diversidade, pois apesar da região central manter o poder de geração de empregos, ao perder moradores ela perde também a diversidade de usos. Esta dinâmica tem como consequência o esvaziamento desta área durante a noite.

8 Meyer, Regina. A construção da metrópole e a erosão de seu centro. In revista urbs. São Paulo, Associação Viva o Centro, n.14, ano II, set/out.1999 81


Soma-se a isso as sucessivas intervenções viárias ocorridas no século XX, sobretudo, o Plano de Avenidas em 1930, e a construção do ``Elevado Costa e Silva, com a inauguração da nova Praça Roosevelt, que marcaram o primeiro grande ataque aos espaços públicos do centro` 9, ao priorizarem o uso dos automóveis e distanciarem a cidade de uma escala humana, dificultando a atuação dos indivíduos como protagonistas. Os eixos viários criados acabaram por reordenar o espaço público existente ate então, criando obstáculos para os deslocamentos dos pedestres. Outro impacto em relação à priorização do transporte individual foi à transmutação de espaços originalmente destinados aos pedestres, como calçadas e praças para locais de acesso e estacionamento. As fragmentações geradas pelos grandes eixos de transportes permanecem presentes na paisagem urbana da cidade, o que a distancia de uma escala humana, dificultando o acesso do pedestres a diversos locais e prejudicando o ato de caminhar. Fazendo uma analogia com a Paris projetada por Hausman, a qual cedia lugar ao flanêur, podemos dizer que a São Paulo de hoje é a cidade na qual este ato não tem vez. Afinal, de acordo com a teoria da deriva de Guy Debord, o flaneur seria o ato de caminhar livremente pela cidade, associando o estado de espírito pessoal aos locais percorridos, escolhendo o percurso ao longo do caminho. No entanto, se existem barreiras urbanas, este percurso é imposto e não aleatório. O parque Dom Pedro II é um exemplo emblemático a respeito do predomínio rodoviário sobre o projeto do lugar. O projeto paisagístico original deste local, já citado anteriormente, foi desfigurado com a construção da Avenida do Estado e de mais cinco viadutos.

9 Meyer, Regina. A construção da metrópole e a erosão de seu centro. In revista urbs. São Paulo, Associação Viva o Centro, n.14, ano II, set/out.1999. pag.31 82


Figura 22: Avenida Prestes Maia e Viaduto Santa IfigĂŞnia, 1972 83


Portanto, de acordo com Caldeira, no início da década de 70, a apropriação do espaço público é um reflexo da mudança de caráter da ocupação espacial da cidade. As classes menos favorecidas foram ‘’expulsas’’ dos bairros mais centrais. ‘’ O sonho da elite da República Velha fora realizado: a maioria era proprietária de casa própria e os pobres estavam fora do seu caminho.’’ (CALDEIRA, 2011,p.228)

Para analisar esta questão da habitação, tomaremos como base o livro “ Cidade dos muros’’, de Teresa Caldeira. De acordo com a autora, a cidade de São Paulo teve três formas de segregação ao longo do século XX. A primeira delas, que abrange o final do século XIX até 1940, produziu uma cidade em que os grupos sociais se diferenciavam pelo tipo de moradia, numa área urbana pequena. O período entre 1940 e 1980 a forma dominante no desenvolvimento da cidade foi o centroperiferia, gerando uma segregação entre os diferentes grupos em função das grandes distâncias entre os tipos de moradia. Já a partir de 1980, nos deparamos com um padrão no qual os diferentes grupos sociais chegam a morar muito próximos uns dos outros, mas sem qualquer tipo de interação. Para Caldeira, os instrumentos desse padrão de segregação social são os ‘’enclaves fortificados’’. ‘’ Os enclaves fortificados...são propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito, ao mesmo tempo em que desvalorizam o que é público e aberto a cidade. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de seguranças, que impõem as regras de inclusão e exclusão. São flexíveis: devido ao seu tamanho, às novas tecnologias

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de comunicação, organização do trabalho e aos sistemas de segurança eles são espaços autônomos independentes do seu entorno, que podem ser situados praticamente em qualquer lugar...Finalmente, os enclaves tendem a ser ambientes socialmente homogêneos.’’ (CALDEIRA,2011,p.258-259)

Através desta passagem de Caldeira, podemos notar a agressão que a construção desses “enclaves fortificados’’ geraram na cidade. A criação desses espaços acentuou o conflito entre os espaços públicos e privados. Nessa perspectiva, os espaços destinados ao uso coletivo, passaram a ser produzidos pelo capital privado, restringindo seu acesso a uma pequena parcela da população. A lógica dos condomínios residenciais em gerar moradia e lazer dentro do mesmo espaço, fechando-se para a cidade, refletiu na subutilização dos espaços públicos existentes ao negar a rua e a própria cidade. Sob esta mesma lógica de funcionamento foram criados os ‘’shopping centers’’, reunindo no mesmo espaço diversas lojas, serviços e estacionamentos. Estes redutos da classe burguesa reúnem pessoas com os mesmos interesses, não gerando conflitos, fazendo com que os seus usuários permaneçam na mesma zona de conforto que possuem em seus lares, uma vez que não há o encontro com o “estranho”. O sucesso destes locais é um fato ao considerarmos que após a abertura do primeiro, o shopping Iguatemi, em 1966, foram abertos mais 52, chegando aos dias de hoje com um total de 53 unidades. ‘’ A expressão ‘’ir ao shopping’’, hoje, é parte do vocabulário da classe media, que vê nos espaços limpos, seguros e agradáveis, talvez a antítese do que imagina encontrar nos espaços públicos tradicionais da cidade. A propósito disso, notese que parte da população considera um privilégio poder frequentar um shopping 85


center, pois ele oferece ‘’maior opção de produtos, uma forma de passeio onde se pode levar a família, maior facilidade de estacionamento e um lugar elegante e bonito’’.(FSP,21/11/87 apud Vargas,1993 apud Calliari,2014).

Essa passagem da Folha se São Paulo de 1987, apesar de anos de sua publicação, se mantem atual e expressa um pensamento persistente na nossa sociedade. Segundo Bauman, os shoppings centers são espaços públicos não civis, uma vez que é um espaço de uso público que não gera a convivência e integração entre as pessoas e sim o individualismo. Estes locais impulsionam a ação e não a interação. Ele ainda sugere que esses lugares, “templos de consumo” ,como os nomeia, são locais que transpassam a realidade, formando uma espécie de ilha de liberdade e segurança que torna todos iguais. ‘’Os lugares de compra e consumo oferecem o que nenhuma ‘’realidade real’’ externa pode dar: o equilíbrio quase perfeito entre liberdade e segurança. Dentro de seus templos, os compradores e consumidores podem encontrar, além disso, o que zelosamente e em vão procuram fora deles: o sentimento reconfortante de pertencer – a impressão de fazer parte de uma comunidade.’’ (BAUMAN, 2000,p.114)

Seguindo este raciocínio da artificialidade presente nesses ‘’templos de consumo’’, Solà Morales, em seu livro ‘’ Territorios’’, aborda a questão dos centros comerciais com base no conceito de contenedor. Para ele, o cenário no qual o ritual de consumo é produzido é um espaço que se distancia das esferas públicas e privadas. São espaços fechados e opacos, nos quais a separação generalizada conceituada por Guy Debord em seu livro, “A sociedade do espetáculo’’,

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constitui uma premissa fundamental10. A separação generalizada abrange questões físicas, que estão fortemente presentes nestes locais de consumo, as quais negam a permeabilidade, a transitividade e a transparência. Esta negação implica na produção de uma atmosfera artificial, na qual todos os sentidos são induzidos e controlados pela artificialidade deste espaço interior, que é projetado com esta intenção. De acordo com Solà, não há nada tão rígido, segregado, controlado, seletivo e homogêneo quanto estes espaços. Ou seja, toda essa atmosfera criada nestes espaços implica uma reorganização e uma reconstrução de hábitos e sentidos que influenciam o modo de pensar e agir dos indivíduos distanciando-os da realidade. Portanto, os shoppings centers são locais que atraem pessoas de características e vontades semelhantes, isto é, dentro de tal espaço as pessoas se tornam cada vez mais parecidas. O ato de ir ao shopping significa, para muitos, colocar a sua melhor roupa, ou seja, padronizarse de acordo com o modelo que o lugar sugere. Na verdade, o shopping é criado para atrair e sugerir o consumo através da alienação. A disposição de uma grande quantidade de lojas e mercadorias está ali para nos desfazer da nossa identidade, renunciando à nossa cidadania e exaltando o prazer solitário da ação de fazer compras. Dessa forma, de acordo com Santos, essa natureza artificializada, instrumentalizada ao extremo, recusa-se a deixar entender diretamente. Os homens não veem o que enxergam11. Ou seja, é possível pensar que quanto mais poderes o homem confere às mercadorias e ao lazer coisificado, mais ele torna-se alheio a si mesmo e, consequentemente, aos outros seres sociais12.

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SOLÀ, Morales Rubio. ‘’ Territorios’’. Barcelona, 2002 – p.99 SANTOS, Milton. O espaço do Cidadão. São Paulo, Nobel, 1998 - p.51 PADILHA, V. Shopping Center – a catedral das mercadorias, São Paulo: Editora Boitempo.2006 - p.186 87


Figura 23: Caleidoscรณpio, por Angela Raposo 88


Assim, da mesma maneira que os fatores econômicos, sociais e culturais foram norteadores das definições entre as esferas públicas e privadas nas sociedades do velho continente, na cidade de São Paulo não foi diferente. Como pudemos ver ao longo deste breve histórico, as transformações sofridas no espaço urbano e nos modos de se relacionar e se construir as cidades, foram um reflexo da alteração destes fenômenos. Atualmente, de acordo com Henri Lefebvre, estamos em uma `` zona crítica``, na qual a prevalência do urbano sobre o território é tão consolidada que ameaça os valores de pertencimento que eram inerentes à cidade em função da atual existência de novos signos urbanos. O cenário atual pode ser visto como uma sobreposição dos períodos anteriores, no qual coexistem as funções da cidade política, da cidade comercial e da cidade industrial. De acordo com Mauro Calliari, o vetor resultante desta sobreposição, está mais próximo de um caleidoscópio pósmoderno que para uma determinada direção. Dai a complexidade de tal estudo, uma vez que as grandes transformações da metrópole contemporânea ainda estão em curso, o que dificulta a procura por uma resposta que considere essa nova forma urbana e seus efeitos nos usuários e habitantes.

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Capítulo 2 O espaço público na cidade contemporânea


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As passagens realizadas no capítulo anterior reforçam a ideia de que a cidade contemporânea carrega consigo um contexto de diferentes épocas, o que acarreta em um questionamento acerca da sua produção e transformação, principalmente ao considerarmos que estas são provenientes das relações produtivas e das relações sociais constituintes do espaço. A narrativa da cidade se desloca de seus espaços públicos para os seus espaços privados e isso não ocorre sem razões ou consequências. O que antes era primordial na mistura, nos relacionamentos, na composição da história e da identidade urbana se modifica, a cidade aproxima-se de tornar-se um não-lugar, com uma narrativa deslocada e fragmentada. Segundo Bauman, temos duas sensações primordiais geradas pelas cidades: a mixofilia e a mixofobia. A primeira seria a vontade intensa de se misturar ao novo, conhecer o diferente e as oportunidades, já a segunda é exatamente o oposto, é o medo a essa mistura. A princípio, podemos dizer que a mixofilia é o sentimento dominante da cidade. Ela que gera uma base para que a narrativa citadina se desenvolva e para que aquele espaço não se transforme apenas em um conglomerado de edifícios e sim num organismo que vive, atrai e se desenvolve.


Figura 24: MetrĂ´ por Hannu Oskala

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``É nos locais públicos que a vida urbana e tudo aquilo que a distingue das outras formas de convivência humana atingem sua mais completa expressão, com alegrias, dores, esperanças e pressentimentos que lhe são característicos`` (BAUMAN,2009, p.70).

Marc Augé fala de como alguns espaços físicos se tornaram não-lugares. O autor define um local como indentitário, histórico e relacional. Ou seja, um não-lugar seria o oposto disso, não indentitário, sem relações e, por consequência, não histórico. Em relação ao espaço público a distinção que Marc Augé faz permite separar os locais onde a informação corre, mas não se verificam interações entre os indivíduos, que correspondem exatamente aos não lugares; e os locais onde, é através da relação entre indivíduos, que se constrói o espaço público, `` A oposição mais explícita será então entre a Ágora, enquanto espaço público, e a autoestrada ou o supermercado enquanto não lugares materializados de errância singular e consumista.`` (2003,141). Segundo Augé, não é possível encontrar nos não lugares um espaço público, porque eles pressupõem uma ausência do indivíduo ao nível da decisão. No atual cenário de globalização e da rápida disseminação de dados e informação, assuntos que serão abordados na sequência, a televisão não pode corresponder à nova ágora, porque nela a opinião pública não nasce da discussão, mas sim da informação. Ao contrário do que acontece no espaço público, com a existência / coexistência dos meios de comunicação, no qual, a discussão pode estar presente, visto que há uma interação entre os dados veiculados e as pessoas. Nessas definições de lugar e não lugar torna-se evidente a diferença e ao mesmo tempo a relação, entre a materialização do próprio espaço (o espaço construído) e as práticas sociais que aí se estabelecem (o espaço vivido).

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Ora, se o intuito do projeto é incentivar o uso e a ocupação do espaço por pessoas e suas práticas sociais, o que buscamos, portanto, é o espaço vivido. Fazendo uma analogia com o pensamento de Massimo Cacciari, o não-lugar definido por Augé se aproxima de um sítio desterritorializado, em função da ausência de dimensionamento do espaço. ``Os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e coletiva e o espaço estaria ligado mais às relações funcionais de toda a espécie. O espaço funciona como uma referência extrínseca em relação aos objetos que ele contém. Ao passo que o território funciona em uma relação intrínseca com a subjetividade que o delimita. A partir daí, dá para colocar uma série de questões. Como é que se pode fazer um território num certo tipo de espaço ou inversamente, como no decorrer da história ou por ocasião de algum procedimento atual a gente desterritorializa territórios existenciais, distendo-os em espaços lisos. (GUATARRI – Espaço e poder: A Criação de territórios na cidade)

Para Felix Guatarri, a partir da definição de território como apropriação do espaço, ou como construção indentitária e política, chegamos àquilo que o autor coloca como espaços estriados para designar uma segmentaridade e multiplicidade da vida social, uma gama de possibilidades e de pequenas formas de apropriação, que entra na determinação de territórios subjetivos; territórios existenciais. ``O que é arte se não, justamente o condensador subjetivo para produzir mutações, conversações de produções e subjetivação?``(GUATARRI, 1986)

Nessa frase, Guatarri sugere a arquitetura como possível condensador entre espaços lisos e territórios existenciais, ou como um ‘’condensador semiótico’’.

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Seguindo a lógica de interação, nos aproximamos do conceito de ‘’simultaneidade simbólica’’ descrito por Lefebvre, o qual pensa a cidade e o urbano como uma interação dialética. Tal interação é uma consequência do urbano como uma forma da simultaneidade, da reunião, da convergência, enquanto que a cidade é a forma material (pratico sensível) que viabiliza ou não o urbano. Para ele, cada época histórica constrói uma centralidade especifica e, na cidade capitalista moderna, a dimensão lúdica – ligada ao imprevisto, ao jogo das relações sociais, aos encontros, ao teatro “espontâneo”1 muitas vezes se entrelaça à dimensão do consumo que é o tipo peculiar e específico de centralidade criado pela cidade capitalista.

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Frugoli JR.,1995,p.12 97


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Além das mudanças históricas da cidade, que culminaram com a alteração da dimensão pública, outro fator extremamente importante para entendermos a sociedade atual é a influência que a tecnologia exerce sobre a mesma, por meio de novas práticas e concepções que emergiram em tão pouco tempo. Fala-se em Sociedade Midiática, em Era Digital, Era do Computador; neste contexto, a sociedade passou a ser denominada não por aquilo que é ou por seus feitos e sim a partir dos instrumentos que passou a utilizar. Os novos meios de transporte e armazenagem de pessoas, informações e bens, que a sociedade desenvolve e disponibiliza para organizações e indivíduos, permite a estes uma certa emancipação de limites espaciais e temporais. De um lado, a presença física e a proximidade não são mais necessárias para um certo tipo de troca ou prática social, pois é possível telecomunicarse ou deslocar-se mais rapidamente1. Diante disto, surgem novos espaços de encontro através dos dispositivos móveis como smartphones e computadores portáteis, modificando a relação entre as pessoas e entre a própria cidade. Nos últimos anos, a evolução dos dispositivos móveis, mudou a posição da cidade como

1

ASCHER, François: Novos princípios do urbanismo, São Paulo – Romano Guerra Editora – p.37


lugar de encontro e troca de informações. Tais dispositivos geraram múltiplas possibilidades para o homem se relacionar entre si, com o outro e com o espaço que o circunda. Essas novas formas de comunicação e interação modificaram drasticamente as dinâmicas socioculturais. A virada do século XX para o século XXI é um marco na história da humanidade e das próprias cidades devido às transformações tecnológicas e avanços comunicacionais. Segundo Ascher (2010, p.67), as telecomunicações contribuem para uma transformação do sistema de mobilidade urbana, de bens de informações e de pessoas, bem como para novas estruturações espaciais. No entanto, de acordo com Ascher o uso dessas novas tecnologias e dispositivos não substitui em absoluto os transportes: o presencial, os contatos diretos continuam sendo os meios de comunicação privilegiados. ``... a acessibilidade física e a possibilidade do encontro são mais do que nunca as principais riquezas das zonas urbanas.`` ( ASCHER, 2010, p.65).

Ou seja, estamos diante de um paradoxo, no qual o próprio desenvolvimento das telecomunicações acaba depreciando o midiático e valorizando as sensações táteis. `` O boom das atividades esportivas e gastronômicas de lazer, o sucesso das salas de cinema multiplex, a crescente mobilidade ligada aos encontros familiares e amistosos, a importância dos grandes eventos esportivos e festivais são índices da importância renovada do presencial e da experiência direta na vida urbana``. (ASCHER, 2010, p.67)

Para Acher, já passamos por duas revoluções urbanas, sendo a primeira a fundação da cidade clássica e a segunda a revolução industrial. Segundo o autor, a primeira revolução 100


diz respeito às reconfigurações das principais instituições e campos políticos, econômicos e filosóficos. A religião perde espaço para a filosofia e a ciência que se desenvolvem junto com o capitalismo mercantil. A urbanização característica deste período tem o objetivo de controlar o futuro, sendo a cidade concebida tanto para os indivíduos autônomos quanto para a representação do Estado-Nação. Já a segunda fase é marcada pela Revolução Industrial, a qual acarretou num crescimento demográfico através da expansão territorial. O estado regente era o do “Bem-Estar Social’’, visando dar suporte à sociedade de massa. O urbanismo ao seguir esta tendência e via concebida a cidade como um sistema simplificado, mecânico eficiente, baseado, sobretudo, no zoneamento monofuncional e na circulação hierárquica. Ascher, assim como outros arquitetos e teóricos já citados anteriormente, também era um crítico deste tipo de urbanismo, que gerou cidades inóspitas e desprovidas de urbanidade. Atualmente, estamos diante do que ele denominou de’ ’terceira revolução urbana’’ a qual é caracterizada por cinco grandes mudanças: a metropolização, a transformação dos sistemas urbanos de mobilidade, a formação do espaço-tempo individual, a redefinição das relações entre interesses individuais, coletivos e gerais, e as novas relações de risco. Este fenômeno, tem como resultado: ``... uma cidade que se move e se telecomunica, constituída de novas decisões de descolamento das pessoas, bens e informações, animadas pelos eventos que exigem a copresença, e na qual a qualidade dos lugares mobilizara todos os sentidos, inclusive o toque, o gosto, o cheiro.``( ASCHER, 2010, p.67)

Esta relação com os sentidos é uma necessidade dos espaços contemporâneos, os quais devem proporcionar aos transeuntes e usuários novas experiências, explorando a cidade em 101


diversos níveis gerando uma nova experiência urbana. Este espaço do qual estamos falando é um território em constante mutação que possui em seu espectro duas camadas: sendo uma tangível, outra intangível. A camada tangível é a camada física, composta por elementos construídos, que concentra o fluxo de pessoas, veículos e transportes intensos. Já a segunda é incorpórea, nela que circulam os dados e as informações presentes na complexa rede de comunicação. Essa composição díspar exige que a cidade contemporânea se reinvente e se transforme em uma cidade plural, capaz de atrair os indivíduos que transitam entre essas camadas. A camada intangível rompeu com as barreiras físicas e geográficas que conhecíamos ate então, formando o denominado ciberespaço. Atualmente, aplicativos como whattsapp, facebook e Skype, permitem-nos `` tele transportar`` para qualquer outro lugar em uma questão de segundos, dissociando a relação entre tempo e espaço. Diante deste cenário, um único indivíduo é capaz de coexistir em diferentes espaços. Diante de uma sociedade contemporânea, indefinível, múltipla e mutante, a conservação da imagem da cidade, a organização do espaço e a paisagem urbana são conceitos fundamentais para resgatar e preservar a memória da cidade. Em vista disso, os espaços públicos, como espaços integradores da cidade, são capazes de resgatar e conservar a imagem urbana, garantindo a interação entre seus usuários e resgatando valores sociais de uma sociedade que coexiste no espaço em diferentes espectros. Portanto, o neourbanismo deve-se esforçar em combinar essas possibilidades, em conceber espaços múltiplos de n dimensões sociais e funcionais, hiperespaços que articulem o real e o virtual, propícios tanto à intimidade quanto às mais variadas sociabilidades2. Soma-se

2 102

ASCHER, François: Novos princípios do urbanismo, São Paulo – Romano Guerra Editora – p.90


a isso a relevância das parcerias entre diversos tipos de atores como uma forma ‘’reflexiva’’ de uma regulação mais adaptada a uma sociedade aberta, diversificada, móvel e instável.

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A discussão acerca deste conceito será realizada com base no livro “ Cibercultura” de Pierre Levy. O termo “ciberespaço” foi inventado por Wiliam Gibson em 1984 para um romance de ficção cientifica denominado Neuromante. No livro, a exploração deste local coloca em cena as fortalezas das informações secretas protegidas pelos programas, que nas palavras de Levy, são ilhas banhadas pelos oceanos de dados que se metamorfoseiam e são trocados em grande velocidade ao redor do planeta. A definição de ciberespaço elaborada por Gibson torna sensível a geografia móvel da informação que ate então era invisível. Para Levy o ciberespaço é um espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores1. Ou seja, é todo um sistema de redes tangíveis e intangíveis incluindo o conjunto de sistemas de comunicação eletrônicos, como as redes de telefonia, de fibra ótica, rede elétrica entre outras redes de transmissão de dados, que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Neste meio devemos considerar o caráter plástico, fluido e preciso com que a informação é tratada e isto só é possível graças à codificação digital. Este novo espaço tem a capacidade de colocar

1

Pierre Levy , Cibercultura, 2008,p.92




em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação, informação, gravação, comunicação e de simulação. Em outras palavras, ele é um espaço emergente e interdependente do espaço físico contemporâneo. Sob este ponto de vista, a articulação entre o ciberespaço (inteligência coletiva) e o espaço físico (território) nos parece ser a melhor forma de relacionar estes dois espaços qualitativamente muito diferentes. Enquanto que no território há limites físicos e geográficos, o ciberespaço é ilimitado, seus deslocamentos podem ser realizados em frações de segundos e ele pode ser co-presente a qualquer outro. No entanto as diferenças entre esses espaços não se dão apenas no âmbito das propriedades físicas e topológicas, são também se natureza social. Ao passo que as instituições territoriais são rígidas e hierárquicas, as cibernéticas possuem uma relação transversal e fluida. ‘’As organizações políticas territoriais repousam sobre a representação e a delegação, enquanto as possibilidades técnicas do ciberespaço tornariam facilmente praticáveis formas inéditas de democracia direta em grande escala etc.’’ (LEVY, 2008,p.195)

Portanto, articular estes dois espaços não consiste em anular as formas territoriais e sim substitui-las por um estilo de funcionamento ciberespacial, com o intuito de possibilitar a solução dos problemas da cidade por meio da articulação entre estas duas esferas de competência, dos recursos e das ideias. ‘’ Devemos antes entender um acesso de todos aos processos de inteligência coletiva, quer dizer, ao ciberespaço como um sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularidades, de elaboração dos problemas, de confecção do laco social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação dos saberes. A perspectiva aqui traçada não incita de forma alguma a deixar o território para perder-se no ‘’virtual’’, nem a que um deles “imite’’ o outro, mas 108


antes a utilizar o virtual para habitar ainda melhor o território, para tornar-se seu cidadão por inteiro.’’ (LEVY,2008,p.196)

Deste modo, com a criação de uma rede social virtual, os indivíduos passam a se expressar e organizar através deste meio. Este processo de manifestação é um meio de resgatar a sensação de pertencimento e comunidade, uma vez que os indivíduos retomam o compartilhamento de suas intimidades. A sociabilidade e a vida cotidiana na cidade contemporânea são predominantemente uma sucessão de padrões sociais e manifestações comportamentais vinculadas às características de uma sociedade em rede, conectada e informacional2. Portanto, a cidade contemporânea fruto de transformações e novas necessidades, é um reflexo de uma sociedade conectada. O predomínio da economia dos fluxos globais, a inovação tecnológica e a necessidade de adaptação às rápidas mudanças impostas pelo meio digital, nos remete a uma compreensão da cibercultura não apenas como um novo campo do saber, mas também como uma nova forma de vivencia. Nessa perspectiva, a re configuração dos espaços públicos na cidade contemporânea, deve considerar as tecnologias da informação como uma possibilidade de interação e apropriação destes espaços que se sobrepõe aos outros usos, promovendo uma interação através de formas alternativas de conectividade e definindo novas identidades sociais e novas formas de sociabilidade.

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DARODA, 2012 p.109 109


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As histórias das cidades são feitas por pessoas que compartilham suas narrativas pessoais em seus espaços públicos, que transformam o viver nas ruas em arte, que fazem das discussões e conversas cotidianas a própria voz urbana. No entanto, essa voz da cidade, está se perdendo na medida em que está havendo uma mudança no modo de ocupação desses espaços, tornandoos apenas lugares de passagem. Daí a importância dos eventos que ocorrem em locais públicos, as atuações dos coletivos e das manifestações artísticas. ‘’Os espaços centrais nas cidades são densos não só porque concentram atividades e grupos, mas também porque abrangem várias significações, que ao mesmo tempo se entrecruzam, completam-se, contradizem-se’’ (FRUGOLI, Jr. Espaços públicos e interação social).

Neste cenário contemporâneo, as grandes metrópoles mundiais enfrentam problemas e desafios semelhantes. Na cidade de São Paulo, foco desse estudo, podemos notar que ao mesmo tempo em que há uma persistência na segregação entre grupos sociais e a tendência ao refúgio nos grandes condomínios, clubes e shoppings; por outro lado, podemos observar a ação de movimentos que alteram essa direção e se voltam para o meio urbano.


A falta de lugares comuns na cidade pode ser explicada, numa dimensão metropolitana, pela falta de uma espacialidade pública gerando um enfraquecimento da prática do encontro somada á dimensão antropológica abordada no capítulo anterior. No entanto, a ação de alguns movimentos e da própria prefeitura da cidade, nos remete a pensar que esteja havendo um anseio pela retomada do sentido de convivência e do encontro no meio urbano. A atual gestão da prefeitura vem desenvolvendo, desde 2013, junto com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano, um trabalho que esta alterando algumas práticas na cidade. O incentivo ao uso de transportes alternativos e ativos, o fechamento de importantes ruas e avenidas para pedestres, a disponibilização de wifi em diversas praças e locais públicos, entre outros. Tais medidas estão mudando a relação dos habitantes com a metrópole e de certa forma, resgatando a dimensão pública da cidade. O fechamento das ruas para pedestres faz parte do programa denominado Rua Aberta, e incentiva a prática de ocupação do território de forma lúdica. A Avenida Paulista e o Minhocão fazem parte deste programa. Ambos os espaços, assim como as outras vias abertas se transformam em parques mesmo não possuindo mobiliário e equipamentos urbanos adequados. O grande número de adeptos a estes nos locais, também nos remete a pensar que estes incentivos estão resgatando a dimensão pública da cidade e dos seus habitantes. Outro exemplo de ocupação dos lugares públicos na cidade é a Virada Cultural, evento que, desde 2005, acontece anualmente e é organizado pela prefeitura do Município de São Paulo (PMSP). O evento foi inspirado na ‘’Nuit Blanche’’ francesa e atrai milhares de pessoas de todos os bairros da cidade para região central. Sua programação abrange desde grandes nomes da música internacional e nacional, espetáculos de dança, teatro ate artistas independentes. No entanto, de acordo com Guerra (2011), o que realmente parece importante não é a qualidade dos espetáculos, pois parece que este não é o motivo maior das pessoas saírem de suas casas e fugirem dos seus hábitos cotidianos para se aglomerarem nas ruas. 112



Figura 27: Virada Cultural, 2015, Palco JĂşlio Prestes

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Embora seja um evento organizado pelo poder público, no qual o mesmo pode eleger os lugares de acordo com os seus interesses, é uma oportunidade para a população estar em lugares que no cotidiano são vazios e inseguros e, além disso, perceber a importância das pessoas no espaço. O sentimento de insegurança esta associado à inexistência de pessoas. Um dos palcos mais importantes da Virada Cultural, conhecido como o palco Júlio Prestes (Palco da MPB), é instalado na Praça Júlio Prestes, que está inserida na área de estudo deste trabalho. ‘’Passear à noite pelo belo centro de São Paulo, sem medos ou receios é uma sensação inspiradora, que nos coloca diante de uma possibilidade concreta de reconquista das ruas e do centro. A concentração de atividades culturais e um maior contingente de moradores na área central são fundamentais para animar o centro durante a noite, dando mais segurança a diversos logradouros hoje abandonados e perigosos. Mas, para que não seja uma efeméride fugaz e se transforme em um cotidiano, muitas coisas tem que ser feitas, não só pelo poder público, mas por todos nós: associações, sindicatos, clubes, escolas, entidades culturais, pessoas comuns. Por que não tornar a Virada Cultural em um ponto de partida?’’ (Abílio Guerra, 2011)

A Praça Júlio Prestes, encontra-se numa região de posição estratégica e extremamente delicada, e faz parte da região conhecida como ‘’Cracolândia’’, ao lado da Estação da luz, da Sala São Paulo e da Estação Júlio Prestes. A praça foi inaugurada na década de 40, ressaltando a monumentalidade do edifício da Estação Júlio Prestes e reformada em 1999 com base no projeto da arquiteta Rosa Grená Kliass. No projeto de Kliass, as principais relações espaciais foram desenvolvidas em função do edifício da Estação, dando ênfase aos acessos da Sala São Paulo, ou seja, a concepção da praça foi feita com base no embelezamento, se distanciando da dinâmica do local e de uma escala humana de acessibilidade. Em vista disto, nos últimos anos ela vem sendo alvo de diversos movimentos artísticos e coletivos. 115


Além da prefeitura, a ação dos coletivos também é fundamental para a reconfiguração e ressignificação dos espaços públicos da cidade. Os coletivos que atuam hoje na cidade de São Paulo, são baseados em referências de intervenção que perderam força no cenário com o fim da ditadura miltar. O sociólogo André Mesquita, em sua pesquisa Insurgências Poéticas: Arte ativista e Ação Coletiva (2009), fez um levantamento dessas experimentações coletivas sobre a cidade. Mesquita afirma que essas experimentações e ações coletivas ressurgem em meados dos anos 1990, mas que se desenvolvem principalmente a partir da década seguinte, com um caráter ativista e horizontal, de construção de novos lugares urbanos e recuperação dos espaços públicos existentes1. Em sua pesquisa, o autor relembra uma publicação da revista Parachute, de 2004, coordenada naquela edição pela psicanalista Suely Rolnik. A publicação reúne um conjunto de ensaios acerca da produção de artistas e coletivos paulistanos em projetos de intervenção urbana inseridos no contexto sociopolítico da cidade. Sob a ótica de Mesquita, há uma clareza da necessidade de se discutir os significados do encontro e da construção colaborativa de uma vida pública. Nessa perspectiva, a atuação dos coletivos são uma tentativa de ressignificação dos espaços públicos comuns, visando alterar sua lógica de utilidade e re-configurar as fronteiras existentes. O coletivo de Galochas é um bom exemplo da tentativa de ocupação dos espaços ociosos da cidade. Ele é composto por um grupo de teatro constituído em sua maioria por estudantes

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André Mesquita. Insurgências Poéticas: Arte ativista e Ação Coletiva (2009), p.263


Figura 28: Coletivo de Galochas

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Figura 29: Festival Baixo Centro

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da Faculdade de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo. O coletivo, formado em 2011, tem como propósito questionar as práticas sobre o espaço público bem como o projeto por detrás da organização deste. O primeiro trabalho do grupo foi na Praça do Relógio, dentro na Cidade Universitária, através da forma de um passeio eles testaram o espaço no limite das suas possibilidades. O sucesso deste trabalho deu estofo para que o grupo rompesse os muros da academia, levando esse debate para um espaço vital, no qual uma ação teatral resultasse em algo concreto. Foi nesse contexto que eles optaram por ocupar a Avenida Prestes Maia e a Praça Júlio Prestes. O Festival Baixo Centro é outro exemplo da ação de coletivos que busca expressar a vontade coletiva existente entre os moradores e frequentadores dos bairros situados no entorno do Minhocão em reativar os espaços que foram transmutados com a construção do Elevado Costa e Silva. Hoje, este movimento se configura como forma de ocupação coletiva auto-gestionada que busca ocupar as ruas da região com práticas artísticas e ações táticas. A utilização da estrutura viária existente para a realização de festas, encontros e lazer, personifica a dimensão lúdica do imprevisto e do jogo das relações sociais presente no conceito de simultaneidade simbólica de Lefebvre. Além desses coletivos, a cidade de São Paulo conta com a atuação de diversos outros grupos que estão mudando a cara da cidade. Outro exemplo relevante para este trabalho é a atuação do Bela Rua. Este coletivo atua nos espaços públicos com o intuito de torna-los lugares inspiradores, divertidos e seguros, que estimulem a cultura, a conivência e o lazer. A metodologia de trabalho deste grupo é o ‘’Placemaking’’ , ou ‘’fazer lugares’’, sistema desenvolvido pela ONG Project for Public Spaces, em Nova York. Este método é fundamentado na transformação do espaço público através das pessoas, atuando também, como uma ferramenta de pesquisa que visa reconfigurar os espaços públicos comuns em locais que inspiram e estimulam as interações entre as pessoas e entre as pessoas e a cidade, promovendo cidades 119


mais saudáveis e felizes. Um dos projetos realizados por este grupo foi o ‘’Centro Aberto’’, proposta executada em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Paulo no Largo São Francisco e No Largo Paissandu. O projeto buscou transformar as infraestruturas preexistentes em estruturas que proporcionassem a ativação do espaço público por meio da renovação e diversificação das suas formas de uso. Promover a diversificação das atividades implica num maior numero de usuários envolvidos em diversos momentos, constituindo-se como um instrumento fundamental para a construção do domínio público sobre os espaços. Esse processo é capaz de promover, além da melhoria da percepção de segurança, o reforço no sentido de pertencimento e identificação da população com o centro.2 Vale realçar que a ação destes coletivos é impulsionada pela cibercultura, uma vez que os eventos são compartilhados nas mídias sociais, permitindo que uma grande parcela da população tome conhecimento e participe dos movimentos, seja por meio das redes sociais ou de forma presencial. Portanto, o compartilhamento de informações é um fator central de articulação entre as iniciativas emergentes, à medida que esse sistema de articulação em rede cresce, ampliam-se as possibilidades de reflexão integrada. Não apenas a reflexão é articulada em rede, mas também as ações ganham um potencial de serem agenciadas coletivamente. Ou seja, através da inteligência coletiva, varias mentes sincronizadas podem debater juntas e obter maior alcance. Outro exemplo emblemático em relação à melhoria do sentido de pertencimento e identificação da população com o espaço público é a Praça Roosevelt. Durante as décadas de 1950 e 1960, ela virou um grande vazio asfaltado em meio aos edifícios residenciais, lojas, bares e teatros em sua volta. Este vazio possuía um uso diversificado

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Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU)


Figura 30: ‘’Centro Aberto’’ projeto da Gestao Urbana SP em parceria com o coletivo ‘’Bela Rua’’

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Figura 31: Praรงa Roosevelt antes da reforma 122


e alternado entre os dias úteis e os finais de semana, ele transmutava de estacionamento à local de feiras e encontros. À noite, abrigava artistas e frequentadores dos bares e teatros do seu entorno, como o Baiuca, a doceria Vendôme, o Sujinho, o Cine Bijou e o Teatro Cultura Artistica3. No entanto, a construção do Elevado Costa e Silva na década de 1970 mudou drasticamente a configuração deste local, pois esta infraestrutura rodoviária influenciou a remodelação da praça para uma espécie de um edifício viaduto com cinco andares, os quais abrigariam em estacionamento subterrâneo, centros educacionais e esportivos. A consequência disto foi à fragmentação e o distanciamento da praça em relação à escala humana que na década de 1980 foi evidenciado pelo fechamento das lojas, bares e restaurantes do seu entorno. O motivo do fechamento teria sido o aumento da violência, a poluição visual e a obstrução do transito para pedestres. O ano de 2000 foi o que definiu o destino desta praça, com a instalação do grupo de teatro “Os Satyros” em um dos locais que haviam sido fechados. Podemos fizer que a chegada deste grupo à praça foi emblemática pois trouxe com ela novos usos, atraindo novos públicos e outros grupos de teatro que acabaram se tornando protagonistas da apropriação deste espaço, da convivência e da co-existência de diferentes grupos no local. Ao contrário do projeto modernista da década de 70, o qual foi elaborado de forma unilateral pelo poder executivo municipal, o novo projeto da praça foi discutido em uma serie de audiências públicas em 2009 com a participação de diversos coletivos como o Viva o Cento, Fórum Centro Vivo 4, moradores e frequentadores da região. O resultado disto foi à reinauguração da praça em 2012, cujo projeto fruto destes debates proporcionou a humanização da praça ao integrá-la com o entorno existente, diminuindo as

3 CALLIARI, Mauro. Praça Roosevelt. Um espaço emblemático da relação de São Paulo com seus espaços públicos. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 147.03, Vitruvius, out. 2012 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.147/4504>. 4 CALLIARI, Mauro. Praça Roosevelt. Um espaço emblemático da relação de São Paulo com seus espaços públicos. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 147.03, Vitruvius, out. 2012 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.147/4504>. 123


barreiras visuais e conferindo maior acessibilidade aos pedestres. Portanto, podemos dizer que ela personifica a história dos espaços públicos na cidade, abordada no primeiro capítulo, ao ter passado por intervenções e remodelações e atuar hoje como um exemplo em relação à apropriação do espaço público em São Paulo, ao representar parte de uma identidade de uma cidade mais plural e diversificada, sendo um palco de atuação para os indivíduos. No entanto, no centro da cidade, ainda existem muitos espaços que devem ser reconfigurados, re-imaginados e re-descobertos pelos indivíduos. Dessa forma, uma metrópole como São Paulo, com uma grande quantidade de espaços públicos subutilizados, torna-se um grande campo de experimentação para que esses lugares funcionem como interessantes plataformas, nas quais o individuo possa atuar de forma ativa. Nessa perspectiva, as discussões sobre o neourbanismo que estão surgindo, nos levam a refletir a respeito da função do arquiteto e urbanista na metrópole contemporânea, o qual deve articular as práticas participativas, dando possibilidade para a intervenção coletiva nos processos projetuais. Isso com o intuito de gerar um entendimento sobre a responsabilidade social entre aqueles que concebem a cidade e aqueles que habitam, resgatando o sentido de pertencimento e reaproximando os indivíduos da esfera pública e consequentemente da vida urbana.

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Partindo de uma primeira consideração histórica, as criticas ao urbanismo moderno por meio de diversos manifestos artísticos e intervenções urbanísticas que se opunham a Carta de Atenas ao buscar uma leitura mais profunda da relação entre a cidade e seus habitantes, assim como as experiências artísticas trazidas para o Brasil neste mesmo contexto, reaparecem meio século mais tarde, como a pauta da reinvenção dos lugares na cidade. A predominância do automóvel e os eixos viários continuam sendo os principais fragmentadores desses lugares, colidindo com o interesse em caminhar pela cidade, reconhecer seus espaços e apropriar-se deles. Essas experiências coletivas se atualizam hoje na ação de coletivos que tentam repensar os espaços de ação pública de maneira crítica e entender como os (re)configurar frente ao esvaziamento do sentido público das cidades. Sem dúvida, em ambos os tempos (entre 1960/1970 e hoje) o cenário que oportuniza esses questionamentos e que resulta em intervenções e experiências criticas e resistentes é o próprio urbano frente as mudanças sociais, econômicas e territoriais que instigam uma reflexão acerca do que é cidade. Soma-se a isso a influência que a Era digital através da tecnologia e da criação de espaços de outras dimensões, modificou a forma de interação entre os indivíduos e os espaços, permitindo a coexistência e rompendo as barreiras físicas da própria cidade.


Portanto, arte, cultura, educação, informação, tecnologia e a própria historia da cidade, possuem a capacidade de transformar a percepção do usuário em relação ao espaço urbano. Essa interação entre o indivíduo e o espaço público pode ser uma hipótese para metamorfosear não só o uso do espaço, mas também o significado que o habitante constrói da cidade e os valores que o mesmo atribui aos espaços públicos. Longe da pretensão de estabelecer algo definitivo, encaro esta pesquisa como uma possibilidade e uma discussão que não terminam aqui. Desejo que nos habitantes desta grande cidade continuemos cada vez mais ativos, discutindo os espaços e se organizando, buscando novas ideias e iniciativas com o intuito de alcançar uma nova consciência no que tange o compartilhamento, a conivência e a coexistência no espaço urbano. Que continuemos a busca pela transformação e pela (re) configuração do espaço público como palco da vida urbana.

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Figura 10 : Narciso (1590) - Caravaggio, disponível em: http://www.arteworld.it/narciso/ acesso em 21/11/2016 Figura 11:‘‘Omphalos’’(2004-6)- Anish Kapour, Chicago. https://richardtullochwriter.com/2012/05/04/cloud-gate-anish-


kapoor-chicago/ acesso em 25/11/2016 Figura 12: Berlin, disponivel em: https://informalcity.wordpress.com/2014/01/09/bottle-collectors-in-public-urbanspace-berlin-kreuzberg-part-2/ acesso 25/11/2016 Figura 13 : ‘‘Máscara sensorial’’ (1967) -Lygia Clark, disponível em: http://artesulbra.blogspot.com.br/2012/01/o-quefaz-o-corpo-que-inventa-doris.html acesso em 20/11/2016 Figura 14: Theatro de Herodes, Atenas, Grecia – 2015 – acervo pessoal Figura 15: Fórum Romano, Roma, Itália – 2015 – acervo pessoal Figura 16: Piazza de San Marco, Veneza, Itália, editada pela autora, disponível em: http://www.corriere.it/foto-gallery/ cronache/15_febbraio_08/venezia-volo-dell-angelo-l-inizio-carnevale-363dfa12-af99-11e4-bc0d-ad35c6a1f8f9.shtml acesso em 20/11/2016 Figura 17: Piazza del Campo, Siena, Itália, disponível em: https://olhandomundo.wordpress.com/tag/italy/ acesso em 08/09/2016 Figura 18: O sino, editada pela autora, disponível em: http://www.ehow.com.br/significado-numero-badaladas-sinoigreja-sobre_267363/ acesso em 08/9/2016 Figura 19: A cidade de Paris, disponível em: https://reggiewang.wordpress.com/2014/05/09/transformations-of-a-city/ acesso 24/11/2016 Figura 20: Estátua do Rei Momo no carnaval de rua de São Paulo de 1936, disponível em: https://www.buzzfeed. com/rafaelcapanema/20-fotos-lindas-da-cidade-de-sao-paulo-de-1924-a-1980?utm_term=.mjnB7RxxO#.akRaB2rrv acesso em 24/11/2016 Figura 21: Largo São Francisco, disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/sp-460/antes-depois/platb/ acesso em 24/11/2016 Figura 22: Avenida Prestes Maia e Viaduto Santa Ifigênia, 1972, disponível em: https://www.buzzfeed.com/ rafaelcapanema/20-fotos-lindas-da-cidade-de-sao-paulo-de-1924-a-1980?utm_term=.mjnB7RxxO#.akRaB2rrv acesso em 24/11/2016


Figura 23: Caleidoscópio, por Angela Raposo, editado pela autora, disponível em: https://cliquesportodocanto. wordpress.com/tag/caleidoscopio/ acesso em 24/11/2016 Figura 24: Metrô por Hannu Oskala, disponível em: https://www.flickr.com/photos/hannuoskala/1345546321/ acesso em 20/11/2016 Figura 25: Map, disponível em: http://mappingonlinepublics.net/2010/12/30/visualising-twitter-dynamics-in-gephipart-2/ acesso em 26/11/216 Figura 26: Um domingo na Avenida Paulista, 2016, acervo pessoal Figura 27: Virada Cultural de São Paulo em 2015, disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/fotos/2015/06/fotosvirada-cultural-de-sao-paulo-2015.html acesso em 25/11/2016 Figura 28: Coletivo de Galochas, disponível em: http://coletivodegalochas.com.br/wp-content/uploads/2016/02/ DSC_0122.jpg acesso em 18/10/2016 Figura 29: Festival Baixo Centro, disponível em: http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/festival-do-baixo-centroreune-atracoes-no-michocao-20120401.html acesso em 25/11/2016 Figura 30: ‘’Centro Aberto’’ projeto da Gestao Urbana SP em parceria com o coletivo ‘’Bela Rua’’, disponível em: http:// gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/centro-aberto-paissandu/ acesso em 20/11/2016 Figura 31: Praça Roosevelt antes, disponível em: http://www.tsavkko.com.br/2011/10/praca-roosevelt-polo-culturalate.html acesso em 25/11/2016 Figura 32: Festival das Lanternas na Praça Roosevelt, disponível em: http://meninainterior.com/2016/02/ acesso em 25/11/2016



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