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“A arte é, talvez, a última possibilidade deste mundo tão opaco” (FARIAS, 1997, [N.P.])



SUMARIO 11

AGRADECIMENTOS

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INTRODUÇÃO

18 AMBIENTAÇÃO 19

MOMENTOS EXPRESSIVOS DA ARTE URBANA NO BRASIL

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AÇÕES E CHOQUE COM O PÚBLICO

50 ESPAÇO 51

UM CENTRO DE CULTURA ABANDONADO

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HISTÓRICO DO EDIFÍCIO

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INTERVENÇÕES EXISTENTES

92 PROJETO 93

PREMISSAS E OBJETIVOS

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CONCEITO

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ESTUDO E SELEÇÃO DOS ARTISTAS

101

INVESTIGAÇÃO SOBRE POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÕES: ALGUMAS VERTENTES

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OCUPAÇÃO DO EDIFÍCIO

136

EXPERIMENTO

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APRESENTAÇÃO E DISSEMINAÇÃO

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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SOBRE O PROJETO

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BIBLIOGRAFIA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à todos que direta ou indiretamente tornaram possível a elaboração deste trabalho. À Profa. Ciça pela primorosa orientação, pelas conversas sempre agradáveis e por tudo que me ensinou ao longo da FAU. Ao Prof. Jorge Bassani por ter me passado muito da essência do tema arte/cidade, como professor e artista. À Ana Paula Nascimento por ter aceitado o convite para compor a banca. Aos meus amigos e colegas que acompanharam e enriqueceram minha formação como arquiteta e como pessoa. Em especial à Barbara Scheid e Camila Rodrigues pelas conversas e debates que muitas vezes se prolongavam pelas madrugadas e pela companhia durante o desenvolvimento deste trabalho, ao Alex Sartori pelas críticas sempre construtivas e pelo apoio prestado. Ao Nuno Rocha, Jan Nehring, Benjamin Saviani, Rafael Cruz, Carina Brugnera, Bruno Mentone, que de alguma maneira contribuiram para a realização deste trabalho. Ao Nelson Brissac, pela conversa e direcionamento no início do processo. Ao Prof. Silvio Sawaya e Jorge Wilheim, pelas entrevistas concedidas Aos meus pais e à Pati, pelo apoio incondicional e pelas oportunidades que me proporcionaram. Aos meus avós.

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INTRODUÇÃO

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“Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem” (SARAMAGO, 1995)

1. VIRILIO, Paul. O espaço critico, trad Paulo Roberto Pires, Rio de Janeiro, Editora 34, 1993. Em NAKAMO, Anderson Kazuo. Artigo escrito a partir de pesquisa com bolsa CNPq, orientado pela professora Maria Cecília França Lourenço durante o ano de 1993.

IMAGEM: < Favela sob o viaduto Genera Milton Tavares de Souza Nelson Kon fonte: metropolefluvial.fau.usp.br/downloads/ projetos/GMF_pesquisa-dr_franco.pdf

A apropriação dos espaços da cidade é um tema cada vez mais recorrente no Brasil. Talvez pela crescente dificuldade de se viver nas metrópoles contemporâneas a medida em que se prioriza o transporte individual e as vias de passagem rápida em detrimento de espaços de estar, pensados na escala do pedestre. As cidades se tornam suportes de grandes avenidas, estradas e viadutos, muitas vezes inacessíveis aos pedestres, produzindo uma série de espaços residuais e escombros, transformando-a em um cenário para ser visto em velocidade e não um ambiente para ser habitado e apropriado em toda sua extensão. A metrópole é compreendida, portanto, como um traçado de linhas imaginárias partindo de pontos de vista que se encontram entre as vias de circulação rápidas, caracterizadas por Paul Virílio1 como “ditadura do movimento” a qual impera nas cidades contemporâneas, estruturando o estar público pela passagem, não pela permanência. Sendo assim, a imagem que se faz da metrópole é estabelecida a partir do olhar em movimento, fato ocorrido no âmbito da rua, que por sua vez se constitui como via racionalizante do espaço urbano. A velocidade que se


torna mediadora da relação cidade/indivíduo é a “(...) ambiência contemporânea no interior da qual o sujeito percebe a imagem em fuga do objeto que se expõe como uma espessura epidérmica do olhar que passa”2.

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Além desse aspecto mecânico da velocidade, soma-se à dificuldade de “ver” e apropriar-se da cidade o aspecto de velocidade virtual, de fluxo de imagens e informações, que provoca uma anestesia e saturação uma vez que a mídia e a tecnologia nos lançam a todo o momento inúmeras atrações que não requerem uma atenção critica, um preparo particular e nem um esforço imaginativo3. De acordo com Guy Debord , essa alienação na qual vivemos dentro do mundo capitalista nos define como sociedade de consumo espetacular, e “espetáculo” entende-se como o “o capital em tal forma de acumulação que se torna imagem4.

2. NAKAMO, Anderson Kazuo. Artigo escrito a partir de pesquisa com bolsa CNPq, orientado pela professora Maria Cecília França Lourenço durante o ano de 1993 3. PALLAMIN, Vera. Arte urbana como prática crítica. Em: Cidade e cultura: Esfera pública e transformação urbana. São Paulo, Estação Liberdade, 2002, p. 106. 4. DEBORD, Guy. Relatório sobre a construção de situações. Paris, 1957. Disponível em: http://books.stress.fm/ 5. Conflitos que serão abordados no capítulo seguinte.

Inserido nessa realidade de velocidades, o olhar sobre a cidade se dissolve, se esvai e não se fixa, dificultando a apreensão da cidade real, nos tornando cegos, ainda que enxerguemos. O presente trabalho visa discutir e analisar questões inerentes ao tema arte/cidade, sem que ambos sejam desvinculados, por meio de um projeto experimental compreendendo intervenções artísticas urbanas que permitam ampliar e provocar asserções relativas à cidade atual, com diferentes leituras e suportes de exibição, em um edifício público abandonado localizado no Campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP), considerado um emblema de espaço de conflito típico das metrópoles contemporâneas, por ser um espaço residual decorrente de conflitos políticos5. A construção e metodologia de organização pensadas para evento e registradas aqui constituem o corpo principal do trabalho. A proposta da exposição é colocada como um ensaio, sendo uma das inúmeras possibilidades de concretização do evento, que não será possível prever antes que seja executado de fato.


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IMAGENS: > Capa do filme A sociedade do espetรกculo de Guy Debord fonte: igorchiesse.blogspot.com.br/ p. 16 VIRILIO, Paul. La freccia del tempo fonte: metropolefluvial.fau.usp.br/downloads/ projetos/GMF_pesquisa-dr_franco.pdf


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“(...) as distâncias espaciais, ao contrário, desaparecem, deixando o lugar em termos sempre mais breves, os tempos dos trajetos das linhas de alta velocidade. estas últimas, transformando a geografia europeia, vÊm a resistencia do espaço e a sua profundidade historico-geografica”


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AMBIENTAÇÃO


MOMENTOS EXPRESSIVOS DA ARTE URBANA NO BRASIL

O panorama de cidade firmado sobretudo após a segunda guerra mundial, gerou inúmeras transformações no cenário artístico internacional, dentre as quais podemos citar o deslocamento do eixo cultural da Europa (mais especificamente de Paris) para os Estados Unidos e a influência de produtos que a cultura de massa oferece, tornando a cultura artística mais “acessível” à todos. Dentro desse contexto, no Brasil a partir dos anos 50, iniciou-se um processo notável de importantes mudanças que acabaram influenciando no cenário artístico do país, principalmente nas grandes capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, resultando em experiências não comportadas pelos tradicionais museus ou galerias, dando à arte o contexto especializado e urbano, as quais agiam em contato direto com o ser urbano, transeunte, público, exibindo e escancarando questões e problemas enfrentados na época, por meio de uma maneira própria de ver a cidade. Vale ressaltar que embora nessa época se tenha falado e praticado arte urbana e experimental, as manifestações eram então distintas e ainda não definiam o modelo dessa vertente. São importantes antecedentes, mas o fato é que de maneira geral focou-se em criar uma imagem, algum aspecto peculiar da arte brasileira que pudesse servir como reflexão sobre a situação do cenário artístico brasileiro perante o mundo. Tal postura representou o amadurecimento da arte

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contemporânea do país, distanciando o vínculo modernista e produzindo uma dada época, na busca de determinada identidade nacional. Esta arte denominada “urbana” se concentra em grandes centros urbanos pois são onde os problemas relativos à vida nas cidades se evidenciam e também por se tratar de experiências estéticas que necessitam da interação com o espectador para concluir-se como arte. A experimentação atua sobre as constituições do projeto artístico, como distância e deslocamento, que surgiu devido ao fato da própria cidade (grandes centros urbanos) ganhar proporções de fenômeno urbano6, fragmentado e em constante mutação, demandando nova atenção. A nova condição de grande mobilidade atrelada aos espaços urbanos e o inchaço da cidade iniciado na época e o constante crescimento das cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, além de transformar a cidade no aspecto urbanístico, provocou a mudança dos papéis do espectador e da configuração da arte, trazendo novos desafios no cenário artístico. O envolvimento do espectador com a obra foi caminho recorrentemente encontrado a partir dos anos 50 para impulsionar o caráter ativo da arte, injetá-la no coletivo, como um agente comportamental.

6. LEFREBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, pág. 28.

Surgem a partir dessa época conceitos como “happening” e “performances”, os quais caracterizam-se por ser uma arte efêmera, que acontece num determinado tempo e espaço, por meio de uma elaboração prévia, sistemática ou não. São conceituados como ações abertas ao público, traçando uma inter-relação entre artes visuais e teatro, chamando a participação do espectador. Tais ma-


nifestações tornam-se mesmo, de acordo com Renato Cohen, uma “arte de fronteira”7. O conceito de “site specific” se torna recorrente na temática artística contemporânea e, ao longo do frequente emprego, originou alguns significados. Em resumo, refere-se à obras que são feitas para um determinado espaço, e deles são indissociáveis. As obras definidas como site specific, em geral, questionam o isolamento ao qual a arte, até então, estava submetida quando inserida em museus ou galerias, em que o espaço e o tempo eram subtraídos para não haver interferência na obra; ao contrário, buscam agregar à obra a rua, a arquitetura, a natureza e o tempo, quando estes não se tornam a própria obra8.

7. COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço experimentação. São Paulo: Perspectiva, 1989, p.38. 8. KWON, Miwon. One place after another: site-specifc art and locational identity. Massachusetts: MIT Press, 2002. P.10. In PAULA, Arethusa Almeida de. Mitos Vadios – Uma experiência da arte de ação no Brasil. Dissertação de pós-graduação. São Paulo. FFLCH/ ECA/FAU – Universidade de São Paulo, 2008.

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AÇÕES E CHOQUE COM O PÚBLICO

FLÁVIO DE CARVALHO E ARTUR BARRIO Dentre os aristas brasileiros da época que buscavam desafios no campo da arte frente à nova realidade urbana que surgia, cito neste trabalho criadores de diferentes épocas, o que mostra a permanência desse tipo de ação: Flávio de Carvalho e Artur Barrio. Suas criações relacionam arte, meio urbano e linguagem contemporânea, resultando numa prática de experiências críticas ao sistema do mercado de arte do Brasil e à nova dinâmica das cidades, promovendo, por meio da arte, o questionamento do sistema ao qual a cultura estava submetida e buscando a reformulação estética e experimental que os caracterizou artistas contemporâneos.

9. LOURENÇO, M. Cecília França. Operários da modernidade. São Paulo, Edusp, 1995, p. 55. 10. DAHER, Luiz Carlos. Flávio de Carvalho: arquitetura e expressionismo. São Paulo, projeto, 1982, p. 100. Em LOURENÇO, M. Cecília França. Op. cit., p.55

De início Flávio de Carvalho (1899-1973) praticou experiências urbanas inovadoras para a época, e abrangiam diversos aspectos do que se pode chamar de cultura artística. Enveredou-se pelos campos da arquitetura, dramaturgia, pintura, desenho e animação. De acordo com a Prof. Maria Cecília França Lourenço, durante o período de 1930-38, Flávio de Carvalho enfatiza o aspecto libertário das condições vivenciais do homem, ao se opor à moral vigente e lutar por política igualitária9. Em sua tese exposta no 4o congresso Pan-Americano de Arquitetura e urbanismo, em 29 de Junho de 1930, no Rio de Janeiro, “A cidade do homem nu”, Flávio descreve o homem nu como sendo “(...) homem futuro, sem deus, sem propriedade e sem matrimônio”10, relacionando a vestimenta

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IMAGENS: ^ 1. Flávio de Carvalho, Capa do livro Experiência no 2 fonte: caveofheresies.blogspot.com. br/2013/01/flavio-de-carvalho-experienceand_7051.html visitado em 14/09/2013

2. Flávio de Carvalho, New Look, 1956 (desenho) fonte: acidadedohomemnu.blogspot.com. br/2010/04/flavio-de-carvalho.html 3. Flávio de Carvalho, New Look, 1956 (passeata) fonte: idem anterior


com amarra de tabus sociais, e descrevendo metaforicamente o homem nu como agente de um mundo melhor ao “(...) despojar-se das heranças morais e religiosas, de forma a dar vazão aos impulsos, sem interferências censórias”11 . Afim de analisar as amarras morais e religiosas da sociedade, com base em premissas psicanalíticas, Flávio de Carvalho realizou algumas experiências, como a “experiência nº 2” em 1931 na qual participa da procissão de Corpus Christi, a mais importante da igreja católica, que exigia dos fiéis comportamento de respeito e veneração. Na performance, caminha em direção contrária à multidão usando um chapéu, atitude que dada a época gerou reações de espanto e desaprovação entre os fiéis, já previstas por Flávio.

11. LOURENÇO, M. Cecília França. Op. cit., p.55 12. DAHER, Luiz Carlos. Op. cit., p.101. Em LOURENÇO, M. Cecília França. Op. cit., p.56 IMAGEM ^ Artur Barrio, Manifesto, 1969/1970 fonte: arturbarrio-trabalhos.blogspot.com.br/ visitado em 14/09/2013

Outro ato polêmico foi a “experiência no 3” em 1956, na qual saiu pelas ruas com trajes desenhados por ele, que julgava adequado ao clima tropical brasileiro. A vestimenta consistia em sandálias de couro, saia plissada, blusa leve e chapéu, envolvendo uma discussão mais ampla que a roupa em si, acerca do habitat do homem, decorrente da sua formação como arquiteto e urbanista, contestando a propriedade privada em favor da coletividade, como citado em sua tese: “A cidade do homem nu será toda ela a casa do homem”12. Já Artur Barrio aparece de forma significativa no campo da arte brasileira entre os anos 60 e 70, e sua obra se expressa fortemente por meio de experiências e situações, com o intuito de sair da mesmice, dos hábitos e causar perplexidade e espanto, deslocar nexos, sair do mundo. “Era o início do terrorismo poético” (inscrição de Barrio na parede realizada na cidade do Porto). Nesse debate,

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IMAGENS: ^ 1. Artur Barrio, Situação T/T, 1, 1970 fonte: www.galeriamillan.com.br visitado em 12/10/2013 2. Artur Barrio, Situação .....ORHHHH ..... OU.....5.000 .....T.E. .......EM ......N.Y. .....CITY, 1969 fonte: idem anterior

13. CANONGIA, Ligia (Org.). Artur Barrio. Rio de Janeiro: Modo, 2002. p. 193

Barrio: (...) acaba com a convenção, o hábito e o gosto, desqualifica toda formalidade; explode as categorias usuais do objeto artístico, dando à obra flexões convulsivas e perturbadoras, totalmente fora dos padrões estéticos. 13.

Em 1969 Barrio escreveu o “Manifesto”, declarando-se contra as instituições artísticas, que articulavam o sistema de arte como circuito de criação e acumulação de capital. A questão abordada por Barrio de transformação da arte em mercadoria critica não só o sistema institucional mas também a própria materialidade do objeto de arte. Para Barrio a obra resulta num processo de descar-


14. BARRIO, Artur. ?Arte Contemporânea? In: CANONGIA, op.cit. 15. BARRIO, Artur. “Lama/carne/esgoto”, 2008. Texto disponível em http://arturbarriotrabalhos.blogspot.com.br/2008/10/lamacarne-esgoto-o-que-procuro-o_20.html

ga afetiva, o que permite referir à própria noção de artista como um “rótulo (...) fora de época, mais de acordo com um tipo de mentalidade Belas Artes, e postular, pelo contrário, a necessidade de desenvolver um trabalho em equipe”.14 Nesse sentido, os objetos de arte atingem um patamar em que a sua objetividade literal não é fundamental para o desenvolvimento do percurso da ação. Não que a literalidade dos objetos – sangue, barro, ossos, carne, espuma de borracha, cinzel etc. – possa ser ignorada, mas o que ocorre é que a interação decorrente da presença do público transforma o participador em movimento destas materialidades. Pode-se dizer que as experiências de Barrio se concretizam a partir do momento em que há cumplicidade tanto com o sujeito, quanto com o coletivo, como afirma: (...) esses trabalhos, no momento em que são colocados em praças, ruas, etc., automaticamente tornam-se independentes, sendo que o autor inicial (EU) nada mais tem a fazer no caso, passando esse compromisso para os futuros manipuladores/autores do trabalho, isto é:... os pedestres, etc.15

Em 1968, com a promulgação do AI-5, o Brasil sofreu uma pausa brusca no crescimento e efervescência cultural dos anos anteriores. Esse período de forte repressão e censura refletiu muito na produção cultural dos anos 70, em que o governo “controlaria” a arte por meio da criação da arte oficial, financiando alguns projetos como a FUNARTE e Instituto Nacional do Livro, atrelando os meios artísticos e estudantis ao governo. Diante dessa situação, a questão política e a crítica aparecem na vertente artística de maneira mais evidente e

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os artistas se utilizaram desse meio, embora muitas vezes nas entrelinhas, para passar suas mensagens e alertar a população sobre a situação em que estavam vivendo16.

16. É interessante notar que nessa fase em que a censura às artes imperava no país, com o aquecimento do mercado e a comemoração dos 50 anos da semana de 22 a arte moderna nunca esteve tão valorizada; os museus e galerias do brasil ganharam grande importância e caráter luxuoso, além de receberem fortes investimentos publicitários e promocionais. Ver em MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975, p. 102.EM: .PAULA, Arethusa Almeida de. Mitos Vadios – Uma experiência da arte de ação no Brasil. Dissertação de pós-graduação. São Paulo. FFLCH/ECA/FAU - USP, 2008. 17. FUREGATTI, Silvia. Arte e meio urbano elementos da formação estética extramuros no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo. FAU- USP, 2007 18. Idem, ibidem, p.

A arte necessita, portanto, encontrar novos caminhos de ação, que se estendam para além de instituições tradicionais e de programações públicas. De acordo com Sylvia Furegatti, “(...) Diante desses indícios, aliadas ao contexto extramuros, terminologias como ocupação, apropriação e intervenção passam a conduzir os critérios atualizados da inserção artística ligada ao espaço aberto e urbano”.17 Assim desenvolve-se um forte discurso e prática extramuros, partindo não só de alguns pensadores individuais, mas também de uma forte vertente de ações em grupos, embora não semelhante aos modernistas, e que passaram a se intitular coletivos. GRUPO REX, MANGA ROSA, VIAJOU SEM PASSAPORTE E 3NÓS3 Os coletivos geralmente eram formados por jovens, estudantes universitários ou recém graduados, desenvolvendo projetos que tinham em comum o questionamento das possibilidades expressivas da arte contemporânea e da inserção da arte no ambiente urbano, em contato direto com o receptor.18 Também entrava em pauta a retomada dos espaços públicos pelos cidadãos e a transformação das ruas em locais de expressões políticas e culturais, espaço este perdido com a repressão militar a qual estavam submetidos na ditadura. Um dos primeiros coletivos a manifestar-se com uma postura crítica ao sistema


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IMAGENS: ^ 1. Edição no 1 Rex Time, 1966. fonte: bacanasbooks.blogspot.com. br/2011/02/rex-time-grupo-rex-196667.html visitado em 12/10/2012 2. Edição no 4 Rex Time, 1967. fonte: idem anterior 3. Edição no 5 Rex Time, 1967 fonte: idem anterior > 4. Convite da exposição de encerramento do grupo REX, 1967 fonte: www.arteeeventosleiloes.com.br/peca. asp?ID=30985&ctd=81&tot=93 visitado em 12/10/2013


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tradicional da arte foi o Grupo REX, formado por Wesley Duke Lee, Geraldo de Barros e Nelson Leirner, em 1966 após saírem da mostra “Propostas 65” em protesto às obras de Décio Bar que foram censuradas pelos militares. Embora com um curta duração (dissolvendo-se em Junho de1967), o grupo teve bastante repercussão na época e, de maneira irreverente, buscava ampliar e difundir a discussão a respeito da arte extramuros, produzindo alguns números do jornal intitulados “Rex time”. Além disso, inauguraram o espaço “Rex Galery & Songs”, em que se apresentavam filmes, trabalhos, músicas etc, funcionando como um espaço alternativo às galerias e museus existentes, com temas que permitiam a aproximação do público com a arte experimental, como disse Wesley Duke Lee na inauguração: “Fazemos parte de uma tendência de experimentação, que podíamos dizer ser nascida nos Estados Unidos (...). O espírito de nossa galeria (e do jornal), consequentemente, é mostrar essa arte à medida que ela vai sendo processada e desenvolvida”.19

19. Em www.itaucultural.org.br. Acesso em 12/10/2013 20. Em www.macvirtual.usp.br. Acesso em 12/10/2013. 21. Em www.itaucultural.org.br. Acesso em 12/10/2013

Em 1967 o fim do Grupo Rex se encerra com um happening na galeria, a então denominada “exposição-não-exposição”, composta por obras de Leirner que podiam ser levadas do espaço, desde que se conseguisse, pois foram instalados alguns obstáculos para dificultar a retirada, como grandes corrente e cadeados, barras de ferro e blocos de cimento armado.20 Em poucos minutos a mostra foi esvaziada, e alguns trabalho de Leirner estavam sendo vendidos na porta da galeria, pelas pessoas que os tiraram da mostra.21


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IMAGEM: > Grupo Manga Rosa, Ocupe, se vire. fonte: www.jorgebassani.com.br/ vistitado em 13/10/2013

22. Trecho do artigo publicado na revista “Arte em São Paulo”, vol.6, 1986 23. BASSANI, Jorge. Informação e contra-informação na gráfica urbana – Uma experiência com outdoors no crepúsculo da cidade.

Posteriormente, no fim da década de 1970, surgem outros coletivos seguindo a linha da arte extramuros, produzindo obras, happenings e performances que se chocam diretamente com o público. O grupo Manga Rosa, formado por Jorge Bassani, Chico Zorzete, Carlos Dias e Márcio Prassolo, começou em 1978 como Manga Rosa Produções Artísticas, desenvolvendo trabalhos nas artes visuais e plásticas com bases construtivistas. Primeiro eliminou-se a criação de “objets d’art” e em seguida afastou-se por completo a figura do artista como ser único22. Suas práticas mais marcantes foram as intervenções realizadas nos outdoors, levado a arte ao meio de propaganda da época, propondo ser parte mundana da cidade, mais coisa urbana do que Arte propriamente dita23 como também discorre Carlos Dias: “Entendemos tudo. Não faríamos uma galeria ao ar livre. Não organizaríamos



uma exposição de arte com obras de arte em grande formato. Produziríamos contra-informação em um circuito de informação. Ainda que não soubéssemos exatamente com faríamos isto”.24

O outdoor inaugural feito pelo grupo se localizava no fim da Rua da Consolação, em frente à igreja da Consolação, e trazia o poema “Primeiro passo para conquistar espaços. Tem espaço a bessa, ocupe, se vire”, de Torquato Neto. Posteriormente inúmeros trabalhos foram produzidos nesse espaço e também em um outdoor na av. Rebouças. Shazam! Foi o terceiro outdoor exposto, desenvolvido por Jorge Bassani: 24 Em www.carlosalbertodias.blogspot.com. br. Acesso em 16/09/2013 25. Idem, ibidem.

Este trabalho nos colocou diante das questões básicas da linguagem

da comunicação visual urbana. Formas mínimas, cores primárias, alta visibilidade mesmo em condições precárias de luz ou de movimento do espectador, memorização da forma em tempo mínimo. Eliminação dos conteúdos semânticos. Comunicação de impacto. Com toques de ironia no título e nos borrões

IMAGENS: < 1. Manga Rosa, por Jorge Bassani. Shazam! fonte: carlosalbertodias.blogspot.com.br/ vistiado em 12/10/2013 2. Manga Rosa. Outdoor na Av. Rebouças fonte: idem anterior 3. 3nós3. Interversão. fonte: idem anterior 4. Viajou sem Passaporte. Das duas às quatro. fonte: idem anterior

violáceos nos quatro cantos do painel, vermelho e amarelo definiu a linguagem com a qual prosseguiríamos as pesquisas poéticas daí por diante.25

Além disso, convidaram para intervir nos painéis artistas e grupos que tivessem interesse em divulgar sua arte, sem regras ou princípios de classificação, os trabalhos eram expostos por ordem de chegada e eram trocados a cada duas semanas. Destaca-se aqui dois trabalhos no outdoor: “Das duas às quatro” produzido pelo grupo Viajou sem Passaporte, em que foi pendurada uma cadeira no meio da placa e assim, das 2h00 às 4h00 da tarde, um integrante do grupo

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ficava sentado observando o movimento da cidade e sendo observado por todos que por ali passavam; e as lonas coloridas do grupo 3nós3, que ocupava, além da placa cedida, as placas adjacentes ao se estender um plástico transparente linearmente por todas elas, inclusive as que dobravam a esquina. É fato que as informações geradas nos mais de mil outdoors espalhados pela cidade de São Paulo possuem uma tendência a gerar mensagens indiferentes à população; como dito anteriormente, as leituras críticas em relação à cidade eram cada vez mais nulas. Entretanto, com o projeto “Arte ao ar livre” gerou-se uma discussão a respeito do que seria arte contemporânea considerando que, ao contrário da arte moderna, não apresenta vertentes estéticas que permita o agrupamento por semelhança ou suscetibilidade de trabalhos exibidos. Sendo assim, os trabalhos apresentados se sobressairiam à massa de informação espalhada pela cidade se fossem apontados pela imprensa como arte, independente de sua qualidade estética. Conclui Dias: Eis a ironia que o trabalho foi capaz de produzir: Arte não é resultado de trabalho autoral individualizado. Arte é aquilo que o circuito das artes designa e elege como Arte. Deste modo o jogo de contra-informação construído no interior do projeto “Arte ao Ar Livre” desnudou a contradição maior da arte contemporânea: Quanto mais a obra de arte se quer independente, transgressora ou marginal, mais ela depende do aval institucional do circuito das artes e do dinheiro do 26. Idem, ibidem.

patrocinador para existir.26


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IMAGEM: > Viajou sem passaporte. Trajetória do curativo. fonte: www.facebook.com (perfil do coletivo) visitado em 12/10/2013

Além desse aspecto da arte abordado pelo grupo, uma de suas principais preocupações era a investigação por um processo de produção coletiva, e a ideia de socialização artística, com o fim da obra autoral e do objeto de arte, além do afastamento das instituições tradicionais que permeiam a arte. Criado também em 1978, Viajou sem Passaporte era o nome do coletivo formado por Beatriz Caldano, Celso Santiago, Carlos Alberto Gordon, Luiz Sergio Ragnole Silva, Marli de Souza, Márcia Meirelles, Marilda Carvalho e Roberto Mello. Possuíam um viés mais performático e teatral, desenvolveram peças teatrais com apresentações na rua, onde contavam com o improviso e intervinham diretamente com o cotidiano do público. Outra intervenção da série foi a “Trajetória em torno da árvore”, realizada em frente à Biblioteca Mário de Andrade, na qual os integrantes andavam vagarosamente em meio ao público apressado do local e, de repente, paravam para dar a volta em uma árvore, continuando a andar como se nada tivesse acon-


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tecido. Mais estranho que ver uma pessoa dando a volta em uma árvore, é ver um grupo fazendo o mesmo “ritual”. Os projetos do coletivo, como escreve Vanessa Bárbara em texto publicado para a revista Rizoma, são “(...) aparentemente sem nexo, e mesmo assim repletos de desobediência civil: segundo Luis Sergio Raghy, um dos participantes, o objetivo era instaurar uma crise na normalidade vigente, lutando contra a sujeição às regras e buscando a liberdade.”27

27. Disponível no Site http://www.andredeak. com.br/emcrise/reportagem/reportviajou. htm, visitado em 11/10/2013 28. Entrevista concedida por Mario Ramiro à PONTES, M. Adelaide do Nascimento em 31 de Janeiro de 2011. Em PONTES, Maria Adelaide do Nascimento. A documentação nas práticas artísticas so grupos Arte/ação e 3nós3. Dissertação de mestrado. São Paulo. UNESP, 2012.

Em 1979 destaca-se o grupo 3nós3, formado por Mário Ramiro, Hudinilson Jr e Rafael França. Foram quatro anos de grupo, e ao todo produziram 11 ações, sendo “Ensacamento” seu primeiro trabalho, realizado em Abril de 1979, quando saíram na madrugada cobrindo com sacos de lixo as cabeças de estátuas da cidade. De acordo com Mario Ramiro, o trabalho resultava essencialmente numa atitude contra o formalismo acadêmico e até mesmo moderno, representado por aqueles monumentos, além de uma discussão contra a figura do herói (o representante dos valores designados pela sociedade)28. Iniciaram o ensacamento com o Monumento à Independência, como ato simbólico e questionamento da independência conquistada e da forma com que a política foi conduzida no Brasil desde então, como relata Hudinilson: O primeiro monumento a ser encapuzado foi o Monumento à Independência, no Ipiranga, depois nos dirigimos para av. Paulista, onde tem a escultura Anhanguera, em seguida descemos para o Ibirapuera em direção ao Monumento às Bandeiras e depois para o centro da cidade, a pé, porque o motorista,


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colega do grupo, desistiu de acompanhar a gente. Ao longo do percurso cuidá29. Entrevista com Hudinilson Jr., 09/08/1984, Arquivo Multimeios/CCSP Em PONTES, Maria Adelaide do Nascimento. Op. cit.

IMAGENS: ^ 1. 3Nós3. Ensacamento. fonte: www.mac.usp.br. Visitado em 12/10/13 2. 3Nós3. Ensacamento. Fonte: contradicoes.net/site/wp-content/ uploads/2011/04/3N%C3%93S3_Ensacamento.jpg. Visitado em 12/10/2013

vamos também de fotografar o trabalho.29

Causando polêmica e confusão na manhã seguinte, utilizavam do próprio meio de comunicação de massa para divulgação da intervenção, ao ligarem para os jornais denunciando o ocorrido passando-se por pessoas indignadas e assustadas, afim de que estes produzissem manchetes relatando o caso. A segunda ação “Operação X-galeria” ataca de maneira mais direta as instituições tradicionais de arte, como as galerias e museus ao “lacrarem” com um “x” feito de fita crepe as portas das mesmas e colarem um manifesto abaixo di-


zendo: “O que está dentro fica, o que está fora se expande”. No dia seguinte é noticiada pelo jornal com a seguinte manchete: “Um protesto contra o comércio da arte. No meio da noite”

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As galerias eram fechadas aos jovens artistas, era uma época, 1979, não é que nem hoje no Centro Cultural que abre espaço para artistas jovens ou que nem 30. Entrevista concedida por Hudinilson Jr. à PONTES, M. Adelaide do Nascimento. Op. cit.

IMAGENS: p. 39 1. X-Galeria, Hudinilson Jr. “lacrando” com fita crepe a porta da Galeria de Arte Alberto Bonfiglioli. foto: 3nós3 fonte: www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto-Artes/dissertacao---mariaadelaide-do-nascimento-pontes.pdf. Visitado em 12/10/2013 2. (superior à direita) X-Galeria, mensagem mimeografada afixada nas portas da galeria junta ao “X” de fita crepe. Coleção dos artistas Hudinilson Jr. e Mario Ramiro fonte: Idem anterior 3. (inferior à esquerda) 3nós3. Interdição. fonte: arteifba.blogspot.com.br/ visitado em 12/10/2013 4. (inferior à direita) 3nós3. Conecção. fonte: artepolitica.redezero.org/galeria/imagens14.htm. visitado em 12/10/2013

outras galerias hoje que abrem esse espaço. Era extremamente fechado. Já que é fechado, nós vamos fechar as galerias.30

Posteriormente, as ações em geral tiveram uma escala maior e, pode-se dizer, mais urbana. Destaca-se ações como “Interdição”, produzida em Julho de 1979 à 16h00, chamando atenção de grandes redes televisivas ao colocaram enormes faixas de plásticos coloridos em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP) atrapalhando o trânsito dos carros do local. “Conecção” foi outra ação de grande repercussão da mídia, o neologismo empregado no título é a junção das palavras “conexão” e “ação”, e aconteceu no cruzamento das avenidas Rebouças e Dr. Arnaldo. Consistia na colocação de muitos metros de plásticos vermelho saindo do respiro do metrô e se estendendo ao longo do gramado ao redor do mesmo. Em geral, essas ações furtivas que praticavam na cidade de São Paulo tinham como princípio provocar o olhar viciado dos cidadãos, debater a repressão do Regime Militar e as instituições tradicionais de arte.


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ARTE/CIDADE O projeto Arte/Cidade tem início em 1994 e se insere num cenário mais recente de uma cidade já na era pós-industrial, com a decadência de não apenas uma, mas algumas áreas centrais, o crescimento descontrolado gerando uma periferia carente e desprovida de infraestrutura urbana, incessante especulação imobiliária e, de maneira mais enfática, a priorização dos transportes individuais. Idealizado por Nelson Brissac com o apoio, a princípio, da Secretaria de Cultura, se define por intervenções urbanas em grande escala que, de acordo com Brissac, “(...) problematizam o estatuto da obra de arte e da arquitetura, na medida em que questionam sua autonomia e postulam todo o espaço circundante, a paisagem urbana, como parte constitutiva das intervenções.” 31

31. PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas Arte/Cidade. São Paulo, Senac, 2012, P. 14. 32. Idem, ibidem. P. 14.

Ao todo foram quatro projetos com resultados diferentes entre si, embora regidos sob o mesmo princípio de reunir diferentes produções individuais em um mesmo local inusitado, a fim de se promover um diálogo entre os trabalhos produzidos e o local onde se inserem, ampliando para a escala da cidade, uma vez que “(...) Toda intervenção na cidade é necessariamente plural. É urbanística, arquitetônica, política, cultural e artística”. Nesse sentido o autor segue discorrendo sobre o projeto: “(...) A particularidade de Arte/Cidade consiste em reconhecer essa complexibilidade, em que as ações não são vistas isoladamente (segundo regras próprias, como num museu), mas no interior desse campo mais amplo que é a cidade.”32


34. PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas Arte/Cidade. São Paulo, Senac, 2012, P. 64

O primeiro Arte/Cidade, Cidade sem janelas, foi realizado no Matadouro principal da Vila Mariana, desativado desde 1927. Neste espaço se reuniu artistas, atuando em diferentes meios, de maneira mais livre que em instituições tradicionais, com o propósito de abordar a cidade não como algo externo ao seu trabalho, mas incorporarem elementos dela à sua própria linguagem artística.33 De acordo com Brissac, “(...) Esses projetos passam a lidar com escalas que não dizem mais respeito ao lugar, mas remetem sempre a outros pontos da nebulosa urbana”.34

IMAGENS: ˇ Produção do Arte/Cidade, A cidade sem janelas. fonte: www.pucsp.br/artecidade. Visitado em 24/10/2013

O Arte/Cidade – Cidade e seus fluxos aborda uma escala maior de exposição, ampliando-a para a cidade de fato, deslocando o suporte da arte para uma escala urbana. O local escolhido foi um nódulo de fluxos bastante importante da cidade de São Paulo: O vale do Anhangabaú, espaço de passagem diária de Milhares de pessoas. As intervenções ocorreram nos últimos andares de

33. ANDREOLI, Elisabetta e SANTOS, Laymert Garcia dos. Third Text, no 45, Londres, inverno de 1999. Em PEIXOTO, Nelson Brissac. Op. cit., p. 288

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35. PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas Arte/Cidade. São Paulo, Senac, 2012, P. 66

IMAGENS: ˇ Produção do Arte/Cidade, A cidade e seus fluxos. fonte: www.pucsp.br/artecidade. Visitado em 24/10/2013

três edifícios: o prédio da Light, a antiga sede do Banco do Brasil e o edifício Guanabara; além das áreas que circundam esses edifícios. Para visitar todas as intervenções era necessário atravessar o viaduto e percorrer os entornos da região, importante além de tudo por ser um marco na história de São Paulo, sendo o vale um barreira ultrapassada para a expansão da cidade com a execução do Viaduto do Chá. A proposta dessa segunda edição se difere da primeira por muitos aspectos, sendo um dos mais relevantes o fato de não ser proposto em um lugar específico, como discorre Brissac “(...)” A idéia entretanto não é simplesmente criar um percurso, mas fazer as pessoas perceberem o espaço em que se deslocam e o movimento desse nódulo.35 Em 1997 concretizava-se a terceira edição do projeto: A cidade e suas histórias. Desta vez abordando a leitura da cidade por meio de seus edifícios e ruínas ao selecionar sítios que relembrem as histórias de velocidade e desejos por desen-


36. PEDROSA, Adriano. Arte/Cidade3. In: Artforum, Nova York, fev. 1998. Em PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervençoes Urbanas Arte/ Cidade. São Paulo, Senac, 2012, p. 282 37. PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas Arte/Cidade. São Paulo, Senac, 2012, P. 113 38. PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas Arte/Cidade. São Paulo, Senac, 2012, P. 117

IMAGENS: ˇ Produção do Arte/Cidade, A cidade e suas histórias. fonte: www.pucsp.br/artecidade. Visitado em 24/10/2013

volvimento e modernização tão característicos da burguesia paulistana36. Para a realização desta intervenção reativou-se 5Km de ferrovia, partindo da Estação da Luz, passando pela construção abandonada do moinho central até chegar nas antigas Indústrias Matarazzo, ícone da industrialização de São Paulo até decada de 70. Lugares que se encontram tomados pelas ruínas e pelo mato, como um parênteses na cidade e em sua história. O trem fazia o papel da memória, a possibilidade de narrativa, “(...) A memória remete sempre à linha horizontal da passagem do tempo”.37 O caráter experimental do projeto encontra no Arte/ Cidade 3 seu maior desafio, em que ruínas e obras se fundem. As obras foram projetadas para serem efêmeras, uma vez que se inserem em espaços em que “(...) lidam com forças que a erodem e podem levar à reabsorção pela natureza. São emblemas da efemeridade de todas as coisas. Obras que mostram os efeitos do tempo, da decadência, das transformações naturais e humanas”.38

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A última edição do arte/cidade ocorreu em 2002: Arte/Cidade – Zona Leste, compreendendo os bairros do Brás, Pari e Belenzinho. A região apresenta um histórico de grandes investimentos industriais na primeira fase da industrialização de São Paulo, destino de inúmeros imigrantes, passando posteriormente por um longo período de esquecimento e desinvestimento, além de servir como suporte de grandes sistemas de transportes. Esse panorama fez com que se aumentasse o comercio informal e os assentamentos irregulares na região. Somasse a este histórico o surgimento atual de grandes investimentos corporativos e condominiais, típicos de grandes metrópoles, que mais excluem o entorno em que se encontram do que fazem parte dele. Separando claramente que está dentro de quem está fora. É nesse cenário que diversos grupos sócias desenvolvem dispositivos de sobrevivência na metrópole, e onde “(...) As populações afetadas por esses processos dinâmicos desenvolvem (...) um ferramental de sobrevivência em situações urbanas críticas.”.39 As intervenções propostas para essa 4a edição abordam os procedimentos alternativos diante da metrópole que se configura, baseados na ativação dos espaços intersticiais e na diversificação do uso da infraestrutura. Além disso buscam desenvolver um novo repertório estético, técnico e institucional para as práticas artísticas e urbanas.40 39. PEIXOTO, Nelson Brissac, Arte/Cidade Zona Leste. Santiago de Compostela, Dardo, p.15 40. Idem, ibidem, p.15

Isto posto, Pode-se dizer que todas as quatro edições do Arte/Cidade foram bastante importantes para a elaboração da proposta deste trabalho, e a maneira como cada uma foi conduzida permitiu a avaliação dos processos a serem cuidados para o desenvolvimento do mesmo. Numa primeira instancia o Arte/


IMAGENS: ˇ lugares de intervenção do Arte/cidade, Cidade Zona Leste. fonte: www.pucsp.br/artecidade. Visitado em 24/10/2013

Cidade – Cidade sem janelas é o que mais se aproxima da presente proposta no âmbito da escala de projeto, pois consiste numa abordagem arquitetônica que dialoga com o panorama mais amplo de cidade. No entanto, alguns procedimentos fazem com que os projetos sejam consideravelmente distintos, como será delineado nos capítulos posteriores.

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ESPAÇO


UM CENTRO DE CULTURA ABANDONADO

Aproximando o tema a uma realidade mais próxima e tangível à experiência e trajeto diário da rotina universitária, foi escolhido como estudo e suporte de intervenções artísticas o espaço abandonado localizado na cidade universitária, entre a Academia de Polícia e o Paço das Artes. Espaço este que só se percebeu a existência quando, em uma das disciplinas da FAU, foi escolhido para desenvolvimento de um vídeo. Ao entrar pode-se perceber quão grande era essa “ruína” quase que invisível aos olhos apressados dos transeuntes diários da cidade universitária. Com espaços generosos e interessantes em que algumas pessoas, inclusive, já haviam percebido as possibilidades que ofereciam como suporte para suas experiências artísticas. O subsolo, alagado, nos permite ver, a partir da base da escada, a laje refletida na água e a lógica da estrutura com pilares e as vigas nele apoiadas dispostas em eixos variando em 45 graus. No térreo encontramos espaços fechados escuros, espaços abertos enquadrando as árvores do lado de fora, espaços em que há apenas uma pequena fresta de luz. Ao subir as escadas em formato helicoidal, que delicadamente se sustenta no limite do rasgo deixado nas lajes, chega-se à uma enorme laje, de em que não se vê outra coisa além das copas das árvores. Ouve-se o barulho dos carros passando na avenida da cidade uni-

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IMAGEM: ^ foto: Nuno Rocha

versitária, distante. Esse espaço intrigante e opressivo que carrega fortes características, por si só, pode ser considerado um objeto artístico, em meio à cidade que acontece fora dos alambrados que o cercam. Explorá-lo com intervenções artísticas, ações estas que o tornassem mais emblemático e provocativo, e permitissem às pessoas perceberem esse espaço, é a ideia base a partir da qual se desenrola o


projeto. Dar a chance de, em meio a um prédio abandonado, em ruínas, cada um perceber o que para ele tem sentido como arte, buscar o significado que a obra tem (ou não) e convidar a olhar despretensiosamente, em meio a intervenções existentes e outras propostas, e, além disso, observar o espaço que embasa essas intervenções. É importante ressaltar, que a intenção não é encerrar a discussão dentro do prédio escolhido, nem fazer dele um objeto pontual, mas ampliar a provocação para a cidade como um todo. Assim, com todos os seus espaços residuais, notados ou não, estes espaços se avolumam para que eles sejam percebidos como algo do presente, não apenas como um símbolo do passado ou uma possibilidade do futuro. Fazer as pessoas questionarem a arte urbana, que pode ser sutil, no sentido de não ser exibida como habitualmente ocorre em museus, eventos e galerias, ou seja com etiquetas, focos de luz ou em catálogos, mas ao mesmo tempo forte por acontecer em um ambiente em que disputa com o resto do mundo uma chance de se fazer notar, e de nos mostrar a cidade vista por seus autores. IMAGENS: p. 54 1. Foto autoral 2, 3, 4.: Foto Nuno Rocha p. 55 5 e 6: Fotos autorais 7: Foto Gonçalo Galvino

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HISTÓRICO DO EDIFÍCIO

Para desenvolvimento do projeto, antes de mais nada, julgou-se adequado conhecer melhor o lugar em que seriam propostas as intervenções. Tendo como base questões acerca dos projetos que foram propostos para o local, o porquê da paralização das obras, quem é o proprietário do terreno, qual a relação entre esse espaço e o Paço das Artes, entre outras.

41. Nome dado por Silvio Sawaya . Em entrevista realizada no dia 22/04/2013 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Além das pesquisas feitas nos acervos bibliográficos da FAU e acervos da internet, realizou-se duas entrevistas essenciais para o fechamento das questões: uma com o Prof. Silvio Sawaya no dia 22/04/2013, colaborador do projeto inicial, e uma com o arquiteto Jorge Wilheim no dia 07/04/2013, autor do projeto inicial e dos posteriores. Com isso, pode-se construir um pequeno histórico do edifício, incialmente projetado por Jorge Wilheim, Sylvio Sawaya, Eloise Torres Amado, Nelson Yamaga e Akiko Yamashita para ser o Centro de Cultura, um grande complexo para as artes da representação e interpretação artística, localizado na cidade universitária. O terreno foi doado pela Secretaria da Saúde à Secretaria da Cultura. A princípio era um terreno estreito, que foi negociado e conseguiu-se agregar uma larga faixa nos fundos, em troca de um depósito lateral ao lado do rio. Com o terreno ampliado, os estudos sobre o projeto resultou numa solução de ”caixas miraculosas”41, sistema de espaços organizados sob a forma retangular, que abrigam os teatros e se encaixam formando o todo.


O terreno elevado resulta numa solução de Mário Franco, responsável pela estrutura, por se tratar de uma área era inundável, além disso fez-se uma parede diafragma com laje de sub pressão, para garantir que a água não a empurrasse. Assim foi possível a utilização do subsolo para estacionamento. Quando foi feita a sondagem do terreno não detectaram pedras, porém ao cravar as estacas para a fundação encontrou-se matacões, que prolongaram muito essa etapa da construção, de tal maneira que a obra chegou ao fim do governo do Laudo Natel em 1975, apenas com a fundação construída. O sucessor de Laudo Natel no governo de São Paulo, Paulo Egydio, juntamente com o prefeito Olavo Setúbal, suspenderam a construção do Centro de Cultura, e deram início à construção do Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro. A grande estrutura de concreto de quase 13.000 m2 construída ficou abandonada e exposta às intempéries ao longo de muitos anos. Passados 16 anos retomou-se a conversa do projeto, que foi readaptado às novas necessidades e regulamentações, ainda com o mesmo propósito de Centro de Cultura. O Paço das artes mudou-se para a cidade universitária nessa época, sendo a única parte do projeto concluída. Posteriormente o terreno foi passado para a USP, e o projeto mais uma vez readaptado, dessa vez para ser a nova sede da EDUSP e uma sala de concerto para a orquestra da USP, idéia que, novamente, ficou apenas no papel. Por fim o terreno volta a ser posse do Butantã, e assim segue até hoje, com a parte do

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Paço das artes “emprestado” para a Secretaria da Saúde. Grande parte da estrutura continua sem uso, encoberto pelas árvores, com espaços enormes que permanecem vazios há mais de 40 anos.

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Sem ao menos ter concretizado algum propósito, que não fosse no campo das ideias, esses espaços cheios de virtudes e possibilidades sofreram transformações ao longo do tempo e devido ao tempo, e atualmente se encontram sob a forma de ruínas, cuja própria presença nos fala de uma época desaparecida, que nesse caso sempre foi o vazio.42

42. STAROBINSKI, Jean. A invenção da liberdade. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo - Unesp. 1994. IMAGENS: p.59, 60, 61. Plantas concedidas pelo escritório de Jorge Wilheim.


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1, 2, 3. Imagens geradas a partir da maquete eletr么nica. Acervo pr贸prio.


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As built pavimento tĂŠrreo 0

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INTERVENÇÕES EXISTENTES

43. Os lambe-lambes são pôsteres artísticos de tamanhos variados que são colados em espaços públicos. Podem ser produzidos individualmente ou em série. Antigamente se usava para publicidade, divulgação e comunicação. 44. Stencil é uma técnica em que se utiliza uma base recortada com um desenho vazado, de forma que seja possível aplicar a tinta com pincel ou spray, e obter o formato do desenho vazado.

IMAGEM: < As Built. Execução própria, desenhado com base em projeto original

Uma das etapas da pesquisa foi o registro das intervenções existentes no edifício no período que compreendeu o desenvolvimento do trabalho. Pode-se perceber diferentes processos artísticos: Lambe-lambe 43, Stencil 44, Colagens, pinturas e, em quantidades mais expressivas, o grafite. Em geral os trabalhos inseridos nos espaços da construção possuem um caráter experimental, muitos deles sendo feitos quase como teste antes do cenário principal que se faz da rua. As regras portanto, parecem não ser as mesmas que regem os espaços urbanos propriamente ditos, em que não se sobrepõem artes. Dentro do “Paço abandonado” não há regras, os espaços são de quem quiser se apropriar, basta atravessar o buraco do alambrado. Assim, é interessante analisar o que está dentro, e comparar com o que está fora, se é que também está fora, pois há casos que são trabalhos pontuais e se encerram naquele local. Para que fosse feita essa análise e comparação fez-se necessário a identificação dos autores das intervenções. Logo na entrada do projeto identifica-se dois trabalhos do Pedro Sasso, mais conhecido por Saci Loves You, com uma linguagem próxima à usada nas ruas. Seus rostos desenhados e geralmente coloridos com tons de rosa carregam uma expressão de tristeza ou indiferença, vêm em geral acompanhadas por pequenas cruzes dispostas pelo rosto ou ao redor dele. Estão espalhados por São Paulo, principalmente em grandes avenidas com fluxo intenso. Em seus

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desenhos no edifício abandonado da cidade universitária vêem-se dois tipos de rostos, embora o formato ovalado e a expressão permaneçam iguais, parecem feitos em épocas diferentes, explorando técnicas e efeitos distintos, um deles sem cor, com o contorno bem marcado e algumas cruzes distribuídas pelo rosto, enquanto o outro é todo preenchido com tons de rosa, e não possui contorno preto. Também na área frontal do prédio há o “TVnauta”, um Stencil de Celso Gitahy flutuando pela parede em bloco aparente, dentro daquele universo à parte da cidade. Sua produção em geral é feita em stencil, embora tenha espalhado alguns lambes pelas ruas, e, embora sua abordagem seja bastante divertida, assume uma posição bastante crítica em relação ao império midiático e automobilístico ao qual estamos submetidos atualmente. Simone Sapienza, a Siss, parceira de Celso Gitahy em alguns trabalhos, deixou sua marca na torre da escada: dois lambes da sua série de buldogues “Fidel pra presidente” e “Cicciolina pra ministra”. Essa série foi uma das primeiras feitas “extramuros”, também encontrada em um muro de Atibaia, por acaso. Outras séries da artista são quase sempre feitas com stencil, formando personagens e trocadilhos que abordam a vida urbana. Ambos, Simone e Celso, formam o coletivo ZZ7ZZ, e desenvolvem desenhos seguindo a mesma linguagem do stencil adotada por eles individualmente. A obra feita pelo coletivo no edifício se encontra no largo corredor que liga a área frontal à escada: o rosto de uma espécie de soldado mirando à todos que


por ali passam, com o escrito “Eu sou esse mesmo ou sou o outro”. Adentrando o espaço um pouco mais, numa grande área rebaixada há uma enorme caveira com os dentes afiados, segurando uma foice, pintada em preto e branco. O autor do desenho é o Roa, um importante grafiteiro belga que percorre o mundo pintando animais com uma aparência underground, através de seu traço bastante marcado por riscos nas cores preto e branco. De maneira indireta Roa transmite, por meio dos animais, uma crítica aos sistemas contemporâneos aos quais estão submetidos a vida humana. Espalhadas pelo edifício, se encontram algumas frases produzidas também sob a técnica do stencil pelo Coletivo Tranverso, que possui uma larga série de intervenções pelos muros das cidades de todo o Brasil. Suas frases são curtas e procuram despertar em quem lê alguma reflexão sobre o que se escreve, ou simplesmente tirar a pessoa de seu pensamento por um instante. As intervenções identificadas no Paço são “Não fosse o Amanhã que dia agitado hoje seria” e “O problema da paixão é que envolve outra pessoa”. Além das citadas acima, como mencionado, outras intervenções preenchem as paredes dos espaços vazios. Entretanto, Infelizmente, em parte devido a falta de assinatura, de unidade de linguagem ao comparar outras obras, ou pelo simples fato de não se conhecer a produção do artista, foi possível identificar apenas autores de algumas obras, estendendo a tarefa de identificação à quem puder interessar.

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68 IMAGENS > 1. Saci Loves You. Intervenção I, edifício abandonado. foto autoral 2. Saci Loves You. Intervenção II, edifício abandonado. foto autoral p. 69 3. Saci Loves You. Intervenção alça Av. 23 de Maio. fonte: pedrosasso1990.blogspot.com.br 4. Saci Loves You. Intervenção Rua do Sacramento fonte: pedrosasso1990.blogspot.com.br



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IMAGENS: > 1. Celso Gitahy. TVnauta, edifício abandonado. foto autoral p. 71 2. Celso Gitahy. TVnauta, muro Atibaia foto autoral 3. Celso Gitahy. Carhead boy, Praça Roosevelt. fonte: www.flickr.com/photos/celsogitahy/ 4. Celso Gitahy. Mulher com cão, Sumaré-SP fonte: www.flickr.com/photos/celsogitahy/



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IMAGENS: > 1. Siss. Fidel pra presidente/ Cicciolina pra ministra, edifĂ­cio abandonado. foto autoral p. 73 2. Siss. Fidel prĂĄ presidente/ Cicciolina pra ministra, Atibaia - SP. foto autoral 3. Siss. Lex Luthor? ou Lex Otan?. fonte: www.facebook.com/SimoneSapienzaSiss



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IMAGENS: > 1. Coletivo ZZ7ZZ, edifício abandonado. foto autoral p. 75 2. Coletivo ZZ7ZZ. Mosaico urbano, Av. Paulista - SP fonte: zz7zz.tumblr.com/mosaicourbano 3. Coletivo ZZ7ZZ. Cabeças vão Rolar, Largo da Batata - SP foto Fernando Gomes fonte: www.flickr.com/photos/fegomes



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IMAGENS: > 1. Roa, edifício abandonado. foto: Gonçalo Galvino p. 77 2. Roa. Hackney Road (2010), Londres fonte: http://www.flickr.com/photos/roagraffiti 3. (à direita) Roa (2010), New Cross Road Londres fonte: idem anterior 4. (abaixo) Roa (2010) fonte: idem anterior



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IMAGENS > 1. Coletivo transverso., edifício abandonado. foto autoral 2. Coletivo transverso, edifício abandonado (andar superior). foto autoral p. 79 3. Coletivo transverso, praça Benedito Calixto - SP. fonte: coletivotransverso.blogspot.com.br/ 4. Coletivo transverso, morro de Santa Tereza - RJ fonte: coletivotransverso.blogspot.com.br/ 5. Coletivo transverso, morro de Santa Tereza - RJ



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IMAGENS: desde a p.80, em sequência: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8. Fotos autorais p. 88 9. Foto: Nuno Rocha p. 89 10. Intervenção feita para o trabalho de planejamento urbano pelo grupo composto pelos alunos: Silvia Acar, Clara Laurentiis, Joana Brasiliano, Victor Campos de Oliveira, Thomas Frenk, Ricardo Nucci e Eliezer Kang. Foto autoral.


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PROJETO


PREMISSAS E OBJETIVOS

Ao contrário da ideia de cubo branco, no qual o recinto que recebe a arte é uma espécie de anti-recinto, ultra-recinto ou recinto ideal em que se aniquila simbolicamente a matriz circundante do espaço-tempo45, propõe-se uma exposição que escancara o tempo. A marca da passagem do tempo está intrínseca aos espaços, e as intervenções inseridas nele não são isoladas do mesmo, ao contrário, utilizam do espaço para serem e significarem.

45. BRIAN, O’doherty. No interior do cubo branco. São Paulo, Martins Fontes, 1994, p.12 46. FARIAS, Agnaldo. Texto de introdução à exposição “Geração da virada, 10 + 1: Os anos recentes da arte brasileira” - Instituto Tomie Ohtake, 2006

Além disso, a escolha de um lugar não estabelecido para abrigar algum aspecto de arte, se dá pela intenção de abstê-la de qualquer interesse mercadológico ou tendencioso. Analisando um pouco o histórico dos museus, podemos ver que no significado consagrado de museu, desde a abertura para determinados segmentos de visitantes ocorrida com o Museu do Louvre em 1793, este tem o papel de coletar, preservar, estudar e divulgar determinada produção artística; em que pese a existência de edificações cada vez mais espetaculares, com grande repercussão na mídia, porém com a arte contemporânea e seus diversos recursos materiais e imateriais, os museus vêm enfrentando uma crise de identidade e dificuldade de classificação e conservação das obras, forçando-os a diversificar e ampliar o conjunto de ações que tradicionalmente o definiram.46 Dessa maneira, simplesmente pelo fato das intervenções artísticas urbanas não estarem inseridas em instituições voltadas para a arte já as libertam de uma série de questões inerentes à esses espaços, tais como maneiras de classificação,

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logística, acervo, efemeridade, mercado etc. Outra questão enfrentada pelas instituições de arte são as agendas dos museus, que ultimamente possuem um número muito grande de mostras temporárias com resultado mais divertido que intrigante. Essas mostras que enfocam um assunto de forma superficial e ligeira, possuem uma pesquisa quase nula e a experimentação sede lugar à mera confirmação das expectativas do público, criadas em um ambiente cultural que opõe o espetáculo ao pensamento.47 O Museu de Arte se São Paulo (MASP) quando promoveu a exposição “De Dentro para Fora/De Fora para Dentro”, no fim de 2009 e começo de 2010, trouxe grandes nomes do grafite para exibir seus trabalhos no interior do museu. Tal mostra, de certa maneira, traduz essa superficialidade das exposições, sem comprometimento com a reflexão e análise da questão. Enfim, expuseram o grafite como algo frívolo para divertir e entreter o público, anulando qualquer reflexão sobre as inúmeras questões que envolvem o grafite e a arte de rua, principalmente qual é o impacto de trazer esses artistas, essencialmente de rua, para dentro de um museu. A presente ideia aqui ponderada é justamente dar vazão à experimentação e à exploração do espaço, expor a arte contemporânea urbana tal qual esta se encontra nas ruas, sem pedestais, sem etiquetas, sem textos explicativos, inseridas em um ambiente em que não há supressão de espaço e tempo, ao contrário, em que esses aspectos se fundam com as intervenções ali expostas. e principalmente com um intuito indagativo sobre a cidade na qual vivemos. 47. Idem, ibidem.


CONCEITO

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O exercício de curadoria possui múltiplas estratégias para, de fato, programar uma exposição - baseada em debates, questões e problemas - e obter um resultado satisfatório: selecionar o grupo de artistas, o local do projeto, as obras que a comporão, como estas se relacionarão entre si e com o espaço, como será parcelado o edifício; e, a maneira como é feita, está intrinsecamente ligada ao conceito e partido adotado para exposição. Portanto, cabe ao curador apontar os caminhos que julga traduzir melhor a ideia do projeto. Como ponto de partida, estabeleceu-se o conceito do projeto, que balizaria a escolha dos artistas, considerando uma composição com as obras já existentes no local. O intuito seria abordar o espaço abandonado como uma provocação, um emblema de espaço residual da cidade, e para tanto as intervenções propostas para o espaço contribuem para torná-lo mais desafiador e afirmá-lo como um objeto artístico, com variadas leituras da cidade e diferentes táticas para se fazer ver, seja interferindo diretamente na cidade ou utilizando-se dela - da experiência de vida urbana que ela proporciona - para produzir o trabalho. É fato que intervenções urbanas possuem um caráter livre, espontâneo e anônimo, e para executarem um site specific, como o nome já diz, levam em consideração muito aspectos do espaço físico no qual o inserem, como proporção, contexto, fluxo de pessoas, visibilidade, entre inúmeros outros. Sendi assim, ao propor um espaço no qual se façam intervenções, ainda que seja fora de para-


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digmas mercadológicos e seja uma ruína, é necessário utilizar de algumas táticas para não descaracterizar os trabalhos exibidos. A curadoria proposta, portanto, não tem um caráter controlador e também não pretende resolver a questão apresentando uma ideia final, mas sim atuando sobre uma base experimental, cujo processo do projeto seja, nesta etapa, mais importante que o resultado. A escolha do título reforça o viés que se pretende dar ao projeto - “Espaços revistos” se refere à múltiplos espaços, numa escala ampla, indo além do edifício em questão. Espaços dependentes da leitura particular que se faz sobre a cidade, e da interpretação feita sobre outras leituras. Esse título pouco restritivo também tem a intensão de provocar no espectador um esforço mais crítico de observação e percepção, visto que as intervenções são inseridas num cenário em que já existem outras. O exercício de formular um conceito e tecer uma teia conectando as obras cabe, nesse caso, não somente ao curador, mas é transferido em parte ao “criador” e ao espectador, resultando da leitura que farão sobre as obras em conjunto com o edifício. Com essa princípio, partiu-se para seleção dos artistas, deixando a posteriori a definição de como seria ocupado o local. A combinação entre todas essas etapas foi a questão fundamental para a elaboração do projeto. Analisaram-se diferentes estratégias para que não se distorcesse ou descaracterizasse a ideia principal do evento, tão pouco das obras propostas, e resultasse em uma discussão interessante a respeito do espaço em si, dentro da Cidade Universitária, e, além disso, sobre o espaço como um emblema da cidade contemporânea.


ESTUDO E SELEÇÃO DOS ARTISTAS

A etapa de seleção dos artistas e obras de início representou um desafio por lidar com a dualidade entre o espaço livre, o qual seria a cidade, a rua, o urbano; e o espaço controlado: o edifício abandonado em questão. Não seria possível, nem entraria em questão, simplesmente transpor as obras para dentro do edifício e rearranjá-las; ou ainda esperar que se execute determinada obra tal como está na rua, isso resultaria num projeto de transplantar simplesmente para dentro, que foi feito para fora, com a finalidade pouco sólida de tornar o espaço mais atraente. Como dito antes, o processo do projeto é parte principal da proposta e dá consistência à discussão em torno do tema arte e cidade, embasando o resultado final, que não necessariamente tem solução única. Deste modo, pensou-se em algumas possibilidades de processo de seleção, algumas sendo logo descartadas, outras consideradas interessantes. No fim, para exercício de projeto optou-se por um caminho. Delineiam-se nesta etapa algumas das alternativas estudadas, pois foram importantes no processo para amadurecimento do projeto. A princípio pensou-se em abrir um edital com o conceito e a proposta da exposição e divulgá-lo, estabelecendo uma data limite para inscrição das propostas artísticas. A difusão do edital se feita por meio de canais específicos de arte, jornais, galerias, grupos de estudo, restringiria o grupo à pessoas já inseridas no

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meio da arte, indo de encontro ao conceito do projeto. Como a intenção seria ampliar as possibilidades, ir atrás também daqueles mais anônimos que se posicionam à margem desse circuito, pensou-se em espalhar cartazes pela cidade ou outro meio cotidiano de comunicação, convidando os interessados para enviar suas propostas, desde que tivesse uma leitura particular e interessante da cidade e se interessasse em manifestar-se de alguma forma. O passo seguinte, nessa atividade de curadora proposta, seria selecionar as obras que compusessem e traduzissem da melhor maneira o conceito da exposição. Entretanto, alguns empecilhos fizeram com que tal proposta fosse descartada. Um deles, talvez o mais justificável, é o fato de que as intervenções expostas não teriam a condição espontânea de leitura da cidade, feito e pensando na escala urbana, sem direcionamentos, partindo de premissas e conceitos propriamente elaborados. Além disso, a prática de revisão de espaços com olhar atento, repensando a relação com a cidade, representa um esforço muito mais rico e proveitoso para ver o que ela nos oferece, e oferecer o que queremos ver, com base nisso, parte importante do desenvolvimento do projeto é a busca por intervenções urbanas na cidade, dentro de uma rotina e trajetos diários, que seria desnecessária caso fosse aberto um edital. Além disso, sob bases acadêmicas, foi considerada a possibilidade de exercício de curadoria, que não seria explorado integralmente caso não coubesse ao curador a prévia seleção de artistas. Partiu-se, portanto, para outra hipótese - esta de fato incorporada ao projeto


- que consiste na seleção prévia de grupo que atue sobre um tema tangível ao proposto. A seleção foi realizada por meio de percursos pela cidade, pesquisas em sites, conversas com colegas e professores e visitas à exposições. Dentro dessa busca, se procurou focar nas mais distintas possibilidades de intervenções, com base nas experiências que traduziriam melhor o conceito do projeto. Sublinha-se o uso da palavra tradução num sentido não literal, mas sim, residindo em conceito ampliado do projeto, uma vez que não se espera um resultado encerrado, tampouco óbvio. É comum, ao se falar de arte urbana, remetermos à prática do grafite, talvez por ser técnica mais conhecida e atualmente mais explorada pelo mercado artístico e pelo marketing. Entretanto, o que se propõe abordar é a arte que caminha em direção oposta ao espetáculo e busca reverter o aspecto midiático, expondo diferentes leituras da cidade. Vale ressaltar que o cenário artístico dessa vertente urbana e contemporânea é muito dinâmico e, a todo o momento, novas pessoas entram e saem de cena, sendo difícil abranger tudo o que acontece. Deste modo, a seleção se pautou em artistas que estão aflorando recentemente no cenário artístico, por uma questão de recorte. Não se tem a intenção de delinear ou conter toda a arte urbana contemporânea, mas de ampliar o olhar sobre a questão. Em resumo, num primeiro momento, como ponto de partida de pesquisa, buscou-se selecionar e estudar intervenções na rua, sob diversas formas de ações, entre as quais - derivas, minimalismos, a land arts, happennings, o site specifics,

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performances, instalações, colagens, e também o grafite. Em sequência seguem algumas das intervenções estudadas, como exemplos significativos para esclarecer o que se pretende desenvolver no projeto.


INVESTIGAÇÃO SOBRE POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÕES: ALGUMAS VERTENTES

PIKE A.K.A. CARANGO SÁ As obras de Pique a.k.a. Carango Sá estão fundamentalmente ligadas à reflexão sobre a vida nas grandes cidades em que, não somente o tema, mas também os objetos utilizados são elementos do cotidiano. Pode-se dizer que Carango Sá atua em duas vertentes: uma primeira produzindo “objetos de parede” a partir de objetos ordinários, bidimensionais ou tridimensionais, fruto de colagens e arranjos; e outra que resulta na própria intervenção urbana, abordando à todos que transitam na cidade. No primeiro bloco, os principais temas em questão são: tempo e dinheiro. Duas insídias que movem a lógica do mundo capitalista em que vivemos, de modo a prender o homem nesse ciclo, em que a promessa de felicidade, nunca alcançada, alimenta o sistema. Em “Qual é o preço da liberdade” (2008) há diversas notas abarrotadas dentro de uma gaiola. As notas, embora não tenham mais valor no mercado, representam a prisão que muitos de nós estão submetidos, dentro de um escritório, presos durante grande parte do dia em troca da fascinação que o dinheiro nos provoca. Seguindo a mesma lógica “Temprisão” (2008), cujo objeto preso na gaiola desta vez é um relógio, também indaga nosso modo atual de viver, numa realidade em que “tempo é dinheiro”, e não podemos desperdiçá-lo, acabamos entrando em um sistema regido por essa lógica de mundo, e nos tornamos escravos dessa dualidade.

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Em 2007 inicia suas intervenções urbanas na qual introduz partes de objetos e móveis em cantos da cidade. A princípio os vemos como um convite ao uso dos cenários, entretanto somos impossibilitados de usufruí-lo, pois os objetos e mobiliários se encontram partidos. Faz-se uma relação dessas obras com a cidade em que vivemos, cujos espaços são pensados em uma lógica que privilegia à poucos, impossibilitando a ocupação e apropriação da maioria da população, espaços que acabam por se distanciarem da escala do pedestre, servindo somente de cenário para as vias expressas que servem os carros, criando barreiras urbanas e, consequentemente, inúmeros espaços-resquícios, “não-espaços”. IMAGENS: p. 103 1. Carango Sá. Qual é o preço da liberdade? (2008) fonte: LEAL, André. Obras de arte depois de suas técnicas de reprodução arte e sociedade ao longo do século xx. Trabalho final de graduação. 2. Carango Sá. Temprisão (2008) fonte: LEAL, André. Obras de arte depois de suas técnicas de reprodução arte e sociedade ao longo do século xx. Trabalho final de graduação. p. 104 3. Carango Sá. Datilofagia (2007) fonte: www.flickr.com/photos/carangosa 4. Carango Sá. Duelo (2007) fonte: www.flickr.com/photos/carangosa 5. Carango Sá. Apostas (2010) fonte: www.flickr.com/photos/carangosa

Dentro dessa lógica se encaixam uma série de trabalhos que Carango Sá vem produzindo desde 2007. Tais como “Duelo” (2007), feito num canto da Consolação, com o posicionamento de uma mesa pela metade colada no muro, metade de um tabuleiro de xadrez e duas partes de cadeiras, o xeque-mate do jogo se efetiva diante da impossibilidade física de se jogar uma partida. Em “Datilofagia” (2007) parte de uma mesa de escritório é colocada numa esquina embaixo do Minhocão, com um pedaço de máquina de datilografar e de uma cadeira, atraindo a atenção dos transeuntes, por serem situações em um contexto diferente do tradicional e ainda em estado não integral, como se a cidade tivesse “engolido” a prática das cenas expostas, de caráter corriqueiro e doméstico. “Apostas” (2010) é da mesma série, porém mais recente. Executou-se na Av. Salim Farah Maluf, e consiste em um pedaço de mesa com um jogo de baralho, e um quadro configurando a cena em uma esquina.


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ANA HOLCK Ana Holck lida com espaços no sentido mais físico da palavra, influência talvez de sua formação como arquiteta, e estabelece um diálogo com o urbano na escala do edifício, visando a amplitude espacial na perspectiva dimensional, sensitiva e estética, não apenas do local abordado, mas expandindo para os espaços que nos cercam de um modo geral. Os projetos da artista, embora apenas um tenha sido realizado na rua, carregam a questão atual de revisão de espaços que se relaciona diretamente com falta de percepção das grandes cidades atuais. Em “Estais” (2004), por exemplo, o vinil é transpassado entre pilares e paredes, se moldando às formas da sala, e traduzindo-a a partir da faixa de adesivo. A escolha pela faixa, na maioria dos suas instalações, ocorre por ser uma superfície que ao percorrer os espaços evidencia melhor suas nervuras. Como bem explicado por Alberto Tassianari emprega-se as faixas por serem “(...) mais espessas que as linhas, não apenas dividem, mas estruturam o espaço. Menos amplas que as áreas, não são todo o espaço, mas sobretudo suas direções e seus ritmos.” 48

48. Em texto do catálogo da exposição de Ana Holck na Galeria Virgílio, São Paulo, de 21 de outubro a 11 de novembro de 2004.

No caso de “Estais” o ambiente que compreende a obra é formado por 4 paredes e dois pilares, e as faixas o percorrem sem uma lógica pré-estabelecida, baseada em ritmos e direções que o valorizam. Nesse caso a obra versa sobre um espaço interior, embora o exercício possa ser transferido à um trecho urbano, em que há inúmeras lacunas que passam despercebidas. A lógica da trama urbana é concretizada em uma de suas primeiras instala-

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IMAGENS: ˇ 1. Ana Holck. Estais (2004) fonte: anaholck.com p. 107 2. Ana Holck. Empena cega (2001) fonte: idem anterior 3. Ana Holck. Empena cega (2001) fonte: idem anterior

ções, anterior à “Estais” intitulado “Empena cega” (2001). Este foi realizado em uma ladeira do Rio de Janeiro cercada por dois grandes paredões. Foram fixadas largas faixas vermelhas indo de uma parede a outra, como se estivessem sendo desenhadas na paisagem, dispostas no ritmo dos degraus, tornando concreta a distância entre as duas paredes, cuja dimensão se perdia em meio à relação de altura/largura da escadaria. Além disso, a cor vermelha das faixas chama atenção e se destaca em meio à sóbria paisagem urbana, configurando algo como um não-objeto, que se delineia ali no presente, sem ambição de ser algo além do que simplesmente é.


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JAN NEHRING Jan aborda o tema urbano por diversas perspectivas. Primeiro, utiliza materiais encontrados nas ruas, caçambas e lixos de São Paulo para produzir sua arte, reconfigurando a dialética do que é arte dentro de um meio tão conturbado como o da cidade e da produção de dejetos de uma metrópole como São Paulo. Nesse aspecto se enquadram os pequenos objetos que também estão presentes na produção do artista. Obras como “Composição” (2009), “Normal” (2010) e “Romance” (2010), trazem para dentro do espaço destinado à arte objetos que já tiveram uso na cidade, convidando o espectador a indagar sobre o ambienteurbano, que se conforma como cenário (aparentemente estático), porém em constante mudança, troca e renovação. Além disso, as intervenções de Jan resultam em arranjos explosivos e expansivos que parecem figurar um grito em meio ao caos urbano. Possuem força tal que sobressaem ao ambiente em que são inseridas e não são engolidas pelo meio, ao mesmo tempo que preenchem o espaço como se a instalação tivesse “nascido” do local. As instalações intituladas “Construção” (2010) e “Construção II” (2011) realizadas na Casa da Xiclet, são tridimensionais, embora se diponham na parede, pois parecem querer sair do plano do muro e invadir ainda mais o espaço tridimensional. A organização aparentemente caótica dessas instalações, num segundo momento parece ser regida por uma vertente construtivista no âmbito de acentuarem a noção de estrutura e movimento no espaço, por meio de


IMAGENS: p. 110 1. Jan Nehrignh. Composição escolar (2010). fonte: acervo do artista 2. (à direita) Jan Nehrignh. Normal (2012). fonte: acervo do artista 3. (abaixo) Jan Nehrignh. Romance (2010). fonte: acervo do artista p. 111 4. Jan Nehrignh. construção 2 . Casa da Xiclet (2011). fonte: acervo do artista 5. (abaixo) Jan Nehrignh. Construção 3. Casa da Xiclet (2011). fonte: acervo do artista 6. (à direita) Jan Nehrignh. Consagração ao vento. Praça das corujas - SP (2011). fonte: acervo do artista p. 112 7. Jan Nehrignh. Cerne. Casa de tijolo. (2013). fonte: acervo do artista 8. (à direita) Jan Nehrignh. Cerne. Casa de tijolo. (2013). fonte: acervo do artista 9. (abaixo) Jan Nehrignh. Gratidão. Occupy Copan (2011). fonte: acervo do artista 42. O resultado foi um amplo panorama da produção artística contemporânea além de revelar “(...) o lado truncado do edifício que não foi absorvido pela valorização do mercado imobiliário no centro da cidade, 3.500 m2 distribuídos em 3 pisos cheios de caminhos, “puxadinhos” e estruturas que limitam o espaço para um uso mais funcional.” (extraído do texto de apresentação da exposição. Disponível em: http://infuser.org/imovel/)

tensões e equilíbrios, indagando e explorando a superfície plana, as formas e as cores. Em “Vela” (2010) o espaço é utilizado mais amplamente, na Praça das Corujas, em SP. adentra-se nas questões abordadas anteriormente em termos de organização, porém livre de suportes como parede ou pedestais, completamente inserida na 3a dimensão, compondo a paisagem ao fundo. Suas formas são organizadas por materiais menos rígidos, mais flexíveis, resultando em um conjunto mais leve, quase como se flutuasse no cenário da cidade. Em 2011 Jan participa da exposição “Ocuppy Copan”. Projeto Idealizado por Alessandra Terpins e Fernanda Brenner, que utilizaram um espaço do Copan, fechado há 20 anos, para dar um novo uso ao imóvel com obras de mais de 30 jovens artistas, na época não representados por galeria 42. Nesse contexto, “Gratidão”, obra exposta no projeto, ganha lugar na esquina do edifício, em contato direto com a rua, e exibe para quem passa suas linhas diagonais, formadas por objetos recolhidos na rua, a mesma rua que recebe a obra e que antes recebia uma esquina vazia. “Cerne” (2013) é talvez a instalação que alcança o extremo da explosão e invasão espacial. Num arranjo de madeiras em uma sala da galeria Casa de Tijolo, as peças partem da parede e se espalham pela sala, como se espirradas. A dimensão espacial é ampliada e revelada, à medida que o expectador acompanha o movimento das peças pela sala.

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RENATO ATUATI Renato Atuati opera com performances e vídeos, e se volta para a cidade ao produzir leituras críticas em relação à vida nas grandes metrópoles. Uma de suas primeiras performances foi realizada em 2010, “Via Crucis, IX”, no qual caminha com roupas pretas pelo canteiro da Av. Santo Amaro carregando um poste com placas de ruas, como se estivesse fazendo uma peregrinação carregando uma cruz. No vídeo fica clara a relação do peso das cidades nas costas de cada um que nela vive. Percorremos suas ruas diariamente enfrentando todas as vicissitudes às quais ela nos sujeita, carregamos o peso da vida urbana. Além das ações realizados em São Paulo, em 2011 pôde experimentar vivenciar a rotina em outra cidade grande. Residiu no estudio “Performance Space”, na cidade de Londres, experiência que resultou na vídeo-performance “Alive”. O projeto consiste em uma reflexão sobre um espaço específico da cidade que compreendia seu trajeto diário. Delineia-se no abrigo de pombas localizado embaixo da ponte de uma importante estação de metrô, que liga as vias aos trens, em que, muitos pombos acabam morrendo presos nas grades que a cercam. Pode-se, a partir daí, traçar um paralelo com a dificuldade de se viver em uma cidade grande, e agonia que muitos transeuntes encontram na peleja diária pela sobrevivência na cidade. O vídeo resulta essencialmente em duas etapas - que passam ao espectador de maneira muito direta o caráter agonizante da situação de “prisão urbana” sendo estas, as séries fotográficas dos pombos presos nas grades sob a ponte, e

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a performance de fato, que foi realizada em um trecho da cidade, com o auxílio de uma Van que deslocava aparelhos projetores das fotos nos muros do trajeto escolhido. O vídeo como produto final possui 6 min. Outra vídeo-performance do Renato interessante de apontar é “O grito do Ibirapuera”, teve início em 2012, e foi realizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Aborda fundamentalmente questões acerca da perda da valor que monumentos possuem na cidade contemporânea, em que estes passam a não ser mais um referencial físico em meio à velocidade com que se transita e sequer um referencial histórico, uma vez que se insere em um cenário de cidade de grandes atrações midiáticas e poluição visual.

IMAGENS: p. 115 1, 2, 3. Renato Atuati. Via Crucis (2010). Av. Santo Amaro - SP. fonte: acervo do artista 4, 5, 6. Ponte Bethnal Green - Londres. foto: Franklin Lopes p. 116 7, 8, 9. Renato Atuati. Alive (2011). Londres. fonte: acervo do artista 10, 11, 12. Renato Atuati. O grito (2012). Parque do Ibirapuera - SP. fonte: acervo do artista

Em suma, as ações descritas acima contestam o olhar sobre a cidade e a leitura da dinâmica que a constrói, buscando entender o que se perde e se deixa de ver nos percursos apressados do dia-a-dia. A escolha pela linguagem da performance traduz muito do mundo contemporâneo, consiste na ação do presente e do efêmero, em que num determinado tempo e espaço tudo acontece, e se acaba. Depois disso restam os registros da ação no passado.


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GUSTAVO GODOY Gustavo Godoy atua sobre diferentes suportes e mídias, tais como fotografia, desenho, vídeo e montagens, para expressar suas inquietudes e asserções em relação à cidade de São Paulo. A formação em arquitetura pela FAU-USP em 2011 contribuiu para o olhar sobre a cidade, tanto sobre suas formas quanto sobre suas funções e a abordagem que procura desenvolver é a relação de seus cidadãos com o espaço público, a apropriação dos espaços e a busca para reverter o aspecto excludente da metrópole. Com base nestes preceitos, realiza em 2001 a primeira instalação da série “Percursos desvios”, mais especificamente uma vídeo-instalação, que reflete e representa a paisagem urbana por meio de registros de vídeos e registros gráficos feitos no percurso realizado em Santo Amaro. Enquanto um mapa representa uma visão geral do espaço em que vivemos, a vídeo-instalação carrega características de uma visão no domínio do pedestre, com todas as tensões que o percurso e a paisagem possam ter. O vídeo acrescenta ao trabalho o fator “tempo” na vivência do percurso e as linhas caracterizam o espaço, a partir da imagem impressa, congela-se a paisagem no tempo. Em 2003 Gustavo produz outra instalação da série “Percursos e Desvios”, dessa vez na capela do Morumbi. A idéia que a embasa é a mesma: registros da paisagem por meio de desenhos, vídeos e imagem impressa, que se sobrepõem, criando uma nova maneira de percepção do espaço. Como diz o artista: “Desse modo, os desenho, vídeos e as imagens impressas deixam de servir

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como narrativa-discursivo-referencial e problematizam a noção realista da imagem elevando-a a um nível mais mental, de percepção, do que puramente visual”.43

43. Trecho da apresentação do trabalho. Disponível em http://www.gustavogodoy.art.br/ IMAGENS: ˇ 1, 2, 3. Gustavo Godoy. Percursos e desvios (2003). Capela do Morumbi. fonte: www.gustavogodoy.art.br/ p. 119 4, 5, 6, 7. Gustavo Godoy. Percursos e desvios (2001). Santo Amaro. fonte: www.gustavogodoy.art.br/

Outro projeto de Gustavo, mais recente, que integra ações no espaço público com vídeo instalações em espaços expositivos é o “Tire sua venda” (2009). A vídeo instalação consiste em uma venda pregada na parede, com a frase “tire sua venda”, uma televisão com a passagem de uma série de fotos do artista vendado em frente a lugares icônicos que traduzem a cidade de São Paulo e uma cadeira para que o espectador possa acompanhar o vídeo. A frase que dá titulo ao trabalho pode ser interpretada de duas maneiras, sendo “tire sua venda” no sentido de tirar a faixa que cobre os olhos ou no sentido do verbo vender, que remete ao império do dinheiro no qual vivemos atualmente.


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RAPHAELLE FAURE-VICENTE Raphaelle Faure-Vicente é francesa e mora em São Paulo, cidade que escolheu para dar continuidade à sua pesquisa sobre arte urbana e manifestar-se sobre suas inquietudes da vida nas cidades. Os trabalhos realizados no Brasil carregam o olhar de quem vem de fora, um olhar atento e mais alerta às coisas nunca antes notadas por quem passa pelas ruas dessa cidade todos os dias. Olhar contemplativo, sem os vícios de quem cresceu em meio àquelas paisagens. De acordo com Nelson Brissac49 o olhar estrangeiro resgata o significado da mitologia existente numa cidade, esvaziada para quem vive inserido nela pela repetição e generalização das imagens, em que o princípio da representação deixa de funcionar e as imagens se confundem com a própria realidade do local.

49. PEIXOTO, Nelson Brissac - “O olhar estrangeiro” in “O olhar”. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. P. 363 50. CALVINO, Ítalo. “As cidades invisíveis”. Cia das Letras, 1990.1a ed. Tradução> Diogo Mainardi. P.44

Ao se visitar uma cidade pela primeira vez capta-se dela parte do mundo que vive dentro de cada um, a leitura que fazemos da cidade se dá por meio de concepções e vivências muito particulares. No livro Cidades invisíveis de Ítalo Calvino, Marco Polo descreve inúmeras cidades, das mais fantasiosas, ao poderoso imperador Kublai Khan. Todas, na verdade, versam sobre uma cidade apenas: Veneza; que pode ser descrita de diferentes maneiras, tudo depende do que se quer dela. Assim, Marco Polo, sabiamente, aconselha o imperador: “De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas”50. Sendo assim, a presente pesquisa se enriquece quanto mais variadas as formas de leituras abordadas, e as intervenções de Raphaelle contribuem também para


ampliar a discussão sobre a cidade e buscar outras maneiras de se olhar para uma mesma questão. “Tancarville”, foi uma série que teve início na França, e foi posteriormente adaptada para a cidade de São Paulo. O título é nome de uma cidade francesa em que foi construída a primeira ponte suspensa, possibilitando mais facilidade para o comércio local e é também uma gíria para “varal” de pendurar roupas. Assim, em 2009 executou na França a primeira escultura que “prolifera” feita de varais. As esculturas foram feitas nas ruas, dispostas “subindo” prédios como se estivessem se espalhando pela cidade.

IMAGENS: p. 122 1. Raphaelle Faure-Vicent. Tancarville (2009). França. fonte: raphaelle-faurev.blogspot.com.br/ 2. Raphaelle Faure-Vicent. Tancarville (2011). Edifício Lutretia - SP. fonte: raphaelle-faurev.blogspot.com.br/ p. 123 3. Raphaelle Faure-Vicent. Tancarville (2011). Edifício Lutretia - SP. fonte: raphaelle-faurev.blogspot.com.br/ 4 e 5. (à direita e abaixo) Raphaelle FaureVicent. Tancarville (2012). Vitrines MASP. fonte: masp.art.br/masp2010/exposicoes_vitrinas_masp_metro_anteriores_raphaelle_e_ thereza.php

Ao chegar em São Paulo, lhe chamou atenção a frequência com que chovia na cidade, a partir disso adaptou o material utilizado nas esculturas, antes feitas com varais, agora com guarda-chuvas encontrados nas ruas. O “esqueleto” dos guarda-chuvas, por si só, já é uma traquitana com forma interessante e, ao serem dispostos juntos à outros parecem espécies com grandes articulações que escalam as paredes em que se apoiam e se espalham pelo espaço em que estão inseridas. O “Tancarville” versão brasileira foi realizado em 2011 no edifício Lutetia, na Praça do Patriarca, e também nas vitrines do Museu de Arte de São Paulo (MASP) no metrô, em 2012. O trabalho realizado no edifício Lutetia resultou mais expressivo, pois os guarda-chuvas estavam dispostos livremente no ambiente, evidenciando a idéia de proliferação e ocupação do edifício. A obra exposta na vitrine do MASP perde parcialmente essa característica por estar fechado em um ambiente delimitado por paredes e vidros.

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LUZINTERRUPTUS A leitura de grande cidade, nesse caso, é feita sobre a cidade de Madrid. Constituem um coletivo espanhol que faz intervenções urbanas em espaços públicos utilizando “luzes”. A idéia principal das intervenções realizadas pelo grupo é iluminar espaços que julgam necessário, por ser um espaço problemático ou emblemático e chamar atenção das pessoas que por ali passam, possibilitando a interação do público com a intervenção. Utilizam também materiais comuns à rotina diária de uma cidade, tais como lixo, materiais recicláveis, água etc. Além do caráter subversivo, o coletivo também faz intervenções com objetivo estético, em lugares que acham interessantes e que merecem ser compartilhados com outras pessoas. As obras possuem caráter efêmero e permanecem nas ruas até que alguém o leve ou que a luz se apague.

A luz se insere nas intervenções com sua função mais elementar: permitir que se veja o que está imerso no escuro, dialogando diretamente com os espaços na cidade que se encontram na escuridão, no sentido não literal, no entanto, são impossibilitados de serem notados pela cegueira dos trajetos apressados e objetivos da realidade das metrópoles, ampliando a discussão para além da cidade de Madrid, como uma tendência para todas as grandes cidades contemporâneas. Nesse sentido “Cementerio de árboles” é uma intervenção realizada em 2009 em uma praça esquecida da cidade de Madrid, que se encontra morta, com suas árvores e arbustos secos, sem grama, sem verde, sem pessoas e sem iluminação.


A obra é composta por cones de trânsito iluminados, formando uma cruz no paredão voltado para a praça escura, com o intuito de alertar a existência da praça e o descaso ao qual está submetida. Em “Noche de verbena y basura” (2010) penduram máscaras sanitárias iluminadas lado a lado em um fio, formando um varal de “bolas” acesas, como estes que iluminam festas. A ironia do trabalho e do título tem como objetivo enfatizar o problema do grande número de vazios urbanos, que atingiu Madrid com a crise imobiliária, e que poderiam ser convertidos em espaços públicos os quais as pessoas pudessem usufruir, ao invés de servirem como depósitos de lixos e entulhos.

IMAGENS: p. 126 1, 2 e 3. Luzinterruptus. Cementério de árboles (2009). Madrid. fonte: www.luzinterruptus.com p. 127 4, 5, 6 e 7. Luzinterruptus. Noche de verbena y basura (2010). Madrid. fonte: www.luzinterruptus.com p. 128 8, 9, 10, e 11. Luzinterruptus. CJardin para un futuro no muy lejano (2010). Madrid. fonte: www.luzinterruptus.com

Seguindo a série de críticas às metrópoles contemporâneas, realizaram também em 2010 “Jardin para un futuro no muy lejano”, o qual critica a falta de espaços verdes nas cidade. Para realizar a intervenção colocaram ramos de folhas em embalagens transparentes e descartáveis junto com uma luz verde, e dispuseram-nas sobre um paredão de uma praça seca, formando uma espécie de jardim vertical. A idéia é também alertar para a tendência de implantação de jardins verticais, em detrimento de grandes espaços verdes em que as pessoas possam ocupar e permanecer, não restringir ao usufruto apenas visual. Além disso, a utilização da embalagem remete às embalagens de comidas congeladas de mercados, outro grande problema do mundo industrializado atual, em que a cada dia fica mais raro o contato com a natureza e com o natural.

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OCUPAÇÃO DO EDIFÍCIO

A última e, pode-se dizer, mais complexa etapa do projeto consiste na elaboração estratégica da ocupação do edifício. Faz-se aqui um contraponto ao projeto Arte/Cidade I, Cidade sem Janelas, o qual, dentro de todas as edições do Arte/Cidade, é o que mais se aproxima da proposta de Espaços Revistos, em termos de escala e tema abordado. Antes de mais nada, é necessário delinear de maneira mais clara o que de fato foi a primeira edição do Arte/Cidade. Ao utilizar o espaço do Matadouro abandonado, o Arte/Cidade propõe na escala do edifício a revisão desse espaço e a extensão da discussão para a escala da cidade, sendo esta concebida não como um tema, mas como um suporte. A ousadia da curadoria de Nelson Brissac não está na abolição do espaço neutro dos museus, como vimos, essa prática vem sendo realizada desde os anos 50. Ao contrário, ressalta-se aqui a maneira como foi elaborado o projeto, deixando o grupo livre para criar suas intervenções, sem conceitos fortes ou diretivos a seguir, evitando que a visão de mundo e arte que o curador tem se sobressaísse às dos artistas. Os artistas que participaram eram alguns entre os já inseridos no meio da arte e possuíam certo reconhecimento como tal. Estes foram reunidos, juntamente com os curadores, para que se pudessem discutir o projeto e o tema central “Cidade sem janelas”. O tema seria base inicial para garantir homogeneidade

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entre as obras, ainda que cada um apresentasse suas poéticas particulares. Além disso, uma lista de palavras foi distribuída, delineando o universo ao qual deveriam se balizar: prédios, empenas, fachadas, becos, vielas, sky line, impotência, solidão, clausura, angústia, opacidade, saturação, acúmulo, artérias, detritos, ruínas, sobras, escombros, concreto, lama, pedra, metal, solo mineral, arqueológico, porosidade, espessura, massa, peso, gravidade, cheio, fechado, duro, cinza, amorfo, inerte, descascado, sujo, usado, volume, sobreposição, entrelaçamento, articulação, ruído, indistinção, amontoado, aglomerado, acoplamento, engate, expansão, superfície, plano, epiderme, aridez, secura, para citar algumas inquitações. O resultado da primeira edição do Arte/Cidade provocou opiniões divergentes. Há quem diga que o que ocorreu foi uma falta de conexão entre as obras, aliada a certa resistência à interação. Por outro lado, pode-se dizer que, caberia ao espectador conectá-las da maneira que lhe conviesse, e fazer a síntese ao percorrer os espaços do matadouro. Com relação à escala da discussão, esta se findou mais numa restauração simbólica do edifício do que na cidade de fato. O que não se pode negar é que a simples discussão gerada a partir do produto final já atinge parte da expectativa dos autores do projeto, pois, se fez notar aspectos importantes da dualidade que existe entre arte e cidade. Antes de mais nada, é necessário que se atente aos distintos processos de escolha de quem comporia o grupo que faria as intervenções. No caso do “Cidade sem janelas” seu recorte, como dito acima, se deu num meio já estabelecido da arte, e a partir de então os artistas foram orientados, ainda que de maneira con-


tida, a formularem uma questão sobre os temas abordados, todos relacionados à cidade, um convite feito para pensarem sobre tema principal da “Cidade sem janelas”. Como já citado, de forma diferente, no projeto proposto, a eleição de quem comporá a exposição parte da rua, portanto as indagações feitas sobre a cidade já estão traduzidas nas intervenções que fizeram. O convite ou diretriz para o projeto se faria no sentido de sugerir essa leitura adaptando-a à realidade do edifício escolhido. A seguinte observação a ser feita é com relação à conduta dada ao grupo para a elaboração das intervenções e o espaço por cada um ocupado, tanto em questão de organização espacial como unidade de conceito. No Arte/Cidade I, reuniu-se os artistas e os apresentou-se uma série de palavras que serviriam de inspiração para suas poéticas. A partir de então, o parcelamento dos espaços foi previamente distribuído aos participantes, e estes deram vazão aos suas idéias com base nos espaços que lhes foram concedidos. Cabe aqui comentar outro episódio, não tão bem sucedido, no que tange a questão da separação de espaços destinados às intervenções. A 7a Bienal de Berlim, em 2012, cujo mote era “Forget de fear”, tinha como principal proposta atacar a representação no mundo da arte e criticar os modelos institucionais das bienais internacionais. Sob este princípio, Joanna Warsza, curadora associada, convidou quatro pichadores brasileiros para participar da Bienal, sendo este William, do grupo Operação; Biscoito, do grupo União 12, e RC e Djan

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Ivson, do grupo Cripta, para ministrar um workshop intitulado “politics of the poor” (politicas do pobre) e exibir a ação dos pichadores. Evidentemente, o workshop lida com controvérsias de mostrar uma ação genuinamente urbana dos pichadores em um espaço limitado e institucional, tal qual aponta Djan Ivson: não tinha como dar um workshop de pixação, porque é uma manifestação que só acontece na rua, no contexto da transgressão; (...) para a gente não é normal chegar e ter um lugar autorizado e especificado para a gente dar uma demonstração de pixação. Como a gente ia dar uma demonstração prática de uma coisa que só acontece na rua? 51

51. Entrevista concedida por Djan Ivson à revista Caros Amigos, publicada em 26/07/2012. Diponível em: carosamigos.terra.com.br/ index/index.php/cultura/noticias/2317-aarte-como-crime-em-uma-bienal-cujaproposta-era-esquecer-o-medo

O workshop resultou numa confusão quando dois dos pichadores resolveram escalar a igreja em que seria sediado o workshop e pichar os muros externos. Diante disso, chamaram a polícia para impedi-los, e num momento do tumulto o curador Artur Zmijewski jogou um balde de água sobre Djan Ivson, que respondeu à agressão “pichando” o curador com tinta amarela. O público presente, segundo relatos da cobertura nas mídias, apoiou os pichadores, pois no fim, uma bienal que se dizia revolucionária recorreu ao próprio sistema para barrar os transgressores. Além disso, para os participantes do workshop, conforme documentaram nas redes, foi uma experiência muito mais interessante do que poderia ter sido dentro do roteiro programado, pois no fim esse caráter subversivo que o pichador carrega foi posto em prática. Tal episódio ilustra a descaracterização da arte urbana, mais especificamente da pichação. Tendo em vista a dificuldade de se resolver essa questão, estudou-se


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uma série de possibilidades que pudessem resguardar a essência das obras dos artistas, no que tange as possibilidades de organização e processos de projeto. IMAGENS: > 1 e 2. Grupo pichando a igreja na 7a Bienal de Berlim. 3. Curador Artur Zmijewski após ser pintado por Djan Ivson

A principio pensou-se na isenção do controle do curador sobre a organização espacial do projeto, mantendo a espontaneidade que os artistas têm ao agirem sobre a cidade. Mas como manter essa espontaneidade e, ao mesmo tempo garantir que o conceito da proposta seja preservado? Nesse sentido, é importante


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ressaltar que a principal função do curador, pensada para o projeto “Espaços Revistos”, está na escolha dos artistas e poéticas que comporão o edifício, além da organização conceitual do evento, ainda que essa organização defina a isenção de controle espacial. Para assegurar que não houvesse nenhum tipo de controle inibidor das premissas na criação e na organização das intervenções que seriam feitas no local, pensou-se em alguns mecanismos. Um deles seria adotar uma maneira lúdica de lidar com a questão do acaso. Uma opção de sorteio dos espaços e improvisação dos artistas para utilizá-los ou talvez o sorteio da ordem em que estes fariam as intervenções, deixando-os livre para escolher os espaços, ao mesmo tempo em que teriam que lidar com as intervenções anteriormente produzidas. Outra opção que poderia obter um resultado interessante seria reunir os artistas, e conduzí-los de maneira tal que produzissem uma obra conjunta, cada um com sua poética, trabalhando numa mesma ideia. Tal proposta se defronta com a dificuldade do trabalho em grupo, considerando que os artistas deixariam de lado sua linguagem própria para dar vazão ao projeto conjunto, o qual embora pudesse resultar em algo interessante, provavelmente não traria a mesma diversidade de suportes e amplitude de questões apreendida com as ações individuais. Enfim, para exercício de curadoria e para dar vazão à experimentação, não necessariamente como solução final melhor resolvida, fez-se necessário adotar um prévio parcelamento dos ambientes e distribuí-los entre os artistas, visando a dialética utilizada por cada um em suas ações e a consequente fluidez da ide-


ação, além da não sobreposição das intervenções já existentes no local. Dentro desse espaço previamente concedido ao artista, visando possibilitar a fluidez de ideias, ele seria livre para executar suas convicções e também propor novos limites espaciais que julgasse necessário.

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EXPERIMENTO

Os espaços contidos no edifício possuem características bastante variadas, podendo ser classificados sob inúmeros parâmetros: Ruído, iluminação, localização, dimensão, número de intervenções existentes, entre outros. Cada espaço possui uma ou mais características que se adequam melhor à peculiaridade de cada artista. Os critérios que julgou-se mais relevantes pautar numa primeira distribuição de espaços foram fundamentalmente iluminação e dimensão, e originou quatro categorias: salas completamente escuras, salas parcialmente iluminadas, espaços abertos cobertos e espaços abertos descobertos. Concentrouse o estudo dos espaços no pavimento principal - o térreo, embora se encontre num nível mais alto que o da rua, por ser o pavimento de chegada e com maior diversidade de espaços. Sendo assim, as intervenções num primeiro momento se distribuirão pelo pavimento térreo, em algumas áreas pré-definidas. O evento, no entanto, não se encerrará nesse pavimento, mas se estenderá por todo o edifício, visto que este, por si só, carrega marcas do tempo, de ideias não concretizadas, de ações e reflexões, importantes para complementar o conceito da proposta, além de proporcionar diferentes experiências sensoriais em seus espaços inusitados.


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CARACTERIZAÇÃO DOS ESPAÇOS

aberto/descoberto aberto/coberto fechado/pouca luz fechado/sem luz 0

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ÁREAS DE INTERVENÇÃO

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1. RAPHAELLE FAURE-VICENT

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Para Raphaelle, com suas esculturas que “proliferam” designou-se um espaço que não se encerra completamente por paredes, possibilitando à autora liberdade para explorar as diferentes áreas do edifício com a obra, também permitindo que a obra “fuja” dos espaços internos do mesmo, tal qual a impressão que ficou da intervenção feita no edifício Lutretia. Além disso, a escolha dessa área é estratégica, pois é o primeiro trabalho que se vê ao chegar no pavimento, portanto a obra introduz o conceito do evento, um convite para explorar o edifício, sem regras ou prévias.

2. LUZINTERRUPTUS

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Para a intervenção do grupo espanhol, que utiliza a luz como elemento principal, selecionou-se uma ampla parede sob a cobertura, que pode ser vista desde quando se sobe a rampa para acessar o térreo, atraindo os visitantes para esse bloco disposto no centro do pavimento, que o separa em grandes áreas. Além disso esta se volta para a rua, e as luzes da obra podem então serem vistas do lado de fora, atraindo a atenção do transeunte que estiverem passando pela avenida.

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3. GUSTAVO GODOY

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Embora o artista tenha uma produção bastante variada, em questão de formas de atuação, é bastante recorrente o uso da mídia na exibição de seus trabalhos. Dessa maneira, também considerando suas obras anteriormente apresentadas, escolheu-se uma sala fechada e parcialmente iluminada, para que fosse possível apresentar tanto vídeos quanto imagens impressas. O acesso à sala se dá por meio de duas portas laterais, por onde entra iluminação natural, não há janelas e suas paredes são amplas, de bloco de concreto aparente.

4. JAN NEHRING

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Devido à sua produção que varia entre o tridimensional e o quase bidimensional, pensou-se em um “canto” de uma área perto da entrada principal, que dá acesso ao resto do edifício. O espaço consiste em duas paredes amplas que configuram esse “canto” em frente às duas salas escuras, e não se caracteriza por um espaço de passagem, ao mesmo tempo em que não encerra uma sala fechada, mas permite a expansão de sua obra pelo edifício, tanto por meio das paredes, quanto pelo espaço delimitado por estas.


5. RENATO ATUATI

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Em decorrência do suporte do vídeo como produto final das intervenções de Renato, para que a projeção ficasse mais nítida, a condição principal de escolha da sala foi a ausência de luz. A sala escolhida é a que possui menor incidência de luminosidade e um espaço generoso para serem trabalhadas as projeções e, eventualmente, relatos dos processos da performance. Esta também se encontra no “eixo” de entrada do edifício e possui dois acesso, entretanto não compreende muitos desenhos nas paredes em decorrência da escuridão.

6. PIQUE A.K.A. CARANGO SÁ

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Carango Sá elabora suas instalações em lugares estratégicos da cidade, em cantos de muros, esquinas de ruas, superfícies de viadutos etc. Em geral são vias que possuem um considerável fluxo de pedestres. Pensando nisso, escolheu-se uma “quina” de um local essencialmente de passagem, que funciona como um “nódulo” articulador dos espaços existentes: a entrada, as áreas internas da construção e a escada que dá acesso aos outros pavimentos.

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7. ANA HOLCK

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Pensando nas faixas da Ana Holck, este seria um espaço amplo suficiente para ser explorado, com pé direito alto e com alguns pilares dispostos no centro. A área está numa cota abaixo do resto do pavimento, seu acesso se dá por meio de uma rampa lateral, possibilitando uma visão geral da obra proposta, quando vista de cima, bem como a interação com esta ao percorrer seus espaços rebaixados. Além disso, ao percorrer este patamar rebaixado, ressaltam-se as paredes que o cercam, cheias de desenhos e pichações.


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INTERVENÇOES EXISTENTES/ INTERVENÇOES PROPOSTAS

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APRESENTAÇÃO E DISSEMINAÇÃO

A proposta delineada até aqui ocorre em um espaço atualmente sem uso pertencente à um órgão do estado, feito com dinheiro público. Intenta-se com o evento abrir os portões do edifício e convidar, a quem possa interessar, a construir um olhar sobre a questão e experimentar esse microcosmo de cidade – espaço residual - que compreende algumas amostras de intervenções elaboradas a partir de um macrocosmo – a metrópole contemporânea. Ao abrir-se os portões nos deparamos com uma rampa íngreme que dá acesso ao pavimento térreo (o acesso projetado seria feito por meio de escadarias, não construídas, que ficavam entre o edifício abandonado em questão e o edifício onde hoje situa-se o Paço das artes) em que se estenderá em toda sua extensão um tecido com a frase “espaço revisto” em grandes letras pretas como forma de consolidar o evento também como ato de revisão do espaço em questão, além de alertar aos transeuntes e convidá-los à entrar e explorar os espaços. A construção do olhar aqui proposta, portanto, se dá por meio da leitura do edifício em conjunto com as intervenções nele inseridas – tanto as propostas quanto as previamente existentes. No entanto, não se encerra no momento presente do evento, é parte de um processo que se estende ao longo da vivência na cidade, de percepção, compreensão e apropriação dos espaços. Nesse sentido, considerando o cenário de cidade em que vivemos, a dissemi-


nação do evento proposto será feita por lambe-lambes, ação típica de cidades grandes, colados diretamente nos muros da cidade, em lugares de São Paulo considerados conflitantes, alertando não apenas para evento, mas para a necessidade de se rever o espaço ali indicado. Além disso, outra ação vinculada ao evento é a construção de um site identificado com o título do projeto, “Espaços revistos”, que além de apresentar a proposta do evento, funcionará como plataforma de exibição de espaços residuais e conflitantes desta e de outras das cidades. Além disso serão apresentadas intervenções construídas por meio de diferentes leituras do cenário urbano, conectando as obras de um mesmo autor permitindo a análise e comparação de seus diferentes trabalhos em outros locais. A ideia principal é que se crie uma troca de experiências e olhares e, ainda que virtualmente esses espaços emblemáticos sejam conectados, expondo a cidade que se esconde por baixo de grandes avenidas e do excesso de informações, que muitos olhares não conseguem captar, despertando um interesse na busca de uma cidade diferente à cada dia, dentro de um mesmo trajeto.

IMAGENS: p. 146/147 1, 2 e 3. Entrada do edifício. Fotos autorais p. 148/149 4. Croqui aquarelado da rampa de acesso ao térreo, com tecido indicando o evento. Desenho autoral.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

AKJDELFAWE DAEWKJENC ALWKJJ JWI


SOBRE O PROJETO

Pode-se dizer que o trabalho resulta da educação do olhar desenvolvido durante os anos de faculdade, abordado em diferentes aspectos – urbanísticos, arquitetônicos e artísticos em geral – que permite a cada um construir seu modo de ver, desde uma escala ampla como a cidade até a escala do edifício ou de um detalhe construtivo, sem que um se desvincule do outro. Nesse sentido, a construção deste trabalho se deu a partir do interesse pelas intervenções artísticas urbanas, que requerem um olhar próximo e atento às cidades, que não se cega pela correria do cotidiano, ampliando para questões acerca do funcionamento delas nas quais se inserem essa prática “extramuros”, e que necessitam da relação da proximidade do olhar com um aprofundamento histórico e teórico. Num segundo momento, ao escolher a contrução abandonada como local de experimentação, aproxima-se o olhar de uma outra escala, a do edifício, indissociável das anteriores, que requer atenção aos seus aspectos dimensionais e formais. A partir de então, a construção do trabalho passa a ser a costura entre as diferentes escalas abordadas. Entretanto, embora o recorte do projeto já estivesse delineado, ao tratar de intervenções artísticas urbanas, tive que lidar com a impossibilidade de um completo controle sobre o resultado, pois, dentro do conceito proposto não

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seria possível prever como o artista ocuparia os espaços. Sendo assim desenvolvi o projeto sobre uma base experimental, partindo do processo de trabalho e da leitura urbana que cada um possuía, indagando a possibilidade de ocupação do edifício em questão. Por fim, percebi ser muito mais rica a discussão em torno de como seriam costuradas as diferentes facetas abordadas, que de fato o projeto com um resultado rijo e tecido, sendo este impossível de prever até que seja realizado. Considero portanto o apresentado sendo uma primeira etapa de trabalho, estendendo a ideia de concretização do projeto como uma etapa posterior, de viabilização do evento proposto a qual se pretende por meio de inscrições em editais que possibilitem sua execução.


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