MEMORIAL-CIANÊ

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TFG 2009 _ PRÁTICAS DO COTIDIANO: REABILITAÇÃO E RESTAURAÇÃO DAS FÁBRICAS TÊXTEIS NOSSA SENHORA DA PONTE E SANTO ANTONIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS | FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO | MAÍRA BRANÇAM SFEIR | ORIENTADORA_REGINA ANDRADE TIRELLO | COORIENTADORA_ANA MARIA REIS DE GOES MONTEIRO

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AGRADECIMENTOS Gostaria de dedicar este trabalho às pessoas importantes na minha vida, que não necessariamente estiveram por perto neste ano de desenvolvimento do projeto, mas que fizeram parte da minha formação como indivíduo, cidadã e arquiteta urbanista.

A toda turma 03 e agregados, pois muita coisa da minha visão e formação devo a vocês e, em especial, para Maria Julia Mazetto e Taimê Bertagna, minhas companheiras de todos os anos.

Agradeço primeiramente à minha orientadora Profª Regina Andrade Tirello e à minha coorientadora Profª Ana Maria Reis de Góes Monteiro por me guiarem durante todo o desenvolvimento do trabalho, por serem exigentes, por darem apoio, por acreditarem no resultado. Saibam que tenho enorme admiração e respeito por ambas. Ao Prof. Evandro Ziggiatti Monteiro pela sensibilidade do olhar. Ao Prof. Marcos José Carrilho por aceitar fazer parte da banca final. Ao meu pai pelo apoio e paciência em me acompanhar nas visitas de campo. À minha mãe pelas digitações, palavras de carinho e disposição em ajudar no que fosse preciso. Ao Rafael Rinaldo, meu namorado, pelo companheirismo durante as visitas de campo, pelas conversas, pelas viagens para me fazer companhia, pela compreensão, carinho e paciência durante todo o ano. Ao Jorge, Bi e Zé, caseiros das fábricas, pelas histórias e a todos que me ajudaram e disponibilizaram algum tipo de informação ou documento das fábricas.

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ÍNDICE 1_OBJETIVO 7 2_INTRODUÇÃO 11 3_A CIDADE DE SOROCABA

6.2.2_AVALIAÇÃO ARQUITETÔNICA DA FÁBRICA SANTO ANTONIO 6.2.2.1_ESTRUTURA; 6.2.2.2_FACHADAS; 6.2.2.3_ENVAZADURAS; 6.2.2.4_SUPERFÍCIES INTERNAS; 6.2.2.5_COBERTURA; 6.2.2.6_PISO 6.3_ AVALIAÇÃO ARQUITETÔNICA DOS BLOCOS 6.4_ ESTADO DE CONSERVAÇÃO ATUAL DO CONJUNTO DE FÁBRICAS 6.4.1_RECONHECIMENTO DAS ALTERAÇÕES FÍSICAS E MATERIAIS 6.4.2_DEGRADAÇAO E DIAGNÓSTICO, ESTUDO DE CONSERVAÇAO DO BEM

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3.1_BREVE HISTÓRICO DA SOROCABA INDUSTRIAL 3.1.1_AS FÁBRICAS TÊXTEIS 3.2_SOROCABA HOJE 3.2.1_ECONOMIA 3.2.2_TRANSPORTE 3.2.3_CULTURA, ESPORTE E LAZER 3.2.4_EDUCAÇÃO

4_PREMISSAS TEÓRICO CONCEITUAIS

7_ANÁLISE DO ENTORNO

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4.1_QUESTÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE RESTAURAÇÃO 4.2_CESARE BRANDI E O RESTAURO CRÍTICO 4.3_A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA REUTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS HISTÓRICOS 4.3.1_EXCLUSÃO / INCLUSÃO SOCIAL E A MERCANTILIZAÇÃO DAS CIDADES 4.3.2_O COTIDIANO E O TRABALHO 4.4_CONSERVAÇÃO INTEGRADA, GESTÃO URBANA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

5_OBJETO DE ESTUDO: AS FÁBRICAS NOSSA SENHORA DA PONTE E STO ANTÔNIO

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5.1_A FÁBRICA DE TECIDOS NOSSA SENHORA DA PONTE 5.1.1_MANOEL JOSÉ DA FONSECA: O FUNDADOR 5.1.2_A FAMÍLIA SCARPA: O SEGUNDO PROPRIETÁRIO 5.1.3_A COMPANHIA NACIONAL DE ESTAMPARIA (CIANÊ): UNIÃO DAS FÁBRICAS 5.2 _A FÁBRICA DE TECIDOS SANTO ANTÔNIO 5.3_AS FÁBRICAS DESATIVADAS E OS SEUS TANTOS PROVÁVEIS DESTINOS 5.4_LEGISLAÇÃO INCIDENTE

6_AVALIANDO OS EDIFÍCIOS

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6.1_ESTUDO DA CRONOLOGIA ARQUITETÔNICA 6.2_CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS EDIFÍCIOS FABRIS 6.2.1_AVALIAÇÃO ARQUITETÔNICA DA FÁBRICA NOSSA SENHORA DA PONTE 6.2.1.1_ ESTRUTURA; 6.2.1.2_FACHADAS; 6.2.1.3_SUPERFÍCIES INTERNAS; 6.2.1.4_COBERTURAS; 6.2.1.5_PISO

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7.1_LOCALIZAÇÃO 7.2_VIAS E FLUXOS 7.3_O TERMINAL DE ÔNIBUS SANTO ANTONIO 7.4_USOS E EQUIPAMENTOS 7.5_FREQUENTADORES E MORADORES DO CENTRO

8_DIRETRIZES DE INTERVENÇÃO 107 9_REFERÊNCIAS PROJETUAIS 113 9.1_DUISBURG PARK 9.2_MUSEO DI CASTELVECCHIO 9.3_SESC POMPÉIA 9.4_MFO PARK 9.5_MEYDAN RETAIL COMPLEX AND MULTIPLEX 9.6_BOOK HILL 9.7_MERCADO DE SANTA CATARINA 9.8_SOUTHERN CROSS STATION

10_PROJETO

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10.1_OS EDIFÍCIOS 10.2_USO E PROGRAMAS PROPOSTOS 10.3_PROGRAMA DE NECESSIDADES 10.3.1_TERMINAL DE ÔNIBUS URBANO | 5.600 m² | 10.3.2_PARQUE |36.110 m²| 10.3.3_FÁBRICA SANTO ANTÔNIO 10.3.4_FÁBRICA NOSSA SENHORA DA PONTE 10.4_INTERVENÇAO NO BLOCO A6

11_BIBLIOGRAFIA

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1_OBJETIVO

qualidade de vida das pessoas e a transmissão de seus valores culturais, históricos e materiais para gerações futuras.

Este trabalho tem como objetivo reabilitar1, para uso público, o conjunto das fábricas têxteis Nossa Senhora da Ponte e Santo Antônio, localizadas na região central da cidade de Sorocaba, local de intensas relações sociais e econômicas e de grandes carências de infra estrutura urbana. Visando manter o caráter industrial do conjunto e respeitar as características materiais e estéticas das edificações históricas, as diretrizes de intervenção deste TFG apóiam-se na teoria de restauro de Cesare Brandi, nas idéias de patrimônio cultural de Ulpiano de Meneses e em conceitos contemporâneos de conservação integrada. O projeto arquitetônico proposto tem por finalidade manter a composição social da população que mora e freqüenta o centro, utilizando-se das estruturas existentes e readequando-as às necessidades atuais da cidade. Com o projeto proposto, pretende-se preservar o conjunto das fábricas e integrá-lo à dinâmica urbana, proporcionando maior fruição e utilização dos espaços históricos pelos moradores, usuários e trabalhadores da região, visando à melhora da qualidade urbana, da 1

De acordo com o “Manual de elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural” do Programa Monumenta, reabilitação significa um conjunto de operações destinadas a tornar apto o edifício a novos usos, diferente para o qual foi concebido.

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2_INTRODUÇÃO

Essa fase industrial dá novos contornos à cidade. As construções se modernizam, a população cresce, os imigrantes se instalam e a cidade recebe melhoramentos na infra-estrutura urbana.

“O encantamento produzido ao observarmos uma imagem do passado exerce sempre um fascínio ímpar, pelos registros da arquitetura da época, das pessoas, da indumentária, da moda, das situações do cotidiano. Também promove um saudosismo em que viveu no período retratado ou admiração naqueles que jamais teriam a chance de saber como seria, pois o progresso, 2 implacavelmente, vai transformando tudo, paisagens, costumes, etc. “

No entanto, o ciclo da história continua. A então chamada “Manchester Paulista”3, cessa seus apitos para dar lugar à outros modos de produção e de vida. A cidade se expande e incorpora o velho complexo fabril, agora inserido na cidade, para que em sua periferia, novas, modernas e diversificadas indústrias se instalem. (CUNHA, 2004)

Foi nesse contexto de admiração e curiosidade que se definiu a área de estudo e o objeto de intervenção deste trabalho, o conjunto de fábricas têxteis Nossa Senhora da Ponte e Santo Antônio, localizados no centro da cidade de Sorocaba. Seja ele visto como elemento que incomoda, decadente, sujo e perigoso ou visto com olhos de respeito, admiração e lembranças, podese dizer que esse centenário complexo fabril, com suas grandes fachadas avermelhadas e enormes chaminés, tornou-se um dos marcos visuais na paisagem local. De rota de bandeirantes à vila tropeira, Sorocaba, no fim do século XIX, passou a ser uma cidade fabril, movida pelos apitos das fábricas e povoada por operários.

Este breve panorama dá conta dos diversos estratos de tempo da cidade de Sorocaba, que se representam nas suas edificações. Hoje, antigos casarões, fábricas, igrejas, hospitais, entre outras construções históricas são encontradas espalhadas pela cidade. Algumas delas continuam funcionando, outras tiveram seus usos alterados ou encontram-se abandonadas, situação na qual se encontra o conjunto das fábricas têxteis Nossa Senhora da Ponte e Santo Antônio, foco desse trabalho de graduação. Esse grande conjunto arquitetônico fabril, composto de 34.000 m² de área construída e dividido em nove blocos, tem hoje indiscutível valor histórico, artístico e simbólico para Sorocaba e região. É o precursor do desenvolvimento industrial da cidade, além de ser um dos maiores e mais bem conservados complexos industriais construídos em alvenaria de

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PAULA, Ademar A. Tesouros para a Posteridade. In_ FRIOLI, Adolfo. Sorocaba: registros históricos e iconográficos. São Paulo: Laserprint, 2003, pág. 07

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Denominação dada à Sorocaba por Alfredo Maia, em discurso dado durante a inauguração da usina hidrelétrica da São Paulo Eletric (Light), face à elevada concentração de indústrias têxteis em seu território.

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tijolos portantes da região o que torna fundamental o seu restauro e reabilitação.

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3_ A CIDADE DE SOROCABA 3.1_BREVE HISTÓRICO DA SOROCABA INDUSTRIAL

Sobre o Peabiru, antigo caminho dos tupiniquins, se formou a cidade de Sorocaba. Os índios do grupo tupi, que habitavam a região, principalmente as margens do rio Sorocaba (imagem 01), deixaram inúmeras marcas e indícios de sua presença tais como objetos, a tortuosidade de algumas ruas centrais ou nos diferentes topônimos, como o próprio nome da cidade: Sorocaba, a “terra rasgada”. Por volta de 1590, os primeiros portugueses e mamelucos paulistas, que vinham à procura de ouro, descobriram ricas jazidas de ferro, que trariam à Iperó, na época integrante do município de Sorocaba, a primeira fábrica do Brasil, a Real Fábrica de Ferro implantado na Fazenda Ipanema. De 1610, com a instalação da Vila de São Felipe nas margens do rio Sorocaba até 1646, a região serviu apenas para a passagem de bandeirantes paulistas em busca de índios domesticados para vendê-los como escravos à indústria canavieira. (Jornal Cruzeiro do Sul, 2004)

Imagem 01_Ponte sobre o Rio Sorocaba. Foto de Julio W. Durski, 1886. Acervo: Museu Histórico Sorocabano

Nessa época, o bandeirante Balthazar Fernandes chegava à região para ocupar sua sesmaria ao longo do rio. No alto da colina mandou construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da Ponte, a padroeira da

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cidade, atual Igreja de Santa Ana, de onde a população começaria a se concentrar. Dia 15 de agosto de 1654, seria a data de comemoração da fundação da nova povoação que passaria, em 1661, à categoria de Vila, a Vila de Nossa Senhora da Ponte. (Cruzeiro do Sul, 2004)

A Vila de Sorocaba se destacava dentro da economia da capitania, pois, diferente das ordens da metrópole portuguesa para o governador da capitania, sua principal atividade concentrava-se no comércio de muares e não na agricultura exportadora.

As primeiras ruas da vila de Sorocaba foram traçadas a mando de Balthazar Fernades, como afirma Adolfo Frioli (FRIOLI, 2003): “Nos últimos

Por exigência da economia exportadora do país, surgiram em 1865, as primeiras rotas ferroviárias nas áreas cafeeiras. Assim, o transporte feito pelas tropas cargueiras e, consequentemente, o comércio das feiras de muares começaram a declinar.

anos de sua vida Balthazar Fernades empenhou-se em traçar as primeiras ruas e praças, aproveitando-se dos velhos caminhos indígenas, dando assim ao centro da cidade o aspecto que se conserva posteriormente por muitos anos, alterandose apenas o cenário arquitetônico das antigas casas de taipa, que foram 4 substituidas pelas modernas edificações.”

Com a descoberta de ouro na Vila Bela de Mato Grosso, as primeiras tropas de muares cruzariam as ruas da pequena Vila de Sorocaba, deslocadas dos campos do Sul, para servirem de transporte cargueiro nas regiões das minas. A pacata Vila se transformou rapidamente em um próspero centro comercial de animais. Eram as famosas feiras de muares que ocorriam anualmente e permaneceram durante 131 anos, com seu auge por volta de 1850. Essas feiras impulsionaram novas atividades econômicas como a venda de produtos culinários, a “hotelaria”, a manufatura e o artesanato além de diversões de todos os gêneros.

A Inglaterra, impossibilitada de ser abastecida pela cultura de algodão americana durante a guerra da Secessão (1861/1865) nos EUA, começa a importar esse produto do Brasil. Sorocaba, impulsionada por empresas inglesas, investiu no plantio de um novo tipo de algodão para abastecer esse mercado emergente, transformando-se num centro produtor e exportador de algodão. Com a necessidade de melhorar o transporte desse produto e de uma ligação de São Paulo até a Fábrica de Ferro Ipanema, construiu-se a Sorocabana, ferrovia inaugurada em 1875. A Estrada de Ferro Sorocabana, que se tornaria uma das mais importantes ferrovias do País, impulsionou o processo de industrialização da cidade e região, pois facilitava o transporte de máquinas pesadas para as indústrias têxteis, aqui instaladas a partir de 1881, garantindo o transporte dos tecidos fabricados e das peças metálicas produzidas na fábrica de ferro. (Jornal Cruzeiro do Sul, 2004)

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FRIOLI, Adolfo. Sorocaba: registros históricos e iconográficos. São Paulo: Laserprint, 2003, pág. 11

Com a recuperação da produção norte americana e a baixa do preço do algodão no mercado internacional, Sorocaba foi,

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paulatinamente, reduzindo sua exportação. Deu-se inicio a uma nova fase, a industrialização local. Mesmo com a queda na exportação, a dinamização trazida à economia de Sorocaba não se perdeu, mantendo-se como a capital do algodão do Estado de São Paulo e sua produção de derivados era tão grande que a cidade recebeu o apelido de “novelos de fio”.

3.1.1_AS FÁBRICAS TÊXTEIS

De acordo com Paulo Silva (SILVA, 2000), o período da gênese industrial compreendeu o período de 1880 a 1930. A primeira tentativa de instalar uma fábrica têxtil foi em 1852. Estudos indicam que o insucesso da empreitada poderia estar ligado à não especialização dos escravos que na época trabalhavam como operários, e ao fato de que o centro da economia ainda girava em torno das feiras de muares e das atividades relacionada a ela e à matéria-prima, um algodão de qualidade inferior ao que seria usado posteriormente. A implantação da Estrada de Ferro Sorocabana (Imagem 02) favorece as pequenas indústrias artesanais, que passam a vender seus produtos em São Paulo e outras cidades. (Jornal Cruzeiro do Sul, 2004) Foi em 1881, que se iniciou efetivamente o chamado ciclo industrial têxtil de Sorocaba com a construção da primeira indústria de

Imagem 02_Estação da Estrada de Ferro Sorocabana que se encontra atualmente reformada. Foto de Pedro Neves dos Santos, 1924. Coleção Adolfo Frioli

fiação e tecelagem de algodão: a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte, implantada pelo comerciante português Manoel José da Fonseca e objeto de trabalho deste projeto de graduação. No início do século XIX, Sorocaba, conhecida então por “Manchester Paulista”, contava com quatro fábricas de grande porte: a fábrica Nossa Senhora da Ponte, de 1881 (imagem 03), Fábrica Votorantim e Santa Rosália, de 1890 (imagem 04 e 05), e a Fábrica Santa Maria, de 1896 (imagem 06), além de duas fábricas de chapéus, manufaturas e artesanatos.

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Imagem 03_Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte. Fonte: Almanaque de Sorocaba

Imagem 04_Fábrica de Tecidos Votorantim. Foto de Pedro Neves dos Santos, 1924. Coleção Adolfo Frioli

Imagem 05_ Fábrica de Tecidos Santa Rosália. Foto de Pedro Neves dos Santos, 1924. Coleção Adolfo Frioli

Imagem 06_ Fábrica de Tecidos Santa Maria. Fonte: museu Histórico Sorocabano

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Nos anos seguintes o número de fábricas cresceria significativamente. A industrialização passava a ser a responsável pela ampliação da cidade com a criação de bairros operários e abertura de ruas, ligações de água e esgoto (1903), serviço telefônico (1912), instalação de energia elétrica (1914) e os bondes (1915-1959). Sorocaba agora era formada por um parque mono-industrial importante, as indústrias têxteis, mas também abrigava fábricas menores e estabelecimentos de manufaturas e artesanatos. As construções destinadas à moradia de operários (imagem 07), que abrigavam cerca de 4000 pessoas, em 1914, ajudavam a compor um complexo de tal magnitude que levaria a cidade a ser considerada como o maior estabelecimento industrial do estado de São Paulo e um dos mais importantes núcleos de trabalho do país. Ao longo do século XX a produção fabril vai se diversificando. Na sua primeira metade, Sorocaba já contava com outras indústrias variadas: fábrica de enxadas e ferramentas agrícolas, fábrica de cerveja, de facas, de cal, de cimento e, durante um pequeno período, por volta de 1930, registra-se também o fortalecimento da agricultura com as plantações de laranjas para a exportação, situação que se manteria até alguns anos antes da segunda guerra. (Jornal Cruzeiro do Sul,2004)

Imagem 07_ Localização da vila operárias. Imagem baseada no original de Antonio Francisco Gaspar, 1909. Fonte: SILVA, 1995, pág 56

Havia nessa época, várias manifestações de descontentamento com o cotidiano da classe operária, marcada por muito tempo pela dominação, paternalismo, assistencialismo dos empresários locais.

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A cidade de Sorocaba, que um dia teve as primeiras grandes indústrias do Estado e uma das primeiras usinas hidroelétricas de vulto no sul do país, viu-se na segunda década do século XX, rapidamente ultrapassada pelo parque industrial paulistano. (SILVA, 2000) Algumas fábricas foram abandonas, esvaziadas de sua função original. Ainda hoje, pode-se encontrar alguns vestígios dessas construções, como a Fábrica Sta. Maria, que resta apenas sua chaminé (imagem 08), algumas reabilitadas como a Fábrica Sta. Rosália (Imagem 09) que virou um supermercado ou mesmo abandonada como as fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio. Imagem 08. Fábrica Santa Maria Demolida. Foto de Cláudia dos Reis e Cunha, 2004. Fonte: www.vitruvius .com.br

Imagem 09_Fábrica Santa Rosália, agora como Supermercado Extra. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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3.2_SOROCABA HOJE

Embora mantenha características de cidade do interior, Sorocaba tem posição econômica de destaque no Estado de São Paulo e a tendência é que se consolide cada vez mais como metrópole regional. A expansão urbana e demográfica do município nos últimos anos demonstram que Sorocaba está em plena fase de desenvolvimento. Ocupa uma área de 449,12 Km² (Seade, 20095) e possui 586.680 habitantes (Seade, 2008). Localiza-se a Sudoeste do Estado de São Paulo (imagem 10), a cerca de 96 km da capital. Seu acesso se dá por duas principais rodovias que circundam a cidade, a Rodovia Castelo Branco (SP-280) e a Rodovia Raposo Tavares (SP-270).

Imagem 10_Mapa do Estado de São Paulo. Fonte: www.guianet.com.br

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Fundação Sistema Estadual de Análise de dados

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3.2.1_ECONOMIA

Conforme mencionado, durante a primeira metade do século XX, Sorocaba era conhecida como “Manchester Paulista” e “cidade das chaminés fumegantes”, devido à sua elevada concentração de indústrias. De 1930 a 1969, ocorre uma desaceleração do crescimento industrial, iniciada pela crise do setor têxtil na região e uma posterior tentativa de diversificação das atividades. De acordo com Geraldo Bonadio (BONADIO, 2004), em 1969, com a abertura da Rodovia Castelo Branco, a cidade foi beneficiada pelo lançamento de um programa do governo estadual de incentivo às indústrias instaladas na capital do Estado a se fixarem no interior. Com a dinamização do município decorrente da instalação de novas empresas e atração industrial, Sorocaba inicia um novo processo de industrialização, transformando-se num grande centro de indústrias metalúrgicas e de mecânica de precisão, que foram responsáveis por um grande fluxo migratório que resultou em expressiva ampliação da área urbanizada. Em 1995, a Prefeitura de Sorocaba firma como seus objetivos, o crescimento e a diversificação das atividades terciárias visando o fortalecimento da cidade como centro regional de prestação de serviços. Em conseqüência, desde então, grande incentivo é dado para a instalação de comércio e serviços ao longo de corredores de maior tráfego, aproveitando-se da facilidade de acesso e do fluxo regional.

Em 1996, a ênfase na atração de empresas do setor industrial foi retomada, reafirmando essa prioridade em 2004, com a aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Físico e Territorial. Desde os primeiros planos e zoneamentos, o município privilegia a existência de zonas restritas ao uso industrial. Atualmente, o município vem investindo no Parque Tecnológico Incentivado, contido no atual Plano Diretor da cidade. (Jornal Cruzeiro do Sul, 2004) O parque industrial sorocabano é constituído em grande parte por empresas de capital estrangeiro, atraídos por bons acessos rodoviários, aeroporto local e proximidade com três outros principais aeroportos paulistas, um entreposto aduaneiro de interior, havendo ainda boa oferta de energia, estrutura de transporte coletivo, suprimento de água, coleta e tratamento de esgoto e grande disponibilidade de mão-de-obra qualificada e de centros de aprimoramento viabilizados pela sua grande rede educacional. Sorocaba registra hoje uma diversificação econômica incomum em relação a outros municípios brasileiros. Segundo dados da Fundação Seade, seria a 5º cidade a receber maiores aplicações de capital do estado, com 0,48% do PIB nacional e 1,56% do PIB do estado (IBGE 2004). Suas indústrias exportam para mais de 115 países contando, de acordo com levantamentos do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) para 2009, com cerca de 2.134 indústrias instaladas, 11.932 pontos de comércio e 11.182 de serviços, sendo o setor industrial o que mais emprega, no total 60.582 empregos formais, contra 50.094 empregos em serviços e 33.616 no comércio.

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A oferta de serviços mais diversificada de Sorocaba está no centro da cidade (imagem 11). A área conta com diversos pontos de comércio e serviços intercalados por algumas residências, escolas, estabelecimentos culturais e públicos. O centro possui, atualmente, 04 grandes mercados (feiras) sendo um deles o antigo Mercado Municipal, tombado pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,

Centro da cidade

Arquitetônico, Turístico e Paisagístico de Sorocaba (CMDP) e 04 grandes shoppings, sendo que um deles ainda está em construção (mapa 01). Está anunciado também, a implantação de um novo shopping de alto padrão que será instalado nas atuais fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio. Podemos observar que todos se localizam ao longo de rodovias ou vias de acesso, aproveitando-se da facilidade de acesso e do fluxo regional.

Fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio

Imagem 11_Vista aérea do centro da cidade de Sorocaba. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul, 2004

Rio Sorocaba

Estação de trem (FEPASA), antiga Sorocabana

Mapa 01_Principais pontos de consumo

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3.2.2_TRANSPORTE

O transporte coletivo em Sorocaba conta com dois terminais de ônibus urbanos. O Terminal São Paulo, inaugurado em 1992, com área de 11.000 m² e o Terminal Santo Antônio (imagem 12), também inaugurado em 1992, ocupa uma área de 13.000 m², ambos na região central da cidade. Esse último ocupa uma parte da área do terreno das Fábricas de Tecidos Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio e será objeto de estudo mais minucioso neste TFG. A URBES (Empresa de Desenvolvimento urbano e social de Sorocaba), responsável pelo serviço público de transporte coletivo da cidade, implantou atualmente a integração temporal com passagens com duração de 1 hora e passagens de R$ 1,00 aos domingos além do programa de linhas interbairros, que circulam pelos principais bairros da cidade, e interligam as áreas de transferência sem passar pela região central.

Imagem 12_Terminal de ônibus Santo Antonio. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Ao lado de cada área de transferência, foram construídos estabelecimentos parecidos com o poupatempo, chamados de “Casa do Cidadão” (imagem 13). A “Casa do Cidadão” descentraliza os serviços públicos, levando até aos bairros, diversos serviços que antes só podiam ser consultados em locais específicos, como certidões, processos, recarga de cartão vale-transporte e emissão de segunda via de conta de água. Sorocaba conta ainda, com um aeroporto, um dos mais movimentados do interior, a ferrovia, em funcionamento somente para

Imagem 13_Casa do Cidadão e Área de Transferência. Fotomontagem: Maíra Sfeir, 2009

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cargas, e um porto seco, chamado de Estação Aduaneira do interior (EADI), que é um terminal alfandegário destinado à movimentação e armazenagem de mercadorias importadas ou exportadas (mapa 02). A Prefeitura Municipal também está com o Programa Ambiental de Integração Social de Sorocaba, que proporcionará até o final de 2011 a implantação de três corredores viários municipais com o objetivo de interligar regiões sem a necessidade de o motorista passar pelo centro.

Outra meta do município é a implantação de um Plano Cicloviário (mapa 03), que pretende viabilizar 85 km de ciclovias interligadas, permitindo a circulação entre todas as regiões da cidade. Atualmente, estão implantando paraciclos, que são pontos de estacionamentos para bicicletas, localizados em locais de grande circulação de pessoas, como os Terminais de Ônibus Santo Antônio (terminal em frente às fábricas), praças, parques e nas unidades da “Casa do Cidadão”, e os bicicletários, pontos estratégicos com serviços de apoio ao usuário, e dispositivos para facilitar a integração do sistema cicloviário com os demais meios de transporte e os parques municipais.

Mapa 03_Levantamento dos locais relacionados ao transporte em Sorocaba Mapa 04_Plano Cicloviário de 2008 para Sorocaba. Fonte: URBES

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3.2.3_CULTURA, ESPORTE E LAZER

Constata-se, através de programas lançados pela prefeitura, um grande incentivo à prática de atividades físicas (imagem 14). O que se percebe nas práticas de esporte e lazer em Sorocaba é que os pontos mais atrativos desse tipo de atividade, atualmente, são os parques. Não há o costume de freqüentar centros esportivos. A Prefeitura, através do Programa Ambiental de Integração Social de Sorocaba, tem previsão de instalação de sete novos parques, alguns deles já em funcionamento. Esses novos parques apresentam uma dupla função, devem ser tanto áreas de preservação quanto de lazer.

Imagem 14_Evento “Pedala Sorocaba” enquanto passava em frente às fábricas. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Sorocaba conta com 21 parques municipais sendo 7 deles em áreas de preservação naturais fechados (mapa 05). Nota-se no mapa que nenhum dos parques se encontra na região central, local da proposta de projeto deste trabalho. Dois atuais e importantes parques da cidade são o Parque das Águas (imagem 15), que possui anfiteatro de arena, playground, pista de skate, circuito infantil, lagos, pista de caminhadas, ciclovias, campos de futebol, quadra poliesportiva e, o Parque dos Espanhóis, com cerca de 20.000 m², cuja estrutura é semelhante ao do Parque das Águas, porém conta com o maior palco ao ar livre de Sorocaba onde, atualmente, são realizados muitos dos shows da cidade. Mapa 05_Principais pontos esporte e lazer em Sorocaba

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Os estabelecimentos fechados para realização de shows são pequenos ou com infraestrutura ruim. Há alguns anos só havia os clubes da cidade e as grandes apresentações eram realizadas em estacionamentos de shopping ou mercados que ao menos agora, possuem o palco e a estrutura montada no Parque dos Espanhóis. Os cinemas localizam-se principalmente em atualmente com 17 salas distribuídas em três shoppings.

shoppings,

de prédios históricos de Sorocaba. O novo museu recém inaugurado é o Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba, localizado na antiga estação ferroviária no centro da cidade. Há também cinco principais teatros, alguns deles com mais de 400 lugares. E alguns centros culturais que oferecem atividades diversas como dança, teatro, leitura, artes plásticas, cinema e atividades esportivas (mapa 06). Percebe-se que, a maioria dos estabelecimentos culturais, estão localizados na região central da cidade.

Foram identificados sete museus, a maioria ocupando o espaço

Mapa 06_Principai pontos culturais

Imagem 15_Parque das Águas. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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3.2.4_EDUCAÇÃO

A rede educacional de Sorocaba conta com 393 estabelecimentos de ensino (MTE, 20096) entre escolas de nível infantil, fundamental, médio e superior. A cidade se caracteriza pela sua elevada rede de faculdades e universidades que ao todo são 13 unidades (mapa 07), das quais sete localizadas na zona central, além de mais duas escolas de ensino profissionalizante.

Apesar da grande quantidade de unidades educacionais nota-se que a cidade tem um número reduzido de bibliotecas, sem contar com o acervo das próprias faculdades. Há a Biblioteca Municipal “Jorge Guilherme Senger” e a Biblioteca Infantil Municipal “Renato Sêneca de Sá Fleury”, estando esta última localizada no centro da cidade.

Das universidades instaladas destaca-se a PUC, UNIP, Ufscar, UNESP, ESAMC entre outras, e universidades e faculdades da própria cidade como UNISO, FADI, FACENS e FEFISO, portanto pode-se considerar Sorocaba como uma cidade universitária. Algumas dessas universidades possuem programas de extensão universitária que consiste, de acordo com a definição da UNISO (Universidade de Sorocaba) em uma “prática acadêmica, integrada ao ensino e à pesquisa que articula a Universidade com a Sociedade e viabiliza o exercício da cidadania por meio da troca dos saberes acadêmicos e populares, favorecendo a função social da Universidade.” Esses programas atuam em diversas áreas

como comunicação, cultura, direitos humanos e justiça, educação, meio ambiente, saúde, tecnologia e produção e trabalho. Desenvolvem pesquisas, oferecem cursos e prestam assistência gratuita à população. Tema que será explorado no projeto para a definição dos usos das fábricas.

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Mapa 07_Equipamentos voltados à educação

Ministério do Trabalho e do Emprego

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4_PREMISSAS TEÓRICO CONCEITUAIS 4.1_QUESTÕES SOBRE AEVOLUÇÃO DO CONCEITO DE RESTAURAÇÃO

Intervir em edificações precedentes é uma prática bastante antiga. No entanto, até meados do século XIX, essas ações eram essencialmente de caráter utilitário, mais voltadas às correções e adaptações das construções, sem levar muito em conta os valores históricos e culturais que orientam as intervenções contemporâneas. Cabe aqui uma breve reflexão a respeito dos modos de intervenção nos monumentos ao longo da história para justificar as opções de projeto deste TFG. A noção de “historicidade” foi evoluindo gradualmente desde o Renascimento, passando pelo Iluminismo, no séc. XVIII, e pelas aceleradas mudanças ocasionadas pela Revolução Industrial e destruição do patrimônio artístico francês na Revolução Francesa. No século XIX, culmina a polarização: conservar ou restaurar? Alguns autores consideram que essas duas vertentes relacionadas à tutela do patrimônio histórico originaram-se a partir de questões levantadas por Quatremère de Quincy. Uma é mais “conservativa” com grande consideração pelas marcas da passagem do tempo, representado por John Ruskin; e outra voltada para os refazimentos em estilo, cujo maior representante foi Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc.

Com a restauração, Villet-le-Duc pretendia atingir o estado completo de um bem e sua unidade estilística, um estado original, não importando quantas fases da obra deveriam ser sacrificadas. A obra era idealizada como um sistema fechado e não era entendido seu percurso histórico. John Ruskin por sua vez defendia o respeito absoluto pela matéria original. Era contra a restauração, considerando-as sempre descaracterizantes, e favorável a obras de manutenção e conservação. Ruskin foi o pioneiro a perceber o monumento como bem cultural e natural e consequentemente como bem coletivo a ser mantido em benefício de toda a sociedade. As experiências realizadas até então foram analisadas e rediscutidas por Camillo Boito no final do séc. XIX. Para Boito, os monumentos seriam documentos da história da civilização e, portanto, deveriam ser preservadas as adições e modificações não descaracterizantes que estes sofreram no decorrer do seu tempo de vida. Os monumentos deveriam ser antes consolidados que reparados, antes reparados que restaurados. Caso fossem necessárias adições e renovações, estas deveriam se distinguir da obra original, mas sem alterar o equilíbrio de sua composição, devendo todo trabalho ser documentado e identificado. A restauração passa a ser “trabalhada de modo a domesticar a fúria intervencionista, muito comum entre arquitetos, possibilitando a transmissão de obras do passado, portadoras de inúmeros significados, para o futuro, da melhor

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maneira possível, ou seja, respeitando seu caráter documental e de modo a 7 efetivamente conservar os valores que motivaram a sua preservação” .

Na virada do séc. XIX para o XX, outro teórico da restauração, Alois Riegl, propõe novas concepções de historicidade para os objetos do passado, lançando as bases conceituais que viriam a orientar a conservação e a restauração contemporâneas na medida em que considera também outros valores que lhes vão sendo agregados ao longo da história. Como apontado por Kühl (2004), para Riegl, a preservação deveria se basear no respeito pelo valor “de antigo” dos monumentos. O interesse da proteção não estaria na retomada simplista das “formas” antigas, mas nos próprios traços de antiguidade que o objeto foi adquirindo no tempo. As propostas de intervenção, portanto, não deveriam se fundamentar unicamente em seus aspectos históricos e artísticos, mas considerar também valores relacionados às diferentes formas de percepção, de entendimento e fruição dos monumentos nos diversos contextos sociais. No século XX, firma-se a ênfase no valor documental da obra através da atuação de vários profissionais, com destaque para Gustavo Giovannoni, postura que se consolida em âmbito internacional na Carta de Atenas de 1931. Giovannoni dá maior atenção ao valor documental e histórico do monumento, do que ao seu valor artístico e à sua configuração. Ele

propõe uma classificação dos casos de restauro como: de consolidação, de recomposição (anastilose), de liberação, de complemento e de renovação. Seus princípios fundamentais seguiam a orientação dada por Camilo Boito. As manutenções e reparos deveriam ser favorecidos em detrimento do restauro radical, propondo ainda o uso de técnicas modernas, o respeito às intervenções não descaracterizantes de todas as épocas e, quando necessárias as adições, estas deveriam adotar linhas simplificadas, atentando também para a valorização do entorno do edifício. Em meados do séc. XX, principalmente após as destruições da segunda Guerra Mundial, fez-se uma releitura das propostas até então formuladas, que conduziu, internacionalmente, a proposição da Carta de Veneza, de 1964, referência fundamental do Icomos8, entidade da Unesco. Muitas das reflexões sobre restauração ocorridas a partir de 1930 foram de grande importância para a configuração da preservação do século XX, destacando-se o pensamento de Cesare Brandi, cujas proposições conservam grande atualidade e que será adotada como linha norteadora do projeto de intervenção das fábricas têxteis Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio.

4.2_CESARE BRANDI E O RESTAURO CRÍTICO

Cesare Brandi é filiado ao chamado “restauro crítico” que entende a restauração como um processo histórico-crítico, que se

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KUHL, Beatriz Mugayar. O tratamento das superfícies arquitetônicas como problema teórico da restauração. Anais do Museu Paulista, junho-dezembro, vol.12, nº 012. Universidade de São Paulo, 2004. Pág. 313

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Internacional Council on Monuments and Sites

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processa a partir da análise histórica e formal das obras sobre as quais quer intervir e não de categorias genéricas pré-determinadas. Segundo Kühl, Brandi define a restauração como o “momento metodológico do reconhecimento” que deve se pautar na análise da obra em seus aspectos físicos e em sua transformação ao longo do tempo. Nessa perspectiva as proposições de conservação e restauro devem ser interpretadas caso a caso, não se seguindo categorias fixas, o que não significa que a intervenção seja arbitrária e pautada em predileções individuais. “(...) esse processo não é obvio, ao contrário, é um procedimento necessariamente multidisciplinar, que exige estudos e reflexões aprofundadas, não admitindo aplicações mecânicas de fórmulas, exigindo 9 esforços de interpretação caso a caso e não aceitando simplificações” .

Segundo consta na Carta de Veneza e na teoria brandiana, para conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento, sem apagar as marcas adquiridas ao longo do tempo, a restauração deve seguir princípios fundamentais: reversibilidade, distinguibilidade, mínima intervenção e compatibilidade. Esses conceitos serão retomados posteriormente no capítulo: Diretrizes de Intervenção. A vertente teórica que se alicerça na teoria brandiana e na releitura da Carta de Veneza é denominada “crítica-conservativa e criativa”. Nela a restauração assume uma linha conservativa, propondo, quando necessário, o uso de recursos para tratar questões de remoção, adição e reintegração de lacunas. A leitura histórico-crítica considera a particularidade de cada obra e também trabalha com a idéia de inovação,

que não quer dizer recriação. A criação, nesta linha teórica, é sempre vista como uma adição à obra sem significar imitações, mas liberdade expressiva respeitosa à arquitetura precedente. Considera-se que a preservação de monumentos históricos deve ser discutida e enfrentada com os instrumentos apresentados e vinculada à realidade de cada época. Deve-se agir de modo crítico, fundamentado para evitar arbitrariedades. Destaca-se ainda que uma proposta de restauração, no entanto, não se apóia somente em pesquisa histórico-documentais e bibliográfica, é necessário entender as mudanças físicas da obra por meio de levantamentos de campo e diagnósticos do estado de conservação. A intervenção se complementa com o projeto de arquitetura, que deve se articular ao processo de aquisição de dados sobre a obra que o precede. “Esse processo tem de levar o tempo condizente para se efetuar, e para que amadureçam, levantamento, análises e propostas, não se devendo admitir soluções apressadas em nenhuma das fases - estudo, projeto e execução – que 10 podem levar a danos irreparáveis” .

O conhecimento aprofundado deve conduzir à compreensão e respeito pela obra, pois “intervir num bem de interesse cultural, que possui papel memorial e interesse formal, histórico e simbólico, é ato de extrema responsabilidade, pois se trata sempre de documentos únicos e não 11 reproduzíveis” .

É fato que, qualquer intervenção implica em mudanças, mas estas não devem alterar a consistência física e formal do bem, por isso, 10

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KUHL, Beatriz Mugayar. Op. Cit. Pág. 317

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KUHL, Beatriz Mugayar. Op cit, 2004. Pág. 320 KUHL, Beatriz Mugayar. Op cit, 2004. Pág. 320

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os instrumentos oferecidos pelas vertentes teóricas são fundamentais para uma atuação adequada dos bens do passado que são parte integrante do presente. Os monumentos históricos são únicos e não reproduzíveis e devem transmitir para o futuro seus elementos caracterizantes e as marcas do tempo, pois são monumentos-documentos, instrumentos e suportes materiais da memória, individual e coletiva (Kühl, 2004). Os valores mudam, e sua transmissão para gerações posteriores só é garantida pela transmissão da matéria. Será essa matéria, ou os elementos físico-espaciais o transmissor dessa informação que permitirá a identificação do valor histórico no futuro. A conservação da matéria age como fixador da informação. Por isso a necessidade de preservar um bem se utilizando das diretrizes do restauro, da preservação da espacialidade e dos materiais originais.

4.3_A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA REUTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS HISTÓRICOS

As cidades vêm passando por profundas crises que desde o século XIX, costumam ser associadas à genérica noção de “problema urbano”. No entanto, se partimos do pressuposto que as cidades são produtos de dinâmicos processos culturais, resultantes das relações que os homens desenvolvem uns com os outros, o problema não está nela e sim na sociedade e em suas relações. (Meneses, 2006)

“As cidades não são concebidas de uma só vez e por um só autor, senão ao longo de séculos e por múltiplos e sucessivos atores, que a cada geração se apropriam de elementos antigos, descartam outros, criam novos e reinterpretam tudo, criando novos sentidos. Toda cidade é, assim, ao mesmo tempo, histórica e 12 contemporânea, uma obra aberta e permanentemente em transformação” .

As práticas que dão forma e função ao espaço também lhes dão sentido e inteligibilidade. “A imagem que os habitantes fazem da cidade ou de 13 fragmentos seus é fundamental para a prática da cidade” . A questão é, como preservar, seja uma cidade, parte dela ou apenas um monumento isolado sem engessá-los e sem alienar seus habitantes e usuários. As iniciativas de preservação não devem se restringir à sua dimensão física, mas também às suas práticas sociais, pois sem essa integração, áreas inteiras de uma cidade podem transformar-se em um sítio arqueológico congelado e sem vida. Para que tal integração ocorra, a preservação deve vir inserida em políticas de ordenamento e planejamento urbano. No Brasil, durante a década de 70, pode-se notar uma política cultural claramente definida, mas que foi abandonada nos últimos 20 anos com a crise do sistema de

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AZAVEDO, Paulo O. A cidade como obra aberta. In: MORI, Victor H.; SOUZA, Marise C.; BASTOS, Rossano L.; GALLO, Haroldo(org). Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: 9º SR/IPHAN, 2006. Pág. 65 13 MENESES, Ulpiano T. B. A Cidade como bem cultural. In: MORI, Victor H.; SOUZA, Marise C.; BASTOS, Rossano L.; GALLO, Haroldo(org). Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: 9º SR/IPHAN, 2006. Pág. 36

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planejamento e preservação e o avanço do marketing urbano e da globalização.14 A legislação, as instituições e as práticas deveriam orientar o poder público em relação aos cuidados com o patrimônio ambiental urbano para que se possam criar condições favoráveis à qualificação das práticas de seus cidadãos. O uso de bens tombados e a efetividade das funções em benefício da coletividade é o que legitima a própria preservação e a importância social do uso (MENESES, 2006). No entanto, certos usos podem ser prejudiciais à proteção de um bem e por isso deveriam ser também de competência dos órgãos de patrimônio.

4.3.1_EXCLUSÃO / INCLUSÃO SOCIAL E A MERCANTILIZAÇÃO DAS CIDADES

A partir de 1988, com a nova Constituição da República, o governo transfere a obrigação sobre as políticas públicas locais às instâncias menores, os municípios. As municipalidades passam a ter a responsabilidade de definir os critérios de implementação da função social da propriedade privada urbana e de elaborar estratégias específicas de desenvolvimento local, ações das quais permitem intervir no processo de exclusão social e reduzir a injustiça social. (MENESES, 2006 e ZANCHETI, 2000) Hoje, existem instrumentos capazes de promover a inclusão social e a participação comunitária como o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores15. 14

AZAVEDO, Paulo O. A cidade como obra aberta. In: MENESES, Ulpiano T. B. A Cidade como bem cultural. In: MORI, Victor H.; SOUZA, Marise C.; BASTOS, Rossano L.; GALLO, Haroldo(org). Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: 9º SR/IPHAN, 2006.

No entanto, o que se tem percebido nas políticas de conservação e revitalização municipais é uma intensa mercantilização da cidade, calcada na idéia de criar valores para as especificidades locais, muitas vezes “inventados”, ou seja, que não correspondem necessariamente a sua própria história e que geralmente levam a uma descaracterização completa dos edifícios históricos como a invenção de formas supostamente antigas, uso de técnicas e materiais incompatíveis entre outras ações que não serão utilizadas no atual exercício de projeto. Os documentos preservacionistas internacionais, que cada vez mais relacionam a preservação cultural à sustentabilidade, afirmam que a especificidade e identidade de cada povo se encontram fortemente ligados à imagem e cultura local. Essa mesma premissa, paradoxalmente, tem servido para legitimar usos econômicos da cultura. Percebe-se em políticas e projetos urbanos recentes, a exemplo do Pelourinho em Salvador, o do Bairro do Recife antigo e, mais atual, o Projeto Nova Luz em São Paulo, explicitam a necessidade de privilegiar, revelar, reforçar ou criar uma imagem ou identidade para cada cidade como uma marca, criando slogans, gentrificando16 os espaços e edifícios históricos com o objetivo de marcar um lugar no competitivo mercado internacional onde cidades, de todo o mundo, disputam turistas e investimento estrangeiro, um dos fatores pelo 15 Estes prevêem e se utilizam de estratégias de uso e ocupação de solo, investimentos públicos, diretrizes e instrumentos de manejo do solo urbano como a outorga onerosa, as operações consorciadas urbanas, a edificação compulsória, o IPTU progressivo no tempo, as Zonas Especiais de Proteção Ambiental ou Cultural, entre outros 16 Um termo recorrente no campo do patrimônio cultural é a gentrificação. A “gentrification” foi usada pela primeira vez pela socióloga inglesa Ruth Glass, nos anos sessenta, para descrever o processo de ocupação de bairros antigos e desvalorizados de Londres, por famílias de classe média (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006). No entanto, essa gentrificação passa a ser uma ampla reformulação econômica, social e política do espaço urbano, instrumento de estratégia da globalização do capital. Seria o enobrecimento de locais anteriormente populares produzindo uma cidade desigual, expulsando a população de baixa renda das áreas revitalizadas em benefício de interesses das elites.

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qual a cultura é tão destacada nos projetos urbanos. Faz parte de um urbanismo de “embelezamento” promovido pelas elites, sem qualquer ou quase nenhum compromisso com as práticas sociais.

pudessem ser contaminadas por usos “menos nobres” atribuídos ao trabalho e 18 ao cotidiano” .

4.3.2_O COTIDIANO E O TRABALHO

O sujeito principal a apropriar-se do espaço voltado ao cotidiano e ao trabalho e qualificado pela cultura é o próprio habitante local e o cidadão que o usufrui. Visão que orientará a definição dos usos das fábricas de Sorocaba.

Para Meneses, “o caminho mais seguro para criar no campo do patrimônio cultural, condições mais favoráveis para a inclusão social é, sem qualquer dúvida, o reconhecimento da primazia do cotidiano e do universo do trabalho nas políticas de identificação, proteção e valorização e, 17 consequentemente, de maximização do potencial funcional” . Para ele, a destinação de bens tombados para usos relativos ao cotidiano e o trabalho seria o melhor rumo tomado pelo governo para efetivar políticas públicas de inclusão social. No entanto, o que se percebe é uma recorrente apropriação para usos culturais, transformando-os em museus, “centros de criatividade”, espaços de lazer, bares, ateliês de artistas, etc. É o que ocorre em Sorocaba. Muitos dos imóveis tombados que se encontram no centro da cidade foram convertidos em museus: Museu da Estrada de Ferro, Palacete Scarpa, Museu de Arte Moderna, Museu de Arte Sacra, Mosteiro de São Bento, ou em oficinas culturais como a Oficina Cultural Regional “Grande Otelo” e a FUNDEC (Fundação de desenvolvimento cultural de Sorocaba). “É como se as qualidades reconhecidas nesses edifícios não

Esses usos “menos nobres” são espaços vitais que poderiam vir qualificados pela cultura e lazer, pois um não exclui o outro.

A relação com o cotidiano cria mais condições para o uso do patrimônio ambiental urbano, criando continuidade, integração e apropriações multiformes, enraizamento pessoal e comunitário não alienando o habitante e não se tornando apenas um ônus ou uma mera oportunidade de negócios. Os projetos de intervenção devem basear-se sempre no habitante para garantir uma fruição concreta, aprofundada e diversificada da cidade como bem cultural e não deve excluir, do universo da cultura, o cotidiano e o trabalho. 4.4_CONSERVAÇÃO INTEGRADA, GESTÃO URBANA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

“A conservação integrada é uma forma de ação na cidade, a qual busca re-valorizar as qualidades ambientais dos ambientes urbanos. Assim, é também um processo de construção de imagens coletivas, ao procurar ressaltar os valores

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MENESES, Ulpiano T. B. A Cidade como bem cultural. In: MORI, Victor H.; SOUZA, Marise C.; BASTOS, Rossano L.; GALLO, Haroldo(org). Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: 9º SR/IPHAN, 2006. Pág. 53

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MENESES, Ulpiano T. B. Op cit, 2006. Pág. 8

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culturais desse ambiente e transformá-los em atributos básicos das propostas de 19 inovação”.

A conservação integrada deve ser calcada em medidas legislativas e administrativas eficazes.

A origem da conservação urbana integrada vem do urbanismo progressista italiano dos anos 70, com a experiência de reabilitação do centro histórico de Bolonha, na Itália. No entanto, seus princípios só foram sistematizados em 1975 na Declaração de Amsterdam, influenciada pelo sucesso das realizações bolonhesas na recuperação de áreas históricas degradadas e habitadas por grupos de baixa renda.

A conservação integrada deve ser apoiada por sistemas de fundos públicos que apóiem as iniciativas das administrações locais.

A conservação do patrimônio construído deve ser assunto dos programas de educação, especialmente dos jovens.

Deve ser encorajada a participação de organizações privadas nas tarefas da conservação integrada.

Silvio Zancheti (2000) apresenta um resumo dos princípios enunciados pela Declaração de Amsterdam:

Deve ser encoraja a construção de novas obras arquitetônicas de alta qualidade, pois elas serão o patrimônio de hoje para o futuro.

O patrimônio arquitetônico contribui para a tomada de consciência da comunhão entre história e destino.

O patrimônio arquitetônico é composto de todos os edifícios e conjuntos urbanos que apresentem interesse histórico ou cultural. Nesse sentido, extrapola as edificações e conjuntos exemplares e monumentais para abarcar qualquer parte da cidade, inclusive a moderna.

O patrimônio é uma riqueza social; portanto, sua manutenção deve ser uma responsabilidade coletiva.

As municipalidades são as principais instituições responsáveis pela conservação; portanto, devem trabalhar de forma cooperada.

A recuperação de áreas urbanas degradadas deve ser realizada sem modificações substanciais da composição social dos residentes nas áreas reabilitadas.

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ZANCHETI, SILVIO MENDES (10 de maio de 2000). Conservação integrada e novas estratégias de

gestão. Disponível em http://www.archi.fr/SIRCHAL/seminair/sirchal4/ZanchetiVPT.htm#A%20gest . Data de acesso: 01/maio de 2008.

Nos anos 70 e 80, esses princípios foram aplicados em algumas cidades italianas e espanholas e foram usados pelas administrações municipais de esquerda para “construção de uma imagem política de eficiência administrativa, justiça social e participação popular nas decisões do 20 planejamento urbano e regional”.

Nos anos 80 a 90, as políticas urbanas da Conservação Integrada são apropriadas pela direita que abandonam as práticas sociais e passa a ser encarada como revitalização ou reabilitação de áreas centrais deprimidas ou obsoletas e são associadas às questões de recuperação econômica. Transformam a conservação urbana em estratégia de agregação de valor à economia urbana e instrumento de atração de investimentos privados. A gentrificação é vista como inevitável e os resultados quanto à recuperação física, econômica e social das áreas degradadas compensaria a expulsão dos habitantes e dos pequenos negociantes (Zancheti, 2000). 20

ZANCHETI, SILVIO MENDES (10 de maio de 2000). Conservação integrada e novas estratégias de

gestão. Disponível em http://www.archi.fr/SIRCHAL/seminair/sirchal4/ZanchetiVPT.htm#A%20gest . Data de acesso: 01/maio de 2008.

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Depois da ECO 92, no RJ, a Conservação Integrada é retomada em duas frentes por políticas urbanas progressistas que aliam questões ambientais e sociais. Atualmente, o planejamento urbano e territorial reconhece que a cidade é fruto de um longo processo de transformação que deixa marcas no território e luta para que essa herança seja mantida. Nos últimos anos, a conservação integrada passou por profundas mudanças baseadas na concepção de gestão. Ela passa de uma concepção centrada no estado para trabalhar com diversos tipos de relações entre os atores públicos e privados, público e não governamental, privado e não governamental. Isso leva a uma redefinição de atores participantes dos processos de conservação e da “participação popular”, conceito inicial fundamental da conservação integrada.

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5_OBJETO

DE ESTUDO: AS FÁBRICAS NOSSA SENHORA DA

PONTE E SANTO ANTÔNIO

A intervenção a ser realizada neste projeto se dará em duas fábricas distintas, a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte e a Fábrica de Tecidos Santo Antônio (imagem 15).. Inicialmente, foram construídas por proprietário diferentes, mas que, em 1981, se juntaram para formar um grande complexo fabril. A seguir a história de cada um será contada até chegar aos dias de hoje.

Fábrica Santo Antônio Fábrica Nossa Senhora da Ponte

Imagem15_ Fábrica de Tecidos Santo Antônio e Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte, década de 40. Acervo:Museu Histórico Sorocabano

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5.1_A FÁBRICA DE TECIDOS NOSSA SENHORA DA PONTE 5.1.1_MANOEL JOSÉ DA FONSECA: O FUNDADOR

Em 1863 chega a Sorocaba o comerciante português, Manoel José da Fonseca, que mais tarde se estabelece por conta própria, fundando, em 1870, a tradicional loja de comércio, a “Loja do Sol” (imagem 16 e 17). Percebendo a grande facilidade que as condições locais ofereciam ao desenvolvimento da indústria de tecidos, a facilidade de transporte pela ferrovia e um bom mercado consumidor no RJ e SP, passa a cogitar a montagem de uma fábrica de tecer.

Imagem 16_Fachada da Loja Sol, de Manoel José da Fonseca, cerca de 1910. Acervo: Museu Histórico Sorocabano

Imagem 17_Anúncio da Loja do Sol no Jornal Cruzeiro do Sul de 1925. Acervo: Jornal Cruzeiro do Sul

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Fonseca compra um grande terreno na periferia da pequena cidade. A área em questão pertencia a Dona Maria Joaquina do Nascimento Ferreira Prestes e tornava-se se interessante por estar às margens do rio Supiriri e dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana (Schröder, 1960).

Imagem 18_Primeira _Primeira configuração identificada. Desenho de Cícero Valadares, 1904. Fonte: Museu Histórico Sorocabano

Em 1881, inicia-se se a construção da primeira fábrica têxtil de Sorocaba, dando início ao ciclo industrial da cidade.. A Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte, nome da padroeira da cidade cidade, era conhecida pela população como “Fábrica do Fonseca”. Segundo Schröder (1960), todo o material para a construção dos galpões da fábrica era nacional. O madeiramento para o prédio veio da fazenda do Cel. Francisco Ferreira Prestes, perto de Itap Itapeva, assim como de sua olaria, os tijolos e telhas. Para ara equipar a indústria, Fonseca contratou Alexandre Marchisio, inglês e técnico em fiação e tecelagem que adquiriu máquinas da Curtis Sons & Co de Manchester (Schröder, 1960). “Alfredo Moreira Pinto que a visitou em 1900, descreve um edifício de tijolos, com alicerces de pedra e cobertura com telhas nacionais, do tipo tradicional. O local era servido por um desvio ferroviário, de 400metros, que o ligava à estação da Estrada de Ferro Sorocabana. Ficava, p portanto, junto à cidade. Não era um pavilhão de grandes proporções e guardava ainda, em parte, 21 a aparência de uma construção rural.” (imagem 18)

Em abril de 1881 o prédio fica pronto e se iniciou u as contratações dos primeiros operários (imagem 19) como descrito num jornal local em 1882: 21

REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo e outras cidades. São Paulo: Hucitec, 1994 1994, pág. 131

Imagem 19_Recibo _Recibo de pagamento dos funcionários da Fábrica n. S. Ponte. Fonte: Schroder, 1960

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“Precisa-se contractar rapazes de 12 a 15 anos e mulheres para o serviço da machina de tecidos do Sr. Manoel José da Fonseca. Para tratar na mesma 22 machina com o Sr Alexandre Marchisio”

Fonseca era um abolicionista, por isso trabalhava exclusivamente com mão de obra livre e assalariada (imagens 20 e 21) e acreditava que oferecer oportunidade de trabalho para mulheres e crianças era um ato humanitário (Bonadio, 2004). Tal pensamento faz com que sua fábrica seja vista como uma particularidade da estrutura industrial brasileira do final do século XIX e início do século XX por empregar intensiva mão de obra feminina e infantil. Fonseca utilizava apenas o algodão produzido em Sorocaba e dos municípios da região. Além do algodão para fiar e tecer também comprava lenha para acionar as caldeiras.

Imagem 20_ Funcionários da fábrica N. S. ponte e sentados estão Manoel José da Fonseca, ao centro, e o primeiro gerente Alexandre Marchisio, à direita, 1897. Foto: Florentino Hansted. Acervo: Museu Histórico Sorocabano

Em 1885 entra em funcionamento a bomba hidráulica responsável pelo abastecimento de água para o funcionamento da fábrica. Empregava-se nesse momento cerca de 300 operários. Sua produção era vendida não só para o mercado local, mas também para a Bahia, Porto Alegre, RJ e SP, escoada através de um ramal que ligava a Fábrica à Ferrovia. Fonseca criava nomes para os seus produtos como “riscado paulista” ou “xadrez amazonas”, tornando-os conhecidos em várias regiões. “Eram 22

Diário Sorocaba, anno II, nº 227 p. 4, 1/2/1882. Apud SILVA, Paulo Celso da. De Novelo de Linha a Manchester Paulista. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Usp/FFLCH, 2000.

Imagem 21_Funcionários da Fábrica N. S. da Ponte, sem data. Acervo: Museu Histórico Sorocabano

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algodões, morins, riscados, xadrezes e brins grossos. Não havia estamparia, 23 sendo os fios tecidos já tintos” . Em 04 de novembro de 1886 recebe a visita

do Imperador D. Pedro II. Oito anos depois, devido ao progresso, a fábrica passava pela primeira ampliação (infográfico 01), aumentando a área construída, o número de máquinas e em conseqüência a capacidade de produção destacando-se entre seus similares (Fábrica Santa Rosália 1890 e Fábrica Santa Maria 1895). (Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914) O proprietário comandava a fábrica sozinho. No entanto, a partir de 1910, fica claro que o empreendimento exigia investimentos superiores às possibilidades de um único indivíduo (Bonadio,2004). Decidiu-se então, organizar uma companhia que dividiria as responsabilidades e facilitaria o seu progresso.

Infográfico 01_Configuração em 1905

Em 1891, legaliza-se a Companhia Fiação e Tecidos Nossa Senhora da Ponte. “Em pouco tempo as usinas da Rua Santo Antonio sofreram geral transformação na sua parte interna, iniciando-se logo a construção de mais três grandes pavilhões, logo occupados pelos machinismos encommendados na 24 Europa, o que veio elevar a produção normal.” (Imagem 22)

23

SCHRÖDER, Adelaide da Fonseca Ferreira. Manoel José da Fonseca: Pioneiro da nossa indústria. Sorocaba, 1960, pág. 32 24

Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914. Sorocaba, 1913, pág. 56

Imagem 22_Sala de pano da fábrica de tecido N. S. Ponte. Foto Florentino Hansted, 1895. Acervo: Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba

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Segundo consta no Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914, em 1914, a fábrica possuía 35 motores, 350 teares e uma média de 600 operários, todos seguros contra acidentes, e quase toda a matéria prima empregada na fabricação dos produtos ainda vinha do município. Em 1912, Manoel José da Fonseca deixa de ser dono e passa a ser um dos acionistas. Em 1913 passa a residir no RJ falecendo em 1914, ano em que a fábrica foi vendida para Nicolau Scarpa.

5.1.2_A FAMÍLIA SCARPA: O SEGUNDO PROPRIETÁRIO

Infográfico 02_Configuração em 1914

O grupo Scarpa adquire a fábrica em 1914 (infográfico 02) conservando o nome de Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte. Em 1919, passa a compor o patrimônio da Sociedade Anônima Scarpa. Em 1933 a empresa então constituída, vai à falência. Por decisão judicial volta aos Scarpa que a controlam através de uma nova empresa, a Cia de Fiação e Tecidos Nossa Senhora do Carmo, mantendo, no entanto, o nome da unidade fabril Nossa Senhora da Ponte e ainda chamada pela população de Fábrica do Fonseca. Devido às várias ampliações (infográfico 03), em 1950, pouca coisa restava de sua configuração original, “... a seção de fiação que ainda conserva sua primitiva e sólida construção, tendo por único contraste as modernas janelas Infográfico 03- Configuração em 1950

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tipo vitreaux. A tecelagem em sua parte antiga (ou sala velha como é 25 conhecida pelos funcionários) é outra recordação e prova de sua antiguidade.”

No entanto, os diretores da Cia., não se preocupavam apenas com a parte material, mas também havia uma preocupação com o bem estar social dos seus empregados. Compraram o terreno da frente para construir “o magnífico campo de esportes para uso e pratica de salutares jogos, 26 exclusivamente para seus funcionários e colaboradores.” (imagem 23 e 24) Adquiriram também outros terrenos ao redor para a construção da vila operária na Rua Francisco Scarpa, com vinte e quatro casas, e de um prédio que abrigaria, no térreo, a creche, o ambulatório, o consultório médico, gabinete dentário e no primeiro pavimento o refeitório. Além de reformarem um prédio, na Rua Dr. Álvaro Soares com o Largo Santo Antonio, para ser sede do departamento social, contendo salão para reuniões, conferências e festas, biblioteca, sala de leitura, sala para jogos de salão, etc. (Almanaque de Sorocaba para o Ano Santo de 1950)

Imagem 23_ saída dos operários, sem data. Arquivo : Armando Oliveira Lima. Fonte: SILVA, 1995

Para acompanhar o progresso e o desenvolvimento exigido para as indústrias têxteis, adquiriram dos EUA uma das mais modernas fiações.

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Almanaque de Sorocaba do Ano Santo de 1950. Diretor Arlindo Previtali. Itu: Macedo, 1950, pág. 127 26

Almanaque de Sorocaba do Ano Santo de 1950. Diretor Arlindo Previtali. Itu: Macedo, 1950, pág. 127

Imagem 24_Nota-se a quadra de esporte, no canto direito, feita para os funcionários da fábrica, 1940. Acervo: Museu histórico Sorocabano

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Segundo estudos fornecidos pela arquiteta Luciana Valsechi, para a instalação desta nova fábrica, foi construído ao lado da antiga um novo prédio com todos os requisitos da técnica moderna na construção de fábricas, obedecendo todos os preceitos da higiene no trabalho (infográfico 04). Em 1954, membros da diretoria lutam pela modernização. Visitam várias fábricas nos EUA e chegam a solicitar capital para o investimento, que é recusado. Em 1972, a fábrica é abandonada, retornando sua atividade em 1975, indicando que não agüentaria a competição por muito tempo (infográfico 05).

Infográfico 04_ configuração em 1960

No seu centenário, 1981, a fábrica é vendida para a Companhia Nacional de Estamparia (CIANÊ), passando a integrar-se à Fábrica Santo Antônio que já pertencia a essa companhia.

5.1.3_A COMPANHIA NACIONAL DE ESTAMPARIA (CIANÊ): UNIÃO DAS FÁBRICAS

A Companhia Nacional de Estamparia surgiu em 1909, em Sorocaba, da transformação da “Fábrica de Alvejaria, Tinturaria e Estamparia São Paulo”, propriedade da Kenworth & CIA. Inicialmente, a companhia contava apenas com uma estamparia. Em 1913, se expandia consideravelmente com a construção da Fábrica de

Infográfico 05_ Configuração em 1970 com a abertura de uma avenida.

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Tecidos Santo Antonio, instalada próxima à fábrica NSP e mais tarde, torna-se detentora da maioria das ações da Fábrica de Tecidos Santa Rosália (fundada em 1890). Não demorou a tornar-se um expoente na indústria brasileira incorporando um conjunto de indústrias auxiliares para completar esse grande parque fabril. Em 1981 (infográfico 06), o controle da Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte passa para a CIANÊ, que por questões de ordem administrativas e operacional, a une fisicamente com a fábrica Santo Antonio, sendo introduzidas modificações quanto a sua circulação interna, portaria e pátios de serviços.

Infográfico 06_ Configuração em 1981 / 1984

Nessa época, a indústria têxtil começa a perder espaço. A economia sorocabana era dependente das indústrias têxteis, tanto que, as crises que abalaram o setor, também abatiam a cidade. Por esse motivo, a cidade passou a diversificar seu parque industrial, nas décadas de 60 e 70, facilitado pela construção da rodovia Castelo Branco e Raposo Tavares, diminuindo a importância têxtil no cenário social e econômico da cidade. Por ocasião das diversas crises, as tecelagens, sem condições de se modernizarem acabaram por encerrar suas atividades. A Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte foi totalmente desativada em 1991 (infográfico 07). Antes do encerramento de suas atividades, os proprietários fizeram um altíssimo empréstimo junto ao Banco do Brasil e deixaram a fábrica como garantia.

Infográfico 07_Configuração em 1991

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5.2 _A FÁBRICA DE TECIDOS SANTO ANTÔNIO

Não foram encontradas muitas informações sobre a Fábrica de Tecidos Santo Antonio. A principal fonte veio dos escritos de Francisco Camargo Cesar no Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914. Inaugurada em 1913 pela Companhia Nacional de Estamparia, a Fábrica de Tecidos Santo Antonio era uma das mais “sumptuosas e modernas do nosso país.” (Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914). Infográfico 08_Fábrica Santo Antonio em 1914

Localizada perto da linha da Sorocabana e da FNSP, evidenciava o progresso real da indústria em Sorocaba (infográfico 08). A fábrica foi construída com especial cuidado com a “hygiene” e condições de trabalho favorecido “pelas disposições especiaes dos pavilhões, todos pallelos e dependentes de um grande corredor central, que forma a terceira parte do estabelecimento, a luz do dia entra alli directamente e em profusão, bem como a ventilação natural, facilitada pelas grandes janellas lateraes e pelas 27 rectas do telhado.”

As seções da fábrica receberam disposição especial, sendo divididas em ala central destinada aos motores elétricos, vasto salão com piso ladrilhado onde foram montadas as batedeiras, dois grandes salões reservados à fiação (imagem 25), extenso salão de engomagem e preparo

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Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914. Sorocaba, 1913, pág. 61

Imagem 25_Equipamentos de fiação da Fábrica Sto. Antonio. Foto de Roberto Capri, 1922. Fonte: BONADIO, 2004

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da fazenda (imagem 26 e 27), sala dos teares com 400 máquinas. Na parte inferior ficavam os depósitos. Para colocar seu produto no mercado paulista solicitou à Sorocabana um desvio para acesso dos vagões.

Imagem 26_Sala de Cardas, 1960. Acervo: museu Histórico Sorocabano

A entrada geral localizava-se na Rua Comendador Oetterer através de dois portões. Desde o início de seu funcionamento, em 1914, a fábrica era movida exclusivamente por energia elétrica, gerada por uma usina em Pilar do Sul. A CIANÊ, certa de que os artigos produzidos na fábrica iriam prosperar, reservou junto à nova fábrica, um terreno para ampliação. A fábrica começa a funcionar com 600 operários de ambos os sexos (imagens 28 e 29).

Imagem 27_Sistema de ponte rolante da Fábrica Sto Antonio. Acervo: Museu Histórico Sorocabano

Imagem 29_Vila operária da fábrica de tecido Sto Antonio, sem data. Fonte: Museu Histórico Sorocabano

Imagem 28_Funcionários da Fábrica sto Antonio. Acervo: Museu histórico Sorocabano

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5.3_AS FÁBRICAS DESATIVADAS E OS SEUS TANTOS PROVÁVEIS DESTINOS

Desde a completa desativação das fábricas têxteis, em 1991, a situação encontrada é de abandono e degradação dos edifícios (imagens 30 e 31). Em 1992, a URBES , empresa de transporte de Sorocaba, inaugurou, nas dependências das fábricas, o maior terminal de ônibus urbano da cidade. Para tanto, foram demolidos alguns barracões anexados aos galpões mais antigos, ressurgindo antigas fachadas. Com localização privilegiada, no centro da cidade, perto de uma das avenidas mais movimentadas e ao lado do maior terminal de ônibus da cidade, onde circulam mais de setenta mil pessoas por dia, as fábricas foram alvo de várias propostas de ocupação, algumas implantadas e outras, a maioria, nem saíram do papel.

Imagem 30_Degradação da fábrica Sto Antonio. Foto Maíra Sfeir, 2009

Antes mesmo de ser tombada pelo patrimônio histórico municipal, cogitou-se a possibilidade de demolição das edificações ou sua transformação em um centro comercial ou shopping de camelôs. Em 1993, o ex-prefeito Paulo Mendes, mostra interesse pelas fábricas para a instalação, na Fábrica Nossa Senhora da Ponte, de um centro cultural, e na Fábrica Santo Antonio, de uma escola profissionalizante. No mesmo ano, o conjunto arquitetônico das fábricas é tombado em nível Municipal. Atualmente os imóveis estão em estudo de tombamento estadual pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado). As fábricas fazem parte dos Imagem 31_ Degradação e abandono da Fábrica N. S. Ponte. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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23 imóveis tombados da cidade de Sorocaba, sendo três deles tombados pelo CONDEPHAAT, e nove em processo de estudo. De acordo com Silva (2009), depois de tentativas de desapropriação da área, dificultada por questões financeiras municipais e por questões jurídicas, devido à sua hipoteca junto ao Banco do Brasil, a prefeitura entra em acordo com a CIANÊ para a implantação do centro cultural e da escola profissionalizante que teve início, em 1996 (imagem 32 e 33), com a instalação da Biblioteca Municipal em um dos blocos (Bloco A2), onde hoje é utilizado por grupos de ONGs que realizam trabalhos de artesanato com mulheres carentes, espaço cedido temporariamente pela SPLICE, atual proprietária das fábricas. Com a mudança de mandato e a perda de validade do decreto de utilidade dos prédios, o projeto acabou não se concretizando e a biblioteca é transferida para a atual Biblioteca Municipal de Sorocaba “Jorge Guilherme Senger”.

Imagem 32_Recorte do Jornal Cruzeiro do Sul anunciando a implantação do centro cultural, 1995. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

Em 2001, a Fábrica Santo Antonio vai à leilão, promovido pela Justiça Federal mas não houve interessados. Em 2006, o terreno e os prédios das antigas fábricas “foram arrematados em leilão pelo empresário Antonio Roberto Beldi, do Grupo SPLICE por R$ 9,1 milhões, usados para a quitação de dívidas trabalhistas de mais de mil ex-trabalhadores da Companhia Nacional de 28 Estamparia (CIANÊ).”

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Imagem 33_abertura de vãos maiores e preparação para construção de escada, 1998. Foto de Adival Pinto. Arquivo: Jornal Cruzeiro do Sul

Jornal Cruzeiro do Sul. 20 de junho de 2008, pág. B1

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O novo proprietário anunciou que transformaria o espaço num grande shopping, com previsão de construção de aproximadamente 200 lojas de alto padrão ainda no primeiro semestre de 2007. No entanto, até hoje as obras não começaram. De acordo com Marco Laino, do grupo da Splice, o shopping ainda está na fase de projetos e não há previsão para o início das obras. Durante esse tempo, algumas pequenas ocupações foram feitas. No térreo da Fábrica Santo Antonio, houve a tentativa de instalação de um pequeno supermercado e a Fábrica Nossa Senhora da Ponte, que às vezes, é alugada para eventos temporários (imagem 34), como feiras de malhas em um dos galpões ou pouso de circos, feirão de carros (imagem 35), campanhas de saúde da prefeitura e estacionamento, no pátio entre a Fábrica Nossa Senhora da Ponte e a Av. Afonso Vergueiro. Imagem 34_Baile da cidade, 1998. Foto: Franco Magnatti. Arquivo Jornal Cruzeiro do Sul

Após 19 anos, a paisagem local continua a mesma. Setenta mil pessoas circulando entre os belos e abandonados galpões fabris que esperam por uma destinação digna de sua grandiosidade, de sua beleza e de sua história. Imagem 35_Feirão de carros no pátio da Fábrica N. S. Ponte, 2009. Foto Maíra Sfeir

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5.4_LEGISLAÇÃO INCIDENTE

planejamento adequado a fim de se evitar conflitos entre uma ocupação e outra.

O conjunto arquitetônico das fábricas é tombado em nível Municipal pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico, Turístico e Paisagístico de Sorocaba (CMDP), processo nº 9761/1993, Decreto nº 8561/93 e o de nº 9980/96. O CMDP, criado pela lei 4.619/94, tem como objetivo regrar a ocupação, uso e destinação das obras relativas ao patrimônio histórico da cidade. Determina que, o tombamento provisório ou definitivo, impede alterações de qualquer característica do bem, isto é, não só do local visado, mas de tudo que compõe o conjunto arquitetônico de valor histórico. Reconhecendo o valor das fábricas no processo histórico sorocabano, definem como mais adequado o tombamento definitivo, com grau de preservação “2”. Como consta na descrição do processo nº 9761/93, “considera-se grau de preservação “2” a preservação parcial, apenas do exterior do edifício, compreendendo a volumetria, fachadas, cobertura, áreas livres, ajardinamento e respectivos elementos ornamentais ou utilitários se houver.”

Nesse processo também é regulamentada sua área envoltória (imagem 36), delimitada pela Av. Afonso Vergueiro, e pelas ruas Álvaro Soares, Francisco Scarpa e Comendador Oetterer. O Conselho também propõe que o local seja transformado em um Centro Cultural, e que poderá prever a instalação de atividades particulares, como bares, restaurantes, desde que dentro de um

Imagem 36_Área envoltória. Fonte: Processo de tombamento nº 9761. Arquivo: Prefeitura de Sorocaba

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6_ AVALIANDO OS EDIFÍCIOS Toda proposta de restauração de uma obra arquitetônica deve ser fundamentada através de cuidadosa pesquisa, histórico-documental, iconográfica e bibliográfica, minucioso levantamento métricoarquitetônico e fotográfico dos edifícios, exame das técnicas construtivas e dos materiais, de sua estrutura, das patologias, e análise tipológica e formal. Esse “reconhecimento” leva a entender suas fases construtivas no decorrer do tempo, assim como sua configuração e problemas atuais.

Não se encontrou nenhuma análise pronta e sim fragmentos que foram analisados e unidos para originar o presente trabalho. Também foram realizadas várias visitas de campo para a documentação gráfica e fotográfica da situação atual dos edifícios.

A intervenção sobre o bem deve ser precedida de um projeto de restauração. O conhecimento adquirido conduz a um respeito pela obra, pois se trata de um bem cultural, que possui papel memorial e interesse formal, histórico e simbólico. São documentos únicos e não reproduzíveis. Há a consciência de que qualquer intervenção implica em mudanças, mas estas não devem alterar a consistência física e formal do bem. Por isso, a ação deve ser conseqüência de um processo históricocrítico fundamentado. As pesquisas expostas aqui são de valor fundamental para que esse “reconhecimento” seja feito. Foram analisadas várias fontes documentais e iconográficas através do levantamento bibliográfico e documental a respeito dos edifícios e pela ajuda de pessoas envolvidas de alguma forma com o restauro e com a história de Sorocaba.

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6.1_ESTUDO DA CRONOLOGIA ARQUITETÔNICA

Imagem 37_Primeira configuração identificada. Não se sabe se esta é a primeira configuração ou primeira ampliação do edifício. Desenho de Cícero Valadares, 1904. Arquivo: Museu Histórico Sorocabano Edifício inicial que ainda existem resquícios

As informações apresentadas a seguir foram identificadas a partir de fotos, textos, imagens e mapas antigos que complementam os estudos cronológicos cedidos pela arquiteta Luciana Valsechi. Esse levantamento será sintetizado através de infográficos e imagens na prancha “Cronologia Arquitetônica”. Deve-se mencionar que as ampliações ou demolições apontadas não foram realizadas na data especificada, mas correspondem ao momento que foram identificadas. A Fábrica Nossa Senhora da Ponte, fundada em 1881 e oficialmente inaugurada em 1882, funcionou até 1991, ano de sua completa desativação e abandono. Ao longo desse tempo teve sua composição original modificada, processo normal em estabelecimentos fabris que buscam se modernizar e ampliar sua produção, evidenciando sinal de prosperidade.

Edifício inicial

Iniciada a partir de dois edifícios que abrigavam a fiação e a tecelagem e um ramal ferroviário, passou por modificação e ampliações, surgindo novos edifícios acoplados aos já existentes ou distribuídos entre ruas internas, usadas para circulação de pessoas e materiais. De acordo com o Almanach Illustrado de Sorocaba para 1914, a fábrica passa pela primeira ampliação em 1890, tendo todas as suas seções ampliadas (imagem 37 e imagem 38). Imagem 38_Outra vista do edifício. Foto Florentino Hansted. Arquivo: Museu Histórico Sorocabano

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Após essa data também foi identificada, através da imagem 39 e do mapa 07, uma segunda ampliação que mantém a chaminé e um dos galpões iniciais. Supõe-se que essa ampliação tenha sido por volta de 1905.

Edifício inicial

Imagem 39_Possível segunda ampliação. Fonte: Allmanach illustrado de Sorocaba para 1914

Edifício inicial

Mapa 07_primeira planta encontrada. Acredita-se que seja por volta de 1905. Fonte: Luciana Valsechi

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Segundo Luciana Valsechi, em 1914, identificou-se a incorporação de seções de tinturaria, rocadeiras, urdideiras e depósitos de modelos e fios, acoplando-se às edificações existentes . Percebe-se, que na imagem 40, a chaminé foi alterada, tornando-se mais fina e alta e localizada, aparentemente, alguns metros à direita do ponto original e também a modificação do galpão inicial, que foi apenas “cortado”, pois algumas de suas aberturas ainda continuam presentes na fábrica (imagem 41). Um ano antes era inaugurada a Fábrica Santo Antonio. Apesar das raras informações, o que se percebeu nos exames in situ é que, mesmo com a reserva de espaço para uma possível ampliação durante o início de sua construção, a fábrica não apresentou grandes modificações ao longo do tempo como ocorreu com a Fábrica Nossa Senhora da Ponte. Nela, as adições foram feitas principalmente por blocos separados da edificação principal. As seções dessa fábrica eram divididas por uma ala central, destinada aos motores elétricos e vastos salões onde eram montadas as batedeiras, fiação, engomagem e preparo do tecido e sala de teares e na parte inferior ficavam os depósitos.

Imagem 40_Nota-se que o galpão inicial foi cortado e a chaminé modificada. Foto de Pedro Neves dos Santos, 1924. Coleção Adolfo Frioli

Em 1950, houve uma pequena ampliação na face posterior do edifício para abrigar uma sala de pano, escritório, vestiários, almoxarifado e uma oficina mecânica e técnica. Em 1950, a Fábrica Nossa Senhora da Ponte já contava com mais dois pavilhões (infográfico 07), separados das outras construções (Bloco A1 e A2). Um deles abrigava o depósito de tecidos (bloco A2), local hoje, cedido para realizações de trabalhos sociais. O outro para abrigar depósito de fardos de algodão (bloco A1). Hoje são blocos de maior

Imagem 41_Antigas aberturas do galpão inicial. Foto: Maíra Sfeir

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destaque visual para quem circula na Av. Afonso Vergueiro. Através de fotos, pode-se ver também a quadra de esportes (imagem 42) construída para funcionários e colaboradores no local por onde passava o Rio Supiriri, que foi canalizado. Comprova-se assim, a exemplo dos utilitaristas ingleses, a preocupação por parte dos proprietários com a vida social dos empregados. Até essa época, as novas edificações haviam sido construídas com a preocupação de seguir a tipologia das primeiras. A partir da década de 60 as novas construções seguiam características das construções atuais. Sobre a antiga quadra de esportes se eleva um novo edifício construído para fiação que destoava de todo o conjunto (imagem 43). Supostamente, também foi nessa época que a cobertura de um dos pavilhões do bloco A6 da Fábrica Nossa Senhora da Ponte foi modificada.

Imagem 42_Quadra de esportes. Fonte: Almanaque de Sorocaba para 1950

Em 1970, a Av. Afonso Vergueiro é concluída e para isso, parte desse novo edifício precisou ser retirada. Em 1981, o controle da Fábrica Nossa Senhora da Ponte, passa para a CIANÊ, que junto com a Fábrica Santo Antonio, formará um grande complexo fabril. Para que fosse possível a instalação do atual Terminal de Ônibus Santo Antônio em 1991 e sua ampliação em 1993, grande parte dos blocos das fábricas, significativos ou não, foram demolidos (imagem 44, 45 e 46). Com essas modificações, algumas antigas fachadas ressurgem. Imagem 43_Imagem do novo bloco construído sobre a quadra de esportes. Imagem de 1988. Foto: Aldo Valério da Silva. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

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Nenhum dos pavilhões adicionados a partir da década de 60, permaneceram, nota-se, apenas, a adição de pequenos volumes e reformas, com a substituição de algumas janelas por vitreaux retangulares, descaracterizando algumas fachadas. Embora o conjunto tenha sofrido diversas alterações, algumas descaracterizantes, pode-se afirmar que, atualmente, o conjunto encontra-se em ótimo estado de conservação, com riqueza de elementos, originais ou não, interessantes marcas históricas e manutenção de uma unidade visual. Fatos e elementos que dão, ao novo espectador, a noção da grandiosidade, beleza e significado do conjunto fabril, e que trazem ao antigo vivenciador, a memória e a identidade. Imagem 45_Foto da demolição das ampliações para a instalação do terminal de ônibus, 1991. Foto Maria Regina Adriano. Arquivo Jornal Cruzeiro do Sul

Imagem 44_ Fachada da Fábrica Sto. Antônio após a demolição, 1991. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

Imagem 46_ Imagem da fachada da Fábrica Sto Antônio, da Avenida Afonso Vergueiro e da linha do trem. Foto: Maria Regina Adriano. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul.

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6.2_CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS EDIFÍCIOS FABRIS

6.2.1_AVALIAÇÃO ARQUITETÔNICA DA FÁBRICA NOSSA SENHORA DA PONTE

O harmonioso conjunto arquitetônico da Fábrica Nossa Senhora da Ponte (conjunto A), de aproximadamente 13.000m² de área construída, é formado por oito edificações que apresentam características compositivas marcantes e características da arquitetura fabril do início da industrialização do Estado de São Paulo, apesar das pontuais descaracterizações, decorrentes de reformas, ampliações ou adequação de usos. De acordo com Helena Saia (1988), a cidade de Sorocaba possui “os exemplos mais próximos da tipologia gerada pelo modelo de fábricas inglesas do século XIX”. “As grandes fachadas de alvenaria em tijolos aparentes, a imensa chaminé indicando a força da máquina a vapor e o uso do ferro nas soluções estruturais de pisos e coberturas, elementos chaves para a identificação dos modelos clássicos que marcavam o século XIX, serão parâmetros reproduzidos 29 com constância nas fábricas de Sorocaba.”

Para melhor exposição da análise, decidiu-se dividir o conjunto em oito blocos conforme ilustra a infográfico 09.

Infográfico 09_cronologia arquitetônica e divisão dos blocos

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SAIA, Helena. Arquitetura e Indústria: Fábricas de Tecido de Algodão 1869-1930. Dissertação de Mestrado, São Paulo, junho 1988, pág. 178.

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Caracterizam-se por serem edificações robustas, de grandes dimensões e na maioria térreas. Apenas os blocos A3 e A6 possuem porão e uma parte do bloco A6 tem dois pavimentos. Os blocos, atualmente, são interligados por ruas internas de paralelepípedos (imagem 47). Os espaços interiores dos galpões são simples e despojados de adornos. Caracterizam-se por grandes áreas livres pontuadas pelos muitos pilares metálicos e tesouras aparentes, que estruturam o telhado, além das aberturas envidraçadas tipo “shed” que torna os pavilhões bem iluminados. Nas pesquisas de campo realizadas no desenvolvimento deste trabalho observou-se que as ampliações realizadas até 1950 não resultaram em anexações descaracterizantes ao estilo do conjunto. Feitas de tijolos à vista como as antigas, demonstram que houve uma preocupação com a manutenção da harmonia do conjunto fabril. Já as construções que restaram das modificações posteriores a essa data, apresentam materiais e técnicas inferiores aos antigos. Além da falta de cuidado construtivo, constituem-se em anexações que dificultam a percepção da implantação antiga da fábrica, barram a visão de parte das fachadas dos blocos principais e agridem a integridade do conjunto. Deuse especial atenção à avaliação destes anexos no desenvolvimento do projeto, de modo a avaliar, por meio de estudos mais apurados, o que significaria sua eventual remoção. Nessa área permanecem fragmentos do antigo muro e dos portões originais de ferro que davam acesso à fabrica, sendo que dois deles possuem interessantes pilares de tijolos aparentes.

Perto do bloco A6 localizam-se a chaminé e a caixa d´água (imagem 48). A chaminé, com 30m de altura e diâmetro de base de 2,65m compõe interessante conjunto com dois amplos portais em arco que dão acesso ao bloco A6.

Imagem 47_vista do corredor interno. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Imagem 48_vista dos arcos e da chaminé. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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6.2.1.1_ ESTRUTURA

Feitos de paredes autoportantes de alvenaria de tijolos. A maioria dos edifícios é alicerçada por blocos de pedras.

6.2.1.2_FACHADAS

As fachadas externas são em tijolo aparente, com exceção do bloco A3 e da caixa d´água que possuem um revestimento que imita o desenho dos tijolos.

Mesmo sendo um exemplar da arquitetura fabril, comumente despojada de ornamentos, percebe-se o cuidado e a riqueza de detalhes das fachadas, como pilares salientes, cornijas trabalhadas, arcadas salientes emoldurando aberturas. A maioria das aberturas é, originalmente, em arco pleno. A partir de 1950, devido à várias reformas, muitas foram vedadas com alvenaria de tijolos rejuntadas com cimento ou mudaram de forma, para adequarem-se a caixilhos de menor dimensão, mais baratos, disponíveis no mercado da construção. As janelas mais antigas são compostas por esquadria de ferro com diferentes mecanismos de abertura: pivotantes, basculantes ou de abrir para dentro (imagem 49).

Imagem 49_ montagem com exemplares de janelas e portas encontrados nas duas fábricas

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6.2.1.3_SUPERFÍCIES INTERNAS

Internamente, todos os edifícios têm paredes rebocadas, atualmente pintadas de branco. Após várias análises do conjunto e observação atenta das superfícies dos edifícios que o compõe e suas superfícies, percebeu-se que algumas fachadas mais antigas tornaram-se “parte interna” dos edifícios compostos pelas reformas (imagem 50). A maioria delas está coberta apenas por uma camada de tinta, o que tornou mais fácil a identificação de antigas aberturas, pois evidenciam as marcas, a textura dos tijolos e ornamentos. Imagem 50_antiga fachada de tijolos à vita que agora encontra-se no interior do edifício. Foto: Maíra Sfeir, 2009

6.2.1.4_COBERTURAS

Na maioria dos blocos, a cobertura é tipo “shed” (imagem 51), sistema usado para iluminar ambientes de grandes proporções, quando a iluminação lateral não é suficiente. No entanto, as aberturas envidraçadas são orientadas para leste, o que faz com que haja grande incidência direta do sol da manhã pela cobertura. A cobertura apóia-se em estruturas constituídas principalmente por pilares, vigas e treliças metálicas, e em alguns locais em estruturas mistas de madeira e metal ou concreto e metal. Essas estruturas permanecem aparentes, uma característica dessa tipologia construtiva.

Imagem 51_sheds. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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Atualmente as telhas são de fibrocimento, mas em algumas partes ainda podem ser encontradas as telhas francesas.

6.2.1.5_PISO

O piso interno dos galpões é de concreto e as “ruas internas” que contornam ou agrupam os blocos eram de paralelepípedos , no entanto, uma dessas ruas encontra-se modificada, com piso de concreto e cobertura (imagem 52). Nota-se que, ao redor do bloco A1, o piso em paralelepípedo antigo foi encoberto com uma camada de concreto. Nessa mesma área há um trecho afundado que marca por onde passava o antigo ramal ferroviário que abastecia a fábrica. No entanto, sem prospecções, não se pode afirmar com certeza se ainda há algum vestígio da linha nesse trecho.

Imagem 52_foto do corredor interno modificado. Foto: Máira Sfeir, 2009

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6.2.2_AVALIAÇÃO ARQUITETÔNICA DA FÁBRICA SANTO ANTONIO

Com formas e detalhes construtivos mais simplificados que a da Fábrica Nossa Senhora da Ponte, a Fábrica Santo Antônio (bloco B) é composta por dois pavimentos de grandes proporções, totalizando uma área de 20.808m².

Pode-se destacar também a presença de um muro na face da Rua Comendador Oetterer, dois elevadores de carga no interior do edifício e um local onde era colocada a imagem do Santo Antônio, na ala central do primeiro pavimento.

Diversamente da Fábrica Nossa Senhora da Ponte, nesta fábrica os blocos e anexos construídos ao longo do tempo foram todos demolidos para dar lugar ao Terminal de Ônibus Urbano Santo Antonio. Dela permaneceu somente o corpo central da fábrica, sua chaminé, de 27m de altura, e duas caixas d´água que se localizam na parte posterior do edifício. A fábrica, de forma retangular, também tem a fachada em tijolos aparentes. No nível do térreo, há o predomínio de linhas retas devido à sua estrutura de pilares e vigas retangulares. No seu interior há um corredor central, semelhante ao do primeiro andar, e algumas divisões internas recentes de bloco de concreto. Possui apenas aberturas nas laterais, que tornam o ambiente mais escuro e fresco (imagem 53). O primeiro pavimento, também dividido por um corredor central, apresenta espaços mais amplos, bem iluminados e ventilados, marcado pela intensa retícula de pilares.

Imagem 53_vista interna do pavimento térreo. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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6.2.2.1_ESTRUTURA

A edificação é de tijolos autoportantes e alicerçada sobre pedras que permanecem aparentes , compondo uma barra na fachada.

6.2.2.2_FACHADAS

As fachadas externas são em tijolo à vista, com ornamentação mais simples que as da Fábrica Nossa Senhora da Ponte. Possuem pilares salientes, arcadas emoldurando as aberturas no mesmo nível da parede, e uma faixa de pedras da base da construção até o peitoril das janelas, (imagem 54). Imagem 54_faixa de pedras. Foto Maíra Sfeir, 2009

6.2.2.3_ENVAZADURAS

As aberturas são feitas em arco pleno, com esquadrias de ferro e sistema de abertura tipo basculante ou de abrir para dentro. Na fachada da Rua Comendador Oetterer, permanecem duas portas de madeira que eram usadas para o acesso de funcionários da fábrica. Uma dá acesso ao térreo e a maior ao primeiro pavimento. Há poucas alterações na forma das aberturas, no entanto, muitas delas foram preenchidas por alvenaria de tijolos recentemente. Um dos motivos foi para evitar o acesso de vândalos e moradores de rua (imagem 55). Imagem 55_fechamento de uma das aberturas com alvenaria de tijolos. Foto Maíra Sfeir, 2009

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6.2.2.4_SUPERFÍCIES INTERNAS

Internamente, as paredes são revestidas por argamassa e pintura branca, com uma faixa, de aproximadamente 1,80m de altura, pintada de verde.

Em parte do térreo, onde houve a tentativa de implantação de um supermercado, foram assentados pisos cerâmicos, assim como azulejos e uso de tintas de cores vivas nas paredes.

6.2.2.5_COBERTURA

Sua cobertura é do tipo “shed”, sustentada por pilares, vigas e treliças metálicas e, em alguns pontos, também foram encontradas treliças em madeira. A estrutura é aparente, não existe forro em nenhum trecho da cobertura. As telhas atuais são de fibrocimento. Além de proporcionar boa iluminação, as vidraças do “shed” possuem aberturas basculantes para ventilação (imagem 56). Assim como na Fábrica Nossa Senhora da Ponte, essas áreas envidraçadas são orientadas para leste, tendo grande incidência direta do sol da manhã. No pavimento térreo os pilares e vigas são de concreto, de seção retangular.

6.2.2.6_PISO

Imagem 56_ superficies envidraçadas com aberturas basculantes. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Internamente, o piso é de concreto e em apenas uma área do primeiro pavimento, foram encontrados, assentados sobre o concreto, pequenos tacos de madeira.

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6.3_ AVALIAÇÃO ARQUITETÔNICA DOS BLOCOS

Dadas as grandes dimensões dos edifícios em foco e particularidades de implantação do conjunto fabril, neste trabalho de TFG optou-se por analisá-lo por blocos, de modo a avaliar e expor melhor as diretrizes de projeto propostas para a sua recuperação e revitalização: Bloco A: corresponde aos 8 edifícios da Fábrica Nossa Senhora da Ponte Bloco B: corresponde ao edifício principal da Fábrica Santo Antônio Os desenhos em Auto Cad para representação e análise dos blocos feitas neste TFG basearam-se em levantamentos métricos já realizados anteriormente que foram fornecidos pela Splice Empreendimentos, atual proprietária do conjunto fabril. A seguir, será apresentado o levantamento métrico, arquitetônico e fotográfico de cada bloco.

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6.4_ ESTADO DE CONSERVAÇÃO ATUAL DO CONJUNTO DE FÁBRICAS

6.4.1_ RECONHECIMENTO DAS ALTERAÇÕES FÍSICAS E MATERIAIS

Após avaliação da documentação histórica, iconográfica antiga e estudos de campo que permitiram conhecer melhor a cronologia construtiva dos conjuntos e a das fábricas individualmente. Pode-se considerar que o conjunto histórico apresenta-se em bom estado de conservação. Com exceção dos anexos mais recentes, o conjunto mantém sua linguagem, unidade formal e harmonia primitiva, além de excelente condição estrutural, mantendo-se como um expressivo conjunto histórico fabril da cidade e região que deve ser preservado por meio de um tipo de restauração que leve em contra as mudanças que as fábricas sofreram ao longo de sua vida.

O método de avaliação e representação das reformas, ampliações e elementos arquitetônicos substituídos, demolidos ou ocultados nos edifícios do conjunto fabril, bem como do estado de degradação geral da construção está exemplificado na prancha “Alterações da forma” que trata de uma das fachadas do BLOCO A6, considerado mais representativo das variantes apresentadas em todo o conjunto. A partir dessas análises pode-se definir o que seria demolido ou mantido na intervenção de restauro proposta conforme ilustramos nos infográficos que se seguem.

Devido à demolição de grande parte dos anexos construídos após a década de 1960, pode-se afirmar que a maior parte das construções remanescentes mantém ainda suas características originais, de edifício fabril de tijolos à vista, mesmo tendo sofrido muitas alterações pontuais. No caso dessas fábricas as alterações servem, de certo modo, a reafirmar o valor histórico e estético do conjunto estudado ao demonstrarem a permanência de um modelo construtivo por muitas décadas. Assim as mudanças feitas não significaram descaracterizações irreversíveis (como costuma ocorrer em prédios desse tipo), mas contribuíram para tornar o conjunto mais carregado de fatos, de memórias e de história da Sorocaba industrial. É isso que este trabalho quer ajudar a preservar.

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VALOR HISTÓRICO

GRAU DE ORIGINALIDADE

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6.3.1_DEGRADAÇAO E DIAGNÓSTICO, ESTUDO DE CONSERVAÇAO DO BEM

Para estudar o estado de conservação do edifício, as causas, os mecanismos de combate e a extensão da degradação, foi escolhida uma das fachadas do bloco A6 e dela surgirão diretrizes a serem aplicadas em todo o conjunto, já que todos apresentam as mesmas condições. Deve-se ressaltar que todo o conjunto apresenta ótimo estado de conservação para um edifício abandonado de mais de 100 anos. Sua ocupação predatória, em alguns momentos, e principalmente o abandono, são as principais causas do evidente desgaste das construções. Quase não apresenta rachaduras, isto é, sua estrutura é forte, e não foram identificadas grandes extensões de patologias graves e de difícil resolução. Nesta fase foram identificadas as patologias. Realizaram-se quatro diferentes máscaras sobre a fachada: alteração da forma, degradação antrópica, degradação física e química e degradação biológica. Esses estudos poderão ser vistos nas pranchas apresentadas a seguir.

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7_ANÁLISE DO ENTORNO 7.1_LOCALIZAÇÃO

As fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio (imagem 57) estão localizadas na Zona Central de Sorocaba (infográfico 10). De acordo com o Art. 16, a Zona Central “compreende o centro histórico da cidade e as áreas contíguas, caracterizada pela coexistência de edificações térreas e verticalizadas, comércio e serviços diversificados e indústrias de portes variados, destacando-se equipamentos e edifícios de valor histórico e arquitetônico.”

(imagem 58) Situam-se em uma região de fácil acesso, próximos à principal entrada da cidade, realizado pela Rodovia Castelo Branco, à marginal que contorna o Rio Sorocaba (imagem 59) e por situarem-se no perímetro do primeiro anel viário da cidade. As fábricas estão em uma área de grande declive, situando-se no nível mais baixo do terreno (Infográfico 11). Imagem 57_Foto aérea. Fonte: Prefeitura de Sorocaba

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Infográfico 10_Localização das fábricas

Imagem 58_Localização das fábricas no centro. Arquivo pessoal

Imagem 59_ Marginal e ciclovia contornando o Rio Sorocaba. Arquivo pessoal

Infográfico 11_ Topografia

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7.2_VIAS E FLUXOS

A área correspondente ao conjunto fabril Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio, é definido pela Av. Dr. Afonso Vergueiro (1) e pelas ruas Comendador Oeterer (2), Álvaro Soares (3) e Francisco Scarpa (4) e cortada pela Rua Dr. Luiz F. de Sampaio Jr (5) e pelo Ramal B (6). (infográfico 12)

Paralelo a Av. Afonso Vergueiro encontra-se a ferrovia, importante rota de ligação entre o sudeste e o noroeste do Estado. Sua transposição, nessa área, se dá em dois pontos. Um, pela Rua Comendador Oetterer (2), que liga o bairro ao centro através de um grande viaduto com duas estreitas pistas para veículos e uma passarela para pedestres. E o outro se dá por baixo do trilho, em frente à Praça da Bandeira.

A Avenida Afonso Vergueiro (1) é caracterizada como uma avenida perimetral que compõe o primeiro anel viário de Sorocaba. É uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Tem grande tráfego durante o dia com alguns pontos de congestionamentos durante horários de pico. Recentemente a Avenida passou por uma reestruturação, com mudanças de acessos, diminuindo, a intensidade do fluxo na área da fábrica. A Rua Comendador Oeterer (2) e a Rua Álvaro Soares (3) têm tráfego pesado de carros e principalmente de ônibus no horário comercial, pois dão acesso ao centro da cidade e ao terminal de ônibus urbano, o Terminal Santo Antonio. Já a Rua Dr. Luiz F. de Sampaio Jr. (5) e o Ramal B (6) são vias exclusivas para circulação de ônibus. A região possui grande fluxo de pedestres decorrente do terminal, da área comercial e de serviços oferecida pela zona central. Há também duas ruas de pedestres (7 e 8) que desembocam na Rua Álvaro Soares. Infográfico 12

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7.3_O TERMINAL DE ÔNIBUS SANTO ANTONIO

distância da principal fachada da fábrica (imagem 63), o que prejudica sua visibilidade e destaque.

O terminal de ônibus urbano (imagem 60) é um importante ponto de convergência e irradiação de pessoas e responsável por grande parte da dinâmica urbana estabelecida na área das fábricas abandonadas. Ocupa uma área de 13.000 m² do terreno anteriormente ocupado por parte dos anexos das fábricas demolidos na ocasião de sua construção (imagem 61). De acordo com a URBES, há, em média, 70.000 pessoas utilizando o terminal diariamente (imagem 62). O terminal conta com boa estrutura de atendimento aos usuários, módulos comerciais e um bicicletário. É formado por 6 plataformas, 19 pontos de ônibus e recebe 59 linhas, com uma freqüência, em horário de pico, de 193 veículos/hora, que atendem as regiões norte e oeste da cidade. Os bilhetes possuem validade de 1h e aos domingos custam apenas R$ 1,00. Duas ruas internas à quadra (infográfico 13), e de uso exclusivo de ônibus, possibilitam o acesso ao terminal (infográfico 14), inutilizando boa parte do terreno que poderia ser requalificado para uso da população. Essas ruas “dividem” as fábricas e tornam o percurso do pedestre cansativo e sem atrativos (infográfico 15).

Imagem 60_Vista do Terminal Sto. Antonio. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Outro problema deste terminal é a proximidade com a Fábrica Santo Antonio. A estrutura de sua cobertura está a pouco mais de 3m de

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Infográfico 14_ Percurso de acesso do ônibus ao terminal

Infográfico 13_ Inserção do terminal na quadra Infográfico 15_ Percurso de pedestres do terminal ao centro

Imagem 61_Vista do terminal em cima do viaduto

Imagem 62_ Fluxo de pedestres

Imagem 63_ Detalhe da proximidade da cobertura do terminal com a fachada da fábrica

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7.4_USOS E EQUIPAMENTOS

Pode-se afirmar que o centro é dividido em duas grandes zonas, a residencial, geralmente térreas, e a de uso diversificado (infográfico 14 e imagem 64). O padrão sócio-econômico do entorno é predominantemente de classe média e a principal atividade da região é o comércio, intercalados por serviços, estacionamentos e algumas habitações verticalizadas na área mista e maiores concentrações habitacionais em dois pontos. São zonas diversificadas, nas quais se destacam os seguintes usos (infográfico 16):

Infográfico 16_ Divisão entre ocupação residencial (amarelo) e de uso misto (rosa)

Comércio: lojas de roupas e acessórios, magazines, eletrodomésticos (Imagem 65), móveis, materiais elétricos, lojas de carros e também o Mercado Municipal e um shopping. Serviços: estabelecimentos de consertos em geral, dentistas, contabilidade, advogados (imagem 66), estacionamentos, bares e lanchonetes. Institucional: escolas e igrejas. Residencial: na área mista são verticalizadas com térreo de uso diferenciado (imagem 67) e nos pontos de maior concentração habitacional são, na maioria, térreas.

Imagem 64_Diferença de gabarito entre a área comercial (verticalizada) e a área residencial (mais baixa)

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Imagem 65_Uso comercial

Imagem 67_Uso residencial e comércio no térreo

Imagem 66_Prédio de serviços

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O centro possui poucas áreas verdes, de convívio e descanso. As poucas praças que existem quase não têm vegetação e a maioria não possui atrativos para que sua ocupação e uso sejam efetivados (imagem 68). Há ainda um grande número de escolas, cursinhos prévestibulares e a existência de quatro faculdades localizadas dentro do perímetro do anel viário central. No entanto, existe apenas uma biblioteca, voltado para o público infantil (imagem 69). Outro número bastante significativo é o de bens tombados (infográfico 17), são ao todo 17 imóveis protegidos pelos órgãos de preservação, dos quais apenas as fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio encontram-se sem uso. Destes, 4 funcionam como museus, um como teatro, além do Mercado Municipal, da Biblioteca Infantil, da Catedral (onde também funciona um museu) e uma oficina cultural (Infográfico 18).

Imagem 68_Praça da Bandeira. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Imagem 69_Biblioteca Infantil Municipal tombada pelo patrimônio municipal. Foto: Fábio Barros

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Fรกbrica Nossa Senhora da Ponte e Santo Antonio

Infogrรกfico 17_Bens tombados no centro.

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Infogrรกfico 18_Equipamentos do centro

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7.5_FREQUENTADORES E MORADORES DO CENTRO

A população que freqüenta o centro é, na maioria, de média a baixa renda. No entanto, há uma pequena região elitizada, com lojas de marca, escolas particulares e prédios de médio a alto padrão, localizada na parte oeste do centro.

Embora não existam mais as vilas operária das fábricas NSP e SA, o bairro é antigo e há uma boa concentração de moradores da terceira idade. A maior parte dos moradores é de renda média, com alguns pontos de renda baixa e, na área eletizada, mais afastada, de média-alta.

Devido à presença do Terminal, há um fluxo intenso de pessoas entre ele o centro, como consumidores, trabalhadores, moradores, estudantes, camelôs e ambulantes. Atraídos pela grande oferta de serviços e mercadorias, muitas vezes só existentes nessa área, o público vem de outros bairros e cidades vizinhas, pelo transporte público ou por veículos particulares. É, portanto, um tipo de ocupação passageira. Os camelôs e ambulantes, aproveitando-se do principal percurso realizado pelas pessoas, se instalaram na Rua Luiz F. de Sampaio Filho. Alguns anos atrás havia uma ocupação descontrolada de camelôs ao longo dessa rua que foi normatizada pela prefeitura. Hoje o camelódromo representa-se por poucos estabelecimentos legalizados e poucos ambulantes (imagem 70). Por causa da grande concentração de escolas, há um grande fluxo de estudantes. Uns, depois de chegarem ao terminal, percorrem o restante do percurso a pé, ou apenas trocam de linha. Assim como outros que se utilizam do terminal, apenas como transferência de linhas.

Imagem 70_lojas localizadas na Rua Dr. Luiz de Sampaio Jr. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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8_DIRETRIZES DE INTERVENÇÃO O projeto de reabilitação e restauro proposto neste Trabalho Final de Graduação para o histórico conjunto fabril de Sorocaba adota critérios de intervenção propostos pela a Carta de Veneza de 1964 e os pressupostos teóricos de Césare Brandi. Tem-se como princípio geral a conservação da autenticidade do edifício e sua transmissão para gerações futuras. O restauro contemporâneo apóia-se em quatro princípios fundamentais que devem ser pensados de forma concomitante: a distinguibilidade, a reversibilidade, a mínima intervenção e a compatibilidade. O principio da “distinguibilidade” apóia-se na idéia de que o tempo sobre as obras do passado não é reversível. Não se pode voltar nele por meio de imitação, portanto o projeto de restauro não pode induzir o observador a confusão entre o que é a intervenção de restauro e o que é a parte original, considerada nesta linha um documento a conservar. O material original das obras é documento e deve ser respeitado. Se pequenas modificações forem necessárias, é preferível que estas sejam de caráter contemporâneo, de estilo diferente, mas que não sacrifiquem a unidade formal da obra. A distinguibilidade é desejável para que se evitem as falsas interpretações.

Já o princípio de reversibilidade tem como objetivo garantir que as intervenções não alterem a obra em sua substância estética e histórica. Essas devem inserir-se de modo respeitoso no preexistente de modo a não impedir ou inviabilizar possíveis intervenções futuras. Para que não haja a descaracterizações irreversíveis do documento histórico e material, deve-se seguir o princípio da mínima intervenção, respeitando assim, suas várias estratificações sem o intuito de restituir um pretenso estado original, pois os sinais do tempo e da evolução formal do bem também são considerados de valor histórico e estético. A compatibilidade mecânica, química e física das técnicas e dos materiais têm como objetivo assegurar um comportamento homogêneo da construção no tempo. “Com isso evita-se as diferentes reações dos materiais impostos pelo ambiente e os conseqüentes fenômenos de deslocamentos; de escorrimentos, rachaduras, de estado de coesão e/ou sobrecargas localizadas; fenômenos que reconhecidamente aceleram a 30 degradação de uma edificação antiga.” Deve-se, portanto, aplicar técnicas e

materiais compatíveis com os originais e que não sejam nocivos ao bem. Além dessas premissas a proposta de revitalização do conjunto baseia-se também em diretrizes internacionais para dar indicações sobre o tratamento do entorno do bem. O tratamento do entorno de um bem cultural do passado é fundamental para a sua valorização. Garantir boa visibilidade é colaborar 30

TIRELLO, Regina Andrade. Notas de aula 3: Critérios norteadores das proposições indicativas de conservação e restauro de edifícios históricos da cidade de Campinas. Apresentado na disciplina AU814 Técnicas Retrospectivas em Arquitetura em 2007 na UNICAMP.

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para melhor fruição por parte dos observadores, dos cidadãos que usam o espaço urbano e nele se insere dentro de uma hierarquia, o bem tombado deve ter destaque e seu entorno ter valor adjetivo. Assim, seu entorno poderá ter modificações, pois é seu valor qualificador o que conta. Segundo Ulpiano Bezerra de Meneses (2006) ao discutir questões de áreas envoltórias degradas de bens culturais, considera absurda hipótese de seu congelamento no tempo. A dinamização das áreas de entorno dos bens é desejável na medida em que pode requalificar e garantir seu melhor uso e fruição pública. Portanto, o conceito de “não modificação” deveria ser substituído por “adequação” ou “compatibilidade” para assegurar a real preservação daquilo que foi digno de proteção. Um bom desenho urbano deve ter equilíbrio e não atingir a harmonia do conjunto. As partes devem se relacionar e apresentar o cuidado com a compatibilidade de volumes, cor, textura, além de inserir conceitos de qualidade de vida sobre o cotidiano dos habitantes que usufruem desse espaço. Não é demais repetir que, o que se busca é preservar o bem lhe destinando um uso e também permitindo que seu conjunto possa ser conhecido e usufruído pelas gerações futuras. Para tanto, reforçando as diretrizes mencionadas acima, também se busca a manutenção da espacialidade, da unidade do conjunto e o uso compatível com suas características históricas e arquitetônicas. As características espaciais internas e externas devem ser valorizadas, por isso a nova função deve ser compatível com a estrutura dada. Isto é, as características do edifício é que deverão orientar a escolha

de um uso e não o contrário, modificar as características do edifício para abrigar novas funções31. No caso das fábricas têxteis estudadas procurou-se, neste projeto, respeitar o pé-direito, as aberturas pré-existentes, a iluminação (vinda principalmente através dos sheds), a estrutura metálica, a ausência de forros, o acabamento em tijolo, entre outros elementos que as distinguem como construção fabril. Outra questão refere-se à unidade do conjunto, que não significa a homogeneização estilística e sim a identificação de momentos da evolução construtiva da obra que impedem a percepção do conjunto como uma unidade, isto é, de elementos que prejudicam a estrutura, que não possuem relevância histórica e estética, de técnicas e materiais inferiores, entre outros, e que podem ser retirados sem qualquer dano ao valor cultural do bem. Ações de conservação e restauro podem comportar atos como alteração de distribuição, melhoria de desempenho e, inclusive, destruições, mas devem ser atos fundamentados. Para Kühl, restaurar não é imitar estilos, não é mera operação técnica e sim um ato crítico que leva em consideração a obra em sua materialidade, em seus aspectos documentais e formais e em sua translação ao longo do tempo. “É, portanto, ato de respeito pelo passado,

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Deve-se ressaltar que o uso escolhido não se baseia somente nas características do edifício, mas também é decorrente de uma profunda análise sócio-espacial do entorno e, portanto, uma reflexão conjunta entre o edifício, seu espaço de inserção e a população que utiliza a região.

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feito no presente, que mantém sempre o futuro no horizonte de suas reflexões.”

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KUHL, Beatriz Mugayar. Algumas notas sobre o emprego de palavras que se referem a ações em bens culturais. Publicado na Revista TJL, nº 00 tijolo 01, disponível em www.revistatjl.com

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9_REFERÊNCIAS PROJETUAIS 9.1_DUISBURG PARK

Local: Duisburg, Alemanha Autor do projeto de intervenção: LATZ+PARTNER Área : 200.000 m² Ano da construção: 1901

Imagem 71_Relação da vegetação com a fábrica. Fonte: www.latzundpartner.de

Início da intervenção: 1990 - 1999 Uso original: fábrica de ferro fundido Uso atual: parque multifuncional

O projeto tem como princípio integrar, desenvolver e conectar as estruturas existentes, originalmente industriais, e lhes dar uma nova interpretação e um novo uso. Criou-se um grande parque que une os artefatos fabricados pelo homem e a vegetação natural (imagem 71). O parque foi criado combinando a história industrial, a natureza, a recreação, lazer e cultura. Imagem 72_Antigas instalações submetidas a vários usos

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No centro do parque encontram-se as antigas instalações industriais, hoje submetidas a uma variedade de usos (Imagem 72). Acomodam atividades culturais e empresariais, um centro de mergulho artificial e de escalada, mirante, eventos, concertos, apresentações de dança (Imagem 73), teatro (imagem 74), albergue, escritórios de associações e sociedades associadas ao parque, lanchonetes, entre outros. Muitos deles são desenvolvidos tanto dentro dos ambientes quanto ao ar livre (imagem 75). Há também espaços flexíveis que podem se unir e formar um grande galpão para eventos maiores, chamado de Blower House.

Imagem 74_teatro

Imagem 73_utilização dos galpões para apresentações.

Imagem 75_Apresentações a céu aberto

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9.2_MUSEO DI CASTELVECCHIO

Local: Verona, Itália Data da intervenção: 1956-1964 Autor: Carlo Scarpa Uso original: forte romano, sede da aristicracia Uso atual: museu

Neste projeto, Scarpa não se limitou apenas aos trabalhos de reparação, mas também fez desaterros isolados e demolições criteriosas com a intenção de mostrar as diferentes fases históricas do conjunto, tornando o próprio edifício como objeto do museu. De acordo com Scarpa, “em Castelvecchio tudo era fraude”. Para recuperar o gótico veneziano Scarpa decide inserir alguns elementos verticais na fachada (imagens 76 e 77) e mudar a entrada em relação ao centro para quebrar a simetria, pois o gótico veneziano não era simétrico.

Imagem 76_Fachada central. (LOS, 1994: 75)

Imagem 77_Entrada para o museu. (LOS, 1994: 77)

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A arquitetura de Scarpa se assenta no princípio da justaposição. “Diversos materiais e diferentes épocas históricas colocadas uns ao lado dos 33 outros, mantém um diálogo.”

Para expor os diferentes estratos ocultos do edifício, Scarpa manda demolir totalmente um estreito pedaço da fachada tornando-se o local de síntese da obra e acentuou-a com a estátua do Cangrande della Scala (imagem 78). Para a decoração, Scarpa usou materiais discretos alternados com realizações requintadas. O reboco à base de cal apagada é um pouco rugoso e o chão de cimento talhado é emoldurado com pedra de Prun (imagem 79). Quanto à apresentação das peças, Scarpa desenhou o tipo de sustentação para cada objeto exposto.

Imagem 78_Vista da ponte Cangrande e exposição dos vestígios de construções antigas do muro. (LOS, 1994: 83)

O que chama a atenção aos trabalhos de Scarpa é sua sensibilidade em captar a arquitetura e seus elementos, tudo minuciosamente analisado e julgado, e sua facilidade em trabalhar com o pré-existente, sem medo de ousar.

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LOS, Sergio. Carlo Scarpa. Itália: Tashen, 1994, pág 77

Imagem 79_Inserção de novos materiais como o ferro e a madeira. (LOS, 1994:80)

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9.3_SESC POMPÉIA

Local: São Paulo, Brasil Autor da intervenção: Lina Bo Bardi Ano da intervenção: 1977 Uso original: fábrica de tambores Uso atual: complexo que reúne atividades como teatros, quadras esportivas, piscinas, áreas de lazer, lanchonete, restaurante, espaços de exposições, choperia, oficinas e outros serviços.

Imagem 80_Rua interna entre os blocos. www.sescsp.org.br

A Fábrica de Tambores, construída a partir de tecnologia importada e sofisticada para a época, abriga agora uma das unidades do SESC (imagem 80). Antes mesmo da revitalização, o local já servia como espaço de reunião e lazer de familiares. A arquiteta Lina Bo Bardi partiu da espontaneidade e veracidade daquelas atividades para realizar seu projeto. Propõe-se a manutenção do espaço livre dos galpões (imagem 81) e a edificação de novas torres para comportar o programa previsto pelo SESC sem que houvesse grandes interferências na velha fábrica. Imagem 81_Galpão que abriga jogos e brinquedos.

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Permeando os blocos, são colocados sutis elementos que modificam o espaço da fábrica existente e incorporam assim os usos populares captados pela arquiteta. O espaço entre os galpões são tratados como uma rua que a estrutura. Devido a uma galeria de “águas pluviais” no fundo da área da fábrica, que transformou grande parte da área destinada ao esporte em área “non edificandi”, decidiu-se criar dois blocos verticalizados, inspirados nos fortes militares brasileiros. Os blocos, que abrigam as quadras, piscinas e vestiários, são interligados por robustas passarelas de concreto protendido e possuem buracos “pré-históricos”, sem vidro, que permitem ventilação cruzada (imagem 82). Já na área do córrego construiu-se um deck de madeira. Percebe-se, não só no SESC, que a arquiteta procura constantemente a “vocação do lugar” e inicia assim sua proposta, utilizando-se das preexistências como guia físico da intervenção. A idéia inicial de recuperação do conjunto foi a de “Arquitetura Pobre”, isto é, elevar ao máximo a dignidade e comunicação do conjunto com os menores e humildes meios. Os espaços, por ela mesma dito “feios” e inacabados, ganhariam significado com o uso e poderiam ser complementados, construídos e ocupados pelo povo.

Imagem 82_Bloco verticalizado para não interferir nos antigos galpões. www.sescsp.org.br

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9.4_MFO PARK

Local: Zurich, Suíça Autor do projeto: Burckhardt + Raderschall Ano da construção: 2001 - 2002 Uso: parque e eventos culturais

Trata-se de um parque urbano, uma espécie de oásis verde inserido na cidade (imagens 83 e 84), com grama, árvores e flores, agindo como a antítese do entorno construído.

Imagem 83_Fonte: www.vulgare.net

Os arquitetos criam uma cobertura vegetal que percorre vários níveis utilizando estrutura inspirada em áreas industriais do passado.

Imagem 84_Fonte: www.vulgare.net

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9.5_MEYDAN RETAIL COMPLEX AND MULTIPLEX

Local: Istambul, Turquia Autor do projeto: Foreign Office Architects Ano da construção: 2007 Área: 55.000 m²

Todos os telhados são cobertos por vegetação e os volumes têm a intenção de ser uma extensão da topografia existente. A iluminação interna desses ambientes é feita por uma espécie de domus localizados nas coberturas verdes. Esse projeto tem características que foram exploradas para o desenvolvimento do parque deste TFG. Como o estacionamento subterrâneo, a liberação do térreo para uso da população, as várias rotas de pedestres e a cobertura verde.

Uso: parque e lojas de varejo

Localizado em uma das áreas de maior crescimento de Istambul, Meydan foi concebido como um verdadeiro centro urbano para guiar o desenvolvimento futuro da área. O complexo prevê, através de sua geometria e estratégias de circulação, sua posterior integração com o contexto urbano, com o objetivo de formular um modelo alternativo de ocupação, diferente da atual “caixa de retalhos” da cidade. Uma parte importante dessa estratégia foi localizar o estacionamento no subterrâneo liberando o espaço do térreo para ser usado como área ajardinada e uma praça (imagem 85).

Imagem 85

A praça possui várias rotas para pedestres, ligando o estacionamento, as lojas de varejo e a cidade.

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9.6_BOOK HILL

Local: Stockholm, Sweden Autor do projeto: Jaja Architects Ano da construção: 2007 Área: 17.000 m² Uso: Biblioteca pública

Hoje, o local é caracterizado pela inacessível ilha do observatório e a fragmentada Biblioteca Pública, composta por um prédio principal e mais três anexos.

Imagem 86

O projeto, finalista de um concurso internacional, propõe uma biblioteca-parque, que prevê a união de todos os anexos da biblioteca e o Observatório, através de uma extensão da avenida, criando uma transição entre a paisagem e edifício, interno e externo, fundindo o antigo com o novo (imagem 86). Assim como o parque proposto para a ligação entre as fábricas, esta biblioteca-parque seria como um elemento de união entre fragmentos da biblioteca e o isolado observatório. O parque atrai a população e ao mesmo tempo facilita o acesso para os vários pontos, desenvolvendo atividades internas camufladas na paisagem (imagem 87).

Imagem 87

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9.7_MERCADO DE SANTA CATARINA

Local: Barcelona, Espanha Autor do projeto: EMBT Uso: mercado de frutas e verduras

A intervenção no antigo Mercado de Barcelona tem como objetivo racionalizar sua implantação e ser papel importante na recuperação urbanística do centro velho de Barcelona.

Imagem 88

A nova cobertura, de linguagem contemporânea, foi concebida para mesclar-se com o edifício existente (imagem 88 e 89). Para recuperar a estrutura dos velhos mercados populares, a cobertura transformou-se num enorme toldo que alberga os postos de venda. Revestida por 325.000 peças cerâmicas e com uma forma orgânica, a cobertura envolve a estrutura de três andares. As cores e o desenho formado pela cerâmica na cobertura recordam frutas e verduras, remetendo à função do Mercado.

Imagem 89

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9.8_SOUTHERN CROSS STATION

Local: Melbourne, Austrália Autor do projeto: Nicholas Grimshaw & Partners Uso: Estação de trem e ônibus

A Southern Cross Station é o resultado da requalificação e transformação da Spencer Street Station, tornando-se o novo marco de Melbourne.

Imagem 90

A antiga estação foi ampliada e reorganizada. Ela serve as linhas férreas regionais e interestaduais e os ônibus de longo curso (imagem 90). A ampliação das instalações permitirá maior eficiência entre as transferências, terá abrigo coberto para os passageiros, melhores sistema de bilheteria, bagagens, áreas de espera e zona de comércio. Possui grandes espaços abertos e boa visibilidade através de toda a estação. Sua cobertura inovadora possui a forma de um “cobertor ondulante”, pensado para que tenha uma boa iluminação e ventilação interna (imagem 91).

Imagem 91

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10_PROJETO O programa proposto busca estabelecer relações entre o terminal de ônibus urbano, as fábricas e o centro comercial, proporcionando atividades de usos educacionais, populares e do cotidiano, usos que, junto com técnicas adequadas de conservação serão fundamentais para a preservação das fábricas. O projeto de restauro e reabilitação do conjunto fabril sorocabano articulou-se a partir das seguintes bases conceituais: - Análise fenomenológica do estado de conservação do edifício, considerando suas transformações no tempo histórico, vinculada às proposições teóricas de Césare Brandi. - Busca de estabelecimento de vínculos entre o novo uso e a memória do objeto. Ao propor novos programas, procurou-se respeitar, acima de tudo, o caráter fabril dessas construções, de modo que os usos propostos não desvirtuem sua essência histórica de testemunhos da industrialização do Estado de São Paulo. - Princípios de conservação integrada que propõe dotar as arquiteturas e estruturas pré-existentes de uma função social legitima e estimular assim a participação popular, como possibilidade de preservação efetiva dos bens culturais.

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10.1_OS EDIFÍCIOS

Durante o processo de reconhecimento do edifício, percebeu-se a riqueza de elementos e marcas históricas que fazem parte da própria evolução do conjunto (imagem 92). Essas marcas são elementos que testemunham fisicamente seu desenvolvimento, seu progresso ou decadência, mostra a busca em se adaptar às demandas e às necessidades. Portanto, esses elementos também fazem parte da história e não só o bloco de onde tudo começou. No entanto, também há a questão estética, visual e funcional. Nem toda ampliação teve o mesmo cuidado ao ser construída, ou tiveram a preocupação de seguir uma mesma linguagem, coisas que enriqueceriam o ambiente e dariam a noção de conjunto, de histórico. Durante a evolução do conjunto fabril, as construções posteriores a 1960 seguiram uma linguagem diferente de todas as anteriores. Os poucos anexos que sobraram se tornaram elementos estranhos ao conjunto. Esses anexos representam-se por pequenos volumes acoplados aos blocos. São construções de materiais e técnicas inferiores, apresentando baixa qualidade construtiva e arquitetônica, que impedem a visibilidade de algumas faces dos blocos (imagem 93), dificultam a circulação e agridem a unidade de conjunto das fábricas. Por esses motivos, será proposta a demolição dos mesmos, para que seja liberada a visibilidade e recuperada a volumetria do conjunto (Infográfico 19 e 20).

Imagem 92_marcas de diferentes épocas em uma mesma fachada. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Imagem 93_Anexo de 1950 impede a visibilidade da fachada do Bloco A6 e destoa do conjunto. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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Infográfico 19_ Blocos construídos a partir de 1960 e que serão demolidos. Arquivo pessoal

Infográfico 20_ Blocos construídos em 1950 e que serão demolidos. Arquivo pessoal

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Serão demolidos os seis anexos apresentados. Um deles, entre os blocos A7 e A8, obstrui uma grande passagem, que liberada, será reinserida no projeto para circulação de mercadorias e de lixo de um restaurante. Outros três elementos, da década de 1950, foram identificados como prejudiciais à integridade do conjunto. Dois deles anexados ao bloco A6 e um no interior do bloco A2. Internamente, procurou-se manter as características espaciais primitivas dos blocos, enfatizando a relação entre um e outro e seu caráter fabril. Partiu-se do pressuposto de mínima intervenção, interferindo apenas nos pontos essenciais para tornar viável a nova ocupação. Assim, optou-se por manter a cobertura original, a maioria em shed, sem forro e garantir a permanência dos grandes espaços livres internos. As divisórias necessárias para abrigar os comércios e serviços propostos tiram partidos dos pilares e mantém-se abaixo das tesouras e sheds para possibilitar sua visualização. Nas peças e acabamentos deu-se preferência para materiais brutos tais como aço, madeira, pedra para preservar a identidade industrial da arquitetura. As marcas e alterações presentes na superfície das fachadas serão, evidenciadas, reveladas ou resgatadas de acordo com a necessidade do novo uso proposto, sempre respeitando as diretrizes apresentadas anteriormente. No capítulo 10.4, esses elementos serão analisados com mais detalhes. Foi preciso todo esse levantamento e reconhecimento da história material dos prédios para que fosse possível formular um juízo crítico

sobre as alterações ocorridas e, conseqüente tomada de decisões de projeto que implicarão em demolições, criação de novos acessos, tratamento de superfícies, entre outras intervenções prediais.

10.2_USO E PROGRAMAS PROPOSTOS

Sob o ponto de vista da reabilitação, o uso do conjunto fabril desativado foi definido através de uma intensa análise formal e histórica dos edifícios junto com uma análise do perfil da população sorocabana, das relações e usos que são estabelecidos nessa área. O que se quer é revitalizar uma grande área do centro de Sorocaba e reabilitar as fábricas para intenso uso público, sem que haja uma modificação substancial da composição social da população que freqüenta ou mora no local. Para isso, a proposta se apoiará na estrutura local, nas potencialidades e nas demandas existentes para compor um programa compatível e coerente com a dinâmica atual. Os usos mistos indicados irão estimular a participação popular, pois o principal sujeito a apropriar-se desse espaço será o próprio habitante local e o cidadão que o usufrui. Constituem-se em espaços que buscam suprir as necessidades diárias da população, que estabeleçam e estimulem relações sociais e de convívio qualificadas pela cultura e lazer sem entrar em conflito com serviços e equipamentos existentes na região.

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O que se busca é a apropriação do patrimônio e a criação de condições favoráveis à qualificação das práticas de seus cidadãos e sua inclusão social, criando continuidade, integração e apropriações multiformes, enraizamento pessoal e comunitário, idéias presentes nos textos de Ulpiano Bezerra de Menezes (2006) e nos conceitos da “Conservação Integrada”. O programa partiu da análise de uma demanda e de carências existentes. Muitos dos usos propostos já ocorrem na área, mas não possuem uma infraestrutura adequada, como nos eventos e campanhas da prefeitura de Sorocaba que ocorrem no pátio das fábricas para aproveitar o movimento dos terminais ou na Praça Fernando Prestes (imagens 94). Há também uma grande presença do comércio e dos camelôs, dos teatros de rua, apresentações musicais, feiras de artesanato e eventos em geral. Além dos projetos organizados pela prefeitura que atendem toda a cidade, como os paraciclos e bicicletários, devido às rotas das ciclovias, que passam pelos dois terminais de ônibus, e o programa “Domingo no Parque”, um programa cultural que todo domingo ocupa um dos parques da cidade para realização de eventos, shows, exposições, etc. e que não é realizado no centro. Com a proposta do novo parque esses eventos poderão ocorrer nessa área e beneficiar toda a população da cidade e não só os moradores da região como ocorre com os outros, pois está localizado no ponto central e é alimentado pelo maior terminal de ônibus da cidade. Há também as carências da região como banheiros públicos, opções de locais para comer, áreas verdes e de convívio. E também outros usos que foram pensados para facilitar, dinamizar e qualificar a vida e

Imagem 94_Evento municipal em comemoração ao dia dos pais. Corte de cabelo masculino gratuito. Foto: Maíra Sfeir, 2009

Imagem 95_trânsito de ônibus e carros na Rua Álvaro Soares. Foto: Maíra Sfeir, 2009

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rotina das pessoas, como a Casa do Cidadão, estabelecimentos para pagar contas, tirar um xerox, fazer compra de alimentos e produtos de higiene. Além de disponibilizar espaços culturais para todos, como a biblioteca circulante ou pequenos auditórios, teatros e cinemas localizados na Universidade da Terceira Idade.

relação visual entre pedestre, fábricas e mercado aconteça (infográficos 21 e 22).

Um grande desafio para o projeto de revitalização é a atual localização do terminal de ônibus e suas áreas de manobra e fluxos de acesso aos ônibus. O terminal de ônibus, no entanto é o que garante o acesso do grande público às fábricas, por isso foi mantido e realocado, e o sistema viário passará por uma readequação. Com essas modificações ocorrerá a diminuição do trânsito na Rua Álvaro Soares (imagem 95) e a liberação de toda a quadra para uso dos pedestres e a recuperação da visibilidade da fachada da Fábrica Santo Antonio.

Infográfico 21_visibilidade atual

Além da ocupação do edifício propõe-se a criação de um parque que permitirá e facilitará a ligação, pelos pedestres, entre o terminal Santo Antonio, as fábricas, o centro, o Mercado Municipal e as ruas de pedestres do centro. Será dotado de grandes áreas verdes, quase ausentes na área central, e dispostos em platôs para vencer o grande desnível do terreno. Para que essa conexão do parque seja realmente efetivada e que a fruição e visibilidade do bem ocorram, chegou-se á conclusão de retirar o comércio existente na quadra (infográficos 23, 24 e 25) e remanejá-los tanto entre os platôs quanto para dentro das fábricas, permitindo que a

Infográfico 22_visibilidade proposta com a retirada do comércio e a realocação do terminal

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Infográfico 23_ Retirada do comércio da Rua Álvaro Soares (panorâmica 1 e 2)

Infográfico 24_ Retirada do comércio da Rua Álvaro Soares (panorâmica 3)

Infográfico 25_ Retirada do comércio da Rua Francisco Scarpa (panorâmica 4)

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10.3_PROGRAMA DE NECESSIDADES

O programa foi desenvolvido para que se adapte às construções existentes, respeitando suas características físicas e estéticas. São funções compatíveis ao espaço e à dinâmica da região e criados para a população que circula na área. Após a apresentação do programa geral será apresentado com mais detalhes o projeto para o Bloco A6, escolhido para uma proposta de intervenção mais detalhada devido à complexidade do conjunto. Infográfico 26_fluxo atual de ônibus para acessar o terminal

10.3.1_TERMINAL DE ÔNIBUS URBANO | 5.600 m² |

Localizado em linha, paralelo à Av. Afonso Vergueiro (infográficos 26 e 27), possui 19 pontos de ônibus distribuídos em duas passarelas, para abrigar as 59 linhas que atualmente circulam no terminal. O terminal terá apenas uma entrada de ônibus e uma saída, ambos pela avenida, para que haja melhor controle de horário e menos gastos com funcionários e infra-estrutura. Como Sorocaba possui o bilhete eletrônico com validade de 1h pensou-se em um terminal aberto que permita que a população saia para comer, emprestar um livro, pagar conta ou mesmo descansar em uma área arborizada enquanto espera o ônibus. Serão disponibilizados alguns

Infográfico 27_fluxo proposto de ônibus para o acesso ao terminal

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caixas eletrônicos para recarga do cartão ou uma cabine com atendimento direto, além de grandes bancos de espera. O desenho da nova cobertura do terminal foi inspirada na fumaça das chaminés industriais e dos trens a vapor (imagem 96). É feita com um sistema de estrutura metálica tubular combinada com cascas de argamassa armada revestidas com pastilhas cerâmicas de 5x5cm (imagem 97), material com o qual se busca fazer referência às fábricas. Haverá cinco cores de pastilhas diferentes, cores que possuem relação com o projeto como o vermelho dos tijolos à vista, o marrom da terra e o verde da vegetação. O desenho seguirá os eixos do piso, como se continuassem pela cobertura.

Imagem 97_cores das pastilhas cerâmicas que serão usadas no projeto

Imagem 96_Perspectiva da cobertura do terminal

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A argamassa armada foi escolhida por ser um tipo de estrutura mais leve que o concreto armado e ao mesmo tempo resistente devido à sua malha metálica. Essas cascas serão construídas no local para que a forma da cobertura seja respeitada. No total, oito cascas são apoiadas sobre arcos de estrutura metálica tubular e separadas verticalmente por uma treliça espacial, o que permitirá melhor ventilação e iluminação interna. Essas treliças possuem grandes calhas embutidas e alguns dos pilares funcionarão como condutores de água. Buscou-se, com o novo desenho do Terminal, permitir maior integração com os serviços criados nos galpões assim como maior visibilidade de todas as fachadas das fábricas (imagens 98 e 99).

Imagem 98_Perspectiva do conjunto e relação direta do terminal com os galpões. Renderização: Maria Julia Mazetto

Imagem 99_Valorização e visibilidade das fachadas das fábricas

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10.3.2_PARQUE |36.110 m²|

O parque coloca-se como uma extensão das fábricas, um elemento de ligação entre os blocos, o terminal, as ruas de pedestres do centro e o Mercado Municipal. Essa extensão não funciona simplesmente como uma área de vegetação, mas como detentor de elementos integrados à paisagem, fazendo emergir e valorizando a beleza e imponência das fábricas. O objetivo é a criação de espaços dinâmicos, de novos eixos de circulação, vistas, perspectivas, áreas arborizadas, espaços de sol, de sombra, de convívio e de descanso.

Imagem 100_Os estabelecimentos comerciais se fundem na paisagem, criando platôs para vencer o grande desnível do terreno

Os espaços livres do parque poderão abrigar variados tipos de manifestações, teatro de rua, feira de artesanato, intervenções, apresentações de música, eventos públicos, parques de diversões. Busca-se esta integração por meio de platôs que criam espaços intermediários no parque onde se instalam restaurantes, lanchonetes, comércio e serviços (imagem 100). Criados para vencer os 17 metros de desnível do terminal (ponto mais baixo) à Rua Álvaro Soares, os platôs foram dispostos de modo a facilitar o acesso às fábricas chegando ao mesmo nível das principais entradas dos blocos (imagem 101). Em todo o parque foram distribuídos alguns bicicletários e grandes bancos semelhantes aos utilizados no Museumsquartier em

Imagem 101_os platôs chegam no mesmo nível das principais entradas dos edifícios

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Viena na Áustria (imagem 102) que podem ser combinados em diversos desenhos ou dispostos isoladamente. Propõe-se ainda, para o parque, um restaurante, uma lanchonete, uma sorveteria, um café, duas lojas, uma lan house, banheiros públicos e estacionamento para 141 vagas, todos sob os platôs para não ofuscar a presença das antigas edificações (imagem 103). As ruas internas do parque serão acessíveis a veículos caso necessite carregar ou descarregar produtos ou mesmo para localizar vans da polícia ou ambulâncias e carros para a organização de eventos populares. Pretende-se que esse parque também seja usado durante os fins de semana como uma opção de lazer econômica e de fácil acesso, pois a passagem de ônibus no domingo custa apenas R$ 1,00.

Imagem 102_exemplo de mobiliário urbano desejado para o parque. Foto: Maíra Sfeir, 2008

Imagem 103_rampa arborizada sobre a lanchonete, o café e a lan hause

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10.3.3_FÁBRICA SANTO ANTÔNIO

Dadas as grandes dimensões e complexidade do conjunto fabril, neste TFG, optou-se por exemplificar as diretrizes projetuais no Bloco A6 da Fábrica Nossa Senhora da Ponte. A fábrica Santo Antonio terá apenas diretrizes de ocupação (infográfico 28) e um estudo de layout. . Supermercado Encontra-se no pavimento térreo da fábrica, cujas características são favoráveis à implantação de um supermercado (imagem 104) como as dimensões, fácil acesso à rua e ao terminal de ônibus e iluminação apenas nas extremidades evitando uma grande incidência de sol sobre os produtos e diminuição do calor, em parte também por ter os fundos enterrado, fatores que permitem melhor conservação dos produtos, além da possibilidade de ações e tratamentos higienizantes da superfície como colocação de forros e azulejos.

Infográfico 28_Na Fábrica Sto Antônio funcionará um supermercado no térreo, uma Universidades da Terceira Idade e área de eventos no pavimento superior

- depósitos |2.542 m²| Área de recepção e armazenagem de produtos. Conta com uma recepção de mercadorias, sala de compactação de papelão, descarte de lixo, câmaras refrigeradas, depósito de produtos industrializados, depósito de verduras e legumes, confeitaria, rotisserie, padaria, açougue, sala de manutenção e casa de máquinas. Há duas entradas de mercadorias, uma específica do açougue e outra para os outros produtos. Os ambientes foram dispostos entre grandes corredores para facilitar o transporte das mercadorias à loja.

Imagem 104_vista do estacionamento do supermercado. Nesta imagem também se pode ver a forte relação entre as duas fábricas e entre o terminal

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-área de carga e descarga |880 m²|

universidade é estar ao lado do terminal de ônibus, um meio de transporte gratuito para essa faixa da população.

Área para entrada de caminhões. - administração e funcionários |445,90 m²| Possui entrada específica, recepção, sala de segurança, sala de gerentes e encarregados, sala de reunião, treinamento, vestiários, refeitório e comunicação direta com depósitos e loja. - banheiro público e ambulatório |83,14 m²| Serviços destinados ao cliente. - exposição e venda de produtos |3.770,45 m²| Área de exposição de comidas industrializadas, limpeza, higiene pessoal, bazar, bebidas, açougue, congelados, hortifruti, padaria, confeitaria, rotisserie e café. - estacionamento |4.476 m²| Estacionamento com capacidade para 126 vagas, com arborização adequada e caminho secundário de pedestres.

. Universidade Aberta da Terceira Idade | 7.879,60 m² | Uma grande parte da população que mora e freqüenta a região central é a população idosa. Outra vantagem da instalação da

A Universidade da Terceira Idade constitui-se como uma tendência de ensino. O intuito é proporcionar a inclusão social, melhorar a qualidade de vida e torná-los mais independentes e confiantes. Em Sorocaba há universidades que iniciaram atividades específicas e gratuitas para os idosos, no entanto, há poucas vagas, pouca divulgação e difícil acesso. De acordo com Amanda Diniz, uma das coordenadoras dos cursos do campus da UNESP Sorocaba, desde setembro de 2008, início das atividades, foram atendidos 150 pessoas. Atualmente estão matriculados apenas 60 alunos e os cursos mais procurados são informática, internet, artesanato, líguas, tai-chi-chuan, xadrez, música e literatura e que os professores são basicamente alunos bolsistas e voluntários (alunos, professores e pessoas externas). Propõe-se que haja uma parceria entre a prefeitura e as universidades e faculdades de Sorocaba e que tudo seja concentrado em apenas um local e com infra-estrutura adequada e pensada especificamente para o idoso. Baseado no programa oferecido pela UNISO e UNESP de Sorocaba e pelas já consolidadas Universidade Aberta da Terceira Idade da USP e da UERJ, surgiu o programa proposto. - área administrativa (3 salas) Secretaria, coordenação pedagógica, coordenação de eventos, assessoria de comunicação social e sala de professores.

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- biblioteca

aos fechamentos envidraçados, também servindo como expositores dos trabalhos ali realizados.

CRDE- centro de referência e documentação sobre envelhecimento. - sala de informática - área cultural Nela serão realizados os cursos de coral, oficina de teatro, exibição de filmes, palestras, entre outros. Dispõe de três cineclubes de 47 lugares cada, um teatro para 120 pessoas e dois auditórios cada um com 74 lugares e possibilidade de virar um único auditório ao elevar o painel móvel tratado acusticamente. Essa área pode ser utilizada para outros eventos mesmo quando a Universidade estiver fechada, pois estão localizados em uma das extremidades do bloco, próximo do acesso ao edifício e, se houver necessidade, pode-se restringir o acesso ao resto do galpão com um fechamento entre a biblioteca e os ateliês.

Com total de duas salas para cursos de internet básica e informática I e II. - salas de aula Há um total de seis salas de aula para ministrar cursos de línguas (espanhol, inglês, italiano, francês), cursos relacionados à saúde do idoso (memória e envelhecimento saudável, atualidades em gerontologia, namorar com saúde, nutrição da terceira idade, oficina de estética), conhecimentos gerais ( alfabetização, capacitação em voluntariado e envelhecimento ativo, literatura, dicas de viagem, oficina de fotografia, capacitação profissional) e cursos para cuidadores de idosos para interessados.

- ateliê Espaço para realização de artesanato, arte em retalho, decoupage, texturas em madeira e cerâmica, mosaico, cerâmica, arte reciclada e pintura. É formado por uma única sala envidraçada, com três grandes mesas centrais, bancadas e armários nas laterais, área molhada e depósitos nas extremidades. O grande ateliê serve como organizador e divisor do espaço, no entanto, permite a visibilidade de um lado a outro e do interior devido

- área de convivência Espaço aberto, de descanso e interação social. Possui duas canchas de bocha, mesas para jogar xadrez, bancos e sofás. - salas para atividades físicas Quatro salas disponíveis para realização de dança, dança de salão, alongamento, yoga, relaxamento, musculação, Tai-chi-chuan, postura e flexibilidade e psicomotricidade.

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- banheiros Possui banheiro masculino e feminino para funcionários e para alunos. O banheiro público está situado no eixo central do edifício, perto da área cultural. Os banheiros podem ser acessados por duas portas, uma voltada para a universidade e outra para o jardim interno. Quando a universidade fechar, tranca-se uma das portas e seu acesso continua do outro lado, para caso de eventos. - copa e depósitos - ambulatório e atendimentos à saúde Uma sala de atendimento ambulatorial e uma recepção que dá acesso à sala de fisioterapia, assistência social, nutrição, fonoaudiologia e psicologia, também realizado pelas faculdades.

Imagem 105_palco na área externa para apresentações e escadaria e platô das caixas dágua como arquibancada

. Eventos e jardim interno| 5.725 m² | Espaço destinado a eventos a ser realizado tanto pela Universidade da Terceira Idade, pelos comerciantes locais, pela prefeitura, como apresentações musicais, feiras de artesanato, campanhas de vacinação, campanhas de saúde e conscientização popular, ou mesmo para outros eventos públicos. É equipado com um palco de aproximadamente 7mx20m, tanto na área interna quanto externa. A área externa, para complementar o palco, será dotada de uma escada (imagem 105) que servirá não só de acesso ao bloco, mas também como arquibancada para possíveis apresentações públicas ou mesmo como área

Imagem 106_vista da sorveteria

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de descanso. Ao lado da escadaria há duas caixas d´água antigas (imagem 106) que serão preservadas e permitirão acesso da população através de um platô que também pode ser usado em caso de apresentações. Nesse mesmo local será instalado um jardim interno inspirado na atual vegetação encontrada nessa parte da fábrica (imagem 107). Parte da cobertura (área de projeção do jardim) terá suas telhas retiradas para que entre sol, chuva e ventilação. Nessa área serão feitos grandes jardins com grama, arbustos, bancos e passarelas de madeira e trepadeiras, inspiradas no projeto MFO Park (imagem 108) e na situação atual dessa parte da fábrica.

10.3.4_FÁBRICA NOSSA SENHORA DA PONTE

Imagem 107_foto interna da Fábrica Santo Antonio

. Casa do Cidadão | 740 m² | (infográfico 29) A “Casa do Cidadão” é um programa organizado pela prefeitura municipal de Sorocaba. Ele descentraliza os serviços públicos, fornecendo diversos serviços que antes só podiam ser consultados em locais específicos, como certidões, processos, recarga de cartão vale-transporte e emissão de segunda via de conta de água. Contará com 12 guichês da prefeitura, 8 da URBES e 4 do SAAE e 4 do PROCON, administração, copa e sala de descanso de funcionários. Imagem 108_vegetação do MFO Park

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Ao lado da “Casa do Cidadão” há um trecho do piso que é afundado. Esse trecho corresponde ao local por onde passava o ramal da linha ferroviária que abastecia a Fábrica Nossa Senhora da Ponte. Para evitar possíveis acidentes, devido à profundidade do buraco, mas sem apagar esse elemento simbólico, pretende-se preencher o buraco com vegetação e dele sair com uma marcação de piso que faria o mesmo percurso do antigo ramal ferroviário. . Comércio e serviços rápidos | 410 m² |

Infográfico 29_ Bloco A1: Casa do Cidadão

Área para comércio e serviços rápidos (infográfico 30) como exemplo papelaria, xerox, lotérica e conserto de bicicletas (paraciclos). Será localizado em frente a esse bloco um bicicletário, pois a Avenida Afonso Vergueiro é uma das rotas da ciclovia implantada pela prefeitura e pelo fato de que, atualmente, há um bicicletário junto ao terminal. Esse bloco está intimamente ligado ao terminal de ônibus. Infográfico 30_Bloco A2: papelaria e Xerox, lotérica e bicicletário

. Banheiros públicos | 348 m² | Há dois pontos de banheiros públicos, ambos localizados no bloco A6. Um voltado ao terminal, no subsolo, e outro que atende principalmente a galeria comercial. Podem ser cobradas taxas simbólicas para sua utilização ou serem totalmente públicos. . Agencia bancária | 559 m² | Área reservada para a instalação da agencia bancária (infográfico 31) retira para a realização do parque. Possui 20 caixas eletrônicos, 5

Infigráfico 31_Bloco A3: agencia bancária

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caixas, balcão de informações, 3 atendentes, banheiros para funcionários, copa e cofre. . Administração do terminal | 234 m² | (infográfico 32) Composto pela parte administrativa, área de descanso de funcionários, copa e sanitários.

Infografico 32_Bloco A4: adminitração do terminal

. Administração geral | 308 m² | (infográfico 33) Composto pela parte administrativa, área de descanso de funcionários (aberta e coberta), copa e sanitários para funcionários. . Biblioteca circulante| 465 m² | (infográfico 34) Biblioteca pública circulante, com pequeno acervo de livros, revistas e jornais. Voltado ao público que está de passagem, apenas para emprestar um livro ou para períodos curtos de permanência. Terá um balcão de atendimento, depósito, estantes com livros e revistas, mesas para leituras e computadores para consultas.

Infográfico 33_ Bloco A5: Administração geral

. Cozinha experimental | 1.656 m² | (infográfico 35) Cozinha voltada á experimentação de receitas e aproveitamento de alimentos. Possui duas cozinhas, uma para realização de experimentos, cursos de educação alimentar e capacitação de cozinheiros e outra para atender o restaurante. O restaurante, aberto à população, oferecerá cardápios de alto valor nutritivo e de baixo custo. É equipado com depósitos e câmara de refrigeração. Possui fácil acesso à rua para carga e descarga de alimentos e lixo. Esse bloco é um dos mais alterados interna e

Infográfico 34_Bloco A2. Biblioteca circulante

Infográfico 35_Bloco A6, A7 e A8: restaurante e cozinha experimental

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externamente, portanto as alterações podem ser mais radicais. Parte do piso foi demolido criando um pé-direito duplo e uma ligação direta com a galeria. Além desse acesso direto da galeria possui outro em direção ao terminal e um direto do parque. .Casa de máquinas e manutenção | 185 m² | Localizado no porão da cozinha esse local deverá abrigar equipamentos necessários para o funcionamento e manutenção do edifício. .Galeria comercial | 6.507 m² | (infográfico 36) Infográfico 36_Bloco A6: galeria comercial

Espaço destinado à parte do comércio e serviços retirados para a realização do parque. Possui quatro lojas de grande porte como de móveis, eletrodomésticos e lojas de roupas, um camelódromo, um café, uma lanchonete e banheiros públicos. A galeria possui quatro diferentes acessos. Um direto do parque que chega a uma grande área de pé-direito duplo com um jardim interno. Outro direto do terminal de ônibus através de uma escadaria e outros dois acessos menores, um deles resgatado como uma das ruas internas da fábrica.

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10.4_INTERVENÇAO NO BLOCO A6

Esse bloco foi escolhido para a realização de uma proposta de projeto mais detalhada devido à complexidade e tamanho de todo o conjunto. As características desse bloco foram fundamentais para sua escolha. Possui um dos primeiros, senão o primeiro bloco a ser construído para a fábrica e foi o que mais sofreu modificações internas e externas, o que proporcionou diferentes ambientes, diferentes marcas históricas, o que torna maior o desafio e maior a possibilidade de intervenção.

Os estudos foram realizados principalmente em cima de fotomontagens das fachadas internas e externas junto com a cronologia construtiva e a planta atual. Durante essas análises foram identificados alguns elementos fundamentais para o traçado do atual eixo de circulação interna, como antigas fachadas de tijolos à vista que atualmente encontra-se como fachada interior e revestidas com tinta (infográfico 37 e 38), como antigas portas e janelas que poderiam ser recuperadas se houvesse necessidade para o funcionamento da galeria ou mesmo deixá-las como estão para evidenciar as marcas do tempo.

A intenção inicial era de que os blocos fossem permeáveis, isto é, que a população pudesse ter acesso livre ao edifício e que tivesse ligações e passagens entre os blocos e o parque para que não se estabeleça um único fluxo e sim várias possibilidades. Após intensa análise do conjunto e exaustivo estudo de usos adequados para todos os galpões, optou-se por colocar as grandes lojas de móveis e eletrodomésticos (que foram retirados da quadra para implantação do parque) por não necessitarem de divisões espaciais e forros internos e assim interferir o mínimo no espaço para que haja melhor percepção da complexa estrutura e das diferentes fases construtivas.

Infográfico 37_eixos de circulação propostos

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Infográfico 38_eixos de circulação definidos em função de antigas fachadas de tijolos à vista e que agora estão revestidos

1_foto interna da antiga fachada de tijolos a vista. Atualmente encontra-se argamassada e será mantida assim para não danificar os tijolos. Algumas telhas rente à fachada serão de vidro para que se os tijolos que ainda permanecem na parte superior, depois do telhado

e4

2_antiga fachada em tijolos à vista que será jateada para remoção da camada de tinta e serão liberadas as antigas aberturas em arco para servirem de portas de entrada da loja

3 e 4_fachadas da rua interna que será recuperada.

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Com essa análise também foi possível identificar elementos e áreas descaracterizadas e com perda de valor his histórico, um indício fundamental para maior liberdade de intervenção, como demolições, maiores aberturas ou fechamentos (imagens 109, 1110 e 111). Também foram estudados os novos materiais e elementos a serem empregados para que haja ao mesmo tempo harmonia com o antigo e contemporaneidade na intervenção. Optou Optou-se pelo emprego de materiais brutos e em seu estado natural como aço, vidro, pedra, concreto, cerâmica e madeira.. A maior parte dos elementos construtivos adicionados serão metálicos ou de vidro. O piso interno terno terá um piso auto nivelante muito utilizado em indústrias atuais. O motivo de sua escolha foi para manter o caráter industrial do espaço, ser de fácil manutenção e limpeza e não riscar, já que o principal uso desse galpão será lojas de móveis e eletrodomésticos.

Imagem 109_perspectiva 9_perspectiva da rua interna que será resgatada pelo projeto. projeto Será retirada a cobertura, jateada as fachadas e liberadas as aberturas. Renderização: Re Maria Julia Mazetto

Na área externa circundante aos edifícios, nas ruas internas e em todo o parque serão usados basicamente dois tipos de piso, o cubo de granito e a granitina lavada.. O cubo de granito foi pensado para fazer referência aos paralelepípedos existentes nas ruas internas da fábrica e serão usados em áreas de menor fluxo.. A granitina lavada é um piso feito para áreas externas. Possui superfície texturizada devido à pequena saliência de pedrinhas. Na área livre e de eventos, localizado no galpão do restaurante, propõe-se se a extensão do piso de granitina do parque para que se tenha maior ligação e continuidade de quem vem da área externa externa, criando também diferente ambiência,, já que um piso externo encontra encontra-se em uma área interna. A granitina também será utilizada tilizada para compor Imagem 110_foto atual da rua interna. Foto Maíra Sfeir, 2009

Imagem 111_foto atual da porta da rua interna. Foto: Maíra Sfeir

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faixas de circulação sobre o piso de paralelepípedo existente para adequar a área ao acesso de deficientes. A vegetação, embora seja, em alguns casos, nociva à estrutura do prédio, será um elemento bastante utilizado, com intenção de remeter a prédios e locais abandonados, que logo são habitados por vegetações rasteiras, trepadeiras, cipós. Situação inspirada na atual condição da Fábrica Santo Antônio. Essa vegetação será devidamente controlada e escolhida para que não prejudique a estrutura do prédio (imagem 112). Um grande problema, mas de relativa facilidade de resolução, são as questões relativas ao conforto térmico do ambiente. Para que haja uma perfeita apropriação de um espaço com grande fluxo e concentração de pessoas o ambiente deve estar térmicamente agradável ou isso pode prejudicar o uso do espaço. Foram identificadas que todas as coberturas que possuem sheds estão voltados para a face leste (imagem 113), e não para a face sul, como recomendado, além das janelas, agora analisadas especificamente para esse bloco, que recebem incidência solar leste e oeste. Outro fator é o atual revestimento da cobertura, basicamente em telhas onduladas de fibrocimento que transmitem muito calor. A proposta consiste na troca de todas as telhas por telhas termoacústica, chamadas também de telhas sanduíche, que possui a combinação de telha superior + isolante + telha inferior, cujo isolante pode ser de poliuretano ou poliestireno expandido. Para filtrar a incidência direta do sol através dos sheds, sem que se perca a iluminação ou interfira na percepção da estrutura, serão

Imagem 112_Mezanino do restaurante e vegetação trepadeira na área de eventos

Imagem 113_ Sheds para a face leste. Corredor entre as lojas

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colocados vidros translúcidos do lado de fora, em frente às telhas transparentes da cobertura e distantes 30 cm da mesma para que se forme um colchão de ar quente e este se dissipe antes de chegar ao interior dos galpões. Nas janelas serão colocadas telas solares transparentes, que funcionam como cortinas.

caixas. São módulos de 2,40m x 2,9m e um locatário pode alugar até quatro módulos.

Com a recuperação das antigas aberturas (imagem 114) e estabelecimento das novas, haverá maior circulação de ar, a chamada ventilação cruzada. Para reforçar, também serão colocados exaustores eólicos, que são estruturas acopladas no ponto mais alto do telhado para que haja uma ventilação forçada sem gastar energia, pois são acionados pelo vento ou por convecção. Todos os elementos foram pensados para que gaste menos energia possível e para que não haja a necessidade de outros meios de refrigeração, como o ar condicionado, que são nocivos á estrutura do prédio.

Imagem 114_Corredor entre as lojas e recuperação de antigas aberturas.

Na galeria há também um camelódromo (imagem 115) que foi instalado como se fossem caixas independentes, até a altura da viga. Serão feitos de steel frame, uma técnica de construção limpa, rápida e não interfere na estrutura do galpão. Terão acabamento com perfil de aço aparente e paredes de placas cimentícias argamassadas e pintadas de branco para que facilite a reforma ou manutenção interna das caixas caso haja troca de locatários e conseqüente retirada e colocação de prateleiras. O fechamento é com forro colméia rebaixado para dar melhor proporção interna devido ao alto pé-direito e pequenas dimensões das Imagem 115_Camelódromo

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Prefeitura de Sorocaba Splice empreendimentos URBES

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