Trabalho de Conclusão de Curso - 2005

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS DA TERRA E DO MAR - CTTMar CURSO DE OCEANOGRAFIA

Análise dos conflitos socioambientais na pesca artesanal na Ilha de São Francisco do Sul, litoral catarinense: Uma abordagem etnoecológica

Maíra Borgonia

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Oceanografia para obtenção do grau Oceanógrafo. Orientador: Dr. Maurício Hostim-Silva

ITAJAÍ INVERNO DE 2005


i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS DA TERRA E DO MAR - CTTMar CURSO DE OCEANOGRAFIA

Análise dos conflitos socioambientais na pesca artesanal, na Ilha de São Francisco do Sul, litoral catarinense: Uma abordagem etnoecológica

Maíra Borgonia

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Oceanografia para obtenção do grau Oceanógrafo. Orientador: Dr. Maurício Hostim-Silva

ITAJAÍ INVERNO DE 2005


ii DEDICATÓRIA

Àqueles que junto comigo atravessaram o mar de sargassos...


iii AGRADECIMENTOS

A todos os nomes que amo. Agradeço pelo bem e pelo mal no qual tanto aprendi. Aos que navegam por outros mares minhas preces E aos que cruzam ainda comigo estes cÊus, Obrigada por cada dia...


iv SUMÁRIO página

PREFÁCIO RESUMO

3

1. INTRODUÇÃO

4

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivos Gerais

5

2.2. Objetivos Específicos

5

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. Revisão sobre a pesca artesanal: Uma história de lutas

6

3.2. Contextualização das bases conflitivas: Da integração homem- 10 natureza aos conflitos socioambientais 3.3. Os conflitos

12

3.4. A abordagem etnoecológica

14

3.4.1. O “complexo k-c-p”

16

3.4.2. Conhecimento Ecológico Tradicional (TEK) e Manejo 17 Adaptativo 3.4.3. Etnoecologia Abrangente 3.5. Cultura, tradição e localidade

18 19

4. METODOLOGIA

4.1. Área de estudo

21

4.2. Coleta de dados

24

4.2.1. Critérios e escolha de informantes

24

4.2.2. Fontes de Informação

26

4.3. Análise dos dados

28

4.3.1. A análise qualitativa

28

4.3.2. Diagnóstico

29

5. RESULTADOS

5.1. Caracterização das localidades 5.1.1. Enseada 5.1.1.2. Caracterização da comunidade

31 32 32


v 5.1.2. Laranjeiras (Porto das Caieiras e Ilhas)

33

5.1.2.1 Caracterização da comunidade

34

5.1. 3. Informantes

35

5.1. 3.1. Enseada - Descrição dos informantes

36

5.1.3.2. Laranjeiras - Descrição dos informantes

37

5.2. Caracterização dos conflitos

39

5.2.1. Contextualização das situações-problema sobre a 40 pesca artesanal na Localidade de Enseada 5.2.1.1. Situação-problema: A Casa do Pescador

40

5.2.1.2. Situação-problema: Instituição do defeso do 44 camarão 5.2.1.3. Situação-problema: A pesca da tainha

47

5.2.1.4. Situação-problema: Atuação da frota pesqueira 51 industrial 5.2.2. Contextualização das situações-problema sobre a 54 pesca na Baía da Babitonga 5.2.2.1. Situação-problema: A pesca amadora

54

5.2.2.2. Situação-problema: Instituição do defeso do 60 camarão 5.2.2.3. Situação-problema: O fechamento do Canal do 63 Linguado 5.2.2.4. Situação-problema: Proposta de instalação de 66 um porto na localidade de Laranjeiras 6. DISCUSSÃO

6.1. Conflitos na Ilha: Das motivações as responsabilidades pela 72 crise da pesca artesanal 6.2. Os sujeitos 6.2.1. Enseada 6.2.2. Baía da Babitonga 6.3. Objetos

73 75 76 77

6.3.1. Situação 1. Objetos dos conflitos na pesca artesanal da 77


vi Enseada 6.3.2. Situação 2. Objetos dos conflitos na pesca artesanal da 80 Baía da Babitonga 6.4. As resultantes no confronto de interesses

85

6.5. Território do desconhecido

87

6.6. Outros atores: Maricultura, atravessadores e turistas

89

6.7. A disputa de recursos pesqueiros como pivô dos conflitos

93

6.7.1. Recursos Pesqueiros Enseada

95

6.7.2. Recursos Pesqueiros Babitonga

98

6.8. Gestão dos Recursos

103

6.9. Análise do método

106

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

7.1. A busca por soluções 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

111 112

9. GLOSSÁRIO

9.1 Glossário dos petrechos de pesca ANEXOS EM CD

122


vii LISTA DE FIGURAS

página

FIG. 01. MAPA DA ÁREA DE ESTUDO

21

FIG. 02. MAPA DAS LOCALIDADES

23

FIG. 03. PESCA DA TAINHA NA PRAIA DA ENSEADA

39

FIG. 04. PESCADORES EM ATIVIDADE NA BAÍA DA BABITONGA

39

LISTA DE TABELAS

TABELA 01. TABELA DOS CRITÉRIOS DE LEGITIMIDADE UTILIZADOS

25

TABELA 02. TABELA DE DIAGNÓSTICO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

30

TABELA 03. NÚMERO DE ENTREVISTAS E SAÍDAS DE CAMPO REALIZADAS

35

TABELA 04. ABORDAGENS – ENSEADA

36

TABELA 05. ABORDAGENS – LARANJEIRAS E ILHAS

37

TABELA 06. DIAGRAMA

84

DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS ENTRE OS

ATORES EM CONFLITO

TABELA 07. ETNOESPÉCIES-ALVO E SITUAÇÃO ATUAL DO RECURSO

97

TABELA 08. ETNOESPÉCIES-ALVO E SITUAÇÃO DA CAPTURA

100


PREFÁCIO Talvez a maior verdade que eu tenha ouvido seja parafraseada pela afirmativa de que a relação homem-mar é provida de prazer, de satisfação e paciência historicamente foi construída assim -, quando aqueles que davam as costas ao marsem-fim (por desprezá-lo ou temê-lo) passaram a desbravá-lo e possuí-lo. Quais descobertas circundariam essa imensidão embutida de consentimento nas masmorras condições de vida e que encanto exerce esta imensidão líquida? Pois o pescador prefere mais ao barulho das águas que das vozes desencontradas de interesses distintos. Ele ama mesmo o mar e estabelece uma parceria com este elemento e sua subjetividade, entendendo assim o que não consegue ver: o “peixe”. Seu objetivo final é vestido de fantasias, de histórias, de sentido e do que as palavras não podem revelar. Ele, em essência, conhece as estações, pois sente os ventos; prevê o tempo pelas marés, pelos humores lunares, e sabe, acima de tudo, quando é ou não aceito pela água... e a respeita... Se o dito constitui fundamental fato, onde estaria o ponto em que este homempescador se separa do mar? Que deixa de respeitá-lo, acreditá-lo, de fazer parte dele? Como se dissocia e vira agressor? E vira? Por que já não mais operam em conjunto? Sua humanidade se volta para confrontá-lo com o universo fluido que tanto aprecia. O mar é uma propriedade! Mas, como poderá ser dividido, se indivisíveis, inconstantes e mutáveis são as águas? É desta conjuntura de questionamentos e de busca por respostas que me insiro, não por criação, mas por pertencimento, sempre fui do mar... Aqui estou, aqui me encontro. Do mar são meus pensamentos e meu coração sai à boca ao vê-lo. Certa vez me disseram que científico é não associar ao trabalho nossos desejos e gostos... Mais tarde, amadureci a idéia e entendi que sem a emoção não há o comprometimento e vi a diferença (não tão sutil) entre defesas apaixonadas de causas que são destituídas de razão e a paixão pela pesquisa, pela criação e pelo trabalho. Ainda sob este pensamento, vislumbrei minha rota e passei a navegar pelas intempéries das interfaces do conhecimento: um novo horizonte foi posto a minha frente quando a etnoecologia (parece que tive sempre forte vínculo e apreço pelas palavras difíceis: Massaranduba, oceanografia, etnoecologia...) passou a povoar a minha mente com as possibilidades de conhecer e compreender os modos e utilização de “recursos” pelo ser humano e como a cultura aponta as diferenças entre os usos. Perdoem-me se romantizo demasiado este texto, mas como é o único momento nesta brochura, que tomo algo por “meu” (meu pensamento, meu saber, minha ciência, meu conhecimento, meu papel, minha letra) dou-me ao sabor de escrever em primeira pessoa e falar do que sinto, como ser humano não destituído de sentimentos, nem de percepções próprias as quais nem sempre condizem com as da ciência, a qual, venho sendo treinada (que venha a inquisição!). E, que ainda olha com descrédito e desdém ao processo (qualitatividade). Onde o mais, ainda é a melhor escolha, onde amostramos tudo e todos. Leia-se este parágrafo como um desabafo de quem cansou de responder – porque se deu ao trabalho de fazê-lo – o


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que esta monografia, atividade de pesquisa, trabalho, “tem haver com oceanografia...” (e aos que ainda pensem em formular tal pergunta!). Espero esclarecer “eventuais” incertezas aqui para não ter de aborrecer ao leitor e a mim com sacais explicações durante o desenvolvimento do tema abordado. Devo esta coragem à acepções tão boas que tive das ciências humanas e dos bravos que encontrei pelo caminho. Tomo emprestada por hora, uma analogia utilizada por José Geraldo Marques quando do início de um curso de etnoecologia no NUPAUB – USP ainda neste semestre onde faço uma pequena adaptação na tentativa de retratar meu processo de evolução durante esta graduação: “Como nos rituais de iniciação de determinado grupo indígena, eu entrei nesta floresta com a vela de meu conhecimento apagada e uma cabeça cheia de inquietações. Contando comigo mesma, minha pequena chama interior (a que cada ser possui, obviamente) e com esta vontade, coragem e segurança (efêmeras e inconstantes). Cheguei ao crepúsculo e passei a noite em vigília com a incumbência de, por minhas mãos, buscar uma forma de acendê-la. Como materializar esta lux interior? Eu me senti sozinha; eu me senti infeliz; eu quis desistir; eu quis fazer biologia (pasmem!); eu quis voltar para a casa dos meus pais (de onde pensei que nunca deveria ter saído). Eu não quis acordar; não quis ver o sol e o oceano pesou sobre minhas costas. Senti o calor... (do inferno, claro!); senti a áspera atração da competição (igualmente desigual e justamente injusta). Tive que plantar minhas raízes tão profundas a ponto de ninguém alcançar derrubá-las com suas próprias tempestades. Chegou o frio, bateu a solidão. Haveria esperança para mim? Só eu e meus pensamentos.” Para quem já dobrou o Cabo da Boa Esperança, digo que cheguei até aqui. E inevitavelmente: “je ne regrette rien”. Boa leitura!


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RESUMO Este trabalho apresenta uma análise dos conflitos socioambientais nas atividades de pesca artesanal das localidades de Enseada e Laranjeiras, na Ilha de São Francisco do Sul, litoral Norte do Estado de Santa Catarina. A abordagem dos conflitos foi realizada fazendo uso da etnoecologia, considerada como um campo interdisciplinar de conhecimento, que preconiza o cruzamento das ciências sociais e ambientais, visando

o

entendimento

das

relações

que

determinados

grupos

culturais

estabelecem sobre o ambiente em que vivem. A metodologia utilizada na identificação dos conflitos contou com a aplicação de entrevistas semi-estruturadas, mapas mentais e história de vida. O diagnóstico dos conflitos foi conduzido pela identificação e avaliação de situações-problema. Os objetos dos conflitos foram apontados como sendo os recursos pesqueiros e o espaço onde desenvolvem suas atividades, podendo ser estabelecidos entre o mesmo grupo ou entre grupos sociais distintos. A mudança no regime de apropriação dos recursos pesqueiros reflete no enfraquecimento da atividade predominantemente artesanal e no aumento da perda do conhecimento tradicional das comunidades pesqueiras. Palavras-chave: Conflitos socioambientais, pesca artesanal, etnoecologia.


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1. INTRODUÇÃO Este

estudo

trata

da

construção

de

um

conceito

dos

conflitos

socioambientais, integrando a pesquisa científica com o conhecimento dito “local” ou “tradicional” que as populações pesqueiras artesanais têm sobre o seu ambiente natural e sobre o desenvolvimento de suas atividades. A pesquisa vem de encontro à tentativa de promover uma abertura ao campo de saber da etnoecologia, como caráter interdisciplinar, procurando avaliar não somente suas potencialidades de percepção frente às crises socioambientais, mas também na possibilidade de promover uma reavaliação sobre a realidade dos conflitos. Na fundamentação teórica apresenta-se uma revisão sobre o histórico das problemáticas que tem ocorrido na atividade pesqueira artesanal. Em seguida, a (des)integração homem-natureza é utilizada como pano de fundo para a contextualização das bases conflitivas socioambientais, até alcançar afinal os conflitos propriamente ditos. A partir daí, traça-se a justificativa metodológica da abordagem subsidiada pela etnoecologia. Em particular, são apresentados o histórico do surgimento, evolução dos conceitos e os pensamentos dos atuais teóricos, bem como, uma breve reflexão sobre as questões de cultura, tradição e localidade. O diagnóstico constitui a etapa de trabalho seguinte, onde por meio da pesquisa qualitativa adotada é traçado um panorama dos conflitos pelo mapeamento das situações-problema e de seus objetos. Na análise propriamente dita, edifica-se a visão dos conflitos, através da decomposição

das

concepções

estabelecidas

pela

literatura,

permitindo

a

identificação das disposições entre atores sociais, grupos de atores, tempo e espaço. Conhecendo os objetos dos conflitos e as motivações das situações estabelecidas, procura-se desvelar a problemática e promover o entendimento de um sistema complexo, como é o caso da pesca artesanal.


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2. OBJETIVOS 2.1. OBJETIVO GERAL Reconhecer e analisar conflitos socioambientais relacionados à atividade de pesca artesanal desenvolvida na Ilha de São Francisco do Sul – especificamente nas localidades de Laranjeiras e Enseada – litoral norte de Santa Catarina, através de uma abordagem etnoecológica. 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ≈ Levantar e descrever as causas, situações-problema e conseqüências dos conflitos socioambientais de acordo com as percepções dos pescadores artesanais; ≈ Identificar atores sociais envolvidos e definir sua participação no cenário dos

conflitos;

≈ Identificar os objetos dos conflitos e estabelecer relações entre disputas de

recursos pesqueiros;

≈ Situá-los segundo tempo – ocorrência histórica ou recente – e localizá-los no espaço (focos e locais de ocorrência); ≈ Identificar os conflitos predominantes através da avaliação feita pelos pescadores artesanais; ≈ Investigar a existência de mediação e negociação dos conflitos identificados pelos atores; ≈ Avaliar a utilização da etnoecologia como abordagem metodológica na análise dos conflitos socioambientais.


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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. REVISÃO SOBRE A PESCA ARTESANAL: UMA HISTÓRIA DE LUTAS A organização dos pescadores artesanais-profissionais no Brasil começou com a criação das colônias de pesca no início do século XX1. Porém, poucas eram as colônias dirigidas por pescadores, sendo muitos presidentes destas provenientes de outras categorias como vereadores, atravessadores e profissionais liberais, que atrelaram os interesses dos pescadores ao clientelismo local (Leroy e César, 1988). A implantação de uma política de incentivos fiscais através do Decreto-Lei 221/67 impulsionou a industrialização da pesca a partir de 1967 (MMA, 1997). Esta trouxe modificações importantes na organização da pesca brasileira, como a divisão da atividade em dois tipos de organização social e econômica: a pesca artesanal e a pesca industrial ou capitalista (Diegues, 1983). A partir de então, a pesca artesanal praticada por pescadores autônomos, ficou a margem do processo de expansão da atividade pesqueira no Brasil, pois os incentivos fiscais e os subsídios governamentais eram destinados somente à pessoas jurídicas. Além disto, a pesca artesanal foi atingida diretamente pelo esgotamento dos estoques pesqueiros causado pelo crescimento da frota industrial. Em razão desta situação desfavorável, muitos pescadores autônomos tornaram-se tripulantes das grandes embarcações pesqueiras ou simplesmente abandonaram a atividade (Diegues, op. cit.). A entrada no setor pesqueiro de grande número de pescadores vindos de outros setores sociais e de outras áreas de pesca desestruturou a atividade tradicional, rompendo o equilíbrio entre a explotação e a capacidade de reposição dos estoques dos ecossistemas. Do mesmo modo, certas exigências do mercado,

1

O processo deu origem na Missão comandada pelo Cruzador José Bonifácio, a cargo do Comandante Frederico Villar, da Marinha de Guerra. Apesar de seu caráter militar e de sua proposta assistencialista, autoritária e corporativista, possibilitou a organização dos pescadores em colônias, federações estaduais e confederação nacional (Leroy e César 1988).


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centradas em certas espécies de alto valor tiveram idêntico resultado (Leroy e César, 1988). A definição da “pesca artesanal” como atividade econômica desde muito provocou questionamentos. O critério adotado pela extinta SUDEPE2, onde esta seria aplicada a embarcações com menos de 20 toneladas de arqueação bruta (TAB), claramente insatisfatória, permitiu a inclusão de embarcações da pesca empresarial/industrial nesta categorização. Como resultado, as estatísticas de produção foram superestimadas deixando de refletir a realidade (Leroy e César, op. cit.). Encontra-se na literatura uma série de conceitos que definem uma atividade de pesca como sendo artesanal. Estes conceitos parecem estar relacionados com diferentes abordagens, variando em função do objeto de estudo. A classificação da pesca artesanal estaria baseada nos petrechos de pesca utilizados, métodos e sistemas de produção e distribuição da produção e sua escala, atores sociais envolvidos, ambiente, localização geográfica entre outros (Lago, 1961; Wahrlich 1999, Medeiros, 2002). Atualmente, vigora a instrução normativa (IE) Nº 3, de 12 de maio de 20043, a qual dispõe sobre operacionalização do Registro Geral da Pesca (RGP), no âmbito da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência República - SEAP/PR. De acordo com a IE, o pescador profissional artesanal é classificado como sendo: (...) aquele que, com meios de produção próprios, exerce sua atividade de forma autônoma, individualmente ou em regime de economia familiar ou, ainda, com auxilio eventual de outros parceiros, sem vínculo empregatício. 4

No entanto, como apontado por Altmayer (1999), a definição de pesca artesanal exige sempre uma estreita relação com a realidade com a qual se refere, 2

Superintendência de Desenvolvimento da Pesca. Implantada pela Secretaria Especial de Aqüicultura e pesca (SEAP/PR) no ano de 2003 como substituta do antigo Departamento de Pesca e Aqüicultura (DPA), vinculado ao Ministério da Agricultura. 4 IN disponível na página http//:www.seap.gov.br 3


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devido as diferentes formas de produzi-la, ou seja, os diferentes fatores envolvidos, como ambiente, técnicas, materiais e recursos, nas diferentes áreas, regiões e/ou países. Desta forma, consideramos para este trabalho a seguinte definição, condizente com as observações em campo:

(...) aquela que os pescadores autônomos sozinhos ou em parcerias participam diretamente da captura, usando instrumentos relativamente simples, a remuneração é feita pelo sistema tradicional de divisão da produção em ”partes”, sendo o produto destinado preponderantemente ao mercado (...) retiram a maior parte de sua renda da pesca, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares (Leroy e César, 1988)

No que diz respeito ao sistema de remuneração, uma característica importante entre a maior parte dos que praticam a pesca artesanal é sua dependência dos comerciantes ou “atravessadores”, para os quais muitas vezes entregam boa parte da produção (Leroy e César, op. cit.). A atividade pesqueira de caráter artesanal sofre problemas cumulativos, desde o assentamento dos primeiros imigrantes portugueses até os dias de hoje. A carência de informações acerca das comunidades pesqueiras e o “esquecimento” dos órgãos competentes geraram uma grande desmotivação nas populações pesqueiras (Medeiros, 2002). De acordo com Lago (1961), o desenvolvimento da atividade pesqueira artesanal em Santa Catarina seria de origem histórica, apontada como fator de grande importância na fixação do homem no litoral. Esta sofreu alterações ao longo dos tempos quanto à intensidade e quanto à finalidade, insurgindo como complexo de relações entre o homem e o meio geográfico. Desde a década de 1960, a atividade encontra-se em declínio devido à existência de problemas diversos, como políticas públicas pouco eficientes, dificuldade

na

adequação

à

legislação

ambiental

e

pesqueira

e

baixo


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desenvolvimento econômico, acompanhado da crise nos recursos naturais (Lago, 1961; Diegues, 1983; Kremer, 1990; Medeiros et al., 1997, Altmayer, 1999; IBAMA, 2001; Costa-Neto e Marques, 2001; Medeiros, 2002). Fomentando este argumento, Diegues e Sales (1988) apontam para a natureza das relações entre o homem e o ecossistema como fornecedora de subsídios importantes para a conservação e manejo, entendimento da organização social e econômica das populações que habitam as áreas costeiras, sendo ainda raros os estudos que analisam estas relações. Desta forma, se nos atermos às numerosas pequenas zonas onde a atividade se manifesta e que apresentam problemas particularizados, veremos que os problemas ligados ao desenvolvimento da economia pesqueira não podem ser restritos à esfera administrativa, situando-a como fator dominante. As condições do meio geográfico litorâneo natural, freqüentemente associadas a outras de natureza social e econômica, impedem soluções de generalizada aplicação (Lago, 1961). Certamente, há necessidade de esclarecer a origem destes problemas, especialmente quando se trata de uma atividade possuidora de importantes especificidades e um nível de entendimento complexo, como é o caso da pesca artesanal. Um fator já observado é o de que não apenas a produção pesqueira seria levada em consideração na utilização dos recursos naturais, mas também a forte implicação vinculada às relações humano-ambientais. A princípio, para o âmbito desta pesquisa, os conflitos seriam fatores que representam ameaças à manutenção das atividades pesqueiras artesanais e das comunidades por ela envolvidas, do ponto de vista organizacional e do bem comum dos indivíduos que as constituem. A partir deste estudo, obtido através da percepção dos pescadores artesanais, buscaremos construir um conceito dos conflitos socioambientais que integre o conhecimento dos pescadores artesanais sobre o seu ambiente e o desenvolvimento de suas atividades.


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3.2. CONTEXTUALIZAÇÃO

DAS BASES CONFLITIVAS:

DA

10

INTEGRAÇÃO HOMEM-NATUREZA

AOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

A trajetória da questão socioambiental define suas relações históricas frente à interferência do fenômeno humano sobre o fenômeno vida5 como gerador da crise ambiental. Em 1967, Pierre Dansereau (Dansereau, 1970) descreveu estas relações em momentos históricos distintos, denominados de antropoeras6, as quais demarcariam os preceitos do avanço da interferência humana no ambiente. A perda de diversidade ambiental-cultural surgiu com o advento do pensamento reducionista7, precursor da dissociação do conhecimento generalista, através da predominância do conhecimento especializado e, portanto, fragmentado. A tentativa de controle do tempo significou o ponto de partida na separação entre homem-natureza, resultando, como cita Carvalho (2004) “no sacrifício da diversidade em nome da universalidade do conhecimento”. Desta forma, o saber disciplinar reduziu a complexidade do real, onde conhecimento passou a ser sinônimo de domínio sobre o objeto conhecido (Carvalho, op. cit.). A percepção da questão ambiental refletindo em mudanças de pensamentos e atitudes é historicamente recente. Surgiu no final da década de 1960 com os Movimentos Contraculturais8 nos Estados Unidos e Europa e foi amadurecendo no contexto de várias Conferências Internacionais promovidas entre os anos de 1972 e 19929. O ecologismo emergiu destes ideais e, ao levar sua problemática para a esfera pública, passou a conferir ao ideário ambiental além da visão científica uma 5

Matarezi (2005) 1. Primitiva; 2. caça e pesca; 3. pastoreio; 4. agricultura; 5. indústria e 6. urbanização. 7 Pensamento reducionista ou cartesiano, pregado por Reneé Descartes (1637) no prefácio intitulado “Discurso sobre o método”. 8 Em suma, a contracultura se mostrava reacionária à tecnocracia se opondo ao paradigma ocidental moderno, industrial científico questionando a racionalidade e o modo de vida da sociedade ocidental e procurando romper com os paradigmas atuais da época.São exemplos de Movimentos Contraculturais os movimentos ambiental, hippie, negro, feminista entre outros. 9 Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente humano (Estocolmo, 1972); Seminário de Jammi (1974); Seminário Internacional de EA (Belgrado, 1975); Conferencia Internacional sobre EA de Tbilisi (URSS, 1977); Congresso Internacional sobre Educação e Formação relativas ao Meio Ambiente (Moscou, 1987); Conferencia das Nações Unidas para O Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992). 6


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dimensão política (Carvalho, 2004). No Brasil, tais movimentos ocorreram nas décadas de 1970 e 1980 e criaram condições para a expansão e consolidação das entidades ambientalistas que passaram a surgir no país na década de 1990 (Carvalho, op. cit.). Esta manifestação da preocupação com a ruptura de paradigmas e o estabelecimento de um cenário emergente de mudanças deixaria um importante legado para as lutas ambientais futuras, com o surgimento de uma nova concepção desenvolvimentista denominada de Ecodesenvolvimento e/ ou Desenvolvimento Sustentável10. A partir do reconhecimento de que se havia construído uma sociedade baseada em um ideal de consumo que não pode ser tolerado pelo ambiente, o entendimento das inter-relações entre indivíduos, natureza e sociedade passaram a ser revistas. O modelo científico objetivo e fracionário foi considerado insuficiente e a ciência epistêmica, baseada no questionamento, se tornaria parte integral das teorias científicas (Capra, 1996). Suportado por esta concepção tomou forma o pensamento sistêmico11, que pressupunha a integração das ciências naturais e sociais, a abrangência de estudos dos campos não físicos, aproximando-nos da unidade científica e promovendo uma educação para a Ciência (Von Bertallanfy, 1975). Como instrumentos das proposições

da

visão

sistêmica

surgiram

a

interdisciplinaridade,

a

multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade12 trazendo consigo o desafio

10

De acordo com o economista Ignacy Sachs o ecodesenvolvimento está baseado em três pilares: eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. Sugerindo o pluralismo tecnológico, ao envolver tanto a tradicional tecnologia de mão-de-obra intensiva como a de capital intensivo, alertando para a relação à ação ilimitada do mercado, sem o poder regulador do Estado (Matarezi, 2005). Posteriormente, a ONU passou a empregar o termo desenvolvimento sustentável ao ecodesenvolvimento definindo-o como sendo: “Um novo caminho de progresso social e econômico, que procura atender as aspirações do presente, sem comprometer as possibilidades de atendê-las no futuro”. (Matarezi op. cit.) O desenvolvimento sustentável desde então vem sendo criticado em função desta definição empregada, por atribuir uma nova roupagem ao ecodesenvolvimento com tendência embora sutil, mas presente, do favorecimento do consumo material. Por esta razão preferimos a concepção do ecodesenvolvimento. 11 O termo sistêmico faz referência à Teoria Geral dos Sistemas (TGS) atribuída ao alemão Ludwig Von Bertalanffy (1950) e posteriormente desenvolvida por outros teóricos como Fritjof Capra. 12 Multidisciplinaridade: trata do estudo de um tópico de pesquisa não apenas em uma disciplina, mas em várias ao mesmo tempo.


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metodológico e epistemológico de reunificar o conhecimento fracionado em disciplinas, através de uma abordagem mais ampla e completa. No entanto, apesar dos grandes esforços na mudança deste paradigma, a percepção da necessidade de mudanças baseada numa visão mecanicista e reducionista do mundo e naquilo que é denominado mito da tecnologia – pregado pela crença em soluções técnicas para os graves problemas que afligem atualmente a humanidade (Matarezi et al.,2003) – ainda está fortemente presente. 3.3. OS CONFLITOS Os fenômenos socioambientais são considerados elementos complexos, principalmente no que diz respeito ao controle do desenvolvimento econômico, respeitando os fatores de equilíbrio que existem na natureza (Viezzer e Ovalles, 1995). A existência de uma relação desequilibrada entre preservação ambiental e desenvolvimento humano resultam em problemas gestionais dos patrimônios comuns (culturais e naturais), emergindo como um desafio de primeira grandeza (Sachs, 1998). Sachs (op. cit.) aponta que a determinação de trajetórias plurais de desenvolvimento devem ser feitas no cruzamento dos ecossistemas e das culturas, através das interações entre a diversidade biológica e cultural. O autor ressalta que nossa geração encontra-se no desafio de elaborar a história dos processos de coevolução da espécie humana e do planeta. Estas trajetórias implicam na adoção de novos padrões de conduta em níveis adequados à capacidade de suporte dos ambientes. Para o tão desejado “alcance da sustentabilidade” do ponto de vista sistêmico, devem ser levadas em consideração várias dimensões que não somente a ecológica,

Interdisciplinaridade: diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina à outra. A interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas seu objetivo permanece dentro do mesmo quadro de referência da pesquisa disciplinar. Transdisciplinaridade: Diz respeito ao que está, ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, e um dos imperativos para isso é a Unidade do Conhecimento. (Matarezi, 2005)


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mas também a social, a econômica, a espacial e a cultural13 (Sachs, 1994). Frente à problemática

socioambiental,

estas

dimensões

são

imprescindíveis

para

a

abordagem de conflitos.

13

A sustentabilidade social para construção de uma sociedade do ser, baseada na distribuição igualitária do ter; sustentabilidade econômica pela reavaliação e incorporação de fatores sociais e ambientais integrados aos indicadores atuais; a sustentabilidade ecológica manutenção da utilização da natureza a qual está baseada no princípio da precaução; sustentabilidade espacial promovendo melhorias na distribuição da ocupação humana e das atividades produtivas e por fim a sustentabilidade cultural implicando no respeito à diversidade de tradições, pensamentos e estilos de vida locais (Sachs, 1994).


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14

3.4. A ABORDAGEM ETNOECOLÓGICA O CONHECIMENTO SOBRE O CONHECIMENTO Neste momento nos preocuparemos basicamente em gerar bases para o entendimento

da

abordagem

etnoecológica.

Discursaremos

sobre

o

metaconhecimento na pesquisa etnoecológica ou o “conhecimento obtido sobre o conhecimento que populações nativas, ou tradicionais possuem (...)14” (Marques, 2001); apresentaremos as origens do conceito, princípios das práticas, a teoria propriamente dita e algumas das vertentes desenvolvidas por seus praticantes. Tendo pontuado as questões fundamentais para que sejam retomadas a seguir, nos direcionaremos logo de início a questão fundamental: O que vem a ser etnoecologia? Apelaremos às raízes epistemológicas e históricas do termo, procurando vislumbrar como o encontro de distintas áreas do conhecimento científico, especificamente as ciências naturais e as ciências humanas e sociais, trouxeram à emersão um novo saber. Utilizando as definições empregadas pelos mais relevantes autores entre as décadas de 1970 e 1990, Toledo (1992, 2002) ilustra as tendências evolutivas do conceito. O autor aponta as quatro principais origens que teriam alimentado a pesquisa durante este período: a antropologia (que preconizou a etnociência15 pela nova etnografia); a etnobiologia (como investigações interdisciplinares restritas ao uso e manejo de elementos bióticos); a agroecologia (que como preceito da sua investigação consideraria conhecimentos e práticas dos indivíduos) e a geografia ambiental (dedicada ao estudo das técnicas de manejo tradicional de recursos). A trajetória do etnoconhecimento inicia em 1940, quando a etnociência se concretizou, pela vertente francesa, na Antropologia Estrutural, por sua vez influenciada 14

pela

Geografia

Humana.

Posteriormente,

o

etnoconhecimento

O pesquisador e o pesquisado em etnoecologia: Praticam eles uma atividade científica?” (Marques, 2001). 15 Também chamada de análise componencial ou antropologia cognitiva (Geertz, 1989. pg. 21). Este termo passou primeiramente a ser utilizado pela academia norte-americana.


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15

despontou nos Estados Unidos16 a partir da década de 1950, pelo movimento da Nova Etnografia este impulsionado pela Nova matemática e a Teoria dos Conjuntos17. O etnoconhecimento difundiu-se em território inglês, onde seus praticantes consagravam o termo “folk”

18

(folkbiology) e chegou a enfrentar

resistências pela adoção de novas terminologias. Quanto a sua dispersão pela academia, já na década de 1970, circulava na Argentina um periódico intitulado “Etnobiologica”. Na mesma época, no Nordeste do Brasil surgiam trabalhos interdisciplinares intitulados de etnobiologia19 (Marques, 2002). Mais recentemente – entre o final dos anos de 1980 e início da década de 1990 – despontou, através do trabalho de pesquisadores da IUCN (World Conservation Union), uma nova vertente disciplinar de escola canadense, denominada TEK (Traditional Ecological Knowledge)20. Retomando

as

concepções

propostas,

Toledo

(1992)

ressalta

a

impossibilidade de definir uma limitação acurada ao termo etnoecologia, em função do vasto campo de pesquisa que cobre. Desta forma, não estaria sendo utilizado sobre bases teóricas e metodológicas determinadas. Esta afirmação critica, em suma, o caráter meramente classificatório empregado nas pesquisas etnobiológicas, excluindo a integração entre processos intelectuais e práticas das sociedades investigadas. A seguir, apresentam-se algumas contextualizações dos atuais teóricos levadas em consideração no recorte da pesquisa. Salientamos que implicações sobre competências da terminologia não serão aprofundadas. Para tanto, assumimos que se trata de reflexões demasiado específicas e não oportunas a este momento, onde o objetivo é possibilitar a compreensão das questões fundamentais na utilização do etnoconhecimento. 16

Mais precisamente na Universidade de Yale, onde hoje se situa o grupo de pesquisadores que compõe o “Team of etnobiology”. 17 Criada por Georg Cantor (1845-1918) nasceu da tentativa de solucionar um problema técnico de matemática na teoria das séries trigonométricas. 18 Termo utilizado para designar sistemas de classificação desenvolvidos pelos próprios membros da comunidade. Laraia (1986) p.62. “Em Pernambuco foram feitos trabalhos explicitamente intitulados de etnobiologia cruzando 19 interdisciplinarmente com a bioquímica . (Lima,1975 apud Marques, 2002) 20 TEK do original inglês ou conhecimento Ecológico Tradicional.


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16

3.4.1. O “COMPLEXO K-C-P” Toledo (1992) cita que o advento da utilização do termo etnoecologia passou a abrir possibilidades de estender o foco desta forma de pesquisa, incorporando o conhecimento tradicional aplicado aos componentes bióticos e abióticos. Este autor apresenta a etnoecologia como sendo:

(...) uma abordagem interdisciplinar que explora como a natureza é vista por grupos humanos através de uma tela (through a screen) de crenças, conhecimentos e como estes utilizam, manejam e se apropriam dos recursos naturais. (grifos nossos)

Dentro deste contexto, se insere o pensamento sobre a teoria do “complexo kc-p” (onde k = kosmus; c = corpus e p = práxis). Segundo o autor, a conexão entre estes três elementos resulta nos meios de relação, atuação e apropriação do indivíduo sobre o ambiente em que vive. Apesar de cada um destes elementos possuírem “origens” diferenciadas, seus “meios de ação’ seriam complementares entre si. Sobre o domínio dos elementos do complexo, o kosmus, (Toledo, 2001), versa sobre o sistema de crenças do indivíduo ou cosmovisão, constituído por idéias ou representações que ditam regras de conduta. Este conjunto de regras, por sua vez, atua como mecanismos de regulação de uso e manejo de recursos naturais (ex. tabus, mitos, rituais). O corpus trata do conhecimento propriamente dito, resultante dos sistemas cognitivos estabelecidos a partir da leitura ou interpretação do indivíduo, acumulada em sua experiência de vida, onde a memória atua como o mais importante recurso intelectual. Na mente do indivíduo, está expresso um repertório síntese de quatro fontes: a) a experiência acumulada historicamente e transmitida de geração para geração pelo grupo cultural; b) as experiências socialmente partilhadas por membros de mesma geração; c) a experiência adquirida no grupo familiar e d) a experiência


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17

particular adquirida através da repetição dos ciclos anuais (naturais e produtivos) enriquecidos pelas previsões e não predições21 das condições associadas com estes (Toledo, 2001). A práxis por sua vez, diz respeito à adoção de mecanismos que garantiriam um fluxo ininterrupto de bens, matéria e energia do ecossistema. Seria o uso ou manejo sobre o ambiente, uma espécie de estratégia onde se manipula o ambiente natural, como forma de manter duas características: a heterogeneidade dos habitats e a variação biológica e genética (Toledo, op. cit.). 3.4.2. CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL (TEK) E MANEJO ADAPTATIVO O TEK22, de acordo com Berkes et al. (2000), é definido como sendo: (...) uma forma de saber, similar às ciências ocidentais, baseada na acumulação de observações, mas diferente em vários aspectos. Ao contrário da ciência ocidental que possui uma tradição de pensamento abstrata, a tradição do TEK seria de origem histórica, baseada em sistemas de saber pertencentes a culturas diferenciadas e codificada em rituais e na prática cultural diária. Sendo um saber holístico em perspectiva e de natureza adaptativa.

O TEK é considerado como uma forma de conhecimento complementar ao estudo das Ciências Ecológicas e visto como uma possibilidade de interpretação das dinâmicas dos ecossistemas, recursos e serviços gerados por ele. Através da seleção de práticas de manejo ecológicas, baseadas em conhecimento tradicional e da identificação de mecanismos sociais destas, Berkes et al. (2000) avaliaram o TEK como atividade de manejo qualitativo dos recursos e ecossistemas. Segundo os autores, esta forma de manejo consiste na realização de 21

A não predição segundo o autor se refere à possibilidade ou não da repetição de um evento ao longo de vários ciclos ecológicos. 22 Apesar de fazer referência ao TEK como sendo Conhecimento Ecológico Tradicional e não Local, Berkes (2000) não discute se as práticas são tradicionais ou contemporâneas, mas a importância dos aspectos do conhecimento local que podem auxiliar no monitoramento, interpretação e na busca por respostas para mudanças dinâmicas nos ecossistemas. Na tentativa de evitar a discussão sobre o que é local ou tradicional e os problemas decorrentes de significação e tradução utilizaremos a sigla no original inglês.


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18

práticas que acompanhem ou potencializem a adaptação dos ciclos ecológicos contribuindo para o aumento de “resiliência”23. 3.4.3. ETNOECOLOGIA ABRANGENTE A Etnoecologia abrangente, proposta por José Geraldo Marques, define etnoecologia como: (...) um campo de pesquisa transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes (Marques, 2002)

Com esta definição, o autor alarga o entendimento das relações Homem-Meio, explicitando os seus objetos de estudo. De acordo com Marques (2001) o termo abrangente está relacionado com os seguintes aspectos: a pesquisa etnoecológica pode ser feita em qualquer ecossistema e em qualquer contexto sócio-cultural; o reconhecimento da etnoecologia como um campo de cruzamento de saberes e não uma disciplina a mais; a busca de integração entre antropologia e biologia, indo, além disso, sempre que possível; a insistência em uma metodologia cientificamente enquadrável, mas que permita transgressões responsáveis (integrar objetivo e subjetivo) e heterodoxias assumidas (integrar razão e emoção); o enfrentamento da quantificação necessária, porém enfatizando o tratamento qualitativo de realidades ocultáveis pela insuficiência da fala pelos números. A abordagem dos conflitos socioambientais proposta se encontra baseada, em grande parte, nas definições teóricas acima apresentadas, e especialmente nas proposições da etnoecologia abrangente de acordo com Marques (op. cit.).

23

Considera-se aqui resiliência como a capacidade de um ecossistema ou um sistema natural de voltar as condições originais ou ao estado estável depois de uma turbulência (Dicionário de Ecologia e Ciências ambientais, Ed. Melhoramentos, 1998).


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19

A verificação da eficiência metodológica e os resultados obtidos através da mesma fazem parte dos objetivos da pesquisa. 3.5. CULTURA, TRADIÇÃO E LOCALIDADE Como o escopo da etnoecologia propõe relevar as vivências de um determinado grupo social em seu ambiente (espaço), há a necessidade de considerar certas implicações, como a utilização dos conceitos de cultura, lugar e tradição, na busca de uma interpretação adequada da visão acerca dos conflitos socioambientais pelos sujeitos que praticam pesca artesanal. Clifford Geertz (1989) em seu livro “A Interpretação das culturas”, afirma que “Uma boa interpretação levaria ao cerne do que se propõe interpretar”. Assumido o fato de que a pesquisa lida com interpretações de indivíduos pertencentes a um grupo culturalmente distinto e que atua sob outro conjunto de valores, crenças, regras e visões de mundo e ainda que suas características distintivas não poderiam apenas ser evidenciada pelas “limitações de seu meio ambiente” (Laraia, 1996), a relevância do fator “cultura” passa a ser considerada como fundamental. De acordo com Geertz (1989) o conceito de cultura seria semiótico, interpretativo, em busca de significado. Onde a cultura atuaria em escala microscópica e as estruturas de significados seriam socialmente estabelecidas. O autor traz como uma das vantagens desta abordagem o auxilio no acesso ao mundo conceptual dos sujeitos da pesquisa. Argumenta-se ainda, a indivisibilidade entre o que é de origem cultural e o que é de origem natural. Lévis-Strauss (1976) afirma que não existe diálogo com a natureza pura senão com um determinado estado de relação entre cultura e natureza, definida por um período histórico onde está inserido seu grupo e os meios materiais que dispõe. No tocante da relevância dos fatores culturais, Laraia (op. cit.) aponta que a cultura como processo dinâmico e que este dinamismo pode ser resultado tanto do próprio sistema cultural como do contato de um sistema cultural com outro.


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20

A dinâmica, considerada como principal fragilidade da pesquisa qualitativa, seria responsável pela dificuldade frente à comparação dos resultados das análises (repetibilidade) que envolvam sistemas culturais e pesquisa qualitativa. No entanto, Marques (2001) em discurso sobre a validação científica da pesquisa etnoecológica, aponta a boa escolha dos critérios de cientificidade como medida para comprovação em análises qualitativas. Outra importante questão a ser definida, seria a terminologia empregada para fazer referência aos membros dos grupos culturais, os grupos e o conhecimento destes. Freqüentemente alvo de contradições, estes termos variam em suma, de acordo com a contextualização e proposição dos autores. No âmbito da pesquisa entender-se-á por tradicional, o sistema de saberes ou conhecimentos de um grupo passado através das gerações, com vínculos principalmente de parentesco, onde estes conhecimentos apresentem relevância para quem os recebe, mantendo um padrão no desenvolvimento da atividade. Tais sujeitos poderão agregar novos conhecimentos uma vez que o processo cultural é tido como dinâmico. Então, estaremos nos referindo a tradicional no que diz respeito ao conhecimento “herdado”. Já o emprego do termo local seria destinado a um determinado grupo de atores e o vínculo de pertencimento ao espaço onde estão inseridos.24

24

Utilizaremos aqui o conceito tradicional dento das condições explicitadas acima, mas ressaltamos que não consideramos como inválida a designação local como emprego de conhecimento.


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21

4. METODOLOGIA 4.1. ÁREA DE ESTUDO

Fig. 01. Mapa da área de estudo

A Ilha de São Francisco do Sul está localizada no litoral norte de Santa Catarina entre as coordenadas geográficas 26°10’ - 26°26’ S e 48°30’ - 48°47’W. Faz limite na face Leste com o Oceano Atlântico, Oeste com a Baía da Babitonga, ao Norte com a desembocadura da Baía e ao Sul com o Canal do Linguado. Pertence


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22

ao município de mesmo nome, que além da Ilha, compreende uma porção do continente25. Abriga a principal área estuarina de Santa Catarina, com um corpo de água de aproximadamente 167 Km2 e 75% dos manguezais do Estado (Cunha et al., 1999) considerados os mais relevantes na distribuição do limite austral da América do Sul (DNIT/ IME, 2004). A Ilha de São Francisco do Sul está inserida no sistema montanhoso da Serra do Mar que abriga o principal remanescente de Mata Atlântica do país. Destaca-se a enorme presença de ilhas nos arredores, sendo que nas águas da Baía da Babitonga são em número de 24, no Canal do Linguado encontram-se 57, além das 25 ilhas oceânicas. Quatro rios deságuam na Baía (Cachoeira, Cubatão, Palmital e Parati). No Rio Palmital e canal adjacente estão localizadas 37 ilhas fluviais (Rodrigues, 2000). As praias existentes são em número de onze (Ingleses, Paulas, Calixto, Capri, Forte, Itaguaçu, Ubatuba, Enseada, Prainha, Grande e do Ervino). A pesquisa foi desenvolvida em duas localidades que atuam na pesca artesanal de distintas formas. Conhecidas por Laranjeiras e Enseada, se encontram situadas em lados opostos da Ilha, utilizando espaços diferenciados para a prática da atividade pesqueira. Enquanto em Laranjeiras predomina a pesca no interior da Baía da Babitonga, na Enseada esta é realizada sobretudo em mar aberto, a profundidades de até aproximadamente 30 metros (ou nas proximidades da monobóia da Petrobrás).

25

2

O conjunto ilha-continente apresenta uma extensão de 492,82 Km e faz divisa territorial com os municípios de Itapoá, Joinville, Garuva, Araquari e Barra do Sul (IBGE 2004).


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23

Fig. 02. Mapa das Localidades

Neste estudo de caso, entende-se que a riqueza e diversidade26 dos ecossistemas presentes na Ilha e suas adjacências, bem como a expansão da ocupação humana, geram condições propícias à composição de um cenário para desenvolvimento dos conflitos socioambientais. Desta forma, o critério de seleção que levou à escolha das áreas considerou, além da presença de comunidades que vivem da pesca artesanal, a relevância que esta possui dentro das localidades e a constatação prévia de fatores interpretados como geradores de conflitos (maricultura, pesca esportiva, turismo).

26

Na ecologia a riqueza é definida pelo número de espécies de uma comunidade biológica e diversidade como número de espécies e sua abundância relativa em uma determinada área (Ricklefs, 2001).


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24

4.2. COLETA DE DADOS

Através de um pré-campo em novembro de 2004, foi realizado o reconhecimento da área de estudo com o intuito de definir a abrangência e viabilidade da pesquisa. Neste momento também foram estabelecidos os primeiros contatos com pessoas que posteriormente tornaram-se informantes. A coleta de dados efetiva estendeu-se por um período de quatro meses, entre janeiro e abril de 2005, onde foram realizadas 30 saídas de campo. Apesar da inserção nos grupos não ter sido permanente, foi possível o acompanhamento da rotina das suas atividades de pesca (saídas para o mar, chegadas em terra, comercialização do pescado) e da sua organização social (identificação de atores, distribuição de atividades por gênero e idade, parentesco e hierarquia) obtidas pela prática da observação participante. Após o período mencionado, houveram ainda três idas ao campo para complementar e/ou esclarecer informações obtidas e manter o vínculo estabelecido com os grupos.

4.2.1. CRITÉRIOS E ESCOLHA DE INFORMANTES A escolha dos informantes foi sistematizada em três fases distintas: FASE 1: Informantes foram selecionados através de critérios de legitimidade, onde para ser considerado como “legítimo” deveria seguir três premissas (localidade, tradição e insularidade). A estes informantes atribuiu-se a designação de informantes-chave.


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25

Tabela 01. Tabela dos critérios de legitimidade utilizados. LOCALIDADE

Informantes que residem nas determinadas localidades e que sejam membros dos grupos de pesca estudados.

TRADIÇÃO

Informantes que têm a pesca como atividade predominante dentro da hierarquia familiar, sendo reproduzida através das gerações.

INSULARIDADE

27

Informantes nascidos e residentes nas ilhas do território de São Francisco do Sul.

FASE 2: Entrevistas realizadas com sujeitos apontados pelas indicações dos informantes da primeira fase: Neste segundo momento, o critério para a seleção de informantes foi que tivessem sido referenciados pelos informantes da primeira fase. FASE 3: Através das informações obtidas pelas fases anteriores, voltou-se a campo para fazer alguns esclarecimentos e confirmar informações relevantes ao âmbito da pesquisa. Aqui foram (re)consultados tanto integrantes das fases 1 e 2 quanto inseridos novos atores. É importante destacar, que além dos informantes considerados “chaves” ou dos indicados por estes, procurou-se ouvir outros pescadores, que não os indicados pelo critério de escolha ou “aqueles que nunca são ouvidos”, invertendo a chamada “hierarquia da credibilidade” (Goldenberg, 1999).

Tais relatos foram obtidos, em

suma, através de conversas informais. No total foram ouvidas vinte e cinco pessoas, entre mediadores, informantes e outros. Os relatos foram obtidos de forma sincrônica28. Para cada localidade foi determinado um informante-chave, que além de preencher os requisitos de 27

A insularidade seria considerada produto de um processo relacionado com a distância e o isolamento geográfico e social (Diegues, 1997).


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26

legitimidade desempenhou o papel de interlocutor nas abordagens a outros informantes. 4.2.2. FONTES DE INFORMAÇÃO O método compreendeu três fontes básicas para a obtenção de informações: 1.

DECLARAÇÕES

DOS INFORMANTES:

Considerados como fontes primárias de

informação, os relatos foram obtidos de três maneiras: a) entrevistas seguindo roteiro semi-estruturado; b) narrativas utilizando a técnica de “história de vida” e c) aplicação de mapas mentais. A seguir encontra-se a descrição das mesmas: a)

ENTREVISTAS

SEMI-ESTRUTURADAS:

A princípio seguiriam um roteiro

previamente estabelecido com questões a serem abordadas (Anexo 02). As entrevistas foram direcionadas à população ativa de trabalhadores da pesca. No entanto, a existência de um roteiro não implicou na utilização de todas as questões tidas como “chave”. De acordo com o desenvolvimento da entrevista e a aceitação do informante, se pôde optar pela realização de entrevistas abertas onde era conduzida ora pela entrevistadora e ora pelo entrevistado. b)

HISTÓRIAS

DE VIDA:

O método de história de vida foi aplicado aos

pescadores mais velhos, em sua maioria aposentados da atividade, mas que possuem forte legitimidade na comunidade e vínculo com a pesca. Pode ser considerado um “mapa no tempo", onde o entrevistado discorre sobre os acontecimentos de seus tempos passados traçando uma conexão entre o que era e o que é, transmitindo através de sua trajetória cotidiana importantes elementos sobre a evolução da atividade e da vida do grupo.

28

Coincidência temporal de situações, no caso das abordagens.


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c)

MAPAS

COGNITIVOS:

São utilizados na busca

27

de obter a

representação espacial dos conflitos e definição dos domínios dos territórios de pesca. Aplicados mediante seleção dos informantes após as entrevistas sob critério de relevância das informações obtidas. A dificuldade encontrada na aplicação dos mapas foi a disponibilidade dos informantes para realizar a representação. Considerando que seu universo de atuação é prático e cognitivo, certos informantes sentiam-se envergonhados por serem iletrados ou por não mostrarem habilidades como desenho e escrita, ou ainda por não verem relevância na representação. Procurou-se evitar o constrangimento do informante na tentativa de obter os mapas, caso não se sentisse à vontade para realizá-lo. Do total de quatorze gravações, foram obtidas dez entrevistas e quatro histórias de vida. Em todos os casos, a gravação de relatos foi realizada com a presença do mediador ou pelo intermédio deste. As entrevistas e histórias de vida foram registradas em fitas cassetes, posteriormente decupadas na íntegra e exclusivamente pela pesquisadora. As entrevistas e os registros fotográficos foram utilizados mediante a permissão dos entrevistados. 2.

DIÁRIOS

DE CAMPO:

As particularidades que o diário de campo encerra têm

importante papel na análise dos discursos dos informantes. As observações da pesquisadora, bem como outras fontes de informações encontram-se registradas por intermédio deste. 3.

CONSULTAS: Compreenderam além do levantamento bibliográfico para

fundamentação teórica, consultas à legislação ambiental e pesqueira, pareceres de pesquisadores envolvidos em trabalhos referentes à área de estudo bem como órgãos do governo29.

29

Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); Secretaria de Aqüicultura e Pesca (SEAP); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


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28

4.3. ANÁLISE DOS DADOS “(...) sem falar que o número é de todas as coisas que há no mundo a menos exacta, diz-se quinhentos tijolos, diz-se quinhentos homens, e a diferença que há entre tijolo e homem, é a diferença que se julga não haver entre quinhentos e quinhentos, quem isso não entender à primeira vez, não merece que lho expliquem uma segunda”. (José Saramago – Memorial do Convento)

4.3.1. A ANÁLISE QUALITATIVA Para identificar a existência, as disparidades, as convergências e a relevância de conflitos através das ferramentas de estudo apresentadas, utilizou-se de métodos qualitativos – não como forma de burlar o quantitativismo – mas como possibilidade de captar, entender e avaliar os conflitos socioambientais, como processo, e suas especificidades. Apesar dos muitos questionamentos acerca desta opção de análise, Marques (2002) aponta que o qualitativismo não implicaria na ausência de rigor, mas sim na necessidade de outro tipo de rigor. Uma vez em campo, se lida com que o indivíduo deseja revelar, o que deseja ocultar e a imagem que projeta de si mesmo e dos outros, sendo importante o direcionamento perceptivo diante destes fatos. A análise exige, adicionalmente, a interpretação de comportamento não verbal dos informantes, pois se considera que a omissão/não revelação de informação também constitui um tipo de informação. Vietler (2002) refletindo sobre a aceitação cultural do pesquisador aponta que “(...) é preciso descobrir as etiquetas utilizadas a fim de promover uma comunicação intercultural, pois apesar da importância do falar, o não falar pode ter vários significados (...)”. Esta prática representaria a relativização do conhecimento, através das ações do pesquisador na obtenção e interpretação de seus dados.


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29

Vietler (2002) afirma ainda que “Nem sempre o que é falado (palavra) é o que é feito (ação) e é o que é pensado (pensamento)”. Neste contexto se inserem alguns importantes critérios da descrição etnográfica, entre eles evitar a Ilusão da transparência30, por meio do qual o pesquisador se deixa levar por ‘falsas’ impressões, ilustradas pela sua projeção cultural da obviedade, insistência e/ou obtenção inadequada de informações. Esta postura pode ser utilizada pelos informantes como um artifício privativo, quando estes não estão dispostos a conceder informações ou por possuírem suas próprias representações. Na tentativa de obter dados qualitativamente confiáveis, utilizou-se como critério metodológico a referência cruzada (Vietler, 2002), que prediz a análise através de comparação de mais de um método de coleta de dados. No estudo em questão, foi empregada uma triangulação metodológica (declarações, diário de campo, revisões bibliográficas) para a coleta de informações. Tal metodologia proporcionou, no momento da análise, a confrontação entre estas formas distintas, fazendo com que atuassem de forma complementar, perante a comparação entre as mesmas.

4.3.2. DIAGNÓSTICO O diagnóstico dos conflitos procedeu seguindo uma adaptação do roteiro elaborado pela equipe do Projeto Meio Ambiente e Democracia, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), segundo Carvalho e Scotto (1995)31. Para a compreensão dos fenômenos de formação de estratégias socioambientais pelos atores sociais, foram utilizados elementos de análise32 da metodologia proposta por Andrade (2000). As etapas pressupostas nas metodologias

30

Para obter mais detalhes ver Marques (2002). O autor cita Bardin (1997), Rognon (1991) e Bourdieu in Minayo (1999) quando exemplifica critérios que devem ser perseguidos permanentemente na busca de rigor na pesquisa qualitativa. 31 Consultar a versão do roteiro na íntegra no Anexo 1. 32 Consultar a versão da grade na íntegra Anexo 2.


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desenvolvidas pelos autores citados e que compuseram a análise desta proposta de pesquisa, geraram um novo roteiro assim composto: Tabela 02. Tabela de diagnóstico dos conflitos socioambientais 1.Caracterização ambiental da área estudada (localização geográfica, vegetação, relevo...) e configuração do espaço social (atividades econômicas) 2. Identificação da situação-problema de acordo com a percepção dos atores sociais em questão (pescadores artesanais) 3. Levantamento dos principais atores sociais envolvidos (sujeitos individuais ou coletivos apontados pelos pescadores) 3.1

Verificação da presença de identidades coletivas (grupos que se autodefinem e organizam suas práticas sociais em função do papel atribuído aos elementos da natureza ou ecossistemas)

3.2

Nível (organizados, não organizados, organizados em função dos conflitos) e tipo de organização apresentada (associações de moradores, colônia de pesca, ONG’s...)

4. Reconstituição histórica da situação-problema (origem do problema no tempo) 5. Identificação dos elementos ambientais como objetos dos conflitos (recursos pesqueiros, espaço...) 5.1

Identificar modos de apropriação destes elementos

6. Observar duas gêneses possíveis dos conflitos: como atividades de degradação ou como ações de preservação ambiental 7. Definição do quadro legal em que estabelecem os conflitos 8. Verificar a relação entre atores em conflito e o Estado 9. Gestão da situação-problema entre as partes em conflito 9.1

Avaliação de estratégias de conflito/cooperação na negociação dos conflitos

9.2

Verificação de mediação conflitos exercida pelos atores sociais

A elaboração deste roteiro procura atender as necessidades da análise dos conflitos direcionada à pesca artesanal, através do levantamento e caracterização da


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31

problemática e da reconstrução de dinâmicas e conceitos, assumindo, como fala Andrade (2000), “a capacidade dos atores em influenciar a realidade e conduzir a regulação do conflito”.


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31

5. RESULTADOS 5.1. CARACTERIZAÇÃO DAS LOCALIDADES Em São Francisco do Sul estão concentradas vinte e duas comunidades pesqueiras que se estabeleceram historicamente desde a época da colonização européia em meados do século XVII. Estas comunidades ainda hoje se encontram fixadas na região (Rodrigues et al., 1998). Os cadastros da Colônia de Pescadores Z-2 de São Francisco do Sul apontam um total de 1.632 pescadores atuantes na atividade pesqueira artesanal (Rodrigues, 2000). Segundo o Presidente da Colônia33, aproximadamente setecentas famílias estariam envolvidas diretamente com a pesca. Os pescadores operam uma frota de 493 embarcações, sendo que 49% pertencem ao município de São Francisco do Sul. Destes, 33% não possui motor e 94% é desprovido de cabine. Muitos pescadores não detêm os meios de produção e a grande maioria também se dedica à coleta natural de recursos disponíveis no manguezal, como atividade complementar de renda (Rodrigues, op cit.). A fundação da Colônia de pesca Z-02 de São Francisco do Sul data do início do século passado (1914).

Atualmente esta fornece aos pescadores serviços

médico-odontológicos, cestas básicas e medicamentos aos associados de baixa renda, petrechos de pesca à custos inferiores, mediação na viabilização das linhas de crédito, bem como o pagamento do seguro-defeso e auxílio nas questões burocráticas como a obtenção de documentações relativas à pesca e outras. Em troca, os pescadores associados contribuem com o pagamento de uma anuidade de valor estabelecido. A seguir, descrevem-se os cenários onde serão contextualizadas as problemáticas socioambientais:

33

Comunicação Pessoal, 30 de maio de 2005.


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5.1.1. ENSEADA A localidade de Enseada está situada no lado Leste da Ilha (26°13’ S e 48°30” W). É o bairro mais distante em relação ao continente e seu acesso é possibilitado através da ponte que corta o Rio Acaraí unindo-o ao bairro de Ubatuba. Suas praias são muito procuradas durante a temporada de verão. Dentre as três – Prainha, Praia Grande e Enseada – a última é a mais freqüentada, pois apresenta excelentes condições para banho e infra-estrutura para o lazer. As atividades da pesca artesanal encontram-se concentradas na porção central da praia. Verifica-se ainda o desenvolvimento de maricultura, com o cultivo de mexilhões em frente à desembocadura do Rio Acaraí. Os produtos provenientes da pesca local são comercializados em três peixarias do bairro. Encontram-se no local as instalações de um atracadouro e a realização das atividades de manutenção do oleoduto da Petrobrás–Transpetro. Nota-se, ainda, a alta incidência de residências de veranistas, principalmente próximas à beira-mar, bem como de imóveis destinados ao aluguel. As regiões próximas à praia encontram-se bastante urbanizadas.

5.1.1.2. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE Segundo relato dos pescadores, a comunidade pesqueira da Enseada foi estabelecida depois da abolição da escravatura e também com a migração de moradores de outras comunidades como a localizada na Praia do Ervino – sul da Ilha nas proximidades de Barra do Sul – que lá desenvolviam as atividades pesqueiras, bem como a agricultura de subsistência. Entre as décadas de 1940 e 1950, em função do declínio das atividades agrícolas e a impossibilidade de subsistir apenas das épocas de pescaria, muitos deles passaram a se deslocar para a Enseada, que era escolhida por ser um lugar promissor pela fartura da pesca. Os pescadores mantinham suas residências nas proximidades da praia, onde se mantinham as


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atividades pesqueiras. A pesca era realizada com tarrafa e rede de praia e as embarcações limitavam-se a pequenos botes a remo. Com o passar do tempo e o advento do turismo a partir da década de 1960, teve início o processo de urbanização. Os pescadores passaram a vender suas residências à beira mar e começaram a migrar para o interior. Na década de 1970, com a implantação da Petrobrás, a oferta de emprego aumentou, fazendo muitos pescadores abandonarem as atividades na pesca e outros ainda, continuaram a desenvolvê-la como atividade complementar. Nas três décadas seguintes – o que se presenciou foi o enfraquecimento das comunidades pelo abandono da atividade e a escassez dos recursos pesqueiros. Nos dias atuais, o grupo de pescadores não chega a um total de cinqüenta pessoas, entre ativos e aposentados. Segundo entrevistados, um grupo de em média trinta indivíduos pratica a pesca atualmente. Destes, foi constatado que menos da metade encontra-se afiliada à Colônia de Pesca. Os pescadores aposentados ainda mantêm suas atividades pesqueiras, mas apenas durante a época da tainha como uma forma de “passatempo”.

5.1.2. LARANJEIRAS (PORTO DAS CAIEIRAS E ILHAS) A localidade de Laranjeiras (26° 17 S e 48° 40’ W) está situada na porção oeste da Ilha de São Francisco do Sul, distante 6 Km do centro urbano, histórico e região portuária. O acesso à estrada principal é feito pela BR 280 e, de acordo com os dados das entrevistas e da Colônia de Pesca, a população do local vive do trabalho assalariado, da agricultura e da pesca. Cerca de sessenta indígenas, da etnia Guarani, habitam a localidade e vivem da confecção do artesanato e do cultivo do milho. Por hora aguardam a demarcação do território indígena pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), (Santos et al., 2002;


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FUNAI34). Encontra-se na localidade o ferry-boat, que dá acesso à Vila da Glória, outro importante núcleo pesqueiro da região. O trabalho de campo concentrou-se em um pequeno vilarejo de Laranjeiras, conhecido como Porto das Caieiras. A localidade recebeu este nome por abrigar, no passado, fornos utilizados para incinerar as conchas armazenadas nos sambaquis, para a obtenção de cal como matéria-prima para construção. Apesar de ter sido povoada exclusivamente por pescadores artesanais, ao passo que estes foram morrendo, seus herdeiros abandonaram o vilarejo para morar em outras cidades e acabaram vendendo as propriedades. Atualmente, a comunidade que já representou um importante núcleo pesqueiro se encontra bastante descaracterizada, sendo que apenas quatro pescadores artesanais ainda moram no local. Quanto ao restante das residências (aproximadamente dez) são de propriedade de turistas que praticam a pesca amadora. Há ainda no local um rancho de pesca e suas dependências com capacidade para abrigar cerca de trinta embracações. Estas são alugadas por um morador, que não trabalha na pesca, para os pescadores amadores.

5.1.2.1. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE De acordo com informações fornecidas pela Colônia de Pesca, em Laranjeiras residem cerca de trinta pescadores artesanais. Porto das Caieiras era considerado o principal núcleo de pesca da localidade. Cinco foram os pescadores abordados durante o trabalho de campo. Como o informante-chave nasceu na Ilha Grande e mudou-se para Porto das Caieiras há seis meses, foram inseridos no trabalho relatos de pescadores que habitam as Ilhas Grande, das Flores e das Claras, que compreendem a área de atuação do informante. Esta inserção, particularmente, não representou problemas na análise, uma vez que o espaço de pesca que diz respeito aos pescadores é comum. Todos estes 34

Informação recebida via correio eletrônico, em 19 de abril de 2005.


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trabalhadores desenvolvem suas atividades de pesca na Baía da Babitonga. Desta forma, quando nos referirmos à localidade de Laranjeiras não estaremos falando dela propriamente, mas da área de pesca em comum entre todos estes pescadores, ou seja, da Baía da Babitonga. Santos et al. (2002) relatam que a Baía da Babitonga era conhecida como Mãe-dos-pobres pelos antigos moradores, em função de seu significado na luta pela sobrevivência e que mesmo exercendo outras profissões quase todos os homens possuíam canoa. 5.1. 3. INFORMANTES No período de Janeiro a Abril de 2005, das trinta saídas de campo realizadas, quatorze foram destinadas a localidade de Enseada e dezesseis à de Laranjeiras. Tabela 03. Número de entrevistas e saídas de campo realizadas. N O.

N O.

N O.

N O.

SAÍDAS

ABORDAGENS

INFORMANTES

ENSEADA

14

11

7

5

-

LARANJEIRAS

16

14

11

6

7

TOTAL

30

25

18

11

7

LOCALIDADE

ENTREVISTAS

EMBARQUES

UTILIZADAS

As abordagens na Enseada foram assistidas pelo informante-chave e realizadas na praia ou em visita às casas dos pescadores indicados. Em Laranjeiras, as abordagens ocorreram por intermédio do informantechave, igualmente à situação anterior, nas residências dos pescadores e também durante as atividades de pesca. Adicionalmente, foram realizados sete embarques na Baía da Babitonga, para ter acesso aos informantes moradores das ilhas e acompanhar as atividades pesqueiras. Não foram realizados embarques na Enseada.


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5.1. 3.1. ENSEADA - DESCRIÇÃO DOS INFORMANTES Na Enseada, das onze abordagens realizadas, sete resultaram em entrevistas. Dentre elas, cinco foram utilizadas como fonte de informações. A tabela 04 apresenta o perfil dos sujeitos abordados. Tabela 04. Abordagens - Enseada Perfil dos entrevistados (N) Esposa de pescador

1

Pescador profissional

4

Pescador

profissional

com

complementar

atividade

3

Pescador profissional aposentado

2

Pescador amador

1

N total

11

PERFIL DOS INFORMANTES A seguir apresentamos um breve perfil dos pescadores informantes da Enseada: INFORMANTE 1: Aposentado, 87 anos. Apesar de não mais desenvolver a atividade é reconhecido por toda a comunidade como o pescador mais antigo da Enseada. Além da pesca, trabalhou na agricultura de subsistência até a década de 1950, quando mudou-se para a Enseada e passou a desenvolver exclusivamente a pesca durante 45 anos. INFORMANTE 2: Aposentado, 68 anos. Nascido na Enseada é proveniente de família com tradição na atividade. Aprendeu o ofício com o pai e ainda pesca com o irmão. Além da atividade pesqueira se dedica à confecção artesanal de redes e tarrafas. INFORMANTE 3: Pescador

na ativa, 50 anos de idade, pesca desde os 20 anos.

Aprendeu o oficio com o irmão mais velho e é proveniente de família com tradição na pesca. Nascido na Enseada. Sempre teve a pesca como profissão.


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INFORMANTE 4: Esposa de pescador, 46 anos. Filha, irmã e esposa de pescadores. Nascida na Enseada trabalha no processamento e venda do pescado na Casa do pescador. INFORMANTE 5: Pescador aposentado, 65 anos. Nascido na Enseada. Realiza o cerco de praia na época da tainha. 5.1.3.2. LARANJEIRAS - DESCRIÇÃO DOS INFORMANTES Dos quatorze pescadores abordados em Laranjeiras e nas Ilhas, onze foram entrevistados e destes foram selecionados seis informantes: Tabela 05. Abordagens – Laranjeiras e Ilhas Perfil dos entrevistados Pescador profissional

3

Pescador profissional (mulher)

1

Pescador

profissional

com

atividade

complementar

1

Pescador profissional aposentado

1

Pescador profissional aposentado que exerce

2

a atividade Atravessador

1

Pescador amador

2

N total

11

PERFIL DOS INFORMANTES Segue o perfil apresentado pelos informantes escolhidos na Enseada: INFORMANTE 1: Pescador profissional. Nascido na Ilha Grande, 32 anos. Filho de pai pescador começou a atividade com 7 anos de idade e aos 13 anos já pescava sozinho. O irmão também é pescador. Atualmente, a pesca é sua principal fonte de


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renda. Ocasionalmente leva pescadores amadores para pescar como forma de incrementar a renda. INFORMANTE 2: Pescadora profissional, desenvolve as atividades de pesca juntamente com o marido. Proveniente de uma família de pescadores que moram na localidade de Vila da Glória. Além da pesca realiza o processamento do pescado. INFORMANTE 3: Pescador aposentado, 77 anos. Começou a atividade com 10 anos, família de tradição na pesca. Morador da Ilha Grande há 55 anos. Reconhecido como um dos pescadores vivos que mais entendem de pesca de espinhel da baía. INFORMANTE 4: Pescador aposentado, 70 anos,. Ainda trabalha na atividade. Nasceu em Itajaí e veio para São Francisco ainda criança. Iniciou na atividade pesqueira com 6 anos de idade e começou a pescar com 14. Mora na localidade de Laranjeiras há 15 anos. INFORMANTE 5: Nascido na Ilha de São Francisco do Sul, procedente de família de pescadores do Pântano do sul em Florianópolis, aprendeu a profissão com o pai. Não possui carteira de pescador profissional. Utiliza a pesca como fonte complementar de renda. INFORMANTE 6: Pescador profissional. 47 anos de idade. Viveu exclusivamente da pesca durante 22 anos, hoje utiliza a pesca como atividade complementar. O pai foi um conhecido construtor de canoas para os pescadores da baía.


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5.2. CARACTERIZAÇÃO DOS CONFLITOS De acordo com Armani (2004) a identificação da problemática enfrentada e de suas razões é um dos momentos mais importantes do diagnóstico. Para a compreensão do fenômeno analisado, procura-se selecionar as situações mais relevantes e analisá-las como um processo social complexo resultante de um contexto com múltiplas causas. Os conflitos serão apresentados contemplando separadamente cada um dos locais estudados. As situações-problema serão dispostas em quadros contendo fragmentos dos discursos dos entrevistados. Adicionalmente, são utilizadas citações da literatura bem como as observações de campo para complementação das informações.

Fig.03. Pesca da tainha na praia da Enseada

Fig. 04.Pescadores em atividade na Baía da Babitonga


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5.2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO

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DAS SITUAÇÕES-PROBLEMA SOBRE A PESCA ARTESANAL NA

LOCALIDADE DE ENSEADA IDENTIFICAÇÃO DAS SITUAÇÕES-PROBLEMA POR ORDEM DE IMPORTÂNCIA: 1O. USO DA CASA DO PESCADOR 2O. INSTITUIÇÃO DO DEFESO DO CAMARÃO 3O. ESCASSEZ DA TAINHA 4O. ATUAÇÃO DA FROTA PESQUEIRA INDUSTRIAL 5.2.1.1. A CASA DO PESCADOR PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS: Pescadores artesanais OUTROS ATORES: Administração municipal. SITUAÇÃO-PROBLEMA Ah, a casa do pescador é um ponto muito bom ali, só que tem que organizar! (Informante 4) “O que acontece de errado é que tem uma meia dúzia que se prevalece e os outros, não”. (informante 4) “Ajuda lá, pra quem vende peixe lá ajuda, quem trabalha lá sempre ajuda né?”. (Informante 2)

De acordo com os relatos dos pescadores da localidade, o principal problema enfrentado por estes trata da falta de gestão do espaço destinado à comercialização dos produtos da pesca na Casa do Pescador.


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A Casa do Pescador é um espaço (de aproximadamente 300 metros quadrados) destinado ao uso dos pescadores da Enseada. Construída há cerca de oito anos pela Prefeitura Municipal, possui a finalidade de servir como barracão para que sejam depositados os equipamentos de pesca e como estabelecimento comercial para a venda do pescado. O barracão é dividido em 25 espaços menores denominados “box”. Cada box é destinado ao armazenamento dos equipamentos de pesca. A parte frontal da casa é destinada à comercialização. Ambos espaços – estabelecimento comercial e barracão – são de uso comum. Dos aproximadamente trinta pescadores da localidade, apenas três pescadores comercializam os produtos da pesca na casa. O beneficiamento e venda são de responsabilidade das respectivas esposas. Demais pescadores realizam a venda do pescado a um atravessador. A fiscalização e o funcionamento das atividades da casa são de responsabilidade de um funcionário da prefeitura, ex-pescador da localidade. No entanto, a manutenção do espaço, de incumbência da Prefeitura, não é cumprida tendo em vista as condições precárias de instalação em que o local se encontra e o desrespeito das normas estabelecidas. A ausência efetiva de controle das normas vigentes estaria dando margens ao descumprimento destas, em especial as que dispõem sobre uso do espaço. Esta regimenta a utilização exclusiva por pescadores da localidade e a proibição da comercialização de pescado de terceiros, ou seja, o pescador só poderá vender sua própria produção. A não obediência desta norma tem causado insatisfação e discordâncias entre os pescadores. Embora não cheguem ao conflito direto, a comercialização de pescado comprado não é consentida pelos demais usuários da casa. No dia 30/05/05 foi realizada uma reunião organizada pela Colônia de Pesca Z-02 de São Francisco do Sul, onde juntamente com os pescadores estavam reunidos o presidente da Colônia de pesca, o Secretário de Agricultura e Pesca do município, dois vereadores, o responsável pela fiscalização da casa e


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um representante do poder judiciário35, para discutirem questões sobre a possível reforma da Casa do Pescador. De acordo com o Presidente da Colônia, a reunião foi realizada em função das reivindicações de alguns pescadores no que diz respeito a falta de organização e precariedade em que a casa se encontra. Durante a reunião houve a apresentação de um laudo providenciado pela Secretaria, demonstrando os principais problemas estruturais da construção, bem como da inoperância das regulamentações impostas. A proposta apresentada pela Prefeitura consistiu no fechamento da casa no prazo de trinta dias, a partir da data da reunião, para reforma e adequação das instalações. Foi proposta ainda a realização de uma nova reunião, a ser realizada no prazo de uma semana, para a eleição de uma associação de pescadores da Enseada com a finalidade de ser responsável pelo gerenciamento do espaço após a reforma. Apesar da apresentação oportuna e necessária da proposta de reforma, não foi apresentado projeto algum aos pescadores, tão pouco foi comprovado a disponibilidade orçamentária perante a Prefeitura para a execução da obra. Quando o secretário foi questionado pelos pescadores sobre prazos de entrega e conclusão, este prometeu que até o verão de 2005 tornariam a receber a casa em pleno funcionamento. A situação em que os pescadores se encontram os obriga a retirarem seus equipamentos das dependências da casa em curto espaço de tempo, pois a negociação quanto à possibilidade de realizar-se a reforma em partes não foi aceita pelos representantes da Secretaria. Sem um local próprio para armazenar este material (sendo que a maioria dos pescadores possui suas residências em local afastado da praia, dificultando que os petrechos sejam armazenados em suas casas) instaura-se a incerteza sobre os benefícios da reforma. Outro problema levantado pelos pescadores na reunião se refere ao controle na utilização dos locais de venda após a reforma. Como atualmente não existem normas instituídas sobre a divisão do local destinado à comercialização,

35

Também estiveram presentes representantes de uma ONG local e moradores da localidade não ligados à pesca.


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além dos pescadores, os maricultores têm reivindicado a utilização do espaço. Em resposta a situação, segundo os responsáveis, a decisão sobre a melhor forma de utilização do espaço ficaria a cargo da suposta “associação”. A decisão por delegar aos pescadores a responsabilidade da implantação de uma associação, deve acima de tudo, obedecer à existência de lideranças locais quando existentes e não somente às aspirações governamentais.


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5.2.1.2. INSTITUIÇÃO DO DEFESO DO CAMARÃO PRINCIPAIS

ATORES

ENVOLVIDOS:

Pescadores artesanais, pescadores

industriais, IBAMA e Polícia Ambiental. SITUAÇÃO-PROBLEMA “O defeso é bom, o defeso é bom tem uma idéia muito bem pensada, o defeso é bom. Só que falta o pescador, o próprio pescador, respeita mais. Então ta certo, ta certo, só que então, precisa obedecer.” (Informante 4). “Se eles parassem pro defeso agora, mas eles não param” (Informante 1) “Pescador não pode dizer não, mas eu vou mas eu faço, porque não pode”. (Informante 4) “ (...) tudo virado toda vida, toda vida, nunca pára. por isso não tem mais camarão (...) tem muita gente pescando ai naquela época que não podia pescar ai.” (Informante 3)

A Portaria do IBAMA Nº 074, de 13 de fevereiro de 2001,, estabelece o período anual de defeso para os camarões rosa (Farfantepenaeus paulensis, F. brasiliensis e F. subtilis), sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri), branco (Litopenaeus schimitti), santana (Pleoticus muelleri) e o camarão barba-ruça ou ferrinho (Artemesia longinaris) no Sudeste e Sul do Brasil36. O não cumprimento desta proibição durante o período de defeso, supõe o enquadramento da atividade pesqueira como prática de crime ambiental (Lei 9605/98 artigo 34). A instituição do defeso do camarão é uma motivação de conflito fortemente estabelecida entre os pescadores nos próprios grupos pesqueiros e 36

Uma outra portaria destinada ao defeso que antecedeu a atual

20/12/1984 que proibia

foi a

Portaria n° 55 de

nas regiões Sudeste e Sul a captura de camarões rosa (Penaeus

brasiliensis e P. paulensis) e verdadeiro (P. schmitti), inferior a 90mm.


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entre pescadores e órgãos ambientais responsáveis pela instituição e pelo cumprimento das normatizações estabelecidas. Os problemas decorrentes da proibição acarretam na prática da captura ilegal, tanto pelos pescadores artesanais como por industriais e na conseqüente diminuição da captura, além das apreensões de equipamentos e multas decorrentes da comercialização. De acordo com os pescadores, poucos são os que respeitam a parada do defeso do camarão. A vantagem de realizar a captura durante a proibição se dá em função da escassa oferta do recurso no mercado, fazendo com que o preço se eleve e em conseqüência, o lucro obtido para quem pratique a atividade ilegal seja maior. Esta postura provoca uma severa discordância entre os pescadores artesanais. Aqueles que se submetem ao cumprimento do defeso sentem-se em situação de desvantagem, tanto pela falta do recurso para comercialização decorrente da proibição, quanto pela rápida diminuição de rendimento da captura em função do alto esforço empregado sobre o recurso na reabertura da pesca. Sobre a não realização da pesca ilegal, pode-se dizer que, na maioria das vezes, esta postura é tomada por medo das apreensões dos equipamentos de pesca, das embarcações e pela aplicação de multas severas. Poucos foram os casos observados em que não se pesca durante o defeso, considerando a importância de dar tempo ao recurso para que ele não acabe. Além disso, entre os pescadores é clara a ciência sobre as falhas e inoperância da fiscalização, obtida pelo relato de situações em que ao acionarem os órgãos ambientais responsáveis através de denúncia, não foram atendidos: Mas nós ligamos pra ambiental, e ninguém veio! Depois nós fiquemo sabendo que o (...) que é pescador tem um primo que trabalha na ambiental, por isso que não veio ninguém (Informante 1). A discordância pronunciada entre os pescadores que respeitam a

legislação e os que praticam a pesca ilegal, por vezes pode resultar em denúncia de outros companheiros, como foi o caso de um relato obtido onde por comercializar camarão durante o defeso, a esposa de um dos pescadores foi pega


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em flagrante e multada. Atribuindo a responsabilidade do flagrante à denúncia praticada por determinado pescador da localidade, que estava atuando na pesca do camarão ilegalmente, este também foi denunciado. No entanto, durante o acompanhamento das atividades, não houveram relatos nem foram presenciadas situações que levaram os atores envolvidos ao conflito direto.


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5.2.1.3. A PESCA DA TAINHA PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS: Pescadores artesanais OUTROS ATORES: IBAMA e Polícia Ambiental SITUAÇÃO-PROBLEMA “Ai criaram uma rede de caça e malha a rede de caça e malha foi o maior veneno que criaram pra tainha. Antes era rede de pau, só pescava na praia. O peixe vinha ficava dentro desses costão da pedra ali e mexia saia amontoado e vinha pra praia, ai a gente matamos grande quantidade” (Informante 4) “Quando chega na época das tainha o povo bota as redes ai na boca da barra . Atravessam a rede na boca da barra. Você acredita que vai entrar peixe no rio? Não entra” (Informante 4) “E o pessoal tão se virando ai com peixinho pequeno ai, tainha também não tem nada agora” (Informante 2) “A pesca da tainha também acabou. Acabou. A tainha aqui no nosso mar ela vinha em grande quantidade chegava assim a época do mês de maio, junho chegava tanta tainha que você ficava calculando, pois de onde é que vem tanto!” (Informante 4) “Peixe hoje quando chega época de tainha no corso, passa lá fora, lá por onde tem a monobóia e vai pro norte, foram as redes que fizeram correr o peixe do costão né” (Informante 4) “É a tainha, era a pescaria melhor que tinha aqui pra nós que vinha mais dinheiro e que mata bastante né” (Informante 2)

A situação da pesca da tainha merece particular atenção em virtude da

representatividade que ela exerce dentro da localidade. Rodrigues (2000) aponta a


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pesca da tainha como a principal modalidade desenvolvida entre o grupo, considerada a safra anual para os pescadores da Enseada. É de comum acordo entre os entrevistados, que a pesca da tainha está longe de representar o que foi no passado. A comprovação deste argumento é apresentada no relato de um evento de pesca no ano de 1962, na praia da Enseada em que foram capturadas 46.700 tainhas37. Mas aqui na Enseada, em 6 de junho de 62, nós demos um lance ai onde ta o atracador da Petrobrás, 46.700 tainhas foi em 62! Nós cercamos com cinco rede de praia, e matamos 46.700 tainhas que nós contamos! (Informante 5).

Para a pesca artesanal da Enseada, o ano inicia e termina com a pesca da tainha. Existem na localidade embarcações que só operam durante a safra da tainha e as que operam em outras pescarias começam a ser preparadas desde o verão para no inverno saírem à captura. Com a baixa temporada do turismo, também os “bombeiros” (como são conhecidos os pescadores que desenvolvem outras atividades além da pesca) saem em busca da tainha com embarcações próprias ou para trabalhar como camarada38. O sistema de recompensa pelo trabalho ainda é baseado na divisão por “partes”. Metade da captura é de propriedade do dono da embarcação e a outra metade é dividida entre os camaradas, geralmente em número de um ou dois. Os camaradas podem não ser pescadores e a escolha do camarada dependerá do número de interessados que surgem para realizar o trabalho. Certo proprietário de embarcações de turismo, que emprega alguns dos “bombeiros” no verão, possui sua própria embarcação e trabalha também na pesca apenas durante esta época do ano. Os entrevistados não manifestaram desaprovação quanto á pratica da atividade por indivíduos que não pertencem. Os pescadores aposentados, detentores do conhecimento sobre o cerco de praia ainda preparam suas redes durante a época da tainha. São em número 37 38

No costão do limite sul da praia, encontra-se gravado nas rochas o registro deste evento. Os camaradas são pessoas que auxiliam as atividades de pesca na época da tainha.


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aproximado de quinze e realizam a pescaria com seis redes, em esquema de revezamento. Estes

pescadores

acabaram

deixando

de

pescar

na

Enseada,

transferindo-se para uma pequena praia ao lado, em função da alta movimentação das embarcações. Ainda de acordo com estes, a implantação da base da Petrobrás prejudicou enormemente a entrada da tainha que “acostava” na praia. É importante ressaltar que as razões quanto à escassez da tainha foram apontadas principalmente pelos pescadores aposentados. Segundo eles, a diminuição da captura estaria atrelada ao advento da utilização da rede de caça e malha: (...) aí criaram uma rede de caça e malha. A rede de caça e malha foi o maior veneno que criaram pra tainha. Antes era rede de pau, só pescava na praia. O peixe vinha ficava dentro desses costão da pedra ali e mexia saia amontoada e vinha pra praia, ai a gente matamos grande quantidade (Informante 4).

De acordo com os relatos, o que estaria acontecendo não seria propriamente o esgotamento do recurso, mas às redes de caça e malha é atribuída a responsabilidade por ter “espantado” ou ainda “feito correr” os peixes da pescaria. Por conta destas práticas, as tainhas não estariam adentrando a baía para fazer o corso39. Foram aparecendo rede caça de malha foram cercando no costão, cercava dois mil peixe matava quinhentos peixe o resto ia embora tudo. Com a rede que era imprópria ainda é, mas naquela época era mais impróprio ainda. (...) e aquilo ai foi diminuindo, foi diminuindo e hoje não tem mais (Informante 4).

Apesar da Portaria IBAMA n° 26, de 13 de abril de 1995, proibir o emprego de redes de cerco, redes de caça e malha, redes de trolha, redes de 39

De acordo com o informante, o corso “(...) é quando o peixe sai da costa do Rio Grande quando ele vem pro Norte. Tainha, enchova, parati, cação, corvina todo ele faz o corso, sardinha, todo peixe faz o corso. O corso é a viagem de Sul para Norte outros fazem de Norte para o Sul”. Este termo se refere então, aos movimentos migratórios realizados por algumas espécies.


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emalhar fixas, cercos flutuantes, fisgas e garatéias, farol manual e tarrafas a menos de 800 metros das praias e 80 metros dos costões, a ineficiência da fiscalização também foi apontada como causadora da escassez das tainhas: E a culpa é também da fiscalização que deixou eles fazer assim. Chegava no costão e colocava a 50 metros do costão uma baliza, 50 metros do costão é um pulo, né! (Informante 4)

No passado, quando eram realizados apenas cercos de praia para a captura das tainhas, a pesca aparentemente funcionava de forma cooperativa, com a divisão do trabalho e dos recursos entre o grupo pesqueiro. Atualmente, o cerco de praia não é mais praticado como um evento coletivo, exceto pelos pescadores antigos. Um dos pescadores entrevistados mencionou que apesar da competição para cercar os cardumes, não haveriam conflitos em função da disputa do recurso pois ainda haveria “tainhas para todos”. O problema, segundo este, seria o fato de que a tainha não tem “parado” e por esta razão estaria sendo difícil de capturá-las: O que tem de cardume ai o pessoal se espalha (...) um cerca pra cá, outro cerca pra lá, um mata mil quilo, outro mata quinhentos quilo (...) Tem dado bem, tem dado bastante, mas só pra ver né, por que pra mata meio difícil, tainha nesse ano passado, não paro a tainha, andava muito a gente não conseguia mata ela, matei, umas duas mil eu matei (Informante 3).

A existência de quinhões não foi aprofundada, no entanto, o que se obteve de informação foi que quando a pesca é farta é realizada distribuição de tainha entre as pessoas da localidade.


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5.2.1.4. ATUAÇÃO DA FROTA PESQUEIRA INDUSTRIAL PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS: Frota artesanal, Frota Industrial. OUTROS ATORES: IBAMA, Polícia Ambiental. SITUAÇÃO-PROBLEMA “A nossa costa aqui ela foi muito batida por parelha, navio de parelha. (...) essas parelhas ai é tudo de barco de fora, Rio, Santos, né! maioria era tudo era tudo de lá. Vieram, que vieram para nossa costa do sul e ficaram acabando, limpando aqui” (Informante 4) “(...) o ano todo virando, parelha não pára. É dois barco arrastando numa distância de seis metro um longe do outro assim, com uma rede bem pelo meio assim, vão limpando o fundo do mar” (Informante 3) “A criação do peixe, a criação do peixe sempre foi, na costa, sobre a costa ele cria no rio o camarão o peixe, sempre na costa, a nossa costa aqui ela foi muito batida por parelha” (Informante 4) “eles matam um monte de peixinho pequeninho e vão jogar fora, vai acabando a criação (...)” (Informante 3) “Isso ai eles pegaram tanto peixe, eles mataram tanto peixe assim que não podia fazer aquilo e que hoje ta fazendo falta” “Aqueles barcos grandes é que pescam pegam os peixes miúdos tudo e morre tudo” (Informante 2) . “(...) a parelha mata tudo, mata tudo mata as criação, mata tudo, mata pequeno, mata grande (...) tem um monte aqui na Praia Grande aqui, ai o peixe começa, mata tudo, mata um monte” (Informante 3)


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De acordo com os relatos, a atuação das embarcações que praticam arrasto de parelhas há muito vem sendo considerada como um problema entre os pescadores artesanais. Como se trata de uma modalidade de pesca de escala industrial, a principal manifestação de contrariedade diz respeito à prática da atividade de grande escala na área de atuação da pesca artesanal. A pressão que a frota de parelha vem exercendo sobre os recursos através do intenso esforço de pesca40, bem como o baixo grau de seletividade que apresenta, capturando tanto indivíduos juvenis quanto maturos, além de espécies que não apresentam valor econômico (by catch). Branco (2001)41 em estudo realizado na Armação do Itapocoroy, município de Penha, verificou que na pesca dirigida ao camarão sete-barbas a fauna acompanhante ou by catch apresentou 79 espécies de 69 gêneros e 46 famílias. Desta biomassa, 42% era composto por ictiofauna; 13,8% de carcinofauna e os 38,4% restantes por malacofauna, echinodermafauna e cnidofauna. Os fatores citados, mais a presença de maior poder de pesca em função da tecnologia utilizada e porte desta frota, teria ocasionado a diminuição da abundância e até a depleção de determinadas espécies: Olha de fora ali, mais ou menos 8 horas da noite (...) isso ai você pode falar com qualquer pescador ali que ele fala, uma base de dez, doze, quinze parelha de barco (...) esses barco trabalhavam o dia todo, a noite eles ficavam ao remanso da ilha (...) 4 hora da madrugada, nós saiamos daqui pra fora, nós pescador da praia, chegava na ponta do morro pra fora eles já tinham saído na frente (Informante 4).

A pesca de arrasto com parelhas consiste no emprego de uma rede de formato cônico arrastada por duas embarcações, mantida aberta pela distância entre estas, sendo mais eficiente em profundidades de até 60 m. No Sudeste e Sul do Brasil, as redes de parelha chegam atingir 80 metros de tralha superior, 40

Entenda-se neste caso, esforço de pesca como o número de embarcações operantes e a quantidade capturada por cada uma destas embarcações em determinado espaço de tempo. 41 Resultados apresentados na Reunião Técnica sobre Ordenamento da Pesca de Camarão nas Regiões Sudeste e Sul do Brasil, (CEPSUL/ IBMA – Itajaí em novembro de 2000)


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resultando em uma abertura horizontal da boca da rede da ordem de 55 metros, enquanto que a abertura vertical chega a 6 metros e 20 TBA42. Em Santa Catarina, têm sido registradas cerca de 124 embarcações43 atuando na pesca. A legislação que opera sobre a prática de arrasto com parelha é a Portaria do IBAMA N. 000107, de 29/09/1992, que “proíbe a pesca de arrasto pelos sistemas de portas e de parelhas por embarcações maiores que 10 TAB, nas áreas costeiras de Santa Catarina” 44. De acordo com a portaria, a prática do arrasto com parelha não poderia estar ocorrendo nas áreas onde se desenvolve a pesca artesanal. No entanto, esta medida aparentemente não é respeitada, pois está se sobrepondo à atuação das atividades da pesca artesanal. A limitação tecnológica da pesca artesanal na Enseada não permite que se ultrapassem os 30 metros de profundidade. O descumprimento da Lei é agravado, segundo os pescadores, pela inoperância da fiscalização pelos órgãos ambientais responsáveis, no caso IBAMA e a Policia Ambiental: O pescador não tá preparado para ir onde está o peixe. Eles tão com lanchinha de boca aberta isso não resolve mais. Já foi né! Hoje o pescador tem que ter um barquinho de convés motor bom, tudo bom, e ele não está preparado pra isso (Informante 4).

A permanência das embarcações de arrasto de parelha nas proximidades da costa, pôde ser observada em uma situação de campo. Entretanto, não foram verificados nem relatados confrontos diretos entre as frotas. A situação apresentada a seguir pode ser entendida como um indicativo da existência de cooperação entre as diferentes frotas, apesar da competição por recursos: Quando ta tempo ruim, motor quebrado, hélice quebrado ele se abriga aqui. Ele chega quer um dinheiro pro pão, pro leite, pra uma cachaça, então aonde eles chegam que a gente se apodera e compra (...). Eles é que chegam com o peixe não é a gente que vai buscar.” (Informante 1) 42

TBA: tonelagem por arqueação bruta Fonte: GEP – CTTMar: http://www.gep.cttmar.univali.br/index_gep.php 44 Fonte LEMA: base de dados de Legislação Ambiental.: http://www2.ibama.gov.br/cgibin/wxis/?IsisScript=/home/misis/www/cgi-bin/cnia/lema.xis&opc=home 43


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Desta forma, mesmo havendo relatos que concretizem a problemática pela prática da atividade industrial, os pescadores artesanais mantém um certo nível de relações com os pescadores industriais, evidenciadas neste caso pela comercialização de pescado entre eles.

5.2.2. CONTEXTUALIZAÇÃO

DAS SITUAÇÕES-PROBLEMA SOBRE A PESCA NA

BAÍA

DA

BABITONGA IDENTIFICAÇÃO DAS SITUAÇÕES-PROBLEMA POR ORDEM DE IMPORTÂNCIA: 1O. A PESCA AMADORA 2O. INSTITUIÇÃO DO DEFESO DO CAMARÃO 3O. O FECHAMENTO DO CANAL DO LINGUADO 4O. PROPOSTA DE INSTALAÇÃO DE UM PORTO NA LOCALIDADE 5.2.2.1. A PESCA AMADORA PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS: Pescador artesanal, Pescador amador. OUTROS

ATORES:

IBAMA,

Policia

Ambiental,

Colônia

de

Pesca,

atravessador. SITUAÇÃO-PROBLEMA “Tem gente que não precisa, você sabe eu to sendo bem claro, tem gente que não precisa, (...) se ele te leva aí pra cima no final de isso aqui fica cercado de rede fora a fora, então isso aí eu acho que prejudica né!” (Informante 11) “Atrapalha muito. Esse pessoal de fora atrapalha muito (...) eles passam com o motor em cima da rede, corta o cabo da rede e aquele pedaço pode cortar e jogar fora porque corta tudo “ (Informante 9)


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“Por que o que ta acontecendo: Nós pescamos com isca morta, eles pescam com isca viva” (Informante 6) “Por que eles podem mais eles tem um motor bom um barco bom, compram uma rede e começam a pescar” (Informante 6) “Essa nossa baia aqui vai chegar uma época daqui a uns três, quatro anos que não vai ter pescador nenhum só vai ter turista. Isso vai acabar com a nossa baia aqui” (Informante 6). “É tem uns problema, que o pescador tá enfrentando ai é essas pessoas que não precisa, que ao invés de comprar camarão, peixe lá do pescador eles vão lá e matam” (Informante 7) “Tem gente que não precisa, você sabe eu to sendo bem claro, tem gente que não precisa, que nem ele aí, ele vive da pesca, agora, se ele te leva aí pra cima no final de semana tem gente que não precisa, isso aqui fica cercado de rede fora a fora, então isso aí eu acho que prejudica né!” (Informante 11)

Os pescadores relataram que vêm sentindo um aumento significativo no número de pescadores amadores nos últimos 15 anos. Segundo os mesmos, a facilidade em expedir uma carteira de pescador profissional surgida com a criação do IBAMA, em detrimento da SUDEPE, teria sido uma das principais razões que acabou por desencadear uma alta demanda de pescadores ilegítimos. No que versa sobre o papel do IBAMA, os pescadores afirmam que antes da sua criação a atuação da SUDEPE era mais efetiva no controle dos cadastros dos pescadores profissionais. De fato, a obtenção do Registro Geral de Pesca (RGP), através da SUDEPE (Portaria SUDEPE No N-21, 30 de maio de 1984), para a retirada das carteiras implicava em uma série de comprovações junto à Capitania dos Portos e ao Ministério do Meio Ambiente, da regulamentação da


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situação da embarcação e comprovante de exercício da atividade que era obtido junto à Colônia. A partir da extinção da SUDEPE e com a delegação da responsabilidade pelo RGP ao IBAMA Portaria nº 16, de 29/05/1991, as expedições das carteiras passaram às Superintendências Estaduais do IBAMA e poderiam ser obtidas mediante a apresentação de duas testemunhas. Atualmente, a pesca passa por um “novo” momento de renovação das permissões. A incumbência do RGP está em poder da Secretaria Especial de Pesca e Aqüicultura (SEAP), criada com o advento do último governo (Instrução Normativa nº 3 de 12 de maio de 2004). A renovação que antes ocorria a cada cinco anos agora passa a ser anual. Ai depois (...) o IBAMA não deu conta deixou pra policia ambiental e a Policia Ambiental ta ai, vai ai de vez em quando prende quatro, cinco dá multa, mas não adianta, o povo não tem vergonha na cara, os pescador chegam lá que são bem de vida soltam uns cenzinho, duzentinho, trezentos, talvez um dinheirinho a mais que tem não precisa (Informante 6).

Segundo os pescadores, ainda hoje são sentidos os efeitos da falta de controle e ordenamento dos RGP’s, quando este competia ao IBAMA. Com o novo processo de renovação das licenças, acreditam que será possível reduzir consideravelmente a demanda de “falsos pescadores”. Outro grande empecilho ao ordenamento da pesca, relatado pelos artesanais, seria novamente a falta de infra-estrutura dos órgãos ambientais responsáveis em fazer cumprir as normatizações propostas. A fiscalização, quando ocorre, não é efetiva propiciando a continuidade da situação de conflito instaurada. Os “bombeiros” como são conhecidos entre os pescadores artesanais, estariam ocasionando a descaracterização da atividade como prática artesanal, em função da implementação de tecnologias não acessíveis economicamente para o pescador autêntico e promovendo o colapso de práticas pesqueiras.


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Então é uma coisa que isso ai tem muito, a gente chama de bombeiro, de bombeiro porque não precisa entendeu? Tem muitos bombeiros na nossa baía (...) eles pesca de rede, merimbau, tarrafa. Pescador, pescador com carteira profissional aqui na nossa baia ó não tem muitas pessoas (Informante 6).

Atualmente, um fator que poderia estar contribuindo para o crescente interesse pela pesca de caráter esportivo, pode estar relacionado com as medidas de incentivo ao cadastro de pesca amadora protagonizadas pelo IBAMA. Apesar dos baixos limites de captura estabelecidos, a acessibilidade e incentivo à regulamentação da prática esportiva associada à ausência de fiscalização estariam facilitando a prática de uma atividade amadora por concepção, mas que utiliza tecnologias idênticas ou superiores as destinadas à pesca artesanal: Esse ano eu vi tanta gente, tanta gente que nunca eu tinha visto nessa redondeza (...) Esse ano que eu pesquei camarão que bem pouca pescaria esse ano, o que tinha de gente de turista ai, pessoa que nunca vi na minha vida pescando ai, com motor de 25 bom, motor de 15 zerado, todo mundo matando camarão (Informante 6).

A prática de pesca amadora, com a utilização de equipamentos de pesca permitidos e designados para a pesca profissional, pôde ser verificada em situações de campo, onde, em algumas saídas, o número de embarcações da pesca amadora chegava a superar as artesanais. As embarcações utilizadas pela pesca amadora, geralmente encontramse em melhores condições que as utilizadas para a pesca artesanal, são lanchas de alumínio equipadas com motores de popa (15, 25 HP) que fogem ao poder aquisitivo do pescador artesanal. O “turismo da pesca”, segundo observado, não está restrito apenas às épocas de temporada. Notadamente há um incremento na procura pela atividade no verão. No entanto, estes pescadores, que desenvolvem outras atividades profissionais em suas cidades, procuram a Baía para a prática da atividade pesqueira durante os finais de semana, como forma de descansar e aliviar o estresse causado pelo cotidiano nas cidades onde vivem.


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O que atrapalha a pescaria é essa gente que não véve da pescaria que são bem empregados (...) que fosse um ou dois, mais barbaridade isso vem de fim de semana ai gente que quando pega uma feriazinha e licença vem (...) ali no canal não dá de botar a rede o pessoal daqui que véve da artesanal não dá pra botar uma rede (...) pessoal de Joinville tomou conta tudo da baía ai, gente que não precisa disso ai, (...) (Informante 8)

Com o pescador amador competindo com o pescador artesanal instaurase outra problemática, que é a queda na venda do pescado ao turista: Às vez esse pescador (...) que a gente oferecia camarão pra eles agora eles olham pra cara da gente: pra que que eu vou comprar camarão se tenho motor bom, tenho merimbau bom. Eles matam mais que o pescador que véve da pescaria, porque pra eles é melhor, eles tem seu bom aparelho, sua boa rede, seu bom motor, os pescador hoje em dia tem esse motorzinho mas não é tão bom assim como ele, (...) e ele véve, ele véve da pescaria (Informante 6)

Um terceiro ator surge nesta situação de disputa. Com a dificuldade de vender o pescado aos turistas e a falta de incentivos ao comércio direto, o atravessador – conhecida figura no cenário da pesca artesanal – acaba sendo uma opção fortalecida pelo declínio da procura por pescado. Hoje é difícil você vender um peixe direto pro consumidor (...) Você é obrigado a entregar pro atravessador (...) ganha em cima ai 200% do pescador, né... O pescador não tem acesso ao mercado municipal. Que era pra ter, né... pra vender o peixinho lá direto, mais barato pro consumidor e fatura um pouquinho mais, né... (Informante 10)

O sentimento de ter invadido seu espaço, infligidos seus direitos, acaba resultando em embates diretos entre pescadores artesanais e amadores, como em situação relatada por dois dos informantes, onde um pescador artesanal saiu ferido depois de ter afrontado um pescador amador: Um pescadorzinho daqui (...) bebinho que barbaridade (...) viu dois cara ai de Joinville pescando, cada um com sua mulher, ele chegou e enfiou a bateira de cima, atacou pra cima da bateira dos homens


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(...) ai o alemão deu uma remada nele, ele deu uma remada no alemão, aí ligou o motor de ré, e, foi lá passou a mão no facão e deu nele , pegou aqui na coxa dele que abriu (...). (Informante 8)

(...) então é assim gente que não precisa, vem ai estrovar o pescador que véve da pescaria (..) Final, que esse que tava bebo que puxou a confusão ficou cortado e não ta pescando ainda porque ta se curando (...) (Informante 6 ).

Nestes

relatos,

apesar

dos

entrevistados

responsabilizarem

os

pescadores amadores pela situação instaurada, não se mostraram a favor da conduta apresentada pelo pescador ferido: O que adiantou ele fazer? Encher os cornos de bebida e faltar com o respeito com a mulher do outros? (Informante 8)

Do outro lado, os pescadores amadores não acham que sua prática possa vir a interferir na atividade dos pescadores artesanais e por este motivo acreditam que a convivência entre eles é boa. De fato, a experiência de campo no Porto das Caieiras aponta que ambos pescadores convivem sem confrontos. Na verdade, a boa conduta não representa a aceitação da prática da pesca amadora na Baía. Situações

de

cooperação

entre

artesanais

e

amadores

foram

presenciadas freqüentemente. Pescadores artesanais fretam suas embarcações e levam os amadores para pescar como forma de complementar a renda obtida com a atividade pesqueira.


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5.2.2.2. DEFESO DO CAMARÃO PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS: Pescadores artesanais, Polícia Ambiental, IBAMA. OUTROS ATORES: Pescadores amadores, Colônia de Pesca. SITUAÇÃO-PROBLEMA “(...) que é a época do defeso, o pau pega. O próprio pescador, geralmente, o próprio pescador vem aqui dia e noite, tu vê a pesca do camarão ovado” (Informante 6) “(...) muitas pessoas tiram a carteira para pegar o salário defeso. Inclusive esposas de pescadores amadores” (Informante 7) “(...) não podia eles já tão matando. Agora, quando ta na época de pescar o camarão, que ta na época de pegar a autoridade proíbe, proíbe (...)” (Informante 8) “O camarão (...) ninguém espera três meses pra abrir fecho ai para tudo ele iria desovar iria ter bem mais camarão, o camarão ia se criar com o tempo, ele ia ficar mais graúdo, ia ficar mais manso, num ia ficar tão esperto pra poder pegar ele. como ta hoje em dia hoje em dia ta triste” (Informante 6) “(...) é por isso ta assim desse jeito, por isso ta ruim de camarão, agora nessa época porque agora que ta na fonte do camarão, que poderia ter uma camaroada ai pra matar precisa correr o dia todo ai pra pegar três, quatro, cinco camarão” (Informante 8)

Na maior parte dos casos observados, as reivindicações dos pescadores apontam para a revisão da época do defeso e adequação do ciclo de vida dos recursos em questão:

Um dia eu falei pra um fiscal em São Francisco: ‘Vem cá vocês fiscal da pesca, vocês, eu posso falar uma coisa pra você (...) a sua


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mulher se ela ta grávida, senhor mata sua mulher essa criança vai nascer? (...) Pois então como vai matar o camarão ovado? (...) pois é por isso que está assim ruim de camarão (Informante 8).

A mudança no período do defeso para as espécies é uma reivindicação pleiteada logo do surgimento do mesmo. Como os pescadores não atuam apenas na captura de uma, mas de várias espécies de camarão (sete-barbas, branco, camarão-ferro e rosa), alegam que o defeso não contempla a época adequada para a proteção destas. A contrariedade sobre estratégia de adoção do defeso pode ser mais facilmente compreendida de acordo com Pezzuto (2001), onde o defeso teria surgido como medida de proteção do ciclo de vida do camarão-rosa, pelo seu alto valor comercial em relação aos outros camarões. A espécie, que desova no mar aberto, produz larvas e pós-larvas que se desenvolvem no interior dos estuários e migram para o oceano. No entanto, ao longo de sua migração este atravessa a zona de ocorrência das demais espécies na área costeira, principalmente do camarão sete-barbas, paralisando toda a pesca de camarões e instaurando assim a problemática em questão: A época do camarão é janeiro em diante. E ali o camarão-ferro que é janeiro, ai fevereiro já vinha o camarão branco, ai acabava-se o camarão ferro acabava-se vinha o branco, ai ficava até setembro, outubro só no camarão, ai já vinha pescaria novamente de espinhel, assim, sempre tinha o que matar (Informante 8).

A proibição que compreende o período de 1º. de março a 30 de maio, como

citado

anteriormente,

resulta

na

captura

ilegal

praticada

reconhecidamente pelos pescadores artesanais e amadores, na conseqüente escassez do recurso pelo aumento do esforço de pesca na reabertura da captura e ainda a problemas que dizem respeito à concessão do seguro desemprego. A parada do defeso neste caso nos faz refletir sobre a utilização de medidas proibitivas como forma de manejo. Em grande parte das situações, estas não levam em consideração o fato de que posterior à proibição, instaura-se um caos consentido pela liberação da pescaria sem o estabelecimento mínimo de cotas de captura.


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O seguro desemprego ou seguro-defeso45, como é conhecido, tem criado uma demanda de “falsos pescadores” os quais vêm recebendo os benefícios destinados aos pescadores artesanais, que utilizam o recurso financeiro como substituição à produção durante a realização da parada. A concessão de carteiras de pescador profissional a quem não é dependente da atividade, foi verificada em uma situação de campo, onde o entrevistado, apesar de praticar pesca amadora possuía carteira profissional a mais de cinco anos. Quando questionado sobre a aquisição da carteira, afirmou que teria sido obtida através da Colônia de Pesca. O recebimento do recurso do seguro-defeso deve ser feito anualmente em três parcelas, correspondentes aos meses de proibição (março, abril, maio). No ano de 2005, até o dia 30 de maio, um dia antes da finalização do defeso, o recurso ainda não havia sido liberado. De acordo com o Presidente da Colônia, a razão foi atribuída à greve dos Servidores Públicos Federais, impedindo que tanto as licenças de pesca decorrentes do recadastramento instituído pela SEAP46, quanto à liberação das parcelas, fosse efetivada. Além destes dois fatores, a ineficiência da fiscalização é severamente sentida por não conseguir que a obrigatoriedade da parada seja cumprida igualitariamente: A própria ambiental não consegue dá conta porque eles não tem o óleo, não tem barco pra fiscalizar toda essa nossa Baia aqui (Informante 7).

Sobre a ineficiência da fiscalização, o que se pôde verificar entre os pescadores foi uma aceitação instituída desta problemática conhecida de longa data. Onde os próprios admitem a impotência dos órgãos fiscalizadores, pela falta de condições como infra-estrutura e recursos humanos. 45

Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003: Dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal. (Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos). 46 Instrução Normativa Nº06 04/05/05 - Estabelece critérios e procedimentos para o recadastramento de pescador profissional inscritos no Registro Geral da Pesca. Fonte: http://www.seap.gov.br/seap/html/noticias.htm


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5.2.2.3. O

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FECHAMENTO DO CANAL DO LINGUADO

PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS: Pescadores artesanais, Poder público OUTROS ATORES: Frota industrial SITUAÇÃO-PROBLEMA “Por aqui os barcos grandes não conseguem cercá a boca da baía porque ali é baixo ai só sai por lá, ai o peixe tinha como sair por aqui, mas ai foi fechado esse linguado” (Informante 8) “E vêm do rio aquela carga de água poluída” (Informante 11) “Porque quando o peixe começa a entrar da boca da barra pra cá, eles lançam aquela rede lá fora, eles fecham a boca da barra. Ai o peixe não vem. O que entra, entra, o que não entra, sai pra fora. Se esse Canal do Linguado fosse aberto o peixe arodeava por lá e saia por aqui” (Informante 6) “Tem duas boca de barra pra entrar. Agora só tem uma. O barco trainero, na época que a tainha ta pra entrar no inverno (...) fecham a entrada do peixe” (Informante 6)

Entre os pescadores os efeitos do episódio sobre o fechamento do Canal do Linguado vêm sendo sentidos há pelo menos duas gerações. A este evento se atribui a diminuição da quantidade de peixes disponíveis para a captura tanto pela carga de poluentes, que é despejada pela via hidrográfica proveniente do pólo industrial joinvillense, bem como pela restrição da entrada de espécies, que realizavam o corso para desovarem na Baía. De acordo com Cremer (2004), a história do fechamento do canal remonta ao ano de 1907, quando foi aterrada a porção norte do canal, situado entre a Ilha do Linguado e a Ilha de São Francisco, com o objetivo da construção do ramal ferroviário de ligação do Porto de São Francisco do Sul.


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Em seguida foi fechada a porção sul do canal, entre a Ilha do Linguado e o continente. A permanência de uma abertura de 120 metros, sobre a qual foi construída uma ponte metálica com a parte central móvel, teria ocasionado um processo erosivo que comprometeu a fundação dos pilares da ponte. Em 1934, decidiu-se pelo início das obras de fechamento total do canal, concluído no ano seguinte (Cremer, 2004). A partir daquele momento, a circulação do canal foi obstruída implicando em transformações na hidrodinâmica da Baía e dos ecossistemas adjacentes. Em virtude do descontentamento da população e através de uma decisão judicial resultante da Ação Civil Pública (ACP), movida pelo Ministério Público Federal47 de Joinville em 2001, foram responsabilizados pela obra a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transportes (DNIT) e a América Latina Logística (ALL) pela obra realizada. (Cremer op. cit.) Como decorrência da ACP, no período de novembro de 2002 a junho de 2004, foram realizados uma série de estudos na região para avaliar a reabertura do aterro do canal. O diagnóstico ambiental resultante destes estudos considerou o fechamento do Canal do Linguado como “dano ambiental grave, causador de danos lentos, gradativos e cumulativos e potencializador das demais ações antrópicas impactantes ao meio ambiente, afetando a vida marinha, em diferentes escalas espaciais e temporais para os diversos grupos aí existentes” (DNIT/ IME, 2004). Ainda de acordo com os resultados do estudo, o bem estar dos pescadores teria sido afetado para a utilização da Baía da Babitonga como área de lazer e turismo, para a pesca profissional e maricultura. Do ponto de vista dos moradores da região, a reabertura do Canal do Linguado seria tida como uma prioridade absoluta, refletida pelos movimentos de mobilização social que culminaram na Ação Civil Pública (DNIT/ IME, 2004).

47

Processo nº 2001.72.01.001512-6 de 2001.


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A avaliação de impactos demonstrou que os atuais níveis de poluição são preocupantes e que o efeito da entrada de marés na região do Canal do Linguado, ocasionado pela possível abertura, resultará na diluição dos poluentes existentes na região e no aumento da circulação das águas, trazendo benefícios a longo prazo para a qualidade ambiental da Baía da Babitonga e seu entorno. (DNIT/ IME, op. cit.) No entanto, o estudo ressaltou que a adoção de quaisquer das alternativas não restituirá a situação existente na época em que se deu o fechamento do Canal do Linguado. Os pescadores nutrem uma grande expectativa pela reabertura do canal, como possibilidade de melhorar a condição atual em que a pesca se encontra:

Se Deus dasse que eles abrissem esse canal aqui a baia ia melhorar mil por cento (...) A nossa baia aqui iria ficar bem mais funda, o peixe que entrava por aqui não entra o peixe que antes entrava por lá iria ter duas bocas da barra pra entrar, ai os peixe, ai você ia ver o que ia dar de peixe ai, camarão e toda espécie de peixe ai ó (Informante 6).


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5.2.2.4. PROPOSTA DE INSTALAÇÃO DE UM PORTO NA LOCALIDADE DE LARANJEIRAS PRINCIPAIS

ATORES ENVOLVIDOS:

Pescadores artesanais, poder público

municipal, colônia de pesca, iniciativa privada. OUTROS

ATORES:

Pescadores amadores, instituições de ensino superior,

ONG’s, IBAMA, FATMA. SITUAÇÃO-PROBLEMA “Pouco pescador sabe o que esse porto vai causar. Porque o limite da área de pesca depois que implantarem o porto é oficial” (Informante 10) “A instalação de um porto nas Laranjeiras vai acabar com a área de pesca do camarão” (Informante 10)

Esta situação de conflito diz respeito ao projeto de instalação de uma unidade portuária privada na localidade de Laranjeiras. De propriedade da empresa de transformação de aço Vega do Sul48, o projeto trata da construção e implantação de uma obra avaliada em US$ 100.000.000,00. Segundo o projeto49, o porto prevê a ocupação de uma área total de 413.828,93 m2 (41,4 ha dos quais 31,1 ha somente para o porto) e ainda 500 metros de atracadouro adentrando a Baía da Babitonga. O acesso marítimo será realizado através do canal de entrada da barra do Rio São Francisco, que se liga ao canal natural da Baía da Babitonga, onde o projeto prevê aprofundamento do canal, numa extensão de 4,5 km e volume total de dragagem de 595.286,25 m3 de material predominantemente arenoso.

48

Ligada ao grupo europeu Arcelor, fusão de outros três grupos - Francês, Espanhol e Luxemburguense e instalada a partir de 2002 em São Francisco do Sul. Fonte http://www.vegadosul.com.br. 49 Fonte: Relatório de impacto ambiental (RIMA) do Porto de Laranjeiras, município de São Francisco do Sul – setembro de 2004.


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Trata-se evidentemente de uma obra de grande porte, que ao passo que poderá trazer grandes benefícios econômicos, como arrecadações de impostos, geração de empregos e melhoramento no escoamento da produção, acarretará em grandes transformações ambientais e alterações na condição social da população existente na área. A Audiência Pública realizada em decorrência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) solicitado para a implementação da obra, ocorreu no mês de abril do ano de 2005. Posteriormente, o Presidente da Colônia de Pesca solicitou ao empreendedor que, juntamente com a empresa responsável pelo EIA, fosse realizada uma reunião na Câmara Municipal de Vereadores para exposição do projeto e discussão da implantação do porto. A justificativa para a convocação desta reunião de esclarecimento foi, que, devido à sobreposição de interesses dos vários atores presentes na Audiência Pública os pescadores não haviam conseguido manifestar suas opiniões. Tal reunião foi marcada por divergências entre os pescadores quanto a aceitação ou não do empreendimento; confrontos entre militantes da situação/ oposição do poder público municipal; representantes de instituições de pesquisa e ONG’s locais. O Presidente da Colônia de Pesca, que conduzia os trabalhos na ocasião, assumiu publicamente seu parecer favorável ao empreendimento. No entanto, procurou justificar que sua postura não representaria a vontade dos pescadores. Apesar das manifestações contrárias à decisão, não foi concedida a palavra nem aos pesquisadores presentes, nem aos opositores políticos, incluindo pescadores. Em 20 de maio, uma nova reunião foi realizada, desta vez na própria localidade de Laranjeiras, onde, segundo relato do Presidente da Colônia de Pesca, a maioria dos pescadores foi de parecer favorável à implantação do empreendimento. Assumindo que não sofreriam prejuízos no desenvolvimento das atividades pesqueiras, exceto na fase de implementação das obras, a aceitação estaria atrelada ao pagamento de uma indenização correspondente a um salário mínimo mensal durante àquele período.


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No entanto, há necessidade de se relevar a questão da implementação de um novo porto no município, pois residem nela indubitavelmente, as preocupações com a sustentabilidade além de econômica, ambiental e dos grupos que subsistem da pesca. A instalação de uma unidade portuária na localidade de Laranjeiras, preconiza o tráfego marítimo de embarcações via Baía da Babitonga. De acordo com Branco e Rodrigues (1998), a Baía seria utilizada por pescadores de trinta e três localidades dos cinco municípios do entorno (Araquari, Barra do Sul, Itapoá, Joinville e São Francisco do Sul). Assumindo que a Baía da Babitonga é um espaço em comum para extração de recursos naturais pelos pescadores dos núcleos de pesca do entorno, os mesmos estariam sendo excluídos do processo de tomada de decisão. A análise sobre o projeto de execução apresentado no EIA permite que sejam apontadas sérias desconsiderações, que implicam inclusive nas alterações no modo de vida dos grupos pesqueiros, em foco a localidade de Laranjeiras. O documento do RIMA versa sobre trinta e nove diferentes impactos ambientais decorrentes da implementação e funcionamento da obra. Estes impactos se referem principalmente à alterações na paisagem como supressão de vegetação de Mata Atlântica e afugentamento da fauna; processos erosivos e assoreamentos; alteração na qualidade da água e do ar; interferências nas comunidades aquáticas; impactos sobre pesca, turismo e cotidiano da população; destruição de Patrimônio Histórico e Cultural e risco de acidentes e contaminação (RIMA, Porto de Laranjeiras, município de São Francisco do Sul – setembro de 2004). Para amortização destes impactos, os empreendedores apresentam propostas

de

medidas

preventivas,

mitigadoras

e

compensatórias

e

o

planejamento de programas ambientais e de monitoramento para a área. No entanto, nas palavras de um dos pescadores da localidade esta situação poderá ser resumida da seguinte forma:


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Não sou contra o progresso, mas sejamos bem realistas, como no caso da Vega: o que vocês fazem são promessas, metade não vai acontecer e outra metade vai ser difícil de concretizar50 Nenhum pescador nem outro morador de SFS é contra o progresso, mas paga o preço. O porto para os pescadores é perpétuo. Eu preciso da pesca, e aquele que vive só da pesca?.51

No entanto, de outro lado encontra-se a manifestação de pescadores que motivados pela insatisfação das condições atuais da pesca artesanal apóiam a iniciativa, reforçando a tendência de abandono da atividade como principal fonte de renda: Setenta por cento de nós depende do Porto, então se a gente tiver dois portos não vais ser melhor? O pescador não depende só da pesca...52

Na fala de um ex-pescador, atual vereador no município, foi declarado que o declínio da atividade seria um “destino” e que como “ninguém coloca peixe nem camarão no mar”, o pescador hoje necessitaria de uma nova fonte de renda. Para evitar o licenciamento para implantação do porto, um grupo composto por pesquisadores de instituições de ensino superior, ONG’s, órgãos ambientais vigentes e um pequeno número de pescadores têm reunido esforços na tentativa de impedir a implantação da obra. Como manifestação pública de contrariedade, são citadas a criação de um abaixo-assinado para ser encaminhado ao Ministério Público Federal, com a solicitação de que a responsabilidade do licenciamento da obra, que hoje cabe ao Órgão Ambiental Estadual (FATMA), seja transferida ao IBAMA, sob a justificativa de que a área da Baía da Babitonga é considerada Mar Territorial e, portanto, de competência Federal indelegável. Juntamente a esta manifestação, existe a proposta para criação de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável53, 50

Relato obtido durante a sessão. Idem ao anterior. 52 Ibidem. 53 As Unidades de Uso Sustentável tem como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso direto de parcela dos seus recursos naturais. (Fonte: IBAMA/ http://www2.ibama.gov.br/cgi-bin/wxis/?IsisScript=/home/misis/www/cgi-bin/cnia/lema.xis&opc=home) 51


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classificada como Reserva da Fauna54, com finalidade de proteger as espécies que residem na área, como o mero (Epinephelus itajara), a toninha (Pontoporia blainvillei) e o boto-cinza (Sotalia guianensis). Vale ressaltar que estas medidas são tentativas por vias legais de impedir que a obra seja levada à diante. Muitos pescadores da localidade de Laranjeiras quando abordados sobre a questão da implantação do porto, ainda não haviam tomado conhecimento da situação, nem haviam sido convocados para as reuniões pela Colônia. Num último momento, pescadores da localidade estariam iniciando um movimento de protesto contra a instalação do porto, difundindo o abaixo-assinado à localidade de Laranjeiras55.

54

A Reserva da Fauna compreende uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnicocientíficos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. (Fonte: IBAMA/ Idem) 55 Mazzoleni, comunicação pessoal, junho de 2005.


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6. DISCUSSÃO 6.1. CONFLITOS NA ILHA: DAS MOTIVAÇÕES AS RESPONSABILIDADES PELA CRISE DA PESCA ARTESANAL

Tomemos por base algumas fundamentações encontradas na literatura para definir os conflitos socioambientais e os campos de domínio pertinentes aos seus autores: 56

(...) se instauram nas relações desarmoniosas entre sociedadenatureza, instituindo espaços de encontro, confronto e negociação entre projetos políticos, universos culturais e subjetividades de interesses sociais diferentes, onde o que se reivindica é o meio ambiente “. (Carvalho, 2004, grifos nossos)”. 57

(...) Pode-se afirmar que todos os problemas sócio-ambientais são formas de conflitos sociais entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação natureza–sociedade”.(Andrade, 2000, grifos nossos)

58

Um conflito é uma situação indesejável ocasionada pelas formas de apropriação dos recursos socioeconômicos e ambientais da orla, e que resulta em problemas sociais/ e ou ambientais desse espaço. É uma condição ou uso de um recurso no qual é saliente à dois ou mais atores e nos quais está sujeito a um conflito ativo ou á discordâncias”.(Polette, 2003, grifos nossos).

59

O termo conflito seria empregado para designar diferentes formas de competição em função dos recursos naturais. Estes conflitos podem ocorrer entre o mesmo grupo social ou entre grupos sociais distintos. (Costa-Neto e Marques, 2001, grifos nossos).

56

Educação Ambiental Economia 58 Gerenciamento costeiro 59 Etnoecologia 57


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As denominações acima apresentadas traçam um panorama de análises acerca dos conflitos socioambientais onde se observam cinco sítios fundamentais competentes a estas definições: A) DOS SUJEITOS: dois

ou mais atores (3); mesmo grupo ou grupos distintos (4);

B)

interesses sociais diferentes (1), individuais e coletivos (2),

DAS

MOTIVAÇÕES:

apropriações (3), competição (4); C)

DOS

OBJETOS:

recursos naturais (4), ambientais e socioeconômicos (3); meio

ambiente (1); D) DAS RELAÇÕES: E)

DOS

desarmoniosas (1), indesejáveis (3) e por fim:

RESULTADOS:

espaço de encontro (1), confronto (1), negociação (1); conflito

social (2), conflito ativo (3), discordâncias (3). Uma vez identificados estes elementos, serão utilizados como forma

de

direcionar a análise dos conflitos e (de)compor as impressões procedentes da investigação. A seguir, serão apresentados distintamente entre os locais e dispostos de acordo com sua relevância: CONFLITOS ENSEADA

CONFLITOS BABITONGA

1º. CASA DO PESCADOR

1º. BOMBEIROS

2º. DEFESO

2º. DEFESO

3º. TAINHA

3º. CANAL DO LINGUADO

4º. PESCA INDUSTRIAL

4º. PORTO

6.2. OS SUJEITOS Foram identificados nove diferentes atores envolvidos nas situações– problema descritas. Abaixo são ilustradas as representações que estes sujeitos têm para os pescadores:


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ATORES SOCIAIS

QUEM SÃO PARA OS PESCADORES

PESCADORES ARTESANAIS

a) Os que respeitam e que não respeitam o defeso; b) Os que não se respeitam entre si c) Os que não respeitam mais os ciclos naturais

de

captura

dos

recursos

pesqueiros PESCADORES ESPORTIVOS

Os “bombeiros” Aqueles que não precisam pescar pra sobreviver Os turistas

FROTA INDUSTRIAL

Os da industrial

POLÍCIA AMBIENTAL

Os fiscais Os da Ambiental / A Ambiental

IBAMA

Os fiscais / Esses que fiscalizam Os que proíbem a pesca

PODER PÚBLICO MUNICIPAL

O prefeito

COLÔNIA DE PESCA

A Colônia O Presidente

PODER PÚBLICO ESTADUAL E FEDERAL

O Governo Esses que fazem as leis

INICIATIVA PRIVADA

*

* É interessante notar que os pescadores não apresentam muita familiaridade com os sujeitos na questão da iniciativa privada.

Os conflitos também puderam ser classificados em função dos grupos sociais a que pertencem. Nos casos das duas localidades encontram-se configurados dentro do mesmo grupo de atores e entre grupos de atores distintos.


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As situações descritas e verificadas em campo, apresentam semelhanças com o descrito por Costa-Neto e Marques (2001) em seus estudos sobre etnoictiologia em comunidades pesqueiras no município de Siribinha, interior do estado da Bahia, onde constataram que além de competirem entre eles mesmos, os pescadores competem com membros de comunidades vizinhas ou exógenas, como os turistas, pescadores recreacionais e pescadores profissionais de outras regiões.

6.2.1. ENSEADA Os conflitos de ordem interna dizem respeito basicamente à utilização da Casa do Pescador, da pesca da tainha e da parada do defeso: INTERNOS

Casa do Pescador

Tainha Defeso

Por sua vez, os conflitos externos estariam relacionados com a atuação da pesca industrial e novamente com o defeso.

EXTERNOS

Pesca Industrial

Defeso


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6.2.2. BAÍA DA BABITONGA Os conflitos de ordem interna são os que dizem respeito ao defeso e a instalação do porto. É interessante notar, que apesar da instalação do porto ser preconizada por atores de outro grupo social, o conflito encontra-se fortemente estabelecido dentro entre os pescadores que são à favor da implantação da obra e esperam as melhorias que possam ser trazidas por este e os que não querem correr o risco de ter suas atividades pesqueiras prejudicadas.

INTERNOS

Porto

Defeso

Os conflitos externos apontam para instalação do porto, a abertura do Canal do Linguado, a atuação da pesca amadora (bombeiros) e o defeso. EXTERNOS

Canal do Linguado

Bombeiros

Defeso

Porto


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Os conflitos relatados, tanto pelos pescadores da Enseada quanto pelos pescadores da Baía, possuem como objeto os recursos naturais responsáveis pelo sustento das suas atividades pesqueiras e o espaço em que as práticas se desenvolvem. Apesar dos recursos pesqueiros terem sido apontados como objeto principal dos conflitos, o espaço em sua dimensão física também é reivindicado, e representa uma relação indireta de acesso aos recursos.

6.3. OBJETOS Os domínios dos conflitos por espaço e recursos serão apresentados de acordo com as situações relatadas: 6.3.1. SITUAÇÃO 1. OBJETOS DOS CONFLITOS NA PESCA ARTESANAL DA ENSEADA a) No que se refere ao espaço como objeto das relações conflitivas:

espaço

Casa do pescador

Pesca Industrial

CASA DO PESCADOR A situação relatada na Enseada é a divergência dos interesses de membros do mesmo grupo social. A ausência de gestão na utilização do espaço comum de responsabilidade do governo municipal, fomentada pela baixa representatividade da organização social e liderança do grupo resulta em relações desarmoniosas entre


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estes. No entanto, as relações conflitivas não são alimentadas por embates diretos e apesar das discordâncias os opositores continuam mantendo relações cooperativas entre eles. PESCA INDUSTRIAL

Nesta situação, o que se verifica é a competição entre grupos sociais distintos (pescadores artesanais X pescadores industriais) pelo espaço de atuação das frotas e não necessariamente pelos mesmos recursos. Estes conflitos vêm sendo relatados historicamente no litoral de Santa Catarina (Medeiros, 2002; Wahrlich, 1999). A problemática tem se instaurado em virtude do avantajamento tecnológico apresentado pela frota industrial ocasionando o declínio recursos pesqueiros. Teixeira (1990) afirma que a disputa travada da pesca artesanal com a industrial na utilização do mesmo espaço marítimo, idealizando desastrosamente como comum, coloca em comparação duas forças absolutamente desiguais. Confrontos diretos não foram relatados, demonstrando uma espécie de “cordialidade” entre classes, pois apesar de pertencerem a distintas frotas, todos consideram-se “pescadores”. Um pescador artesanal pode vir a compor a frota industrial bem como um industrial pode tornar-se um artesanal. Este fato foi verificado nos relatos onde três entrevistados afirmaram ter passagem na pesca industrial e em outro caso onde os dois filhos de um dos informantes, que foram iniciados na pesca artesanal, agora trabalham “embarcados” na pesca do camarão em Santos. Maldonado (1994) ao relatar a indivisibilidade do território marinho, enfatiza a importância da igualdade e da cooperação voluntária dos homens do mar onde o sentido de cooperação entre estes é construído com a proximidade e com os desafios que enfrentam na prática da atividade pesqueira.


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b) No que se refere aos recursos como objeto das relações conflitivas:

recurso

Tainha

Defeso do camarão

Tainha A escassez da tainha tem refletido diretamente no sistema estrutural da comunidade pesqueira da Enseada. Os grandes “lanços” de tainha e a fartura das pescarias relatadas no passado estão sempre acompanhadas do saudosismo de tempos passados, onde a comunidade da Enseada era pesqueira por excelência, e o pescador possuía sua reprodução social garantida pois pescar era a manifestação de um desejo que percorria gerações. Segundo eles, a tainha não acaba. Acaba o pescador, que sem recurso, muitas vezes abandona a atividade em busca da melhoria da sua renda.

DEFESO DO CAMARÃO O defeso do camarão pode ser considerado um exemplo de manejo não assistido que extraiu a responsabilidade do pescador sobre suas formas de apropriação da natureza. A inobservância da legislação e a prática ilegal não são vistas como um delito, pois são conhecedores das épocas “certas” das pescarias. O que aparenta ser mais problemático, é a relação de vantagem que os que pescam


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obtém sobre aqueles que obedecem a parada. E quem não pesca o faz pela intimidação da fiscalização. Atualmente é grande a manifestação pela mudança da época do defeso, prova disto são os imensos esforços que têm sido feitos pelos pescadores juntamente com a comunidade científica e organizações representantes da classe.60

6.3.2. SITUAÇÃO 2. OBJETOS

DOS CONFLITOS NA PESCA ARTESANAL DA

BAÍA

DA

BABITONGA a) No que se refere ao espaço como objeto das relações conflitivas:

espaço

Instalação do porto

Bombeiros

INSTALAÇÃO DO PORTO A questão da disputa do espaço, nesta situação, apesar de repercutir a todos usuários da Baía é tratada como uma problemática local e passageira. No âmbito das entrevistas ficou claro a falta de conhecimento do assunto e as incertezas sobre a possibilidade de implantação do empreendimento. São Francisco do Sul como espaço insular e, portanto, extremamente limitado, presencia a instauração de 60

Em setembro de 2004, foi emitido um parecer técnico encaminhado por professores da UNIVALI ao subsecretário da SEAP pedindo vistas á legislação (anexo). Ainda, em 15 de junho de 2005 pescadores de diversas localidades e colônias de pesca do estado reuniram-se para discussão da alteração do período de defeso na cidade de Navegantes contando com a presença de um corpo técnico/ científico e autoridades.


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nova problemática ambiental através da postura desenvolvimentista do Poder Público, ignorado a necessidade de assistir a atividade pesqueira em prol de um lucrativismo de alto risco. A falta de incentivos e apoio governamental têm sido apontados como uma das razões mais importantes da falência da atividade (Medeiros, 2002; Marrul Filho, 2003). A implantação de portos e complexos químicos e petroquímicos em ecossistemas de grande produtividade biológica e de grande valor cênico são causadores de impactos cujas conseqüências são irreversíveis levando a destruição os ecossistemas produtores de alimento para a população (Diegues, 1992). Retomando a representação que a iniciativa privada tem para os pescadores, Marques (2002) descreve uma situação muito semelhante onde questões como a privatização de espaços e o desenvolvimento econômico diante da implantação da CODEVASF61 na Várzea da Marituba no baixo São Francisco, consiste em um elemento “alienígena” com quem os pescadores medem forças. Advindos de outra realidade, estes “elementos” realçam estreitas diferenças culturais e seus interesses divergentes sobre o ambiente.

“BOMBEIROS” Os bombeiros – identidade coletiva atribuída aos pescadores amadores que atuam na Baía – são tidos como responsáveis pela apropriação, tanto do território em terra que antes pertencia aos pescadores artesanais, como por competirem pelos espaços dos pesqueiros no território aquático. As angústias dos pescadores artesanais giram em torno do maior poder de pesca que os pescadores amadores possuem evidenciado pelos equipamentos e embarcações utilizados. Além dos recursos, os bombeiros são responsabilizados pela perda de mercado consumidor.

61

Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.


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Em muitos casos, as relações sociais entre eles são cooperativas, pois ainda há os bombeiros que compram o pescado pagando bons preços e os que alugam os botes dos pescadores artesanais para que estes os levem para pescar (o que chega a render mais que a própria pesca, aproximadamente R$ 30,00 a saída). No entanto, esta prática é sustentada basicamente no período de verão. A situação vem se agravando nas relações entre pescadores artesanais e amadores e os confrontos diretos começam a ser freqüentemente percebidos pela apropriação de espaços de pesca considerados de “direito” dos artesanais. Estes pontos são os locais onde costumam colocar suas redes e a freqüência de utilização do espaço, por exemplo, os ciclos de maré e fases da lua, não tem sido mais respeitadas. Apesar de pescar, o bombeiro não é considerado pescador porque não subsiste da atividade, ao contrário, é considerado um turista. A apropriação dos espaços dos pescadores artesanais por pescadores amadores tem sido retratada em muitos locais e amplamente discutida (Calvente, 1993) no que diz respeito à apropriação do território em terra. As bases conflitivas no caso da pesca na Baía da Babitonga particularmente encontram-se alçadas sobre a apropriação tanto do domínio terrestre quanto do território marinho (Diegues, 1983; Maldonado, 1994 Marques, 2001). Como apontado Calvente (1997), o conceito de território aplica-se a um campo de forças onde o substrato material a ser territorializado pode ser tanto a terra quanto o mar. b) No que se refere aos recursos como objeto das relações conflitivas:

recurso

Canal do Linguado

Defeso do camarão


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CANAL DO LINGUADO A abertura do Canal do Linguado, segundo Rodrigues (2000) na época, significou a vitória dos interesses municipais em prol do desenvolvimento e atualmente, se constitui num dos maiores conflitos de interesses que envolvem toda a região. De fato, para os pescadores a falta de um posicionamento político sobre a reabertura do canal é angustiante. Nesta possibilidade, estão depositadas as esperanças da recuperação da “fartura” de pescado que a Baía fornecia nos tempos passados. O interesse pela reabertura é comum a todos os pescadores artesanais, sendo interessante notar que aos “bombeiros” consultados coube a mesma aspiração. O fechamento do canal envolve a todos e para alguns ilustra também uma preocupação ambiental, no sentido de que a carga fluvial proveniente de Joinville e a quantidade de lixo encontrada nas águas, comprovada durante as atividades de pesca estariam “acabando com a Baía”. Ao passo que há a preocupação, também existe a impotência sentida diante da situação. A falta de articulação política do Estado e o baixo engajamento nas questões

político-administrativas

põe

os

pescadores

alheios

às

situações

estabelecidas. Neste caso, o sujeito não pode ser confrontado, pois se encontra fora do alcance de visão do pescador. Cremer (2004) ilustra a problemática quando considera Canal do Linguado como um exemplo das conseqüências de uma obra que não levou em consideração a gestão ambiental fazendo com que as gerações seguintes tenham hoje que resolver um problema criado no século passado. DEFESO A questão do defeso na Baía da Babitonga é um interesse coletivo que versa sobre a necessidade de mudança do período estabelecido. Causa discordâncias quanto à conduta dos próprios pescadores (que não realizam a parada das atividades) e sobre a permissão da utilização de equipamentos como o gerival, o


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qual utilizam, mas que consideram altamente predatório.

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Mais uma vez, as

possibilidades de negociação fogem do domínio das suas capacidades, pois são de incumbência da legislação criada pelos órgãos ambientais.


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6.4. AS RESULTANTES NO CONFRONTO DE INTERESSES Os quatro níveis básicos de relações conflitivas observadas foram classificados como: 1º. Discordâncias comuns a todos os conflitos onde se estabelece o caráter divergente de utilização de determinado recurso (DISCORDÂNCIAS) 2º. Confronto direto que manifesta suas divergências diretamente aos responsáveis (EMBATE) 3º. Relações de troca (favores, mercadorias) entre os opositores onde os benefícios são mútuos (COOPERAÇÃO) 4º. Estágio que sugere o encaminhamento do conflito visando a resolução. (Negociação) Tabela 06. Diagrama das relações estabelecidas entre os atores em conflito ATORES EM CONFLITO

TIPOS DE RELAÇÕES ESTABELECIDAS DISCORDÂNCIAS

PESCADOR ARTESANAL X PESCADOR ARTESANAL PESCADOR ARTESANAL X PESCA INDUSTRIAL PESCADOR ARTESANAL X PESCADOR AMADOR PESCADOR ARTESANAL X IBAMA/ POLICIA AMBIENTAL PESCADOR ARTESANAL X INICIATIVA PRIVADA PESCADOR ARTESNAL X OVERNO

CONFRONTO

COOPERAÇÃO

NEGOCIAÇÃO


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Nota-se que um maior número de relações é estabelecido entre os pescadores artesanais e entre artesanais e amadores. Os conflitos em que aparece o papel do Estado e dos órgãos ambientais, em suma, são os mais antigos e já estão de certa forma incorporados à realidade dos pescadores. As relações entre estes são formais e como dizem respeito às leis atuam verticalmente. No caso da Iniciativa Privada, o interesse pelo estabelecimento das relações advém dos próprios empreendedores cujas obras necessitam do apoio da comunidade para irem além do RIMA. A “cordialidade” (PPCAUB, 1990 apud Marques, 2001) estabelecida entre os pescadores industriais e artesanais pode revelar uma solidariedade de classe na busca de uma solução repartida para uma situação compartilhada no cotidiano por todos. As dificuldades enfrentadas acabam transformando-os numa “tribo da gente despossuída” onde “os conflitos desaparecem com a solidariedade de classes” (Marques, op. cit). É interessante notar que quanto maior a interação entre os protagonistas dos conflitos, maiores as possibilidades de negociação. Um reflexo desta situação é o exemplo da Casa do Pescador, onde as divergências sobre a utilização do espaço foram um incentivo para que eles procurassem a Colônia e incitassem o diálogo sobre as melhorias que podem vir a ser instauradas. Evidenciamos assim, a possibilidade de tomada de decisão pelas comunidades, que mesmo com um espaço social de atuação limitado buscam seus próprios meios para a resolução dos problemas. Alegret (1995) destaca que uma das características das organizações tradicionais dos pescadores é sua capacidade de gerir a maior parte dos conflitos que surgem no interior dos seus âmbitos territoriais. O domínio do espaço e dos recursos como território é uma das chaves do entendimento da problemática socioambiental na pesca artesanal.


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6.5. TERRITÓRIO DO DESCONHECIDO O que atrapalha (...) é essa gente que não veve da pescaria que são bem empregados (...) lá que fosse um ou dois, mais barbaridade! Isso vem de fim de semana ai, gente que quando pega uma feriazinha e licença vem (...) pescar uma miraguaia e pescada . Ali no canal não dá de botar a rede, o pessoal daqui que veve da artesanal não dá pra botar uma rede, o pessoal de Joinville tomou conta tudo da baía ai (Informante 8).

A idéia de território extrapola os limites físicos ao passo que é uma construção humana. Um conceito utilizado para definir as dimensões do território está vinculado ao sentido de pertencimento dos que utilizam estes espaços denominado por Tuan (1980) como topofilia. O espaço onde os pescadores desenvolvem suas atividades também os diferencia como grupo social. Pescadores entrevistados na localidade da Enseada, que realizam suas atividades principalmente em mar aberto, podendo pescar na Baía ocasionalmente, são reconhecidos como pescadores da Enseada. Já os pescadores que moram tanto em Laranjeiras quanto nas Ilhas Grande, das Flores e das Claras se denominam como pescadores da Baía. À primeira vista parece uma conclusão óbvia, no entanto a relação entre a denominação do grupo e as atividades que desenvolvem, condiciona suas práticas adicionando, segundo Calvente (1993) uma grande carga de subjetividade, pois ilustra a forma com que as pessoas vêem o espaço ao qual pertencem, no qual tem a familiaridade do cotidiano e desenvolvem densas relações sociais formadas por parentesco e vizinhança. O território, para os pescadores, é amplo e marcado por onde moram, trabalham e se divertem, em suma, onde vivem (Maldonado, 1997) Souza apud Calvente (1997) nos explica que o território é fundamentalmente definido pelas relações de poder e apesar das ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço serem importantes para gênese e manutenção deste território, a questão principal são as relações de domínio naquele espaço. Tomemos por base o discurso abaixo:


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Bota a rede em cima da rede do pescador ele fica até sem jeito. Vai botar lá já tem quatro, cinco redes de outro assim, não tem nem lugar botar a rede. Isso atrapalha o pescador (Informante 6).

Hoje a gente vê ai brigas na água ai, um dizendo que o ponto de colocar rede é dele, ai força o outro pescador que já tinha colocado a rede ali a tirar, por que o cara é metido a sabê... (...) Entre os pescadores profissionais, artesanal né. (Informante 10) (grifos nossos)

A rivalidade entre os grupos identificados nos aproxima muito da concepção que reflete a possibilidade da perda de domínio do território. No entanto, além do eminente crescimento presenciado pela pesca amadora, também a implantação de um porto e uma frota pesqueira tecnologicamente superior, são ameaças, principalmente no que diz respeito à sua reprodução cultural.

Agora vem essa gentada tudo que invade isso aqui, agora se você fosse ver a pescaria você ia ver. Que se você fosse pescar você não ia ter pra comer. E você precisa ganhar dinheiro porque você veve disso. Se é pra vestir pra comer, pra remédio, pra tudo (informante, 8).


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6.6. OUTROS ATORES: MARICULTURA, ATRAVESSADORES E TURISTAS

MARICULTURA Não obstante a maricultura seja considerada como uma “neo” problemática no cenário histórico dos conflitos que envolvem a pesca, e seus efeitos amplamente estudados (Diegues e Schiavone, 1995; Vinatea 2003) os pescadores não apontaram a atividade como um problema ao desenvolvimento de suas atividades. Rodrigues (2000) através da avaliação dos cadastros das cinco Associações de Maricultores de São Francisco do Sul e regiões adjacentes, constatou que são compostas exclusivamente por pescadores, mas que, no entanto, está dentre as categorias mais bem representadas. Na Enseada, o motivo das atividades da maricultura não interferirem na pesca são as de que a produção do local é baixa e isto em função das condições de mar não serem ideais, pois o mar é muito “batido”, ou seja, a alta hidrodinâmica relatada por eles não teria dado condições para a maricultura ser ampliada. Confirmando a observação de Rodrigues (op. cit.) no início, a atividade era desenvolvida por pescadores, mas foi sendo abandonada pela baixa produtividade e a falta de capital de giro para compra de sementes quando a coleta destas passou a ser proibida.

ATRAVESSADORES

Medeiros et al (1997) em seu trabalho de caracterização sócio-econômica e cultural das comunidades pesqueiras artesanais no litoral centro norte de Santa Catarina cita o atravessador como um dos motivos dos pescadores estarem insatisfeitos com a profissão, alegando que a este ator caberia a maioria dos lucros.


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Na década de 1980, Leroy e César (1988) apontavam como característica própria

da

pesca

artesanal

a

sua

dependência

dos

comerciantes

ou

“atravessadores”, para os quais muitas vezes entregam toda a produção, pois deles dependem para a compra de material de pesca. Mais de duas décadas depois o cenário é o mesmo. No entanto, em ambas áreas o papel do atravessador é indeterminado por ser – e ao mesmo tempo não ser –, apontado como um problema. Ilustramos a situação da seguinte forma: Ele é forçado a vender o peixe pela metade do preço que ele alcançaria, para o atravessador, né, e só quem ta faturando é o atravessador. (Informante 10) Eu não me importo que pagasse cinqüenta centavos, ele compra os peixe tudo e ele também precisa ganhar o dele (Informante 3)

Mais uma vez, o que parece acontecer é uma espécie de cooperação entre estes. O papel do atravessador na Enseada está centrado na figura de apenas um ator, o qual compra grande parte da produção da Enseada (onde quem é conhecido como bombeiro é o atravessador e não o pescador amador). A preferência pela venda ao bombeiro se dá porque apesar do preço pago ser inferior ao conseguido com a venda direta ele é a certeza de compra de toda a produção, estabelecendo entre eles uma espécie de relação de fidelidade: a compra total da produção pelo fornecimento exclusivo. Como exemplo, na safra de tainha do ano de 2005, a pescaria está sendo vendida a R$ 3,50 o quilo. O atravessador que recebe esta captura é o mesmo que compra o restante do pescado. Pescadores que não costumam vender peixe a este durante o ano também fornecem a produção obtida com a pesca da tainha. O pescado é revendido para uma empresa de pesca de Itajaí sendo que durante um evento de pesca presenciado, o caminhão desta empresa encontrava-se ao lado esperando o desembarque. As tainhas eram recebidas pelo atravessador e em seguida acondicionadas no caminhão. O atravessador recebe na revenda em


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cada quilo o equivalente a R$ 1,00. Em virtude da situação, um dos informantes declara: Vê se isso é justo: Eles que passaram o dia inteiro pescando no mar ganham três e cinqüenta e o outro que ficou aqui esperando e só desembarcou da canoa para o caminhão ganhou hum real. (informante 1)

Na Enseada, este foi o único momento em que se presenciou discordância sobre o papel do atravessador. Quanto aos pescadores da Baía não pôde ser feita uma boa avaliação sobre o papel do atravessador. O que foi observado é que muitos dos pescadores optam por vender o pescado direto ao consumidor.


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TURISMO

Apesar do aumento do turismo vir desencadear um crescimento econômico pouco planejado (não sustentado) ameaçando o espaço das comunidades que vivem da pesca artesanal, os pescadores – principalmente da Enseada –, não vêem o turismo como prejudicial a atividade pesqueira. De acordo com os pescadores, com o desenvolvimento do turismo a partir dos anos de 1970, foi surgindo o aumento na procura pelos produtos da pesca. Mas que ao passo que o turismo impulsionava o desenvolvimento da atividade pesqueira pelo aumento na demanda de consumo, a disponibilidade de pescado decrescia em virtude das pressões exercidas em cima dos estoques pesqueiros. Medeiros (2002) relata que a decadência eminente da atividade aliada à franca expansão da industria do turismo impulsiona os pescadores muitas vezes a abandonarem sua atividade e engajar-se nos empregos do turismo. Esta é uma situação observada para a Enseada que por ser um balneário movimentado durante a época de temporada cria uma demanda de mão-de-obra em prol do turismo fazendo com que alguns pescadores exerçam a atividade pesqueira durante a baixa temporada e prestem serviços no verão. A maioria, no entanto, continua atuando na pesca pela maior valorização do pescado nesta época, mesmo que esteja disponível em menor quantidade, e pela possibilidade de alugar suas embarcações para pescadores esportivos e passeio.


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6.7. A DISPUTA DE RECURSOS PESQUEIROS COMO PIVÔ DOS CONFLITOS

O problema aqui, não é a pescaria, todo mundo mata, Deus deixou pra todo mundo matá, só que eles não respeitam a época, a época da pescaria, é isso ai que não respeita... O próprio pescador está se destruindo (Informante 4).

Muito difundida no escopo da biologia pesqueira por ser utilizada para evidenciar as causas do declínio dos recursos pesqueiros, a metáfora da “Tragédia dos Comuns” proposta por Hardin (1968), preconizava que as únicas formas de evitar a depleção dos recursos naturais comuns62 seriam a privatização ou ainda o controle e regulação do acesso pelo Estado. Vinte e dois anos depois, Feeny et al. (1990) apresentaram uma releitura da tragédia dos comuns estabelecendo – como forma de facilitar o entendimento do fenômeno dos “commons” – quatro diferentes formas de apropriação dos recursos de propriedade comum: livre acesso, propriedade comunal, propriedade estatal e propriedade privada. A diferença entre o que foi proposto por Hardin, e o que passou a ser considerado com esta releitura, seria que a presença de regras ou conjuntos de regras instituídas entre as comunidades constituídas por sujeitos interdependentes seria também uma possibilidade de manutenção dos recursos naturais comuns. Medeiros (2002) aponta que os sistemas de propriedade comum são capazes de proporcionar mecanismos para o uso equiparado dos recursos, com um mínimo de conflitos e atritos, onde o estabelecimento de regras e a divisão dos recursos são um importante aliado na sua redução. A análise da apropriação de recursos apontada a seguir é baseada especificamente nas modificações da atividade pesqueira no tempo como resultado da implementação de tecnologias e conseqüente perda do controle ecológico sobre a

62

Segundo o autor recursos de propriedade comum incluem recursos pesqueiros, vida selvagem, águas superficiais, pastagens e florestas.


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manutenção dos recursos, ocasionando a variação negativa da abundância da captura. De acordo com os pescadores, a escassez dos recursos pesqueiros é atribuída aos petrechos utilizados. As melhorias proporcionadas pela incorporação de novas tecnologias teriam viabilizado o aumento das capturas de forma desproporcional a quantidade consumida e à uma velocidade que não permite a renovação dos estoques.

De primeiro era uma fartura só que era ruim de vender né! Porque o peixe não se vendia, se soltava o peixe, ou dava, ou então escalava assim, bota pra secar pra comer (...) não tinha pra quem vender né... não adiantava tu pegar peixe muito (Informante 2).

As dificuldades quanto à venda dos produtos da pesca foram fomentadas pela baixa valorização em função da grande abundância de pescado disponível para comercialização e o número de pessoas que praticavam a atividade. Assim, a pesca integrava um sistema econômico fortemente baseado em trocas:

Secava o peixe ai (...) trocava ele ai pro centro e trocava por farinha, com feijão, com galinha né! Com comida de porco, tudo isso trocava o peixe, (...) ele trazia eu vendia, eu botava ele ali na vendinha, e ia comprando aquelas coisinha ai de farinha, de feijão, essas coisa ai (...) (Informante 2)

Atualmente, o que se presencia, é a insustentabilidade da atividade pesqueira em decorrência da baixa captura e diminuição do rendimento econômico. Teixeira (1990) argumenta que o espaço, insuficiente para manter a atividade devido à escassez de pescado, obriga os pescadores a ultrapassarem seus “limites” legais de pesca para obter produção, o que significaria muitas vezes um esforço de sobrepesca.


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Peixe agora acabô tudo, de balaio nessa nossa praia aqui, a gente puxava assim enchia a praia, agora não, pode ir que não mata mais nada, mais nada.” (Informante 4)

A mudança cultural no tempo segundo Marques (2001) pode ser evidenciada através de uma divisão expressa através de indicadores temporais repetidos nos discursos, onde palavras ou expressões sugerem novas qualidades aos diferentes tempos relatados. Segundo o autor, há um tempo passado onde a relação dos homens com os recursos ocorre de uma determinada forma sendo percebida através de expressões como “de primeiro”, “antes”, “antigamente”, e há um tempo presente percebido com outros relacionamentos e expressões do tipo: “hoje em dia”, “depois de”, “agora”. Mais além, o autor, explica que “não tem”, “não tem mais”, “só aquilo” na realidade

refletem

situações

restritivas

ou

de

indisponibilidade,

e

não

necessariamente de ausência do recurso. As mudanças ocorridas ao longo do tempo na pesca das localidades serão retratadas através destas expressões de tempo relacionando as formas como são/eram realizadas as pescarias e os recursos que compunham/compõem a captura. Nesta análise novamente será utilizada a metodologia empregada através dos quadros de situação-problema na identificação dos conflitos.

6.7.1. RECURSOS PESQUEIROS ENSEADA Os pescadores da praia da Enseada se dedicam, principalmente, à pesca da tainha com a delimitação de “pontos de pesca”. Também empregam redes de espera na pesca de espécies demersais, além do cultivo de mariscos (Rodrigues, 2000) e o arrasto de portas para a captura de camarão.


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O principal problema apontado como responsável pela escassez de pescado foi a utilização das redes de caça e malha para o caso da tainha e o aumento da frota pesqueira. (...) assim mudou mais a pescaria, mais por causa da pescaria é que acabou os peixe né...” (Informante 2)

Situação-problema na escassez de recursos na Enseada “ (...) muito barco, muito barco né, que agora mata todo os miudinho né, leva os grande junto, mas pega os miudinho junto, e mata tudo (...). (Informante 3) “(...) os barco só, barco incomoda mais né”. (Informante 2) “ (...) hoje pescam de tudo: com linha com rede com caniço, hoje você não tem mais um peixe, não pega mais um peixe. Né. (Informante 4) “... assim dali pra frente ta mais difícil a coisa acho que ta se acabando mais a quantidade de peixe”. (Informante 2) “Aqui nesse costado do morro da Enseada aqui, com caniço, mas olha aquilo de peixe ai, você não consegue pegar um. Porque? Porque não tem mais. Acabou. O peixe corre. O peixe espanta da gente. O peixe espanta..” (Informante 4) “Ah, por que a gente sempre pesca com muita rede, muita rede a gente põe na água, e vem muito pouco peixe.” (informante 2)

É interessante notar que os pescadores possuem uma clara noção de que o aumento do esforço de pesca sobre os recursos não acabou com os peixes e sim com a pescaria, onde o peixe teria “fugido”, “corrido”, ou seja, teria se deslocado para outras áreas e não estaria mais aparecendo63. 63

Este fenômeno descrito pelos pescadores ainda não pôde ser investigado com base em teorias ecológicas.


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Abaixo, se encontram as etnoespécies utilizadas como recursos pesqueiros e o panorama, de acordo com os pescadores, do status destes recursos. São descritas pelos pescadores as etnoespécies que compõem a captura atualmente e as que sofreram diminuição ou deixaram de serem capturadas. Tabela 07. Etnoespécies-alvo64 e situação atual do recurso ETNOESPÉCIE

SITUAÇÃO DO RECURSO “(...) desse tubarão, matei muito tubarão de rede de malha, cansei de tirar de dez tubarão desses grande.”

cação

“Na beira de praia aqui dava tanto cação que era até perigo de tomar banho.” “De primeiro dava muito cação, muito cação de toda a espécie, cação grande, cação miúdo, muita espécie de cação”. “Mero? Quase não vejo.”

badejão, mero

“Naquela época o que dava, o que nós matava muito era o mero, mero nós cheguemo a matar de treze num dia. (...) ah... faz um mais de vinte ano.” “O mero foi um peixe que no nosso mar aqui existiu muito (...) mas a pesca submarina também foi culpada por uma parte. “

bagre

“Bagre dava muito aqui nessa praia aqui. Agora sumiu tudo.”

camarão

“E o que dá mais aí é o camarão e pronto, né! (...) e agora ta proibido a pesca do camarão ai.”

corvina

“A corvina é um peixe que dá pouco aqui no nosso mar porque elas passam aí muito fora e o pescador não tá preparado para ir onde ela está o peixe.”

pescadinha

“Dava muita pescadinha, agora acabo tudo (...) dava de balaio nessa nossa praia.”

sardinha

tainha

64

“Dava muita sardinha. Sardinha você olhava nessa frente da Enseada ali quatro horas da tarde, você via sardinha assim sardinha malteada como nós tratamos né... acardumada que ela fazia assim que você perdia de vista.” “Tainha, agora o mês de maio começa, tem ano que já dá mais pouco, tem ano que dá bastante, a pesca é assim.”

Os equivalentes taxonômicos das espécies identificadas encontram-se no Anexo 9.


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“O que dá mais ai um pouco ai é a tainha, a tainha sempre dá.” “A pesca da tainha também acabou. Acabou.” “Tainha aqui na enseada se pegava com a mão. Com qualquer tipo de rede você pegava tainha.” “Dava muito parati, parati não dá mais também, muito pouco e assim por diante.”

parati

“Antigamente dava muito xalereti, dava muito, dava muito mesmo, a gente matava um monte.” xalerete “Xalerete era um peixe que dava muito de rede de praia (...) e a gente cercava, quinze, vinte balaio de xalerete.” anchova

“Dava anchova, hoje já não dá mais.” “Mas garoupa eu mato bastante.”

garoupa

“Garoupa, garoupa é assim um peixe muito visado que tem preço bom e que aqui existe muito pouco.”

Dentro dos limites de alcance da pesca artesanal, das doze etnoespécies capturadas apenas o camarão foi descrito como espécie ainda abundante. Das restantes, na percepção dos pescadores, aparentemente todas sofreram queda na abundância.

6.7.2. RECURSOS PESQUEIROS BABITONGA A implementação da tecnologia em detrimento a quantidade de recursos disponíveis para a captura associada à prática da pesca amadora são responsabilizados pela escassez de pescado. Antigamente (...) não existia essa rede na laje, não existia essa rede que ficava direto dia e noite chegava uma época, no quarto, todo mundo tirava a rede da água a turma tirava a rede da água,


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remendava esperava pela outra maré do quarto botar a rede, ai o peixe encostava, pra comer, saía, encostava pra acasalar, pra desovar e agora hoje em dia ta direto é dia e noite é rede na água. (Informante 6, grifos nossos)

De acordo com Rodrigues et al. (1998) e Pinheiro e Cremer (2003), a pesca artesanal na Baía atualmente é baseada na utilização de tarrafas, gerivais, redes de emalhe e redes de arrasto e as embarcações utilizadas são bateiras, botes de madeira, e alumínio, voadeiras e canoas a remo motor ou vela.

Porque o merimbau é uma pescaria muito prática que qualquer um vai lá um doutor um médico e é um pescaria que não se suja não. Antigamente só tinha rede e tarrafa de engodo (...) que já é mais difícil, você precisa remendar tirar peixe da rede, você só pesca quando a maré corre porque a maré precisa levar a rede, você vem pra casa cansado para ter que esperar outra maré. Berimbau, berimbau não a maré parou você tem o motor dia inteirinho ai puxando pra cima e pra baixo o camarão vai agüentar ai? (Informante 7)

Antigamente se pescava só de rede, hoje, tem a rede, tem o gerival, tem muitos e... tem o camarão, outra coisa é esse camarãozinho ai, camarãozinho tá se acabando... (Informante 11)

Situação-problema na escassez de recursos na Baía da Babitonga “Tem muita rede demais”. (Informante 6) “Muita concorrência faz a escassez do pescado. (...) dos próprios pescadores.” (Informante 10) “Hoje a facilidade de se adquirir uma rede ta tornando mais escassa né, não vai muito longe.” (Informante 10)


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“Depois que turma começaram a colocar essa rede ai, começou a se acabar, a se acabar, a se acabar.” (Informante 6) “Por causa da concorrência, muita concorrência né, tem muito pescador e muito atravessador.” (Informante 10) “Peixe, pra você vê, que ir ali ó [aponta para laje do maracujá] dois paninho de rede você matava 50, 60 quilo, hoje você vai roda a noite inteira pra achar 10 quilo de peixe entende, é isso... Tá sentindo falta de tudo”. (Informante 11) “Por que que a tainha não entra mais aqui nesse canal? Por causa da rede. Por que é um peixe que entra e você vê durante o ano por aqui. Porque não sai mais por causa dos barcos lá fora, por causa da rede, e fica anos e anos aqui, só no canal, só no canal” (Informante 6) “Tá muito pouco, tem muita gente a matar, cria muito pouco, porque mata o camarão ovado, mata o camarão ovado, que é pra aumentar o camarão, a autoridade não liga.” (informante 9)

Os petrechos utilizados na pesca da Baía, culpados pelo aumento do esforço de pesca são as redes de emalhar e os gerivais. A facilidade em operar os petrechos de pesca, principalmente o gerival seria um fator que também tornaria os pescadores amadores adeptos desta prática. Abaixo, seguem as etnoespécies utilizadas como recursos pesqueiros na Baía da Babitonga e o panorama do status dos recursos pesqueiros citado. Tabela 8. Etnoespécies-alvo65 e situação da captura ETNOESPÉCIE

SITUAÇÃO

Arraia, cação “Aqui de vez em quando ainda pega um araia, um caçãozinho, mas é raro (...) desse cação pequeno, cação chapéu (...) cação grande aqui ninguém pesca mais.”

65

Idem a tabela anterior


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badejo “antigamente isso matava muita coisa de badejo, não existia essa rede na laje, não existia essa rede que ficava direto dia e noite.” “(...) ainda existe bastante aqui. Mas difícil de ser visto porque não tem água pra mergulho. Então eu acho que por isso se tornou um reduto do mero.” bagre “A gente botava o espinhel vinha aqueles bagre grande direto, direto, era 100, 200 quilos de bagre, hoje em dia é difícil pegar um bagre, é uma raridade.” “O bagre ainda tem alguns mais ainda não tem tanto não por que eu primeiro matava bagre aqui nesse canalzinho ai, agora já não pega mais.” camarão “agora tá na “época” de camarão e não tem pra matar (...) mas naquela época, por essa época a gente matava de tarrafa de vinte, trinta, quarenta quilo, de tarrafa, por que rede não tinha.” “Hoje sobreviver do camarão? Impossível.” corvina “Nessa época (...) dava corvina, um peixe que tinha muito, que dava muito naquela época aqui que dava que tinha (...).” espada “A espada tá dando a tempo já faz uns três meses mais que, faz uns quatro meses que tá todo mundo direto na espada. E é matado espada aí! (...) é o único peixe que ainda tá agüentando aí é o espada.” miraguaia, pejereva “Antigamente cheguei a pega uma farturinha, (...) nessa época eu matei muita miraguaia, pejereva.” (...) a miraguaia era um show de peixe, um show de peixe ai, hoje você bota a rede não cai um peixe. Pô essa quantidade de peixe, essa quantidade de peixe ai, não cai (...)” parambiju “Parambiju não existe mais. Uma vez ou outra um mata lá um pra quem bota espinhel (...) com sardinha (...) botava o espinhel aqui na beiradinha vinha dois, três...”


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“Era o peixe melhor que tinha na Baía. Era esse peixe ai. Peixe gostoso pra comer, peixe bom de venda só que nunca mais soube que alguém matou um, (...) sumiu a mais de 10 anos.” pescada “(...) pescada, pescada bicuda, calafate, que tudo resume em um só da família pescada também não tem, ta pouco”. “De cinco anos pra cá, a quantidade de pescada da Baía caiu (...) eu cheguei a pescar 10 pescadas num dia de caniço! (...) pescada amarela, de oito quilos pra cima né. Hoje eu saio aí, o dia inteirinho, quando consigo pegar umazinha (...)” “Peixe, bem pouca gente pescava de rede grossa pra pescada. Então tinha bastante peixe (...) dava muita pescada, aquela pescada amarela.” robalo “O robalo também tá pouco, tem algum mais é difícil pegá né, é a coisa mais difícil que tem de pegar aí, lá uma vez ou outra alguém mata unzinho ai, é difíci”. sardinha “(...) tinha sardinha, dessa sardinha charuto (...) agora não ta dando mais, nos outros anos dava, mas pouco assim, sabe miudinha né (...) agora já não tem mais.” “Nem sardinha não dá mais (...) de primeiro tinha sardinha o tempo todo aí, até a sardinha charuto (...) já faz mais de 10 anos que não dá mais (...) E essa outra, tem vez que aparece aí. Amaior riqueza da Baía é a sardinha.” sororoca “(...) a sororoca também não tem mais, nunca mais vi ninguém matar uma faz tempo.” tainha “A tainha (...) é um peixe que entra e você vê durante o ano por aqui. Porque não sai mais por causa dos barcos lá fora, por causa da rede e fica anos e anos aqui, só no canal.” “ (...) a tainha também tá pouco.” Tainhota, parati “ Tainhota tem o ano inteiro, é um peixe que dá muito, aumenta muito, agora deu uma época agora que que quaji não tem porque aumenta muito o movimento no mar e é um peixe boiado né.”


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Das quatorze etnoespécies citadas pelos pescadores, o peixe-espada, badejo (mero) e a tainhota são relatados como peixes que ainda ocorrem em abundância. No entanto, a existência da tainhota é atribuída à impossibilidade dela fazer o corso por ser barrada pelos barcos traineiros e permanecer durante todo ano na Baía e o mero seria abundante pelas condições de baixa visibilidade da água. Vale ressaltar que tanto o mero quanto o parambiju foram apontados como pescarias de domínio dos antigos pescadores da Baía. A identificação das etnoespécies não pode ser realizada, sendo assim, é necessário que as espécies citadas por eles sejam também identificadas posteriormente.

6.8. GESTÃO DOS RECURSOS Medeiros (2002) aponta que a diferença nas estratégias de pesca promove os mais variados interesses sendo que a maioria deles é de ordem divergente66. O enfraquecimento das regras e padrões de conduta existentes no passado entre os pescadores artesanais tanto da Baía (visto pelo recorte dos pescadores da Ponta das Caieiras e das Ilhas Grande e Claras) quanto pelos pescadores da Enseada, que caracterizavam um regime de propriedade comunal foi sendo substituído pelo livre acesso e como conseqüência resultaram na perda de regulação dos recursos. Seixas e Berkes (2002) constataram a presença de instituições fortes atuando na liderança e fiscalização eficiente entre os pescadores da Lagoa de Ibiraquera, Sul do estado, influenciaram positivamente a pesca. A mudança nos regimes de apropriação estaria relacionada com o poder de atuação destas instituições e responsáveis pela sustentabilidade dos recursos. A verificação da perda deste sistema que induz comportamento entre os pescadores teria acarretado no colapso do sistema pesqueiro das localidades 66

A escolha pela utilização das idéias expostas por Medeiros (2002) ocorre em função das similaridades encontradas entre os locais estudados e pela relevância das suas exposições.


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estudadas. A seguir o detrimento da prática de ações reguladoras entre os pescadores pode ser percebida pelo relato do Informante 4: O próprio pescador que dizia: Não, não vamos botar essa rede ai que isso é um lugar impróprio, isso aí é entrada de peixe é entrada de bagre tudo isso (...) Ele fazia chega outro chegava lá debatia ele recuava daquilo. Hoje não recua mais. Né! (...) E o pescador tirava sua rede concordava com aquilo (...) ai ele ia recorrer as consciências que ele tava errado. Né! Porque se o camarada faz alguma coisa errado e o outro vai e conversa com ele e explica pra ele, ele pára pra pensar, é eu tava errado mesmo (...) hoje é mais difícil. Ele bota a rede aí e o pessoal não fala porque é capaz de ficar brabo.

Costa-Neto e Marques (2001) apontam para o fato de que a utilização dos recursos naturais pode ser percebida pelo modo com que os pescadores se relacionam com a natureza, registrando-se a perda progressiva do conhecimento tradicional e o estabelecimento de novas conexões e desconexões com os componentes naturais: Ele [pescador] tinha problema [no passado], mas era problema mais pequeno (...) se acontecia via isso dentro de um ano duas vezes. Mas hoje não! Isso é comum, assim dentro de um ano, vamos dizer, tinha uma desavença entre pescador que fazia algum tipo de pesca que não era de acordo fazer. Né! Mas no geral [hoje] ele faz sempre isso aí.

A mudança preconizada por Medeiros (2002), do regime de livre acesso instaurado para a propriedade comum, seria resultante de uma melhor organização das comunidades pesqueiras. Esta mudança está baseada em alternativas que promovam o fortalecimento da comunidade, fator fundamental para seu envolvimento no plano de gestão da localidade. E a pesca ainda é uma profissão boa, uma profissão muito boa se organizada ela direitinho, o pescador ainda vai viver bem, só que tem que organizar. Por que preço tem, pescador tem preço, por que o pescador não ganha dinheiro? Porque não tem peixe. (Informante 4).


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Ainda de acordo com Medeiros (2002) a possibilidade de transformar todo o sistema pesqueiro em propriedade comum depende muito mais de um “acerto de contas” do que o uso do conhecimento ecológico tradicional da população local de pescadores. (...) ele respeita, por que não anda brigado um com o outro né! Mas ele também não aceita muito, a maioria do povo, do pescador artesanal hoje. É tudo pessoas assim, pode dizer, pessoas formada. E esse povo já não aceita assim a opinião de um pescador profissional assim, de pouca escola de pouca tioria, né! Ele não aceita, ele acha que é ele e acabou. Então é isso que se vê aí na pesca.

Tomando ainda por base a citação anterior, Marrul Filho (2003) aponta que a regulação da utilização dos recursos67 redefinida através da incorporação da lógica de mercado, teria alterado o conjunto das relações sociais estabelecendo o individualismo e o utilitarismo, resultando na alteração de representações e conjuntos de regras tradicionalmente constituídas para a apropriação dos recursos pesqueiros.

67

“No ambiente comunitário os indivíduos constroem seus projetos e objetivos mediados por valores e normas constituídos socialmente. O ato de realizar os objetivos individuais não se dá apenas por meio da cooperação, muitas vezes exigindo competição, sendo que tais valores não são mutuamente excludentes. Porém essa cooperação e requer a construção de acordos entre projetos e objetivos rivais, com regras e estratégias conhecidas e aceitas por todos os envolvidos”. (pg. 78)


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106

6.9. ANÁLISE DO MÉTODO

O sábio nunca dialoga com a natureza pura, senão com um estado entre natureza e cultura, definida por um período da história em que vive, a civilização a que pertence, e os meios materiais que dispõe. (Claude Lévis-Strauss)

Pressupor que cada povo possui um sistema único de perceber e organizar as coisas, os eventos e os comportamentos. Além destes aspectos teóricos os estudos de etnobiologia/ecologia têm sentido prático da maior importância, pois encerram um saber que permite a conservação do equilíbrio ecológico em vastas regiões do mundo (Posey, 1986). Campos (2001) afirma que as posturas rígidas e fronteiriças das disciplinas, quando elevadas ao domínio interdisciplinar, permitem o transitar entre estas onde o pesquisador se põe “sem ferramentas na mão” a realizar uma leitura de mundo estando efetivamente nele. E que ao fazê-lo, se colocaria em diálogo com usuários de “outras caixas de ferramentas especializadas”, representados neste caso pelo conhecimento inerente aos pescadores artesanais. O estudo integrado de um sistema que envolve variáveis sociais e ambientais só pode ser realizado perante objetivos epistemológicos, conceituais e metodológicos compartilhados. E a investigação interdisciplinar é um tipo de estudo requerido para a análise destes sistemas. A etnoecologia, ao passo que permite a interdisciplinaridade ao nível de indivíduo,

concebe

um

novo

pesquisador

apto

a

compreender

estas

problemáticas. Fabiano (2003) aponta que a capacidade de determinadas populações em identificar seus próprios problemas e de propor soluções, reside na integração entre indivíduo-ambiente e nas formas de estabelecerem suas relações.


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Marques (2001), que concebe a etnoecologia como um campo de saber proveniente do cruzamento de disciplinas, a considera como sendo “mais-do-queciência” pelo fato da investigação incluir elementos do “cânone científico” (comprovados e aceitos no meio acadêmico) e não excluir o que chama de “outras janelas para o mundo”, representadas pelas subjetividades humanas diante do entendimento e reconhecimento dos sistemas naturais. Salienta ainda que, embora o cientificismo de algumas sociedades difira do nosso, os pesquisadores nativos estariam aptos, obviamente, a utilizar elementos de raciocínio, de lógica formal, praticando uma atividade “dita científica” (Marques op. cit.). Ao fazer etnoecologia, o pesquisador busca compreender as tramas que envolvem os seres humanos no ambiente e o ambiente por ele mesmo, para entender as efemeridades simultâneas, ou seja, as necessidades imediatas da sobrevivência (Marques, op. cit.), ilustradas pelo caráter dinâmico das relações de conflito. Nem sempre o estabelecimento de uma situação de conflito acontece porque um padrão de comportamento foi quebrado. Para Laraia (1986), tais fatos evidenciariam períodos de mudança cultural, determinados por forças externas. No surgimento de atos inesperados de difícil manipulação onde as situações não são controladas pelo conjunto de regras ordinárias do grupo, nem sempre os indivíduos conseguem utilizar sua tradição cultural para contorná-las, sem provocar conflitos e as relações de causa e efeito nem sempre são percebidas da mesma forma por pessoas de culturas diferentes. Relativizar o conhecimento, neste caso, assumindo que toda cultura é possuidora de uma lógica própria é abrir-se a possibilidade de encontrar resoluções baseadas na transformação da realidade, ao invés de investir em medidas pontuais para exterminar problemáticas. Partindo deste pressuposto de entrecruzamentos mínimos, a pesquisa em questão, surge da oceanografia como ciência que se baseia em muitos dos conhecimentos fornecidos sobre o ambiente, assumindo uma formação para a atuação transdisciplinar, vendo plenas condições de utilizar as ferramentas propostas por outras disciplinas.


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Consideremos assim, que a apropriação da natureza através de populações culturalmente diferenciadas (pescadores artesanais), faz jus à utilização da etnoecologia como metodologia que explora as possibilidades de alinhar a prática do conhecimento científico à prática de outros conhecimentos, em prol da manutenção das atividades humanas e da exploração de recursos naturais. O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa e os diferentes comportamentos sociais são considerados produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura (Laraia, 1986). No entanto, quando estas se encontram baseadas apenas em uma visão acadêmica da situação, por sua vez unidimensional, correm o risco de realizar uma leitura equivocada da situação vigente. Pode-se apontar que as dificuldades observadas através da aplicação do método residem, principalmente, nas questões que dizem respeito à interpretação das informações obtidas. A objetividade em campo é um ideal difícil de ser alcançado onde as mudanças sociais, por menores que sejam, apresentam o desenlace de numerosos conflitos. Uma boa interpretação neste aspecto depende muito da utilização da pergunta culturalmente adequada para se ter certeza de que ambos, pesquisador e pesquisado, compartilham as mesmas questões. A inserção no dia-a-dia dos grupos teria certamente suscitado outros questionamentos, que repercutem na vivência diária, e que muitas vezes não são trazidos à memória em situações de entrevistas, por serem consideradas como questões menos importantes. E, apesar dos horizontes das pesquisas biológicas e sociológicas serem distintos, a necessidade de conhecer elementos que permitam o acesso ao mundo conceptual dos sujeitos da pesquisa é uma fragilidade das ciências naturais. Na tentativa de suprir as deficiências decorrentes das variáveis conceituais, houve grande esforço para alcançar os questionamentos de maior relevância social/ cultural e inferir o mínimo possível sobre a postura do informante buscando estar “sensível” aos acontecimentos e situações. A elaboração de uma metodologia

concisa,

que

contemplasse

elementos

adequados

aos


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questionamentos levados a campo, recebeu particular atenção no âmbito da pesquisa. Desta forma, a opção pelas entrevistas de roteiro semi-estruturado e as histórias de vida, permitindo que em grande parte do tempo o informante guie a conversa sendo mantido apenas o direcionamento da temática, é uma atitude positiva, pois possibilita a inserção de uma maior quantidade de elementos nos relatos. Em virtude desta observação, faz-se uma menção especial à importância do papel exercido pelo informante-chave na mediação da comunicação entre pesquisador e demais informantes, provocando a ruptura da não aceitação e desconfiança perante os mesmos. Da realização do trabalho podemos pontuar como fatores importantes a concepção do espaço, pois apesar da assunção inicial nas suas formas exclusivamente físicas, pôde-se perceber que o conceito empregado pelos pescadores para definir os limites das suas atividades pesqueiras está fortemente vinculado à concepção de território, que por sua vez é construído baseado em um caráter relacional. A delimitação espacial do problema, proposta nos objetivos, não pôde ser verificada, pois apesar de ter ocorrido identificação de locais propensos às manifestações dos conflitos, a utilização de mapas mentais não alcançou os resultados esperados. Não obstante ter se mostrado uma forma eficiente de visualização da problemática, os pescadores se sentiram pouco “à vontade” para utilizar as “ferramentas” de desenho e de escrita, uma vez que o seu conhecimento ainda é basicamente evidenciado e transmitido oral e visualmente. O único mapa mental apresentado foi considerado insuficiente para que fossem atribuídas interpretações acerca deste. Como fechamento, afirma-se o trabalho em etnoecologia como uma prática excepcional de entendimento dos cenários multipolarizados que compõe os conflitos na pesca. Porém, vale salientar que este necessita de extrema habilidade para lidar com o imprevisto, pois a dinâmica das relações humanas, frente a seus objetos, observada em campo, é quem dita as regras do seu desenvolvimento.


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Como sugestão, se insiste na importância da continuidade do trabalho para que sejam acompanhadas as dinâmicas dos conflitos e identificadas de novas possibilidades de encaminhamento bem como o surgimento de novos focos. A descrição dos ciclos de captura anuais e a identificação das espécies relatadas também serão de fundamental importância para sugestão de medidas de mediação dos conflitos. A tentativa de alcançar o diálogo entre as partes conflitantes, sugerindo a mediação pelo resgate e identificação de instituições presentes nos grupos, pode ser apontada como a principal característica para o encaminhamento dos conflitos evidenciados durante a pesquisa.


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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 7.1. A BUSCA POR SOLUÇÕES “Como em qualquer situação de conflito, um primeiro passo no sentido de uma solução, consiste em encontrar um árbitro: alguém cuja sabedoria e compreensão atinja os dois lados” (Salie Nichols)

A contribuição deste trabalho ao identificar as razões e avaliar os conflitos socioambientais na pesca artesanal através de uma abordagem interdisciplinar é a busca de práticas e encaminhamentos adequados à dimensão das problemáticas existentes as quais envolvem diretamente a manutenção de ambos, recursos naturais e atividades pesqueiras. Caso a interpretação dos conflitos socioambientais em determinado contexto esteja baseada apenas em uma visão eticista68 da situação, como é o caso do montante de medidas de manejo adotadas visando a manutenção dos recursos naturais, esta corre o risco de desempenhar uma leitura equivocada das reais motivações da situação vigente. Sendo assim, uma abordagem apropriada deverá contemplar os aspectos científicos, mas indubitavelmente aspectos baseados na percepção dos seus sujeitos – em especial os pescadores artesanais – para chegar a conclusões mais próximas da realidade e da necessidade da sua investigação. As soluções de um conflito ambiental, se existentes, não podem ser previstas de antemão. Com base na experiência de campo e como sugerem Viezzer e Ovalles (1994), estas devem surgir do próprio conflito através de um processo de aprendizado consciente no qual todas as opiniões sejam consideradas, analisadas e pesadas, onde as partes devem demonstrar a necessidade de se encontrar através de um processo de negociação para chegar a um acordo e a uma arbitragem.

68

Eticista no que diz respeito a visão cientificista acadêmica.


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123

9. GLOSSÁRIO 9.1 GLOSSÁRIO

DOS PETRECHOS DE PESCA DE ACORDO COM

BRANCO

E

RODRIGUES

IBAMA (1998) PG. 100-1002. ARRASTO

DE CAMARÃO:

Redes de arrasto de portas, simples ou dupla, utilizadas

por barcos que atuam próximos á costa na captura de camarões. ARRASTO

DE PRAIA:

Petrecho utilizado pela pesca artesanal, consistindo em uma

rede que, por intermédio de uma embarcação, realiza um cerco próximo á costa. Suas duas extremidades encontram-se na praia sendo estas posteriormente puxadas para o aprisionamento dos peixes CAÇA E MALHA: Petrecho composto por uma rede de emalhar lançada ao mar, que circunda um cardume avistado. ESPINHEL: Consiste em uma linha principal, a qual estão ligadas linhas secundárias com anzóis, que ficam no fundo ou próximo deste quando lançada à água. GERIVAL (BERIMBAU OU MARIMBAU): Rede de forma circular armada através de uma barra de bambu, ou cano de PVC, tracionada por uma embarcação ao sabor das marés. Utilizada em lagoas e estuários na captura de camarão. REDE

DE CACEIO DE CAMARÃO:

Espécie de rede de emalhar disposta verticalmente

na coluna d’água e que fica à deriva ao sabor das correntes. Petrecho utilizado na captura de camarões. REDE

DE FUNDEIO OU ESPERA:

Também chamada de rede de emalhar fixa. É uma

rede de emalhar disposta verticalmente na coluna d’água, ficando fixa ao local por


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meio de ancoras (poitas), variando o tamanho de suas malhas em decorrência das espécies a serem capturadas. REDE DE CACEIO DE PEIXES: Também chamada de rede de caceio. Espécie de rede de emalhar disposta verticalmente na coluna d’água e que fica à deriva ao sabor das correntes. REDE FEITICEIRA: Petrecho de pesca também conhecido por tresmalho. É uma rede de espera fixa, confeccionada com três panos. Dois panos externos com fios mais grossos e malha maior e o pano interno com malhas menores. TARRAFA: Rede circular arremessada manualmente, que captura diversas espécies e peixes e camarões.


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