Mergulho 217 Pichidangui set14

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MERGULHO.COM.BR

#217#

ANO XV - Nº 217

R$ 8,90

CHILE - SÃO PEDRO E SÃO PAULO - RGBM - ILHAS CAYMAN

INÉDITO

São Pedro e São Paulo

O surpreendente e inóspito arquipélago do Brasil

RGBM

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Ilhas Cayman

Um paraíso muito além de fiscal

PICHIDANGUI Conheça em detalhes o segredo mais bem guardado do Chile


Os segredos de

Fotos e texto: Áthila Bertoncini Maíra Borgonha

Pichidangui Na região norte do Chile encontramos um pequeno refúgio com mergulhos surpreendentes e excitantes. Pode apostar

N

essa inusitada, divertida, e por que não dizer romântica dive trip mostramos como um país tão próximo pode ainda ter suas belezas submersas incógnitas. Para além dos mergulhos, também oferece vulcões, cordilheiras, tsunamis, salmões, bons vinhos e... Então? Vamos descobrir? O mar do Chile é um mar descomunal. Não apenas por ter sido historicamente palco de sagas, descobrimentos e navegações lendárias, ou ter sido exaustivamente versado por um dos maiores poetas uni-

versais. O mar chileno com seu azul-índigo, vivo e imprevisível tem um chamado. Foi esse chamado, e um convite inusitado, que nos levou a conferir os mistérios da porção de mar do Chile continental. No dialeto Mapudungum, de domínio do povo mapuche (guerreiros e habitantes ameríndios ancestrais que povoaram o Chile), Pichidangui significa “baía pequena”. De fato, trata-se de um pequeno e tranquilo balneário, quase inóspito e um pouco rural, localizado a cerca de 200 km ao norte da capital Santiago.

Baía de Pichidangui

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Anêmona gigante com camarão (Rhynchocinetes typus) ao fundo

No verão, Pichidangui torna-se concorrida pelas águas calmas da baía de areias claras. Muito apreciada pelo turismo ecológico e, principalmente de aventura, o destino é popular no país para a prática de esportes como parapente, vela, SUP, canoagem e kitesurfing. A arquitetura pitoresca com uso de madeira e rochas compõe uma paisagem muito simpática e convidativa, propiciando passeios bastante interessantes pelo lugar.

Naufrágio do baleeiro Indus 8, com proa recoberta por anêmonas vermelhas (Phymactis clematis)

Os primeiros passos

Colorida maria-da-toca (Scartichtys viridis)

Nosso primeiro contato com Pichidangui foi ainda em março de 2014, na edição do PADI Festival em São Paulo. Durante todo o evento, um certo estande, em particular, nos chamou a atenção. E, em meio a correria, trocamos contato com Carlos, um dos proprietários do Centro de Mergulho Buceo Pichidangui, que estreava no evento. Um mês depois desse encontro, aproveitando uma brecha nas agendas, cada um de nós, em um canto do Brasil, fez suas malas. O destino: Santiago. De Santiago seguimos de carro para Los Vilos. Um dia de viagem perfeito com sol e direito a almoço em Viña del Mar. Depois, mais estrada e o compensador pôr do sol no Pacífico: extasiante! Chegamos em Pichidangui nos dias mais frios do inverno chileno registrados até então: temperatura média do ar: de 7 a 9 °C. Temperatura média da água variando entre os 11 a 13 °C. Desistir? Nem pensar. Apesar da surpresa ter gerado um pouco de ansiedade, a disposição por conhecer o novo dive point era total. Nesse caso, contar com equipamento adequado ajudou muito. Assim, o uso dos trajes semi seco e seco caíram bem para a ocasião. Como a opção pelo uso do traje seco é a mais recomendada para águas frias, fizemos o treinamento na própria estrutura do Centro de Mergulho e logo estávamos prontos para enfrentar as baixas temperaturas. Resolvidas essas questões, o próximo passo seria cair na água!

Não só de mergulho...

O Valle de Casablanca fica entre Santiago e Valparaíso e, portanto, na rota de acesso entre Santiago e Pichidangui. Como a distância em relação a Santiago é pequena (80 km) é possível conhecer as vinhas e aproveitar as atividades propostas pelo enoturismo como passeios guiados e degustações que permitem passar o dia nas vinícolas. Há muitas e conhecidas vinícolas na região. Optamos por visitar a vinícola Casas del Bosque, uma das mais próximas a autopista devido ao pouco tempo que nos restava.

Vida marinha das zonas temperadas. E daí? Alguns fatores devem ser considerados como contribuições à biodiversidade chilena: a ação de correntes, em especial a corrente de Humboldt, que sobe na direção sul-norte da costa chilena, traz águas ricas em nutrientes influenciando de forma excepcional a vida marinha existente. A fauna marinha de zonas temperadas não perde em nada para a explosão de A estrela-do-mar (Odontaster penicillatus)

cores usualmente observada nos recifes tropicais. A ausência de corais dá espaço a uma infinidade de organismos como os kelps (Lessonia trabeculata), esponjas de grandes dimensões (Clionaopsis platei), e uma enorme riqueza de crustáceos como o panchote (Taliepus dentatus), equinodermos diversos, como as estrelas-domar (Odontaster penicillatus), e moluscos, como o loco (Conholepas concholepas), e as lapas (Fissurela sp.).


Naufrágio do baleeiro Indus 8, com o suporte do canhão de proa.

Operação

Aqui cabe algumas considerações sobre a operação que nos auxiliaram muito com as questões de adaptação à temperatura. O acesso ao cais é fácil e rápido: não se leva mais de dois minutos percorridos à pé para alcançá-lo. As embarcações utilizadas na operação são rápidas e os pontos são alcançados em aproximadamente 5-10 minutos de navegação. Além disso, o centro de mergulho Buceo Pichidangui dentre os 13 cursos que ministra, oferece o curso de traje seco e também aluga os trajes.

Hospitalidade e cortesia na operação de mergulho

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As florestas de algas pardas ou kelps (Lessonia trabeculata), particularidade da paisagem submarina das águas chilenas, comportam uma ampla diversidade de organismos, servindo de alimento e abrigo para inúmeras espécies, além de contribuir para diminuição do aquecimento global, pelas elevadas taxas de fixação de carbono. Além dos organismos submersos, o contato com espécies emblemáticas, como o pelicano e aves que vem ampliando sua distribuição, como o biguá, conferem particularidades que tornam o lugar mais interessante. Tendo devidamente apresentado a vida marinha, partiremos para a descrição de quatro dos aproximadamente 15 pontos de mergulho mapeados em Pichidangui: Isla verde, El Penitente, Indus 8 e Punta Loco. Quatro mergulhos bastante diversos, com várias possibilidades de aproveitamento e certeza de boas imersões.

Isla Verde Nominada devido à cobertura verde da rocha que aflora à superfície, foi o primeiro ponto visitado. Ao descer por uma cortina de kelps que começa aos 14 m, durante mais de 25 minutos não nos movemos mais que alguns metros, tamanha era a estupefação em virtude da vida que surgia e despontava por todos os lados das fendas das rochas: anêmonas, camarões, estrelas-do-mar, enormes esponjas, moluscos, caranguejos e pequenos peixes que nos circundavam. Mais a frente há um tipo de passagem, minuciosamente formada pelas rochas que cria uma gruta cercada de esponjas amarelas (Clionaopsis platei), onde as paredes estão cobertas por lapas, nudibrânquios (Tyrinna nobilis) e anêmonas. Ao sair da gruta, o mergulho segue por uma generosa floresta de kelp até atingir o patamar da parada de segurança.

O panchote (Taliepus dentatus), como é conhecido na região, pode ser encontrado em fundos arenosos ou se alimentando junto aos kelps

Bilagay (Cheilodactylus variegatus) alimenta-se das algas sobre as rochas.


As condições do mar podem variar a qualquer momento

Locos mayo: Servido com maionese e vegetais ou imerso em uma espécie de suflê (chupe de locos).

Placa mais comum encontrada na orla de Pichidangui: lembrança certa da viagem

Baía de Pichidangui

O dive master Pajaro confere a placa fixada no Indus 8, com as cinzas do mergulhador homenageado, Renato Hopfenblatt. Junto à caixa que comporta as cinzas os seguinte dizeres: (...) sua infinita paixão pelo mar nos acompanha permanentemente em cada uma das nossas imersões. Águas claras para sempre, amigo”.

Magnífico fim de tarde no Pacífico

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Vai lá:

Ermitões são muito abundantes nos mergulhos rasos em Punta Locos

Nudibrânquio (Diaulula punctuolata) em Isla Verde

Uma rota alternativa, para ser feita com tempo, é o trajeto via litoral que passa por Viña del Mar e Valparaíso, onde se pode passar um bom tempo para apreciar as belezas do lugar. Se puder dar uma esticadinha, visite Isla Negra, uma das três moradas do poeta Pablo Neruda.

Grandes côngrios (Genypterus chilensis) são um dos destaques do Indus 8

El Penitente Sul Considerado pelos instrutores locais como o melhor ponto de mergulho de Pichidangui, El Penitente é um monte submerso que tem seu topo aos seis metros e atinge profundidades superiores a 30 m, permitindo a prática de mergulho multinível. A visibilidade do ponto ultrapassa 20 m e as rochas ao fundo formam um labirinto de corredores que podem

ser facilmente penetrados. As paredes de El Penitente apresentam espécies como a gorgônias rosa (Leptogorgia platyclados), somente encontradas a essa profundidade. No topo das formações tem uma ampla cobertura de kelps e esponjas, além de peixes como donzelinhas que circundam as macroalgas. Ao sair da água, no fim de tarde, o espetáculo foi completo com a presença do sol se pondo por trás do mar.

Ceviche echo en Chile

Deu vontade? Segue uma receita única de ceviche, originalmente chilena, concedida a nós pelo staff do centro de mergulho: Ingredientes: 2 kg de peixe de sua preferência cortados em pequenos cubos 1 kg de cebola 1 pimentão vermelho 1 maço de coentro 1 maço de cebolinha verde 1,5 kg de limão sal e ají (pimenta) a gosto

Juntar os ingredientes picados, deixar marinar por aproximadamente uma hora e está pronto para servir.

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Indus 8 O navio baleeiro que em 1954 naufragou em frente a baía de Pichidangui após chocar-se com uma rocha é um ponto de mergulho especial. Localizado a 32 m de profundidade, a descida para alcançar o Indus 8 é feita por um cabo que propicia o acesso direto à proa da embarcação: momento perfeito para aproveitar a fotografia grande-angular pois o casco encontra-se recoberto com dezenas de anêmonas de cor vermelha (Phymactis clematis), criando uma paisagem singular. Mais à popa da embarcação, logo depois o casario, uma surpresa: as cinzas de um mergulhador que escolheu o Indus 8 para lá permanecer eternizado. No início de 2014, 18 mergulhadores, em uma cerimônia comovente, depositaram as cinzas de Renato Hopfenblatt, que morreu (por causas não ligadas ao mergulho) nesse que era seu paraíso particular. A grande surpresa desse naufrágio são dois enormes côngrios (Genypterus chilensis) escondidos por entre as sombras das estruturas retorcidas do costado do Indus 8. Certos de serem encontrados, estão sempre à espreita e, com alguma paciência, é possível admirá-los.

Pichidangui pertence à Comuna de Los Vilos, Província de Choapa, região de Coquimbo. O balneário pode ser acessado pela autopista Santiago-Los Vilos. Para esse trajeto é necessário pagar alguns pedágios que custam em torno de 600 a 2500 pesos chilenos (R$ 1 equivale a CL$ 256). No entanto, essa é a rota mais rápida e com pistas de excelente qualidade.

O centro de mergulho Buceo Pichidangui opera mergulhos no local. A operação é realmente fantástica. A operadora é considerada um dos 10 melhores centros da América do Sul, Resort PADI 5 Stars e PADI Instructor Development Center 5 Stars.

Colorido camarão (Rhynchocinetes typus), presente em todos os pontos de mergulho

O mergulho simples com equipamento custa cerca de CL$ 18.000 (R$ 70)/pessoa. Mergulho duplo com equipamento custa cerca de CL$ 40.000 (R$157)/pessoa e o mergulho duplo sem equipamento custa CL$ 30.000 (R$117)/ pessoa. O centro de mergulho oferece estadia, onde é possível preparar as refeições. Visite o site da operadora ou página no Facebook para mais informações: Buceo Pichidangui Barroilhet 50 Pichidangui +56 9 7495 4759 www.buceopichidangui.cl Aberto 24 horas (não é espetacular?!)

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As águas do Chile abrigam uma infinidade de crustáceos (Petrolisthes sp.)

O mergulho em El Penitente é profundo, porém não deixa de apresentar um rico colorido

Curanto

Peixe conhecido como Blanquillo (Prolatilus jugularis)

Em Pichidangui há ainda bons restaurantes com culinária local (curanto). No restaurante Nautilus que apesar de fechar cedo, apresenta pratos a base de frutos do mar, experimente as especialidades do chef. Uma opção surpreendente e deliciosa é provar a comida do El volante que fica às margens da carretera (rodovia) e oferece comida boa a preços muito acessíveis. Sobre hospedagem, caso queira uma opção mais privativa, há ainda uma série de cabanas e locais charmosos para hospedagem disponíveis.

Maria-da-toca

Diversas companhias aéreas fazem o destino a Santiago. De lá vale alugar um carro para curtir a paisagem e chegar sem pressa. No entanto, outras opções de transporte são possíveis e podem ser consultadas, também, no website do dive center. A melhor época para mergulhar em Pichidangui é no período que compreende os meses de outubro a abril onde são avistados ocasionalmente peixes-lua (Mola mola), leões-marinhos (Otaria sp.) e as gigantescas medusas (Chrysaora plocamia). Para ajudar na trip: www.pichidangui.com

Punta Locos Punta Locos possui tal nome devido a uma espécie de molusco gastrópode do mesmo nome (Concholepas concholepas) tida, mundialmente, como iguaria chilena. Também chamado de abalone do Chile, o loco possui uma história atribulada de conservação. Na década de 1980 em um período conhecido como La fiebre del Loco, os estoques desse animal caíram drasticamente em função da captura excessiva resultando na proibição entre os anos de 1989 e 1992. Após esse período, medidas de ordenamento pesqueiro criaram áreas determinadas de captura, períodos de defeso e licenças de pesca específicas. Sua função: delimitar a quantidade capturada por mergulhador, ou buzo-mariscador como são chamados, mas que ainda não mostraram-se eficientes. Na região norte chilena a captura do loco é proibida entre os meses de dezembro a julho. Punta Locos é um ponto de mergulho abrigado, de fácil acesso, e protegido

pela Isla Loco e a baía da Kontiki. É um mergulho raso (13 a 18 m), percorrendo a interface areia-costão rochoso, onde é possível observar, além da presença constante dos kelps, diversas espécies de peixes, tais como Trombollito (Helcogrammoides cunninghami), o Blanquillo (Prolatilus jugularis) e o Rollizo (Pinguipes chilensis). Esse mergulho nos mostrou, realmente, o poder da adaptação: fizemos exatos 50 minutos de mergulho, aos 12° C em total entusiasmo e curtição.

La Casa Azul Punta de Locos foi o último mergulho que fizemos antes de receber a notícia de que as condições meteorológicas ficariam adversas. Uma previsão de grandes ondulações fez retirar os barcos da água e tivemos que interromper nossos mergulhos. Depois disso, aproveitamos um pouco mais o lugar, a comida e, claro, os vinhos. Aproveitamos também a companhia dos nossos parceiros de mergulho

Para inspirar sua viagem ao Chile: Oda al mar, Odas elementares., Pablo Neruda, ed. Catédra (2004). A Febre do Loco. (La Fiebre del Loco)., filme dirigido por Andrés Wood (2001). durante aqueles dias. Na véspera de partir compartilhamos experiências, aventuras e o ceviche preparado por eles. Quase ao final da viagem, observando o poder das ondas batendo nos costões, entendemos que essa era a vontade do mar. Esse mesmo mar misterioso e imprevisível que esperamos, muito em breve, reencontrar. Agradecimentos: Buceo Pichingui e staff, Carlos Schlack e Paola Maira, e aos instrutores Buzo, Pajaro e Rodrigo. Áthila e Maíra são oceanógrafos. Suas pesquisas buscam contribuir com a conservação marinha no Brasil. Endereço para correspondência: paraiso.mergulho@gmail.com

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