Livro cicatrizes

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Capa - Thalita Walter Foto da capa - Carolina Silva Conti RevisĂŁo - Maria Luiza Conti Rosita Pontes de AraĂşjo Contato com o autor:

contihq@hotmail.com


Esse livro é dedicado àquele para quem a vida surpreende e de repente se vê no ‘fim da picada’. Saiba que existem sempre alguns desvios para lugares melhores e se você souber utilizar seu Deus interior, aquele que está dentro de cada um de nós, você encontrará facilmente esse desvio... Manoel Carlos Conti

“Certas coisas só são amargas se a gente as engole”. Millôr Fernandes


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Cicatrizes de uma Vida Um Relacionamento amigåvel com um Câncer de Mama

Manoel Carlos Conti (2016/17)

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Prefácio Sou suspeita ao falar do autor, uma vez que é meu marido e faz parte de minha vida há quase 34 anos, mas vamos lá. Sempre fiquei maravilhada com seus desenhos e pinturas e já li várias de suas publicações escritas e sei que este livro não será o seu último. Como pessoa de grande coração que ele é, nos brinda com a criação dessa narrativa onde acompanhamos todos os seus sentimentos, não só as dores inevitáveis do tratamento, bem como no processo todo desde a descoberta do câncer, todas as reações do tratamento, dos exames enfim, as dores físicas e preocupações psíquicas. O melhor de tudo durante esse período todo a meu ver foi seu eterno bom humor, a paciência e gratidão por essa experiência dramática. O Câncer de Mama em homens é muito raro, o que faz com que seja descoberto em fase mais avançada. Alguns sinais e sintomas podem sugerir que um homem tenha Câncer de Mama, mas sempre será necessária a realização de vários exames e biópsias para confirmação do diagnóstico. Uma vez que a maioria das informações sobre o tratamento de Câncer de Mama em homens vem da experiência dos médicos com o tratamento das mulheres assim, geralmente o tratamento ocorre como ‘padrão máximo’ ou seja, cirurgia com retirada do tecido contaminado, quimioterapia e radioterapia. Este relato poderá alertar as pessoas a pensarem nessa possibilidade, além de ser um roteiro com todos os passos a serem seguidos por quem foi “sorteado” (segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde menos de 1% dos homens no mundo têm esse tipo de Câncer) com essa patologia. Assim, espero que o leitor tenha a oportunidade de refletir sobre o tema e pensar de que maneira é possível enfrentar a adversidade e também apoiar aqueles que por ela passam. Estivemos juntos o tempo todo nessa jornada e continuaremos juntos. Rosita Pontes de Araújo

Médica - Psiquiatra

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Prólogo Hoje ,o sábado dia 5 de novembro de 2016 , o dia amanheceu bastante frio e nublado aqui em São Paulo. O clima tem sido inconstante desde o final do inverno. O frio passou e já vieram dias e noites de bastante calor onde tivemos de utilizar o ventilador de teto para poder dormir, mas depois o frio voltou e então, retiramos as roupas de inverno que já haviam sido guardadas no armário quando pensávamos que iríamos utilizá-las somente no próximo ano ... foi um engano, um blefe da natureza. Isso acontece muito aqui em São Paulo, uma época de frio, faz calor e vice versa. Muitas vezes na época de chuvas não chove e em tempos de seca chove tanto que chega a alagar vilas e ruas. Levantei bem cedo como sempre e sai do quarto bem devagarzinho para não acordar a Rosita que há algum tempo não vem dormindo muito bem, tenho certeza que é por tudo que temos passado nesse ano de 2016. Tomei muito cuidado para fazer o café da manhã. Meu maior medo era que o segundo dreno colocado sobre meu braço direito escapasse da mesma forma que um deles se soltou ontem à noite. Minha sorte é que percebi que o dreno se inflou assim que me levantei para pegar água na cozinha às 11 horas da noite, olhei no espelho e vi os pontos que seguravam o caninho na pele mais ou menos uns 15 centímetros abaixo de onde deveriam estar. Não senti dor alguma, mas assim que notei percebi que algo estava bem errado. --- Rosita... --- disse eu olhando aquilo no espelho --- alguma coisa aconteceu por aqui... acho que um dos drenos escapou... Rosita minha esposa que é médica veio ver e confirmou o diagnóstico, o caninho havia se soltado da pele. --- Vou ligar para o Dr. Nassif... vamos ver se ele acha que devemos ir ao Pronto Socorro. Muito atencioso o médico que me acompanha desde o começo dessa verdadeira ‘epopéia’ chegou a nossa casa as 11:20 horas da noite de sábado e retirou o dreno que havia se soltado, cortou a parte que ficava para dentro da pele e o isolou como se fosse uma mangueira de jardim. Depois fez um curativo e mostrou para a Rosita como deveria ser refeito esse curativo caso ele se molhasse e necessitasse ser trocado. Após ele ir embora fiquei meio que paralisado para que a segunda e única parte do dreno não se soltasse apesar do Doutor ter dito que ‘não haveria tanto problema caso ficasse sem o dreno uma vez que hoje já estávamos há 14 dias da cirurgia’. Logo fui dormir e consegui descansar bastante bem.

Meu nome é Manoel Carlos. Hoje, quando comecei essas páginas ,tenho 60 anos de idade e trabalho como empreiteiro fazendo obras de reforma em residências, consultórios e escritórios, além disso, como faço desde que me vejo por gente eu desenho. Sempre desenhei e estudei desenho. Tornei-me professor de artes e ministrei cursos de arte por mais de 28 anos. De uns anos para cá parei e passei a desenhar somente para agencias, jornais, faço ilustrações em livros, 8


histórias em quadrinhos e alguns quadros decorativos. Esse é o trabalho que sempre quis ter, mas como não ganho o suficiente com a demanda e a falta de valorização dessa profissão no país tive de iniciar o projeto de reformas. No começo eu pensava só em desenhar e projetar as mudanças das reformas, ser uma espécie de decorador projetista porem, passado algum tempo eu tive de me meter no meio do cimento com o pessoal que trabalho para incentivá-los e ao mesmo tempo mostrar como eu queria que a coisa fosse feita. Graças a esse trabalho faço atividade física quase que constantemente. Ando muito, me alimento super bem, às vezes até demais e durmo razoavelmente bem, às vezes perco o sono no meio da noite e tenho de ver um pouco de TV ou ler um pouco para que o sono volte. Não bebo bebidas alcoólicas e sou fumante há mais de 30 anos. Sou casado com a Rosita. Ela é médica psiquiatra e tem um Hospital Dia, além de se dedicar também ao consultório particular. No primeiro casamento minha querida Ro teve duas filhas, Sabrina que é Arquiteta e Paula que se formou em Psicologia. Essa segunda tem uma filha, nossa querida neta Thalita que cursa comunicações em Israel e desde que tudo começou esteve conosco aqui em São Paulo pois estava de férias na Faculdade e veio ao Brasil para nos rever. Não sigo uma religião propriamente dita e ao mesmo tempo sou muitíssimo religioso. Sigo, estudo e leio tudo sobre todas elas. Já li a Bíblia inteira, li e estudei trechos do Torá (palavra) traduzidos ao português, estudei partes do Protestantismo, do Confucionismo, Seicho-no-ie, Budismo que foi minha leitura preferida, Nitiren, Umbandismo e Candomblé além das religiões e doutrinas da Índia. Li e reli várias vezes a Doutrina Secreta de Helena Petrovna Blavatsky durante muito tempo seus 6 volumes foram meus livros de cabeceira, principalmente o volume que fala sobre religiões. Como todo estudioso e curioso já tenho quatro volumes completos (nesse momento estou escrevendo o quinto volume que talvez seja o final desses meus pensamentos) de uma obra onde mostro através de uma história de ficção minha visão da representação dessa vida pela qual estamos. Nesses volumes, faço menção a deuses e a natureza e suas forças que nos cercam e em resumo, esse movimento natural que nos faz andar, respirar, falar, etc., é o verdadeiro Deus e ele está dentro de cada um de nós e com esses textos já ando contatando algumas editoras para tentar viabilizar a sua publicação. Essa é a parte difícil! Não tenho e nunca tive grandes pretensões, principalmente as financeiras e as de posse. Não tenho grandes vontades ou abstenções de alimentos, sou um esganado e como e bebo de tudo que me oferecem De uns anos para cá venho comendo menos carne, não que eu não goste ou queira me conservar como os atuais veganos, mas simplesmente pela falta de vontade mesmo. Não troco uma boa berinjela frita a milanesa por uma picanha na brasa, nem uma boa macarronada só com manteiga ou queijo por 1 pedaço de pernil assado. Talvez já tenha imaginado um dia que isso era loucura, mas hoje penso diferente. Esse é um prólogo do que está acontecendo em minha vida e de quem eu sou e para ficar mais claro vou contar tudo desde o começo nos próximos capítulos.

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Parte 1 – O início Tudo começou numa madrugada fria de quarta feira dia 17 de agosto de 2016 quando eu perdi o sono por causa de uma dor aguda na região do meu peito direito, entre a mama e a axila direita. Parecia aquela dor conhecida causada por um furúnculo interno, bem na flor da pele que só do pijama arrastar no local eu sentia umas fortes pontadas. Levantei-me e fui assistir televisão para não acordar a Rosita. Passado um tempo a dor ainda persistia e minha esposa percebeu que eu não estava na cama e então foi ver o que ocorria na sala. Naqueles dias estávamos passando por um forte estresse em vista do meu sogro não estar bem de saúde. Eu me apeguei muito a ele e a minha sogra e ambos estavam morando há alguns anos num prédio na frente de onde nós moramos. Nos dias mais tensos, que foram vários desde janeiro desse mesmo ano até aqui, tanto eu como a Rosita levantávamos de noite para ver pelo terraço se na casa deles havia luzes acesas o que era um sinal de que algo anormal estaria acontecendo. Além da tensão que passávamos com os problemas do Sogro e da Sogra ainda havia um sério problema entre meus cunhados e minha esposa, acho que a maioria das famílias que vêm seus idosos adoecerem passa por momentos em que um ou outro não ajudam no tratamento, na atenção, no financeiro e quando o fazem sempre dizem que um ou outro está por fazer menos ou está sendo ‘roubado’, coisas assim. Era o que passávamos com eles nesses dias. Nenhum concordava com aquela atenção que dispensávamos aos dois... mas isso é outra conversa e só coloquei para que tenhamos uma idéia que tudo aconteceu num momento de muita tensão familiar. --- Que você tem? --- perguntou a Rosita --- perdeu o sono? --- Lembra daquela bolinha no peito? Há algum tempo eu havia notado uma bolinha do tamanho de meia bolinha de gude bem entre meu peito direito e a axila direita. Cheguei a ir num médico mastologista, acho que se chamava Dr. Singer e o mesmo disse após ver meu exame de mamografia que não se tratava de nada sério e que era para eu esquecer isso. --- Tá doendo? --- Tá sim... parece um furúnculo... quando eu deito piora... Rosita mexeu na nossa dispensa de remédios e me veio com um comprimido de antiinflamatório chamado Naprosin 500. Tomei o comprimido e fomos deitar. Dormi imediatamente e não senti mais a dor naquela noite. No dia seguinte conseguimos uma consulta para poucos dias pelo livro do Convênio com um Mastologista chamado Dr. Nassif Galeb o qual nunca tinha ouvido sequer falar de seu nome. Até hoje, ele tem sido como um anjo em minha vida e vou falar muito sobre ele nas próximas páginas. Durante esse período de espera desde a noite que senti aquela dor e o dia da consulta não senti mais nada. Segui normalmente minha vida fazendo trabalhos e orçamentos de reformas e de seus materiais. Entre minha pequena família, uma irmã e mais dois irmãos, permanecíamos um pouco dis10


tantes, a não ser eu com minha irmã, ou melhor, minha irmã com todos nós. Ela sempre é bastante presente na vida de todos nós. Marcelo, o mais velho mora com minha irmã, ambos não tiveram sucesso em seus casamentos e se separaram. O Marcelo tem 2 filhos que eu amo muito, Tiago e Carolina e minha cunhada, Alba, é uma pessoa que eu estimo muito (já estimei mais antes das brigas que ocorreram por causa de política dentro de um grupo familiar de whatzap quando ela disse que eu não sou uma pessoa madura e eu nunca esperava ouvir, ou ler, esse comentário dela, mas hoje está tudo bem novamente e voltamos a nos relacionar). Fiquei bastante chateado com aquilo, sai do grupo familiar e desde então não tinha mais muitos contatos há meses com eles, mas sei que tudo isso vai se arrumar. A gente criou nervos de perplexidade com a política do Brasil nesse ano de 2016. Eu converso quase que diariamente com a Maria Luiza, minha querida Carolina e nós aqui de casa, além de alguns poucos amigos do facebook que ainda não tem o preconceito, ou medo de conversar com alguém que tenha Câncer mesmo que seja a distância. Da mesma forma que sua ex-esposa (ou vice versa, não sei ela acompanha ele ou ele a acompanha nas idéias) Marcelo, meu irmão mais velho, também é bastante distante e eu quase que não converso com ele (a doença nos reaproximou um pouco). Perdemos nossos pais biológicos muito cedo. Eu tinha 2 anos quando minha mãe faleceu e 9 anos na partida de meu pai. Fomos criados por tios e pela Daria, um anjo que trabalhava em casa desde antes de eu nascer e praticamente foi uma segunda mãe para todos nós. Quando ela ficou doente durante anos com Alzheimer, o Marcelo se importou de forma bastante distante com a doença dela e participou pouquíssimo dos seus últimos anos. Isso me deixou bastante chateado com ele e gerou um clima de ‘falta de assunto’ todas as vezes em que nos encontrávamos. Além do mais ele tem idéias muito diferentes das minhas em tudo desse mundo. Ele quer a todo custo fazer valer suas idéias assim, brigamos, brigamos, até que resolvi não comentar mais nada do que eu achava quando ele estivesse por perto. O Marino, meu irmão mais novo mora em Santos e é uma pessoa que não curte muito redes sociais e assim, nos falamos muito pouco por telefone, sempre para economizar dinheiro uma vez que as ligações para ele são interurbanas e nossos horários para conversas entre um trabalho e outro quase nunca batem. É uma pessoa bastante caseira e de certa forma não gosta de vir para São Paulo, acho que pelo transtorno de estrada, quartos e acomodações provisórias, não sei o que, mas ele é hiper conservador quanto ao local que reside. Conto tudo isso e contarei muito mais para que você que lê esse livro saiba que eu sou um cidadão comum da mesma forma que você. Quem nesse nosso mundo não tem esses tipos de problemas familiares, financeiros, de trabalho, etc.? No fim sabemos que família é família e nada os substitui. Hoje só quero ter todos eles no meu coração. O Brasil, aaahhh o Brasil, como todos devem saber pelos noticiários, está muito mal nesse período em que estou escrevendo essas páginas. “Confesso que tenho pretensões de ainda editar essas páginas e fica aqui essa observação para que quem as ler no futuro saiba bem o que vem acontecendo no nosso país”. Como eu dizia, o Brasil vem passando por grandes mudanças desde seis meses antes das eleições presidenciais de 2015. Resumindo essa história (no meu ponto de vista e veja bem, eu não gosto de político algum e não defendo ninguém, inclusive esse livro não tem nada ver com política, mas é bom saberem o que ocorria e quais as sensações que passamos nesse período), uma Presidente foi eleita contra os prognósticos de uma maioria mais rica, acho que no máximo 5% da população, porém donos de jornais, redes de televisão, editoras, presidentes de grandes empresas, etc. Esses por sua vez iniciaram um projeto para paralisar seu governo 11


fazendo com que a Câmara e o Senado não votassem mais nada daquilo que o Executivo propusesse desde que assumiu seu segundo mandato e assim, foram minando os projetos. Auxiliados por uma investigação de corrupção que na verdade envolvem centenas de Partidos Políticos e de seus próprios integrantes, nenhum desses outros eram investigados e com certeza, financiados por esses partidos (também corruptos) e seus integrantes a grande imprensa sempre só deu ênfase àquilo que a Presidente eleita e seu partido haviam feito. Resumindo mais ainda o Governo eleito foi derrubado e assumiram as responsabilidades do Executivo aqueles que haviam ficado em segundo no pleito. É o que penso e não sei se estou certo! Hoje, passamos por mais e mais avalanches de corrupção e um apelo geral dos políticos que assumiram para que encerre as investigações, isso logicamente para que não sejam atingidos.

Eu estava servindo ao Exército Brasileiro e tinha exatos 19 anos de idade. Numa feita fomos levados até Santana do Parnaíba para um treinamento em campo e um desses treinamentos era descer de um morro se segurando em uma roldana que estava fixa a 1 cabo de aço. Quando chegou minha vez eu estremeci, pois sempre tive muito medo de altura, mesmo assim segui em frente e me atirei morro abaixo. No meio do percurso eu percebi que o Tenente gritava “mantenha os joelhos flexionados perto da barriga” e minhas pernas ficaram cansadas até que uma delas ficou encolhida enquanto a outra se esticou. A roldana virou e saiu do cabo de aço e lá fui eu caindo sobre uma árvore de uns 20 metros... foi o que me salvou pois os galhos foram amortecendo minha queda. Saí praticamente ileso daquele tombo, somente bastante tonto e com uma perfuração no peito do pé causado por um galho. Quando íamos para casa não era permitido sair do Quartel sem o uniforme completo assim, para calçar o coturno (a bota) eu sempre fazia um curativo com gaze e com esparadrapo naquele machucado e calçava a bota mesmo sentindo dores horríveis, pois o que eu mais queria era ir para casa. Assim, aquele ferimento demorou meses para fechar e agora, olho para meu pé direito e volto a vê-lo e me lembrar plenamente de como ele foi parar ali.

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Parte 2 – Primeira Consulta Fui sozinho e cheguei tranqüilo no dia 19 de agosto uma sexta feira, no pequeno consultório do Dr. Nassif. A secretária dele, Sra. Shirley me atendeu com toda educação e pediu para que eu preenchesse um cadastro. Sentei-me numa das cadeiras da sala de espera para o preenchimento e olhei a minha volta... só tinha mulher. --- Meu Deus, que eu estou fazendo aqui num médico que analisa problemas de mulheres... --- pensei comigo. Passado um tempo o médico me chamou... logicamente com um semblante bastante desconfiado. Contei a ele toda história desde o começo. --- Há uns 4 anos eu estava saindo de uma entrevista jornalística e correndo da chuva para entrar no banco do passageiro do carro de um amigo que me esperava em fila dupla numa avenida bastante movimentada de Campos do Jordão... assim que eu me aproximei do carro meu amigo abriu gentilmente a porta e desapercebido e com pressa para não me molhar fui entrando quando a porta do veículo voltou e o bico da mesma bateu em cheio ao lado da minha mama direita. Foi uma dor insuportável e eu entrei no carro quase que chorando e gemendo de dor. Meu amigo perguntou o que havia acontecido e eu mal consegui responder, pois estava até com falta de ar. Aquilo passou e à noite quando cheguei em casa e fui tomar banho reparei no espelho que meu peito estava roxo e dolorido no local da batida. --- Chegou a cortar? --- Não Doutor, mas ficou bem roxo e muito dolorido... --- Vamos analisar isso... Sentei-me na maca e tirei a camisa. O médico apalpou e percebeu uma pequena bolinha dura entre a mama direita e a axila. Ele olhou mais um pouco e disse: --- Pode vestir a camisa... Enquanto eu vestia eu fui falando com ele. --- Minha esposa é médica e nós já tínhamos percebido essa bolinha porem ela nunca havia doido e numa noite dessas eu tive dores agudas, como se fosse um furúnculo interno. --- Qual a especialidade da sua esposa? --- Ela é Médica Psiquiatra... --- Bem Manoel... --- dizia calmamente ele --- você tem alguma coisa ai e isso só de apalpar a gente já percebe... porém, tenho muita experiência em câncer nessa região e só de ver tenho a mais absoluta certeza que você tem mais alguma coisa na axila direita. O ideal é fazermos uma biópsia e uma punção para sabermos de verdade o que é isso... --- Tá certo Doutor... e como faremos isso, onde? --- Você pede para a Secretária marcar para sexta feira outra consulta e faremos aqui mesmo... eu tenho aparelho de ultra som e faço essa retirada do material aqui mesmo no meu consultório... enquanto isso eu gostaria que você fizesse esses exames... Naquele momento ele me pediu ultrassom de mamas , mamografia digital, ultrassom de abdome superior e ultrason da axila direita e esquerda. 13


Sai da sala dele e marquei então um retorno para dia 26 onde então faria a tal retirada de material para biopsia. Antes de sair o médico disse: --- Traga sua esposa na próxima consulta... Fui caminhando até o metrô da Avenida Paulista pensando como seria esses exames, o porquê dele pedir tanta coisa, o que ele quis dizer com “tem alguma coisa ai..” e o porque de querer que eu viesse com a Rosita para a próxima consulta. Comecei a desconfiar que algo estava errado. Chegando em casa já marquei no Laboratório UCD em Moema todos os exames que teria de fazer e à noite conversei com a Rosita tudo que ele tinha falado, das desconfianças que ele tinha sobre o caso todo. Na minha ignorância quando se trata de medicina e de saúde eu já havia entendido que aquilo poderia ser mesmo um câncer. É lógico que nós, meros pacientes, tentamos sempre nos enganar dizendo para nós mesmos “aaah... isso num deve ser porra nenhuma... esse médico vai ver que isso é uma bolinha de sangue que se acumulou por causa daquela batida e vai querer retirar... tenho certeza disso...” É lógico e acho que é do ser humano o pensamento e a vontade de que não seja nada, ainda mais quando se fala das medonhas palavras “Câncer, Biópsia, Cirurgia”. --- Vamos aos exames... e seja o que Deus quiser! Fazendo um parêntesis nessa história eu gostaria muito de falar um pouco o que eu sempre pensei de Deus. Desde menino acompanhei minha avó que era uma pessoa extremamente católica quando ela fazia sua peregrinação todas às terças feiras até a Igreja do Largo São Francisco, aqui em São Paulo. É certo que pelo que me lembro ou eu estava sozinho com ela ou com meu irmão Marino e eu e ele não rezávamos nem uma palavra durante essa visita semanal àquele belíssimo templo. Na verdade, acho que o que fazíamos era uma espécie de ‘anti reza’ e se aquilo fosse mesmo visto por um Deus ele com certeza já teria há muito tempo nos punido com os piores castigos. A Igreja às terças a tarde era praticamente vazia, um ou outro fiel ali estava para orações e conversas particulares com Jesus e todos aqueles Santos. Enquanto minha avó rezava os tais ‘3 terços’ habituais nós brincávamos de toda sorte de diversão, pegador, esconde - esconde, futebol com bolinha de papel naqueles corredores laterais sendo que a tal bolinha de papel era manufaturada com os papéis de orações e de propaganda das festas da própria Igreja. Cansados, a brincadeira que mais gostávamos era apagar todas as velas acesas para promessas deixando apenas uma acesa e então competíamos quem acendia todas as outras velas mais rapidamente. Lógico que por várias vezes o responsável pela Igreja dava broncas na gente e com isso levávamos alguns ‘sopapos’ da vovó, mas na outra visita voltávamos a brincar de tudo isso novamente procurando não fazer barulho. Como eu já disse anteriormente eu cresci lendo tudo que encontrava sobre as religiões. Não acredito em 1 Deus. Acredito sim que a religião é extremamente importante, mas que essa religião é própria e particular como se fosse uma ‘miscelânea’ de todas essas que citei e mais algumas. Afirmo inclusive que a grande maioria dos textos religiosos diz isso, porém os líderes religiosos não querem que as pessoas entendam isso dessa forma, acho que eles querem que as pessoas entendam que ‘o seu Deus’ é o correto e devemos orar (e doar) tão e somente a Ele. Hoje, quando estou ministrando aulas ou palestras eu sempre digo, “uma vez uma aluna 14


minha chorava olhando para o seu terço então perguntei a ela... que está acontecendo Gabriela... estou orando para que Deus me ajude nessa prova final”. Perguntei então a ela, “você estudou a matéria da prova?... não muito professor, no final de semana acabei indo viajar com meus amigos e não estudei... e me diga uma coisa, você crê de verdade que o seu Deus vai dirigir a sua mão e fazer assim que apareçam as respostas corretas no seu gabarito?”. Gabriela começou a chorar mais ainda porque ela mesma não tinha certeza do que responder sobre a minha questão e então eu disse, “tenho certeza que você vai se dar mal nessa prova, me desculpe a franqueza, mas se existe um Deus ele não vai fazer você colher aquilo que não plantou... seu Deus está aqui (disse eu colocando minha mão sobre a cabeça da menina) e não lá (voltei a dizer apontando para o céu). Pois ela fez a prova e tirou nota 1, uma nota que eu dei em consideração por ela ter participado da prova porque qualquer outro mestre teria aplicado nota zero para uma única e ridícula resposta. Dias depois numa segunda chamada vi a menina toda sorridente e perguntei, “estudou?” e ela prontamente respondeu, “sim, aquele meu Deus que está aqui (mostrando sua cabeça) ordenou que eu lesse e relesse toda a matéria”. Nessa segunda chamada ela tirou nota 9, errou apenas algumas concordâncias. Quero falar mais de Deus durante esse relato.

Quando meus tios já moravam conosco tentando preencher as lacunas deixadas pela perda de nossos pais, eles me inscreveram num Grupo Escoteiro, o Grupo 9 de julho. Hoje ele fica num local que é bastante habitável em um bairro de São Paulo chamado Brooklin, mas naquela época, quarenta e tantos anos atrás a sede do 9 de julho era no meio do mato e para chegar ali eu descia do ônibus na Avenida Santo Amaro perto do Clube Banespa e ia caminhando por pequenas ruas de terra que ou eram totalmente desabitadas ou tinham algumas casas de sítios. Certa vez eu estava voltando para casa e olhando para o chão, chutando pedrinhas e pensando em nada. De uma hora para outra me assustei quando apareceu na minha frente um cachorro enorme (era um Pastor Alemão) e com o meu susto acho que ele também se assustou e me mordeu o joelho direito. A Dona do cão estava perto e deu um grito e então o bicho se afastou. Ela chegou perto de mim e viu que estava sangrando. Com um sotaque meio alemão ela disse “passa mercúrio cromo ou mertiolate e fala pra mamãe que o cachorro é vacinado”. Assustado eu continuei minha caminhada sem nem olhar para trás e puxei a meia (meia de escoteiro é comprida) para cobrir o ferimento. Quando cheguei em casa vi que todos estavam na mesa prontos para o almoço pois as reuniões do escotismo eram sempre aos domingos pela manhã e eu disse para minha tia “vou tomar banho e já desço”. Hoje as marcas estão nítidas e consigo até contar os 4 dentes dele que perfuraram meu joelho. 15


Parte 3 – A consulta para a biópsia O dia 26 de agosto chegou e esse era o dia da Biópsia. Fiquei imaginando, “como será que ele vai retirar amostras dessa bolinha que tenho perto do meu peito e embaixo das axilas?” O médico chamou e entramos no consultório, eu e a Rosita. Depois das apresentações entre eles o Dr. Nassif foi dizendo. --- Eu tenho mais de 40 anos de experiência nesse assunto e sei que tem alguma coisa errada nas axilas dele... hoje vamos colher o material para biópsia mas, já vou fazer aqui um pedido de autorização de cirurgia com anestesia geral para o cardiologista... venha Manoel, pode retirar a camisa e deitar nessa maca. Deitado eu vi ele chamar a Sra. Shirley para ajudar e pensei comigo, “a coisa vai ser feia”. Deixo claro aqui que desde criança tenho um verdadeiro pavor por agulhas de injeção. Acho que é um trauma de infância de tanto ver meu Tio Rubens aplicar injeções de insulina em minha tia Tita visto a diabetes dela. Todos os dias uma ou duas injeções e aquele ato era feito sem cerimônias, na frente de todos antes do almoço e/ou antes do jantar. O grito de dor dela ecoa até hoje na minha mente. --- Manoel... disse o médico já com uma seringa na mão --- vou aplicar uma anestesia que vai arder um pouquinho... Ele nem bem acabou de dizer e eu já comecei a sentir o liquido da seringa entrando e ardendo embaixo de minha pele, mas até que foi suportável. Depois ele veio com outra seringa um pouco maior (acho que bem maior) e disse: --- Agora vou inserir essa seringa sobre a pele embaixo de seu braço e vou retirar um pouco do tecido... Foi tranqüilo, quase não senti uma vez que aquele local estava anestesiado. Feito isso ele passou o material retirado para a Shirley que imediatamente acondicionou em algum lugar apropriado que eu não vi, apenas imaginei que era algum recipiente com gelo...ou refrigerado. --- Bem Manoel --- disse ele novamente com outra seringa maior (agora sim, era bem maior) ainda em suas mãos --- essa é a ferramenta da biópsia, eu vou injetar e você vai escutar um estalo, como se fosse um pequeno tiro... Eu nem quis olhar, virei meu rosto e senti a agulha entrando no meu peito até que... pááááá... um forte estalo que eu imaginava ser bem mais silencioso e uma dor como se tivesse recebido uma facada quente no peito. --- Calma... doeu... --- Nossa... que pulo ele deu... --- alguém disse, não sei se foi a Rosita ou a Shirley... --- Nossa... doeu muito Doutor... --- Calma... vou colocar um pouco mais de anestesia... E lá veio ele novamente com a injeção de anestesia ardida que dessa vez eu nem senti. Depois veio novamente com a tal ‘arma’ de retirar pedaço para biópsia e disse de novo. --- Mais um estalo... 16


Pááááá... Outra vez aquele tiro assustador que dessa vez não doeu muito e logo ele disse. --- Pronto... já temos o material necessário para a análise... me passa uma gaze... vamos só secar isso... ta parando... Enquanto ele me falava ficava imaginando que pelo tamanho da agulha e do estalo que aquele negócio deu deveria ter um furo no meu peito e como naqueles filmes de terror deveria estar jorrando sangue. Logo ele retirou a gaze e colocou um pequeno curativo dizendo. --- Pronto... pode vestir a camisa... --- Graças a Deus passou... que seja somente isso... --- pensei comigo. Sentei-me na mesa e o Dr. Nassif foi dizendo. Bem, vou querer a autorização do cardiologista e mais esses exames fora aqueles que você já marcou... quero Tomografia Computadorizada do Tórax, Cintilografia Óssea e um Raio X Digital de Tórax... esses exames são essenciais... quando saírem os resultados vocês marcam com a Shirley e voltam aqui. Do consultório até o Metrô eu não falei uma palavra com a Rosita. Foram uns 5 quarteirões calado, apavorado com aquilo e com as coisas que o médico havia dito a ela. Coisas do tipo “Carcinoma vão fazer o esvaziamento total, não é uma cirurgia simples” e outras coisas que eu preferi nem perguntar a ela para não ficar mais assustado do que já estava. No dia seguinte fui à casa de minha irmã e contei uma parte de tudo aquilo para ela. Eu disse a ela que seria feita somente uma retirada daquela pequena bolinha no peito e que deveria ser uma gordurinha, algum lipoma, eu não queria deixar ninguém assustado como eu estava. Logicamente que minha irmã ligou mais tarde para a Rosita e ambas conversaram sobre o que realmente estava acontecendo.

Na minha juventude fui muitas vezes acampar em vários lugares. Certa feita em um lugar chamado Trindade, (era uma praia deserta que fica perto de Paraty no Estado do Rio de Janeiro) acho que era uma praia deserta bem perto de Ubatuba no Estado de São Paulo, estávamos eu e meu amigo Sérgio numa das lindas praias e notamos que alguns pescadores estavam puxando as redes a mais ou menos uns 300 metros da praia. Foi quando ele me disse “vamos nadar até lá e pedir uns peixes para os pescadores?”. Nem bem ele falou e mergulhamos e nadamos até o barco. Lá chegando os pescadores disseram, “subam por essa rede” e notamos que havia uma rede de malha grossa e fina misturadas que pendia do convés do barco até perto da água onde estávamos. Imediatamente eu me segurei na rede com as mãos e com a ajuda dos pés e muita força fomos subindo. Num momento eu me segurei na rede bem no local onde havia umas conchas prezas e foi quando cortei minhas mãos, entre os dedos, em vários pontos. Hoje vejo novamente essas cicatrizes, uma no anular direito, outra no polegar também direito e uma logo acima do indicador esquerdo. 17


Parte 4 - Os exames solicitados Marquei a consulta com o cardiologista, Dr. Fernando de Araujo Pereira, meu grande amigo de infância e um médico muito experiente e conceituado. Enquanto o dia não chegava procurei ir fazendo os exames solicitados pelo Dr. Nassif. Fiz todos eles, menos o de Tomografia Computadorizada do Tórax, esse como o Médico disse tinha “um pouco mais de problemas para que o Convênio Saúde aprovasse, mas que no fim eles aprovam sim”. Engraçado que nos laboratórios em que fui, principalmente na UCD em Moema, o Dr. Nassif é uma pessoa muito conhecida. Todos os Médicos as enfermeiras e especialistas que me atendiam diziam que eu estava com um ótimo médico e que ele era um grande especialista. De alguma forma ouvir aquilo me deixou um pouco mais confiante, não que eu desconfiasse dele, mas aquilo tudo era novidade para mim e estar ao lado de um médico reconhecido além da minha própria esposa foi um grande conforto. Como leigo que sou os resultados desses primeiros exames não foram desoladores, pelo contrário, a maioria deles estava de certa forma descrevendo que meu estado de saúde não era ruim. O Ultrassom de Mamas dizia “ausência de parênquima mamário”. Como um “bom curioso” pesquisei no Google e achei isso: “parênquima substantivo masculino” 1. Célula específica de uma glândula ou de um órgão, contida no tecido conjuntivo. Enfim, eu nunca perguntei muitas coisas específicas nem para o Médico nem para minha esposa Rosita. Eu preferi ficar com o que eu achava daquele diagnóstico e acho que isso não me deixou apavorado. Esse exame ainda dizia que o “revestimento cutâneo com espessura normal e textura conservada”. Na impressão Diagnostica estava descrito “nódulo sólido em mama direita, que necessita complementação diagnóstica”. Pronto, para mim aquilo queria dizer que aquela bolinha deveria ser somente uma bolinha solidificada de gordura, fácil de retirar. A Mamografia Digital dizia: Mamas simétricas e de morfologia conservada, pele e tecido subcutâneo sem anormalidades. Impressão Diagnóstica: “Sugere-se a critério clinico complemento com estudo histológico”. Vibrei com aquele resultado. Eu, na minha cabeça, não tinha nada e poderiam revirar o que quisessem que não iriam encontrar nada além daquela bolinha de gordura calcificada. O resultado do Ultrassom de abdome superior me deixou mais animado ainda. Ele dizia: Fígado – de dimensões normais e contornos regulares. (adorei naquele momento nunca ter bebido álcool). Veia aorta – com calibre de 10 mm Colédoco – Calibre conservado Pâncreas – espessura conservada 18


Baço – dimensões normais Finalmente a impressão diagnóstica: Discreta esteatose hepática – Grau I No Google mais uma vez consultei e vi que aquilo queria dizer gordura no fígado e se era de Grau I deveria ser normalíssima. Os resultados dos exames de Ultrassom da Axila Direita e da Esquerda me deixaram hiper feliz. Eu tinha agora certeza comigo que aquela punção feita pelo médico não iria dar em nada. Ela dizia: Pele e Tecido homogêneo Planos musculares e dimensões conservadas Não identificamos cistos ou massas na região estudada Estruturas vasculares e trajetos de calibre usuais Impressão Diagnóstica: ULTRASSOM DENTRO DOS PADRÕES DE NORMALIDADE Faltavam os resultados dos exames de Tomografia do Tórax e a Cintilografia Óssea que demoravam um pouco mais para saírem os resultados. Mas eu estava convencido mais do que nunca que eu não tinha nada a não ser aquela bolinha ao lado direito do meu peito, entre ele e a axila direita.

Fomos criados pelos nossos tios e pela minha avó que era bastante severa. Certa vez eu queria ir numa festa e ela disse que por ser domingo se eu não chegasse antes das 23:00 horas em casa eu iria dormir do lado de fora. Para variar desobedeci as ordens e fui chegar quando já era mais de meia noite. Tudo estava trancado e as luzes apagadas, pensei comigo, “vou dormir no quintal”. Quando fui até o quintal na parte de trás da casa me lembrei que a chave da porta da cozinha sempre ficava na porta do lado de dentro e o que me separava dela era apenas um desses vitrôs com uma alavanca que faz eles abrirem ou fecharem só para deixar passar o ar, ou no caso o cheiro da cozinha. Me aproximei e com cuidado fui empurrando o vidro para trás para ver se ele abria, tudo com o máximo cuidado até que o vidro se quebrou e logo vi um corte causado pelo vidro no meu braço direito e na mão logo acima do indicador... mas eu abri a porta. Com o barulho do vidro quebrado é lógico que minha avó acordou e alem dos cortes recebi uns safanões antes de dormir.

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Parte 5 – No Cardiologista Cheguei de volta no consultório do Dr. Fernando. Repito, um grande amigo de infância. Crescemos juntos na mesma rua. Os pais dele foram amigos de meus pais, os irmãos dele são amigos meus e de meus irmãos até hoje e ir ao consultório dele é praticamente uma festa de recordações. Contei a ele toda história, tudo de novo do jeito que eu já tinha na ponta da língua de cor e salteado e que eu na minha ignorância achava ser. Contei a tantos Médico e a tantos técnicos de laboratório essa mesma história da batida do peito na quina da porta do carro do meu amigo que eu já colocava até algumas ilustrações no meio da história. O Dr. Fernando mediu minha pressão e viu que a Lozartana 50 não estava fazendo o efeito desejado, pois a pressão estava 14 x 9,5. Ele me receitou um novo remédio mais atual que eu venho tomando até os dias de hoje e esse sim mantém o dia todo minha pressão nos 11 x 7 ou 12 x 8. Como sempre e como todos os Médicos (o que eu acho mais que correto) ele me solicitou alguns exames para que então pudesse dar a tal autorização da cirurgia. Dessa feita ele pediu Ecodopplercardiograma com Mapeamento de Fluxo em Cores (achei lindo esse nome), pediu também ECG de Repouso e Teste Ergométrico e também Ultrassonografia com Doppler colorido das Artérias Carótidas e Vertebrais. Esses nomes complicados remetem o paciente a uma ‘viagem’ do que será encontrado lá por dentro da gente. Com as aparelhagens de hoje em dia geralmente o diagnóstico é que ‘acharam pelo em ovo’. --- Não vou pedir o exame de sangue porque com certeza o seu Médico Mastologista deverá pedir um exame bem completo. --- Tchau Fernando... precisamos combinar aquele churrasco de fim de ano da turma lá da Rua Cravinhos... Lá fui eu marcar os exames solicitados pelo cardiologista, eu queria acabar logo com tudo isso... queria mesmo! Antes de ir para casa passei na casa de minha irmã Maria Luiza. Eu sempre tive uma relação muito legal com ela. Sempre conversamos muito e como eu sabia que mais dia ou menos dia ela iria conversar com a Rosita minha esposa ou mesmo com o Dr. Fernando e então iria ficar sabendo da tal cirurgia eu preferi eu mesmo ir lá a casa dela e contar o que estava acontecendo. Cheguei todo feliz e ela já me recebeu com café, bolachinha, queijo, ela sabe de tudo que eu gosto e logo foi colocando na mesa, até que uma hora ela disse: --- Tenho uma boa notícia... --- Nossa... que bom.... o que é? --- Vou passar o ano novo na casa do Celso (que é também um amigo nosso de infância) lá nos Estados Unidos. Vão ser 15 dias. Ela disse aquilo e começou a mostrar em seu tablet as fotos da casa do Celso, o lugar aonde ela iria ficar e vários detalhes da viagem. A certa altura eu me levantei da mesa, coloquei minha xícara suja na pia e disse: 20


--- E eu acabei de sair do Fernando... vou passar por uma cirurgia... Pronto... parecia que o mundo havia desabado naquele momento. Minha irmã é super desesperada e sei o quanto ela gosta de mim e preza pela minha saúde. --- Calma Maria Luiza... --- contei de novo toda aquela história da batida do peito no carro do meu amigo e até pedi para ela tocar na bolinha que era muito superficial --- mesmo assim ela não se conformou muito. --- Acho que vou cancelar a viagem... --- Maria Luiza... é uma cirurgia simples... já fiz um monte de exames que não deram em nada... eu tô bem de saúde... vai se divertir um pouco você tá precisando... Ela chorava e dizia que não acreditava naquilo, que não podia estar acontecendo e que ela já não estava muito querendo ir na tal viagem (apesar de ter acabado de me contar sobre a viagem com um sorriso que ia de orelha a orelha). --- Quem é o Médico? Você já foi a outro? Essas coisas não podem ser vistas por um só! --- Maria Luiza, ele é super legal, eu vi no site dele e tenho certeza que é uma pessoa com uma super experiência. Em todos os laboratórios que eu tô indo todo mundo diz que eu estou com um dos melhores médicos dessa área. A Rosita foi comigo lá e também adorou ele. --- Eu quero saber tudo... --- Mas isso é tudo que eu sei Maria Luiza... tudo mais que eu for sabendo eu te conto... --- Fala isso para seus irmãos... (disse ela se referindo ao Marino e ao Marcelo). --- Tá bom... calma... deixa eu saber mais disso tudo. Fui embora com um sentimento de que eu não deveria ter dito aquilo naquela hora, mas hoje penso se não fosse momento quem sabe contar quando soubesse um pouco mais seria bem pior.

Essa cicatriz em forma circular que tenho no braço esquerdo foi, além de um drama uma história que posso dizer foi até engraçada. Eu devia ter uns 26, ou 27 anos e eu tinha uma pequena verruga no braço esquerdo um pouco acima da minha mão, bem no pulso. Eu sei que essa verruga cresceu muito rápido em um curto espaço de tempo e fui ao Médico que disse que iria retirá-la com uma cirurgia ambulatorial bem simples. No dia marcado lá fui eu até a Clínica que ficava no Brooklin e ali aconteceram as 3 coisas que eu mais odeio. O 1ª é esperar. Tudo estava marcado para as 7:30 horas e o médico foi me chamar só lá pelas 9 da manhã depois de eu reclamar muito. Entramos então numa salinha de enfermaria eu ele e uma enfermeira e ele pediu para que eu me sentasse numa cadeira ao lado de uma maca e que colocasse o braço sobre uma espécie de acolchoado que estava na tal maca, então ele disse. “Vou anestesiar o local e você vai só sentir uma picada e um pequeno ardor”. Essa é a 2ª coisa que mais odeio (acho que até já disse isso) tenho horror a injeção. Muito bem, não olhei, senti a picada e logo ele retirou a agulha do braço que imediatamente parecia estar morto. Depois ele disse enquanto colocava uma placa de metal embaixo da minha mão direita e a mesma era presa por 5 elásticos, um preso em cada dedo. O Médico disse “Manoel, esse é um bisturi elétrico e eu vou puxar a verruga com essa pinça e depois corto em volta dele com esse aparelho para que o mesmo saia inteiro... você não vai sentir nada a não ser um cheiro de queimado por que o bis21


turi elétrico corta e já cauteriza o local... ok?”. Concordei mesmo estando apavorado e sentado naquela cadeira apoiei meu braço direito que estava livre num armário daqueles brancos de vidro que toda enfermaria tem e sempre estão lotados de vidrinhos, fechei meus olhos e ouvi o tal bisturi ser ligado. Assim que ele encostou o bisturi no meu braço aconteceu a terceira coisa que eu odeio. Levei um choque que parecia um coice de um cavalo e instintivamente empurrei o armário no qual eu me apoiava e o mesmo só não caiu inteiramente no chão porque ficou apoiado na parede, mas apesar disso todos os vidros se quebraram e todos aqueles vidrinhos de dentro dele se esparramaram pelo chão causando uma sujeira imensa além de um estrondo que fez com que outras pessoas abrissem a porta da enfermaria para ver o que estava acontecendo. Foi quando ele me perguntou, “deu choque?”. Eu estava em pé e disse “nossa... um choque muito forte”. O Médico olhou então para o cabo daquela placa e viu que a enfermeira não o havia conectado ao aparelho ou dispositivo, sei lá o que faria o papel de fio terra para descarregar a energia liberada pelo tal bisturi elétrico. Não me lembro de ele ter falado com a enfermeira mas sei que ela saiu da sala e o médico terminou o trabalho sozinho mesmo no meio daquela bagunça ocasionada. Eu nunca mais tinha visto essa cicatriz e agora ela está nítida no meu braço.

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Parte 6 – Outras noticias entre 1 exame e outro Num domingo, dia 4 de Setembro nossa neta Thalita chegou do exterior onde estuda. Há 3 anos ela faz a Faculdade de Comunicações em Tel-aviv onde mora e todos os anos vem passar as férias aqui com a gente. A vinda dela foi maravilhosa e não poderia ser em melhor hora. Além desse meu problema que contei a ela e como sempre ela foi, muitíssimo inteligente e otimista ela só disse. --- Você vai melhorar logo! Nesse meio tempo as brigas entre a Rosita e seus irmãos continuavam. O Pai deles não estava bem e necessitava cada vez mais de cuidados. Eu fazia tudo que poderia fazer, ajudava dar banho nele, comprava as coisas para a casa, levava ele ao médico e visitava todos os dias sendo que em alguns dias era mais de uma vez. A idéia das irmãs era, pelo que diziam, de colocá-lo num asilo para idosos sempre falando que ali ele seria mais bem cuidado, porém nós daqui de casa sabíamos que a idéia final deles me pareceu ser simples ‘economia’. Eu me desvinculei totalmente da família da mesma forma que tinha feito com a minha há alguns anos com os mesmos problemas de saúde sofridos pela minha mãe de criação quando só eu e minha irmã ficamos ao lado dela até a hora de sua partida. Na volta de um dos exames eu recebi o telefonema de uma cuidadora dizendo que meu sogro estava muito mal e que a Rosita estava lá esperando a ambulância do SAMU (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) chegar. Cheguei a tempo e ele foi removido ao Hospital São Paulo na Vila Mariana aonde veio a falecer 2 dias depois, no dia 12 de setembro. Tanto no Hospital como no velório e na cremação procurei me isolar de todos. Pessoalmente acho que esse grande homem não teve a atenção necessária de seus filhos e de seus parentes diretos o que, tenho certeza, foi uma das principais causas de sua morte. Ele abriu mão de sua vida e se entregou desde o Natal passado (comendo doces que não podia por conta da diabetes, não querendo mais se lavar direito, etc.) quando se viu abandonado sem sequer receber um único telefonema dos seus outros filhos, de seus tantos netos e bisnetos, esses últimos logicamente ainda são de pouca idade e não ligariam mesmo. Eu ficava olhando aquelas pessoas no funeral e via pessoas que eu imaginava ter uma cultura razoável, professores, advogados, administradores, médicos, todos que receberam tanto amor do Sr. Jordino durante a vida e só agora, depois de muito tempo estavam ali se reunindo... na despedida. Ao menos, eu a Rosita, suas filhas e nossa neta não carregaremos essa culpa, pois fizemos o possível e o impossível pelo bem estar dele. Como ele mesmo dizia “cada um faz o que pode”, quem sabe eles não podiam fazer o que fizemos... ou não queriam ver uma pessoa tão próxima nos seus dias finais... quem sabe? Fiz esse capítulo não como uma forma de critica às pessoas que comentei, mas sim para que todos que estiverem com essa doença não pensem que esse será seu único problema daqui para 23


frente. As contas continuarão chegando, os impostos serão cobrados e problemas corriqueiros como brigas em família, vazamento no banheiro, filho que traz nota baixa da escola, preços dos produtos de supermercado que não param de crescer, contas e mais contas e todos aqueles outros que sempre te deram dor de cabeça continuarão com certeza. Eu, como já disse, procurei retirar aqueles que eu podia da minha frente e simplesmente parar de falar e de ter relacionamentos com uma boa parte da família, mesmo por rede social (simplesmente acabando a amizade) foi prontamente resolvido. Chamaram-me de radical, de subversivo, etc., porém meu foco agora é a minha saúde e ponto final. Quem quiser que me procure e os ‘verdadeiros amigos’ me procuraram.

Na minha infância e juventude eu sempre gostei de acompanhar jogos de futebol. Gostava também de jogar ‘uma bolinha’, mas logo percebi que eu era sempre o último a ser escolhido pelos ‘capitães’ dos times assim, minha posição oficial acabou sendo a de goleiro, à qual também sinto informar que eu não era lá grande coisa. Eu tentava me espelhar no goleiro do São Paulo chamado Waldir Perez e antes disso no Gilmar, goleiro da antiga seleção brasileira. Hoje penso ‘que audácia essa minha comparação’. Apesar de usar aquelas antigas joelheiras grossas de elástico e feltro, hoje voltaram a apareceu uma enormidade de cicatrizes nos dois joelhos causadas pelas várias tentativas de fazer ‘pontes’ e defesas milagrosas, quase sempre sem êxito.

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Parte 7 – Mais resultados de exames chegaram Mais uma vez fiquei feliz com algumas desconfianças dos resultados dos últimos exames feitos. O de Cintilografia Óssea dizia em ‘analise’ que Observa-se hiperconcentração do rádiofarmaco em ombros, articulações esternoclaviculares, primeiras junções condrocostais, heterogênea discreta na coluna toracolombar, articulações dos quadris, joelhos e tarso esquerdo. Nas demais estruturas a distribuição do radiofármaco é normal para a faixa etária. Pensei comigo, o que serão as demais estruturas restantes se no que está descrito acima fala de ombros, tronco, quadris, joelhos e tarso esquerdo não estão muito bem? Na conclusão do mesmo exame diz: Padrão cintilográfico compatível com processo degenerativo osteoarticular nas áreas descritas. --- Acho que estou mesmo ficando velho! --- pensei. Mas nem perguntei para nenhum dos médicos nem para minha esposa o que significava tudo aquilo, apenas fiquei imaginando que significava desgaste dos ossos... pra que saber mais que isso? O tal do Ecodopplercardiograma com mapeamento de fluxo em cores ficou lindo. Não sei se o que estava descrito ali era tão bom quanto as imagens fabulosas de mim visto por dentro e a cores. Na conclusão dizia: Ectasia discreta da raiz, aorta ascendente e arco aórtico. Disfunção diastólica discreta do ventrículo esquerdo. Espessamento valvar aórtico. Não entendi nada e nem quis saber mais sobre isso tudo. O que me consolava nesse exame era o fato que antes da conclusão eu li frases de diagnósticos ‘legíveis e entendíveis’ bem melhores que os da conclusão. Ali dizia: Cavidades cardíacas diâmetros preservados, Dilatação discreta da raiz aorta, Miocárdio dentro da normalidade, Ventrículo esquerdo e direito preservado, Análise segmentar normal, Valva mitral normal, Valva aórtica, tricúspide e pulmonar normais, Fluxos intracavitários normais, Ausência de sinais indiretos sugestivos de hipertensão pulmonar e Pericárdio Normal. ---Tô novo --- pensei comigo mais uma vez enquanto lia tudo isso dentro do metrô --- só por isso vou comer um belo pastel na Estação São Judas antes de pegar o ônibus e ir para casa. Os exames que o cardiologista pediu também foram bem razoáveis. O teste Ergométrico na Esteira dizia em sua conclusão que “foi negativo para presença de isquemia miocárdica e pequena alteração pela presença de arritmia cardíaca. Apresentou episódios de taquicardia ventricular não sustentada durante o esforço” O exame de Ultrassom com Doppler colorido das artérias carótidas e vertebrais dizia de forma geral que “a carótida e as artérias tinham velocidade e aceleração dentro da normalidade”. Liguei para minha irmã e disse que os exames estavam todos ótimos. O de sangue nem se fale, tudo dentro dos limites. Pensei comigo, ‘chega de exames, agora só falta a bendita da Tomografia Óssea o qual demorou um pouco mais para ser aprovado pelo convênio, mas agora já estava tudo certo para ser feito em uma semana. 25


Lá fomos eu e a Rosita no cardiologista Dr. Fernando e orgulhosamente mostrei a ele todos os exames. Ele mediu minha pressão e disse que estava um pouco alterada e que iria mudar o medicamento (Losartana) que eu vinha tomando para outro chamado Acertil 10. Com o tempo verificamos (medindo sempre a pressão em casa) que a eficiência desse novo remédio foi impressionante mantendo com apenas 1 comprimido diário o nível da minha pressão em 12 x 7 constantemente, mesmo quanto submetido a tensões de nervos quando recebia contas e más notícias corriqueiras as quais, como já disse, não param nunca. Mas ele ainda não quis dar a autorização para a cirurgia! --- Pronto, lá vem você com mais exames? --- perguntei. Ele achou que o nível de sangramento e cicatrização estava muito perto do limite indesejável e assim pediu para que eu fosse a uma nova consulta com um Hematologista. Bateu-me um desespero tão grande quando sai de lá que quase rasguei aquele calhamaço de exames e mandei tudo à merda. Eu não agüentava mais ser furado, mexido e remexido por dentro e por fora, ficar em sala de espera, aguardar mais resultados e mais notícias além da possibilidade dessa nova consulta gerar mais uma infinidade de exames. Pensei então, ‘como seria bom os médicos conversarem entre si e já pedirem tudo de uma vez nem que a gente tivesse de passar 24 horas dentro de um laboratório fazendo tudo que fosse necessário’. Sei que isso é impossível. Cheguei em casa, peguei o livrinho do convênio e lá fui eu marcar uma consulta com um Hematologista. Dei sorte, pois consegui uma consulta para poucos dias com uma médica no Hospital Edmundo Vasconcelos.

Se existem cicatrizes em meu corpo, acho que a parte mais afetada é a cabeça. Por eu ter 1,96 metro de altura bato a cabeça em todos os cantos. A mais recente foi na feira da semana passada num daqueles toldos que os feirantes colocam para se protegerem do sol e da chuva. Uma antiga, nem tanto, que apareceu foi uma coronhada que recebi em 2013 quando fui assaltado e roubado em plena luz do dia. Eu fui buscar umas chaves num chaveiro e ele não aceitava cartão então fui ao Banco para retirar dinheiro. Como é comum todos os caixas 24 horas do local que fui estavam “temporariamente desativados” e voltei sem o dinheiro. Conversei com o chaveiro que é meu amigo e disse que viria buscar no dia seguinte e ele me disse, “imagina Mané, leva as chaves e depois você me paga”. Sai com as chaves e a caminho de casa a pé eu ia conferindo se as chaves estavam iguais às originais quando do nada apareceu uma moto na minha frente e o garupa de capacete já se levantou mostrando a arma e pedindo o dinheiro que eu havia sacado no banco. O outro veio para trás de mim e ambos só queriam o dinheiro, só falavam nisso. Quando eu disse que os caixas estavam quebrados e fui tirar R$ 22,00 que eu tinha no bolso o de trás bateu com o cabo da arma na minha cabeça e disse, “num reage... num reage que você morre”. Fiquei quieto enquanto eles retiravam as coisas dos bolsos da minha bermuda e levaram o dinheiro e um celular que eu tinha dizendo, “desce a rua e num olha para trás”. Foi um momento de muito susto, mas felizmente só sai perdendo um celular velho, R$ 22,00 e um corte na cabeça bem perto da testa. 26


Parte 8 – Ajuda virtual O que percebi desde o inicio de todo esse processo é que as pessoas que me conhecem e até muitos outros que nunca me viram ao vivo e só sabem que eu existo pela rede social têm se aproximado e me confortado de alguma forma. Alguns logicamente eu já sabia que essa aproximação iria acontecer, outros que eu nunca imaginava vão aparecendo aos poucos. Enquanto fazia os exames entrei em contato pelo facebook (no inbox) com uma grande amiga e advogada de Campos do Jordão. Morei por quase 12 anos naquela cidade e lá eu tinha uma Escola de Artes e depois um Jornal semanal. A Mary foi uma das primeiras mães que confiou no meu trabalho como professor e matriculou sua filha assim que a escola iniciou seus trabalhos. Tornamo-nos muito amigos e até tivemos alguns desacordos políticos quando eu era editor do Jornal O POVO, mas depois soube que ela não era contra minha pessoa e sim não gostava do meu sócio naquele negócio. Ela ficou abismada quando conversei pela rede com ela sobre a possibilidade do Câncer, mas logo foi me dando uma expectativa de otimismo e que tudo iria dar certo. Mais tarde resolvi ir falando com outros amigos da rede social, pois eu saberia que cedo ou tarde ficariam sabendo do que estava acontecendo e sinceramente não queria deixar ninguém preocupado. Minha esposa tem um Grupo no whatzap onde participam os colegas médicos da 9ª turma da Faculdade de Botucatu onde todos eles se formaram. Eu conheço a grande maioria dali, pois ao menos uma vez por ano eles se reúnem numa ou outra cidade para se reverem afinal, estudaram juntos por 6 anos. Assim que ela colocou o assunto nessa rede (uma vez que iria acontecer um encontro e possivelmente nós não iríamos poder comparecer) uma enormidade de frases de otimismo, de orações, de recados amigáveis foram aparecendo e isso vem acontecendo até os dias de hoje. A Rosita fez a mesma coisa no Grupo dos irmãos dela que já não falavam comigo naquela época (e não falam até hoje) visto minhas intromissões quanto ao assunto do pai deles como eu já contei anteriormente. Eu tive de fazer essas interferências para que eles tomassem alguma iniciativa em ajudar a irmã (minha esposa) e eu que estávamos tomando ‘todas as atitudes sozinhos’. Por causa disso me excluíram da vida deles inclusive das redes sociais e hoje digo que somos apenas ‘conhecidos’. Sou de descendência italiana e aprendi um sentido de ‘familia’ bem diferente do que eles aprenderam... deixa para lá, a vida e o tempo vai mostrar a eles seus próprios erros. Bem, após ela comentar sobre o que eu estava passando todos os 3 desejaram sorte e só. No facebook diariamente eu recebia mensagens de pessoas amigas que queriam saber ao certo o que estava acontecendo e eu mesmo ainda não sabia o que dizer. Ainda não existia um diagnóstico do que era aquela doença e quais procedimentos iriam ser feitos. Meu próprio irmão mais velho com o qual tivemos discussões também pela política começou a me ligar, uma vez ou outra, para saber o que estava acontecendo. Esse foi um ponto positivo de tudo isso que vem acontecendo. Me aproximei aos poucos 27


de pessoas distantes e comecei a conhecer melhor as pessoas que eu nunca vi a não ser pela rede social. Mais tarde a grande maioria desses amigos pararam de falar comigo e eu até comentei com a Rosita, “acho que as pessoas não estão preparadas para saber de coisas ruins... quem sabe não saberão o que dizer... pode ser isso”.

Dos 13 aos 17 anos eu fui Escoteiro no Grupo 9 de julho que ficava no Brooklin Velho ali atras do Clube Banespa que fica na Avenida Santo Amaro. É lógico que hoje se chega ali de carro e tudo aquilo se tornou um bairro onde nem existe mais um terreno vazio, porém naquela época, anos 80, eu tomava o ônibus na 9 de julho na esquina da Rua Cravinhos onde eu morava e descia na frente do Banespa, bem pertinho da Estátua do Borba Gato (quem conhece São Paulo deve saber ou já ter passado nesse local). Dali eu seguia pela Rua transversal a do Clube e atravessava a linha do Bonde que tinha na Vereador José Diniz e então, dali para a frente era como se fosse uma estrada dessas do interior que nos leva a chácaras e sítios. Rua de terra e mato dos dois lados. Isso ocorria todos os domingos quando tínhamos as reuniões do escotismo. Uma vez, quando no final da reunião e deveria ser umas 13:00 horas eu voltava a pé para pegar o ônibus na Santo Amaro e então voltar para casa. Eu vinha brincando sozinho com uma varinha de madeira esfregando ela no chão até que num certo momento apareceu um enorme cachorro da raça Pastor Alemão latindo na minha frente. Hoje, acho que ele queria brincar, mas minha reação com o susto que levei foi ir para trás e apontar a varinha para ele. Levei uma bela mordida no joelho direito onde ficaram os buraquinhos dos dentes dele. Assustado olhei para o lado e vi que tinha uma Senhora, a dona do bicho que logo veio me socorrer e com um sotaque meio alemão (naquela região de São Paulo a colônia Alemã predominava) ela me disse: -- Fala pra mamâ que ele é vacinado...ela assustou com o menina...só limpa e fica bom... Eu saí de perto daquele bicho que ainda rosnava para mim e voltei ao meu caminho. Mais na frente olhei e estava sangrando aí puxei a meia cinza e grande do uniforme e procurei estancar o sangue com o elástico da mesma. Hoje, da para ver novamente o corte que os dentes do cão deixaram na minha perna...

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Parte 9 – Mais exames...mais consultas... Cheguei na hora certa no Hospital Edmundo Vasconcelos para a consulta com a Médica Hematologista. Mais uma vez contei toda aquela história que você que está lendo esse meu depoimento já deve estar cheio dessa conversa, agora imagine eu que além de estar contando aqui, já a contei dezenas de vezes com todos os detalhes. Dessa feita eu já contei até a marca do carro em que bati o peito, a cor, o que eu estava fazendo naquele lugar, o que comi horas antes, etc., etc. Muito atenciosa a médica olhou os exames que eu levei e pediu para que eu me sentasse na maca e observou analisando minha respiração, me perguntou se eu já havia passado por outras cirurgias e se tive problema em alguma delas. Depois, como eu já sabia e já nem temia mais porque já estava acostumado com aquela frase ela disse: --- Vou pedir um exame completo de sangue mais detalhado só para tirarmos essa dúvida. Eu já não suportava mais aquela frase. Estava totalmente irritado por tantos exames que me mandaram fazer e pensava, “será que com todos esses exames que já fiz não dá para ver isso?”. Com certeza não, caso contrário ela não iria pedir... pensei depois! A sorte dessa vez é que eu estava de jejum e lá mesmo no Hospital eles poderiam colher o sangue para o tal exame. Lá fui eu e colhi um monte de ampolas imaginando que um dia desses acho que minhas veias iriam secar de tanto sangue que estavam tirando quase que diariamente. Passado isso voltei para casa e como já pré agendado fomos, eu e a Rosita ao Dr. Nassif para levar aqueles exames que já tínhamos em mãos. Ele sempre muito animado e de bom humor viu os exames e perguntou sobre a Tomografia que para ele era o mais importante dos exames. Sempre assim, exatamente aquele que eu não tinha era o mais importante. Finalmente ele disse: --- É o que suspeitávamos. Além desse tumor no peito você está com outros tumores na axila direita. É um caso raríssimo e nós vamos ter de fazer o esvaziamento total dos gânglios. --- O que isso acarreta Doutor? --- perguntei. --- Acarreta que faremos um corte para retirar tudo inclusive sua mama direita, depois você vai ficar com um dreno por mais ou menos uns 15 dias, pode ser que seu braço fique inchado e você à partir de então deverá ter mais cuidado com os ferimentos nesse braço direito. --- Eu posso perder algum movimento do braço? Eu desenho e sou ilustrador. Meu maior medo quando ele disse aquilo era perder o movimento total ou parcial do braço e da mão direita me impossibilitando de desenhar. --- Tudo pode acontecer, mas essa possibilidade é de 1% mais ou menos. --- E esse negócio de quimioterapia, radioterapia... --- Seguramente você vai ter de fazer isso Manoel... veja bem, eu sou o cirurgião e vocês, depois da cirurgia, vão ter de consultar um oncologista para ver o que vai ser feito...o que terá de ser feito... cadê o exame da Tomografia? --- Vou fazer a semana que vem... o convênio demorou um pouco para aprovar... 29


--- Puxa... esse era o que eu mais precisava. Vamos fazer assim, vejam no convênio de vocês quais Hospitais poderão fazer a cirurgia e na próxima consulta, assim que estiver com a Tomografia na mão venham e a gente já pode marcar o processo... Saímos de lá, eu e a Rosita quietos. Eu não estava triste nem com medo nem com receio de nada, a única coisa que me passava pela cabeça eram os últimos meses do meu querido sogro em que ele passou numa cama dependendo de tudo e de todos. Eu não queria nem imaginar que ficaria como ele. Descemos a Rua Itapeva em silêncio até onde o carro estava estacionado. Abri o carro e assim que entrei eu disse para a Rosita: --- Vou perder meu cabelo... Morremos de rir e nos abraçamos. Ocorre que há anos eu sou careca, uma hereditariedade de família onde até algumas mulheres da família perderam o cabelo. Fomos para casa conversando sobre o resultado e tudo que o Dr. havia nos dito, mas sem mágoas, ela é médica e sabe bem de tudo que pode ocorrer em nossas vidas e eu sempre li muito e sou bem conformado com tudo aquilo que a vida proporciona para a gente. Naquela mesma semana voltei a médica hematologista que me disse estar tudo correto com o meu sangue, mas que seria bom eu tomar via oral uma ampola de vitamina K 24 horas antes da cirurgia. Essa tal vitamina ajuda a não haver muito sangramento quando do corte da cirurgia. O problema é que não é vendida em farmácias e sim é fornecida nos hospitais. Fomos a diversas farmácias de manipulação e só encontramos comprimidos e o hospital disse que não poderia fornecer. No final, desisti de tomar aquela coisa que num achávamos em lugar algum. Passados uns dias o exame da Tomografia saiu e levamos ao Dr. Nassif juntamente com a autorização de cirurgia do Cardiologista e da Hematologista. Ele reparou que na Tomografia existiam algumas pequenas manchas no pulmão e achou por bem a gente passar num Pneumologista para uma avaliação e mais uma autorização. Por pouco eu não abandonei tudo. Já tava mais que com o saco cheio de ser mandado para exames, para médicos que pediam mais e mais exames e eu achava que aquilo num ia acabar nunca. Minha certeza era que esse Pneumologista me iria mandar fazer mais um monte de exames e me mandaria para outro médico que pediria outros exames e assim sucessivamente até o resto dos meus dias... achava que iria morrer fazendo exames. Não aconteceu isso. Fomos ao tal médico que pediu toda aquela pasta de exames e olhou 1 por 1 como se fosse a coisa mais importante de sua vida. Ele olhava em silêncio e nós eu a Rosita não falávamos nada e apenas observávamos certa ‘bagunça’ naquele pequeno consultório. Era uma saleta pequena, porém com tanta coisa que a meu ver parecia que o médico estava de mudança. Caixas, revistas, porta retratos de todos os tamanhos, uma pequena pia daquelas que se parece com fontes portuguesas, meia que escondida atrás de uma pilha de livros e de papéis e o mais engraçado foi quando muitos e muitos minutos depois dele ter analisado continuamente todos os exames ele pediu para eu me deitar na maca. O problema é que eu tenho 1,96 metro de altura e não cabia na maca pois a mesma estava parcialmente cheia de pilhas de pastas e papéis. --- Como vou deitar Dr.? --- Deita assim... coloca a perna meio de lado... cuidado para num derrubar esses papéis... Deitei como ele dizia com a parte do joelho para baixo para fora da maca e então ele apertou 30


aqui, apertou ali e depois de um tempo pediu para que eu me levantasse e observou minha respiração com o estetoscópio, respira, aspira, respira, aspira, ‘n’ vezes. Depois apalpou pescoço, braços, costas, acho que procurando novos nódulos e pronto, acabou. --- Pode vestir a camisa Manoel. A autorização foi dada e ele disse que as aparelhagens de tomografia são tão nítidas hoje em dia que até manchas normais do pulmão e de outras partes do corpo aparecem nas imagens fotografadas. --- Ufa... pela primeira vez um médico não pediu mais nenhum exame... esse merece um prêmio. Eu e a Rosita saímos do prédio do consultório que fica perto da Santa Casa no Bairro de Santa Cecília conversando sobre aquela ‘passagem’ pela maca abarrotada de coisas e fomos para casa. Antes de irmos para casa ela me perguntou se eu queria comer um doce. Lembrei-me de passagens da infância quando minha avó me levava para tomar injeção ou passar em algum médico ela sempre prometia algum doce depois da visita médica ou do remédio dolorido. Aceitei o doce e conversamos bastante sobre tudo aquilo. Por um momento eu fiquei me lamentando o porquê aquilo estava acontecendo comigo. Eu dizia “sempre tentei me cuidar, me alimentei bem e quase sempre faço atividades físicas, sempre fui uma pessoa boa e tentei ajudar as pessoas, porque isso comigo?”. Rosita apenas me disse: “porque não com você?” Da mesma forma de quando eu fui selecionado para prestar o serviço militar eu disse a mim mesmo, “já que estou com isso vou levar a sério e vou fazer tudo com o maior humor e com a maior felicidade, como tenho feito tudo até agora”. Foi a minha melhor opção.

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Parte 10 – Mais força dos amigos e mais problemas... Juntamos todos os exames e levamos ao Dr. Nassif no dia 12 de outubro. Ele analisou todo aquele monte de papéis e de chapas e finalmente disse. --- Bom, vamos marcar essa cirurgia, vocês já viram os Hospitais que o convênio de vocês cobre? Mostramos a ele uma lista com nomes de hospitais e quando falamos o nome do Hospital São Luiz ele logo disse, ‘esse é o bom... o São Luiz é muito bom’. Olhamos juntos num calendário que ele tem sobre sua mesa e resolvemos que seria no sábado, dia 22, exatos 10 dias. O Dr. Chamou a simpática Shirley sua recepcionista, secretária, auxiliar e tudo mais que ele necessitasse no consultório e pediu a ela que marcasse com o Hospital e já adiantasse a autorização com o convênio. --- Voltem aqui na sexta feira, dia 21 para que eu faça a marcação do local. Não posso dizer que sai daquele consultório tranqüilo, mas estava bastante confiante de que tudo estava sendo feito no seu tempo e como a Rosita sempre me disse, ‘não adianta se pré ocupar... tente se ocupar’. No dia seguinte já comecei a receber emails do Hospital São Luiz sobre o que seria necessário para a cirurgia e não sei por que meu medo de tudo aquilo começou a crescer, mesmo assim me mantive sempre sorrindo, às vezes um sorriso fingido, mas ao menos tentei me aparentar tranqüilo. Uma das coisas começou a acontecer nesse período pré operatório. Eu havia conversado em off no facebook com uma enormidade de amigos alguns conheço pessoalmente e outros que nunca vi na minha vida, mas já os considerava amigos, mesmo que virtuais. Até que um dia eu postei uma foto de algo que não tinha nada ver com a doença ou com o processo todo em que eu estava passando ou iria passar. Era algo como, “minhas amizades eu guardarei para sempre”, só essa frase e uma foto minha. Para meu espanto foi uma chuva de comentários que me davam todo tipo de apoio e de dizeres religiosos, pessoas que estavam em oração diária para minha rápida melhora e que tudo corresse bem. Minha irmã Maria Luiza esteve ao meu lado durante toda a minha vida e agora então, se postou como uma sombra ao meu lado me dando total apoio ligando diariamente, muitos dias mais de uma vez e me ajudando até financeiramente uma vez que minhas reservas estavam se acabando e eu não estava trabalhando nesse período. Meus grandes amigos de Campos do Jordão Mary e Sussumu falavam comigo constantemente dizendo palavras que me acalmavam consideravelmente. A Vera, Verona amiga de infância da Rosita pediu meu nome completo para fazer suas orações e constantemente me ligava em casa para dizer que a chama dessa vela estava muito alta e que isso era muito bom, pois “os anjos aos quais ela pedia para olharem por mim estavam de certa forma respondendo àquele pedido”. A Cristina, nossa vizinha de Campos do Jordão estava fazendo constantemente uma energização 32


em meu nome e sempre me dizia que “tudo vai dar certo”. A escritora e poeta mineira Rosangela Ferris, à qual nunca vi pessoalmente e sim só pelo facebook, me mandou o tempo todo palavras de força e de esperança. Mal sabem eles o quanto era bom ver alguém conversando comigo, me sentia amparado, vivo e pronto para me recuperar. Muitos médicos colegas de faculdade da Rosita entravam em contato conosco por telefone para conversar e dizerem que estavam à disposição para conversarem e prestarem o apoio que fosse necessário tanto a mim como a Rosita que, como todos sabiam, também sofria um enorme desgaste vendo tudo aquilo acontecendo comigo. Algo pior ainda aconteceu no dia 12 de setembro. Recebemos um telefonema do Hospital São Paulo onde o pai da Rosita estava internado há 2 dias pois havia contraído a 4ª pneumonia nesse ano. No telefonema um psicólogo pediu para que o procurássemos na portaria do Hospital. --- Meu pai faleceu --- disse a Rosita enquanto entravamos no carro. Fomos em silêncio quase que total do consultório do Dr. Nassif até o Hospital São Paulo e lá chegando o tal psicólogo já nos esperava. Ele nos dirigiu até uma pequena sala onde além do Médico que cuidava do plantão naquele dia estavam suas duas irmãs. Ele então contou o esperado por nós e eu desabei em choro porque o Sr. Jordino sempre foi uma pessoa com quem eu me dava muito bem e conversávamos muito sobre todos os assuntos, política, budismo que ele era seguidor dessa filosofia há muitos anos e além do mais eu procurei nesse ano em que ele se entregou às doenças e a própria morte dar toda a força que eu tinha para ampará-lo em todos os momentos... posso dizer que ele era como um Pai para mim. Como as duas irmãs da Rosita já não falavam comigo desde um pedido de ajuda e de mais apoio via whatzap não só a elas mais ao outro irmão da Rosita e acho que por ouvirem, ou lerem as verdades que escrevi naquela mensagem se acharam no direito de desfazer todo tipo de amizade comigo e de certa forma por estar comigo, eles fizeram praticamente o mesmo com a Rosita chegando até a excluírem de suas paginas pessoais da rede social, visto isso eu cheguei perto da Rosita e a abracei e disse que iria para fora do Hospital começar então a avisar as pessoas via telefone. Ela concordou e ficou ali para começar a resolver as documentações necessárias do óbito. Bem, como em certas horas da vida de todos nós é bobagem não enfrentarmos os acontecimentos eu me sentei numa lanchonete e comecei as ligações para a Paula, que estava com sua filha Thalita e a Sabrina, filhas e neta da Rosita e muitos outros parentes e amigos da gente. Resumindo toda essa tristeza pela perda do Sr. Jordino no dia seguinte fomos ao velório e ao crematório para nos despedir daquela pessoa que iluminou nossas vidas. Não consegui conversar com nenhum dos parentes diretos da Rosita visto que eu estava ainda revoltado com tudo que eles fizeram, ou que não fizeram por aquele homem, pai e avô de muitos que estavam ali e acho que foi isso que o levou ao fim. Ele se entregou para as doenças quando se viu abandonado por filhos e netos desde o último Natal e Ano Novo quando nenhum deles, exceto nós de casa, não fizeram sequer uma ligação para desejar que ele tivesse boas festas. Naquela época era constante a pergunta que ele nos fazia perguntando para a Rosita o “porque ninguém quer saber de mim e de sua mãe... o que nós fizemos para nos abandonarem dessa forma?”. Foram momentos de muita tristeza.

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São tantas as cicatrizes que apareceram por todo meu corpo que tem algumas que eu já nem sei mais como foi que surgiram. Uma das que me lembro é de quando emagreci quase 40 quilos e surgiu em meu braço um lipoma que parecia uma bola de tênis. Apesar de a cirurgia ter sido muito bem feita e o ponto foi feito com uma espécie de adesivo, o risco de aproximadamente 8 cm. surgiu novamente. Me lembro até que o médico disse que nunca tinha visto um lipoma tão grande e no final da cirurgia ele fotografou o tecido gorduroso retirado e o fotografou ao lado de uma caneta esferográfica. Dias depois, quando eu estava em casa vendo meus emails vi o que ele mandou com os dizeres, “aí está seu menino”. Depois que passa a gente até dá risada!

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Parte 11 – A cirurgia Na sexta feira, dia 21 de outubro, véspera da cirurgia eu e a Rosita estávamos totalmente desnorteados com todos os acontecimentos. Fomos ao Dr. Nassif para que ele nos desse as últimas instruções sobre os procedimentos a serem adotados no dia seguinte e ele faria uma tal ‘marcação’ no local da cirurgia. Conversamos com ele por um bom tempo e saímos caminhando até o Metrô tentando visivelmente um descontrair o outro. Na baldeação da Estação no Paraíso onde saímos do trem que vinha da Paulista e iríamos para o trem que nos leva para a Estação São Judas, local onde deixamos o carro estacionado a Rosita deu um salto e me disse. --- Nossa... o Nassif se esqueceu de fazer a marcação. Dentro da Estação do Metrô começamos os dois como duas baratas tontas procurar um local onde desse sinal do celular para então ligarmos ao Dr. Nassif e perguntarmos se deveríamos voltar ao consultório. Finalmente depois de andar de lá para cá ligamos e conversando com ele o qual nos disse que chegaria mais cedo no Hospital para então fazer a tal ‘marcação’. Fomos para casa e à tarde fui à Podóloga para ao menos dar uma arrumada no meu pezinho 45 para que os médicos não criticassem a falta zelo que sempre tive com meus pés. À noite, já de banho tomado e de pijama vendo televisão com a Rosita eu comentei com ela. --- Nossa... daqui a 12 horas eu estarei sendo operado... Com muita coerência a Rosita respondeu: --- Sim... estará... e daqui 24 horas você já estará no quarto e tudo vai passar... lembra quando você me disse isso a uma semana atrás e eu te disse que o tempo faz o seu trabalho... uma hora tudo vai passar... Nem sei como dormi naquela noite, mas dormi. Acordamos cedinho ás 6 horas da manhã, pois teríamos de dar entrada no Hospital São Luiz da Avenida Santo Amaro às 7 horas. Como recomendado fiquei em jejum e preparei apenas o café da Ro e então chamamos um Uber e seguimos para o Hospital. Lá estavam minha irmã Maria Luiza e meu irmão mais velho o Marcelo. Preenchi uma ficha enorme na recepção do Hospital e me colocaram no braço uma fita de papel com meu nome e minha data de nascimento além de um código de barras no qual eu olhei e imaginei deveria ter a minha vida ali. --- Ao menos se eu morrer não serei enterrado como um indigente --- pensei comigo. Logo um rapaz chegou perto de onde estávamos sentados ainda na recepção e nos acompanhou a todos para o local denominado Sala de Preparação. Imaginem um condenado sendo levado para ser amarrado na cadeira elétrica para aguardar que o carrasco viesse e finalmente ligasse a chave geral de descarregaria 200 mil voltz para exterminar o coitado... eu me sentia como esse condenado naquele momento. Acho que pela novidade de tudo aquilo me abateu um pavor tão grande que eu não consigo descrever de outra forma como a descrita acima. Como sou covarde nessas horas! 35


A tal Sala de Preparação era como um pequeno quarto de hospital só que com toda aquela aparelhagem que a gente não tem a mínima idéia para o que serve e como se mexe naquilo, só que é uma sala sem porta. No lugar dela existe uma cortininha esverdeada e lá de dentro a gente só observa o vai e vem das pessoas no corredor pelas sombras e pelos pés. Uma enfermeira entrou no quarto e me deu uma roupa para vestir e eu me vesti ali mesmo na frente de todo mundo uma vez que meu irmão estava atento ao celular, minha irmã olhando no seu tablet a Rosita que já estava acostumada a me ver sem roupa e a enfermeira que como pensei já deveria estar mais que acostumada com aquela situação de ajudar os pacientes. Deitei-me na cama e olhando para aquele teto e ouvindo os sons das postagens vistas por meu irmão no celular pedi a Deus que me levasse dali para um mundo distante, quem sabe Marte ou Júpiter onde eu não ouviria nada e não veria ninguém, eu só queria que tudo aquilo transcorresse o mais rápido possível. Dr. Nassif entrou no quarto e eu percebi pela sua voz grossa quando a Rosita cumprimentou ele. --- Como está Manoel? Nem respondi. Apenas disse que queria acabar logo com aquilo. Ele deu risada e pediu para que eu me deitasse e então fez a tal ‘marcação’ que para meu espanto nada mais era que um X com uma caneta Bic no local onde estava a bolinha do tumor, ao lado direito da mama direita. --- Bom... já já eles vão te dar um calmante e eu já vou me trocar... --- Eu me troco aonde Nassif? --- perguntou a Rosita que iria acompanhar a cirurgia. Ele deu as instruções e a enfermeira disse que iria acompanhá-la em seguida. Enquanto isso outra enfermeira entrou no quarto e disse enquanto segurava meu braço e olhava para a pulseirinha de papel: --- Qual o seu nome completo e sua data de nascimento? Eu respondi prontamente e mal sabia eu que aquela mesma pergunta seria repetida mais umas 300 vezes durante a minha estadia naquele Hospital, acho que um procedimento regulamentar que dias depois percebi existir até em outros locais como vou descrever mais a frente. Após eu responder a enfermeira que segurava uma bandejinha me disse que iria me aplicar nos glúteos uma dose de calmante pré operatório. Para quem já me conhece sabe ao ler isso que o processo de pavor que rondou meus pensamentos naquele momento começou a despontar visto o medo que tenho de agulhas. Só olhei para a Rosita enquanto ficava de bruços na cama e disse: --- Começou... Ela, já sabendo do meu drama com injeções só segurou minha mão e apertou enquanto a enfermeira me picava. À partir daquela injeção eu me acalmei. Acho que o efeito era para ser aquele mesmo e fiquei deitado na cama sem pensar em mais nada até que vi minha irmã chegando perto da cama e dizendo: --- Vieram te pegar Mané... fica tranqüilo Em seguida a Rosita me deu um beijo e depois de eu me deitar na maca que me levaria para a sala de cirurgia ela ainda segurando minha mão disse a alguém: --- Posso me trocar aonde? 36


Dali para frente eu me lembro que o enfermeiro que conduzia a maca pelos corredores conversava comigo e com outras pessoas que passavam por nós. Entramos num elevador e quando saímos dele eu li numa plaquinha os dizeres ‘Centro Cirúrgico’ e eu pensei “chegamos, seja o que Deus quiser”. Na sala estavam varias pessoas vestidas com aquelas roupas esverdeadas, todos eles com toucas e máscaras escondendo o nariz e boca assim, não reconheci quem era a Rosita, o Dr. Nassif nem ninguém que ali estava. Só me lembro que falavam sobre o almoço do dia que seria frango assado e então me perguntaram se eu gostava de frango. --- A moça que trabalha em casa gosta de pé de galinha... --- foi a última coisa que eu disse e então acho que me aplicaram a anestesia geral e eu desapareci dali, entrei no mundo dos sonhos.

Outra cicatriz que apareceu e que estava escondida no meio dos pelos que tenho na barriga era a de outra cirurgia que fiz de uma Hérnia Umbilical. Hoje eu olho no espelho e vejo bem o que o médico cirurgião me disse no final da operação, já no quarto quando ele foi me visitar, “pronto Manoel, agora você ficou com um sorrisinho embaixo do seu umbigo. Realmente o corte e os pontos foram feitos em ‘meia lua’ e ficou realmente parecendo um pequeno sorriso.

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Parte 12 – A pós cirurgia Abri os olhos e para minha felicidade observei que um rosto olhava para mim e em seguida disse: --- Oi querido... acabou e correu tudo bem... --- pelos olhos e pela voz percebi que era a Rosita que estava ali vestindo uma máscara cirúrgica. Mais tarde ela me disse que assistiu a operação e ficou na sala de recuperação até que eu voltasse da anestesia. É animador ver a pessoa que mais amamos nesses momentos. Pela mesma maca que eu fui me conduziram até o quarto e lá chegando fui colocado na cama. Já era sábado à tarde. A cirurgia que estava prevista para as 10 horas da manhã teve um atraso e iniciou somente ao meio dia. O processo cirúrgico durou quase que 3 horas e assim, quando voltei ao quarto após uma longa passagem pela recuperação já deveria ser umas 18 horas. Lembro-me que no quarto onde eu estava agora vi minha irmã Maria Luiza e a Rosita que voltou comigo da sala de recuperação, não me lembro de mais ninguém e eu estava morrendo de fome. Acho que dormi um pouco assim que me colocaram naquela cama hospitalar hiper confortável e naquele momento em que tudo aquilo havia passado foi um dos momentos mais felizes de minha vida, eu estava novamente junto aos meus. Lembro-me como se fosse hoje que naquele momento eu sonhei que estava na maca sendo levado a algum lugar e ela era conduzida por alguém muito engraçado que falava coisas alegres. Aquele passeio não acabava nunca e eu adorava estar deitado ali sorrindo com as pessoas que diziam coisas para a pessoa que empurrava aquele meu meio de transporte não só pelos corredores de um hospital, mas por bares, numa rua que parecia estar montada uma feira livre e as pessoas sorriam enquanto eu passava e continuavam conversando com o condutor... me lembrei de um vídeoclip do Pink Floyd. Em algum momento alguém disse: --- Chegou o jantar... Eu acordei daquele sonho como se nunca tivesse dormido e vi aquela bandeja sendo colocada na minha frente, eu estava morrendo de fome e nem me lembro o que comi, só sei que eu reclamava que era pouca comida e comia desesperadamente. Acho que logo após o jantar eu conversei um pouco com as pessoas que estavam no quarto, mas nem me lembro ao certo quem era e só me lembro da Rosita e da minha irmã Maria Luiza ali do meu lado, depois acho que adormeci novamente. Acordei novamente mais tarde e estava com vontade de fazer xixi então chamei a Rosita para ela me ajudar a ir até o banheiro, eu tinha total consciência que não poderia cair naquele momento e o que mais me atrapalhava era um dreno que foi inserido durante a cirurgia por 2 buraquinhos logo abaixo da minha axila direita. Assim que cheguei ao banheiro e fiquei sozinho abri a camisa do pijama e me olhei no espelho. Minha mama direita foi extraída e sobre ela havia um curativo transparente parecendo uma fita adesiva que cobria um corte costurado que ia desde o meio do peito até minha axila direita. Apesar de estranho não me impressionei, eu imaginava que seria aquilo mesmo, apenas achei que 38


eu estava com o corpo ‘anti estético’, faltava alguma coisa do lado direito. Fiz xixi, lavei minhas mãos e escovei meus dentes, então chamei a Rosita e novamente fui caminhando lentamente para a cama. Não me lembro se conversamos sobre alguma coisa, mas acho que eu falei com elas sobre o corte e o curativo. Lembro que já era tarde e o horário de visita estava acabando assim, minha irmã se despediu e ficamos eu e a Rosita que era minha acompanhante de quarto ali, eu na minha cama e ela no sofá lateral que se transformava em cama. Apesar de não sentir dor alguma durante a noite fui acordado várias vezes, não me lembro quantas, mas sempre uma enfermeira entrava, segurava meu braço e perguntava, “qual seu nome completo e sua data de nascimento” e após a resposta ela dizia que iria colocar algum remédio no soro que entrava em minha veia da mão esquerda. Muito incomodo! Domingo amanheci com o maravilhoso café da manhã. Como eu havia reclamado na noite anterior que tinha recebido pouca comida, não sei se por brincadeira ou por mando dos médicos e da nutricionista chegou a minha frente uma bandeja com uma enormidade de sucos, pães, manteiga, mel, bolachas que eu nem consegui comer tudo, e olha que eu estava com fome. Logo foram chegando as visitas, meu irmão Marcelo, minha cunhada Alba e minha sobrinha Carolina, a Ivoninha, minha afilhada Sabrina e o Sandro, a filha mais velha da Rosita a Paula e minha neta Thalita e então o quarto se tornou uma festa. Mais tarde deram uma passada no quarto a Nina irmã da Rosita, uma daquelas que não conversava mais comigo e seu marido o Tico que na verdade era quem quis me visitar, segundo disse sua própria esposa. Antes disso aconteceu uma coisa engraçada. Eu acordei morrendo de vontade de tomar um banho. Pedi a Rosita que me ajudasse e ela me colocou embaixo do chuveiro mesmo dizendo que eu não poderia tomar banho e deveríamos chamar a enfermeira, mas mesmo assim após minha insistência e minha teimosia dizendo que caso ela não ajudasse eu iria sozinho, lá fui eu. Tomei banho me sequei e voltei para a cama. De repente veio a enfermeira chefe com cara de brava. Eu sei que quebrei as regras, mas num precisava dar uma bronca daquelas. No final me desculpei com ela, pois caso acontecesse algo comigo durante o banho ela com certeza poderia perder seu emprego. Bem, voltando às visitas a Sabrina tirou uma foto minha e postou no facebook com os dizeres que tudo tinha corrido bem. Nunca vi tantas postagens demonstrando alegria das pessoas que me conhecem pessoalmente e daquelas que só conheço na rede social, durante muitos dias ainda continuaram os comentários e as curtidas. Isso foi muito bom para que eu visse o quanto as pessoas gostam de mim. Eu estava tão feliz que a cirurgia tinha passado e que eu estava bem, sem dores fortes e com toda aquela gente ao meu lado que comecei a perceber que estava vendo o mundo mais bonito. O Dr. Nassif veio me visitar e disse que estava tudo bem e que iria me dar alta no dia seguinte porque ele achava que eu só teria dores no braço uma vez que foram retirados todos os Gânglios da axila direita. Isso me consolou extremamente uma vez que em meus pensamentos eu já pensava que não teria o total movimento do braço direito que é o lado que uso para desenhar. Eu comi bem em todas as refeições, comi chocolate que me levaram, fiquei andando pelos corredores do hospital e enquanto andava conversava com todo mundo, apreciava e analisava todos os quadros que estavam pelas paredes. Minha neta Thalita me levou história em quadrinhos e revista para eu ler e ver. Ver ela ali 39


comigo me deixou muito feliz. A única coisa que senti foi não ter ido numa das 7 missas que a Rosita encomendou para o Sr. Jordino. No Budismo, religião dele, a pessoa é lembrada em cultos durante 49 dias. Marcamos todas essas lembranças para todos os sábados desde o seu falecimento e eu e a Rosita fomos a todos exceto naquele sábado em que eu passei por cirurgia, mas fiquei mais tranqüilo quando soube que nossa neta Thalita foi até o Templo naquele sábado em que faltamos. Na segunda feira recebi alta do Dr. Nassif. Minha irmã nos levou para casa e nessas horas a gente vê o quanto é bom ter uma base, um local seguro para deitar e descansar, a casa da gente.

Quando eu estava no Exército me feri de muitas formas, mas uma cicatriz que voltou a aparecer é uma que tenho no tornozelo direito pois numa daquelas corridas de ‘ataque’ que tínhamos de fazer no meio do mato, enfiei meu pé entre duas pedras e cortou a pele. Apesar do curativo a gente não podia ficar sem aquela maldita bota que bem no dia da tal ‘corrida’ eu não vestia pois estava na barraca e foi um alarme surpresa, desses de treinamento e eu então só consegui colocar o tênis. Bem, com isso, com o uso constante das botas esse ferimento levou longas semanas para cicatrizar e hoje volto a revê-la.

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Parte 12 – A recuperação cirúrgica Desde o dia 23 de outubro, dia em que tive alta da cirurgia e voltei para casa até hoje, dia 5 de novembro data em que iniciei esse livro não aconteceu nada de muito diferente a não ser ficar controlando o tal do meu “cachorrinho” como muitos chamam esse dreno que é um verdadeiro saco na vida da gente. Por diversas vezes eu me esqueci que ele existia e o coitado foi chutado, amassado, colocado em volta do meu pescoço quando eu ainda estava de pijama e fazia meu café matinal e tantas outras situações. Uma das passagens nesse período foi que a tampinha do tal Dreno espanou e assim, como ele funciona com um ‘fole’ para sugar o líquido que fica retido entre a pele e o local da cirurgia, parou de funcionar. Liguei logo cedo para o Hospital São Luiz e perguntei se eu mesmo poderia comprar outro e substituí-lo. A resposta foi um NÃO imediato. A atendente passou para a chefa da enfermagem que me disse, “o senhor não pode mexer nisso de forma alguma e terá de vir imediatamente ao Pronto Socorro do Hospital para que uma médica faça a substituição”. Bem, lá fomos eu e Rosita para o Hospital e depois de um pequeno tempo de espera me colocaram aquela velha pulseira de papel onde tinha meu nome completo e a data de nascimento e então fui encaminhado a uma sala de atendimento. A enfermeira veio para medir minha temperatura e segurando meu braço perguntou, “qual seu nome completo e data de nascimento?” e eu respondi prontamente pensando ‘meu Deus, vai começar tudo de novo’. Assim foi passando o tempo e veio outro enfermeiro para medir a temperatura e fez a mesma questão que eu respondi prontamente antes dele terminar a pergunta até que veio a Médica de plantão. Ela constatou mesmo que a tampinha estava espanada e após essa constatação pediu que eu retirasse a camisa para que ela visse a entrada do dreno na pele. --- Nossa, isso está meio esquisito... --- disse ela chamando a atenção da Rosita e já me deixando preocupado --- está quente aqui no local da entrada e acho que está inflamado. Pronto, pensei comigo, lá vai ela mexer nisso de novo. Dito e feito, depois de analisar e reanalisar ‘N’ vezes ela disse, “você está com uma inflamação nessa entrada do Dreno e o procedimento será o seguinte, nós teremos de mudar o antibiótico que você está tomando e esse será aplicado via venosa, ou seja, teremos de interná-lo enquanto você toma o antibiótico”. Naquele momento eu queria sair correndo dali, tudo que eu queria era não ser internado mais uma vez e ficar longe de casa. A sorte é que a Rosita teve a idéia de ligar para o Dr. Nassif e conversou com ele o qual estava ocupado em outro atendimento e disse que iria pedir para o Bruno, seu assistente de cirurgia para que ele fosse até o Hospital. Eu não conhecia o Dr. Bruno, pois ele estava na cirurgia e foi ele que fez os pontos e o curativo final da operação, mas graças a anestesia geral eu não tinha tido o prazer de conhecê-lo pessoalmente. Quando ele chegou, eu já tinha sido transferido da salinha simples do OS para uma sala maior como aquela de preparação da cirurgia e já estava apavorado com o fato de que me interna41


riam novamente. O Dr. Bruno foi logo brincando comigo e se apresentando dizendo ‘nossa, quem fez esses pontos e esse curativo, foi tão bem feito’ e eu prontamente respondi ‘foi um médico muito bom e que por sinal e piedade vai me salvar dessa nova internação’. Ele conversou com a Rosita e disse que não estava inflamado. Disse que aquele tom rosado da pele não dava a entender que precisasse aumentar o antibiótico e tirou uma foto com o celular remetendo a mesma ao Dr. Nassif que achou a mesma coisa. --- Que antibiótico é esse que ela quer me dar? --- perguntei ao Dr. Bruno. --- Esse é o top dos antibióticos, é a mesma coisa que uma bomba atômica no sangue e esse é o motivo dela querer te internar, mas não é o caso, vou falar com ela. --- Por favor, Doutor eu não quero ficar aqui, não tive febre, não tive diarréia nem dor de cabeça... --- Vou pedir a alta e eu me responsabilizo por isso! --- disse ele e eu quase lhe dei um beijo. Minutos depois ele veio com um novo dreno e enquanto substituía disse que havia conversado com a médica e se responsabilizava pela minha alta do PS. Dito isso e trocado o dreno lá fomos nós embora e naquele momento parecia que eu estava saindo de uma Delegacia quando estava prestes a ser preso por engano até que alguém trouxe o verdadeiro bandido para me substituir. Uma alegria só! Outra coisa que aconteceu foi a consulta obrigatória com a Dra. Carolina, a Oncologista da equipe do Dr. Buzaid do Hospital São José recomendada pelo Dr. Nassif. Após passarmos pela triagem fomos atendidos por uma residente e depois veio a Dra. Carolina. Ela havia já analisado todos os exames e logo foi dizendo: --- Manoel, seu caso é bem raro e esse tipo de câncer em homens não é comum como você sabe. Nós vamos ter de fazer o tratamento padrão para termos certeza de que isso acabou de uma vez por todas. Você vai passar por 4 sessões de quimioterapia mais forte de 21 em 21 dias e depois mais 12 sessões de reforço uma por semana. --- Daí acabou? --- Não... depois disso faremos algumas sessões de Radioterapia e então você terá alta e vai tomar um medicamento via oral por 5 anos... --- Nossa só isso? --- perguntei eu com meu bom humor costumeiro. Saímos de lá com o pedido de mais 3 exames, um deles era um exame do coração, outro que se chama Pet Scan e um exame de sangue que seria feito no dia em que colocassem um cateter em meu braço para que a quimioterapia fosse feita uma vez que as veias diminuem por causa do medicamento. Fiquei triste no carro enquanto estávamos indo para casa. Eu não sei por que, mas achei que aquilo era um exagero, tantos medicamentos depois de uma cirurgia em que segundo o Mastologista Cirurgião, “retirou tudo”. Chegando em casa tomei um bom banho e resolvemos ligar para um velho amigo de São José do Rio Preto, o Dr. Altino que prontamente me atendeu e pediu para conversar com a Rosita. Ele solicitou que ela fosse lendo os resultados de alguns exames e ambos ficaram na linha telefônica por muito tempo discutindo meu caso e no final, com o celular em viva voz ele disse, “Manoel, você está na mão de uma equipe de médicos oncologistas que é uma das melhores do país, o que eles estão falando que você tem de fazer é um padrão de tratamento que eu ou qualquer outro bom 42


oncologista fariamos. Não se assuste e faça o que eles mandam, vai com calma e pense que tudo vai ficar bem”. Conversamos mais um pouco sobre alguns outros assuntos e quando desligamos o telefone a Rosita me perguntou: --- E ai, que você achou? --- Olha, agora eu tenho certeza que estão fazendo o correto e vamos em frente, se o Zé Altino disse que é o certo tenho certeza que é o mais certo.

Uma das cicatrizes que apareceu durante o tratamento é uma cicatriz interna. As pessoas, muitas delas, olham somente para seus problemas e, agora falando com sinceridade acho que fui assim também. Talvez nem tanto pois eu sempre procurei ajudar as pessoas naquilo que eu podia fazer, seja numa companhia, seja num conselho ou mesmo numa brincadeira procurando transformar uma carinha de choro em um sorriso. Essa cicatriz está desaparecendo e sei que vai sumir com o tempo, as ao menos eu à partir desse tratamento e de todo esse processo, vou procurar ficar mais alerta a esse erro que é meu também . Assim que terminou o tratamento me inscrevi como Voluntário na AVOHC - Associação dos Voluntários do Hospital das Clínicas (indicado pela minha querida e também Voluntária Nilza Amodio) e tenho feito artes sobre fotografia das crianças que estão internadas, principalmente no Incor - Instituto do Coração. Ver aqueles rostinhos alegres quando recebem os cartazes com seu rosto inserido em um personagem ou super herói preferido é uma coisa que não tem preço.

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Parte 13 – Aguardando o dia da Quimioterapia Hoje é dia 7 de dezembro e faz exatos 1 mês e quinze dias que fiz a cirurgia. Já fiz o exame do coração que a Dra. Caroline pediu e reagendei pela terceira vez o tal exame chamado Pet Scan uma vez que o convênio sempre alega que falta alguma coisa para aprovarem. Tentei solucionar isso indo atrás de tudo que eles vão solicitando. O corte da cirurgia já cicatrizou quase que cem por cento, ao menos por fora. Por dentro ainda existe uma pequena distância entre a pele e o músculo que teima em acumular linfa (que segundo a Wikipédia é um fluido transparente, que impregna o corpo, que é produzido quando o sangue atravessa os vasos capilares e vaza para o corpo; os poros dos capilares são pequenos e não permitem a passagem dos glóbulos vermelhos, mas deixam passar o plasma sanguíneo, contendo oxigênio, proteínas, glicose e glóbulos brancos.) Como foram retirados todos os gânglios da axila direita os vasinhos ainda teimam em querer regá-los e assim esse líquido vai se acumulando entre a pele e o músculo. O problema é que isso não deixa a cicatrização interna se tornar plena e como já retirei o dreno, tenho ido toda segunda, quarta e sexta ao Dr. Nassif para que ele retire o excesso da linfa com uma seringa. Para quem como eu que tenho verdadeiro pavor de agulhas, isso não tem sido uma diversão nada agradável, mas quanto mais líquido retirar mais cedo a cicatrização fica em ordem. Enquanto isso, nesse vai e vem de Metrô para o médico, para exames, em salas de espera e dentro de ônibus vou lendo livros. Desde que tudo começou já li Inferno, O Mapa do Tempo, O Segredo e agora estou devorando a Autobiografia de um Iogue que minha querida sobrinha Carolina me emprestou. Tenho feitos alguns desenhos também e essa mesma sobrinha, a Carolina, me pediu uns desenhos para ilustrar seu livro de Haikai que são pequenos poemas de estilo oriental. O problema é que para desenhar me sinto meio incomodado, pois para ver se essa bendita linfa que não para nunca o Dr. Nassif recomendou que eu usasse dia e noite uma faixa elástica cheia de panos por dentro para apertar o local da cicatriz fazendo com que a pele fique em contato com o músculo e assim cicatrize mais rápido. Como é no braço direito os desenhos e os movimentos de braço ficam um pouco limitados Ontem, dia 14 de dezembro fiz o último exame antes da aplicação da quimioterapia que se iniciará na sexta, dia 16. Esse exame se chama Pet Scan e é uma espécie de tomografia completa do corpo com contraste. Fui logo cedo e fiz o exame sem problemas. Minha maior felicidade foi depois disso ter ido com a Rosita ao Dr. Nassif e ele me deu alta total da cirurgia, estava cicatrizado por dentro e por fora e já não acumulava mais ‘água’ no local do corte assim, ele disse que eu estava livre de continuar utilizando aquele colete elástico do inferno que mal me deixava respirar. Essa noite passada dormi como há muito tempo eu não dormia. Livre de dreno, de dores no corte e do maldito elástico me apertando foi uma das melhores noites dos últimos tempos. Nesse momento estou aqui escrevendo esse texto e pensando que amanhã nessa mesma hora eu já terei tomado a primeira dose da tal quimioterapia. Andei lendo na internet alguns co44


mentários sobre os efeitos e é difícil saber o que vai acontecer comigo uma vez que as reações são diferentes de pessoa para pessoa. Alguns não sentem nada e outros sentem tudo que vai de dor de cabeça, mal estar, enjôo, perda de sono, perda de apetite, o que eu acho difícil acontecer comigo, pois sempre fui muito bom de garfo.

Meus amigos da internet pararam mesmo de falar comigo. Tenho contato com minha sobrinha Carolina, meu amigo Sussumu lá de Campos do Jordão, minha irmã, a Paula e a Sabrina, minha neta Thalita que me ligou ontem lá de Israel para me dar uma alegria de falar com ela e a Rosita que tem me acompanhado diuturnamente nesse processo todo. Espero que o próximo capítulo seja ao menos como os que passaram e isso nós veremos juntos.

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Parte 14 – As Quimioterapias

Eu e a Rosita saímos cedo de casa, resolvemos ir de Uber uma vez que sabíamos que hoje a coisa seria demorada, mas não imaginávamos que essa demora fosse tão grande. O primeiro passo foi no Hospital São José aonde iria ‘instalar’ em meu braço o cateter que leva o medicamento direto ao coração. Fizemos a ficha e enquanto esperávamos me ligam do próprio hospital onde estávamos para dizer naquela hora da manhã que o convênio ainda não tinha autorizado a primeira seção de quimioterapia. Da própria sala de espera liguei para o convenio e, logicamente com a voz um pouco mais alta devido ao nervoso que me deu naquele momento, eu perguntei a atendente o que estava acontecendo uma vez que a tal seção estava marcada há quase 1mês. Ela mesma disse que não estava entendendo o porquê da demora e disse que estava tudo aprovado e que me ligaria em seguida. Impaciente depois de aguardar uns 15 minutos, liguei novamente ao convênio e logicamente a ligação não caiu com aquela atendente para quem eu havia contado toda a história, mesmo assim, depois do meu novo relato ela pacientemente me disse que estava tudo aprovado e que tinha passado o código de aprovação ao hospital fazia 5 minutos. Volto eu a ligar para o hospital perguntando se já tinham recebido o código e ela me disse que ainda não havia chegado. Assim que desliguei o celular para esperar mais um pouco veio outro telefonema de uma terceira atendente que disse o código ter sido enviado a outra seção, mas que agora estava tudo certo. Menos mal, agora era fazer a tão falada quimioterapia vermelha que deixa todo mundo assustado. Minhas dúvidas eram incessantes apesar de em bons sites como o do Hospital de Barretos eu já ter lido muito sobre isso e não encontrei quase mais nada de Câncer de Mama em homens, foi daí a idéia de fazer esse livro-relato que você está agora lendo. Conversei um dia desses com uma amiga, a Ana Paula que já fez esse tipo de cirurgia e hoje tem uma vida normal. Achei engraçado ela me dizer, “legal não é(!), mas nada que não dê para passar Fomos até a sala de consulta da Dra. Carolina e ela nos explicou “timtim por timtim” tudo que iria acontecer. As drogas aplicadas na quimio são várias, principalmente nessas 4 primeiras. São remédios que inibem o crescimento de células que teimam em querer crescer rapidamente como as células cancerígenas que desembestam em se multiplicar, ao menos foi isso que entendi. São aplicados corticóides, antiinflamatórios, remédios para evitar enjôo e outros. Segundo sites especializados os quimioterápicos não atuam exclusivamente sobre as células tumorais. As estruturas normais que se renovam constantemente, como a medula óssea, os pêlos e a mucosa do tubo digestivo são também atingidos pela ação dos quimioterápicos. No entanto, como as células normais apresentam um tempo de recuperação previsível, ao contrario das células anaplásticas (que restaura uma parte perdida ou ausente) é possível que a quimioterapia seja aplicada repetitivamente, desde que observado o intervalo necessário para a plena recuperação da medula óssea e da mucosa do tubo digestivo. Por isso existem os ciclos, 4 doses da vermelha, mais forte, de 21 em 21 dias e 12 doses da mais fraca, a branca, de 7 em 7 dias. 46


Os efeitos terapêuticos e tóxicos dos quimioterápicos dependem do tempo de exposição e da concentração plasmática da droga e isso pode resultar em alguns pacientes anemia, diminuição dos glóbulos brancos e das plaquetas ficando mais sensíveis a infecções, sangramentos e cansaço. Além de alopécia (queda de cabelo e dos pêlos do corpo todo), alterações gastrointestinais, vômitos e diarréia, ou obstipação (não conseguir fazer cocô). Além disso, ela nos deu uma receita com diversos remédios que deveria tomar como, antibiótico por 10 dias, omeprazol para proteção do estomago, o qual vai combater aquela bateria de drogas além de outros remédios para caso tivesse dores de cabeça e no corpo e falta de sono. Fomos então à seção de quimio. O pessoal do Hospital Beneficência Portuguesa é muito humano, não que outros hospitais não o sejam, mas acho que por ser um setor de oncologia onde, todos ali sabem, são doenças e males que podem encerrar uma vida a qualquer momento, acho que isso deve acontecer em todos os setores de oncologia do mundo. Veio logo uma enfermeira que me pesou, mediu pressão e temperatura e começou assim o meu relatório da quimio. Estava aberta ali uma folha de mais uma etapa de minha vida, uma página que a gente nunca espera ler. Se eu contar para quem lê esse texto que foi o medicamento menos preocupante de minha vida acho que ninguém acredita, ao menos essa primeira dose. Nessa fase dessa doença a gente só espera que tudo de certo e eu, me olhei no espelho por várias vezes e disse para mim mesmo, “eu não vou ficar com isso dentro de mim... eu quero eliminar isso”. A cada frasco de soro com o medicamento que a enfermeira colocava eu e a Rosita ficamos ali conversando como se estivéssemos sentados em nossa casinha do interior. Vimos o facebook, demos risadas com as mensagens que o pessoal da 9ª turma de medicina dela envia por whatzap, conversamos com todas as enfermeiras e enfermeiros, lemos livro e bebemos muita água, a boca da gente seca nessas horas. Que eu me lembre a Rosita desceu no térreo e comprou umas bolachinhas de chocolate e ali ficamos fazendo nosso picnic regado a quimio vermelha. Saímos do Hospital às 19 horas, ou seja, ficamos ali quase que por doze horas. Todos disseram que a primeira aplicação é mesmo demorada por causa da colocação do cateter, mas nunca imaginei que seria tanto. Acho que umas 10 pessoas queriam ir buscar a gente e todas elas pediram para que ligássemos assim que acabasse, mas eu tava tão tranqüilo e querendo ver o mundo novamente que consegui convencer a Rosita a irmos de metrô para casa. Dito e feito passamos numa farmácia, compramos o antibiótico e outros remédios que não tínhamos e seguimos. Foi uma viagem normal, não senti nada e quando chegamos em casa vieram as falações, ‘vocês são loucos?’, ‘ a Mané, isso num se faz...’. Eu olhava para a Ro e dávamos risada, sempre há mais de 30 anos com nossa tranqüilidade costumeira além de uma boa dose de humor. No sábado, dia seguinte da quimio não conseguimos nos livrar das caronas e minha irmã passou em casa e pegou a gente para voltarmos ao hospital uma vez que eu tinha de receber um medicamento injetável na barriga que é para não deixar que a medula pare de fabricar sangue. O curativo do cateter foi trocado e recebi o tal medicamento e depois disso, fomos para a casa da Maria Luiza para ficar um pouco aquela tarde com ela. Não senti absolutamente nada de anormal. Dia 23, uma sexta feira antes da véspera de Natal eu passei mal pela primeira vez. Acontece que choveu muito aqui em São Paulo e eu e a Rosita fomos levar nossa cunhada no Metrô. Quando 47


voltamos, umas 18 horas nosso prédio estava apagado, sem energia. Fomos para casa da minha sogra que fica a menos de 1 quarteirão para esperar a luz voltar uma vez que nosso apartamento fica no 15º andar e com esses medicamentos além da resistência do sangue ficar menor a resistência respiratória também sofre bastante, você anda 2 quarteirões e parece que correu uma partida de futebol. Ficamos lá, na casa da minha sogra esperando e nada da energia voltar. Para encurtar a história resolvemos dormir por lá e eu escolhi um sofá de veludo que com esse calor que está fazendo em São Paulo acho que chegou a se igualar com uma frigideira onde eu era o bacon. Para meu grande erro, abri a janela da sala... um grande e imediato erro. Acho que um pelotão de mais de 1000 pernilongos famintos entraram e então, eram 3 horas da manhã e eu não conseguia mais dormir. No dia seguinte às 10 horas da manhã voltamos para casa e tomei um banho para irmos ao Hospital onde trocariam o curativo do cateter que estava recém colocado em meu braço esquerdo. Na volta começou a me dar um mal estar que eu pensei que fosse morrer. Enjôo, dor de cabeça, uma inquietude que onde eu estava não me sentia bem, minha boca tremia e minha garganta parecia apresentar uma infecção. Naquela noite sem dormir eu fiquei andando pela casa para não acordar quem conseguia dormir e fui à cozinha, mexi na geladeira, bebi água gelada, fui ao banheiro descalço e com isso instalou-se em mim o que seria um pequeno resfriado, mas com a quimioterapia ativa isso se tornou um monstro que quase tivemos de ir ao pronto socorro. Deitei e dormi eram umas 19 horas e me acordaram para que eu visse uma surpresa de natal que tinha chegado para mim, sai meio grogue do quarto e quando vejo nossa neta Thalita havia vindo de Israel onde estuda para passar as festas de fim de ano... chorei de alegria... e depois pedi desculpas e voltei para a cama e dormi. Uma coincidência foi que um pouco antes de pegar no sono a tarde, antes de ver nossa neta, eu conversando comigo mesmo pensei ‘e se eu morrer hoje, como é que a Rosita vai contar isso para a Thalita que ta lá em Israel’. Nessa nova deitada após vê-la eu pensei novamente, ‘obrigado meu Deus por trazer a Thalita, ao menos se eu morrer fica mais fácil para a Rosita contar’. No dia seguinte acordei ótimo e ficamos o dia todo em casa. No dia 23, ante véspera de Natal eu e a Rosita fomos bem cedinho ao supermercado e compramos as coisas para a ceia. Passamos uma boa noite de Natal, eu feliz da vida com o presente que o Papai Noel me trouxe lá de Israel, minha neta, todos juntos com Rosita e as filhas Paula e Sabrina. Eu e a Rosita preparamos toda a ceia e diferente do que a médica disse que eu poderia ter enjôo e não querer comer alguns alimentos diferentes na noite de natal comi arroz, chester, maionese, farofa com frutas e bacon, tomei sorvete e devorei quase 1 panetone inteiro. O que mudou um pouco depois dessa quimio foi o meu sono, passei a dormir mais cedo e mesmo na noite de Natal não consegui ficar até a meia noite. Quando eram 22:30 horas eu me despedi de todos e falei que iria me deitar, acordei só no dia seguinte. Continuei seguindo tudo aquilo que a doutora Carolina me passou, parei de fumar, tomei muito líquido principalmente água e numa tarde resolvi fazer um suco. Abri a geladeira e vi que lá estavam 2 mangas geladinhas e uma delas estava até meia passada. Retirei a parte ‘amassada’ e bati no liquidificador, ficou uma delícia. Como já disse antes, a quimioterapia deixa o corpo todo muito vulnerável e as proteções ficam debilitadas e meu erro foi comer aquela fruta ‘um pouco’ 48


passada! Naquela noite minha temperatura começou a subir e acordei com frio enquanto todos dormiam com ventiladores ligados. “Uma bactéria da Manga me pegou em cheio” – pensei comigo. --- Caso a temperatura chegue aos 38 graus venham para o Pronto Socorro --- era a frase que mais me marcou quando consultamos a Dra. Carolina antes de receber a quimio. O termômetro saiu debaixo de meu braço marcando 38,9 graus. A Rosita ligou para o BIP que a equipe da doutora deixa a disposição do paciente e imediatamente uma médica nos retornou, ela contou a situação e a Médica pediu para que fossemos imediatamente ao Pronto Socorro. Assim que chegamos já coletaram meu sangue e urina e na medição da temperatura passava dos 40 graus. Enquanto não saía o resultado do material coletado recebi uma boa dose de dipirona 1 gr. e mais tarde 1 gr. de Paracetamol na veia o que me fez começar a suar como nunca e com isso a temperatura baixou um pouco ficando por volta de 38. Logo, graças a uma diarréia contínua, perceberam que era uma infecção intestinal e medicado para que a pressão e a temperatura não subissem mais, o fim daquilo era questão de tempo. Voltamos para casa com minha irmã que foi nos buscar já passavam das 18 horas e eu estava mole que parecia ter sido atropelado por uma carreta, só queria dormir. Naquela noite ainda tive febre de 38 graus e a cada pico desse a Rosita me dava 40 gotas de Novalgina e muita, muita diarréia o que dizem que é bom, pois o corpo está pondo para fora aquilo que não presta. Hoje é 30 de dezembro e estou aqui escrevendo essas linhas recuperado desse susto, mas uma coisa estranha está acontecendo, eu estou com medo de comer, acho que é receio de que aqueles dias voltem. Na hora do almoço de hoje tínhamos hambúrguer caseiro, peito de frango, arroz, vegetais e salada. Optei em só comer salada com biscoito cream craker e banana. É engraçado como os hábitos alimentares e gostos mudam. Eu sempre amei um churrasco, um frango assado e agora, passadas algumas quimio eu só tenho comido alimentos frios, principalmente saladas e frutas, mesmo estando ainda com o receio do efeito daquelas mangas passadas.

Muitas das cicatrizes são visuais, porém uma das que mais marca e é a causa principal do meu pavor por injeções vem da minha infância e adolescência. Minha Tia Tita, que foi praticamente uma mãe para mim era diabética e por esse motivo ela tinha de receber doses diárias e injetáveis de insulina. Quem fazia as aplicações era o marido dela, meu querido Tio Rubens, uma pessoa na qual me espelho e com quem aprendi muito. Muitas vezes, antes do almoço, ou antes da janta eu acompanhava ele fervendo a seringa (que ainda era de vidro naquela época) bem como a agulha. Depois com todo cuidado para não se queimar ele montava o material e colocava o medicamento na dose certíssima dentro da ampola. “Tá pronto Maria” dizia ele para a Tia Tita cujo nome era Maria José. Algumas vezes ele aplicava num dos braços e outras vezes no bumbum e essa parte eu não olhava, mas quase sempre estava perto para ouvir o “aiii” dela graças a picada que 49


vamos e venhamos é uma coisa ‘medieval’. Isso marcou muito na minha vida. Via aquilo quase todos os dias e sempre pensei, “como é que a medicina hoje tão avançada ainda não inventou uma forma de injetar medicamentos sem ter de causar dor no doente?”. Certa vez eu estava acompanhando o Tio Rubens na preparação da injeção e segurei aquela latinha que ia para o fogo para a esterilização. A marca da queimadura voltou agora e fica no meu indicador direito.

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Parte 15 – Continuando as Quimioterapias

Como já contei na parte anterior, tive febre após a primeira quimioterapia e isso

se repetiu na segunda e na terceira. A gente podia contar nos dedos, 3 dias após a aplicação dos medicamentos eu tinha febre e sempre tinha de sair correndo para o Hospital para receber medicamentos injetáveis para a febre abaixar. No quarto dia após a quarta quimioterapia a coisa foi bem séria. Lembro-me que era uma tarde na qual a Rosita estava no Consultório dela e eu estava vendo televisão e comecei a me sentir mal, com dores pelo corpo e muito calafrio. Fui deitar para ver se aquilo passava e apesar do dia ensolarado me cobri com um cobertor. Num momento resolvi medir a temperatura e me espantei quando o termômetro marcava 39 graus de febre. Eu não queria incomodar ninguém e mesmo a Paula estando em seu quarto eu num disse nada a ela e como já eram quase 4 horas da tarde pensei, “dá tempo da Rosita chegar e então ela me dá aquele remédio para baixar a febre”... ledo engano. A febre não abaixava, na próxima medição deu 39,5 graus e para minha sorte a Rosita telefonou no meu celular para ver se estava tudo bem. Quando eu contei ela imediatamente ligou no celular da Paula e pediu para que ela me levasse ao Pronto Socorro da Beneficência Portuguesa e foi o que ela fez. Eu estava totalmente mole dentro do carro e não fosse o cinto de segurança acho que teria caído sobre ela em algumas curvas. Ela parou no estacionamento e eu tive de me segurar a ela no percurso até dentro do Pronto Socorro para não cair. Lá chegando o pessoal já tinha sido informado pela Rosita do que se passava comigo e logo vieram e me levaram para um quarto do PS. A temperatura passava dos 40, 5 graus e eu estava morrendo de frio, mesmo assim me deixaram sem coberta que era para ver se a temperatura do corpo abaixava. De uma hora para outra a Rosita chegou e eu via ela conversando com os colegas médicos mas não entendia o que eles conversavam. Nesse momento percebi que minha situação estava critica. O mais engraçado é que um pouco antes da Rosita sair para o Consultório, na hora do almoço, eu disse a ela que era melhor eu ficar internado no Hospital para num ficar dando trabalho a todos. Quando a temperatura abaixou um pouco a Médica chegou ao meu lado e disse, “Manoel, sua resistência está muito baixa e nós vamos internar você para uma transfusão... além do mais a Dra. Carolina pediu para fazermos mais exames em você para então descobrirmos o porque você tem essas infecções urinárias alguns dias depois das quimio”. Eu não disse nada, estava fraco demais e concordei com a cabeça. Fui então transferido para um quarto e ficamos ali aguardando para me levarem ao setor onde fazem as Tomografias uma vez que a Dra. Carolina pediu uma Tomografia completa do Tórax e Bexiga. Minha irmã Maria Luiza apareceu do nada, nem sei a que horas ela chegou, pois eu praticamente não via e não ouvia nada, acho que pela febre ou por efeito dos fortes medicamentos. Me levaram para fazer a tal Tomografia já estava escuro, deveria ser umas 18 horas e me recordo da minha irmã brigando com o pessoal do setor pois eu estava sem comer nada desde de 51


manhã e estava com fome. Apesar de ouvir aquilo eu num disse nada, mesmo porque sei que minha irmã é mesmo briguenta e eu não estava com a mínima vontade de comer nada, eu só queria dormir. Depois do exame voltei para o quarto e me lembro que acordei com a Dra. Suélen, Médica assistente da Dra. Carolina, do meu lado dizendo, “Manoel, temos uma boa e uma má notícia para você... a boa é que com a Tomografia detectamos o que está fazendo você ter essas febres depois de cada quimioterapia... você tem uma pedra no ureter (segundo o dicionário – é um duto que vai do rim à bexiga permitindo o escoamento da urina) e a má notícia é que essa pedra terá de ser retirada amanhã numa nova cirurgia”. Só Deus sabe o quanto me desesperei naquele momento. Era tudo que eu não queria : passar por outra cirurgia, mas fazer o que, como diz o ditado “quem sai na chuva é pra se molhar”. Mais tarde, já à noite o cirurgião Urologista veio ao quarto e me disse, “Manoel a cirurgia é simples, a gente vai alcançar essa pedra através do canal do pênis e vamos bombardeá-la, não dá para retirar ela inteira pois ela mede quase 2 centímetros de diâmetro e é muito grande... tudo com anestesia local e você vai dormir e não sentirá nada”. Gostei do jeito do médico e da calma com que ele disse aquilo, até o momento que ele continuou dizendo, “para que esses pedaços de pedra não permaneçam na sua bexiga e adjacências eu vou instalar um dreno chamado duplo jota e depois de 10 dias será retirado”. “Nossa mãe”, pensei, “que é que eu fiz de tão errado para merecer isso?”. --- E quando será feito isso Doutor --- perguntei. --- Amanhã cedo virão te pegar e faremos essa cirurgia logo cedo, mas pode ficar tranqüilo, você na vai sentir nada e logo depois já volta para o quarto. --- E quando poderei ir para casa? --- perguntei para a Médica que estava ali do lado. --- Manoel, você está com a resistência muito baixa, sua hemoglobina que normalmente é 16 está no nível 5 e para isso você vai ter de receber a transfusão de 2 bolsas de sangue... além do mais o antibiótico pós cirúrgico é injetável e para tanto serão ao menos 7 dias aqui no Hospital recebendo esse medicamento”. O mais engraçado é ela falou tudo isso com a maior calma, explicando timtim por timtim uma vez que a mesma percebeu que meu estado nervoso estava bem alterado. Quando todos foram embora e só a Rosita e minha irmã ficaram no quarto ouvi elas dizendo que era necessário e que seria o melhor para mim. Eu até entendi na hora, mas minha vontade era fugir dali ou voltar no tempo e não fazer cirurgia nenhuma e deixar as coisas acontecerem sem ter de passar por tudo isso... pensamentos bestas que a gente tem em momentos críticos. No dia seguinte, sem receber café da manhã, pois eu iria passar pela cirurgia eu já andava no quarto de lá para cá e olhava no relógio e via que já eram 3 horas da tarde. Liguei até para a Oncologista dizendo que eu queria assinar o termo de alta para eu ir embora uma vez que nada acontecia e eu iria continuar o tratamento em outro local. Falei bravo com o pessoal da enfermagem e logo me disseram que ocorreu uma emergência no centro cirúrgico e era aquele o motivo do atraso. Quando eu menos esperava chegou um enfermeiro com uma maca e disse, “pronto Seu Manoel, vou levar o senhor para o Centro Cirúrgico”. Lá fui eu novamente após as despedidas da esposa e da irmã. Lembro que esperei por uns 20 ou 30 minutos numa sala vazia e depois fui levado até a sala 52


da cirurgia. Lá estavam além do médico cirurgião mais um monte de assistentes, enfermeiros que logo foram colocando soro no meu braço, e tudo mais que é necessário para o bom andamento da operação. Uma senhora que estava à minha esquerda disse, “eu sou a anestesista... tudo bem com você?”. Eu respondi que estava tudo ótimo e então ela me disse, “vou te anestesiar ta (?) pense em lugares bonitos e em momentos bem felizes de sua vida...”. Ela dizia aquilo e sua voz ia sumindo lentamente. Acordei na sala de recuperação e a enfermeira logo veio até perto de mim e disse, “tudo bem senhor Manoel... já já vou levá-lo para o quarto, tá?”. Não passou muito tempo e eu já estava no quarto jantando uma sopinha simples de legumes. Não me lembro se havia mais alguém além da minha irmã e da Rosita.

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Parte 16 – Uma estadia internado no Hospital Minha afilhada Sabrina colocou no facebook um pedido de doação de sangue para o Banco de Sangue da Beneficência Portuguesa uma vez que eu iria receber a doação de 2 bolsas com 250 ml cada. Imediatamente apareceu uma série de pretendentes a doação. Ela me mostrava entusiasmada com o número de comentários e de curtidas que sua postagem obteve. Essa coisa de doação não é tão simples assim como a gente pensa, ao menos era o que eu pensava. Antes de receber sangue a gente é entrevistado por várias pessoas da enfermagem e passamos por diversos processos de preparação. Finalmente numa tarde, acho que uns dois dias depois da cirurgia veio a enfermeira responsável pelo Banco de Sangue e instalou a primeira bolsa que pingava hiper devagar. Pensei comigo, “nossa, acho que isso vai levar um século para terminar”. Dito e feito, aquilo ficou pingando desde aquela tarde até altas horas da noite quando então retiraram e só na manhã seguinte a segunda bolsa foi instalada. Tem gente que fala que comida de Hospital é ruim e a que eu recebia no quarto não fugia a essa regra (acho até pecado escrever isso, mas é a mais pura verdade). Por várias vezes reclamei, mas quando vi que nada iria mudar comecei a comer as coisas que traziam para mim, ou seja, chocolates, biscoitos, doces, coxinhas, salgadinhos e todo tipo de tranqueira que lotava a gaveta da mesinha ao lado direito de minha cama, ou simplesmente pedia para substituírem a refeição por um lanche que era bem mais gostoso. Como era obrigado ter um acompanhante no quarto houve um revezamento e me lembro que esse revezamento foi entre minha irmã, meu irmão Marcelo, o qual ficou uma noite, e a Rosita. Esse foi um período de muito incomodo de saúde, principalmente na minha boca. Como eu já havia tomado antibiótico por 8 dias graças a última infecção urinária, ainda tive de tomar por mais 8 dias graças a cirurgia e depois mais 8 dias por terem retirado o tal duplo Jota, ou seja, minha boca ficou cheia de ferida e minha língua parecia ter sido escovada por uma escova de aço daquelas bem grossas. Período muito ruim. Passados os tais 8 dias, ainda fiquei mais 1 dia de graça, me deram alta e então pude retornar para casa. A quimio daquela semana não foi feita pois eu estava hospitalizado e a Dra. Carolina achou por bem pular a primeira aplicação da quimioterapia branca.

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Parte 17 – As Quimioterapias Brancas Engraçado como quando a gente pensa que o pior passou ele num passou e a gente vê que se enganou redondamente. Chegaram as então quimioterapias brancas, que dizem ser bem mais simples. Elas até podem e devem ser mais simples, com menos medicamentos, mas são constantes, de efeito semanal e não de 21 em 21 dias como as vermelhas. Li em algum lugar que “os principais efeitos da quimioterapia branca são: queda dos glóbulos brancos e, portanto, redução das defesas contra infecções, neuropatia, dores articulares, queda de cabelo e de pêlos, diarréia, náusea e vômito”. Quem escreveu isso deveria somar a esses sintomas a falta de apetite quase que total (depois eu conto o que eu comecei a comer), um cansaço de dar dó, uma sensação enorme de frio, sono repentino (fica a dica para quem dirige), além de uma vontade imensa de ficar quieto sem ouvir nem falar com ninguém, mesmo que não esteja dormindo meus dias foram muitas vezes no quarto em silêncio. Como já disse em partes anteriores sou ilustrador e meu maior prazer é mesmo desenhar. Aconteceu uma coisa ‘engraçada’ durante as quimioterapias, principalmente nessas chamadas de brancas. Por muitas vezes eu peguei o papel, tintas, pincéis e tudo aquilo necessário para colocar no papel alguns sonhos desenhados e... não saia nada, minha mente parecia formar uma parede entre o cérebro e minhas mãos. Engraçado que eu tinha a idéia do que fazer e de como fazer, sou bastante experiente nisso, mas todas as vezes eu ficava olhando para o papel e não conseguia fazer sequer 1 traço. Segundo conversei com alguns médicos isso faz parte do ‘psicológico’. Quando a gente passa por algum trauma muito grande nossos pensamentos mudam por um tempo e desenhar e pensar, é procurar ver a imagem no papel em branco e só passar o lápis por cima dela. Vai passar, tenho certeza! Outra coisa curiosa que aconteceu durante essa fase das quimioterapias brancas é que percebi numa noite quando estava frio e fui tomar banho antes do jantar e da novela, da qual virei fã e nesses dias que mal posso fazer alguma coisa mais pesada não perco 1 capítulo sequer, foi quando com o braço testei a água para ver se já estava quentinha, no mesmo momento meu antebraço ficou vermelho sangue como se eu tivesse raspado em uma parede, só vermelho, sem sangrar. Fiquei um pouco assustado e chamei a Rosita que logo percebeu e diagnosticou que alguns pequenos vasos se romperam sob a pele. Esse é um fator importante a ressaltar que isso acontece durante o tratamento. As veias diminuem sensivelmente e concluímos assim que com os vasos menores também deva acorrer o mesmo, o que ocasionou essa espécie de derrame no contato do braço frio com a água quente do chuveiro. Durante esses últimos meses têm aparecido constantemente manchas vermelhos pelo meu corpo, principalmente nos braços e no rosto onde a pele é mais fina. Não passo nada de remédio, apenas eu lavo constantemente e essa marca desaparece em poucos dias. Outra recomendação médica é a prevenção contra as bactérias e vírus. Sempre que saia eu 55


procurava usar aquelas máscaras cirúrgicas que a meu ver não adiantam quase que nada e só servem para todo mundo que passa ao nosso lado ficar olhando a gente como se fossemos bandidos ou pobre coitados que estão a beira da morte e não podem nem respirar direito. Por várias vezes eu a retirei no meio do percurso, seja na feira, no supermercado, procurava somente usá-la nas vezes que ia ao Hospital e ao INSS... nossa, não gosto nem de falar e escrever essa sigla. Deixada de lado a raiva e a frustração que o INSS me causou gostaria, e não poderia deixar de contar, tudo que passei nessa Instituição Federal que ao invés de apoiar as pessoas necessitadas fazem com que a gente se sinta verdadeiramente ‘palhaços’ ou ‘marionetes’ do esquema que eles mandam de lá para cá como que querendo cansar para então a gente esquecer os benefícios que poderíamos ter e então eles se livram da gente. O INSS não funciona e infelizmente isso tem de ser dito! Como não estou trabalhando (é impossível até andar mais que um quarteirão sem sentir o efeito dos medicamentos) fui ao Posto do INSS para ver se conseguia ao menos um benefício de auxílio financeiro para que eu, vergonhosamente, não fique ‘mendigando’ a amigos e parentes um pouco de dinheiro para que eu compre pomadas, remédios e tudo que é necessário para que não fique com dores e sensações de mal estar. Chegou ao ponto de me dizerem (uma das atendentes) que “isso é uma vergonha senhor Manoel, o senhor é uma pessoa bastante distinta, está com roupa limpa, esse benefício é para gente de rua, pessoas que não tem nem o que comer”. Eu até pensei em fazer um Boletim de Ocorrência sobre esse caso, mas tenho certeza que não daria em nada, ficaria a palavra dela contra a minha, desisti. Depois de 5 ou 6 idas e vindas ao INSS eu simplesmente toquei na mão da atendente e disse a ela “fica com Deus... tomara que ninguém em sua família ou do seu círculo de amigos sofra desse mal”... peguei meus documentos e fui embora. Chegando em casa coloquei essa reclamação no site da Ouvidoria do INSS e até esse momento, passado muito tempo ali ainda consta “distribuída para a unidade solucionadora nível I”. Outra reação que tive e continuo tento são as unhas, tanto dos pés como das mãos. Elas ficam muitíssimo fracas e por esse motivo se quebram e a aparência fica feia, escura. Existem remédios para isso e eu li num site que o melhor remédio é deixar de molho no vinagre de maça com água nas mesmas proporções, tenho feito isso e apesar de ser um processo lento parece que vem melhorando. Uma das coisas mais incríveis que percebi durante o tratamento, principalmente agora nessa época de quimioterapias semanais, foram meus gostos por comidas. Tradicionalmente eu me chamo de ‘bom garfo’, como de tudo e gosto de experimentar aquilo que não conheço, mas em alguns casos nessa época acho que fui um pouco longe. Meu dever, segundo os médicos, era comer alimentos com grande quantidade de ferro, ou seja, carne, fígado, beterraba e outros. Era comer qualquer 1 desses e já me vinha aquela ânsia de vômito insuportável. Cheguei a engolir sem mastigar alguns bifes de fígado, mas sempre era a mesma coisa. Comecei a perder peso então, resolvi por conta própria comer tudo aquilo que me dava na cabeça. Comia doces, depois salgados ou ainda ambos juntos e comecei então a me dar melhor com a dieta. As quimioterapias brancas chegaram ao final. Foi uma festa saber que não precisava mais receber aquele monte de remédios via PIC instalado em meu braço e agora, depois de passar na Oncologista fomos conversar com a Radioterapeuta. Inicialmente ela disse que eu deveria fazer mais um daqueles exames chamados Pet Scan para definirmos quantas seções de Rádio seriam feitas... aí começou mais um drama. 56


Junto com o pedido do Pet Scan a Médica solicitou que fossem aplicadas 30 seções de Radio Terapia só que ela não queria, e que não faria a aplicação normal. Ela pediu a Radioterapia Modulada (IMRT – Sigla em inglês) em que os feixes de laser são direcionados somente no local afetado sem atingir assim os outros órgãos que ficam próximos ao local do tumor. O convênio não queria aprovar de forma alguma esse tipo de aplicação e nem o exame de Pet Scan. Ligamos para o convênio Médico inúmeras vezes, conversamos com a Médica sobre o tratamento convencional e ela relutou em dizer que não queria fazer aquele tipo de aplicação pois disse que poderia haver “danos maiores nos outros órgãos”, enviamos cartas, enviamos email para a ANS – Agencia Nacional de Saúde Complementar que é o órgão que cuida dos convênios e depois de muito tempo eles deram razão ao convênio, enfim, durante mais de 1 mês tentamos de todas as formas que aprovassem o exame e o tratamento específico, até que alguém nos disse para irmos ao Juizado de Pequenas Causas. Descobrimos que um deles fica bem perto de casa e é administrado pela UNIP – Universidade Paulista. Chegando lá, me lembro que era uma sexta feira por volta das 13:00 horas, fomos super bem recebidos e relatamos o caso. Foi como receber um abraço carinhoso de amigos e pessoas que sabem o quanto uma pessoa que tem essa doença necessita de atendimento. A atendente nos forneceu um modelo de um processo num caso semelhante e solicitou que o preenchêssemos e juntássemos a ele uma carta com o pedido de urgência do Médico. Fomos eu, a Rosita e minha irmã correndo até o Hospital e conversamos com o Médico que estava de plantão e o mesmo foi super atencioso e nos forneceu a carta com presteza e rapidez. Saindo de lá fomos até uma Lan House e preenchemos os documentos lendo e relendo várias vezes e depois de impresso levamos toda essa documentação ao Tribunal de Pequenas causas, isso já eram 16:45 horas e estabelecimento fechava as 17:00 horas. Mais uma vez fomos super bem atendidos e a atendente fez a “capa” do processo e disse que deveríamos aguardar que o Juiz iria deferir ou indeferir nosso pedido e poderíamos acompanhar o processo pena internet. As 11:00 horas de sábado, ou seja em menos de 24 horas, estávamos eu e a Rosita no supermercado quando minha irmã ligou e disse que estava vendo na internet o nosso Processo e o mesmo tinha acabado de ser Deferido, ou seja, o Juiz solicitou que o Convênio atendesse imediatamente o pedido de exame e das aplicações da Radioterapia IMRT. Logo na segunda feira pela manhã fomos ao Hospital e marcamos tanto o Pet Scan como o início das Radioterapias.

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Parte 18 – As Radioterapias O exame Pet Scan mostrou que o “grande foco” das células cancerígenas havia terminado com a retirada da cirurgia e posteriormente as aplicações de quimioterapia. Apesar de nas ‘imagens’ ter aparecido um pequeníssimo ponto branquinho na altura do mediastino o que indicava que era uma pequeníssima célula cancerígena, a Médica disse que não havia ‘brilho’ na mesma e em nenhum outro local, o que dava a entender que essa célula já estava morta e iria desaparecer com as aplicações de Radioterapia. Com isso foram marcadas 25 seções e não 30 como foram o solicitadas ao convênio. Antes de ter feito as tais radioterapias eu, como muitos amigos me perguntaram, pensava que como a Quimioterapia era uma coisa de sofrimento, dolorida, que queima a pele... me enganei totalmente. O comentário de maior dificuldade da radioterapia é que ela é aplicada todos os dias e morando em São Paulo onde o transito é infernal, conduções lotadas e outras dificuldades de se locomover formam o maior empecilho desse tratamento. Eu marquei todas as seções para as dez horas da manhã e assim, como eu tinha de tomar o ônibus até a estação do metrô para depois chegar ao destino, saia de casa sempre lá pelas 8:45 horas para não precisar correr. Antes do início das seções a enfermeira chama a gente para uma triagem onde se mede a temperatura, pressão arterial, peso e batimentos cardíacos, então a gente fica esperando numa sala juntamente com outros pacientes e muitos deles com acompanhantes. Fiz amizade com um monte de gente e aos poucos fui descobrindo que meu caso não era diferente de ninguém que ali estava. Todos, ou a grande maioria, já tinham passado por cirurgias e por quimioterapias. Uma das pessoas que conheci foi o senhor João. Era um velhinho que me contou com uma voz bastante rouca que nunca pode dar atenção aos dois filhos porque trabalhava muito. Agora, com a doença e o tratamento, seus filhos não desgrudavam dele. Perguntou-me de meus pais e quando eu disse que os havia perdido, minha mãe quando tinha apenas 2 anos e meu pai quando eu iria completar 9, ele ficou olhando para mim e depois me deu um abraço e sussurrou alguma coisa que eu não entendi, mas percebi que era algo religioso como, “que Deus te ajude” ou “você está com Deus”. Dona Marju, ou Maju foi outra conhecida. Pequeninha, franzida, uma mulatinha idosa que nunca me disse a idade, mas com certeza deve ter mais de 80 anos. É uma pessoa alegre e como eu, quando entrava na sala de espera dava um BOM DIA caloroso a todos que ali estavam. Ela me reclamava muito do estomago, onde estava o câncer, mas disse que a cada dia que ia ali se sentia um pouco melhor. Acho que por todos marcarem mais ou menos os horários iguais, formamos uma espécie de ‘turma de amigos’ e vez ou outra um dizia em voz alta e muito feliz “hoje é meu último dia”. Coincidentemente eu disse isso no dia em que iria encerrar minhas radioterapias e outros 3 ou 4 disseram o mesmo... pensei, amanhã essa sala estará mais vazia, ou com certeza será preenchida 58


com novos figurantes e seus acompanhantes. Novas histórias surgirão e novas amizades serão feitas, essa história não acaba nunca. Quase todo o dia, principalmente depois do almoço, me dava sono, mas não é aquele sono de dormir horas e sim, me deitava por 20 ou 30 minutos, muitas vezes dormia e outras, eu só ficava com os olhos fechados. Logo depois dava uma vontade imensa de sair da cama e dar uma volta então eu chamava meu cão Johnny, que foi meu maior companheiro desde a cirurgia até o fim do tratamento e íamos dar uma volta, não muito grande porque só de andar uma ou duas quadras me sentia muito cansado. Voltando a comentar sobre meu cão Johnny não posso deixar de citar aqui o que me disseram que os dias em que estive internado ou em cirurgia ele ficava deitado numa poltrona olhando para a porta de entrada do apartamento, quem sabe me esperando voltar. Em dias de dores, de enjôo ou de mal estar em que eu me deitava ele vinha e ficava deitado no chão ao lado da cama e a qualquer movimento meu ele levantava a cabeça e as orelhas e me olhava. Foi e é até hoje um grande companheiro. Nessas 25 aplicações de radioterapia perdi bastante o apetite e acho que emagreci um pouco. Quando iniciei o tratamento, dias antes da cirurgia eu com meus 1,96 m. de altura pesava 124,5 kg. No último dia da Radioterapia eu estava com 114 kg. Achei interessante contar aqui o processo da Radio, principalmente de IMRT que direciona os feixes de luz em apenas uma área do corpo. Dias antes de começar fiz uma tomografia e ali os técnicos fizeram uma marcação mo meu peito e nos flancos do corpo, dos 2 lados. A marcação é feita com aquela caneta que a gente marca CDs ou DVDs e é difícil sair, além do mais eles colam uma fita transparente forte sobre essas marcas para que não saiam no banho diário. Outra curiosidade é que nesse mesmo dia das marcações eu me deitei num colchãozinho que pelo toque das minhas costas me parecia feito com aquelas bolinhas de isopor. Após me posicionarem da forma correta, um dos técnicos disse, “não se mexa agora Manoel, você vai sentir um movimento no colchão em que está deitado e um pequeno aquecimento”. Dito e feito, o colchão parecia querer inflar e só não o fazia por causa de meu peso. Momentos depois os 2 rapazes me ajudaram a me levantar e qual a minha surpresa quando vi que o colchão tomou a forma exata de minhas costas e meus ombros. Formou uma espécie de gabarito para que todos os dias eu me deitasse nele e as moças da Radio direcionavam luzinhas ‘piloto’ às marcações de tinta e pronto, sempre eu estava exatamente no mesmo local. Conferi isso várias vezes fechando um dos olhos e medindo pontos no teto da sala que coincidiam e sempre estavam no mesmo local dos dias anteriores. Tecnologia 10. O último dia chegou. Como no final da quimioterapia eu e a Rosita passamos numa loja dessas de doces e compramos um sacão de bombom. Embalamos de 4 em 4 em cada saquinho e distribuímos para todos os atendentes, médicos, enfermeiros, técnicos e todos aqueles que me deram um carinho especial. Quando saímos, marcamos um retorno com a Radioterapêuta e fomos para o carro. Na porta do Hospital Beneficência Portuguesa eu parei um pouco e olhei para trás. --- Que foi? Tá cansado? --- perguntou a Rosita --- Não... to ótimo... só queria dar um grito bem forte de obrigado para todos os profissionais daquela instituição... vamos para casa! Naquela noite fomos eu ,Rosita e Sabrina numa lanchonete que eu nunca tinha ido chama59


da Burguer King... sempre que passávamos na frente eu lia “hambúrguer na brasa” e sempre eu dizia de dentro do carro que ‘deve ser gostoso’. Comi 1 sanduíche e tomei um sorvete enorme e foi muito legal experimentar um novo sabor... além da alegria interna de que tudo acabara.

Uma coisa engraçada que aconteceu comigo, principalmente durante o processo da quimioterapia branca foi a lembrança dos sabores de quando eu era criança. Eu ia naquelas lojas que vendem doces e comprava todo tipo de ‘porcaria’ que pode existir e muitas vezes, misturava essas ‘porcarias’ com coisas boas, por exemplo: Fandangos no meio da salada, arroz com feijão quase que frio com mamão, chocolate em pó colocado numa xicara e comia com uma colherzinha vendo televisão, ovo frito que é uma coisa que eu tinha alergia e comecei comendo 1, depois 2 e não parei mais e o melhor de tudo é que a alergia que me dava enjoo e ânsia de vômito não deu mais. Deixei um pouco de lado as comidas quentes e ou eram mornas ou de preferência geladas. Feijão gelado com farofa fria, muito sorvete e doces com calda... nossa, eu sonhei muitas vezes com pessegos em calda, abacaxi em calda, pudim de leite...

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Parte 19 – O final Hoje, passados 3 meses da última radioterapia já comecei a tomar todos os dias um remédio chamado Tamoxifeno e segundo a receita da médica ‘é para uso contínuo até 2027’, ou seja, terei de tomar por 10 anos. Conseguimos o remédio com o convênio e todos os meses eu recebo em casa. Antes de entregar eles ligam para confirmar o endereço, a dosagem e é lógico, ver se ainda estou vivo. Esse remédio é uma espécie de ‘manutenção da quimioterapia’ só que em doses bem mais fracas que aquelas aplicadas no Hospital. Mesmo assim, aos poucos vou percebendo que o Tamoxifeno dá algumas reações digamos que ‘estranhas’ e já as relatei para a Médica que disse “isso vai passar conforme o organismo se acostuma com a droga”. A pele continua muito fina e a qualquer batida ou esbarrão numa porta ou parede ela se abre e sangra. Isso tem acontecido muito principalmente nos braços e nas mãos que, logicamente são mais utilizados e ficam mais expostos. Outro sintoma estranho é que comecei a ver ‘vultos’... quando estou lendo ou desenhando vejo uma sombra passar como se alguém tivesse passado na frente da luz de onde estou. Falei sobre isso com a Radioterapêuta e a mesma solicitou uma Ressonância da cabeça à qual mostrou que tudo está normal para a faixa etária. Melhor assim. Ocorre também, muitas vezes em que estou desenhando, que meus olhos parecem que começam a ir da direita para a esquerda muito rápido o que me dá dor de cabeça e um pouco de enjôo... parei de desenhar por um tempo e não senti nem isso nem vi mais os tais ‘vultos’ passarem na minha frente. Meu apetite diminuiu sensivelmente e já não como igual comia. Quando acabou a Radioterapia eu pesava 115 quilos e hoje estou pesando 112, 5 kg. A vida, aos poucos vai voltando ao normal. As pessoas que sempre se preocuparam com minha doença continuam se preocupando e me ligam e/ou perguntam diariamente como estou, aqueles que nunca ligaram ou ligaram pouco continuam da mesma forma, sem dar muita importância ao meu estado de saúde. Estou fumando bem menos do que sempre fumei, mas não consigo largar totalmente esse vício maldito. Aos poucos vou pegando mais trabalhos e o último foi na casa dos amigos Colibri e Silvia que me pediram uma ajuda na arrumação da mudança de casa. Eles nem imaginam o quanto isso foi bom para minha auto estima. Me senti novamente útil e ao mesmo tempo exercitei meu corpo, meu braço que ainda doía um pouco, além de voltar a ganhar dinheiro com meu próprio trabalho.

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Agradecimentos Acho que é isso. Quando comecei a escrever esse texto eu nunca imaginei que seriam tantas páginas, mas aos poucos os capítulos foram se formando e agora, como ninguém nem nenhum dos envolvidos se interessou em editar vou colocá-lo ‘aberto’ na internet para que outras pessoas, principalmente homens que contraiam essa doença, para que possam ler e saber sem surpresas o que irão passar durante o tratamento. Antes de terminar esse trabalho gostaria muito de fazer alguns agradecimentos. - Ao Doutor Nassif Galeb e sua equipe, acho que um dos melhores Médicos que conheci em toda minha vida. Ele é uma pessoa extremamente dedicada aos seus pacientes e faz com que a gente se sinta bem e confiante quando com ele seja no consultório, na recuperação ou na sala de operação. Não posso deixar de agradecer ao Dr. Bruno, assistente do Dr. Nassif e a Dna. Shirley, recepcionista do Consultório que nos deu muita força e esperança, além de nos atender muito bem. - A Dra. Carolina Kawamura e a Dra. Suelen, Oncologistas e a Dra. Lívia, Radioterapeuta, todas do Hospital Beneficência Portuguesa e que fazem parte da equipe do Dr. Buzaid, o qual eu nunca tive o prazer de conhecer mesmo tentando conversar com ele por várias vezes para tentar a edição desse livro. Agradeço também a equipe de Urologia da BP com a qual me submeti a uma cirurgia de pedra na Ureter, também aos Médicos de plantão e o pessoal do Pronto Socorro da Beneficência Portuguesa que sempre me atenderam muito bem. - Agradeço ao nosso amigo e também Oncologista de São José do Rio Preto Dr. José Altino e sua esposa Dra. Fátima pelos conselhos telefônicos e força que sempre me deram - Agradeço aos Recepcionistas, as Enfermeiras, Atendentes, Técnicos, Cozinheiras e pessoal que serve alimentação, Faxineiras, Roupeiras enfim, todo o corpo Profissional tanto do Hospital São Luiz onde passei pela cirurgia principal bem como do Hospital Beneficência Portuguesa onde passei por outras cirurgias e internações e todas as fases do tratamento com Médicos, Quimioterapia e Radioterapia, além de uma enormidade de exames. - Gostaria de agradecer também a Allianz Saúde que mesmo com algumas pequenas demoras e umas ‘briguinhas’ bancou todo o tratamento, cirurgias, exames, etc. e vem bancando até hoje o medicamento que tenho de tomar por 10 anos. - Agradeço a Flávia e todo o pessoal, inclusive o Juiz do Tribunal de Pequenas Causas instalado na UNIP – Bacelar que me ajudaram enormemente quando nem Convênio nem ANS – Agencia Nacional de Saúde me deram atenção necessária. - Mesmo não resolvendo nada, agradeço o pessoal do Posto do INSS na Vila Guarani onde fui 62


recebido e atendido com dignidade apesar de meu pedido ter sido indeferido pelos superiores da instituição. Quanto ao Posto da Rua Santa Cruz não fico nem de perto com a mesma impressão de apoio ao público uma vez que ali fui mal tratado com preconceito e total falta de educação. O mesmo posso dizer da Ouvidoria do INSS que NUNCA me apoiou em nada! - Agradeço aos Laboratórios Salomão e Zoppi, Med Imagem, UCD, Delboni, Hospital Edmundo Vasconcelos e todos outros em que necessitei de exames e fui sempre muito bem atendido. - Agradeço de coração os amigos Sussumo Takahashi lá de Campos do Jordão e a Mineira Rosangela Ferris a qual não conheço pessoalmente. Ambos me apoiaram enormemente pela rede social, outros também me apoiaram porém dessas duas pessoas essa ajuda era diária, conversando e perguntando sobre meu estado de saúde. A Vera Lucia Moreira, amiga de infância de minha esposa, que manteve a chama de uma vela acesa com meu nome onde fazia suas orações durante todo o tempo do meu tratamento. Ao Dr. Luiz Vane e sua esposa Vilma de São José dos Campos que mantiveram meu nome em seu Grupo de Orações e mantinham contato quase que diário para saber como eu estava. A Cristina Cipoli de Campos do Jordão a qual além das orações fez um trabalho de energização em cristais sendo que um deles me representava e ela me cedeu depois de tudo acabado. Ao bom amigo Raghy, um artista incrível que sempre me conta histórias pelo facebook através de suas artes além de conversarmos bastante via internet. - Gostaria de agradecer a força que nossa amiga Nilza Amodio nos deu, tanto a mim quanto a Rosita. Ela me levou no Hospital das Clínicas e me apresentou como Voluntário porém, pelo mal estar do tratamento só comecei mesmo a trabalhar ali depois que tudo passou. - Agradeço o pessoal do Grupo Cerveja Psicológica, Tony e Cida (que me receberam em sua casa bem no começo dos exames e fizeram o Okiyome comigo. Ambos frequentam a Arte Mahikari há anos), também a Yvana, Moisés e Iana, Sandra, Wagner e Marcia, Edson, Rose e Piedade que sempre estiveram ao meu lado seja em casa ou nas internações. - Agradeço também ao Grupo da Cravinhos, rua em que nasci onde, Colibri e Silvia, Vera, Beto e Claudia, Fernando (meu amigo Cardiologista) e sua esposa Anna, Joyce, Lizete, Angela ( que me deu uma força para tentar algum trabalho), Lauro, Afonso, Flavia, Zé, Celso e Fabiola que sempre quiseram notícias do meu estado e me convidavam para uns bons almoços onde conversamos sobre nossa infância. - A minha prima irmã querida Maria Izilda que também sempre perguntava por mim e me trouxe 2 envelopes com as ‘pílulas de papel’ do Frei Galvão. - Ao pessoal que trabalha no Condomínio onde moro, pois sempre me ajudaram e se preocuparam com meu estado de saúde e ficavam de olho em mim quando eu saia para dar uma volta com meu cachorro Johnny. - Agradeço as cuidadoras de minha sogra, Mirian, Eli e Madalena que diariamente perguntavam a Ro63


sita como eu estava e sei que oraram por minha saúde. - Meus agradecimentos também vão às filhas da Rosita (as quais considero como minha família) Paula e Sabrina que sempre se preocuparam demais e me ajudaram me levando ao Hospital nas emergências (a Paula me levou uma vez e eu estava com a temperatura nos 40 graus... eu não via nada), a Sabrina solicitando sangue para transfusão aos amigos e ambas, ajudando como podiam a mãe delas à qual, sempre preocupada, em alguns momentos ficava muito cansada com tudo que aconteceu. - Agradeço minha queridíssima neta Thalita que mesmo distante me ligava sempre e do outro lado do Mundo, lá de Israel e me dava forças e esperança de que tudo ia dar certo. Além do mais me fez aquela enorme surpresa vindo passar o Natal conosco quando começou o tratamento quimioterápico. - Agradeço meu irmão Marcelo e minha cunhada Alba que mesmo ligando pouco sei que se preocupavam sempre com minha saúde. Aos seus filhos Tiago que quando podia entrava em contato via Rede Social e sua irmã Carolina que sempre me ligava ou falava comigo pelo whatsapp, além de me incentivar a ilustrar um Livro onde ela escreveu pequenas frases-poemas (Haikai) e fiz o máximo que pude para ficar bonito. - Ao irmão querido Marino e sua esposa Ilka que conversavam comigo por telefone ou me visitavam sempre que podiam e nos receberam na sua casa em Santos, onde por vários convites não pude ir graças ao mal estar, para que eu espairecesse um pouco do stress, além da Stellinha que me mandava recados dando forças mesmo estando lá na França e o João Vitor que hoje disse a um amigo que eu sou “um monstro e me curei de uma doença difícil de curar”. - Agradeço a Tia Litinha que ligava constantemente aqui em casa para saber como eu estava. Também ao Marco Antonio, sua esposa Eli e filhos, também a Yvoninha, nossa querida amiga, pelas mensagens tão bonitas e por ter me passado seu bom astral. - Mesmo sem darem a mínima importância quanto a minha saúde, agradeço aos meus cunhados, cunhadas e sobrinhos os quais ‘acho’ que torceram por mim. - Mesmo não estando presente fisicamente, pois faleceu poucos dias antes de minha primeira cirurgia, agradeço meu sogro querido, Sr. Jordino, que me ensinou entre outras coisas a suportar tudo aquilo que a vida prepara para a gente, além de me mostrar o caminho do Budismo e seu lindo Templo na Vila Mariana onde eu e a Rosita fomos todos os meses até aquele local de paz... e temos ido até os dias de hoje além de acendermos todos os dias 2 incensos enquanto repetimos 3 vezes a frase “namio rorem gue kyo” (frase criada para ‘abrir o caminho para todas as pessoas ativarem o poder dessa lei inerente dentro da própria vida’) - Durante o tratamento minha diversão era ler... ler e dormir, pois como disse em outros capítulos os medicamentos fazem a gente ter muito sono. Assim, agradeço a ParamahansaYogamada pela maravilhosa ‘Autobiografia Yogamada’ que me trouxe muita paz e fé. A Tony de Sousa, meu grande amigo que no romantismo de uma maravilhosa cultura nordestina li seus livros ‘O Rei do Mundo’ e ‘Escute o 64


Silêncio’. A Dan Brown com a eletrizante história de ‘Inferno’. Ao maravilhoso escritor Noah Gordon com as aventuras de ‘O último Judeu’, ‘o Físico’ e o ‘Xamã’, livros enormes que eu queria que nunca acabassem. A Felix J. Palma com a história surrealista de ‘O Mapa do Tempo’. A Marion Zimmer Bradley nos 4 volumes de ‘As Brumas de Avalon’. Ao Psiquiatra Escritor Augusto Cury com as divertidíssimas histórias do Vendedor de Sonhos tanto no volume ‘O Chamado’ como em ‘A Revolução dos Anônimos’. A Rhonda Byrne e as suas revelações em ‘O Segredo’, e finalmente a André Esteves no ótimo romance policial escrito em ‘A 13ª Letra’. Obrigado a todos por essa maravilhosa companhia. Dentre todas essas pessoas duas delas não tenho nem palavras para agradecer tamanha foi a união delas com meus movimentos, exames, gestos, dores e alegrias durante o tratamento. Minha irmã querida Maria Luiza que me abraçou muito forte e me passou toda sua força espiritual e física além de me ajudar muito inclusive financeiramente. E a Rosita, minha querida esposa, meu amor, que literalmente ficou ao meu lado por todo o tempo. Mesmo ela estando trabalhando sentia sua presença ao meu lado. Ela me aconselhava me lembrava de remédios, de exames, me acompanhava em quase tudo, me acordava nas noites de dor e pesadelos, me fazia sorrir e acreditar que tudo iria dar certo... todos os elogios são poucos a elas. Espero assim que esse texto ajude outras pessoas. Quando tudo começou eu procurei informações na internet e achei muitos conselhos porém, quase sempre (99% das vezes) eram para mulheres que sofrem mais dessa doença. A medicina evoluiu demais nos últimos anos e os tratamentos além de mais eficientes não deixam os pacientes sofrerem tanto. Eu sinto que mudei depois de tudo isso... nunca fui uma pessoa do mal e nunca quis ver o sofrimento seja em quem for. Hoje penso com mais ênfase ainda sobre esse aspecto! Às vezes me dá vontade de chorar e eu choro, não vale a pena esconder nenhum sentimento. Muitas vezes vejo ‘vultos’ ao meu lado, mas isso não me deprime... aprendi com esse convívio. Eu nunca suportei brigas, mas essa característica cresceu muito dentro de mim... não quero vê-las nem ouvi-las... nem de longe. Se hoje um Deus chegasse ao meu lado para perguntar o que eu gostaria de pedir algo mais sobre tudo isso eu pediria a ele que abrisse os olhos de nossos governantes para que milhões de pessoas desse país as quais não contam com convênios de saúde possam encontrar Centros de Saúde Públicos um pouco do apoio que eu tive nesse processo. Ainda tenho reações e às vezes me sinto mal e cansado, mas estou vivo, trabalhando e sorrindo... as cicatrizes continuam à vista e outras vão aparecendo mesmo agora, 2 meses após a última radioterapia. Muitas cicatrizes são internas de ‘amigos’ e parentes que sumiram, se desligaram de mim, mas tenho certeza que foi pelo medo de receberem notícias más, ou talvez não saber o que dizer nesses momentos... coisas assim. Caso aceite um conselho lá vai: sorria, mantenha sempre a calma, procure fazer tudo que tem de ser feito e tenha fé em si próprio e em tudo e todos aqueles que de alguma forma olham por você. “Esse é o melhor remédio!” com o maior prazer escrevo...

FIM 65


Fotos e Lembranças Meu querido cão amigo Johnny que por muitas e muitas vezes viu que eu não estava bem e ia deitar na cama, então ele ficava do meu lado no chão deitadinho, olhando a cada movimento ou gemido que eu fazia. A Rosita disse que nas vezes em que eu fiquei internado ele se deitava numa poltrona na sala e ficava olhando para a porta de entrada esperando a hora que eu iria chegar.

Foto feita pela minha doce sobrinha Carolina numa visita a casa de minha irmã durante o tratamento.

Eu com minha irmã Maria Luiza no dia da festa de final de tratamento, com direito a bolo e ‘parabéns a você’...

Comentário da minha irmã Maria Luiza: Real-

mente me senti sem chão quando recebi a notícia que meu irmão tinha um câncer....queria eu estar doente, mas não suportaria vê-lo assim.... A vida nos apresenta muitos desafios, que aparecem para que a gente possa ver que somos capazes de superá-los, com fé, esperança, alegria e muito amor! O amor é o grande remédio para essa luta, e o meu amor pelo meu irmão superou todos os contratempos e nos presenteou com a sua cura total. Sou muito agradecida por isso!! 66


Eu com meu querido irmĂŁo Marino numa das vezes que eu pude ir visitĂĄ-lo em Santos, onde ele vive.

Cartaz feito pela Sabrina e que fixou na entrada de casa no dia em que retornei da alta do tratamento.

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Eu já trabalhando como Voluntário da AVOHC - Associação dos Voluntários do Hospital das Clínicas. Nesse dia eu estava entregando desenhos e montagens de fotos que eu mesmo faço para as crianças internadas.

Na quimioterapia são vários os medicamentos aplicados e a gente fica mais de 2 horas ali sentado sem fazer nada, vendo TV, lendo, conversando com o acompanhante, comendo salgadinhos ou chocolate, enfim, esperando. Aí registrei essa foto da ‘temida’ quimio vermelha!

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Eu com meu amor Rosita comemorando o final do tratamento e nossa grande vitรณria.

Vencemos juntos!

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Em ‘Cicatrizes de uma Vida’ conto um pouco do que passei desde quando soube que havia contraido um Câncer de Mama e dos Gânglios da Axila. É um material o qual procurei muito quando soube da doença e achei pouquíssimas referências uma vez que, segundo os Médicos, apenas 0,2% dos homens no Mundo contraem esse tipo de Câncer. Relatar o passo a passo dos exames e seus resultados, das cirurgias, transfusões e efeitos colaterais de Antibióricos, Quimioterapias e Radioterapias, além de vários e vários remédios que tive de me submeter (e ainda continuo tomando) me parece uma informação bastante generosa e de certa forma, digamos tranquilizadora, àqueles que souberam da doença e agora procuram de toda forma saber como será cada passo desse tratamento. Resolvi dar esse nome ao livro uma vez que, com o uso contínuo dos medicamentos além da gente perder pêlos, ter problemas dentários, problemas de se locomover rápidamente, na alimentação e tantos outros, a pele afina bastante e com isso, tanto a cicatrização de novos ferimentos demoram a se reestabelecer como outros, já cicatrizados, voltam a aparecer... é o que percebi e não sei se isso acontece com todas as pessoas que se tratam dessa doença! Outro relato importante nessas páginas é aquele que ‘a vida e o cotidiano não param’. Mesmo com a doença você deverá enfrentar as más notícias, as brigas familiares (muitas vezes por conta dos cuidados que você deve receber), os cuidados com a alimentação, custo de remádios e pomadas, bem como suas vontades de sair e passear cuidando sempre com a baixa resistência que os medicamentos te proporcionam. Vírus e bactérias que em comum são combatidas pelo nosso organismo sabemos que nesse caso isso não acontece, além de visitas e viagens não são recomendadas a locais onde haja ao menos um atendimento bom quendo se refere a Oncologia (nem todas as cidades têm esse tipo de Ambulatório). Todo cuidado é pouco... Você vai ver e ler o quanto deverá confiar nos Médicos e no pessoal de Enfermagem uma vez que eles são bastante especializados e sabem melhor que ninguém aquilo que estão fazendo. Sem uma religião específica me apeguei a todas elas e, de certa forma, isso me deu muita esperança. Enfim, acho este um trabalho importante seja para pacientes, médicos, estudantes e todos aqueles que necessitam ou poderão necessitar um dia do Tratamento ao Câncer.

Ao analisar o corte de uma árvore podemos estudar toda sua vida e tudo aquilo que o Sol, o Gelo, o vento e as interferências causadas por outros seres que um dia se depararam com ela diante se seu caminho... ... para saber mais das suas cicatrizes basta você olhar para dentro de você... .. bem de perto! Manoel Carlos Conti

“Não é o tédio a doença do aborrecimeento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada!

Fernando Pessoa


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