Navio negreiro castro alves

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Folha de Rosto

O navio neg r eir o (T r ag ĂŠdia no mar ) Cas tro Al ves


Créditos Di rei tos des ta edi ção res ervados à Rel i qui a Di gi tal Ltda. Capa Reli qui a Conversão para e-book Reli qui a

Arquivo baixado do http://livrosdoexilado.org/


O navio negreiro (Tragédia no mar) O navio negreiro (Tragédia no mar)

I ( ...) Por que foges assim, barco l i gei ro? Por que foges do pávi do poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a es tei ra que s emel ha no mar — doi do cometa! Al batroz! Al batroz! águi a do oceano, tu que dormes das nuvens entre as gazas , s acode as penas , Levi atã do es paço. Al batroz! Al batroz! dá-me es tas as as .

II Que i mporta do nauta o berço, donde é fi l ho, qual s eu l ar? Ama a cadênci a do vers o que l he ens i na o vel ho mar! Cantai ! que a morte é di vi na! Res val a o bri gue à bol i na como gol fi nho vel oz. Pres a ao mas tro da mezena s audos a bandei ra acena às vagas que dei xa após . Do es panhol as canti l enas , requebradas de l angor,


l embram as moças morenas , as andal uzas em fl or! Da Itál i a o fi l ho i ndol ente canta Veneza dormemente — terra de amor e trai ção, — ou do gol fo no regaço rel embra os vers os de Tas s o, j unto às l avas do vul cão! O i ngl ês — mari nhei ro fri o, que ao nas cer no mar s e achou ( porque a Ingl aterra é um navi o que Deus na M ancha ancorou), — ri j o entoa pátri as gl óri as , l embrando, orgul hos , hi s tóri as de Nel s on e de Abouki r... O francês — predes ti nado — canta os l ouros do pas s ado e os l ourei ros do porvi r! Os mari nhei ros hel enos , que a vaga i ôni a cri ou, bel os pi ratas morenos do mar que Ul i s s es cortou, homens que Fí di as tal hara, vão cantando em noi te cl ara vers os que Homero gemeu... Nautas de todas as pl agas , vós s abei s achar nas vagas as mel odi as do céu!...

III Des ce do es paço i mens o, ó águi a do oceano! Des ce mai s ... i nda mai s ... não pode ol har humano como o teu mergul har no bri gue voador! M as que vej o eu aí ?... Que quadro d’amarguras ! É canto funeral !... Que tétri cas fi guras !... Que cena i nfame e vi l !... M eu Deus !... meu Deus ! Que horror!


IV E ra um s onho dantes co... O tombadi l ho que das l uzernas avermel ha o bri l ho, em s angue a s e banhar. Ti ni r de ferros ... es tal ar de açoi te... Legi ões de homens negros como a noi te, horrendos a dançar... Negras mul heres , s us pendendo às tetas magras cri anças , cuj as bocas pretas rega o s angue das mães ; outras moças , mas nuas e es pantadas , no turbi l hão de es pectros arras tadas , em âns i a e mágoa vãs ! E ri -s e a orques tra i rôni ca, es tri dente... E da onda fantás ti ca a s erpente faz doi das es pi rai s ... Se o vel ho arquej a, s e no chão res val a, ouvem-s e gri tos ... o chi cote es tal a. E voam mai s e mai s ... Pres a nos el os de uma s ó cadei a, a mul ti dão fami nta cambal ei a, e chora e dança al i ! Um de rai va del i ra, outro enl ouquece, outro, que de martí ri os embrutece, cantando, geme e ri ! No entanto o capi tão manda a manobra e após , fi tando o céu que s e des dobra tão puro s obre o mar, di z do fumo entre os dens os nevoei ros : “Vi brai ri j o o chi cote, mari nhei ros ! Fazei -os mai s dançar!...” E ri -s e a orques tra i rôni ca, es tri dente... E da roda fantás ti ca a s erpente


faz doi das es pi rai s ... Qual num s onho dantes co as s ombras voam!... Gri tos , ai s , mal di ções , preces res s oam! E ri -s e Satanás !...

V Senhor Deus dos des graçados ! Di zei -me vós , Senhor Deus ! s e é l oucura... s e é verdade tanto horror perante os céus ?! Ó mar, por que não apagas co’a es ponj a de tuas vagas de teu manto es te borrão?... As tros ! noi tes ! tempes tades ! rol ai das i mens i dades ! Varrei os mares , tufão! Quem s ão es tes des graçados que não encontram em vós mai s que o ri r cal mo da turba que exci ta a fúri a do al goz? Quem s ão? Se a es trel a s e cal a, s e a vaga à pres s a res val a como um cúmpl i ce fugaz, perante a noi te confus a... di ze-o tu, s evera M us a. M us a l i bérri ma, audaz!... São os fi l hos do des erto, onde a terra es pos a a l uz, onde vi ve em campo aberto a tri bo dos homens nus ... São os guerrei ros ous ados que com os ti gres mos queados combatem na s ol i dão. Ontem s i mpl es , fortes , bravos ... Hoj e mí s eros es cravos , s em l uz, s em ar, s em razão...


São mul heres des graçadas , como Agar o foi também, que s edentas , al quebradas , de l onge... bem l onge vêm... trazendo, com tí bi os pas s os , fi l hos e al gemas nos braços , n’al ma — l ágri mas e fel ... como Agar s ofrendo tanto que nem o l ei te do pranto tem que dar para Is mael . Lá nas arei as i nfi ndas , das pal mei ras no paí s , nas ceram — cri anças l i ndas , vi veram — moças genti s ... Pas s a um di a a caravana, quando a vi rgem na cabana ci s ma da noi te nos véus ... ( ...) Adeus , ó choça do monte! ( ...) Adeus , pal mei ras da fonte! ( ...) Adeus , amores ... adeus !... Depoi s , o areal extens o... Depoi s , o oceano de pó. Depoi s , no hori zonte i mens o, des ertos ... des ertos s ó... E a fome, o cans aço, a s ede... Ai ! quanto i nfel i z que cede e cai para não mai s s ’erguer!... Vaga um l ugar na cadei a, mas o chacal s obre a arei a acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, a guerra, a caça ao l eão, o s ono dormi do à toa s ob as tendas d’ampl i dão! Hoj e... o porão negro, fundo, i nfeto, apertado, i mundo, tendo a pes te por j aguar... E o s ono s empre cortado


pel o arranco de um fi nado e o baque de um corpo ao mar... Ontem pl ena l i berdade, a vontade por poder... Hoj e... cum’l o de mal dade, nem s ão l i vres pra morrer... Prende-os a mes ma corrente — férrea, l úgubre s erpente — nas ros cas da es cravi dão. E as s i m, zombando da morte, dança a l úgubre coorte ao s om do açoi te... Irri s ão!... Senhor Deus dos des graçados ! Di zei -me vós , Senhor Deus , s e eu del i ro... ou s e é verdade tanto horror perante os céus ?!... Ó mar, porque não apagas co’a es ponj a de tuas vagas do teu manto es te borrão? As tros ! noi tes ! tempes tades ! rol ai das i mens i dades ! Varrei os mares , tufão!...

VI E xi s te um povo que a bandei ra empres ta pra cobri r tanta i nfâmi a e cobardi a!... E dei xa-a trans formar-s e nes s a fes ta em manto i mpuro de bacante fri a!... M eu Deus ! meu Deus ! mas que bandei ra é es ta, que i mpudente na gávea tri pudi a? Si l ênci o, M us a... chora, e chora tanto que o pavi l hão s e l ave no teu pranto!... Auri verde pendão de mi nha terra, que a bri s a do Bras i l bei j a e bal ança, es tandarte que a l uz do s ol encerra e as promes s as di vi nas da es perança...


Tu, que da l i berdade após a guerra, fos te has teado dos herói s na l ança, antes te houves s em roto na batal ha, que s ervi res a um povo de mortal ha!... Fatal i dade atroz que a mente es maga! E xti ngue nes ta hora o bri gue i mundo o tri l ho que Col ombo abri u nas vagas , como um í ri s no pél ago profundo! M as é i nfâmi a demai s !… Da etérea pl aga l evantai -vos , herói s do Novo M undo! Andrada! arranca es s e pendão dos ares ! Col ombo! fecha a porta dos teus mares !

São Paul o, 1868


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